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0 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 673 (Ano VIII) (08/8/2016) ISSN - - BRASÍLIA 2016 Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN – 1984-0454

BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 673 · face de que não vem correspondendo a reivindicação da sociedade, quanto à excessiva morosidade na resolução dos conflitos. Recente

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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 673

(Ano VIII)

(08/8/2016)

 

ISSN- -  

 

 

 

 

 

 

 

 

BRASÍLIA ‐ 2016 

Boletim

Conteú

doJu

rídico-ISSN

–1984-0454

 

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Boletim Conteúdo Jurídico n. 673 de 08/08/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

ConselhoEditorial 

COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.

Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

   

BoletimConteudoJurıdico

Publicação

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SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

 

08/08/2016 Roberto Monteiro Pinho 

» Judiciário oneroso poderá ter novos cortes 

ARTIGOS  

08/08/2016 André Romero Calvet Pinto Ferreira » Federalismo fiscal na perspectiva dos municípios 

08/08/2016 Rafael Esperidião de Melo 

» Emissão de texto institucionalizada e teoria das fontes do direito 

08/08/2016 Filipe de Oliveira Cirqueira 

» O prazo prescricional da pretensão de desapropriação indireta à luz da jurisprudência 

do Superior Tribunal de Justiça 

08/08/2016 Augusto Batalha Monteiro 

» Análise dos valores que moldaram a formação do processo civil brasileiro e a 

mudança de paradigmas que possibilitaram a compreensão do processo como 

instrumento de realização de direitos 

08/08/2016 Paulo Eduardo Feitosa Brito 

» Ilegalidade e segurança jurídica 

08/08/2016 Júlia Thiebaut Sacramento 

» O regime diferenciado de contratações públicas à luz da doutrina e da jurisprudência 

do Tribunal de Contas da União 

08/08/2016 Marcos Guilhen Esteves 

» Inovações legislativas no processo coletivo: os modelos de Código e seus aspectos 

polêmicos 

08/08/2016 Julio Cesar Araujo Monte 

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» Diferença entre os institutos da prescrição e da decadência e o início da contagem do 

prazo prescrição segundo a teoria da actio nata 

08/08/2016 Arthur Cristóvão Prado 

» Uma análise jurisprudencial da boa‐fé na interpretação negocial 

08/08/2016 Rockweel Barbosa Silva 

» Taxa abusiva de juros nas operações de cartão de crédito 

08/08/2016 Vanessa Malveira Cavalcanti 

» O Poder Público como parte no processo 

08/08/2016 Mariana Mendes Brito de Oliveira 

» Da Possibilidade de Lavratura de Escritura Pública de Cessão de Direitos Hereditários 

Sem Anuência de Todos os Herdeiros 

08/08/2016 Caroline Damian da Silva 

» O superfaturamento por meio dos "jogos de planilha" em contratos administrativos 

oriundos de certame licitatório 

08/08/2016 Flávio Tenório Cavalcanti de Medeiros 

» A evolução do conceito da subordinação jurídica no âmbito das relações de trabalho 

08/08/2016 Eliziane Chagas Silva 

» A dignidade da pessoa humana e a proteção ao meio ambiente 

08/08/2016 Tauã Lima Verdan Rangel 

 

 

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JUDICIÁRIO ONEROSO PODERÁ TER NOVOS CORTES

ROBERTO  MONTEIRO  PINHO:  Foi  diretor  de  Relações Internacionais  da  Confederação  Geral  dos  Trabalhadores (CGT), editor do Jornal da Cidade, subeditor do Jornal Tribuna da Imprensa, correspondente internacional, juiz do trabalho no regime paritário, tendo composto a Sétima e Nona Turmas e  a  Seção  de  Dissídios  Coletivos  ‐  SEDIC,  é  membro  da Associação Brasileira de  Imprensa  ‐ ABI, escritor,  jornalista, radialista,  palestrante  na  área  de  RH,  cursou  sociologia, direito, é consultor sindical, no setor privado é diretor de RH, especialista  em  Arbitragem  (Lei  9.307/96).  Membro  da Associação Sulamericana de Arbitragem – ASASUL 

O governo do presidente interino, Michel Temer e o ministro da Fazenda Henrique Meireles, dentro do que alinham como “política de gastos públicos”, já tem alinhavada uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), para ser enviada ao Legislativo nas próximas semanas. No pacote de restrições a orçamentos, (considerado o mais duro pacote anti-social do século 21) estão cortes na educação, saúde e no judiciário, considerado a “ovelha negra”, em face de que não vem correspondendo a reivindicação da sociedade, quanto à excessiva morosidade na resolução dos conflitos.

Recente um juiz de vara, trabalhista no TRT1 marcou sua audiência inaugural para março de 2017. Já em Marabá o juiz trabalhista ouviu testemunhas pelo Skype com isso trouxe celeridade ao processo. Os cortes na especializada que são na ordem de 43%, vem a ser (com percentuais menores) a repetição do que já vem ocorrendo neste judiciário. Com 108 milhões de ações o judiciário brasileiro esta emperrado e com isso causando ainda mais morosidade.

Alheio a eficácia do judiciário, vai ser aprovado Projeto de Lei que aumenta em 16,4% o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal. O parecer da Comissão de Orçamento do Senado, que examina o texto em discussão na Casa quer que seja então aprovado, com isso as contas públicas sofrerão impacto de R$ 3,85

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bilhões por ano a partir de 2017. Desse total, R$ 1,2 bilhão impactará o orçamento da União e R$ 2,6 bilhões, dos estados.

O parecer foi encomendado pelo senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) para fomentar o debate do projeto na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. O documento mostra uma situação preocupante tanto para a União quanto para os estados, já que o salário dos ministros do Supremo é a base (nem todos) para a fixação da remuneração de todos os servidores públicos. Aqui temos um sinal latente, e desde já deve ser visto e revisto, diante da total incredibilidade dos brasileiros na autenticidade e esmero dos membros do judiciário.

Citando o senador romano, Marco Túlio Cícero: “O Orçamento deve ser equilibrado, o Tesouro Público deve ser reposto, a dívida pública deve ser reduzida, a arrogância dos funcionários públicos deve ser moderada e controlada, e a ajuda a outros países deve ser eliminada, para que Roma não vá à falência. As pessoas devem novamente aprender a trabalhar, em vez de viver à custa do Estado”. Ano 55 AC...

Recente, por falta de verba o TRT paulista anunciou que fecha as portas no dia 1 de agosto. O Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) irá demitir 94 estagiários, que atuam principalmente na área judiciária, e 60 adolescentes que trabalham na corte, além de devolver 97 equipamentos alugados. Todas as medidas, segundo a presidência do TRT-18, visam manter o funcionamento da Justiça do Trabalho em Goiás.

Em meio a este turbilhão, através de um projeto, os ministros do STF vão ganhar R$ 36,7 mil a partir de 1º de junho deste ano (retroativo) e R$ 39,2 mil a partir de 1º de janeiro de 2017. O fato é que à Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece que os estados só podem gastar até 6% de suas receitas correntes com o Judiciário, mas o projeto fará com que sete deles ultrapassem esse limite. Recente o governo concedeu um aporte de 353 milhões para a

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Justiça do Trabalho. Isso não significa que os gastos serão cobertos. È preciso repensar o custo/judiciário.

Sem argumentos razoáveis, juízes e serventuários não conseguem convencer o trade trabalhista, dos erros e desmerecimento que se traduzem na morosidade, no trato com as partes e na soberba de seus magistrados. Na especializada este tem sido um dos maiores problemas para os advogados, que reivindicam o cumprimento entre outros de norma do CNJ para que os alvarás sejam emitidos em seu nome e o respeito às prerrogativas, constantemente aviltadas.

Por outro lado, o cidadão, o trabalhador que procura a justiça, o faz por estar compelido a utilizar o estado, sendo esta a única via de acesso a justiça. O Juizado Especial criado pela lei 9009/05, que teria que resolver a demanda em 60 dias, demora um ano e meio. Hoje suas decisões são marcadas por indenizações baixas e com isso, a pretensão é a de desestimular a procura da justiça. Se assim for, melhor será o governo extinguir os tribunais, principalmente trabalhista e tratar linearmente do direito do cidadão.

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FEDERALISMO FISCAL NA PERSPECTIVA DOS MUNICÍPIOS

ANDRÉ ROMERO CALVET PINTO FERREIRA: Procurador do Município e Goiânia; advogado desde 2012; pós-graduado em direito administrativo.

RESUMO: É certo que o federalismo foi o modelo adotado pelo Estado brasileiro como forma de governo, estabelecendo um condomínio federativo, integrado pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Cada um deles é ente autônomo e independente entre si, que receberam um conjunto de competências para o atingimento de suas finalidades institucionais. Porém, para que logrem êxito, é necessário que haja recursos financeiros suficientes para fazer frente aos gastos exigidos na consecução das suas competências. Nesse quadro, os Municípios são os entes políticos mais prejudicados, posto que são eles que mais sofrem com a escassez de recursos, já que a Constituição de 1988 concentrou boa parte das competências tributárias nos demais entes federados, notadamente na União. De fato, em razão desse desequilíbrio, as municipalidades são os que mais sofrem para manter a sua autonomia política efetiva, pois esta dependem da autonomia financeira para ser concebida.

Palavras-chave: Federalismo fiscal. Municípios. Repartição de competências.

1 FEDERALISMO FISCAL NO REGIME CONSTITUCIONAL DE 1988

O Estado federal baseia-se no princípio constitucional da pluralidade de centros de poder autônomos coordenados entre eles, de modo que ao Governo federal e aos Estados federais são

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atribuídas competências próprias, com âmbito de abrangência próprio (BOBBIO, p. 481).

Consequentemente, cada parte do território e cada indivíduo estão submetidos a dois centros de poder, ao Governo federal e ao Estado federal respectivo, sem qualquer prejuízo ao princípio da unicidade de decisão sobre cada problema (BOBBIO, p. 481).

Tal modelo de Estado contrapõe ao Estado centralizado[1], no qual não existe nenhum centro autônomo de poder fora do Governo central, pelo contrário, este figura como o único centro de poder (BOBBIO, p. 482).

Foi por meio do Decreto nº 01, em novembro de 1889, que se proclamou entre nós a República Federativa, transformando as províncias em Estados Federados. Logo em seguida, o modelo federal foi consagrado como princípio fundamental na Constituição de 1981, o que foi reproduzido em todas as Constituições seguintes (JÚNIOR, 2009, p. 504).

A federação brasileira foi inspirada no modelo norte-americano, servindo de seu paradigma, embora aquela tenha se formado de modo contrário a este (JÚNIOR, 2009, p. 504).

Todas as Constituições que sucederam a de 1981, sem exceção, adotaram o modelo de Estado federado (JÚNIOR, 2009, p. 504).

Assim, não diferindo das anteriores, a Constituição Federal de 1988 adotou o sistema federativo como Forma de Estado, de modo que estabeleceu a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios como entes políticos autônomos entre si e todos integrantes da República Federativa do Brasil, a qual detém a soberania.

Então, em razão do Brasil ser um Estado Federal, a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios estão,

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juridicamente, no mesmo plano hierárquico, inexistindo subordinação entre eles (JÚNIOR, 2009, p. 505).

Nessa perspectiva, em razão da autonomia política, permitiu-se a cada ente político uma esfera de liberdade para definição de seu perfil político e de governabilidade, traduzida nas capacidades de auto-organização, autogoverno, autoadministração e auto-legislação (JÚNIOR, 2009, p. 505).

Com efeito, a capacidade de auto-organização é o poder de organizar-se de modo a exercer suas competências. É o poder de dar-se uma Constituição, a qual organizará seus Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, dotando-lhes de funções típicas (JÚNIOR, 2009, p. 505).

Por outro lado, a capacidade de autogoverno confere aos entes políticos a prerrogativa de eleger os seus próprios governantes, enquanto a capacidade de autoadministração confere aos mesmos o poder de organizar e prestar os seus próprios serviços públicos (JÚNIOR, 2009, p. 505).

Já a capacidade de auto-legislação é a prerrogativa de edição de leis e atos normativos no exercício de suas competências constitucionalmente definidas (JÚNIOR, 2009, p. 505).

Desse modo, tendo em vista todas essas capacidades, os membros federados, em tese, dispõem de poderes suficientes para se governar autonomamente (BOBBIO, p. 481). Pelo menos essa seria a ideia inicial do federalismo.

Cumpre, ainda, salientar que nossa atual Constituição previu a indissolubilidade da união das organizações políticas autônomas, de modo que os aludidos entes autônomos não podem dissociar-se da República Federativa do Brasil, formando outro ente soberano para o Direito Internacional.

Em outras palavras, é vedado o direito de secessão.

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A Constituição de 1988 adotou, quanto à repartição de competências, um federalismo de cooperação, que se caracteriza pela colaboração recíproca e atuação paralela ou comum entre os poderes centrais e regionais (JÚNIOR, 2009, p. 848).

De fato, a Constituição de 1988 tentou solucionar a desequilibrada repartição de poderes firmada pela ordem constitucional pregressa, adotando técnicas próprias que buscavam conciliar uma divisão equitativa do poder entre os entes federados com a possibilidade de atuações concorrentes (JÚNIOR, 2009, p. 850).

O fato da federação brasileira ter adotada um federalismo de cooperação e ter resguardado a sua indissolubilidade, evidencia a complexidade dada ao pacto nacional (CORRALO, 2015, p. 262).

É com base nesse federalismo de cooperação reportado pela Constituição de 1988 que resultam as diversas competências dos entes políticos, conforme o critério da predominância de interesses[2] (CORRALO, 2015, p. 263).

Decorre desse modelo de repartição de competências o conjunto de autonomias conferidas aos membros da federação, na medida em que se desdobra nas capacidades aludidas acima (CORRALO, 2015, p. 263).

Sequer o modelo federativo pode ser suprimido do texto constitucional, posto que foi definido, nos termos do seu art. 60, §4º, I[3], como integrante do núcleo essencial mínimo, intitulado cláusula pétrea.

Acerca do que se entende por cláusula pétrea, melhor citar diretamente abalizada doutrina (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 250).:

Há, afinal, as limitações materiais ao poder de reforma, O poder constituinte originário pode estabelecer que certas opções que tomou são

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intangíveis. Terá consagrado o que se denomina cláusula pétrea.

Aduzem Mendes, Coelho e Branco (2009, p. 255) que as cláusulas pétreas se propõem a assegurar a imutabilidade de certos valores e a preservar a identidade do projeto do constituinte originário, cuja eliminação enfraqueceria os princípios básicos do projeto do constituinte originário garantidos por ela.

Também não é possível a supressão do conteúdo do art. 60, §4º, I, da Constituição de 1988, ou seja, é inviável a alteração constitucional no sentido de remover a proteção conferida às cláusulas pétreas. Isso porque entende-se que há uma limitação implícita ao poder de reforma da Constituição, na medida em que as regras protetivas não podem ser suprimidas, enfraquecendo o núcleo considerado essencial pelo constituinte originário (MENDES, COELHO, BRANCO, 2009, p. 251).

Não se entende pela impossibilidade de alteração, em qualquer hipótese, do modelo federado, pois seria possível promover alterações, desde que resguardado o grau de autonomia de cada membro da federação, por exemplo, transferindo a competência de uma esfera da federação para outra (MENDES, COELHOS, BRANCO, 2009, p. 256).

Assim, é lógico concluir o modelo federado de estado consiste em característica fundamental da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, inerente a sua própria identidade, devendo tal qualidade ser resguardada e preservada com o intuito de se sustentar a própria estrutura constitucional estabelecida.

Com isso, as características básicas do Federalismo podem ser assim definidas: a) indissolubilidade do pacto federativo; b) descentralização política entre as vontades central e regionais, na medida em que a federação pressupões a existência de, pelo menos duas ordens jurídicas, sendo uma central e uma parcial; c) Constituição rígida com um núcleo imodificável que não permita a

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secessão; d) existência de um órgão que represente e externalize a vontade dos membros da federação de forma isonômica (paritária); e) autonomia financeira dos entes expressa na Constituição do ente soberano; f) a existência de um órgão de cúpula do Poder Judiciário que resolva os conflitos entre os entes de federação, impedindo assim a usurpação de competências e com isso o desrespeito a Constituição; g) auto-organização político-administrativa dos entes autônomos com a possibilidade de os mesmos produzirem suas próprias lei (auto-normatização ou auto-legislação) terem seu próprio governo (auto-governo) e sua própria administração (auto-administração) (JUNIOR, 2009, p. 506).

1.1 Federalismo fiscal como vetor fundamental

É óbvio que a autonomia política não se sustenta sem uma independência financeira mínima, que permitirá ao respectivo ente político uma liberdade de atuação e instrumentalização dos seus objetivos.

Com efeito, deve haver a devida correspondência entre a distribuição de competências e as receitas públicas, sob pena de ineficiência ou ineficácia da autonomia política, ou mesmo da dependência financeira de entre os entes (DALLARI, 1986, p. 20 apud CORRALO, 2015, p. 263).

Por isso, pode-se afirmar que o federalismo fiscal corresponde à manifestação financeira do federalismo político, possuindo a finalidade de ordenar as finanças públicas, com o fito de concretizar o próprio federalismo político (VIEIRA, p. 7539).

Nesse jaez, assevera-se (LEWANDOWSKI, 1994, p. 18):

Provavelmente, a característica mais relevante do Estado Federal – pelo menos a que apresenta maiores consequências de ordem prática –, ao lado da questão da distribuição de competências, seja a atribuição de rendas próprias às unidades federadas. Com efeito, é

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indispensável que o partícipe da federação, que exerce a sua autonomia dentro de uma esfera de competências própria, seja contemplado com a necessária contrapartida financeira para fazer face às obrigações decorrentes do exercício pleno de suas atribuições.

Nesse ínterim, o federalismo fiscal busca a concretização de dois princípios constitucionais, o princípio da autonomia e o princípio da solidariedade (DOMINGUES, 2007, p. 139 apud VIEIRA, p. 7539).

Concretiza-se o princípio da autonomia na medida em que estabelece as competências tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ao passo que se concretiza o princípio da solidariedade pela repartição das receitas tributárias, pela qual a União distribui parcelas de suas arrecadações com os demais entes políticos, e, por sua vez, os Estados fazem o mesmo em relação aos Municípios (DOMINGUES, 2007, p. 139 apud VIEIRA, p. 7539).

De fato, a autonomia financeira dos entes políticos compreende a instituição, arrecadação e aplicação dos tributos, bem como a gestão do recursos oriundos das transferências obrigatórias dos demais entes federados. No tocante ao Município, também vale ressaltar a importância das transferências voluntárias para o atingimento da referida autonomia (CORRALO, 2015, p. 266).

Para que seja garantida essa independência e a real garantia da autonomia dos entes, não restam dúvidas o quão fundamental é a repartição de receitas tributárias, visto que a Constituição Federal estipulou uma maior centralização das exações no âmbito do controle da União.

Aliás, dentro da própria noção de federalismo cooperativo está inserido a repartição de arrecadação tributária (VIEIRA, p. 7527).

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Nessa perspectiva, aduz-se que (CORRALO, 2015, p. 268):

O federalismo fiscal brasileiro, amparado na adequada repartição de receitas a fim de possibilitar a execução de competências, encontra-se altamente comprometido em razão da elevada concentração de recursos nos cofres da União, a restar parcos recursos aos Estados e, mais enfaticamente, às municipalidades.

Atento a essa premissa, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu um modelo de Estado que mitigasse as diferenças arrecadatórias dos entes políticos, com o fito de pô-los no mesmo patamar, seja distribuindo a competência tributária entre eles seja prevendo o partilhamento do produto das receitas.

Nesse jaez, Machado (2012, p. 275) assevera que “Com a Constituição Federal de 1988 a situação dos Estados-membros e Municípios restou um pouco melhorada, sobretudo no que diz respeito à distribuição do produto da arrecadação de impostos federais”.

No mesmo sentido, podemos citar, especialmente quanto aos municípios, (CORRALO, 2015, p. 267):

Assim, a autonomia financeira dos municípios repousa fortemente nas receitas oriundas do seu poder tributário, como também nas transferências constitucionais obrigatórias, já que estas traduzem uma ampla discricionariedade para a sua utilização, o que é definido nas leis orçamentárias. As transferências voluntárias, por sua vez, ou estão vinculadas a programas e projetos predefinidos pela União ou Estado, o que obriga os municípios a seguirem estas definições, ou são

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o resultado de articulações políticas, a remeter à famigerada dependência política.

Por conseguinte, pode-se dar os seguintes contornos ao federalismo fiscal (CORRALO, 2015, p. 267):

Em outras palavras, o federalismo fiscal tem por escopo o estudo da relação entre as competências e as receitas, que devem restar em equilíbrio. Mais do que isso, busca a autonomização máxima dos entes que integram a federação, especialmente através do poder de tributar, pois a existência de maior discricionariedade nos gastos remete a uma maior autonomia fiscal.

Ainda, sob outra ótica (VIEIRA, p. 7540):

Portanto, o federalismo fiscal pode ser definido como o conjunto de instrumentos, tanto no âmbito constitucional quanto o legal, voltados ao financiamento dos diversos entes federados, objetivando, além do custeio administrativo, a implementação de serviços e políticas públicas visando ao bem da coletividade.

Portanto, não basta somente reconhecer formalmente a existência de autonomia entre os entes políticos, é de suma importância garantir que os mesmos terão os meios adequados, notadamente os financeiros, para o desempenho livre e independente de suas atividades.

1.2 Fragilidade da autonomia financeira dos Municípios

O modelo de federação brasileiro inovou ao estabelecer os Municípios como membros autônomos, conferindo a eles todas as capacidades inerentes à autonomia política (autogoverno, auto-

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organização, autoadministração e auto-legislação), não obstante as críticas advindas dessa estruturação.

Não restam dúvidas que o art. 1º[4] e o art. 18º[5] da Constituição de 1988 estabeleceram os Municípios como entes autônomos e membros da federação, de modo que a sua autonomia decorre diretamente da Carta Magna, independente de qualquer delegação por parte dos demais entes federados.

Nesse sentido, assevera-se (MEIRELLES, 1993, p. 80): A autonomia não é poder originário. É

prerrogativa política concedida e limitada pela Constituição Federal. Tantos os Estados-membros como os Municípios têm a sua autonomia garantida constitucionalmente, não como um poder de autogoverno decorrente da Soberania Nacional, mas como um direito público subjetivo de organizar o seu governo e prover a sua administração, nos limites que a Lei Maior lhe traça. No regime constitucional vigente, não nos parece que a autonomia municipal seja delegação do Estado-membro ao Município para prover a sua Administração. É mais que delegação; é faculdade política, reconhecida na própria Constituição da República. Há, pois, um minimum de autonomia constitucional assegurado ao Município, e para cuja utilização não depende a Comuna de qualquer delegação do Estado-membro.

Então, enquanto ente político autônomo, a Constituição de 1988 fixou uma série de competências materiais e legislativas a tal ente, considerando o critério da predominância de interesses, que, no caso dos Municípios, é tangido pelo interesse local[6](JÚNIOR, 2009, p. 851).

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As competências dos entes municipais estão expressas no art. 23 e no art. 30 da Constituição, sem prejuízo dos demais dispositivos esparsos que também atribuem competência a tais entes.

A atuação dos Municípios é fundamental para o bem-estar da população e para a concretização das finalidades do Estado, em decorrência da sua proximidade com os anseios e demandas da população. Essa proximidade indica que tal ente é o que dispõe de maior potencial para responder e suprir, de forma célere, as necessidades dos administrados, já que a zona de contato com ela é maior.

Por óbvio, para honrar o conjunto de competências a eles atribuídas, os Municípios também devem possuir recursos equivalentes, de modo a possibilitar a sua atuação.

Contudo, “em razão das crescentes competências municipais, especialmente na formulação e execução de políticas públicas, mostra-se inadequada a repartição de receitas operada pela ordem constitucional” (CORRALO, 2015, p. 268).

Assim, percebe-se rapidamente que os Municípios vivem em uma situação de dificuldade e fragilidade econômica, já que suas atribuições são várias e diversificadas, ao passo que os seus recursos são poucos.

Obviamente, não se pode generalizar e afirmar que a situação de todos os Municípios do Brasil sofrem com o desgaste econômico, mas, com base em estudos recentes, pode-se apontar que a maioria deles não vive em situação de abundância financeira, pelo contrário.

Evidenciando essa situação difícil de diversos Municípios, assevera-se que (CORRALO, 2015, p. 268):

O acréscimo das receitas tributárias próprias encontra óbices nos municípios eminentemente rurais (pequeno porte), a grande maioria dos

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municípios brasileiros, já que a base tributária local, calcada no Imposto Predial e Territorial Urbano, no Imposto sobre a Transmissão Onerosa de Bens Entre-Vivos e o Imposto sobre Serviços, encontra-se amparada em arrecadações dependentes de um considerável espaço urbano.

Para piorar a situação de tais entes, as municipalidades comprometem, na média nacional, 5,25% da sua receita com gastos da competência do Estado ou da União. Ainda, os municípios com menos de 20.000 habitantes, por exemplo, despendem mais recursos com despesas da União e do Estado do que conseguem arrecadar com seus tributos municipais. (BREMAEKER, 2013, apud CORRALO, 2015, p. 267).

Além disso, há estudos recentes que há grande concentração de receitas aos cofres da União, em detrimento dos Estados e Municípios. Em 2011, do total arrecado, 54,64% dos recursos tinham ficaram com a União, 27,49% com os Estados e 17,87% com os Municípios. (BREMAEKER, 2013, apud CORRALO, 2015, p. 267).

Ademais, aproximadamente 17% das receitas municipais são próprias, ou seja, fruto da arrecadação dos tributos de sua competência, ao passo que mais de 60 % originam-se de transferências constitucionais e voluntárias. (BREMAEKER, 2013, apud CORRALDO 2015, p. 267).

Tal quadro de informações leva a perceber que a capacidade dos Municípios se manterem financeiramente é incompatível com o complexo de competências e incumbências que acumula.

Dessa forma, a pode-se concluir que a dependência de tais entes ao repasses constitucionais de receitas é elevado, tendo em vista a incapacidade dos mesmos de satisfazerem suas necessidades com os recursos que arrecada.

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No tocante à atual ordem constitucional, dura crítica a sistemática de repartição de receitas é realizada por Harada (2011, p. 48), aduzindo que, embora possa parecer que o citado mecanismo de participação no produto da arrecadação de imposto alheio favoreça as entidades políticas, na medida em que as livra dos custos de implantação de fiscalização e de arrecadação, na verdade, fica tolhida a autonomia financeira dessas entidades, tendo em vista as inúmeras de entraves burocráticos impostos ao funcionamento de tal sistema.

Assevera Harada (2011, p. 48) que a melhor forma de garantir a independência político-administrativa às entidades componentes da Federação é conferir-lhes a autonomia financeira, por meio de tributos próprios.

Concorda-se com as palavras de Harada, tendo em vista que a autonomia financeira dos entes políticos menores realmente só existirão a partir do momento em que os mesmos não dependerem dos demais entes políticos para receber recursos.

2 CONCLUSÃO

Percebe-se que é fundamental para a garantia da autonomia política dos entes federados a garantia também de sua autonomia financeira, a qual permitirá o desempenho de suas atividades institucionais, conferindo ao modelo federal de estado um verdadeiro contorno de autonomia e independência entre seus integrantes.

Para os Municípios tal situação é preocupante, posto que o ínfimo número de competências tributárias conferidas a tais entes desfavorece a existência de uma autonomia financeira. Por sorte, o regime de repartição constitucional de receitas tem efetuado uma função primordial na melhoria de tal quadro.

A Constituição de 1988, ciente de que a repartição de competências por ela realizada desfavorecia as entidades locais, trouxe normas que consagraram a obrigatoriedade de repartição de

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receitas em favor dos Municípios, com o fito de viabilizar o seu próprio funcionamento.

Contudo, propõe-se que a verdadeira autonomia financeira somente será alcançada pelos Municípios no momento em que eles não passarem a depender dos repasses constitucionais, recebendo diretamente da Constituição competências para a instituição de receitas próprias.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 02 jun. 2016.

_______. Lei 5.172 de 25 de outubro 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Portal da Legislação, Brasília, out. 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172Compilado.htm>. Acesso em: 06 jun. 2016.

BOBBIO, Noberto. Dicionário de política; trad. Carmen C, Varriale et ai.; coord trad. João Ferreira; re. Geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais. 11º Ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998.

HARADA, Kiyoshi. Incentivos fiscais. Limitações constitucionais e legais. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 94, nov 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10645>. Acesso em jul 2016.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4 Ed rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.

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CORRALO, Giovani da Silva. O Estado brasileiro: entre o federalismo fiscal e a autonomia financeira municipal. Teoria do estado [Recurso eletrônico on-line]; organização CONPEDI/UFS; Cordenadores: Ilton Noberto Robl Filho, Armando Albuquerque de Oliveira, Sergio Urquhart de Cademartori – Florianópolis: CONPEDI, 2015.

VIEIRA, Gabriel Antonio de Abreu. O federalismo brasileiro na perspectiva da evolução do sistema constitucional tributário. Anais do XVIII Congresso Nacional do COMPEDI. São Paulo: COMPEDI, 2009.

JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de direito constitucional. 3º Ed. Salvador: Juspodivm, 2009.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 33º Edição. São Paulo: Malheiros, 2012.

HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 20º Edição. São Paulo: Atlas, 2011.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 24º Edição. São Paulo: Malheiros, 2008.

BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 1º Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1970.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 6º Ed. São Paulo: Malheiros, 1993.

LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Pressuposto materiais e formais da Intervenção Federal no Brasil. São Paulo: Revista dos tribunais, 1994.

BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 15º Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

NOTAS:

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[1] Sinônimo de “Estado Unitário”.

[2] Realmente, o princípio geral que norteia a repartição de competências entre os entes autônomos é o da predominância de interesses, pelo qual cumpre a União as matérias e questões de predominante interesse geral, nacional; aos Estados cabem as questões de predominante interesse regional; e, por fim, aos municípios competem os assuntos de predominante interesse local (JÚNIOR, 2009, p. 851).

[3] Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado;

[4] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:(...)

[5] Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

[6] Interesses locais são aqueles que o próprio Município, por meio de sua própria lei, vier a entender de seu interesse, correspondendo àqueles que atendem, de modo direto e imediato, às necessidades locais, ainda que com alguma repercussão sobre as necessidades dos Estados ou do País (JÚNIOR, 2009, p. 876).

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EMISSÃO DE TEXTO INSTITUCIONALIZADA E TEORIA DAS FONTES DO DIREITO

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RAFAEL ESPERIDIÃO DE MELO: Advogado na cidade de Maceió - AL.

RESUMO: O presente trabalho busca abordar o precedente judicial enquanto fonte do direito sob uma perspectiva eminentemente teórica. Partir-se-á, para tal fim, de noções filosóficas relativas à interpretação jurídica, como a diferença entre texto e norma, círculo hermenêutico, conceitos de intepretação e compreensão. Além disso, fundamentar-se-á com base em aspectos atinentes à teoria da norma jurídica como fenômeno comunicativo, bem como em aspectos relativos à estrutura interna da norma, na perspectiva abordada por Hans Kelsen e Tércio Sampaio Ferraz Jr.; bem como sua construção pelo intérprete, pautada pelo texto, âmbito e programa normativo, conforme delineamentos de Friedrich Müller. No mais, alguns conceitos normalmente utilizados pela doutrina com base na tradição doCommon Law, tais como, ratio decidendi e obiter dictum, serão reformulados a fim de adequá-los ao sistema jurídico nacional e aos modernos delineamentos esboçados quanto à interpretação jurídica. Por fim, as concepções abordadas serão utilizadas para argumentar a favor da “obrigatoriedade” de determinadas decisões judiciais proferidas no bojo do sistema decisório brasileiro.

Palavras-chaves: Precedente Judicial. Ratio decidendi. Texto Normativo. Teoria das Fontes do Direito. Teoria Geral do Direito. Filosofia do Direito. Hermenêutica Jurídica.

1. RATIO DECIDENDI E TEORIA DAS FONTES DO

DIREITO 1.1 A RATIO DECIDENDI E O PRECEDENTE JUDICIAL. A

SINGULARIDADE DO SISTEMA BRASILEIRO.

Antes de afirmarmos se, e em que medida, a ratio decidendipode ser equiparada à norma jurídica, mostra-se necessário, evidentemente, delinear qual é o conceito de ratio decidendi, bem como sua diferenciação para com o conceito correlato de obiter dictum. Neste ponto, também se mostrará necessário distingui-la da expressão muitas vezes utilizada em seu

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lugar, especialmente pela doutrina nacional, qual seja, precedente judicial.

Conforme Marcelo Alves Dias de Souza[1], Itarrulde Sesma elenca cinco definições comuns do termo ratio decidendi. Dentre elas, destacam-se: a) a razão explícita para a resposta dada à questão do caso; e b) a regra de Direito na qual se fundamenta o caso ou se cita como autoridade um posterior intérprete. Da mesma forma, avulta importância a definição de Rupert Cross, trazida por Marinoni[2]: c) “a ratio decidendi de um caso é qualquer regra de direito expressa ou implicitamente tratada pelo juiz como passo necessário para alcançar a sua conclusão...”.

Essas três definições se mostram suficientes e essenciais para deixar fixados dois pontos básicos. O primeiro diz respeito à definição de ratio decidendi e, por conseguinte, sua diferenciação conceitual com a expressão, muitas vezes utilizada sem precisão terminológica, denominada precedente judicial. O segundo, por sua vez, consiste nas idiossincrasias atinentes ao sistema brasileiro, capazes de distingui-lo claramente do sistema do Common Law e relevar algumas nuances desta tradição.

Percebe-se, no bojo das definições acima, que a expressão “caso” (= litígio) se encontra presente em todas elas. Certamente, isso decorre de serem os referidos conceitos retirados do Direito anglo-saxônico – Common Law –, no qual a ratio decidendi – por eles denominada “holding” –, corresponde ao conjunto de teses jurídicas utilizadas para resolver o “quadro fático” trazido ao crivo do poder judiciário. Quer-se dizer com isso que a ratio decidendi, conforme as definições importadas de terras anglo-saxônicas, significa o próprio Direito aplicado aos fatos levados a Juízo.

A “tradição” do Common Law, baseada no Stare decisis – ou Teoria do Precedente Obrigatório –, foi construída, precipuamente, em solo inglês, onde o legado empirista influenciou sobremaneira a forma de pensar e construir o Direito. O empirismo, enquanto corrente científica, baseia-se no encontro do conhecimento de

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forma eminentemente indutiva, de modo que as regras gerais-universais e, portanto, científicas, são retiradas do “particular” por meio de experimentos controlados.

Da mesma forma, o Direito inglês foi erigido a partir do “particular”, dos casos concretos trazidos ao exame dos magistrados e das cortes, a partir dos quais, em momento posterior, criaram-se regras gerais que serviriam de fundamento para casos futuros, uma vez que a decisão correta para a solução da controvérsia já havia sido empiricamente encontrada, nada restando ao magistrado, senão, reproduzi-la.

Destarte, na medida em que, no sistema do Common Law, aratio decidendi era construída a partir das controvérsias levadas ao judiciário, os conceitos retirados de tal tradição jurídica tendem a enfatizar o “caso”, o conjunto fático trazido a Juízo, de modo que o conceito da ratio decidendi, para os autores anglo-saxônicos, não se desvincula da solução do litígio. Assim, em que pese à diversidade de definições, há sempre um núcleo irresistível nos conceitos de ratio decidendi: resolução do “caso” (= resolução de questões fáticas).

Por tal motivo – a ênfase no “caso” –, os Common Lawyersfazem a distinção entre ratio decidendi e obter dictum, sendo esta considerada essencial tanto para o entendimento teórico quanto para a operacionalidade prática deste sistema. A dificuldade, tal como vista acima, de delimitar com precisão o conceito de ratio decidendi influi, sobremaneira, na também tormentosa tarefa de conceituar obiter dictum[3].

Todavia, é certo que Obiter dictum é um conceito que pode ser extraído negativamente, como sendo aquela parte da decisão que não constitui a ratio decidendi[4]. Assim, sendo o “caso” elemento essencial da ratio decidendi, às vezes definida como “regra de direito” ou “razões” necessárias e/ou suficientes para a solução do conjunto fático trazido a juízo, pode-se afirma queObiter dictum constitui aquela mesma “regra de direito” ou “razões” que,

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embora invocadas pela corte, possuem mínima ou nenhuma relação com o caso vergastado ou, embora relacionado, não é necessária nem suficiente à decisão proferida.

Marinoni[5] acredita que tal inclinação para colocar o “caso” como elemento fundamental para conceito de ratio decidendi – e a consequente distinção entre ratio e dictum – decorre dos inconvenientes de conceber várias “ratio” para o mesmo caso, pois o magistrado acabaria por ter a liberdade de escolher entre diversas “ratio”, em claro prejuízo a segurança jurídica. Além disso, podemos acrescentar, como dito acima, a influência da tradição filosófica empirista, a qual procurava obter regras de validade universal através da observação de experimentos singulares, conforme ditames do método indutivo.

A tradição continental – Civil Law –, todavia, caminhou em sentido diametralmente oposto. Com efeito, diferentemente da Inglaterra, a Europa continental foi influenciada pelo racionalismo e, portanto, pelo método dedutivo, o qual procurava o conhecimento a partir da criação de regras gerais-universais aferíveis por meio da dedução para, então, utilizá-las para conhecer seu objeto de estudo. Da mesma forma, o Direito foi concebido em moldes racionalistas, em que se criavam regras jurídicas dedutivamente para, então, aplicá-las aos casos trazidos ao magistrado.

Somada às ideias montesquenianas de separação dos três poderes, o Direito foi, portanto, construído de forma eminentemente legislativa, sendo sua aplicação compreendida em moldes silogísticos e dedutivos, de modo que as leis constituiriam a premissa maior, o caso concreto a premissa menor, e a sentença jurisdicional a conclusão do raciocínio subsuntivo. Diante disso, criou-se uma ênfase na “Lei” e no “Direito” em detrimento do “caso”, pois, diferentemente do Common Law, são os códigos legais que constituem o ponto de partida inicial e inafastável, através do qual a norma será “aplicada” ou “concretizada”

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Seguindo esta linha de pensamento presente no Civil Law, a aurora dos precedentes judiciais no Direito brasileiro não põe ênfase no “caso”, na controvérsia fática posta perante o juízo, mas nas questões suscitadas no bojo das teses jurídicas levantadas pelas parte[6]s ou, até mesmo, aquelas que, embora não alegadas, devem obrigatoriamente ser conhecida e decididas pelo magistrado, por força da legislação processual ou da Constituição Federal da República.

Assim, é crucial entender que, ainda que inconscientemente, a construção jurisprudencial brasileira foi pautada pela possibilidade de existirem diversas ratio decidendi para um único caso submetido ao crivo do poder judiciário, sendo cada ratioatrelada a uma questão jurídica específica, ainda que “estritamente de direito” [7] e nenhuma importância tenha para a solução do litígio vergastado. Quer dizer, cada “thema decidendum”, após examinado e julgado pelo órgão competente, terá sua própria ratio decidendi, independentemente de sua importância para resolver o “caso”.

Em termos de Teoria da Cognição Judicial, deve-se entender por quaestio iuris toda e qualquer tese suscitada pelas partes ou imposta por lei, sobre a qual o órgão julgador tenha, necessariamente, de se pronunciar, proferindo uma decisão. Parte da doutrina afirma que apenas constitui questão jurídica um ponto suscitado por uma parte e impugnado pela parte adversa – questão, portanto, seria um ponto controvertido[8]. Todavia, essa concepção excluiria as questões que, ex vi lege, devem necessariamente ser conhecidas e julgadas pelo magistrado, como as questões preliminares, as questões de ordem pública etc.

Diante disso, é fácil perceber que a tormentosa questão de definir o que seja ratio decidendi e, por conseguinte, sua diferenciação para com o conceito de obiter dictum, torna-se sobremaneira fácil para a doutrina nacional relativa aos precedentes judiciais. Com efeito, a desvinculação do “caso”, somado ao primado do método dedutivo, permite ao sistema brasileiro aceitar

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que uma mesma decisão seja composta de váriasratio decidendi, de modo que não há problemas em defini-la, singelamente, como “as razões suficientes à solução das questões versada nos casos”[9].

Neste ponto, ressalve-se que não é possível conceber “razões suficientes à solução...” como desprovida de qualquer determinação. De fato, uma ratio decidendi que apenas expõe a fundamentação, sem qualquer provimento, nada soluciona e, por conseguinte, não constitui ratio, mas mero dictum. Da mesma forma, um provimento desprovido de qualquer fundamentação não se considera ratio, pois não elenca qualquer razão à solução das questões versadas nos autos. Diante disso, ganhar peso a afirmação de Marinoni, no sentido de que a ratio decidendi é um todo complexo formado pelo relatório, fundamentação e dispositivo[10].

Deste modo, não apenas aquela tese jurídica necessária e/ou suficiente à decisão do “caso” será considerada ratio decidendi, mas cada um dos motivos fundantes – considerados em sentido amplo, englobando, também, o provimento determinado – e suficientes para decidir as diversas questões versadas nos autos[11]. Diante disso, os motivos determinantes para a resolução das questões preliminares, das relativas aos pressupostos de admissibilidade recursais e, até mesmo, das questões ventiladas pela parte sucumbente constituem, diferentemente do Common Law, ratio decidendi e, portanto, são aptas a se tornarem precedentes judiciais.

Veja-se, a título de exemplo, a ementa do seguinte julgado:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA DE PRETENSÃO RESISTIDA. CONTESTAÇÃO LIMITADA À MATÉRIA PRELIMINAR PROCESSUAL. CARÊNCIA DE AÇÃO POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR. APELAÇÃO

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IMPROVIDA. 1. Trata-se de apelação do suplicante em face da sentença que, em face da preliminar de falta de interesse de agir em função da ausência de requerimento administrativo, julgou extinto o processo sem resolução do mérito. 2. Em nenhum momento o INSS atacou o mérito da causa - concessão do benefício de aposentadoria rural. Em sua contestação limitou-se, apenas, a impugnar matéria de índole preliminar processual, qual seja, a ausência de requerimento administrativo, que acarreta a carência de ação por falta de interesse de agir. 3. O Poder Judiciário não pode substituir-se ao administrador, analisando os pedidos de concessão de benefício previdenciário ainda não submetidos ao órgão competente para o deferimento ou indeferimento do pleito. 4. Inexistindo pretensão resistida, não há interesse legítimo para o exercício do direito de ação. 5. Conclui-se pela ausência de uma das condições da ação, devendo esta ser extinta, sem apreciação do mérito, na forma do art. 267, VI, do CPC. 6. Apelação improvida.[12] (Grifei).

Neste julgado, fica claro que o Tribunal decidiu sobre uma questão eminentemente processual. Com efeito, tratava-se de demanda judicial na qual o autor pugnava pela concessão do benefício previdenciário de aposentadoria rural, sendo o feito, todavia, extinto em primeira instância sob o argumento de ausência de pretensão resistida, elemento essencial à configuração da lide e, por conseguinte, da relação jurídico-processual.

Diante disso, o autor da demanda recorreu alegando que a contestação ofertada pela autarquia previdenciária equivaleria à negativa de seu direito, caracterizando, portanto, a pretensão

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resistida. O Tribunal, entretanto, entendeu que a peça contestatória, quando limitada a impugnar aspectos processuais, não caracteriza pretensão resistida, de modo que, diante da ausência de lide, agiu corretamente o magistrado “a quo” em extinguir o feito sem resolução de mérito.

Verifica-se, portanto, que a decisão em comento não poderia, no sistema do Common Law, ser considerado um precedente judicial, pois, na medida em que não há a resolução de nenhum “caso” (= quadro fático), restaria desprovido de ratio decidendi. No caso brasileiro, em virtude dos motivos elencados acima, não há óbice para que o presente julgado seja considerado como guarnecido de ratio, haja vista se encontrarem presentes os motivos suficientes para a resolução da questão trazida ao crivo da corte, qual seja, configuração da lida diante da ausência de “contestação de mérito”.

Neste ponto, vale salientar ser possível que determinada questão “X” possa ser decidida de acordo com diversos motivos – “a”, “b”, “c” –, neste caso, sendo cada um deles suficiente, por si só, à fundamentação da decisão sobre a referida questão, haverá três ratio diferentes. Todavia, se a questão somente puder ser decidida invocando todos, ou ao menos dois dos fundamentos retromencionados, então será o conjunto desses fundamentos que constituirá a ratio.

No caso supratranscrito, por exemplo, somente a soma de dois argumentos podem levar a conclusão exposta, quais sejam: a) O Poder Judiciário não pode substituir-se ao administrador, analisando os pedidos de concessão de benefício previdenciário ainda não submetidos ao órgão competente para o deferimento ou indeferimento do pleito; e b) a contestação limitou-se a impugnar matéria de índole preliminar processual, qual seja, a ausência de requerimento administrativo, o qual acarreta a inexistência de pretensão resistida, de modo que não há interesse legítimo para o exercício do direito de ação. Sendo a conclusão: ausência de uma

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das condições da ação, devendo o feito ser extinto, sem apreciação do mérito, na forma do art. 267, VI, do CPC.

Diante dessas considerações, e levando-se em conta que o conceito de obiter dictum, como fora salientado anteriormente, é retirado por raciocínio negativo, quer dizer, como tudo aquilo que não constitui ratio decidendi, é possível concluir que somente serãoobiter dictum os fundamentos concernentes às questões que forem decididas em sede de cognição sumária, levantadas hipoteticamente no bojo da fundamentação, ou estranhas aos limites objetivos da lide.

Com efeito, tendo em vista que somente é possível considerar ratio decidendi os fundamentos suficientes para a resolução das questões postas em juízo, será obiter dictum aqueles motivos que forem alheios às questões constantes na causa de pedir e no pedido, os que não forem atinentes às questões suscitadas pelas partes ao longo do feito ou, ainda, aquelas cuja legislação impõe apreciação ex officio – por exemplo, decadência –, de modo que não se mostram aptos a servirem de parâmetro para julgamentos posteriores.

A diferenciação entre ratio decidendi e obiter dictum, ainda que mitigada diante da singularidade do sistema jurídico brasileiro, mostra-se essencial para o estudo dos precedentes, pois estes possuem, de forma inafastável, a ideia de um núcleo irresistível disposto no bojo da decisão, o qual poderá ser posteriormente utilizado de forma “obrigatória” ou “persuasiva” para outra decisão jurídica.

Outro ponto importante, cujos delineamentos acima nos ajudam a resolver, consiste na diferenciação conceitual entre ratio decidendi e precedente judicial, sendo certo que, no seio da doutrina, é comum a utilização de ambos os termos como sinônimos, sem qualquer preocupação com precisão terminológica e as consequências advindas da utilização dos conceitos indistintamente.

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No sistema do Common Law, regido pelo “princípio” do Stare decisis – ou Teoria dos Precedentes Obrigatórios – quando se fala que a decisão deve ser vinculada ao precedente já formado, quer-se, na verdade, afirmar que o caso em análise deve ser resolvido de acordo com a ratio decidendi já consagrada em julgado anterior. Assim, o que de fato é obrigatório no sistema jurídico anglo-saxônico não é o precedente, mas a ratio decidendi – ou “holding” – disposta no caso anteriormente julgado[13].

Conforme afirma Cruz e Tucci[14], o precedente é composto de duas partes. A primeira consiste no conjunto de fatos que embasam a lide, ao passo que a segunda equivale ao princípio jurídico assente no corpo do julgado e que enseja a resolução do caso – ratio decidendi. Assim, precedente e ratio decidendi não se confundem, sendo esta dotada de “eficácia obrigatória” no sistema do Stare decisis. Diante dessa definição, contudo, fica difícil diferençar “precedente judicial” de “decisão judicial”, uma vez que esta, da mesma forma, consiste num conjunto de fatos controvertidos – lide – com os respectivos motivos que embasam sua solução.

É possível defender que o precedente, na verdade, é uma decisão judicial “x” utilizada no bojo de outra decisão “y”, sendo aquela o fundamento desta, de modo que toda decisão judicial seria um precedente em potencial. Todavia, o mais aceito na doutrina – nacional e estrangeira – consiste na perspectiva de que, no dizer de Marinoni[15], o precedente corresponde a uma decisão qualificada, dotada de certas características específicas, mormente no que diz respeito à potencialidade de se firma como paradigma para casos futuros. Neste ponto de vista, decisão judicial e precedente não se confunde, sendo este uma modalidade específica de provimento jurisdicional, especialmente destinado a ser utilizado como paradigma para a resolução de casos futuros.

Esta preferência de conceituação pode ser explicada pela resistência, tanto no Common Law quanto no Civil Law, em conceber a atividade jurisdicional como eminentemente criativa ao

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invés de reveladora. Argumenta-se, em terras anglo-saxônicas, que a decisão judicial “y”, ao se utilizar de decisão anterior “x”, não está a criar o precedente judicial, pois ele já existia, sendo apenas utilizado. Afirmar o contrário seria dizer que não haveria, propriamente, precedente judicial, pois as decisões “a”, “b”, “c”, “d” “...”, ao utilizarem a decisão “x”, estariam criando um novo precedente e, por conseguinte, a própria ideia do Stare decisis não faria qualquer sentido.

Há, portanto, duas possíveis conceituações de precedente judicial. A primeira, concebe-o como uma decisão jurídica utilizada no fundamento de outra decisão – por exemplo, uma decisão “X” que cita outra decisão “Y”, esta constituirá precedente enquanto utilizada por aquela; a segunda o entende como uma decisão qualificada, dotada de característica intrínseca, capaz de torna-lhe utilizável como paradigma para decisões futuras.

Esta última conceituação – que tolhe a atividade criativa do magistrado e entende o precedente como algo “dado” –, e já adiantado o que será dito no próximo capítulo, não resiste aos contemporâneos delineamentos atinentes à hermenêutica jurídica. Destarte, embora seja o mais amplamente aceito pela doutrina, não se coaduna com as premissas levantas neste trabalho.

Diante disso, observa-se que o conceito de precedente necessita de maiores observações teóricas. Estas serão feitas posteriormente para, na ocasião, fornecermos um conceito prospectivo de precedente judicial, capaz de adequá-lo aos fundamentos expostos relativamente à interpretação, a separação entre texto e norma, e a concepção de unidade das normas jurídicas criadas no momento da decisão.

Em suma, foram abordados dois temas: a) A ratio decidendie seu conceito sui generis no direito brasileiro, tendo em vista seu caráter eminentemente jurídico ao invés de fático; e b) Os conceitos relativos ao precedente judicial, sua diferença para comratio decidendi e “decisão judicial transitada em julgado”. Ambos os

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temas, somados as considerações feitas anteriormente referentes à norma jurídica e sua interpretação, servirão para analisar os precedentes judiciais enquanto fonte do Direito de forma precipuamente teórica.

1.2 CONSIDERAÇÃOS SOBRE A “TEORIA DAS FONTES

DO DIREITO”. Recorrendo ao lugar-comum abordado pela doutrina, fontes

do direito é expressão que alude à noção de origem, gênese – a sempre citada metáfora da água brotando da nascente de um rio –, de modo que a expressão “fontes” remete ao questionamento de “onde surge o direito”. Entretanto, com a aurora da corrente normativista, a questão foge do conceito abstrato e plurívoco de “Direito” e passar a questionar qual a origem das “normas jurídicas”, em seu conceito “preciso” fornecido por Hans Kelsen.

Observar-se, portanto, tratar-se de um conceito que parte, inicialmente, do pressuposto de ser o Direito um “dado” – uma categoria ontológica alheia ao homem – e apenas revelado/descoberto pela atividade intelectual. Esta visão de mundo, em que o conhecimento se dissolve em entendimento e a realidade, através do método, “revela-se”, é típica da tradição filosófica platônica-kantiana mencionada no primeiro capítulo. Trata-se, pois, da tentativa – seja através da fé perante Deus, da evidência por meio da razão, ou da dissolução de pseudoproblemas pela “linguagem clara”[16] – de tonar o ser humano em uma máquina adequadamente programada[17], cuja tarefa consiste, tão somente, em observar a realidade e assinalá-la tal como ela é.

Nesta tentativa de revelar o Direito, o jusnaturalismo viu na razão humana o centro da investigação jurídica, o “local”, pois, onde o Direito se encontrava inerte, desejando vistosamente ser encontrado. A razão, sendo a faculdade singular e especial conferida por Deus aos homens, capaz de diferenciá-los dos animais, era comum a todos os povos, constituindo, portanto, a

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gênese do inato senso de justiça comum a todos os homens e, consequentemente, o único meio capaz de fornecer um “Direito justo”.

Por outro lado, o historicismo alemão, em contrapartida ao universalismo atemporal do jusnaturalismo iluminista, concebeu o Direito de modo eminentemente histórico e situacional, quer dizer, como um produto cultural “fabricado” pelo homem e jungido à sociedade que o “fabrica”. Todavia, não se abandonou a noção do Direito como algo que “sempre esteve lá”, como um “dado a ser revelado”. Com efeito, se para o jusnaturalismo o “Direito” se encontrava na “razão”, para o historicismo residia no “Espírito do Povo”[18] – “Volkgeist”.

Na corrente iluminista, o Direito que permanecia latente e quieto na razão humana, deveria ser expresso – como que por um dever moral – pela pena legislador, cuja singular tarefa consistia, através de métodos dedutivos racionalistas, expressar o conteúdo do Direito – o qual, repita-se, sempre “esteve lá”, bastando apenas ser “achado e expresso”. No historicismo, por sua vez, o Direito jazia vivo e efervescente nos corredores do labirinto chamado “Espírito do Povo”, devendo ser expresso não pelo legislador, que apenas fornecia mais um elemento – a Lei – de aferição do“volkgeist”, mas, isto sim, pelo cientista do direito, através dos cinco métodos clássicos de interpretação: Gramatical, Lógico, Sistemático, Histórico e Sociológico.

Observando esta diferença entre “aonde se encontra o Direito” – razão/volkgeist –, e “por qual meio o direito, uma vez encontrado, é revelado” – procedimento legislativo/Ciência do Direito –, a doutrina logo passou a conceber dois tipos de fontes[19]: a) Substanciais – materiais – responsáveis pelo “conteúdo do Direito”, pelo seu significado; e b) Formais, consistente no veículo, no meio pelo qual aquele conteúdo é revelado.

Essa visão das Fontes do Direito, contudo, esbarra em Kelsen, na medida em que este, realçando o caráter plurívoco do

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termo “Direito” – ora significando ordenamento normativo, ora direito subjetivo etc. –, concebe, como visto no primeiro capítulo, a norma jurídica como o verdadeiro objeto de investigação da Ciência do Direito, deixando de lado conceitos filosóficos, políticos, sociológicos e psicológicos que pudessem obscurecer a clareza necessária a uma teoria estritamente científica.

Assim, a fim de manter a pureza de sua teoria, Kelsen percebeu que a problemática em torno das Fontes do Direito ia muito além da mera curiosidade intelectual em conhecer a origem do “Direito”, era – e ainda é – uma questão que envolve o ordenamento jurídico enquanto “sistema”, e que deve responder as perguntas: “O que faz com que as normas religiosas, gramaticais e morais não integrem o ‘Direito’?” “pertençam à outra ordem que não o mundo jurídico?” “Por que determinado comando do chefe do bando de salteadores não pode ser norma jurídica?” “Enfim, o que torna uma norma, ‘jurídica’?”.

Pois bem. A necessidade de conferir sistematicidade ao ordenamento jurídico, somada ao primado da norma enquanto objeto de estudo, teve por consequência a noção de que não mais fazia sentido procurar saber “por qual meio o Direito é revelado” – pena do legislador, Ciência do Direito etc. –, mas, isto sim, por qual instrumento/meio as normas jurídicas – único objeto legítimo da ciência jurídica – ingressam no ordenamento. Ou seja, qual o instrumento pelo qual uma norma, após ser por ele veiculado, passa a ser qualificada como “jurídica”.

Neste ponto, sendo fiel ao objetivo de conferir cientificidade à Ciência Jurídica, Kelsen concebeu as fontes formais do único modo possível para manter a coerência e unidade de sua teoria: A fonte formal de uma norma jurídica “X” é outra norma jurídica “Y”, as normas, portanto, expressam-se através de outras normas – eis a soberania da norma no positivismo Kelseniano. Para o jurista austríaco, portanto, o veículo, o meio, o instrumento pelo qual as normas jurídicas ingressam no ordenamento jurídico são outras

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normas jurídicas, de modo que “nada escapa ao abraço normativo”[20].

O Direito, portanto, cria-se a si mesmo[21]. A norma ingressa no ordenamento jurídico por meio da “aplicação” de outra norma – “A aplicação do Direito é simultaneamente produção do Direito”[22]. Destarte, as Leis Ordinárias são criadas pelo poder legislativo mediante “aplicação” da Constituição, a qual, por sua vez, fora criada mediante a “aplicação” da norma hipotética fundamental.

A visão, portanto, entre o “Direito como algo dado”, presente nas concepções tradicionais, é aparentemente superada pelo normativismo Kelseniano. O Direito (= ordenamento jurídico) apenas é um “dado” depois de “revelado” por si mesmo, e é “revelado” de acordo com o “dado” por ele mesmo fornecido. Assim, no sistema autopoiético da Teoria Pura, o Direito apenas “está lá” para ser “achado” por que ele próprio “ali se colocou”.

Por sua vez, a questão de saber “aonde se encontra o Direito” – fontes materiais – transmudou-se em entender “de onde provém o conteúdo das normas jurídicas”, e não mereceu grandes considerações por parte do Jurista austríaco, o qual afirmou, inclusive, que os fatores que influenciam a criação-aplicação do direito, tais como, a moral e a política, designam o emprego da expressão “Fontes do Direito” em um sentido “não jurídico” [23]. De fato, Kelsen se limita a afirmar que uma norma não pode ditar o conteúdo de outra norma, mas apenas restringi-lo através de proposições negativas[24] – quando, por exemplo, a constituição proíbe a pena de morte. Os outros fatores que influenciam no conteúdo da norma – fatores sociológicos, políticos, filosóficos –, estão fora do corte metodológico de seu normativismo e, portanto, não merecem considerações.

Há, desta forma, em decorrência do corte metodológico realizado em sua teoria, bem como da necessidade de conceber o ordenamento jurídico enquanto sistema, uma preponderância das fontes formais sobre as fontes materiais. Aquelas, conforme dito

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anteriormente, são verdadeiras normas jurídica, cuja “aplicação” enseja a “criação” de outra norma jurídica. Kelsen ajuda-nos, pois, a conceber a questão das fontes do direito como um problema sistemático, sendo as fontes do direito uma tentativa de identificar os “canais” pelos quais as normas ingressam no sistema.

Nesse contexto – em que Normas Jurídicas são produtos de outras normas jurídicas, e no qual o Direito cria a si próprio –, as decisões judiciais exsurgem com certa peculiaridade. A decisão judicial possui caráter de norma jurídica “individual e concreta”, sendo criada pelo magistrado mediante “aplicação” da norma jurídica geral. Esta última caracteriza-se pela “abstração” – conecta a um fato abstratamente determinado uma consequência igualmente abstrata[25] – e pela “universalidade” – é “aplicável” a todos os jurisdicionados; ao passo que aquela se mostra “concreta” – aferição, no caso trazido ao juízo, do fato previsto na norma geral[26] – e “individual” – aplicação das consequências abstratamente prevista na norma geral a este mesmo caso concreto.

Assim, Kelsen criou a distinção entre norma jurídica geral, “abstrata e universal”, em contraponto a norma jurídica individual, “concreta e individual”. Destarte, observa-se que, embora a decisão judicial, tal como as leis ordinárias, seja criação-aplicação da norma jurídica anterior, ela enseja uma norma jurídica de qualidade diversa daquelas em que se baseia. Do geral chega-se ao individual, conforme regras silogísticas de aplicação: norma geral (premissa maior), caso concreto (premissa menor), norma individual (conclusão).

Essa distinção é decorrente de certa temeridade em conceber o magistrado como criador de normas jurídicas da mesma “qualidade” daquelas provenientes do legislador. Caso Kelsen entendesse que a norma jurídica aplicada diante do caso concreto possuía as mesmas características daquelas emanadas pelo órgão legislativo estaria, em primeiro lugar, jogando fora toda a construção secular da separação dos poderes, em segundo, criando sérios

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problemas para a segurança jurídica no Civil Law e, por fim, deixaria o sistema em aberto, permitindo que outra Norma Jurídica fosse criada a partir da decisão judicial anterior.

Todavia, a diferenciação entre norma geral e individual não subsiste diante das premissas relativas à contemporânea Hermenêutica Jurídica delineada no primeiro capítulo. Kelsen, assim como os normativistas em geral, é enfático ao afirmar que a norma geral já existe no momento de criação da norma individual, da mesma forma que a Constituição preexiste à elaboração de Leis Ordinárias. Ao mesmo tempo em que a norma é construída pelo interprete-aplicador, esta construção possui um dado inexorável consistente em outra norma de superior hierarquia. Neste sentido:

[...] a criação da Constituição realiza-se por aplicação da norma fundamental. Por aplicação de Constituição, opera-se a criação das normas jurídicas gerais através da legislação e do costume; e, em aplicação destas normas gerais, realiza-se a criação das normas individuais através das decisões judiciais e das resoluções administrativas [...] a aplicação do Direito é, por conseguinte, criação de uma norma inferior com base numa norma superior ou execução do ato coercitivo estatuído por uma norma[27].

Neste ponto, é importantíssimo – e outro ponto crucial deste trabalho – perceber que, seja através da pena do legislador incumbido de encontrar o Direito na super-razão iluminista, seja por meio das possantes obras do jurista profissional encarregado de interpretar o misterioso e romântico “Volkgeist”, ou, ainda, pela “autopoiese” jurídica Kelseniana, o Direito – ou a norma jurídica –, para todas as correntes citadas acima, é sempre expresso pelo mesmo meio: o texto[28].

Uma vez criada, a norma jurídica volta ao seu ponto de partida. Construída a partir do texto – plano da expressão (S1) –, para nele então ser novamente colocada, a norma jurídica opera

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em loop, sendo resultado de interpretação para, então, ser novamente interpretada. A interpretação, desse modo, é inafastável. Até mesmo a decisão judicial – supostamente concreta e individual –, necessita ser interpretada para sua execução. O agente público que, coercitivamente, vai até a casa do devedor para aprender-lhe o automóvel dado em garantia necessita interpretar a decisão proferida, não podendo ser equiparado a uma máquina perfeita de tradução da linguagem jurídica para a linguagem da coerção. A execução, portanto, somente pode ser vista como mera “aplicação” do Direito – como deseja Kelsen[29] –, na medida em que não produz qualquer texto.

As concepções kelsenianas, desta forma, pressupõem que o ato de criação da norma jurídica está, sempre, conexo à existência duma norma prévia, de superior hierarquia, desconsiderando que a norma jurídica é, após sua construção, disposta em texto. Confunde-se, portanto, texto com norma, e volta-se a distinção – aparentemente superada – entre o “dado” e o “revelado”, com a diferença que, agora, a norma de superior hierarquia é “dada”, enquanto a de inferior é “construída”.

Percebendo isto, Müller afirma que “a norma não existe, não é aplicável. Ela é produzida apenas no processo de concretização”[30]. Isso decorre da noção de interpretação adotada e sustentada em suas obras. Conforme visto no primeiro capítulo, a interpretação é uma atividade eminentemente histórica, realizada pelo interprete enquanto “ser-no-mundo”, significando que o resultado da interpretação sempre será diferente daquilo disposto no texto interpretado, pois a esse texto o interprete acrescenta, inexoravelmente, as suas “pré-compreensões”, o conjunto de contingências particulares que permeiam sua “vivencia”.

Adotando essa noção sobre interpretação, Müller entende que somente o texto – qualificado de normativo – é “dado”. A norma apenas surge após a interpretação do texto, ponto de partida de todo o processo de concretização. Ao texto, adiciona-se o programa normativo e âmbito normativo, a fim de realizar a imprescindível

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integração entre “Realidade” e “Direito”, essencial para a racionalidade do processo de interpretação-concretização. Abandona-se, pois, o “aplicacionismo” normativista em benefício do caráter constitutivo e criativo da interpretação-concretização[31].

Partindo dessas considerações, percebe-se que, diante das premissas estabelecidas por Müller, a questão atinente as Fontes do Direito se tornar ainda mais complexa. Ao deixar clara a distinção entre texto e norma, a problemática em torno das fontes formais do Direito se volta, por fim, a seguinte questão: “o que qualifica o texto como ‘normativo’?, ou, melhor dizendo, tendo em vista que toda a atividade jurisdicional se volta à construção da norma, o que torna um texto capaz de servir de ponto de partida inafastável para a sua construção?”.

Todavia, Müller, ao que parece, não aborda o tema expressamente, o primado da tópica em seu pensamento acarreta certo detrimento do pensamento sistemático e, por conseguinte, certa irrelevância da problemática aqui abordada. Como é sabido, o pensamento sistemático opera com base na ideia de totalidade, completude[32]. O sistema, em si, é visto como o parâmetro para resolver os problemas a ele levado, aqueles problemas impossíveis de serem resolvidos pela completude são “mal colocados ou falsos problemas”[33], são, pois, anomalias.

Adotando o pensamento sistemático, podemos utilizar o tautologismo típico do normativismo kelseniano para explicar qual é a fonte dos textos normativos, quer dizer, por qual meio um texto deve ser veiculado a fim de ser taxado como “normativo”. Assim, a qualidade de “normativo” de determinado texto “X” decorreria da expressa previsão em outro texto “Y”, sendo este último dotado de normatividade suficiente para qualificar o primeiro como “normativo”. Essa posição fecha o sistema, satisfazendo a exigência por unidade e completude.

Essa visão, contudo, apresenta problemas óbvios. Além de parecer mera mudança de nomenclatura com relação à

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denominada norma geral – a qual se transforma em texto normativo –, desconsidera por completo a atividade interpretativa – é preciso interpretar o texto “Y” para dizer que o texto “X” foi previsto como normativo –, e, ainda, acarreta um regresso ad infinitum, cuja única solução possível para fechar o sistema seria pressupor, tal como Kelsen, a existência duma espécie de “texto normativo hipotético fundamental”.

É mais interessante conceber uma solução sem pretensões de sistematicidade. Sendo o Direito um produto eminentemente cultural, fabricado em sua totalidade, e ainda que inconscientemente, pelo homem, não faz sentido pretender fechá-lo num sistema alheio as influências humanas, mormente em virtude do imperativo lógico de que “o sistema não pode fornecer as bases para sua própria consistência”[34]. Neste sentido, merece poucos reparos as lições de Tércio Sampaio Ferraz Jr., as quais se utiliza para fins de qualificar um texto como “normativo”.

Ao dissertar sobre o tema – como identificar as normas (= texto) como jurídicos, o jurista brasileiro afirma que “o princípio da inegabilidade dos pontos de partida exige a postulação de normas preponderantes que, diante de conflitos com outras normas, devem prevalecer”[35]. De fato, não faria sentido pressupor pontos de partidas inegáveis se qualquer norma pudesse ser utilizada como ponto de partida ou, nos termos aqui empregados, de nada adiantaria pressupor o “texto normativo” como ponto de partida necessário se todo e qualquer texto pudesse qualificar-se como “normativo”.

No saber dogmático, continua Tércio, as normas qualificadas como “jurídicas” são pressupostas pelos juristas como preponderantes, devendo prevalecer, por exemplo, sobre normais morais e religiosas. Sendo a existência de normas preponderantes uma necessidade lógica, e sendo as Normas Jurídicas entendidas como tal, a problemática consiste em saber como identifica-las[36], quer dizer, saber qual é o critério que torna uma norma, jurídica.

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Todavia, antes de adentrar na específica questão saber como identificar determinada norma como “jurídica”, Tércio adverte que esta identificação ocorre conforme critérios variáveis no espaço e no tempo[37]. De fato, não há razão para acreditar na existência dum critério universal e atemporal capaz de abarcar todas as formas de identificação da norma jurídica. Concebendo o Direito, repita-se, como um objeto cultural, nada mais lógico considerar também os critérios de identificação da norma como um produto também cultural, adequado e estabelecido de acordo com as necessidades das sociedades vigentes.

Assim, da mesma forma que o império do “texto” como ponto de partida para a concretização-intepretação-criação da norma não pode ser vista como decorrente duma aproximação da “verdadeira natureza” do Direito, mas como decorrência da necessidade de super-normatização típica das sociedades de massa, a proposta dada por Tércio para identificar as normas jurídicas também deve ser vista como conexa a atual estrutura das sociedades contemporâneas.

Concebendo a norma jurídica como fenômeno comunicativo, tal como exposto no primeiro capítulo, o jurista brasileiro entende que o caráter de “jurisdicidade” das normas é aferido a partir do “grau de institucionalização da relação social” estabelecida na comunicação entre o emissor e o receptor da mensagem normativa”[38]. Essa relação social é determinante para conceber o caráter prescritivo da norma, e pode ser aferida no nível do cometimento, quer dizer, da mensagem que emana do emissor, a qual é em geral transmitida de modo não verbal, pelo tom da voz ou expressão facial – “‘por favor, sentem-se’ ou ‘sentem-se!’”[39].

O cometimento duma mensagem normativa, por pressuposto lógico a um comando normativo, sempre transmitirá uma relação de autoridade/sujeito, quer dizer, de hierarquia entre o emissor e o receptor da mensagem. Diante duma mensagem baseada nessa relação, o receptor poderá agir de três formas possíveis[40]: a) confirmando o cometimento da autoridade, acatando a relação

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social de hierarquia transmitida junto com a mensagem; b) rejeitando-o, reconhecendo a relação, mas negando a mensagem; ou c) desconfirmando-o, negando a própria relação hierárquica.

A relação de autoridade, embora transmitida no nível do cometimento, somente resta sedimentada através da contrarreação do emissor perante as possíveis condutas do receptor – confirmação, negação, desconfirmação. A autoridade se põe como tal quando desconfirma a desconfirmação, ou seja, quando concebe a desconfirmação do receptor como mera negação[41], ignorando, então, qualquer conduta do receptor que lhe retire a qualidade de “autoridade”. “A autoridade rejeitada ainda é autoridade. Contudo, a desconfirmação elimina a autoridade: uma autoridade ignorada não é mais autoridade”[42].

Ora, sendo a norma jurídica uma mensagem cujo cometimento, por pressuposto lógico, transmite uma relação de autoridade/sujeito, a instituição social responsável por emitir comandos normativos deve ser apta a agir como autoridade, quer dizer, ser capaz de desconfirmar a desconfirmação. Essa atitude somente é possível, todavia, se o emissor se sentir, ainda que de forma suposta, respaldado pela confirmação (= aceitação) de terceiros[43]. Não basta o emissor transmitir uma mensagem de hierarquia, é imprescindível que possa agir, efetivamente, como autoridade, desconfirmando a desconfirmação dos receptores.

Afirma Tércio que esta confirmação de terceiros costuma ocorrer de forma suposta e, quando “bem sucedida”, significa que a relação de autoridade está institucionalizada[44]. Deve-se entender por “bem sucedida”, embora o jurista não o afirme expressamente, e de acordo com o conceito de norma-comunicação exposto no primeiro capítulo, a emissão de mensagens normativas de baixíssima contingência, quer dizer, mensagens em que o comportamento do receptor selecionado pelo emissor ocorre com frequência muito maior do que aqueles constantes no amplo leque de comportamentos não selecionados. Em outras palavras, quando

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os receptores aceitam, por consenso, a relação de autoridade estabelecida pelo emissor e acatam as mensagens transmitidas.

Assim, as normas se juridicizam na medida em que são emitidas no contexto duma relação de autoridade institucionalizada, quer dizer, numa relação na qual a autoridade emissora de mensagens normativas está apta a desconfirmar eventuais desconfirmações por parte dos receptores, haja vista a “bem-sucedida” suposição da confirmação de terceiros, caracterizada pela baixíssima contingência das mensagens emitidas.

Somando aos delineamentos anteriormente feitos, e tentando simplificar para os limites deste trabalho, temos que um texto será normativo quando emitido por órgãos/autoridades cuja relação com os destinatários possui alto grau de institucionalização, ou seja, quando sua relação de autoridade com os destinatários for de tal forma que lhe é capaz presumir, de forma “bem sucedida”, que estes mesmos destinatários conceberão aqueles textos como normativos, como pontos inegáveis de partidas para a construção da norma.

O emissor – Congresso Nacional, Agências Reguladoras, Presidente da República, Tribunais etc. –, produz o texto normativo supondo que os destinatários irão aceita-lo como tal e, diante da baixa contingência de tal ato comunicativo, o órgão emissor se sente respaldo para estabelecer uma relação social de autoridade, apto a desconfirmar a desconfirmação e impor o texto coativamente.

CONCLUSÃO

A questão atinente às fontes do Direito, que, a partir da contemporânea hermenêutica jurídica, transmudou-se em saber “o que torna um texto capaz de servir de ponto de partida inafastável para a construção da norma”, pode, portanto, ser resolvida pelos delineamentos aqui expostos, concebendo como fonte do Direito (= critério para qualificar um texto como normativo) o grau de institucionalização do emissor do texto que, quando respaldado pela

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confirmação de terceiro, o qualificará como normativo, desconfirmando eventuais desconfirmações.

Por fim, quanto à questão relativa à origem do conteúdo das normas jurídicas – fontes materiais –, Müller, tal como Kelsen, universalizou sua abrangência. Todavia, diferentemente do jurista austríaco, Müller entende que os fatores históricos, religiosos, sociais, culturais etc., que influenciam sobre o conteúdo da norma jurídica integram a própria estrutura da norma, compondo o já citado âmbito normativo, ao passo que Kelsen as concebe como ajurídicas, pois “apenas normas são fontes de outras normas”.

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NOTAS:

[1] SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. Curitiba: Juruá, 2013, p. 126.

[2] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 231.

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[3] RUPERT apud MARINONI, Luiz Guilherme de. Op. Cit., p. 233.

[4] SOUZA, Marcelo Alves dias de. Op. Cit., p. 139.

[5] Idem, ibidem, p. 241 et seq.

[6]ATAÍDE Júnior, Jaldemiro Rodrigues de. O precedente vinculante e sua eficácia temporal no sistema processual brasileiro. Recife: Universidade Católica de Pernambuco, 2011, p. 70. Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Pernambuco. Pró-reitoria Acadêmica. Programa de Mestrado em Ciências Jurídicas, 2011.

[7] Idem, ibidem.

[8] ARAGÃO, Ergas Dirceu Moniz de. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 254.

[9] ATAÍDE Júnior, Jaldemiro Rodrigues de. Op. Cit., p. 70.

[10] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 221 et seq.

[11] Idem, ibidem.

[12] BRASIL, Tribunal Regiona Federal da 5ª Região. Primeira turma. Apelação 489290/CE. Rel. Des. Federal Rogério Fialho. Disponível em:

<http://trf-5.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8387601/apelacao-civel-ac-489290-ce-0003956-092009-4059999>. Acesso em 19 set. 2013.

[13] SOUZA, Marcelo Alves dias de. Op. Cit., p. 126.

[14] TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos tribunais, 2004, p. 12.

[15] MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., p. 215 et seq.

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[16] RORTY, Richard. Consequências do pragmatismo.Lisboa: Piaget, 1999, p. 237.

[17] Idem, ibidem.

[18] FERRAZ, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2008, p. 190.

[19] Idem, ibidem.

[20] IVO, Gabriel. Norma Jurídica: produção e controle. São Paulo: Noeses, 2006, p. “XXVII” et seq.

[21] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 260.

[22] Idem, ibidem.

[23] Idem, ibidem, p. 259.

[24] Idem, ibidem, p. 261 et seq.

[25] Idem, ibidem, p. 256.

[26] Idem, ibidem.

[27] Idem, ibidem, p. 261.

[28] Eros Roberto Grau mencionar que Tullio Ascarelli chegou a esta mesma conclusão. Todavia, tendo em vista que o autor apenas faz esta alusão em nota de rodapé, e não menciona qualquer obra, resta impossível fazer qualquer referência ao autor italiano, mormente quando suas obras não foram encontradas para pesquisa. Neste ponto, Cf. GRAU, Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes (a interpretação/aplicação do direito e os princípios). São Paulo: Malheiros, 2013, p. 25.

[29] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 262.

[30] MÜLLER, Friedrich. Teoria Estruturante do Direito. Trad. Peter Naumann, Euridez Avance de Souza. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 80.

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[31] Idem, ibidem, p. 81.

[32] FERRAZ, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2008, p. 300.

[33] Idem, ibidem, p. 301.

[34] RORTY, Richard. Verdade e Progresso. Trad. Denise R. Sales. Barueri: Manole, 2005, p. 132.

[35] Idem, ibidem, p. 80.

[36] Idem, ibidem.

[37] Idem, ibidem.

[38] Idem, ibidem.

[39] Idem, ibidem, p. 76.

[40] Idem, ibidem, p. 80.

[41] Idem, ibidem, p. 81.

[42] Idem, ibidem.

[43] Idem, ibidem.

[44] Idem, ibidem, p. 82.

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O PRAZO PRESCRICIONAL DA PRETENSÃO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

FILIPE DE OLIVEIRA CIRQUEIRA: Procurador Autárquico do Município de Belo Horizonte/MG. Especialista em Direito Processual pela PUC/MG. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Viçosa.

RESUMO: O presente artigo analisa, a partir da evolução da legislação e do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o prazo prescricional para a pretensão de desapropriação indireta no ordenamento jurídico pátrio, valendo-se também das lições da doutrina no tocante à temática.

Palavras-chave: Desapropriação indireta; prescrição; Superior Tribunal de Justiça.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objeto de análise o prazo prescricional da pretensão de desapropriação indireta, tendo em vista as mudanças da legislação civil (Código Civil de 1916 e Código Civil de 2002), as quais irradiaram seus efeitos na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

A desapropriação indireta pode ser definida como o apossamento pelo Poder Público de um bem particular sem a observância do devido processo de desapropriação, qual seja, aquele preceituado no art. 5º, inciso XXIV, da Constituição Federal, que, no caso de imóvel urbano, dá-se com a justa e prévia indenização em dinheiro.

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Conforme sintetiza OLIVEIRA, “a desapropriação indireta é a desapropriação que não observa o devido processo legal” (2014, p. 577).

Não há na legislação que rege o instituto da desapropriação disciplina específica em vigor acerca do prazo prescricional para a pretensão de desapropriação indireta.

O Superior Tribunal de Justiça adotou por algum tempo, baseado na natureza real da ação de desapropriação indireta, o entendimento de que tal prazo seja de 20 anos, em analogia ao prazo para a usucapião extraordinária previsto no Código Civil de 1916.

Contudo, sob a égide do Código Civil de 2002, há recente entendimento da Corte da Cidadania no sentido de que o prazo para essas pretensões seja agora de 10 anos.

Assim, analisar-se-á, à luz da legislação e da doutrina, os fundamentos do novo precedente do Superior Tribunal de Justiça.

PRAZO PRESCRICIONAL DA PRETENSÃO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA

Em nosso ordenamento jurídico, a desapropriação se destaca como uma das mais importantes formas de intervenção do Estado na propriedade.

Conforme lição doutrinária, a desapropriação “é o procedimento de direito público pelo qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiro, por razões de utilidade ou de interesse social, normalmente mediante o pagamento de indenização” (CARVALHO FILHO, 2014, p. 830).

A Administração Pública, à luz do que preceitua o art. 37,caput, da Constituição Federal, deve respeitar em sua atuação, dentre outros, o princípio da legalidade.

Se, de um lado, a Constituição assegura o direito fundamental à propriedade (art. 5º, inciso XXII: “é assegurado o direito de propriedade”), por outro lado afasta o dogma de sua intangibilidade, ao condicioná-lo ao atendimento da função social (art. 5º, inciso XXIII: “a propriedade atenderá a sua função social”).

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Dessa forma, premida pelo interesse público instrumentalizado na declaração de utilidade pública ou interesse social, a Administração pode proceder à desapropriação da propriedade.

Com efeito, MELLO aduz que “o fundamento político da desapropriação é a supremacia do interesse coletivo sobre o individual, quando incompatíveis” (2008, p. 857).

Não obstante o direito de desapropriar seja conferido ao ente público, referido direito só pode ser exercido com a observância do devido processo legal, seja na esfera administrativa, na hipótese de acordo administrativo, seja na esfera judicial.

Há que ser mencionada, neste ponto, a garantia insculpida no art. 5º, inciso LIV, no qual está expresso que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Assim, “a autoexecutoriedade fica, aqui, mitigada, e cede espaço ao devido processo legal prévio, necessário para resguardar a garantia de estabilidade do patrimônio particular, representada pela regra geral da indenizabilidade justa e prévia” (MOREIRA e GUIMARÃES, 2008, p. 597).

Entretanto, no plano fático se verifica que, não raras vezes, o Poder Público se apossa de imóvel particular sem a observância do devido processo de desapropriação, o que se denomina, em doutrina e jurisprudência, de desapropriação indireta.

Por se tratar, na verdade, de típico esbulho praticado pelo Poder Público, tal matéria não fora abordada pelas legislações, em especial o Código Civil de 1916, e o que se encontra em vigor, de 2002, além do próprio Decreto-lei nº 3.365/1941, regramento geral sobre desapropriações, que disciplina, em específico, a desapropriação por utilidade pública.

Dessa forma, a chamada “ação de desapropriação indireta” surge como instrumento jurídico adequado para que, mediante

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decisão judicial, aquele que teve seu bem esbulhado pela Administração seja indenizado pela perda da propriedade.

Em que pese a limitação do objeto da ação, visto que nela só se pode reclamar indenização, a ação de desapropriação indireta é classificada pela doutrina como de natureza real. Isso se deve ao fato de que tal demanda tem como causa de pedir remota a perda de propriedade, bem como de que a sentença que venha a ser proferida produzirá todos os efeitos relativos à transmissão da propriedade.

Como se disse, ante a ausência em vigor de tratamento legislativo da matéria[1], há muito se questiona acerca do prazo prescricional para ação de desapropriação indireta. A solução aplicada pela doutrina[2] e pela jurisprudência foi, em um primeiro momento, a aplicação analógica do prazo previsto para a usucapião extraordinária no Código Civil de 1916.

O art. 698 do revogado diploma civilista, na redação dada pela Lei nº 2.437/1955, assim previa:

Art. 698. A posse incontestada e contínua de uma servidão por dez ou quinze anos, nos têrmos do artigo 551, autoriza o possuidor a transcrevê-la em seu nome no registro de imóveis, servindo-lhe de título a sentença que julgar consumado o usucapião.

Parágrafo único. Se o possuidor não tiver título, o prazo do usucapião será de vinte anos.

Pode-se observar a lógica da aplicação analógica desta disposição. A usucapião ordinária, como se sabe, é aquele em que há a aquisição do domínio em razão da posse mansa, pacífica e com ânimo de dono, com base em justo título, por determinado período. Lado outro, a denominada usucapião extraordinária se verifica quando a posse, igualmente mansa e pacífica, não decorre de justo título, sendo, em razão disso, maior o prazo previsto pela

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legislação para que ocorra a usucapião, também denominada de prescrição aquisitiva.

Nesta esteira, o Superior Tribunal de Justiça editou, na década de 1990, o enunciado sumular 119, com a seguinte redação: “A ação de desapropriação indireta prescreve em vinte anos”.

Posteriormente, entrou em vigor o Código Civil de 2002, que, entre diversas outras modificações, alterou o prazo prescricional da ação de usucapião, que como referido, servia como parâmetro para definição do prazo para a ação de desapropriação indireta.

Assim, cumpre transcrever o art. 1.238 deste diploma:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Entretanto, em que pese ter havido a redução do prazo para a declaração da prescrição aquisitiva por usucapião, não houve a imediata alteração pelo Superior Tribunal de Justiça de sua jurisprudência.

Com efeito, mesmo sendo o prazo da usucapião extraordinária o paradigma para o estabelecimento de prazo para se pleitear indenização por desapropriação indireta, continuou a ser observado no âmbito da Corte, e de diversos outros tribunais do país, o prazo de 20 anos para a propositura de referida demanda.

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Contudo, buscando adequar sua jurisprudência à luz da nova legislação civil, em 2013, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu emblemático julgado, ementado nos seguintes termos:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRAZO PRESCRICIONAL. AÇÃO DE NATUREZA REAL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. SÚMULA 119/STJ. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. CÓDIGO CIVIL DE 2002. ART. 1.238, PARÁGRAFO ÚNICO. PRESCRIÇÃO DECENAL. REDUÇÃO DO PRAZO. ART. 2.028 DO CC/02. REGRA DE TRANSIÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 27, §§ 1º E 3º, DO DL 3.365/1941.

1. A ação de desapropriação indireta possui natureza real e, enquanto não transcorrido o prazo para aquisição da propriedade por usucapião, ante a impossibilidade de reivindicar a coisa, subsiste a pretensão indenizatória em relação ao preço correspondente ao bem objeto do apossamento administrativo.

2. Com fundamento no art. 550 do Código Civil de 1916, o STJ firmou a orientação de que “a ação de desapropriação indireta prescreve em 20 anos” (Súmula 119/STJ).

3. O Código Civil de 2002 reduziu o prazo do usucapião extraordinário para 10 anos (art. 1.238, parágrafo único), na hipótese de realização de obras ou serviços de caráter produtivo no imóvel, devendo-se, a partir de então, observadas as regras de transição

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previstas no Codex (art. 2.028), adotá-lo nas expropriatórias indiretas.

4. Especificamente no caso dos autos, considerando que o lustro prescricional foi interrompido em 13.5.1994, com a publicação do Decreto expropriatório, e que não decorreu mais da metade do prazo vintenário previsto no código revogado, consoante a disposição do art. 2.028 do CC/02, incide o prazo decenal a partir da entrada em vigor do novel Código Civil (11.1.2003).

5. Assim, levando-se em conta que a ação foi proposta em dezembro de 2008, antes do transcurso dos 10 (dez) anos da vigência do atual Código, não se configurou a prescrição.

6. Os limites percentuais estabelecidos no art. 27, §§ 1º e 3º, do DL 3.365/1941, relativos aos honorários advocatícios, aplicam-se às desapropriações indiretas. Precedentes do STJ.

7. Verba honorária minorada para 5% do valor da condenação.

8. Recurso Especial parcialmente provido, apenas para redução dos honorários advocatícios.

(REsp 1300442/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/06/2013, DJe 26/06/2013)

E, mais recentemente, em 2015, o mesmo entendimento foi corroborado pela aludida turma da Corte da Cidadania, conforme ementa abaixo:

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PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRESCRIÇÃO. DIREITO REAL. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. SÚMULA 119/STJ. CÓDIGO CIVIL DE 2002. REDUÇÃO DO PRAZO. ART. 1238. PRECEDENTES.

1. Com fundamento no art. 550 do Código Civil de 1916, o STJ firmou a orientação de que “a ação de desapropriação indireta prescreve em 20 anos” (Súmula 119/STJ).

2. O Código Civil de 2002 reduziu o prazo do usucapião extraordinário (art. 1.238), devendo-se, a partir de então, observadas as regras de transição previstas no Codex (art. 2.028), adotá-lo nas expropriatórias indiretas. Precedentes.

3. Agravo Regimental não provido.

(AgRg no AREsp 650.160/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/05/2015, DJe 21/05/2015)

Constata-se, assim, que a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça entende que, sobrevindo o Código Civil de 2002, o prazo prescricional para as ações de desapropriação indireta passou a ser de 10 anos.

Mesmo sendo de 15 anos o prazo geral da usucapião extraordinária, o parágrafo único do dispositivo o reduz para 10 anos, quando no imóvel tenham sido realizadas obras ou serviços de caráter produtivo.

Dessa forma, o novo entendimento do Superior Tribunal de Justiça leva em consideração que o bem desapropriado indiretamente pela Administração tenha servido à consecução de

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obras ou serviços públicos, enquadrando-se, por analogia, ao preceito acima referido.

Ainda que se repute adequado e coerente, do ponto de vista técnico-jurídico, o raciocínio trilhado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, há que dizer, todavia, que a jurisprudência não se encontra pacificada no âmbito da Corte.

Verifica-se em recente julgado[3] da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça[4] a aplicação do entendimento primeiro, qual seja, o de ser de 20 anos o prazo prescricional para reclamar a indenização pela desapropriação indireta, pelo que se espera que o Tribunal em momento breve venha a uniformizar sua jurisprudência, especialmente devido à sua função de pacificar a aplicação do direito infraconstitucional no país, evitando-se com isso a proliferação de decisões baseadas em entendimentos divergentes.

CONCLUSÃO

Ante o exposto, conclui-se que apesar de a Constituição Federal e o Decreto-Lei 3.365/1941 estabelecerem como regra que a desapropriação se dê mediante indenização prévia e justa, por vezes se verifica faticamente o apossamento de bem particular pela Administração, o que se denomina em doutrina e jurisprudência como desapropriação indireta.

Não obstante, aquele que teve o bem esbulhado pelo Poder Público pode socorrer-se de demanda judicial para ver-se indenizado pecuniariamente pelo bem a que fora dada destinação pública sem o devido processo legal.

Verifica-se, ainda, que não há em vigor disciplina legal acerca da desapropriação indireta, pelo que, com base na natureza real da ação, conforme a doutrina, há muito aplica-se analogicamente o prazo da prescrição aquisitiva da usucapião extraordinária como prazo prescricional para a pretensão de ser o expropriado indenizado pela perda do bem.

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Em um primeiro momento, com arrimo no art. 698 do Código Civil de 1916, bem como do enunciado sumular 119 do Superior Tribunal de Justiça, fixou-se em 20 anos o prazo para o ajuizamento de ação em que se discuta a desapropriação indireta.

Entretanto, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, o prazo para a usucapião extraordinária foi reduzido para 10 anos, quando se verificarem melhoramentos decorrentes de obras ou serviços de caráter produtivo.

Mesmo com o novo regramento, não houve a imediata mudança de entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Apenas no ano de 2013 a Segunda Turma da Corte passou a considerar que, com a vigência da nova legislação civil, o prazo para a pretensão de indenização pela desapropriação indireta tornou-se de 10 anos. Contudo, verifica-se que ainda subsiste na Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça a aplicação do prazo de 20 anos, controvérsia essa que deverá ser dirimida pelo Tribunal, em favor da segurança jurídica e de sua função precípua de uniformizar a aplicação das regras de direito infraconstitucional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.

HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: doutrina e prática. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.

MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Bernardo Strobel. A desapropriação no Estado Democrático de Direito. Em: ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo (coord.). Direito administrativo e seus novos paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2008.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. 2ª ed. São Paulo: Método, 2014.

NOTAS:

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[1] Por meio da Medida Provisória 2.027-40/2000, incluiu-se o parágrafo único no art. 10, do Decreto-lei 3.365/1941, prevendo que se extinguia em cinco anos o direito de propor ação que visasse a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público. Entretanto, tal dispositivo foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 2.260 MC/DF, ao argumento de que haveria ofensa à “garantia constitucional da justa e prévia indenização em dinheiro”.

[2] Vide HARADA, 2014, p. 282.

[3] REsp 930.589/GO, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/04/2016, DJe 19/04/2016.

[4] Conforme o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, compete à Primeira e Segunda Turmas julgar as matérias relativas à Direito Público.

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ANÁLISE DOS VALORES QUE MOLDARAM A FORMAÇÃO DO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO E A MUDANÇA DE PARADIGMAS QUE POSSIBILITARAM A COMPREENSÃO DO PROCESSO COMO INSTRUMENTO DE REALIZAÇÃO DE DIREITOS

AUGUSTO BATALHA MONTEIRO: Formado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão e Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade Internacional Signorelli. Atualmente sou Analista Judiciário (Área Judiciária), lotado na Seção Judiciária do Estado do Maranhão, em São Luís/MA.

RESUMO: o presente trabalho pretende analisar a formação dos valores que serviram de fundamento para a construção do processo civil brasileiro e como se deu a superação do modelo cientificista de processo em favor de sua compreensão à luz do princípio da efetividade da tutela jurisdicional.

Palavras-chave: Estado Liberal. Paradigma Cientificista. Positivismo Filosófico. Positivismo Jurídico. Estado Social. Pós-positivismo. Influências sobre o processo civil. Efetividade da tutela jurisdicional.

1. INTRODUÇÃO

A doutrina processual civil, atualmente, reconhece que o princípio da inafastabilidade da jurisdição (direito de ação), consagrado pelo art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, representa, na verdade, o princípio da efetividade da tutela jurisdicional, do qual decorre o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

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Passa-se a compreender que a existência do processo está diretamente ligada ao alcance dos fins para os quais foi instituído, ou seja, ganha relevo a compreensão do processo como instrumento ético de realização de direitos.

A presente investigação está estruturada em 03 (três) capítulos. O primeiro é destinado ao estudo das ideias liberais e dos valores do paradigma cientificista – racionalismo científico e, mais à frente, positivismo jurídico –, os quais exerceram forte influência sobre o direito processual civil, e nos chegaram, mais propriamente, pela doutrina italiana, através das lições da Escola Sistemática.

Trata o segundo capítulo das características e influências do Código de Processo Civil de 1973 à luz dos valores acima descritos: a função declaratória da jurisdição, a universalização do procedimento, a plenariedade, a inexistência de provimentos antecipatórios, a rígida separação entre cognição e execução, a prevalência da atividade de conhecimento, a classificação trinária das sentenças e a universalização das sentenças condenatórias.

O terceiro capítulo, por seu turno, trata da superação do Estado Liberal e da queda do ideal de racionalidade da modernidade, com o consequente advento do Estado Social e do movimento pós-positivista, bem como, as implicações destes fenômenos históricos e ideológicos sobre a compreensão da atividade jurisdicional.

2. DA INFLUÊNCIA DOS VALORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO E DO PARADIGMA CIENTIFICISTA SOBRE A FORMAÇÃO DO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

2.1. O Estado Liberal Clássico e sua influência sobre a caracterização da atividade jurisdicional

2.1.1. O surgimento do Estado Liberal O confronto entre a liberdade individual e o absolutismo

monárquico – confronto este fundado a partir do ideal

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jusnaturalista[1], segundo o qual há um conjunto de pretensões humanas válidas, cuja legitimidade repousa em valores transcendentes hábeis a estabelecer limites à atuação estatal – faz surgir a célula do Estado de Direito de matriz liberal.

A crença na existência desse espaço de liberdade inato a todo homem, aliada à tradição iluminista, segundo Barroso, “foi o combustível das revoluções liberais e fundamento das doutrinas políticas de cunho individualista que enfrentaram a monarquia absoluta”[2]. A burguesia, defensora das liberdades individuais, prepara o caminho para sua chegada ao poder, que se concretiza com a Revolução Francesa de 1789.

Surge, pois, o Estado Liberal.

Os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, contudo, em um Estado marcado pelo formalismo extremo, não se concretizam. A declaração política desses valores, desvinculada de sua efetivação no campo social, constitui, verdadeiramente, uma ideologia de classe. O Estado Liberal, projetado para atender a todos os homens, passa a ser, em verdade, o de uma única classe – a burguesia.

O liberalismo nascente traz consigo uma série de transformações na sociedade, na economia, na política, e, consequentemente, no campo jurídico.

No plano social, a nobreza e o clero perdem seus privilégios – institui-se a igualdade jurídica (formal) entre os homens –; na economia, por sua vez, garante-se a liberdade de produção e de mercado mediante a não intervenção do Estado na vida dos indivíduos; no campo político, vale a doutrina da separação dos poderes formulada por Montesquieu; o jurídico, a seu turno, passa a ser caracterizado pelo formalismo e pela abstração do direito em face da realidade social.

2.1.2. A doutrina do Liberalismo

Na doutrina do liberalismo, o Estado sempre foi considerado um inimigo, cuja atuação deveria ser contida para

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preservar a esfera de liberdade do indivíduo, titular de direitos inatos.

O insigne professor Paulo Bonavides ilustra bem esta realidade:

Na doutrina do liberalismo, o Estado foi sempre o fantasma que atemorizou o indivíduo. O poder, de que não pode prescindir o ordenamento estatal, aparece, de início, na moderna teoria constitucional como o maior inimigo da liberdade.

[...]

O indivíduo, titular de direito inatos, exercê-los-ia na Sociedade, que aparece como ordem positiva frente ao Estado, ou seja, frente ao negativum dessa liberdade, que, por isso mesmo, surde na teoria jusnaturalista rodeado de limitações, indispensáveis à garantia do círculo em que se projeta, soberana e inviolável, a majestade do indivíduo.[3]

O Estado Liberal, portanto, buscava resguardar a liberdade dos cidadãos, e, para tanto, valeu-se do princípio da legalidade, contudo, em sua dimensão meramente formal. Qualquer ingerência na vida dos particulares deveria ser meticulosamente regulada por lei, e como lei, entenda-se aqui, lei em sentido estrito, cuja produção derive unicamente do poder legislativo.

Observa-se, desta forma, que a lei passa a valer unicamente por sua fonte de produção. Assim, de algum modo, substitui-se o absolutismo do regime anterior pelo absolutismo do legislativo[4]. Os poderes executivo e judiciário assumiram uma clara posição de submissão em relação ao poder legiferante.

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O executivo deveria ter atuação limitada às leis, ao passo que o judiciário seria, em relação a elas, um mero aplicador, excluída qualquer atividade de conformação da lei ao caso concreto.

Montesquieu chegou a afirmar que o judiciário deveria ser a boca que pronuncia as palavras da lei. Em outro momento, o filósofo iluminista afirmou ser o judiciário um poder nulo.

Vejamos as palavras de Montesquieu:

Entretanto, se os tribunais não devem ser fixos, os julgamentos devem sê-lo a um tal ponto, que nunca sejam mais que um texto fixo da lei. Se representassem uma opinião particular do juiz, viver-se-ia na sociedade sem saber precisamente os compromissos que nela são assumidos.[5]

E mais à frente:

Dos três poderes dos quais falamos, o judiciário é, de algum modo, nulo.

[...]

Poderia acontecer que a lei, que é ao mesmo tempo clarividente e cega, fosse em certos casos muito rigorosa. Porém, aos juízes não são, conforme já dissemos, mais que a boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que desta lei não podem moderar nem a força nem o rigor.[6]

Montesquieu, embora tenha se voltado contra os abusos do antigo regime, lançou, através de sua doutrina política da separação de poderes, as bases para a tirania do legislativo[7]. Em verdade, em Hobbes já é possível notar a idéia de um poder

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judiciário submisso, cuja única função seria declarar as palavras da lei, o que, certamente, influenciou a doutrina da separação de poderes de Montesquieu.

Para corroborar essa posição, extrai-se um trecho da obra “Leviatã”, de Thomas Hobbes:

Que a lei nunca pode ser contrária à razão é coisa com que nossos juristas concordam, assim como com que não é a letra (isto é, cada uma de suas frases) que é a lei, e sim aquilo que é conforme a intenção do legislador.

[...]

Portanto o que faz a lei não é aquelajurisprudentia, ou sabedoria dos juízes subordinados, mas a razão deste nosso homem artificial, o Estado, e suas ordens. E sendo o Estado, em seu representante, uma só pessoa, não é fácil surgir qualquer contradição nas leis, e quando tal acontece a mesma razão é capaz, por interpretação ou alteração, de eliminar a contradição. Em todos os tribunais de justiça quem julga é o soberano (que é a pessoa do Estado). O juiz subordinado deve levar em conta a razão que levou o soberano a fazer determinada lei, para que sua sentença seja conforme esta, e nesse caso a sentença é uma sentença do soberano, caso contrário é dele mesmo, e é injusta. [8]

Ovídio Baptista, ao tratar da doutrina política da separação dos poderes de Montesquieu, escreveu:

É indispensável, no entanto, acrescentar ao racionalismo, tão presente na formação da ciência jurídica moderna, especialmente no

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direito processual civil, novos ingredientes que expliquem o fenômeno. Um deles, talvez o de maior significação, decorre da doutrina política da “separação de poderes”, marcada pela influência de Montesquieu, mas que nos vem, mais propriamente de Thomas Hobbes, a reduzir o Poder Judiciário a um poder subordinado, ou melhor, a um órgão do poder, cuja missão institucional não deveria ir além da tarefa mecânica de reproduzir as palavras da lei, de modo que a jurisdição não passasse de uma atividade meramente intelectiva, sem que o julgador lhe pudesse adicionar a menor parcela volitiva. [9]

Segundo a ideologia liberal burguesa, o princípio da legalidade possui estreita ligação com o princípio da liberdade. A lei limita tanto a atividade do Estado quanto dos particulares, e, deste modo, indica o quantum de liberdade é outorgado aos cidadãos.

O Estado Liberal, semelhantemente, alberga o princípio da igualdade, porém, em uma perspectiva unicamente formal, ou seja, alheio às diferentes necessidades impostas pela realidade material. A lei geral e abstrata direcionar-se-ia a todos, nunca a um único indivíduo, portanto, sempre dispensaria tratamento igualitário.

Nessa quadra, o Estado Liberal, através desse suposto tratamento igualitário, preocupava-se em proteger os cidadãos das ingerências estatais, mas não das diferentes realidades e necessidades sociais.

Nesse sentido, precisas as palavras de Marinoni:

Como o Estado liberal não se preocupava em proteger os menos favorecidos e em promover políticas públicas para uma organização comunitária mais justa, mas apenas

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em manter em funcionamento os mecanismos de mercado, sem qualquer com as diferenças das posições sociais, qualquer interferência do Estado junto aos particulares era vista como uma intromissão indevida.[10]

Caso o Estado atuasse para reduzir as desigualdades sociais, estaria sendo desigual, pois favoreceria uns em detrimento de outros.

Outro valor que se destaca no contexto do Estado Liberal é, segundo o professor Marcelo Abelha Rodrigues, o da superlativa proteção e intocabilidade da propriedade privada, o que, consequentemente, erige a elevado patamar o valor da excessiva proteção do devedor[11].

A expropriação decorrente de uma execução civil por créditos, por exemplo, deveria ser milimetricamente regulada por lei para evitar “surpresas” ao devedor, o que garantiria ao sistema o máximo de segurança possível[12].

A respeito do assunto, leciona o professor Marcelo Abelha Rodrigues:

Todavia, para “controlar” e “delimitar” a atuação e interferência do Estado na liberdade e propriedade, o CPC/73 previa – além da segurança de que o Estado só atuaria se fosse provocado – a tranqüila regra, para o executado, de que este só perderia seus bens em um processo específico, com um mínimo de previsibilidade, e, especialmente, sabendo de antemão quais seriam as armas executivas a serem utilizadas pelo Estado durante a atuação executiva. Mas não é só, pois o modelo liberal do processo executivo dava ao jurisdicionado a certeza e segurança das armas que seriam

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utilizadas pelo Estado, bem como quando e como as utilizaria. [13]

Retornando à obra de Montesquieu, é possível observar, na esteira de Marinoni, que o filósofo constituiu uma ideologia política segundo a qual a liberdade política, tida como segurança psicológica do sujeito, somente pode ser alcançada mediante a certeza do direito, indispensável à manutenção da liberdade.[14]

O juiz jamais poderia conformar a lei geral e abstrata às diferentes situações concretas, a ele somente caberia aplicar a lei de maneira cega. Somente desta forma a sociedade conheceria os compromissos nela assumidos.

A lei, portanto, propõe-se a ser plena, clara e completa, a tal ponto que uma única interpretação seria possível. A única tarefa do julgador seria pronunciar as palavras da lei. Daí decorre as idéias de sistematicidade e plenitude do direito, tão importantes na compreensão do positivismo jurídico que se desenvolverá posteriormente.

A lei, desta feita, deveria ser apta a solucionar todos os conflitos. Em razão disso, observa-se nos Estados Liberais um amplo movimento de codificação, com a formação de extensos e detalhados códigos, dos quais, o maior expoente é, certamente, o Código Civil Francês - o Código de Napoleão.

Mesmo os métodos clássicos de interpretação e integração recorrem à unidade, coerência e completude do ordenamento jurídico, um ordenamento cujas lacunas e antinomias seriam resolvidas dentro do próprio sistema.

Esses valores de liberdade, igualdade, legalidade, segurança jurídica, sistematicidade e plenitude do direito, dentre tantos outros, foram decisivos na formação jurídica brasileira, notadamente, no campo do direito processual civil.

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2.2. O paradigma cientificista e a construção da “Ciência” Processual Civil Moderna – o paradigma Racionalista e o Positivismo Jurídico

2.2.1. O paradigma Racionalista

O processo histórico de emergência da classe burguesa, que assumiu definitivamente o controle do poder político com a derrocada das monarquias absolutas e a conseqüente ascensão do Estado Liberal (historicamente marcados pela Revolução Francesa), determinou a produção de uma nova realidade cultural.[15]

Com a revolução científica, deu-se a superação do modelo aristotélico, caracterizado pela Retórica, e ergueu-se o modelo racionalista, marcado pela Razão e pelo Método Científico.[16]

O pensamento da modernidade é construído sob esse forte ideal de racionalidade, uma crença exacerbada no poder da razão como única forma de se alcançar o progresso. Essa, aliás, é a concepção pregada pelo movimento iluminista, que, difundido a partir do século XVIII, defendia o desenvolvimento moral e material do homem a partir do conhecimento.[17]

A ciência moderna despreza as evidências fornecidas pela experiência imediata; confia, unicamente, no conhecimento científico, constituído a partir da observação rigorosa dos fenômenos naturais.[18]

Em “Discurso do Método”, Descartes propõe preceitos metodológicos através dos quais a razão alcançaria “verdades claras e distintas”, que, na realidade, são idéias inatas, insuscetíveis a erro, resultantes, exclusivamente, do pensamento humano. Somente estas verdades poderiam ser aceitas pela ciência.

Extrai-se um trecho da mencionada obra de Descartes:

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[...] nunca aceitar como verdadeira nenhuma coisa que eu não conhecesse evidentemente como tal, isto é, em evitar com todo cuidado, a precipitação e a prevenção, só incluindo nos meus juízos o que se apresentasse de modo tão claro e distinto ao meu espírito, que eu não tivesse ocasião alguma para duvidar.[19]

Ocorre, assim, a busca de um ideal matemático na compreensão do mundo, cujo tipo de conhecimento “é completo, inteiramente dominado pela inteligência e baseado na ordem e na medida”.[20] A matemática, portanto, passa a fornecer o instrumento de análise e investigação adotado pela ciência na modernidade.

Esse compromisso com a epistemologia das ciências matemáticas pode ser claramente observado em Locke, na obra “Ensaios sobre o entendimento humano”, na qual o autor propõe que a moral (e consequentemente o direito) é capaz de demonstração tanto quanto as ciências matemáticas.

Ovídio Baptista, em observação ao pensamento de Locke e valendo-se de suas palavras, escreveu:

Há vários textos nos Ensaios que testemunham o profundo compromisso de Locke com o raciocínio matemático. Tratando de definir a ”essência real” do conhecimento moral, escreve ele: “Com base nisso, estou inclinado a pensar que a moral é capaz de demonstração, tanto quanto as matemáticas; desde que a essência real e exata das coisas que as palavras morais significam pode ser perfeitamente conhecida, e assim a congruência e incongruência das próprias coisas serem descobertas certamente, é isto no que consiste o conhecimento perfeito”.[21]

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Leibniz, semelhantemente, submeteu o pensamento jurídico à epistemologia das ciências exatas ao tratar do direito natural:

A doutrina do direito é de índole daquelas ciências que não dependem de experiências, mas de definições, não das demonstrações dos sentidos, porém da razão; são, por assim dizer, próprias do direito e não do fato. Portanto, assim como a justiça consiste num certo acordo e proporção, pode entender-se que algo é justo embora não haja quem pratique a justiça, nem sobre quem ela recaia, de maneira semelhante a como os cálculos numéricos são verdadeiros, embora não haja nem que numere e nem o que numerar, da mesma maneira como se pode predizer de uma coisa, de uma máquina ou de um Estado que, se tiverem de existir, hão de ser formosas, eficazes e felizes, mesmo que nunca tenham existido. [22]

Desse trecho da obra de Leibniz, é possível observar que o direito, na concepção racionalista, foi concebido como uma abstração conceitual, e, consequentemente, houve um distanciamento entre o direito e o fato concreto.[23]

A influência desses valores tornou a “ciência” processual civil um conjunto sistemático de conceitos e regras, com pretensões à universalidade e à capacidade de solucionar os mais diversos casos concretos, independentemente de tempo ou lugar.

Nesse sentido, colacionam-se as palavras do professor Ovídio Baptista:

A redução do conceito de ciência, peculiar ao pensamento moderno, que somente concebe como científicos os ramos do conhecimento humano destinados a medir, pesar e contar, fez

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com que o Direito se transformasse num conjunto sistemático de conceitos, com pretensão à eternidade, desvinculando-o da História. [...].

[...] da influência exercida pelas filosofias racionalistas sobre o Direito Processual Civil, tem seu núcleo de interesse centrado na concepção do Direito como uma ciência demonstrativa, sujeita à metodologia própria da ciência matemática. Este foi, de fato, o fator responsável pela eliminação da Hermenêutica, e, consequentemente, da Retórica forense, em favor da racionalidade das “verdades claras e distintas” de Descartes, que nosso processo ainda persegue compulsivamente, numa ridícula demonstração de anacronismo epistemológico. [24]

Assim como as proposições matemáticas somente poderiam oferecer uma única solução correta, semelhantemente, as proposições jurídicas só permitiriam uma única interpretação “correta”. Esse é o paradigma sobre o qual se assenta a moderna ciência processual civil, o de que a lei possui sentido unívoco, cabendo ao juiz, unicamente, a tarefa de revelá-lo, ou seja, “lhe basta descobrir a verdade e proclamá-la na sentença”.[25]

A influência desses valores, ao lado dos valores do liberalismo clássico, como visto, foi decisiva para o surgimento do movimento de codificação do direito no século XVIII, o qual promoveu uma intensa identificação entre lei e direito.

Nesse sentido, vale destacar a seguinte passagem da obra do professor Ovídio Baptista da Silva:

[...] a busca de certeza do direito, como ideal do racionalismo, exacerbada pela desconfiança com que a Revolução Européia encarava a

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magistratura, em virtude de seus compromisso com o Ancien Régime, que conduziu à era das grandes codificações do direito europeu, acabaram criando um sistema burocrático de organização judiciária que, por sua vez, contribuiu igualmente para a assimilação da função judicial à carreira de um funcionário público comum, rigorosamente, submetido ao controle tanto das cortes judiciárias superiores quanto, especialmente, dos órgãos do Governo [...].[26]

O desenvolvimento desses ideais culminou com o movimento filosófico denominado de positivismo, cuja aplicação no campo do direito resultou no positivismo jurídico.

2.2.2. O Positivismo Jurídico

O positivismo jurídico significou a importação do positivismo filosófico para o campo do direito.

Augusto Comte, idealizador do positivismo filosófico, influenciado pela tradição teórica racionalista, desenvolveu a lei dos três estados, segundo a qual o conhecimento humano, após atravessar os estágios teológico e metafísico, havia alcançado o estágio positivo ou científico.

O positivismo filosófico consiste em uma idealização do conhecimento obtido pela ciência, “uma crença romântica e onipotente de que os múltiplos domínios da indagação e da atividade intelectual pudessem ser regidos por leis naturais, invariáveis, independentes da vontade e da ação humana”.[27]

O pensamento positivo não se preocupa com a origem ou mesmo com a finalidade de determinado fenômeno, mas sim, com a apreciação sistemática daquilo que ele é, o que somente seria possível através da observação e da experimentação objetivas.

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Em “Discurso sobre o Espírito Positivo”, Comte escreveu:

Essa longa sucessão de preâmbulos necessários conduz, enfim, nossa inteligência, gradualmente emancipada, a seu estado definitivo de positividade racional, que deve aqui ser caracterizado duma maneira mais especial do que os dois estados preliminares. Já que tais exercícios preparatórios constataram espontaneamente a inanidade radical das explicações vagas e arbitrárias próprias da filosofia inicial, teológica ou metafísica, de agora em diante, o espírito humano renuncia de vez às pesquisas absolutas, que só convinham à sua infância. Circunscreve seus esforços ao domínio, que agora progride rapidamente, da verdadeira observação, única base possível de conhecimentos verdadeiramente acessíveis, sabiamente adaptados a nossas necessidades reais. [28]

E mais à frente:

A pura imaginação perde assim irrevogavelmente a sua antiga supremacia mental, e se subordina necessariamente à observação, de maneira a constituir um estado lógico plenamente normal, sem cessar, entretanto, de exercer, nas especulações positivas, ofício capital e inesgotável, para criar ou aperfeiçoar os meios de ligação definitiva ou provisória. Numa palavra, a revolução fundamental, que caracteriza a virilidade de nossa inteligência, consiste essencialmente em substituir em toda parte a inacessível determinação das causas propriamente ditas pela simples pesquisa das leis, isto é, relações

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constantes que existem entre os fenômenos observados. Quer se trate dos menores quer dos mais sublimes efeitos, do choque ou da gravidade, do pensamento ou da moralidade, deles só podemos conhecer as diversas ligações mútuas próprias à sua realização, sem nunca penetrar no mistério de sua produção.

Nossas pesquisas positivas devem essencialmente reduzir-se, em todos os gêneros, à apreciação sistemática daquilo que é, renunciando a descobrir sua primeira origem e seu destino final. [29]

Observa-se, assim, que para o positivista não interessam a origem ou o fim dos objetos de seu estudo, mas sim o estudo do objeto em si e das suas relações com outros objetos. No campo do direito, a adoção do pensamento positivista resultou na formação do positivismo jurídico, caracterizado pela observação e descrição da norma jurídica, e que obteve em Kelsen sua mais elevada expressão.

Vejamos um trecho da “Teoria Pura do Direito”, formulada por Kelsen:

Dizer que uma norma que se refere à conduta de um indivíduo “vale” (é “vigente”), significa que ela é vinculativa, que o indivíduo se deve conduzir do modo prescrito pela norma. Já anteriormente num outro contexto, explicamos que a questão de por que é que a norma vale – quer dizer: por que é que o indivíduo se deve conduzir de tal forma – não pode ser respondida com a simples verificação de um fato da ordem do ser, que o fundamento de algo ser não pode seguir-se que algo deve ser; assim como do fato

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de algo dever ser se não pode seguir que algo é.[30]

Desta forma, o positivismo jurídico fixa o objeto de seu estudo: a norma jurídica.

Abstrai-se do conceito de direito todos os aspectos sociológicos, históricos, políticos, psicológicos, morais, éticos, dentre tantos outros, ou seja, lança-se fora “todo resquício metafísico [...]. A partir de então, o Direito é identificado à lei, não havendo nada acima dele que funcione como parâmetro de aferição de sua justeza”.[31]

O positivismo jurídico, portanto, não dispensa qualquer preocupação com o conteúdo da norma, cuja validade depende unicamente da legitimidade do procedimento de sua criação.

Desta feita, o fundamento de validade de qualquer norma é uma norma superior. O desenvolvimento deste raciocínio conduziu Kelsen a pressupor a existência de uma norma fundamental (Grundnorm). Nesta norma pressuposta todo sistema de normas se fundamenta, formando-se, assim, uma ordem normativa.

Afirma-se a plenitude do direito, na verdade, da lei e dos grandes códigos. Aos juristas não cabe outra tarefa senão buscar no ordenamento jurídico a resposta para todos os conflitos existentes. Os grandes Códigos, aliados aos métodos clássicos de interpretação e integração da norma jurídica seriam capazes de oferecer solução a qualquer conflito de interesses surgido no seio social. Eis a completude do ordenamento jurídico.

Norberto Bobbio tratou do tema nos seguintes termos:

O dogma da completude, isto é, o princípio de que o ordenamento jurídico seja completo para fornecer ao juiz, em cada caso, uma solução sem recorrer à eqüidade, foi dominante,

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e o é em parte até agora, na teoria jurídica européia de origem romana. Por alguns é considerado como um dos aspectos mais salientes do positivismo jurídico. [32]

E em outro ponto de sua obra:

Por “completude” entende-se a propriedade pela qual um ordenamento jurídico tem uma norma para regular qualquer caso. Uma vez que a falta de uma norma se chama geralmente “lacuna” (num dos sentidos do termo “lacuna”), “completude” significa “falta de lacunas”. Em outras palavras, um ordenamento é completo quando o juiz pode encontrar nele uma norma para regular qualquer caso que se lhe apresente, ou melhor, não há caso que não possa regulado com uma norma tirada do sistema.[33]

Consoante se observou da análise precedente, o racionalismo e o liberalismo promoveram uma intensa identificação entre lei e direito, exaltada pelo positivismo jurídico. O direito, portanto, resume-se à lei. Mas não é só.

Segundo Luiz Guilherme Marinoni:

[...] o positivismo jurídico não apenas aceitou a idéia de o direito deveria ser reduzido à lei, mas também foi o responsável por uma inconcebível simplificação das tarefas e responsabilidades dos juízes, promotores, advogados, professores e juristas, limitando-as a uma aplicação mecânica das normas jurídicas na prática forense, na universidade e na elaboração doutrinária.[34]

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A aplicação da lei, cujo sentido se pressupunha ser unívoco, deveria se dar de maneira cega, como séculos antes pretendera Montesquieu.

Sobre o tema, mais uma vez recorre-se às palavras de Marinoni:

Isso significa que o positivismo jurídico, originariamente concebido para manter a ideologia do Estado liberal, transformou-se, ele mesmo, em ideologia. Nessa dimensão, passou a constituir a bandeira dos defensores do status quo ou dos interessados em manter a situação consolidada pela lei. Isso permitiu que a sociedade se desenvolvesse sob um asséptico e indiferente sistema legal ou mediante a proteção de uma lei que, sem tratar de modo adequado os desiguais, tornou os desiguais em carne e osso mais desiguais ainda. [35]

Percebe-se, assim, que o positivismo jurídico restou preso ao paradigma racionalista e à ideologia do Estado liberal.

Tem-se, portanto, que essa construção teórica que deu contornos científicos ao direito, e, consequentemente ao direito processual civil, acabou por distanciar o processo da realidade social, tornando-o um sistema fechado, regido por seus próprios conceitos, esquecendo-se que sua função precípua é realizar os direitos materiais.

2.3. A Escola Sistemática Italiana e o ingresso do Método Científico no Direito Processual Civil brasileiro

2.3.1. A Escola Sistemática Italiana

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A escola sistemática, também conhecida como escola histórico-dogmática, incorporou os valores do liberalismo clássico e do paradigma cientificista.

Essa nova escola processual italiana representou a superação da antiga escola da exegese, que concebia o processo como mero apêndice de direito material e cujo método era voltado à compreensão dos atos do procedimento.

A transição entre essas duas escolas se deu com a obra de Ludovico Mortara e a afirmação da natureza pública do processo, que sob essa concepção, não mais poderia ser entendido como mero palco onde as disputas privadas se realizariam.

Mortara, considerando a natureza pública do processo, formulou um conceito de jurisdição que evidencia a defesa do direito objetivo. Daí observa-se seu comprometimento com os valores do Estado liberal, através da idéia de um juiz subordinado.

Nesse sentido, vale destacar a seguinte passagem da obra de Luiz Guilherme Marinoni:

Quando Mortara afirma que a jurisdição tem o fim de defender o direito objetivo, fica claro que esse objetivo deve ser realizado mediante a declaração ou a atuação da lei. Portanto, a doutrina de Mortara se diferenciou, em relação às lições dos processualistas que sustentaram a concepção de jurisdição vista no item anterior, apenas em razão de ter revelado a natureza pública do processo, mas se manteve presa aos valores culturais e ideológicos do Estado liberal. [36]

A afirmação da escola sistemática, todavia, deve-se a Giuseppe Chiovenda, que além de sedimentar a natureza pública do processo, demonstrou elevada preocupação em desvincular o direito processual civil do direito material.

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Para Chiovenda, a conceituação harmoniosa de institutos jurídico-processuais distintos dos institutos de direito material conferiria autonomia científica ao direito processual civil.

Sobre o tema, Marinoni afirmou:

Essa escola, ao se preocupar em desvincular o direito processual civil do direito material e evidenciar a natureza pública do processo, importou-se em delinear conceitos que, segundo sua concepção, seriam capazes de conferir autonomia e dignidade científica ao direito processual civil, antes concebido como simples procedura civile. [37]

A escola sistemática, embora responsável por notáveis avanços no campo do direito processual civil, elaborou uma doutrina comprometida com os valores liberais e excessivamente preocupada em abstrair a noção de processo dos direitos materiais, preocupação típica do paradigma cientificista.

A respeito do assunto, mais uma vez recorre-se às brilhantes palavras de Marinoni:

Entretanto, essa mudança de perspectiva da doutrina nada teve a ver com o surgimento de uma ideologia política diversa da liberal, e muito menos com os princípios socialistas, constituindo somente resultado da evolução da cultura jurídica, que apenas indiretamente pode conter implicações de natureza ideológica. Essa constatação é importante, pois, se a escola sistemática representou avanço evidente em relação a escola exegética, isso não quer dizer que o peso dos valores liberais não tenha influenciado os estudos chiovendianos e mesmo pós-chiovendianos. [38]

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E ainda:

De lado essa questão, não é possível ignorar que a escola sistemática, em sua ânsia de redescobrir o valor do processo e de dar contornos científicos ao direito processual civil, acabou excedendo-se em sua missão. A intenção de depurar o processo civil de sua contaminação pelo direito substancial, a ele imposta pela tradição jurídica do século XIX, levou a doutrina chiovendiana a erguer as bases de um direito processual civil completamente despreocupado com o direito material.[39]

Nesse contexto, construiu-se um direito processual civil alheio às diferentes realidades e necessidades sociais, concebido para homens formalmente iguais perante a lei, o que, segundo a lógica burguesa, garantiria a liberdade e segurança jurídica dos indivíduos.[40]

A nova ciência processual civil que se formara era composta por um conjunto sistemático de institutos jurídico-processuais, com pretensão à eternidade, à universalidade, à aplicação plena, independentemente do tempo, do lugar, e, sobretudo, das circunstâncias do caso concreto.[41]

2.3.2. O ingresso da Escola Sistemática no Direito Processual Civil brasileiro

No Brasil, até os anos 20 do século passado, a doutrina processual civil ainda recebia forte influência dos exegetas italianos.

Extrai-se um trecho da obra conjunta de Cintra, Grinover e Dinamarco:

Mas a doutrina brasileira de então ressentia-se profundamente de uma grande desatualização metodológica. Nossos

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estudiosos, habituados à leitura dos clássicos portugueses (Correia Telles, Pereira e Souza, Lobão) e dos exegetas italianos do século passado (Mattirolo, Pescatore e mesmo Mortara), não se haviam alinhado ao movimento que a partir da metade do século passado[42] se instalara na Europa. [43]

O ingresso da escola sistemática, e, consequentemente, do método científico no direito processual civil brasileiro, se dá, mais propriamente, a partir da chegada ao país do jovem Enrico Tullio Liebman, um dos discípulos mais eminentes de Chiovenda.

Liebman chegou ao Brasil no ano de 1940, ao fugir da Segunda Guerra Mundial; ministrou aulas na Faculdade de Direito de São Paulo; suas idéias influenciaram uma geração de grandes processualistas brasileiros e podem ser facilmente observadas no Código de Processo Civil Brasileiro de 1973.

Nesse sentido, calha à baila destacar mais uma vez as lições de Cintra, Grinover e Dinamarco:

Mas o ingresso do método científico na ciência processual brasileira só pôde ter lugar mesmo, definitivamente, a partir do ano de 1940, quando para cá se transferiu o então jovem Enrico Tullio Liebman, já àquela época professor titular de direito processual civil na Itália. Nos seis anos que esteve entre nós, tendo inclusive sido admitido como professor visitante na Faculdade de Direito de São Paulo, foi Liebman o portador da ciência européia do direito processual. Fora aluno de Chiovenda, o mais prestigioso processualista italiano de todos os tempos.

[...]

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Vieram em seguida os trabalhos de alto nível de Luís Eulálio de Bueno Vidigal, Alfredo Buzaid e José Frederico Marques, discípulos de Liebman naqueles colóquios por este promovidos; de Moacyr Amaral Santos, de Celso Agrícola Barbi, de Alcides de Mendonça Lima, de Galeno Lacerda, de Moniz de Aragão, de Barbosa Moreira e de outros mais modernos, em processo civil.[44]

Observa-se, assim, que os valores liberais e do paradigma cientificista exerceram grande influência sobre o direito processual civil europeu e brasileiro, e, consequentemente, delinearam os contornos dos institutos jurídicos do Código de Processo Civil brasileiro de 1973.

3. CARACTERÍSTICAS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO DE 1973

3.1. A função declaratória da jurisdição

A formulação de Chiovenda sobre o conceito de jurisdição como uma função destinada a fazer atuar a vontade concreta da lei exerceu, como não poderia ser diferente, grande influência sobre a doutrina processual civil brasileira.

Chiovenda, inspirado pelos valores do liberalismo clássico e do paradigma cientificista, parte do pressuposto de que a produção do direito, vale dizer, da confecção das leis, é atribuição exclusiva do Estado.

A criação do direito é tarefa do legislador. Já a aplicação é incumbência do juiz, a qual se dá mediante a substituição de uma atividade de natureza privada por uma atividade de natureza pública.[45] [46]

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Desta feita, a jurisdição é destinada a afirmar e atuar a vontade abstrata da lei ao caso concreto, e se manifesta no processo por dois meios distintos: a cognição e a execução.[47]

O próprio Chiovenda escreveu que antes de o juiz decidir uma demanda, ele realiza “uma série de atividades intelectuais com o objetivo de se aparelhar para julgar se a demanda é fundada ou infundada e, pois, para declarar existência ou não existente a vontade concreta da lei, de que se cogita”.[48]

Conclui-se, assim, que embora no sistema chiovendiano a atividade executiva também faça parte da atividade jurisdicional, esta assume uma feição extremamente ligada à ideia de mera declaração de direitos, a qual deriva da rígida delimitação entre as atividades do legislador (criador) e do juiz (subordinado).

Convém, ainda, ressaltar as lições de outro grande processualista: Francesco Carnelutti.

Para o mestre italiano, jurisdição significa a justa composição da lide, caracterizada por um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida.

Segundo Carnelutti, adepto da teoria unitária do ordenamento jurídico, o juiz cria uma norma individual para o caso concreto, que passa a integrar, assim como as leis, o ordenamento jurídico. Nesse ponto, sua doutrina distingue-se da doutrina de Chiovenda, para quem a sentença é um ato externo, o qual não compõe o ordenamento.[49]

A composição da lide, portanto, ocorre com a individualização da norma superior para o caso concreto, através de uma sentença declaratória em sentido amplo, ou seja, do ato que encerra o processo de conhecimento. Veja-se que excluído está, do conceito de jurisdição, o processo executivo.

A respeito do assunto, observemos o que aduz o professor Ovídio A. Baptista da Silva:

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Segundo Carnelutti (Sistema di diritto processuale civile, 1936, v. 1, p. 131-269), a jurisdição consiste na justa composição da lide, mediante sentença de natureza declarativa, por meio da qual o Juiz dicit ius; daí porque, segundo ele, não haveria jurisdição no processo executivo (p. 132).

De acordo com esta concepção, largamente difundida no Brasil, a jurisdição pressupõe um conflito de interesses, qualificado pela pretensão de alguém e a resistência de outrem. [50]

A adoção desse pensamento pelo Código de Processo Civil Brasileiro de 1973 fica bem evidente na redação original do caput do art. 463, segundo o qual “Ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional [...]”.

Da leitura do mencionado dispositivo, resta claro que ao proferir a sentença de mérito (declaratória, constitutiva ou condenatória, segundo a concepção clássica), o juiz encerra o ofício jurisdicional, limitado à declaração judicial de direitos, ainda que seja necessário um futuro processo de execução forçada para sua realização.

A despeito das diferenças existentes nas teses defendidas por Chiovenda e Carnelutti, há um ponto em comum, que serve de fundamento a todo sistema processual civil brasileiro: a jurisdição é voltada à declaração judicial de direitos.

Nesse sentido, as palavras de Luiz Guilherme Marinoni são esclarecedoras:

Deixe-se claro, portanto, que as concepções de Carnelutti e Calamandrei, apesar de filiadas à teoria unitária do ordenamento jurídico, não se desligaram da idéia de que a função do juiz está estritamente subordinada à do legislador,

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devendo declarar a lei. Na verdade, a distinção entre a formulação de Chiovenda e as de Carnelutti e Calamandrei está em que, para a primeira, a jurisdição declara a lei, mas não produz uma nova regra, que integra o ordenamento jurídico, enquanto, para as demais, a jurisdição, apesar de não deixar de declarar a lei, cria uma regra individual que passa a integrar o ordenamento jurídico.[51]

A concepção de jurisdição como uma função voltada à mera declaração de direitos tem suas bases, certamente, nos valores do paradigma cientificista e do liberalismo clássico.

Como dantes visto, o paradigma sobre o qual se assenta a moderna ciência processual civil é o de que a lei possui sentido unívoco, cabendo ao juiz, unicamente, a tarefa de revelá-lo, ou seja, declará-lo na sentença.

Nessa esteira, Montesquieu já compreendia que a execução das decisões judiciais era tarefa do Poder Executivo.[52]

Ao juiz restava apenas a possibilidade de atuar mediante sentença declaratória em sentido amplo (meramente declaratória, constitutiva ou condenatória), pois a tentativa de conter o arbítrio judicial era tamanha que o sistema não deveria conferir ao julgador poderes para exercer atividade executiva.[53]

3.2. O processo de conhecimento no Código de Processo Civil brasileiro de 1973

O maior “prodígio” da escola sistemática foi a criação de um procedimento quase universal, denominado procedimento ordinário.

O processo de conhecimento foi marcado por essa uniformização do procedimento, mediante a criação do

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procedimento ordinário, o qual pretendia atender as mais variadas situações de direito substancial.

Para confirmar esse entendimento, basta ter em mente que os procedimentos especiais, voltados à realização de determinadas classes de direitos, sempre foram considerados exceções ao procedimento ordinário.

Nesse sentido, precisas são as palavras de Marinoni:

No entanto, o fruto mais óbvio dessa escola foi a pretensão de uniformização do procedimento. A idéia de um único procedimento para atender a diferentes situações de direito substancial tem origem pouco mais óbvia na tentativa de isolamento do processo em face do direito material.

Tanto é verdade que os processualistas clássicos sempre enxergaram os procedimentos especiais como exceções ao procedimento ordinário.[54]

De outro giro, não se pode esquecer do próprio caráter ideológico dos procedimentos especiais, que, voltados à realização de determinadas classes de direitos, acabam por privilegiar determinadas classes sociais.

Como exemplo, podemos citar a proteção do direito de propriedade, que através das ações possessórias recebe uma tutela adequada à sua efetiva realização, e, de maneira mais que óbvia, aponta para o favorecimento das classes mais abastadas, detentoras da maior parte das propriedades, sejam urbanas, sejam rurais.

No Código de 1973, a idéia de uniformização do procedimento pode ser observada nos seguintes dispositivos:

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Art. 271. Aplica-se a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição expressa deste Código ou de lei especial.

Art. 272. O procedimento comum é ordinário ou sumário.

Parágrafo único. O procedimento especial e o procedimento sumário regem-se pelas disposições que lhes são próprias, aplicando-se-lhes, subsidiariamente, as disposições do procedimento ordinário.

Da dicção dos artigos descritos acima, tem-se como regra a adoção do procedimento comum ordinário. Apenas excepcionalmente os procedimentos especiais e o procedimento comum sumário têm aplicação.

Sobre o tema, extrai-se um trecho da obra do emérito professor Barbosa Moreira:

O procedimento comum, por sua vez, pode ser ordinário ou sumário (art. 272,caput). Ainda aqui, a linha divisória traça-se por exclusão: a lei enumera taxativamente, dentre as causas submetidas ao procedimento comum, aquelas em que se deve observar o sumário (art. 275); todas as restantes adotarão o ordinário. A discriminação das causas sujeitas ao procedimento sumário inspira-se ora no critério do valor (art. 275, nº I), ora no da matéria (art. 275, nº II).[55]

Do procedimento comum sumário, pode-se afirmar duas coisas: a um, somente é aplicado a um número restrito de hipóteses, cuidadosamente descritas no art. 275, do Código de Processo Civil; a dois, o procedimento sumário, em verdade, constitui uma espécie

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de procedimento ordinário, só que com a compressão de suas fases.

Pois bem.

O procedimento ordinário, e, consequentemente, o processo de conhecimento, é caracterizado por ser declaratório em sentido amplo, plenário e sem executividade no interior do procedimento; quanto ao provimento final, é sempre declaratório em sentido estrito, constitutivo ou condenatório.[56]

Da ausência de executividade no processo de conhecimento, tem-se, necessariamente, a impossibilidade de concessão de provimentos antecipatórios fundados em juízos de verossimilhança.

Diz-se que o processo de conhecimento é declaratório porque todos os provimentos jurisdicionais possíveis dentro da classificação trinária das sentenças são sempre declaratórios em sentido amplo, mesmo as sentenças condenatórias, que são aquelas tradicionalmente tendentes a dar início a um processo autônomo de execução.

Sobre a natureza declaratória do processo de conhecimento, o professor Ovídio Baptista, em alusão ao pensamento de Cândido Rangel Dinamarco, assevera:

Esta lição de Dinamarco põe à mostra outra questão que deverá ocupar-nos, relativa ao conceito de jurisdição e de Processo de Conhecimento. Mesmo não sendo este o ponto objeto de sua análise, contrapõe o jurista a função executiva, destinada, segundo ele, à “aplicação da sanção executiva”, a função do Processo de Conhecimento, identificado como o instrumento criado para que se possa “exigir sentença de mérito”, quer dizer, obter declaração do direito, pois, vê-se de suas

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palavras, a ação, salvo nesse casos excepcionais, é apenas e simplesmente “o poder de exigir sentença de mérito” (ação cognitiva, em contraposição à ação executiva, do Processo de Execução). Fica bem clara a função do Processo de Conhecimento, como processo exclusivamente declaratório.[57]

É, ainda, plenário porque marcado pela antecedência e extensão do contraditório e da ampla defesa, os quais induzem o magistrado a um amplo trabalho de cognição (exauriente), tendente a obter um suposto juízo de certeza antes de prolatar a sentença de mérito, o que, então, põe fim ao processo de conhecimento.[58]

Quanto à relação existente entre processo de conhecimento e plenariedade, ensina o professor Ovídio Baptista da Silva:

[...] a ordinariedade tem vocação congênita para a plenariedade da respectiva demanda que lhe cabe instrumentalizar. Isto é perfeitamente compreensível se tivermos presente que o juízo de certeza, a que o procedimento ordinário deve necessariamente tender, exigirá que o julgador forme o convencimento baseado na plenitude da prova. Esta relação entre forma ordinária e conteúdo plenário da demanda apresenta-se tão intensa e natural que Chiovenda, como vimos (p. 157), para aludir à cognição plenária– que ele desejava contrapor à cognição sumária –, serve-se da expressão cognição ordinária. [...] Nossa capacidade para “ordinarizar” e, como decorrência disto, “plenarizar” todas as demandas é uma conseqüência inelutável pelo paradigma da ordinariedade, que tem no

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Processo de Conhecimento seu principal alicerce teórico.[59]

Em seu curso inexistem provimentos antecipatórios, fundados em juízos de verossimilhança, pois toda atividade executiva deverá ser concentrada em um processo autônomo de execução.

A concentração de toda executiva em um processo autônomo tem a função de retirar do julgador o poder de atuar no mundo concreto, e, assim, garantir a liberdade e segurança jurídica dos cidadãos, independentemente das necessidades de direito material em questão.

Consoante esse entendimento, destaca-se um trecho da obra de Luiz Guilherme Marinoni:

De modo que a gênese do processo de conhecimento, concebido como palco da verificação dos fatos e da declaração da lei, está justamente na tentativa de nulificação do poder do juiz. A separação entre conhecimento e execução teve o propósito de evitar que o juiz concentrasse, no processo de conhecimento, os poderes de julgar e de executar.

É importante deixar claro que, em princípio, a idéia de limitar o poder do juiz teve uma intenção legítima – pois Judiciário possuía relações com o antigo regime. Contudo, depois, ela passou a ser utilizada para dar guarida às pretensões da burguesia, para que era necessário um Estado que garantisse sua plena liberdade para se desenvolver nos planos social e econômico. Para tanto, um poder de julgar que estivesse limitado a afirmar a autoridade da lei seria perfeito. [60]

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Nesse modelo processual, a cognição representa a “busca da verdade” da lei para o caso concreto, e, assim, todo julgamento pressupõe, após um amplo trabalho de conhecimento, ter encontrado esta “verdade”, para só então, no plano fático, realizar-se atividade executiva.[61]

Constrói-se, assim, o mito que separa radicalmente a cognição e a execução.

O processo de conhecimento, pois, é meramente declaratório. Toda atividade realizadora de direitos é relegada a um processo autônomo de execução, necessariamente posterior à cognição, e tendente a concentrar em seu interior todos os atos de constrição judicial.

O elo entre esses dois processos autônomos, cada qual com seus objetivos bem definidos – declaração e execução –, é a sentença condenatória, que atua albergada pelo princípio de que não há execução sem título.

A respeito da importância da sentença condenatória para a construção do paradigma processual que determina a rígida separação entre processo de conhecimento e execução de sentença, leciona o professor Ovídio Baptista da Silva:

A execução de sentença, separada do Processo de Conhecimento, formando uma ação independente, é o resultado de vários fatores, dentre os quais prepondera a natureza da sentença condenatória com sua incapacidade para realizar (satisfazer) o direito do litigante vitorioso. Certamente outros fatores, igualmente importantes, contribuíram para legitimar a autonomia do processo de execução, mas não se deve esquecer que, sem a condemnatio, o resultado provavelmente não seria alcançado. [62]

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Como vimos, mesmo as sentenças condenatórias são incapazes de satisfazer o direito material, dada sua natureza declaratória. Limita-se ela a produzir o título executivo judicial, que legitimará o ajuizamento de uma demanda autônoma de execução, esta sim, atuante no plano fático.

Pode-se observar de todo exposto, que o modelo processual civil tradicional é regido, como pretendera a construção do paradigma cientificista, por uma equação quase matemática: ação de conhecimento + sentença condenatória + ação de execução = realização do direito.

Decerto que essa forma de tutela jurisdicional é adequada, em alguma medida, à defesa de direitos patrimoniais individuais, direitos estes consagrados no auge do liberalismo clássico (direitos de primeira geração), mas não voltada à efetiva proteção de direitos.

Desprezou-se, assim, a tutela preventiva e específica em prol de uma tutela repressiva e ressarcitória.[63]

3.3. A classificação trinária das sentenças e o dogma que exclui qualquer eficácia executiva das sentenças declaratórias

A doutrina tradicional, na esteira do pensamento chiovendiano, costuma classificar as ações de conhecimento e suas respectivas sentenças de procedência em três espécies: declaratórias, constitutivas e condenatórias, estas, as únicas aptas a ensejar o processo de execução.

Fiel aos valores do liberalismo clássico e do paradigma cientificista, as sentenças da classificação trinária são todas declaratórias em sentido amplo, pois não permitem ao juiz atuar senão no plano normativo, afirmando a vontade da lei e a autoridade do legislador.[64]

As sentenças declaratórias em sentido estrito são aquelas destinadas, unicamente, a produzir uma declaração judicial de certeza que supostamente esgotaria a prestação jurisdicional.[65]

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Para exigir o adimplemento da obrigação judicialmente reconhecida mediante sentença declaratória, necessário seria a propositura de outra ação contra o obrigado, desta vez de natureza condenatória.

Afirma o próprio Chiovenda, referindo-se às sentenças declaratórias em sentido estrito:

Casos há, porém, em que a sentença colima exclusivamente verificar qual seja a vontade concreta da lei, quer dizer, certificar a existência do direito (já direito a uma prestação, já direito potestativo), sem o fim de preparar a consecução de qualquer bem, a não ser a certeza jurídica. [66]

Vê-se, portanto, que a sentença declaratória é aquela que melhor se adequa aos valores do liberalismo clássico e do paradigma cientificista, vez que se limita a proclamar a tão desejada “certeza do direito”, sem abrir a possibilidade de posterior execução do provimento jurisdicional.

O objeto das sentenças constitutivas, por outro lado, “é a vontade concreta da lei por força da qual se deve produzir a mudança, ou, em outros termos, o direito à mudança jurídica”[67], seja através da criação, modificação ou extinção de um estado ou relação jurídica.[68]

Assim como as sentenças declaratórias, as sentenças constitutivas prescindem de atividade executiva, seus efeitos operam instantaneamente com a simples existência do provimento jurisdicional.

A sentença condenatória, a seu turno, destina-se, por um lado, a tornar certo o direito, e esta é uma função também alcançada pela sentença declaratória – a verificação do direito –, por outro, a preparar a execução, e nisto restaria sua diferença em relação à tutela meramente declaratória.

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Pois como aduz o mestre Chiovenda em suas lições:

Em outro sentido, porém, a sentença de condenação gera uma nova ordem, a saber, com respeito aos órgãos encarregados à execução; e eis aí como se distingue da sentença declaratória.

[...]

Duas funções, portanto, podem assistir à verificação: a) tornar certo o direito, com todas as vantagens decorrentes diretamente dessa certeza; b) preparar a execução, formando a convicção dos órgãos do Estado sobre a ulterior atuabilidade do direito. Na sentença de condenação associam-se as duas funções.[69]

Da rígida delimitação entre as atividades de cognição (prévia) e execução (posterior), forjou-se o princípio da “nulla executio sine titulo”, ou seja, de que não pode haver execução sem a existência de título[70].

Desta feita, na esteira do que proferiu Chiovenda, “o título executório é o pressuposto ou condição genérica de qualquer execução, e, assim, da execução forçada”[71]. A sentença condenatória, pois, sendo aquela destinada a preparar a execução, tornou-se o título executivo por excelência.

Unificou-se a prestação jurisdicional através da fórmula ação de conhecimento + sentença condenatória + ação de execução = realização do direito, como se essa forma de tutela pudesse atender a todas as situações levadas a juízo, o que é, sem sombra de dúvidas, um mito.

A existência de um procedimento universal (ordinário) destinado a realizar todas as situações de direito substancial determinou a universalização, também, da sentença condenatória.

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Sobre a universalização das sentenças condenatórias e sua insuficiência para a efetiva tutela de direitos, adverte Jaqueline Mielke Silva em sua obra:

A universalização da actio determinou, por sua vez, a universalização dacondemnatio. As sentenças de procedência, tal como ocorria no procedimento privado romano, conservaram-se em nosso Código de Processo Civil invariavelmente condenatórias.

[...]

É impossível negar-se a importância que as ações condenatórias tiveram para o mundo liberal e individualista dos séculos passados. Contudo, é preciso ter em conta que elas não são mais suficientes para responder aos anseios da sociedade contemporânea. [72]

A exigência de um provimento jurisdicional condenatório para se realizar execução, independentemente das circunstâncias do caso concreto, traduz os valores do liberalismo e do paradigma cientificista na medida em que significou a abstração do processo face às necessidades do direito material.[73]

O processo civil brasileiro, portanto, reproduziu o mito da igualdade formal entre os homens; caracterizou-se por uma profunda indiferença pelas variadas posições sociais e pela natureza dos bens jurídicos reclamados; a lei, cujo sentido pressupunha-se ser único, deveria ser aplicada a todos, por um juiz subordinado, independentemente das circunstâncias do caso concreto; refletiu-se a confusão existente entre a autonomia científica do direito processual civil e a neutralidade do processo frente ao direito material.

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A jurisdição e o processo de conhecimento assumiram uma feição voltada à declaração de direitos, não à sua efetiva realização.

A tutela meramente declaratória, portanto, é aquela que melhor responde a esses valores. Caracteriza-se como um provimento jurisdicional destituído de qualquer meio de atuação sobre a vontade do vencido para fazê-lo adimplir a obrigação devidamente reconhecida (declarada) pelo juiz.

Contudo, o processo civil brasileiro passou por um momento de transição paradigmática, que foi e é responsável por uma série de transformações no campo do direito processual.

4. A CRISE DA DOGMÁTICA TRADICIONAL - A SUPERAÇÃO DO ESTADO LIBERAL CLÁSSICO E A QUEDA DO PARADIGMA CIENTIFICISTA

4.1. A crise do Liberalismo Clássico – o advento do Estado Social e as transformações na compreensão da atividade jurisdicional

4.1.1. A crise do Estado Liberal e o surgimento do Estado Social

A Revolução Industrial, produto da ideologia liberal burguesa, trouxe consigo uma série de distorções de ordem social, tais como a massificação das relações, a concentração urbana e a exploração desenfreada do trabalho, inclusive de crianças e idosos.

Como explicam Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins:

No século XIX, o resplendor do progresso não oculta a questão social, caracterizada pelo recrudescimento da exploração do trabalho e das condições subumanas de vida: extensas jornadas de trabalho, de dezesseis a dezoito horas, sem direito a férias, sem garantia para a

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velhice, doença e invalidez; arregimentação de crianças e mulheres, mão-de-obra mais barata; condições insalubres de trabalho, em locais mal-iluminados e sem higiene; mal pagos, os trabalhadores também viviam mal alojados e em promiscuidade. [74]

O Estado não poderia promover qualquer ingerência na vida dos indivíduos no sentido de reduzir essas desigualdades, caso contrário, estaria ferindo de morte o cânone da isonomia formal.

Essa política abstencionista foi responsável por um extraordinário alheamento do direito em face da realidade concreta e significou o aprofundamento de desigualdades sociais, a tal ponto, que o modelo de Estado Liberal Clássico já não mais se sustentava.

Assevera o brilhante professor Paulo Bonavides:

Mas, como a igualdade a que se arrima o liberalismo é apenas formal, e encobre, na realidade, sob seu manto de abstração, um mundo de desigualdades de fato – econômicas, sociais, políticas e pessoais -, termina “a apregoada liberdade, como Bismarck já o notara, numa real liberdade de oprimir os fracos, restando a estes, afinal de contas, tão somente a liberdade de morrer de fome”.

A I Grande Guerra Mundial, no juízo de Vierkandt, abriu os olhos de muitos pensadores da escola liberal para essa triste e dolorosa verdade. [75]

E ainda:

O velho liberalismo, na estreiteza de sua formulação habitual, não pôde resolver o problema essencial de ordem econômica das

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vastas camadas proletárias da sociedade, e por isso entrou irremediavelmente em crise.

A liberdade política como liberdade restrita era inoperante.

Não dava nenhuma solução às contradições sociais, mormente daqueles que se achavam à margem da vida, desapossados de quase todos os bens. [76]

Toma-se consciência, portanto, a partir do primeiro pós-guerra, de que o Estado deveria atuar no sentido de promover a igualdade em uma perspectiva material. Ganha força a idéia de tratar os iguais na medida de sua igualdade e os desiguais na medida de sua desigualdade.

Assim, torna-se fértil o terreno para o advento do Estado Social, que representa, com sua política claramente intervencionista, uma mudança estrutural em relação ao antigo Estado Liberal.

Mais uma vez, imprescindível fazer menção a trecho da obra do professor Paulo Bonavides:

Façamos a seguir ligeiro confronto entre o Estado de Direito da burguesia liberal do passado e o novo Estado de Direito que tem por base primeira a igualdade. Naquele os valores fundamentais – vida, liberdade e propriedade – gravitavam, segundo Shambeck e Huber, no centro da ordem jurídica, ao passo que com o advento do Estado social os novos valores fundamentais produzidos pela sociedade industrial abrangem o pleno emprego, a segurança existencial e a conservação da força de trabalho.

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Ontem – prosseguem aqueles publicistas – o Estado ameaçava os valores dominantes (vida, liberdade e propriedade). Hoje esses valores dominantes são outros; a ameaça que sobre eles pesa já não procede do Estado, mas da Sociedade e de suas estruturas injustas [...]. De tudo isso se pode inferir, conforme disse Huber, que o Estado de Direito foi um produto da Revolução burguesa enquanto o Estado social é um produto da sociedade industrial.[77]

Como decorrência das transformações operadas no corpo social, surge a necessidade de adequação do direito, e, principalmente do direito processual civil, em face dessa nova realidade.

4.1.2. As implicações do advento do Estado Social no campo do Direito Processual Civil

A sociedade industrial faz surgir novos conflitos, que, a seu turno, exigem respostas cada vez mais abstratas do judiciário, em contraposição à “certeza do direito” pretendida pelo Estado de matriz liberal.

Segundo informa Jaqueline Mielke Silva:

A sociedade industrial ampliou a complexidade sócio-econômica e política, exigindo soluções cada vez mais abstratas e flexíveis, pragmáticas e abertas. Com a transformação dos conflitos individuais em conflitos coletivos entre grupos e classes, a mediação formalizada pela ‘práxis social’ se torna problemática. Assim, o surgimento desses novos conflitos conduz à necessidade de adequação do Direito. O Direito tende a se “adaptar” e adquire situações próprias à nova situação. [78]

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Observa-se, assim, que o Estado intervencionista altera as feições do Estado precedente, e é responsável por profundas transformações na compreensão da tutela jurisdicional, que agora, não mais poderia ser compreendida como uma função voltada à mera declaração de direitos, mas à sua efetiva realização.

Se antes a atividade jurisdicional era excessivamente controlada por uma legislação que pormenorizava todos os passos que deveriam ser dados pelo magistrado e que determinava quais meios seriam aptos ou não a ensejar execução, hoje, o juiz conta com a possibilidade de escolha dos meios, tendo em vista, como fim, a obtenção da efetiva prestação jurisdicional.

Sobre o tema, calha à baila destacar o seguinte trecho da obra do professor Marcelo Abelha.

É que com a substituição do Estado liberal pelo Estado Social houve mudança do comportamento do Estado-juiz, que passou a “atuar” ao invés de ficar “inerte”. Se antes a sua atuação, mesmo na execução, era milimetricamente medida, regulada, discriminada e seguia a regra da tipicidade da atividade a ser exercida, hoje a regra não é mais assim, já que, com a mudança de paradigma, o Estado Liberal cedeu espaço ao Estado Social e passou a ter um papel ativo, participativo e atuante, de forma a privilegiar o respeito e a credibilidade à jurisdição, no sentido de que o Estado deve dar a efetiva prestação da tutela jurisdicional.

[...]

Atualmente, privilegia-se a jurisdição e busca-se a credibilidade da justiça. Nesse passo, as regras processuais liberais, individuais e privatistas limitadoras da intervenção do

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Estado na propriedade alheia (limitação da própria atividade executiva), com definições estanques sobre o que o juiz pode e o que não pode fazer, quais os passos, quais os remédios, qual o ato presente e o respectivo ato futuro, tudo de forma a se ter um máximo de previsibilidade e objetividade possível, hoje dão lugar às interpretações razoáveis do magistrado, com ampla liberdade de escolha dos meios e fins executivos que sejam adequados a uma situação posta em juízo. [79]

Como se vê, a postura do juiz, dantes limitada à aplicação mecânica das normas jurídicas através de uma atividade de subsunção, passa, agora, a contar com alguma discricionariedade no sentido de se alcançar a efetiva realização dos direitos.

O antes inabalável dogma da segurança jurídica (e seus consectários, como a intangibilidade da vontade humana ou a intocabilidade da propriedade privada) começa a ser questionado e passa-se a reconhecer que outros valores, semelhantemente albergados pela ordem jurídica, merecem destaque, tal como a justiça, que somente poderia ser alcançada através da promoção de efetiva igualdade.

4.2. A queda do ideal de racionalidade do paradigma cientificista e o surgimento do Pós-Positivismo

4.2.1. O Direito na Modernidade

O direito moderno, construído sob os valores do Estado liberal e do paradigma racionalista, consolida-se no século XIX com o surgimento do positivismo jurídico. A dogmática volta sua atenção para o estudo da lei, considerada a expressão superior da razão, e do ordenamento jurídico, caracterizado por sua unidade, coerência e completude[80].

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A interpretação jurídica limita-se a um processo de lógica formal, segundo o qual a premissa maior (o comando geral e abstrato da lei), aliada à premissa menor (fato concreto), redundaria em uma conclusão lógica, representada pela decisão judicial. O direito moderno aspira à cientificidade, objetividade, neutralidade, estatalidade e completude.

Acerca do assunto, vejamos a brilhante lição do professor Luis Roberto Barroso:

Na aplicação desse direito puro e idealizado, pontifica o Estado como árbitro imparcial. A interpretação jurídica é um processo silogístico de subsunção dos fatos à norma. O juiz – la bouche qui prononce les paroles de la loi – é um revelador de verdades abrigadas no comando geral e abstrato da lei. Refém da separação de Poderes, não lhe cabe qualquer papel criativo. Em síntese simplificadora, estas algumas das principais características do Direito na perspectiva clássica: a) caráter científico; b) emprego da lógica formal; c) pretensão de completude; d) pureza científica; e) racionalidade da lei e neutralidade do intérprete. Tudo regido por um ritual solene, que abandonou a peruca, mas conservou a tradição e o formalismo. [81]

Houve um distanciamento entre o direito (puro) e a moral. Questões como legitimidade e justiça não despertavam a atenção dos juristas, que se limitavam ao estudo das normas em vigor. O processo civil, por seu turno, foi marcado pelo distanciamento entre o direito e o fato concreto, cujas peculiaridades pareciam irrelevantes diante da abstração do processo frente a realidade material.

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Frustrada, todavia, a tentativa de se criar uma ciência jurídica com características semelhantes às das ciências exatas e naturais. A razão e o método científico mostraram-se insuficientes enquanto princípios vetores da construção dessa ciência jurídica.

4.2.2. A decadência do Positivismo Jurídico

Com o decorrer do tempo o positivismo jurídico e toda herança que o acompanha passam a sujeitar-se à crítica crescente. Reconhece-se que o direito não se encontra inteiramente contido na lei, antes tida como a expressão da razão humana, fruto da vontade do parlamento, e agora vista como fruto de ajustes e contingências políticas das mais variadas ordens.[82]

Nesse sentido, destaca-se o seguinte trecho da obra de Marinoni:

Após essa fase, as casas legislativas deixam de ser o lugar da uniformidade, tornando-se o local da divergência, em que diferentes idéias acerca do direito e do Estado passam a se confrontar. Aí, evidentemente, não há mais uma vontade geral, podendo-se falar em uma “vontade política”, ou melhor, na vontade do grupo mais forte dentro do parlamento. Atualmente, porém, essa vontade política pode se confundir com a vontade dolobbies e dos grupos de pressão que habitam os bastidores do parlamento.

[...]

É evidente que, diante disso, as características da impessoalidade e da coerência da lei – sonhadas pelo positivismo clássico – deixam de existir. A vontade legislativa passa a ser a vontade dos ajustes do legislativo, determinada pelas forças de pressão. A respeito,

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afirma-se que a maioria legislativa é substituída, cada vez com mais freqüência, por variáveis coalizões legislativas de interesses. [83]

Em que pese o conteúdo material da produção legislativa, o positivismo jurídico adotou uma postura acrítica em relação à lei, o que representou uma verdadeira ideologia, pois segundo Barroso, serviu de “disfarce para autoritarismos de matizes variados. A ideia de que o debate acerca da justiça se encerrava quando da positivação da norma tinha um caráter legitimador da ordem estabelecida. Qualquer ordem”.[84]

Essa forma de compreender o direito preparou terreno para o surgimento de movimentos totalitaristas na primeira metade do século passado, na Europa, dentre os quais se destacam o fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha, que sob o domínio asséptico da lei, promoveram os maiores horrores testemunhados pela história.

Sobre o tema, salienta o professor Luís Roberto Barroso que:

[...] a decadência do positivismo é emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha. Esses movimentos políticos e militares ascenderam ao poder dentro do quadro de legalidade vigente e promoveram a barbárie em nome da lei. Os principais acusados de Nuremberg invocaram o cumprimento da lei e a obediência a ordens emanadas da autoridade competente. Ao fim da Segunda Guerra Mundial, a idéia de um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos e da lei como um estrutura meramente formal, uma embalagem para qualquer produto, já não tinha mais aceitação no pensamento esclarecido. [85]

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Das lições de Barroso tem-se que a derrota dos movimentos fascista e nazista, ao fim da segunda guerra mundial, simbolizou o início do processo de decadência do positivismo jurídico e do ideal de racionalidade nele contido. Não mais se podia conceber a lei como uma estrutura apta a abrigar qualquer conteúdo, nem aceitar a idéia de um ordenamento alheio a valores éticos.

4.2.3. Sociedade no Segundo Pós-Guerra

A contar da primeira metade do século XX, com o encerramento da segunda grande guerra e a derrota histórica do positivismo, a sociedade passa a ser regida por novos conceitos.

Ao mesmo tempo em que o progresso material do mundo contemporâneo torna-se absolutamente impressionante, com descobertas e inovações tecnológicas nunca antes imaginadas, grande parcela da população simplesmente permanece no mais avançado estágio de miserabilidade e abandono.[86]

O desenvolvimento da sociedade industrial determina o crescimento das classes médias urbanas, e com elas, como salienta Jaqueline Mielke Silva, a “estrela e vilã de nosso século: a cultura de massa, produção cultural destinada aos grandes grupos de consumidores, simples e estereotipada, com objetivos claros e definidos”.[87]

Surge a fase pós industrial, trazendo consigo, sobretudo, o desenvolvimento das tecnologias de informação, a permitir inovações nos mais diversos setores da produção, além de técnicas de organização produtiva e empresarial. Os processos comunicativos se desenvolvem. O tempo e as distâncias parecem sofrer um redimensionamento.[88]

A globalização torna-se, cada vez mais, intensa. A sociedade, com características próprias da modernidade, passa por profundas transformações, as quais colocam em xeque o ideal de racionalidade inaugurado pelo movimento iluminista.[89]

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Surge a pós-modernidade.

Neste ponto, imperiosa a transcrição de trecho da obra de Willis Santiago Guerra Filho:

Na segunda metade do século em curso, estaríamos vivendo na pós-modernidade, devido ao modo radicalmente diverso como se organiza, econômica e politicamente, a sociedade egressa da modernidade, como uma correlata mudança no conjunto de crenças e pressuposições que formam a mentalidade dos que compõem, bem como pela natureza dos problemas que nela se apresentam. Tem-se a falência da idéia de que o conhecimento científico forneceria ao sujeito a verdade sobre os objetos que se colocavam diante dele. Há uma revalorização de formas pré-modernas, como a retórica, enquanto doutrina do discurso razoável e persuasivo e da hermenêutica, com seu intuito de compreender mais do que explicar, como também o surgimento de novas formas de pensar, como a interdisciplinaridade, a postura científica crítica e as investigações psicoanalíticas. Pós-modernidade, pós-positivismo e o Direito como Filosofia. [90]

A sociedade transformou-se, porém, a teoria jurídica da modernidade, fortemente atrelada ao pressuposto teórico e epistemológico do normativismo, não se adequou aos novos tempos.

Nesse sentido, destaca-se passagem da obra de Leonel Severo Rocha:

[...] quando se ingressa numa nova forma de sociedade globalizada, que também poderia se denominar transnacionalizada, ou pós-moderna,

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o problema é o fato de que qualquer perspectiva mais racionalista ligada ao normativismo e ao Estado se torna extremamente limitada. Não se pode, assim, continuar mantendo uma noção de racionalidade no Direito ao insistir no ideal kelseniano. [91]

Como afirma Jaqueline Mielke Silva, “não se trata apenas de uma deficiência em sua estrutura tradicional, mas uma crise da integração de seus pressupostos dogmáticos para funcionarem dentro da globalização”.[92]

Abre-se, assim, espaço para uma série de reflexões acerca do direito, sua função social e sua interpretação, cujos principais temas são a normatividade dos princípios, a ponderação de interesses, a teoria da argumentação e a subordinação da lei à Constituição e aos direitos fundamentais, conjunto este de reflexões denominado de Pós-Positivismo.[93]

4.3. Pós-Positivismo e Processo Civil

4.3.1. O Pós-Positivismo e a eficácia interpretativa dos princípios constitucionais

O movimento pós-positivista representa o desenvolvimento de um esforço teórico para transformar a avançada discussão filosófica acerca dos princípios, da supremacia dos direitos fundamentais e de uma necessária reaproximação entre direito e ética, em instrumental técnico capaz de ingressar na dogmática jurídica e na prática jurisprudencial, obtendo-se, assim, efeitos sobre a realidade concreta[94].

Os princípios, hodiernamente, ao lado das regras, são reconhecidos como normas jurídicas, não mais como meras fontes de integração, como nos termos do art. 4º, da Lei de Introdução ao Código Civil, os quais somente atuariam quando a lei restasse omissa. Os princípios deixam de exercer uma função subsidiária e passam a ocupar o centro do sistema.

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A respeito do tema, leciona o professor Paulo Bonavides:

O ponto central da grande transformação por que passam os princípios reside, em rigor, no caráter e no lugar de sua normatividade, depois que esta, inconcussamente proclamada e reconhecida pela doutrina mais moderna, salta dos Códigos, onde os princípios eram fontes de mero teor supletório, para as Constituições, onde em nossos dias se convertem em fundamento de toda ordem jurídica, na qualidade de princípios constitucionais. [95]

Adota-se, ao contrário da distinção fundada no critério da generalidade, uma distinção qualitativa ou estrutural entre regras e princípios.[96]

Os princípios devem ser aplicados na maior medida possível, através de concessões obtidas pela técnica da ponderação de valores, ao passo que as regras, aplicadas pelo modelo tradicional da subsunção, incidem ou não sobre determinado suporte fático.

Sobre a diferenciação estabelecida entre princípios e regras, calha à baila destacar o seguinte trecho da obra de Robert Alexy:

El punto decisivo para la distinción entre reglas y principios es que los principios son normas que ordenam que algo sea realizado em la mayor medida possible, dentro das possibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los princípios son mandados de optimización, que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos em diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no solo depene de las possibilidades reales sino también de las

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jurídicas. El ámbito de las possibilidades jurídicas es determinado por los princípios y reglas opuestos.

En cambio, las reglas son normas que solo pueden ser cumplidas o no. Si uma regla es válida, entonces de hacerse exactamente lo que ella exige, ni más ni menos. Por lo tanto, las reglas contienen determinacionesem el ámbito de lo fáctica y jurídicamente posible. Esto significa que la diferencia entre reglas y principios es cualitativa y no de grado. Toda norma es o bien uma regla o un principio. [97]

Na época do positivismo legalista, a concepção acerca dos princípios era absolutamente distinta, vez que as normas jurídicas limitavam-se às regras contidas nos grandes códigos. Contudo, com o surgimento do movimento pós-positivista – neoconstitucionalismo –, estes opulentos documentos legislativos perderam sua supremacia em face da Constituição, não mais considerada simplesmente a “lei maior” dos Estados Liberais.

Pelo contrário, a Constituição, segundo salientam Luis Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos, “passa a ser encarada como um sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores jurídicos suprapositivos, no qual as ideias de justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham um papel central”.[98]

Conforme escreve Paulo Bonavides:

As Constituições fazem no século XX o que os Códigos fizeram no século XIX: uma espécie de positivação do Direito Natural, não pela via racionalizadora da lei, enquanto expressão da vontade geral, mas por meio dos princípios gerais, incorporados na ordem jurídica constitucional, onde lograram valoração normativa suprema, ou seja, adquirem a

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qualidade de instância juspublicística primária, sede de todas as intermediações doutrinárias entre o Estado e a sociedade.

Os princípios baixaram primeiro das alturas montanhosas e metafísicas de suas primeiras formulações filosóficas para a planície normativa do Direito Civil. Transitando daí para as Constituições, noutro largo, subiram ao degrau mais alto da hierarquia normativa.[99]

A lei, cuja validade à época do positivismo clássico dependia exclusivamente da legitimidade de sua fonte de produção, passa, agora, a subordinar-se à Constituição e aos direitos fundamentais nela contidos, implícita ou explicitamente, pois, conforme demonstra Marinoni, “a própria história se encarregou de mostrar as arbitrariedades, brutalidades e discriminações procedidas por leis formalmente perfeitas”.[100]

Neste momento, torna-se imperioso destacar a brilhante lição de Luis Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos:

O modelo tradicional, como já mencionado, foi concebido para a interpretação e aplicação de regras. É bem de ver, no entanto, que o sistema jurídico ideal se consubstancia em uma distribuição equilibrada de regras e princípios, nos quais as regras desempenham o papel referente à segurança jurídica – previsibilidade e objetividade das condutas – e os princípios, com sua flexibilidade, dão margem à realização da justiça do caso concreto. [101]

O elemento ético, portanto, (re)ingressa definitivamente na ordem jurídica e produz uma verdadeira transformação no princípio da legalidade. A partir de então, a atividade jurisdicional não mais poderia ser compreendida como uma função voltada à atuação da vontade concreta da lei.

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Nessa esteira, ensina Luiz Guilherme Marinoni:

Mas, se essa nova concepção de direito ainda exige que se fale em princípio da legalidade, restou necessário dar-lhe uma nova configuração, compreendendo-se que, se antes esse princípio era visto em uma dimensão formal, agora ele tem conteúdo substancial, pois requer a conformação da lei com a Constituição e, especialmente, com os direitos fundamentais.

Por isso não há mais qualquer legitimidade na velha idéia de jurisdição voltada à atuação da lei; não é possível esquecer que o judiciário deve compreendê-la e interpretá-la a partir dos princípios constitucionais de justiça e dos direitos fundamentais. [102]

Desta feita, é bem de ver que trata Marinoni da eficácia interpretativa dos princípios e direitos fundamentais, mediante a qual se pode exigir do Poder Judiciário que as normas hierarquicamente inferiores sejam interpretadas à luz dos valores constitucionalmente consagrados, de modo que o intérprete adote no caso concreto a exegese que melhor realiza o princípio constitucional pertinente.

4.3.2. O Princípio da Efetividade da tutela jurisdicional

Atualmente, a doutrina processual tem reconhecido que o princípio da inafastabilidade da jurisdição (direito de ação), consagrado pelo art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal brasileira, significa, na verdade, o princípio da efetividade da tutela jurisdicional, do qual decorre o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

Desenvolveu-se, ao longo dos séculos XIX e XX, larga discussão doutrinária acerca da natureza do direito de ação, a qual contribuiu decisivamente para o nascimento de uma ciência

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processual completamente despreocupada com a realização do direito material. A tentativa de construir um conceito abstrato de ação, livre de qualquer ligação com o direito material, representou, claramente, a influência dos valores liberais e do pressuposto teórico do racionalismo.

Segundo a autora Márcia Zollinger:

[...] a tentativa dos processualistas em apartar a ação processual do direito material e construir um conceito abstrato de ação processual estava ligada ao pressuposto ideológico do racionalismo científico, bem como estava inserida no contexto histórico do liberalismo capitalista do séc. XIX europeu.

O direito de ação – abstrato e autônomo em relação ao direito material – era, nessa época, tido apenas como o direito formal de acesso aos tribunais, em consonância com a postura passiva assumida pelo Estado Liberal, que apenas obrigava-se a abster-se de impedir ou obstaculizar a propositura da demanda, mas não assumia nenhum compromisso em promover efetivamente o acesso à justiça. [103]

Vê-se, portanto, que o direito de ação enquanto categoria formal, abstrata e autônoma se coaduna perfeitamente com a universalização da prestação da tutela jurisdicional através de um procedimento ordinário declaratório e de cognição plenária, pois não importavam a natureza do direito material vindicado ou a posição social dos litigantes.[104]

Nesse sentido, vale destacar a obra do professor Ovídio Baptista:

A construção teórica da “ação” processual, como dispositivo indispensável à formação da

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relação processual, por impulso da parte, considerada como uma categoria abstrata, na medida em que é atribuída indistintamente a todos os interessados, independentemente de terem eles realmente o direito alegado no processo, correspondeu àuniversalização do procedimento ordinário, com uma singular conotação, aceita, com naturalidade pela doutrina, como se o fenômeno estivesse determinado racionalmente ou decorresse naturalmente das coisas: o entendimento de que, sendo ordinário o procedimento, a demanda (substancialmente considerada) haveria de ser plenária.[105]

A completa autonomia do direito processual, e, em termos mais específicos, do direito formal de ação, como não poderia ser diferente, significou um profundo distanciamento do processo frente ao direito material e a realidade social.

Contudo, a partir do surgimento do pós-positivismo e de uma necessária reaproximação entre ética e direito, ganha força o movimento de instrumentalidade processual, segundo o qual a existência do processo está jungida ao alcance dos fins para os quais ele foi instituído.

Como afirma Cândido Rangel Dinamarco, em festejada obra sobre o tema, “a visão puramente técnica do processo e tradicional descaso (mais do que repúdio) às suas projeções éticas pode-se dizer completamente superada”.[106]

Conceber o processo como instrumento de realização de direitos, significa, antes, reconhecer a eficácia interpretativa do princípio constitucional da efetividade da tutela jurisdicional como forma de moldar os institutos do direito processual civil para que sirvam o direito substancial.

Segundo Dinamarco:

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A tutela constitucional do processo tem o significado e escopo de assegurar a conformação dos institutos do direito processual e o seu funcionamento aos princípios que descendem da própria ordem constitucional.

[...]

A força das tendências metodológicas do direito processual civil na atualidade dirige-se com grande intensidade para a efetividade do processo, a qual constitui expressão resumida da idéia de que o processo deve ser apto a cumprir integralmente toda sua função sócio-político-jurídica, atingindo em toda plenitude os seus escopos institucionais.[107]

Conforme salienta Jaqueline Mielke Silva[108], não se trata de “desprocessualizar” a ordem jurídica, mas sim, de desmistificar as regras, critérios, princípios e o próprio sistema, para que se possa alcançar uma compreensão histórica e ideológica dos institutos processuais, e, assim, adequá-los para a plena realização de direitos. Afinal, o direito processual civil não pode se limitar à autonomia científica e suas figuras jurídicas abstratas.

Sobre as relações entre Constituição, processo e efetividade, importa destacar o seguinte trecho da obra de José Alfredo de Oliveira Baracho:

No exame científico da relação entre Constituição e Processo, que tem gerado expressões como processo constitucional ou Direito Processual Constitucional, destaca-se a Teoria geral do processo, pela sua importância na formulação teórica do assunto. Admite-se que o direito processual tem linhagem constitucional, circunstância que dá maior significação à proteção efetiva dos direitos processuais, em

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todas as instâncias. As apreciações sobre as instituições essenciais do direito processual civil levam à compreensão de sua importância para a concretização dos direitos fundamentais.

[...]

O direito de ação consolida-se na compreensão de que todas as pessoas têm de obter a tutela efetiva dos juízes e tribunais, na concretização e exercício de seus direitos e interesses legítimos.[109]

Desta forma, não se pode admitir que o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional proporcione aos indivíduos tão somente um direito à sentença simplesmente, ou seja, é inconcebível que um direito fundamental seja completamente esvaziado em seu conteúdo e se realize unicamente em seu aspecto formal.

Quando o Estado proibiu a autotutela e assumiu o monopólio da jurisdição, comprometeu-se a prestar a tutela jurisdicional na medida mais coincidente possível àquela que teria o jurisdicionado caso não precisasse se valer do processo judicial.

Cumpre destacar a posição de Luiz Guilherme Marinoni a respeito do direito à tutela jurisdicional efetiva:

Tal direito não poderia deixar de se pensado como fundamental, uma vez que o direito à prestação jurisdicional efetiva é decorrência da própria existência dos direitos e, assim, a contrapartida da proibição da autotutela. O direito à prestação jurisdicional é fundamental para a própria efetividade dos direitos, uma vez que esses últimos, diante das situações de ameaça ou agressão, sempre restam na dependência da sua plena realização. Não é por

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outro motivo que o direito à prestação jurisdicional efetiva já foi proclamado como o mais importante dos direitos, exatamente por constituir o direito a fazer valer os próprios direitos. [110]

Não é exagero, portanto, dizer que se trata do mais fundamental de todos os direitos[111], pois através da efetiva prestação jurisdicional é que estes mesmos direitos, sobretudo os fundamentais, podem ser concretamente realizados quando no mundo da vida sua implementação é obstaculizada.

Do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva decorre, necessariamente, o direito à tutela jurisdicional executiva.

Segundo ressalta o ministro Teori Albino Zavascki, o direito à tutela executiva “é inerente e complemento necessário do direito de ação. Tutela jurisdicional que se limitasse à cognição, sem as medidas complementares necessárias para ajustar os fatos ao direito declarado na sentença, seria tutela incompleta”.[112]

No mesmo sentido, vale destacar mais uma vez as lições de Luiz Guilherme Marinoni:

A ação é exercida e, portanto,desenvolve-se com o objetivo de permitir o julgamento do mérito (do pedido), e, no caso de reconheci9mento do direito material, ainda se mantém presente para exigir que os meios executivos da sentença de procedência propiciem a efetividade da tutela do direito material.

[...]

Assim, a sentença (compreendida como medida processual) e a execução adequada são óbvios corolários do direito de ação, impondo a

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conclusão de que o direito de ação, muito mais do que o direito ao julgamento do pedido, é o direito à efetiva tutela jurisdicional. Isso porque, por efetiva tutela jurisdicional, deve-se entender a efetiva proteção do direito material, para a qual são imprescindíveis a sentença e o meio executivo adequados.[113]

A jurisdição, portanto, não mais pode ser compreendida à luz dos valores liberais e do paradigma cientificista, voltando-se, assim, à mera declaração de direitos. Pelo contrário, a jurisdição deve atuar dentro dos moldes determinados pelos princípios constitucionais, e, deste modo, proporcionar efetividade aos direitos substanciais.

Na esteira dessa compreensão, menciona-se, apenas a título exemplificativo, as reformas introduzidas no revogado Código de Processo Civil brasileiro de 1973, a partir da década de 90, as quais promoveram o sincretismo processual, com a compreensão do momento executivo como fase do processo, e não mais necessariamente como processo autônomo, e a universalização da antecipação de tutela, que passou a admitir, de maneira ampla, a realização de atividade executiva no bojo do processo de conhecimento.

Ademais, o novo Código de Processo Civil de 2015 passou a prever um título específico, denominado “das normas fundamentais e da aplicação das normas processuais”, no qual há expressa previsão no sentido de que o processo civil será interpretado conforme os valores e normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República (art. 1º) e de que é direito das partes a solução integral do mérito, nele incluída a atividade satisfativa (art. 4º).

5. CONCLUSÃO

O Estado Liberal existia para garantir a liberdade dos cidadãos; qualquer interferência na esfera jurídica privada deveria

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ser meticulosamente regulada por lei. Nesse contexto, ganha força o princípio da legalidade formal, cuja aplicação dispensava qualquer atividade interpretativa do juiz, mero aplicador das normas legais.

A estrita observância das leis é que garantiria a igualdade, mas estritamente sob a perspectiva formal, vez que a aplicação cega da legislação produziria ainda mais desigualdade quando não observadas as diferentes posições sociais dos cidadãos.

O processo civil brasileiro, construído sobre as bases deste Estado Liberal, passa a sofrer as consequências desta rígida delimitação dos poderes estatais de intervenção.

De outro giro, a construção teórica que deu contornos “científicos” ao direito processual civil, desenvolvida no interior do paradigma cientificista – racionalismo científico e, mais à frente, positivismo clássico –, acabou por distanciar o processo da realidade social, tornando-o um sistema fechado, regido por seus próprios conceitos, esquecendo-se que sua precípua função é realizar o direito material.

A Escola Sistemática corporifica essa concepção cientificista. Embora responsável por notáveis avanços no campo do direito processual civil, elaborou uma doutrina excessivamente preocupada em abstrair a noção de processo dos direitos materiais.

A declaração do direito passa a ser a principal tarefa do juiz, que passa a se valer da tradicional classificação trinária das sentenças para tanto: sentenças declaratórias, sentenças constitutivas e sentenças condenatórias, das quais, somente estas dariam ensejo à atuação do Estado na realização do direito do futuro exeqüente.

A tutela meramente declaratória, portanto, é aquela que melhor demonstra os anseios liberais. Caracteriza-se como um provimento judicial destituído de qualquer meio de atuação sobre a vontade do vencido para fazê-lo adimplir a obrigação devidamente reconhecida pelo Juiz.

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Desta forma, o Estado tão somente declara algo sobre uma determinada relação jurídica, construída a partir da autonomia das vontades, garantindo que a esfera privada seja resguardada da atuação estatal.

Trata-se de uma construção doutrinária descomprometida com a efetiva realização dos direitos materiais.

Todavia, com o advento do Estado Social e a queda do ideal de racionalidade do paradigma cientificista, abre-se espaço para uma série de reflexões acerca do direito, sua função social e sua interpretação, cujos principais temas são a normatividade dos princípios, a ponderação de interesses, a teoria da argumentação e a subordinação da lei à Constituição e aos direitos fundamentais, conjunto este de reflexões denominado de pós-positivismo.

O pós-positivismo representa o desenvolvimento de um esforço teórico para transformar a avançada discussão filosófica acerca dos princípios, da supremacia dos direitos fundamentais e de uma necessária reaproximação entre direito e ética, em instrumental técnico capaz de ingressar na dogmática jurídica e na prática jurisprudencial, obtendo-se, assim, efeitos sobre a realidade concreta.

A partir de então, a atividade jurisdicional é compreendida de outro modo e a doutrina passa a reconhecer a existência de um direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva decorrente do princípio da inafastabilidade da jurisdição (direito de ação).

Não se pode admitir que o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional proporcione aos indivíduos tão somente um direito à sentença simplesmente, ou seja, é inconcebível que um direito fundamental seja completamente esvaziado em seu conteúdo e se realize unicamente em seu aspecto formal.

REFERÊNCIAS

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NOTAS:

[1] Luís Roberto Barroso tece os seguintes comentários sobre o tema: “O termo jusnaturalismo identifica uma das principais correntes filosóficas que tem acompanhado o Direito ao longo dos séculos, fundada na existência de um direito natural. Sua idéia básica consiste no reconhecimento de que há, na sociedade, um conjunto de valores e de pretensões humanas legítimas que não decorrem de uma norma jurídica emanada do Estado, isto é, independem do direito positivo. Esse direito natural tem validade em si, legitimado por uma ética superior, e estabelece limites à própria norma estatal”. Cf. BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. rev. Rio de Janeiro: Renovar, [2003]. p. 18-19).

[2] BARROSO, op. cit., p. 20-21.

[3] BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 40.

[4] MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. v. 1.p. 24.

[5] MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et de. Do Espírito das Leis. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 167-168.

[6] Ibid., p. 169-172.

[7] MARINONI, op.cit, p. 26.

[8] Thomas Hobbes apud SILVA, Ovídio A. Baptista da. Processo e Ideologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 76.

[9] SILVA, op. cit., p. 92.

[10] MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 40.

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[11] RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Execução Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 8-9.

[12] O valor da segurança jurídica pode ser claramente observado em Montesquieu (op. cit., p. 166), na seguinte passagem: “A liberdade política, em um cidadão, é essa tranqüilidade de espírito que decorre da opinião que cada um tem de sua segurança; e para que se tenha essa liberdade, cumpre que o governo seja de tal modo que um cidadão não possa temer outro cidadão”. Logo à frente, demonstrar-se-á que a idéia de liberdade política está diretamente ligada à certeza do direito, e, consequentemente, à segurança jurídica.

[13] RODRIGUES, op. cit., p. 23.

[14] MARINONI, op. cit., p. 28.

[15] ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Moderna, 1993. p. 103.

[16] Ibid., p. 103-104.

[17] SILVA, Jaqueline Mielke. O Direito Processual Civil como instrumento de realização de Direitos. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005. p. 32.

[18] Ibid., p. 33.

[19] DESCARTES, René. Discurso do Método. Regras para a Direção do Espírito. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 31-32.

[20] ARANHA; MARTINS, op. cit., p. 105.

[21] SILVA, Ovídio A. Baptista da. Processo e Ideologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 83.

[22] Gottfried Wilhelm Leibniz apud SILVA, 2006, p. 78.

[23] Esse distanciamento traria trágicas consequências para o direito, notadamente para o direito processual, que é aquele mais próximo da realidade fática, pois é através do processo que a

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norma abstrata é problematizada e o direito concretamente realizado. Cf. ZOLLINGER, Márcia Brandão. Proteção Processual aos Direitos Fundamentais. Salvador: Juspodivm, 2006. p. 141.

[24] SILVA, 2006, p. 1 e 69.

[25] SILVA, Ovídio A. Baptista da. Jurisdição e Execução na Tradição Romano-Canônica. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 99.

[26] Ibid. p. 88.

[27] BARROSO, op. cit., p. 23.

[28] COMTE, Augusto. Discurso sobre o Espírito Positivo. São Paulo: Abril Cultura, 1976. v. 13. (Os pensadores: textos escolhidos). p. 54.

[29] COMTE, op. cit., p. 54-55.

[30] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 215.

[31] TORRES, Ana Paula Repolês. Uma análise Epistemológica da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, Revista CEJ, Brasília, ano 10, n. 33, p. 72-77, abr./jun. 2006. p. 73.

[32] BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10. ed. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1999. p. 119.

[33] Ibid., p. 115.

[34] MARINONI, 2006, p. 30.

[35] Ibid.

[36] MARINONI, 2006, p. 33.

[37] MARINONI, 2004, p. 53.

[38] Ibid., p. 53-54.

[39] MARINONI, 2004, p. 54.

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[40] ZOLLINGER, op. cit., p. 148.

[41] SILVA, 2006, p. 1.

[42] Vale ressaltar que nessa passagem, quando os autores referem-se ao século passado, na verdade, referem-se ao século XIX.

[43] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.p. 126.

[44] CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, op. cit., p. 126-127.

[45] SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 62.

[46] MARINONI, 2006, p. 33-35.

[47] SILVA;GOMES, op. cit., p. 62.

[48] CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Trad. J. Guimarães Menegale. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1969. v. 1.p. 174.

[49] MARINONI, 2006, p. 35-39.

[50] SILVA; GOMES, op. cit., p. 67.

[51] MARINONI, 2006, p. 39.

[52] MARINONI, 2004, p. 38.

[53] Ibid., p. 39.

[54] Ibid., p. 54.

[55] MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 25. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 4.

[56] ZOLLINGER, op. cit., p. 148.

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[57] SILVA, 2007, p. 11.

[58] Sobre o tema da plenariedade, vide SILVA, 2006, p. 151-164.

[59] SILVA, 2006, p. 200.

[60] MARINONI, 2004, p. 39.

[61] Ibid., p. 44-45.

[62] SILVA, 2006, p. 131.

[63] MARINONI, 2004, p. 57-63.

[64] Ibid., p. 37.

[65] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 1. p. 475.

[66] CHIOVENDA, op. cit., p. 183.

[67] Ibid., p. 208.

[68] THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 476.

[69] CHIOVENDA, op. cit., p. 185.

[70] MARINONI, 2004, p. 47.

[71] CHIOVENDA, op. cit., p. 309.

[72] SILVA, 2005, p. 342 e 344.

[73] MARINONI, 2004, p. 64.

[74] ARANHA; MARTINS, op. cit., p. 10.

[75] BONAVIDES, op. cit., p. 61.

[76] BONAVIDES, op. cit., p. 188.

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[77] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 346-347.

[78] SILVA, 2005, p. 342 e 344.

[79] RODRIGUES, op. cit., p. 9.

[80] BARROSO, op. cit., p. 12.

[81] Ibid., p.12-13.

[82] BARROSO, op. cit., p. 14.

[83] MARINONI, 2006, p. 41-42.

[84] Ibid., p. 26.

[85] BARROSO, op. cit., p. 26.

[86] SILVA, 2005, p. 37.

[87] Ibid., p. 37-38.

[88] SILVA, 2005, p. 41.

[89] Ibid., p. 39 e 41.

[90] Willis Santiago Guerra Filho apud SILVA, 2005, p. 43-44.

[91] Leonel Severo Rocha apud SILVA, 2005, p. 44-45.

[92] SILVA, op. cit., p. 45.

[93] BARROSO, op. cit., p. 26-27.

[94] BARROSO; BARCELLOS, op. cit., p. 336-337.

[95] BONAVIDES, 2001, p. 260.

[96] BARROSO; BARCELLOS, op. cit., p. 337-338.

[97] ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. p. 86-87.

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[98] BARROSO; BARCELLOS, op. cit., p. 338.

[99] BONAVIDES, 2001, p. 264.

[100] MARINONI, 2006, p. 43.

[101] BARROSO; BARCELLOS, op. cit., p. 339-340.

[102] MARINONI, op. cit., p. 44.

[103] ZOLLINGER, op. cit., p. 122.

[104] Ibid., p. 123.

[105] SILVA, 2007, p. 146.

[106] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 9. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 226.

[107] Ibid., p. 25 e 271.

[108] SILVA, 2005, p. 314.

[109] BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito Processual Constitucional: aspectos contemporâneos. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2006. p. 14.

[110] MARINONI, 2004, p. 184-185.

[111] Ibid., p. 205.

[112] ZAVASCKI, Teori Albino. Sentenças declaratórias, sentenças condenatórias e eficácia executiva dos julgados. In: DIDIER JR, Fredie (Org.). Leituras complementares de processo civil. 5. ed. rev. e atual. Salvador: Juspodivm, 2007.

[113] MARINONI, 2006, p. 216-217.

 

   

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ILEGALIDADE E SEGURANÇA JURÍDICA

PAULO EDUARDO FEITOSA BRITO: Advogado (OAB/CE 29324)/ Servidor Público / Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza / Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade de Fortaleza.

Resumo: O ordenamento jurídico vigente não admite, como regra, a existência de atos ilegais, já que o Estado de Direito, ou Estado da Legalidade, vincula a todos, Administração Pública e particulares. Não obstante, há casos em que os atos ilegais podem ser confirmados, como no caso de ter decorrido muito tempo da prática do ato e tenha decaído o direito da Administração promover sua anulação, prevalecendo, assim, a segurança jurídica. Na confirmação o ato ilegal não é convalidado, e sim mantido exatamente como foi praticado, desde que preservados interesses privados legítimos, não haja dano ao erário e seja a opção mais condizente com o interesse público.

Palavras-chave: Legalidade. Segurança Jurídica. Estado de Direito. Escola da Exegese. Ilegalidade. Confirmação. Interesse coletivo.

Introdução

No presente artigo discorreremos acerca do polêmico e de certa forma complexo tema Ilegalidade e Segurança Jurídica. Que atitude tomar frente a um ato ilegal? Qual princípio do direito prevalece, o da legalidade ou o da segurança jurídica? Ambos de grande importância na construção e manutenção do nosso Estado de Direito. Para responder a tais perguntas este estudo

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fará menção primeiramente ao surgimento do Estado de Direito, passando pelo processo de codificação das leis e papel marcante da escola da exegese. A seguir haverá uma análise do princípio da legalidade, o seu papel frente à Administração Pública e aos particulares em geral. Após uma breve conceituação de ato ilegal, haverá uma explanação acerca do princípio da segurança jurídica, chegando, finalmente ao tópico específico referente a ilegalidade e segurança jurídica.

Surgimento do Estado de Direito

O Estado de Direito, ou Estado da Legalidade, como conhecemos hoje, onde há uma ordem jurídica vigente a qual todos devem se submeter nem sempre existiu, a sociedade já experimentou vários modelos de Estado, onde muitas vezes o que se observava era o autoritarismo do governante e o descaso total com os direitos individuais das pessoas.

A expressão “Estado de Direito” é atribuída à segunda metade do século XVIII e início do século XIX, advinda da doutrina liberal fortemente influenciada pelas revoluções Americana e Francesa. Os governantes passaram a ter seu arbítrio restringido por princípios como o da legalidade, igualdade e liberdade.

O Estado, agora, estava sujeito as leis, que serviam de limite para as suas ações realizadas através de seus representantes. Hoje parece lógica essa ideia de que o Estado deve agir de acordo com as leis, isso, porém, para a época representou uma revolução, pois o poder do Estado era ilimitado. Ao governante, nesse modelo de Estado chamado de Absolutista, tudo era permitido. Os súditos deviam obediência total a ele.

A ideia de legalidade, porém, foi ganhando cada vez mais adeptos e consequentemente mais força, impulsionada pela burguesia que não aguentava mais os abusos dos nobres, dos monarcas, que exigiam tributos elevadíssimos.

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De acordo com Vitor Rhein Schirato na obra “Algumas considerações atuais sobre o sentido de legalidade na Administração Pública” (2008, página 152):

O Estado francês pós-revolucionário bem como outros Estados moldados segundo o pensamento iluminista (por exemplo, o Estado Inglês e o Estado norte-americano) previam em suas constituições a obrigatoriedade de uma atuação estatal meramente garantidora de direitos fundamentais e atuante de forma submissa às normas jurídicas existentes, em contraposição ao Estado absolutista, que não se submetia às normas jurídicas.

Dessa forma, inspirado por essas ideias antes assinaladas, foi criado o Código Civil Francês em 1804 (Código Napoleônico), marcando também a primeira fase da Escola da Exegese.

Escola da Exegese

Foi com o supracitado Código Civil Francês que a escola da exegese, marcada pela literalidade, pela análise gramatical, ganhou mais notoriedade, já que, na verdade, tal escola já vinha formando seus alicerces desde antes da Revolução Francesa.

Consoante Raimundo Bezerra Falcão (2004, página 156):

O racionalismo de que se impregnou o movimento intelectual preparatório da Revolução Francesa e que serviu de fundamentação filosófica para que a burguesia vitoriosa consolidasse suas conquistas levaria ao mais exacerbado abstracionismo legalista. Nunca antes nem depois a razão foi elevada a níveis tamanhos de crença em seu poder de encontrar saída para os problemas, quer fossem os problemas de quem governa, quer fossem as vicissitudes dos governados. Na mente, caixa miraculosa e privilegiada, acreditava-se achar

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solução para tudo. Na construção mesma do ordenamento jurídico, a mente iluminada do legislador, embora atuando em nome do povo, não precisaria do tumulto social nem do clamor das ruas para melhor instilar, na sabedoria da lei, as doses de justiça capazes de construir, em nova ordem, um novo mundo.

O trecho do autor Raimundo Falcão expressa bem a essência da Escola da Exegese que via a lei como perfeita e livre de lacunas já que havia sido criada segundo a “recta ratio” do legislador. A razão humana era considerada perfeita, por consequência, a lei, resultado da razão humana, também era perfeita, significando dizer: plena, atemporal e universal.

Uma característica marcante dessa mesma escola é a confiança cega na “vontade do legislador”, esse era o único que podia identificar a vontade geral. A interpretação da lei deveria ser a literal. Ideias como essa, da “vontade do legislador” estão presentes até os dias de hoje. A influência da Escola da Exegese no direito como em outras áreas é incomensurável, tanto que apesar de alguns defenderem que a última fase da escola foi de 1900 a 1950 outros dizem que essa fase ainda não acabou.

Princípio da Legalidade

Passando a estudar o princípio da legalidade, fundamental à compreensão do nosso objeto central, vemos logo que tal princípio transcende o direito administrativo, e é, na verdade, um princípio geral da ciência do direito. O princípio da legalidade é a base do, anteriormente citado, Estado de Direito.

Tendo dito isso, é importante diferenciarmos o princípio da legalidade que rege a Administração Pública do princípio da legalidade que rege os particulares. A estes é permitido fazer tudo o que não estiver proibido em lei, de acordo com o artigo 5º, II da Constituição Federal, in verbis: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Já para a Administração Pública o princípio da legalidade, expresso no artigo 37, caput. CF, atua como forma de restrição. O

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administrador público e a administração em geral só podem atuar dentro dos limites da lei. Em outras palavras, o ato praticado pela administração deve, necessariamente, ter previsão legal. Além disso, o ato deve ser motivado, significando que ao administrador cabe explicitar os motivos que o levaram a prática do ato.

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2010, página 63):

Este princípio, juntamente com o de controle da Administração pelo Poder Judiciário, nasceu com o Estado de Direito e constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais. Isto porque a lei, ao mesmo tempo em que os define, estabelece também os limites da atuação administrativa que tenha por objeto a restrição ao exercício de tais direitos em benefício da coletividade.

E de acordo com os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, página 100):

Para avaliar corretamente o princípio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele é a tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto – o administrativo – a um quadro normativo que embargue favoritismos, perseguições ou desmandos. Pretende-se através da norma geral, abstrata e por isso mesmo impessoal, a lei, editada, pois, pelo Poder Legislativo – que é o colégio representativo de todas as tendências (inclusive minoritárias) do corpo social -, garantir que a atuação do executivo nada mais seja senão a concretização desta vontade geral.

Tendo isso em mente, vemos que o princípio da legalidade, portanto, vai contra toda espécie de abuso de poder, de governo autoritário. O administrador, praticando atos totalmente vinculados à lei, ou até mesmo na prática de atos discricionários

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(quando a lei deixa certa margem de liberdade para o administrador decidir diante do caso concreto) está agindo de acordo com o princípio da legalidade. O que é inadmissível à luz do ordenamento jurídico vigente é o ato arbitrário, neste caso o administrador pratica ato contrário à lei ou que excede à lei. Corroborando o entendimento, Michel Stassinopoulos apud Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, página 101) diz: “...além de não poder atuar contra legem ou praeter legem, a Administração só pode agir secundum legem”.

Ato Ilegal

Tendo discorrido acerca do princípio da legalidade, faz-se necessário agora conceituar o ato ilegal. Enfim, o que seria o ato ilegal? Ato ilegal, de forma simples e clara, é aquele ato praticado em desconformidade com o ordenamento jurídico.

Como já foi explicitado, a administração pública deve agir dentro dos limites da lei, mas falhas podem ocorrer em algum momento e a administração pode acabar se deparando com a existência de atos ilegais. Tais atos devem ser corrigidos pela própria administração, em decorrência do princípio da autotutela de acordo com a súmula 346 do STF: “A administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos” e com a súmula 473 também do STF:

A administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos a apreciação judicial.

Os atos ilegais podem ser corrigidos de forma excepcional pelo Poder Judiciário por provocação de quem seja interessado. Há também a hipótese da confirmação do ato ilegal, que, como veremos mais adiante, o ato será mantido apesar do vício existente.

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Princípio da Segurança Jurídica

Inserido entre os princípios da Administração Pública pelo artigo 2º, caput, da Lei nº 9.784/99: “A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”. A observância ao princípio da segurança jurídica se mostra essencial à boa administração.

De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, página 124):

é sabido e ressabido que a ordem jurídica corresponde a um quadro normativo proposto precisamente para que as pessoas possam se orientar, sabendo, pois, de antemão, o que devem ou o que podem fazer, tendo em vista as ulteriores conseqüências imputáveis a seus atos. O Direito propõe-se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social. Daí o chamado princípio da ‘segurança jurídica’, o qual, bem por isto, se não é o mais importante dentro todos os princípios gerais de Direito, é, indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles.

Desse trecho podemos extrair que a estabilidade e a segurança são de extrema relevância para o Direito e devem ser um norte a ser perseguido, uma meta a ser alcançada. As pessoas não podem ficar a mercê de mudanças infundadas de atos por parte da Administração Pública. Se o administrador pratica um ato, é natural que o particular acredite que aquele ato produzirá efeitos, e mais, durante todo o tempo que deve produzir efeitos. Se não for dessa forma, os atos da Administração Pública perderão credibilidade, ameaçando inclusive os alicerces do Estado de Direito.

Nesse sentido Almiro do Couto e Silva apud Hely Lopes Meirelles (2008, páginas 99 e 100) diz:

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dos temas mais fascinantes do Direito Público neste século é o crescimento da importância do princípio da segurança jurídica, entendido como o princípio da boa-fé dos administrados ou da proteção à confiança. A ele está visceralmente ligada a exigência de maior estabilidade das situações jurídicas, mesmo daquelas que na origem apresentam vícios de ilegalidade. A segurança jurídica é geralmente caracterizada como uma das vigas mestras do Estado de Direito. É ela, ao lado da legalidade, um dos subprincípios integradores do próprio conceito de Estado de Direito.

Ilegalidade e Segurança Jurídica

Chegando, finalmente, ao ponto central, questiona-se: o que fazer quando um ato ilegal ameaça a segurança jurídica? A situação deve ser avaliada cautelosamente, pois nem toda anulação de ato ilegal traduz benefício para a coletividade. Deverá então o ato ser mantido em face da segurança jurídica? Temos a resposta afirmativa se é menos oneroso para a coletividade a manutenção desse ato. O objetivo maior é o bem comum.

Segundo os ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2010, página 237): a Administração tem, em regra, o dever de anular os atos ilegais, sob pena de cair por terra o princípio da legalidade. No entanto, poderá deixar de fazê-lo, em circunstâncias determinadas, quando o prejuízo resultante da anulação puder ser maior do que o decorrente da manutenção do ato ilegal; nesse caso, é o interesse público que norteará a decisão.

Ainda sobre o assunto Almiro do Couto e Silva apud Hely Lopes Meirelles (2008, página 100) diz que:

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no Direito Público, não constitui uma excrescência ou uma aberração admitir-se a sanatória ou o convalescimento do nulo. Ao contrário, em muitas hipóteses o interesse público prevalecente estará precisamente na conservação do ato que nasceu viciado mas que, após, pela omissão do Poder Público em invalidá-lo, por prolongado período de tempo, consolidou nos destinatários a crença firme na legitimidade do ato. Alterar esse estado de coisas, sob o pretexto de restabelecer a legalidade, causará mal maior do que preservar o status quo. Ou seja, em tais circunstâncias, no cotejo dos dois subprincípios do Estado de Direito, o da legalidade e o da segurança jurídica, este último prevalece sobre o outro, como imposição da justiça material.

Há também previsão para casos em que a segurança jurídica atua frente ao ato ilegal em se tratando de particulares, pois esses também não podem vir a ser prejudicados por um erro da Administração. Temos a respeito disso o artigo 54, caput, da Lei 9.784 de 1999: “O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”. Temos, então, da leitura desse artigo o entendimento de que foi respeitado o princípio da autotutela, porém passados cinco anos da prática do ato decai o direito que a Administração tem de anular os atos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, sendo assim respeitada a segurança jurídica, mesmo frente a um ato ilegal.

Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles (2008, página 100), fazendo citação do Mandado de Segurança 26.200-1 do STF diz:

a ‘essencialidade do postulado da segurança jurídica e a necessidade de se respeitar

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situações consolidadas no tempo, amparadas pela boa-fé do cidadão (seja ele servidor público, ou não), representam fatores a que o Judiciário não pode ficar alheio.

É o mesmo entendimento que pode ser observado no Mandado de Segurança nº 2007.026252-2, de Concórdia que teve como relator o Desembargador José Volpato de Souza. O mandado foi impetrado por um funcionário público que teve sua aposentadoria anulada, após passados nove anos de sua concessão, por força de um decreto (nº045/2007), porém, por decisão do tribunal a situação foi revertida. Segundo o tribunal:

Não pode o administrado ficar sujeito indefinidamente ao poder de autotutela do Estado, sob pena de desestabilizar um dos pilares mestres do Estado Democrático de Direito, qual seja, o princípio da segurança das relações jurídicas. Assim, no ordenamento jurídico brasileiro, a prescritibilidade é a regra, e a imprescritibilidade exceção.

Quando há a manutenção do ato pelo decurso do tempo, no caso do nosso exemplo, dizemos que houve uma confirmação. Houve a decadência do direito da Administração de anular o ato. Tal confirmação, conforme os ensinamentos de Maria Di Pietro também se dá quando a Administração renuncia o direito de anular o ato por razões de interesse público, não podendo ser confundida com a convalidação, pois nesta o vício existente em um ato ilegal é suprido, corrigido, enquanto naquela o ato é mantido exatamente como foi praticado.

Conclusão

Possível constatar, então, após essa análise que um ato, mesmo que ilegal, deve ser analisado por diversos prismas antes de ser invalidado. Para a Administração Pública sempre estará em destaque a supremacia do interesse público, portanto, caso a manutenção do ato ilegal seja menos onerosa para a coletividade, não cause dano ao erário nem afete direitos privados legítimos,

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não deverá encontrar barreira alguma. Importante, todavia, ressaltar a imprescindível observância ao princípio da boa-fé, pois o dolo na prática do ato ilegal prejudica todo o processo de sua possível confirmação.

Referências Bibliográficas

SCHIRATO, Vitor Rhein. Algumas considerações atuais sobre o sentido de legalidade na Administração Pública. Interesse público: revista bimestral de direito público, 2008, v. 10, n.47, pág. 152.

FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica, pág. 156.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23ª edição, 2010, págs. 63 e 237.

DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 25ª edição, 2008, págs. 100, 101 e 124.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 34ª edição, 2008, págs. 99

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O REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS À LUZ DA DOUTRINA E DA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

JÚLIA THIEBAUT SACRAMENTO: Advogada. Pós-graduada em Direito Administrativo, pela Universidade Cândido Mendes (2014 - 2015). Pós-graduada em Direito Constitucional, pela Universidade Cândido Mendes (2013 - 2014). Aprovada no concurso de Advogado-Geral da União (2015).

RESUMO: O presente artigo visa analisar aspectos centrais envolvendo o regime diferenciado de contratações (RDC), como o seu surgimento, âmbito de aplicação, inovações trazidas pela legislação correlata (Lei nº 12.462/2011), tudo sob o enfoque do entendimento da doutrina e da jurisprudência do Tribunal de Contas da União.

Palavras-chave: Licitações. Regime diferenciado de contratação. Lei 12.462/11. Inovações. Celeridade. Eficiência. Aplicabilidade. Tribunal de Contas da União.

1. INTRODUÇÃO

Com o advento da Lei 12.462/2011, nasceu o chamado regime diferenciado de contratações públicas, modalidade específica de licitação, que surgiu, sobretudo, em função da realização dos grandes eventos desportivos a serem realizados no Brasil, como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos.

O regime diferenciado de contratações representa um avanço no que diz respeito às regras de contratação pública, uma vez que trouxe diversas novidades normativas, com vistas ao incremento da

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celeridade e eficiência nos procedimentos de contratação pública, bem como ao desapego excessivo a certos formalismos, como ocorre com a Lei 8666/93, normal geral de licitações e contratos.

Nessa linha, faz-se importante analisar e compreender quais as principais novidades trazidas por esse regramento diferenciado, bem como quais os seus objetivos e em que áreas a sua utilização é recomendável, tudo com vistas a uma perfeita aplicação e ao melhor desenvolvimento do novel regime.

2. O SURGIMENTO DO REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÕES E O SEU ÂMBITO DE APLICAÇÃO

O regime diferenciado de contratações foi inserido no ordenamento jurídico em 2011, inicialmente, através da Medida Provisória n. 527/2011, regulamentada pelo Decreto n. 7581/2011, que acabou sendo convertida na Lei 12.462/2011, atual diploma normativo regulador do regime diferenciado de contratações.

O regime diferenciado de contratações (RDC) foi criado no intuito de conferir maior agilidade às contratações necessárias à ocorrência dos grandes eventos desportivos, de modo que, inicialmente, o RDC tinha sua aplicação bastante restrita, sendo utilizado exclusivamente nas contratações relacionadas aos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016 e à Copa do Mundo Fifa 2014, bem como aos aeroportos distantes até 350 km das cidades-sedes desses eventos.

Posteriormente, diante do sucesso do novo regime, a Lei 12.462/2011 foi alterada, passando a permitir que o RDC fosse utilizado também nas contratações relativas às ações integrantes do Programa de Aceleração e Crescimento – PAC (art. 1º, IV, da Lei) e às obras e serviços de engenharia no âmbito do SUS (art. 1º, V) e dos sistemas públicos de ensino (art. 1º. §3º).

Na sua redação atual, a Lei 12.462/2011, após as alterações ocorridas nos anos de 2013 a 2016, autoriza a aplicação do regime diferenciado de contratação nos mais variados setores, como obras

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e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais; ações no âmbito da segurança pública;obras e serviços de engenharia relacionados à mobilidade urbana; ações em órgãos e entidades dedicados à ciência, à tecnologia e à inovação, entre outros.

Como se nota, houve, ao longo dos últimos anos, considerável ampliação do âmbito de aplicação do regime diferenciado de contratações públicas, o que se deve ao sucesso desse novo regime, sendo a tendência que o seu uso seja ainda mais alargado, expandindo-se para as diversas áreas da economia.

Importante mencionar que a preferência pela utilização do RDC deve estar expressa no edital de licitação, do que se depreende que seu uso é discricionário, e resultará no afastamento das normas previstas na Lei 8.666/93, exceto nos casos em que a própria Lei 12.462/2011 (art. 1º, §2º) determina a sua aplicação. Além disso, o Decreto 7.581/2011 (art. 13) determina que o RDC seja realizado preferencialmente na forma eletrônica.

3. AS NOVIDADES TRAZIDAS PELO REGIME DIFERENCIADO E A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

A sistemática do novo regime difere-se muito do tradicional regime da Lei 8.666/93, tendo em vista que criado com o objetivo de simplificar o processo licitatório e conferir celeridade e eficiência às contratações administrativas, além de ampliar a competitividade entre os licitantes.

Para tanto, o regime diferenciado de contratação inovou em diversos aspectos, absorvendo diversas críticas tradicionalmente feitas à Lei Geral de Licitações e inspirando-se em orientações consagradas pelo Tribunal de Contas da União e nas inovações legislativas previstas em diplomas específicos que lhe antecederam, como a lei do pregão (OLIVEIRA, 2014, p. 420).

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Entre as principais novidades trazidas pelo RDC, podemos destacar a inversão das fases da licitação, possibilidade de lances intermediários, adoção do orçamento oculto, contratação integrada, remuneração variável ao contratado, pré-qualificação permanente, entre outras.

A inversão de fases, procedimento pioneiramente consagrado pelo pregão e também previsto na lei de parcerias público-privadas, consiste na apresentação e julgamento das propostas antes da fase de habilitação. Esta última só ocorrerá em relação ao licitante vencedor, o que gera economia de tempo e de recursos.

O RDC, contudo, diferentemente do pregão, previu a possibilidade se de utilizar o procedimento tradicional da Lei 8.666/93 (primeiro a habilitação e depois o julgamento das propostas). Mas, nesse caso, deve haver previsão expressa no instrumento convocatório, bem como justificativa, tendo em vista que a presunção é de que o uso da inversão de fases é sempre mais benéfico à Administração Pública.

Conforme ressaltou o TCU, no Acórdão nº 1.953/2007 (DOU de 21.9.2007), os contratos originados de licitações promovidas nas modalidades tradicionais, nas quais não há inversão de fases, têm apresentado um elevado número de irregularidades, dentre as quais superfaturamento e sobrepreço.

A lei do RDC trouxe também a chamada pré-qualificação permanente (art. 29, I), que se traduz em mecanismo auxiliar de licitação consistente na manutenção de um cadastro permanente de licitantes “qualificados” pela Administração, com validade de até um ano e sem qualquer vinculação a uma licitação específica, podendo ser aproveitado nos diversos certamos futuros que vierem a ocorrer.

Marçal Justen Filho (2011, p. 633), ao discorrer sobre os benefícios da pré-qualificação, ressalta a ausência de constrangimentos temporais, o que permite uma análise mais cautelosa dos requisitos de habilitação, redução dos esforços e da complexidade da atividade administrativa, que não precisará fazer

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análise da habilitação em cada licitação, além de oferecer mais segurança jurídica aos licitantes, que não serão surpreendidos com eventual decisão de inabilitação[[1]].

A pré-qualificação permanente, além de possibilitar a habilitação prévia e automática de potenciais fornecedores, destina-se a identificar bens que atendam aos requisitos técnicos e de qualidade exigidos pela Administração Pública, elaborando-se uma espécie de cadastro permanente dos bens considerados como satisfatórios pela Administração Pública.

Relativamente às propostas de preço, o RDC prevê a possibilidade de lances intermediários, isto é, permite que os licitantes que não apresentaram a melhor proposta reduzam seus preços com novos lances, objetivando uma melhor colocação no certame. Isso pode ser relevante, por exemplo, no caso de inabilitação do licitante vencedor (ou mesmo no caso de inexecução contratual), caso em que o segundo colocado terá oportunidade de ser convocado para eventualmente celebrar o contrato com o Poder Público.

Novidade muito relevante diz respeito ao chamado “orçamento oculto” previsto na Lei 12.462/2011 (art. 6º). A previsão permite que haja sigilo quanto ao orçamento estimado pela Administração Pública para execução do objeto contratual, o que impede a usual prática de elevação dos preços, sempre muito próximos ao orçamento divulgado, e evita a formação de cartéis com intuito de fraudar a licitação nesse sentido (ARAGÃO, 2013, p. 341).

O orçamento, embora inicialmente ocultado, deve se tornar público logo após a adjudicação do objeto da licitação ao vencedor. Assim, o sigilo do orçamento somente perdura durante o procedimento da licitação, devendo posteriormente tornar-se acessível aos interessados, sob pena de infringência ao princípio da publicidade. De todo modo, o orçamento deve estar

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permanentemente à disposição dos órgãos de controle (art., 6º, §3º).

Outra inovação do RDC foi a chamada contratação integrada, que, para ser utilizada, deve ser justificada do ponto de vista técnico e econômico. Trata-se de regime de execução de obras e serviços que, diferentemente da Lei 8.666/93, dispensa a exigência de que o projeto básico conste do edital. O instrumento convocatório deve contar apenas com um “anteprojeto de engenharia” que permita a definição e caracterização do serviço ou obra licitados[[2]].

Assim, a própria empresa vencedora do certame é que irá elaborar o projeto básico, bem como o projeto executivo. O ponto positivo é que, na contratação integrada, os termos aditivos são vedados, salvo para recomposição do equilíbrio econômico-financeiro ou a pedido da Administração Pública.

Segundo o Tribunal de Contas da União, a utilização do regime de contratação integrada exige, nos termos do art. 9º da Lei 12.462/2011, que haja justificativa sob os prismas econômico e técnico. No econômico, a Administração deve demonstrar em termos monetários que os gastos totais a serem realizados com a implantação do empreendimento serão inferiores se comparados aos obtidos com os demais regimes de execução. No técnico, deve demonstrar que as características do objeto permitem que ocorra real competição entre as contratadas para a concepção de metodologias/tecnologias distintas, que levem a soluções capazes de serem aproveitadas vantajosamente pelo Poder Público (Acórdão 1850/2015-Plenário, TC 011.588/2014-4, relator Ministro Benjamin Zymler, 29.7.2015).

O regime previsto na Lei 12.462/2011 inovou também no que diz respeito à aquisição de bens pela Administração, trazendo regras peculiares, como a possibilidade de indicação de marca, exigência de amostras dos bens e de declaração do fabricante no sentido de ser solidariamente responsável pela execução do contrato, quando o licitante for revendedor ou distribuidor (art. 7º, I).

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A lei trouxe expressa permissão de indicação de marca no instrumento convocatório, desde que justificadamente e nos estritos casos em que a marca seja necessária à padronização do objeto ou que a marca ou o modelo sejam os únicos capazes de atender às necessidades da entidade licitante, desde que comercializados por mais de um fornecedor, ou, ainda, quando a seleção da marca servir apenas para melhor identificação do objeto ou do padrão de qualidade requerido, permitida a oferta de produto similar ou de melhor qualidade.

A doutrina majoritária e o Tribunal de Contas da União têm entendido que a possibilidade de indicação de marcas na lei do RDC não se trata de contrariedade à Lei 8.666/93, mas de especificação da ressalva prevista no §5º do art. 7º desta lei, ainda que o art. 7º da Lei 12.462 fale que é possível a indicação de marca “no caso de licitação para aquisição de bens”, hipótese em que, a princípio, é vedada a indicação de marca, conforme dispõe a Lei 8.666/93.

No caso da exigência de amostras, o TCU (Acórdão nº 1.237/2002, DOU de 27.9.2002 e Acórdão nº 491/2005, DOU de 9.5.2005) tem entendido ser possível estabelecer tal obrigação apenas ao licitante autor da melhor proposta, tendo em vista uma exigência genérica, aplicável a todos os licitantes, seria pouco razoável, pois “imporia ônus que, a depender do objeto, seria excessivo, a todos os licitantes, encarecendo o custo de participação na licitação e desestimulando a presença de potenciais licitantes”, o que traria prejuízos à concorrência.

A lei do RDC permite à Administração “exigir amostra do bem no procedimento de pré-qualificação, na fase de julgamento das propostas ou de lances, desde que justificada a necessidade da sua apresentação” (art. 7º, II). No caso de exigência de amostra no procedimento de pré-qualificação, de fato, é da própria essência do procedimento a apresentação da amostra, de modo que a exigência, por si só, não representaria qualquer afronta à competitividade. Tal afronta decorria de eventual licitação restrita à participação de pré-qualificados.

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Na hipótese em que a Administração solicita, motivadamente, carta de solidariedade emitida pelo fabricante no caso de o licitante ser revendedor ou distribuidor (art. 7º, IV, da Lei 12.462), o Tribunal de Contas da União (Acórdão nº 539/2007, Ata nº 13/2007) tem considerado tal exigência inadmissível como requisito para habilitação do licitante ou para classificação da proposta.

A exigência de carta de solidariedade, segundo a Corte de Contas, será possível apenas como critério de pontuação extra. O mesmo ocorre com a possibilidade de a Administração exigir do licitante certificado da qualidade do produto ou do processo de fabricação por instituição oficial ou entidade credenciada, o qual será admissível apenas para fins de pontuação, pena de restringir indevida e desproporcionalmente o caráter competitivo do certame.

Por fim, o regime diferenciado de contratações consagrou, ainda, a possibilidade de se adotar a remuneração variável, vinculada ao desempenho do contratado, de modo semelhante ao que prevê a Lei 11.079/2004, o que gera ganhos muitos positivos em termos de eficiência na execução do objeto contratual.

4. CONCLUSÃO

Diante do exposto, inegável que o regime diferenciado de contratações públicas, previsto na Lei 12.462/2011 representou um grande avanço no tema licitações e contratos, uma vez que consagrou valores absolutamente consentâneos àqueles sobrelevados pela Administração Pública nos dias de hoje.

A Lei 8.666/93, embora ainda seja o principal diploma normativo, vez que consagra normas gerais de licitação, peca ao prever excessos de formalismos e burocracias que tornam moroso e menos eficiente as contratações públicas realizadas sob esse regime.

Nesse sentido, tendo em vista as relevantes novidades trazidas pela Lei 12.462/2011, que veio a alterar pontos críticos da Lei 8.666/93 e absorver as benesses dos diplomas anteriores, bem

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como entendimentos jurisprudenciais consagrados pelo Tribunal de Contas da União, o regime diferenciado de contratação tem sido bastante enaltecido, sendo certo que a tendência é que ele seja estendido a outros âmbitos além daqueles atualmente previstos na Lei 12.462/2011.

REFERÊNCIAS:

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2013.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25 ed., São Paulo: Atlas, 2012.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 7. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2011.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.

CHARLES, Ronny e MARRY, Michelle, Regime Diferenciado de Contratações. Salvador: JusPodiVm, 2014.

NOTAS:

[1] Embora Marçal Justen Filho reconheça os benefícios da pré-qualificação permanente, defende que ela deve ser admissível apenas em concorrências em que se exija uma qualificação técnica especial e superior àquela qualificação usualmente exigida em atividades normais, devendo a sua adoção justificar-se em face das peculiaridades do objeto licitado. Isso porque, embora consideravelmente benéfica em boa parte, a pré-qualificação permanente pode acabar por facilitar a prática de atos ilícitos, visto que a Administração pode promover certames restritos aos licitantes pré-qualificados e que o cadastro de pré-qualificação dos licitantes, por ser público e acessível a todos, permitiria aos licitantes de má-fé conhecer de antemão todos os possíveis concorrentes na disputa, o que tornaria mais fácil a formação de conluios e cartéis, frustrando-se o caráter competitivo do certame.

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[2] Segundo o Tribunal de Contas da União, o anteprojeto deve conter elementos que confiram à licitação lastro mínimo comparativo para a definição da proposta mais vantajosa e que ofereçam informações suficientes aos licitantes para o dimensionamento de suas soluções e o cálculo de suas propostas, sob pena de caracterizar descumprimento do art. 9º, § 2º, inciso I, da Lei 12.462/13 (acórdão 2980/2015-Plenário, TC 034.015/2012-4, relatora Ministra Ana Arraes, 18.11.2015).

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INOVAÇÕES LEGISLATIVAS NO PROCESSO COLETIVO: OS MODELOS DE CÓDIGO E SEUS ASPECTOS POLÊMICOS

MARCOS GUILHEN ESTEVES: Mestre em Direito Negocial Pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Graduado pela Universidade Estadual de Londrina

RESUMO[1]: A tutela jurisdicional transindividual é bastante recente para o Direito, motivo pelo qual ainda não se pode afirmar que suas bases teóricas estejam substancialmente pacificadas. Hoje, no Brasil, verifica-se a existência de grande dispersão de diplomas normativos tratando do processo coletivo, tais como a Lei da Ação Civil Pública, o Código de Defesa do Consumidor, Lei da Ação Popular, dentre outros. Essa multiplicidade de textos legais dificulta a implementação de uma técnica hermenêutica sistemático-principiológica, sobretudo considerando que eles foram editados em conjunturas muito diversas e sob a égide de Constituições diferentes. Ante tal situação, os doutrinadores da área procuraram elaborar modelos de códigos de processo coletivo, a fim de institucionalizar as evoluções da matéria e permitir formas de interpretação mais abrangentes e sistemáticas. O presente artigo objetiva apresentar os projetos de código e debater seus pontos polêmicos, dentre os quais se destacam os institutos da representatividade adequada e da ação coletiva passiva, a legitimidade do cidadão, além da ocorrência de conexão e litispendência no processo coletivo. A pesquisa será norteada pela análise dos textos normativos e de doutrina especializada sobre os referidos institutos da tutela coletiva.

PALAVRAS-CHAVE: Tutela Jurisdicional Transindividual. Inovações Legislativas. Institutos Polêmicos.

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Introdução

Apesar de constituir disciplina relativamente nova para o Direito e de ainda ser alvo de acirradas divergências jurisprudenciais, o processo coletivo vem ganhando cada vez mais destaque na prática forense. Em que pese o Brasil ser considerado um país de vanguarda no que concerne à tutela coletiva (CÂMARA, 2007, p. 39), a falta de unidade legislativa dificulta a solução de muitas questões pragmáticas. Os Tribunais são instados a se manifestarem sobre aspectos controvertidos da tutela transindividual e, para tanto, não dispõem de suficiente substrato normativo. Tal situação, ademais, dificulta a implementação de uma análise sistemática (FERRAZ Jr., 2007, p. 289) e principiológica.

A fim de conferir a aludida sistematização à matéria, os estudiosos da tutela transindividual elaboraram modelos de código de processo coletivo, dentre os quais, destacam-se: o Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero-América do Instituto Ibero-americano de Direito Processual; o Antreprojeto de Código de Processo Coletivo da UERJ-Unesa; o Código de Antonio Gidi e; o Projeto de Lei n. 5.139/09.

Primeiramente, deve-se questionar sobre a necessidade de um código de processo coletivo. Vale dizer, considerando que há um número razoável de diplomas normativos que tratam da tutela transindividual (Lei 7.347/85, CDC, Lei 12.016/10, Lei da Ação Popular, dentre outras), seria útil a criação de um instrumento legal que unificasse as disposições a respeito desse tema?

Superada essa primeira questão, impõe analisar o conteúdo dos projetos de códigos que versam sobre a matéria. Não se coaduna com os fins metodológicos deste trabalho científico o estudo individualizado de artigos. O propósito não é transcrever os dispositivos dos mencionados textos normativos. A fim de direcionar a leitura para os assuntos mais polêmicos na doutrina processual coletiva, elegeram-se alguns tópicos que causam dissensão acadêmica, quais sejam a representatividade adequada, a ação

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coletiva passiva, a legitimação do cidadão para a propositura de demanda coletiva e a ocorrência de conexão ou litispendência entre duas ou mais ações coletivas. Com o fito de embasar a análise, houve consulta à literatura jurídica pátria sobre o tema, destacando-se os textos de Rodolfo Camargo Mancuso, Antonio Gidi, Hugo Nigro Mazzilli e Luiz Fernando Bellinetti.

Apesar de se tratarem de projetos ou anteprojetos de códigos e, sendo assim, há a possibilidade de seus dispositivos nunca chegarem a promulgação, acredita-se que a pesquisa ainda se mostra justificável. Em primeiro lugar, porque tais projetos constituem material doutrinário, na medida em que foram elaborados no bojo de congressos e conferências capitaneadas por processualistas renomados. Além disso os códigos trazem discussões que revelam o avanço no estudo do processo coletivo, bem como as dissensões acadêmicas, visto que, em certos aspectos, os projetos tratam o mesmo assunto de maneira diversa.

No entanto, o que se perceberá é uma relativa uniformidade no tratamento de determinados institutos, o que permite advogar pela grande possibilidade de positivação desses entendimentos doutrinários. É de se destacar, porém, que, mesmo nos projetos mais atuais, encontram-se aspectos cuja constitucionalidade é duvidosa. Pelo exposto, considera-se ser de grande valia o estudo das mencionadas propostas para a construção de um processo coletivo garantidor do adequado acesso à ordem jurídica justa.

1. Necessidade de um Código de Processo Coletivo

Inserida na denominada “segunda onda de acesso à justiça”, conforme o célebre estudo de Bryant Garth e Mauro Cappelletti (1988), a tutela dos interesses transindividuais pode ser tida como relativamente nova para o Direito. Doutrina e jurisprudência se debruçam sobre a matéria, ainda com poucos consensos, a fim de tentar solucionar as lacunas do ordenamento jurídico. É certo que é da própria natureza das ciências sociais e humanas que seus objetos sejam alvo de controvérsia, na medida em que há

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dificuldades ou, por vezes, impossibilidade, de se elaborar um conceito empírico sobre um instituto jurídico. Cabe destacar que houve doutrina que buscou unidade conceitual dos objetos dessas áreas do saber, por meio de um “pacto semântico”, pois entendia que a polivalência de certos termos fragilizaria o status de ciência (CARVALHO, 2008, p. 27).

No que tange especificamente aos direitos transindividuais, a mencionada dificuldade em se estabelecer o conteúdo de conceitos jurídicos é aumentada em virtude do grande conflito interno que tais interesses comportam (MANCUSO, 1998, p. 85). Os direitos difusos e coletivos não podem ser considerados como mera justaposição de interesses individuais. Em verdade, eles são ontologicamente diferentes desses últimos. Seus objetos de tutela atingem um número incalculável de pessoas (interesses difusos) ou ainda uma classe inteira (interesses coletivos). Tal abrangência incita o conflito interno a que Mancuso se refere, de modo que a matéria posta em juízo não será, por exemplo, a insatisfação de um consumidor singular, mas de um conjunto de consumidores. Sob a ótica econômica, a tutela transindividual constitui um importante direito-custo (COELHO, 2009, p. 37), na medida em que eventuais condenações nessa seara costumam atingir grandes montes.

Em termos de legislação, destacam-se alguns instrumentos normativos marcantes para a tutela coletiva. Primeiramente, a Lei da Ação Popular de 1965. Em 1985, a promulgação da Lei da Ação Civil Pública foi bastante decisiva para uma inicial sistematização da matéria. A Constituição Federal de 1988 também trouxe previsões a respeito da tutela transindividual, destacando-se a atribuição do Ministério Público para defesa de interesses difusos e coletivos (art. 129, inciso III). Em 1990, o Código de Defesa do Consumidor também trouxe importantes dispositivos, dentre os quais merecem menção aqueles que definem as três espécies de interesses transindividuais (p. ú. Do art. 81). Por fim, a nova Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/10) possui previsões a respeito do writ coletivo (art. 21).

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Como se vê, há uma positivação relativamente abrangente da tutela transindividual. Todavia, o fato de não haver unidade legislativa dificulta o trabalho do hermeneuta que almeja valer-se de uma interpretação sistemática e principiológica. A pluralidade de diplomas normativos, editados em períodos tão distintos e dentro de contextos bastante diversos, traz empecilhos para que se perquira sobre os fundamentos teóricos da tutela coletiva que foram consagrados na legislação posta. Segundo Bellinetti e Sturion de Paula (2007, p. 1.862): “A ausência de sistematização unificada gera conflitos em torno de pontos essencialmente fundamentais para a própria efetividade do processo coletivo, tal como a competência para o julgamento das ações coletivas”.

Ademais, a necessidade de um Código de Processo Coletivo (CPCol) provém da própria natureza desses interesses, que, conforme dito, são ontologicamente diferentes dos individuais. O conteúdo axiológico do princípio de acesso à justiça, garantia fundamental insculpida no art. 5, inciso XXXV, não se esgota mais numa perspectiva individualista. É imprescindível para a adequada proteção dos interesses transindividuais que se promulgue um diploma normativo consciente das peculiaridades desses interesses, o que será verificado pela consagração de princípios pautados em ideais de solidariedade e de responsabilidade social.

É importante destacar que há um descompasso entre o substrato legislativo que regulamenta os interesses metaindividuais e a evolução doutrinária sobre a matéria. Quando foi promulgada a Lei da Ação Civil Pública, em 1985, a tutela de interesses metaindividuais ainda era pouco estudada no Brasil. Atualmente, porém, o processo coletivo é bastante utilizado na prática forense, sobretudo pelo Ministério Público, e a parca regulamentação da matéria gera complicações dogmáticas, sobre as quais o Poder Judiciário é instado a se manifestar. Para tanto, os magistrados dispõem apenas de consultas à doutrina especializada, que, em verdade, deveriam possuir somente uma função informativa, na medida em que não constituem fonte do Direito. Apesar de, hoje, ser consenso que o Direito não se resume à norma, é importante

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que haja previsões expressas, a fim de garantir a segurança jurídica e o adequado acesso à justiça.

2. Apresentação dos Anteprojetos

Diante de tal situação, os estudiosos da área começaram a elaborar projetos de códigos de processo coletivo a fim de tentar incorporar as evoluções doutrinárias da matéria, bem como de buscar sua sistematização. Com o objetivo de orientar o leitor acerca do corte metodológico deste artigo, serão apresentados a seguir os projetos de código sobre os quais incidirão nossa análise, bem como será indicado, em nota de rodapé, o endereço eletrônico por meio do qual poder-se-á ter acesso ao conteúdo integral do texto.

Elaborado pelo Instituto Ibero-Americano de Direito Processual[2] e aprovado em 2004, na Venezuela, o Código Modelo, em sua Exposição de Motivos, elenca vários diplomas normativos de diversos países ibero-americanos para demonstrar que há heterogeneidade (e até mesmo ausência) na normatização dos interesses transindividuais. Tal circunstância levou à ideia de se elaborar um Código Modelo para esses países. A Exposição de Motivos afirma ainda que a ideia surgiu a partir de uma intervenção do jurista Antonio Gidi, durante uma conferência em Roma, realizada em maio de 2002. Após sua elaboração pelo Instituto Ibero-Americano, o projeto foi debatido na Universidade de São Paulo, por processualistas renomados como Kazuo Watanabe e Ada Pellegrini, o que culminou em proposta apresentada ao Ministério da Justiça em 2005 (LEAL Jr.; BALEOTTI, 2012, p. 6).

Há ainda o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos[3], desenvolvido pelos núcleos de pesquisa de pós-graduação jurídica stricto sensu da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). A conclusão do Anteprojeto se deu em 2005. Segundo sua “Apresentação”, o Código tem por escopo implementar o acesso à justiça e a efetividade do processo.

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Menciona-se também o Código de Antonio Gidi, professor radicado nos Estados Unidos. O referido diploma possui como subtítulo “Um Modelo para Países de Direito Escrito”. Na Exposição de Motivos, o professor demonstra claramente sua inspiração no direito estadunidense, ao afirmar que:

Uma das contribuições deste projeto é eliminar injustificadas diferenças procedimentais em ações coletivas. Tais diferenças existem no Brasil e nos Estados Unidos meramente por casualidades e equívocos históricos e esta é a oportunidade para corrigir tais deformações. Não há nada que justifique que a notificação nas ações coletivas indenizatórias americanas (class actions for damages) seja mais rigorosa do que nas demais ações coletivas ou que o regime da coisa julgada nas ações coletivas brasileiras seja diferente de acordo com o tipo de pretensão envolvida.

Destaca-se, ainda, o Projeto de Lei 5.139/95, que pretendia a sistematização da matéria, revogando, inclusive a Lei da Ação Civil Pública e alguns dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Estatuto do Idoso, dentre outros. O Projeto recebeu parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania em 17/03/2010. Votou-se pela sua constitucionalidade, mas, no mérito pela sua total rejeição. Dentre os motivos apresentados para a rejeição, estaria o fato de que o réu receberia:

tratamento desigual de um juiz que terá liberdade para tomar partido sempre e somente em favor do autor, inclusive alterando a ordem das fases processuais […] e concedendo liminares (e antecipações de tutela) sem que o autor as tenha pedido e sem que tenha sido dada oportunidade de defesa ao réu.

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Aduz também que “quaisquer duas pessoas” poderiam ir a juízo, apresentando-se como representantes do grupo, “ou até mesmo de toda sociedade brasileira” e pedirem, por exemplo, “a paralisação de uma iniciativa do poder público por ofensa ao meio-ambiente”.

Tem-se assim mais um exemplo da grande conflituosidade aludida por Mancuso. O Poder Legislativo não vem mostrando muita preocupação com a tutela dos interesses transindividuais e isso talvez se explique pela forte pressão que os poderes econômico e administrativo são capazes de exercer sobre o Parlamento. É significativo que a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania tenha afirmado que “quaisquer duas pessoas” poderiam ir a juízo para requerem “a paralização de uma iniciativa do poder público por ofensa ao meio-ambiente”. A pergunta que se coloca é sob qual aspecto a Câmara de Deputados considerou que a situação descrita poderia ser considerada uma ameaça ao interesse do povo, pelo qual, aliás, a mencionada Casa tem o dever de zelar? Em outras palavras, qual o receio do Parlamento?

Se “quaisquer duas pessoas” forem ao Judiciário e este considerar que a paralização se impõe, tal decisão deve ser observada. Em termos pragmáticos, não há 5Disponível na íntegra em: , acessado em 10.11.2013, às 23h20min. 6As informações a respeito do trâmite do Projeto de Lei foram obtidas em consulta ao sítio da Câmara de Deputados, na seguinte página: , acessado em 10.11.2013, às 23h20min. diferença entre essas “duas pessoas” e o Ministério Público. Vale dizer, se o Parquet houvesse formulado semelhante pedido e o magistrado o considerasse procedente, o resultado seria idêntico. O que se percebe, em verdade, é o temor do Poder Legislativo e das forças dominantes de ampliar o alcance da tutela transindividual. Apesar de corrermos o risco de formularmos uma sentença pouco científica, arriscamos dizer que, quando, em 1985, o Congresso promulgou a Lei da Ação Civil Pública, ele estava pouco consciente dos efeitos que esse diploma normativo poderia desencadear. Como não se admitirá a revogação

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pura e simples das disposições sobre processo coletivo, a conduta assumida pelo Legislativo foi a de não ampliar seu alcance.

No entanto, quando surge alguma oportunidade de tumultuar a tutela transindividual, o Parlamento se mostra bastante receptivo. Um exemplo é o Projeto de Lei 6.745/06, por meio do qual objetiva-se permitir ao Delegado de Polícia a instauração do Inquérito Civil Público. Cabe destacar que esse projeto, sim, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Sob o pretexto de ampliar a proteção dos interesses metaindividuais, cria-se uma sobrecarga à polícia judiciária, a qual, como é sabido, possui pouca estrutura e pouco pessoal. Ademais, nos segundo a Constituição Federal, é função da polícia é a investigação de infrações penais (polícia civil – art. 144, parágrafo 4) e a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública (polícia militar – art. 144, parágrafo 5). A polícia já tem sua função institucional definida pela Lei Maior e sabe-se que ela enfrenta muitas dificuldades materiais para desempenhá-la. Atribuir-lhe o encargo de cuidar de inquéritos civis apenas criará impasses relativos a conflitos de competência, constitucionalidade do dispositivo, duplicidade de investigações, etc.

Feitas essas considerações, passa-se a analisar alguns aspectos controvertidos presentes nos referidos projetos, sob o prisma de sua eficácia e constitucionalidade. Como o objetivo deste texto não é efetuar um comentário exaustivo de artigos, elegeram-se temas considerados de especial interesse para a construção de uma teoria do processo coletivo e de sua consequente dogmática.

3. Representatividade Adequada

Os Códigos de Antonio Gidi, UERJ e Modelo previram o instituto da representatividade adequada. Trata-se de mecanismo processual, que se origina nas class actions for damages estadunidenses, por meio do qual se afere a “idoneidade do portador judicial (MANCUSO, 2007, p. 33)”. Cabe destacar que o Projeto de Lei nº. 5.139/09 não previu o referido instituto.

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A representatividade adequada teria por escopo impedir que entidades descapacitadas ajuizassem ações coletivas. Isso porque em caso de improcedência do pedido, haveria prejuízo aos atingidos, sem que a entidade que os defendeu tivesse condições de representar seus interesses. Trata-se em verdade de uma fase processual, cujo fito seria propiciar o aferimento pelo juiz, segundo requisitos postos na lei (no caso dos países do civil law), da capacidade do ente de estar em juízo defendendo os interesses dos lesados (LENZA, 2003, p. 168).

Mancuso (2007, p. 47), ao trabalhar a sistemática daadequacy of representation nas class actions norte americanas, cita Owen Fiss, o qual afirma que:

Acredito que o que a Constituição garante não é o direito de participação, mas o que chamarei de “direito de representação”: não “um dia na Corte”, mas o direito à representação adequada de interesses. Consoante o direito de representação, nenhum indivíduo pode ser obrigado por uma decisão judicial a menos que seus interesses estejam adequadamente representados no processo.

Nos termos do art. 3º, inciso II, do Código de Antonio Gidi, a ação coletiva somente poderá ser levada a cabo se o legitimado coletivo e o advogado do grupo puderem representar adequadamente os direitos do grupo e de seus membros. Para aferir a respectiva representatividade, o juiz analisará, dentre outros fatores (alínea 3.1):

3.1.1 a competência, honestidade, capacidade, prestígio e experiência;

3.1.2 o histórico na proteção judicial e extrajudicial dos interesses do grupo; 3.1.3 a conduta e participação no processo coletivo e em outros processos anteriores;

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3.1.4 a capacidade financeira para prosseguir na ação coletiva;

3.1.5 o tempo de instituição e o grau de representatividade perante o grupo.

Como se vê, nessa fase processual o magistrado terá de lidar com contornos bastante imprecisos na caracterização da representatividade adequada. Terá de analisar o “prestígio” e a “honestidade” do legitimado coletivo, por exemplo. Averiguará ainda se ele possui capacidade financeira para prosseguir na ação coletiva.

Conforme mencionado, o Código Modelo e o UERJ também previram esse instrumento processual, cabendo destacar apenas que há pequenas alterações no que tange aos requisitos para sua caracterização.

3.1 Utilidade da Representatividade Adequada para o Direito Brasileiro

Atualmente, os legitimados para a propositura de Ação Civil Pública são, em geral, entidades públicas: União, Estados, Municípios, Autarquias, Ministério Público, Defensoria Pública, dentre outros. Mesmo os partidos políticos e os sindicatos, que são pessoas jurídicas de direito privado (art. 44, Código Civil) possuem finalidades essencialmente públicas. As empresas públicas e as sociedades de economia mista, em que pese serem também pessoas jurídicas de direito privado, são coadjuvantes da ação governamental (MELLO, 2007, p. 179). Por esse motivo, sua atuação não se furta à observância da supremacia do interesse público. As associações, porém, podem ter por objeto a defesa tanto de interesses de classe quanto de interesses públicos (MAZZILLI, 2005, p. 278), a depender de seu estatuto e do fim a que se destina.

No que concerne às pessoas jurídicas de direito público, previstas no art. 5º da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), não

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é concebível a aplicação do instituto da representatividade adequada. Entender que os entes federados não possuem representatividade para defender os interesses da população contraria a lógica do Estado Democrático de Direito. Igual situação se dá com o Ministério Público. A legitimidade (não a processual, mas a institucional) dessas entidades decorre da própria Constituição Federal.

Quanto à Defensoria Pública, há polêmica sobre sua legitimidade processual para ajuizamento de ação civil pública. A celeuma gira em torno do cotejo entre o alcance das ações coletivas e as finalidades institucionais da entidade (ARENHART e MARINONI, 2010, p. 303). Vale dizer, se na tutela coletiva defendem-se interesses que podem pertencer a um número indeterminado de pessoas e a entidade tem por objetivo precípuo a assistência jurídica dos necessitados (art. 134, CF), pode ocorrer que a ação civil pública ajuizada pela Defensoria alcance pessoas que não se enquadram no conceito de “necessitado”. Todavia, não se questiona a legitimidade institucional da Defensoria Pública para a proteção dos interesses de necessitados. Em outras palavras, não há que se perquirir sobre a representatividade adequada da entidade na consecução das tarefas que a Constituição Federal lhe incumbe. A polêmica se limita à legitimação processual e, ainda, apenas nos casos em que a decisão puder beneficiar pessoa não enquadrada como “necessitado”.

Se é admissível que tais legitimados atuem no processo coletivo sem sequer precisar demonstrar pertinência temática, tanto mais será descabida a aferição de sua representatividade.

No que tange aos sindicatos, também não se vislumbra utilidade do instituto no Direito brasileiro. A representatividade adequada da entidade sindical se justifica no Direito estadunidense, na medida em que lá vigora o princípio da pluralidade sindical (GODINHO, 2012, p. 1.351). É possível assim que haja mais de um sindicato representativo de categoria profissional ou econômica na mesma base territorial. Nessa situação, é compreensível que se

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afira a capacidade do sindicato de estar em juízo defendendo os interesses de toda uma classe. Desse modo, por exemplo, caso o sindicato tenha um número reduzido de associados, seria inadmissível que todos os trabalhares fossem atingidos pela decisão.

No Direito brasileiro, porém, vigora o princípio da unicidade sindical (art. 8, II, CF), ou seja, somente é possível a existência de um sindicato representativo de categoria profissional ou econômica na mesma base territorial. Nesse contexto, não há como aplicar o instituto da representatividade adequada, visto que inexistiria outro sindicato apto a ajuizar a ação coletiva.

Quanto aos partidos políticos, também se mostra pouco plausível a aferição de representatividade adequada, na medida em que é da própria natureza da entidade a representação de interesses sociais. Importa retomar aqui que, se não lhes é exigida a pertinência temática (MAZZILLI, 2005, p. 281), também não faria sentido exigir-se que demonstrassem sua capacidade de representação. Segundo Carvalho Filho (2001, p. 140), “os partidos políticos têm representação política e genérica, diversamente das associações legitimadas, possuidoras de representação social e específica”.

Diante do exposto, percebe-se que o instituto teria utilidade apenas para as associações, distanciando-se, mesmo assim, em muito da sua abrangência originária no Direito estadunidense. O ordenamento jurídico brasileiro já prevê algumas restrições para o ajuizamento de ações coletivas pelas associações, o que lhe asseguraria um mínimo de legitimidade institucional. É preciso que ela (art. 5º, V, da Lei 7.347/85):

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;

b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre

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concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

No que concerne à idoneidade financeira, cabe destacar que o art. 18 da referida Lei dispõe não serem devidas custas, emolumentos, honorários ou condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé. Assim, não se mostra razoável a aferição desse requisito da representatividade adequada, o que fragiliza, ainda mais, sua utilidade no Direito pátrio.

Segundo Bianca Richter (2012, p. 218):

A discussão tem relevância distinta nos Estados Unidos, pois, lá, a coisa julgada opera pro et contra, enquanto que o nosso ordenamento adota o sistema da coisa julgada secundum eventum litis e in utilibus. Talvez, por isso, o sistema norte-americano se concentre mais sobre a representatividade adequada, já que a coisa julgada produzirá efeitos no âmbito individual, mesmo quando prejudicial.

Há considerável diferença entre os Direitos brasileiro e estadunidense, diferença esta que não se resume ao sistema docommon law e do civil law. As class actions for damages nos Estados Unidos, como o próprio nome diz, são tratadas como ações de classes, em cujo bojo discute-se uma somatória de interesses particulares justapostos. No Brasil, porém, os interesses transindividuais são considerados ontologicamente diferentes dos interesses privados, não se constituindo, assim, uma junção de interesses de classes. Desse modo, é possível questionar a utilidade do instituto da representatividade adequada para o Direito brasileiro.

4. Ação Coletiva Passiva

No Brasil, até o presente momento, o legitimado coletivo ocupa, regra geral, o polo ativo. O art. 5º da Lei da Ação Civil Pública

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alude à legitimidade para propor a demanda. Na atual tutela jurisdicional transindividual brasileira, não é possível, a princípio, o ajuizamento de demanda em face de uma coletividade.

Assim não o é, porém, no Direito estadunidense. No âmbito das class actions norte-americanas, é possível que se ajuíze, por exemplo, demanda contra e em face de uma classe, objetivando que a sentença atinja todos os seus integrantes. Segundo Rodolfo Mancuso (2004, p. 230), essa possibilidade decorre da regra 23 (a) (3) das Federal Rules of Civil Procedure. Significa dizer que é possível a propositura de uma demanda contra, por exemplo, a classe de médicos de certa cidade, que seria representada pela associação respectiva.

Como se observa, tal disposição é instrumentalizada principalmente pelo já estudado instituto da representatividade adequada, quando o juiz afere se o legitimado passivo possui capacidade para defender os interesses de seus associados. Quer dizer, não é possível ação coletiva passiva sem representatividade adequada. No exemplo acima, a sentença só poderia atingir a classe médica se a respectiva associação os representasse adequadamente.

Os Códigos Antonio Gidi, Iberoamericano e da UERJ preveem a ação coletiva passiva para o ordenamento jurídico brasileiro. O Projeto de Lei nº. 5.139/09, porém, não possui qualquer menção a respeito. Segundo a Exposição de Motivos do Código Modelo e na esteira do que foi explicitado acima:

O Capítulo VI introduz uma absoluta novidade para os ordenamentos de civil law: a ação coletiva passiva, ou seja a defendant class action do sistema norte-americano. Preconizada pela doutrina brasileira, objeto de tímidas tentativas na práxis, a ação coletiva passiva, conquanto mais rara, não pode ser ignorada num sistema de processos coletivos. A ação, nesses casos, é proposta não pela classe, mas contra

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ela. O Código exige que se trate de uma coletividade organizada de pessoas, ou que o grupo tenha representante adequado, e que o bem jurídico a ser tutelado seja transindividual e seja de relevância social.

Apesar de prevista nos citados modelos de código, a ação coletiva passiva, se tomada nos parâmetros das defendant class actions estadunidenses, possui constitucionalidade questionável. A possibilidade de alguém vir a ser atingido negativamente por sentença em processo no qual ele não participou viola o princípio do acesso à justiça (art. 5º, inciso XXXV, CF), do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV, CF).

Imagine-se, por exemplo, que uma empresa tenha comercializado produto defeituoso. Prevendo as reclamações dos clientes e as demandas que eles proporão, decide ajuizar ação coletiva passiva contra o Procon, a fim de estabelecer, desde logo, os parâmetros para eventuais indenizações. Finda a demanda, o consumidor, que sequer sabia da existência da ação coletiva passiva, ajuíza demanda ressarcitória por ter sofrido prejuízos com a utilização do produto viciado. A indenização a que ele terá direito deverá obedecer a coisa julgada produzida na ação coletiva passiva, não podendo extrapolar ou mesmo discutir o que ali foi decidido. Parece que tal situação afronta o princípio da inafastabilidade da jurisdição e também do contraditório, o qual é constituído pelo binômico informação-possibilidade de manifestação. Nas palavras de Alexandre Freitas Câmara (2007, p. 52):

Tal definição significa dizer que o processo – o qual deve, sob pena de não ser verdadeiro processo, se realizar em contraditório – exige que seus sujeitos tomem conhecimento de todos os fatos que venham a ocorrer durante seu curso, podendo ainda se manifestar sobre tais acontecimentos.

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No mencionado exemplo, aliás, sequer importa se a empresa vencerá ou não a demanda, pois a interdição de que o consumidor discuta e mensure, individualmente, a extensão do dano por ele sofrido, já viola, de per si, a Constituição Federal.

Os arts. 36 e 37 do Código Modelo afirmam que, quando se tratar de interesses difusos, a coisa julgada na ação coletiva passiva terá efeito erga omnes. Tal previsão cria a possibilidade, por exemplo, de uma construtora ajuizar a referida demanda contra o Ministério do Meio Ambiente, a fim de que seja declarado que não haverá dano ambiental com certa obra que ela se propõe a erguer. Se a ação for julgada procedente, a coisa julgada erga omnes impedirá a propositura de ação civil pública pelo Ministério Público ou de ação popular pelo cidadão.

O Código de Antonio Gidi prevê, inclusive, que, não havendo associação que congregue os membros do grupo-réu, a ação coletiva passiva poderá ser proposta contra um ou alguns de seus membros, que funcionarão como representantes do grupo (art. 28, alínea 28.2). Em uma de suas obras teóricas, o autor afirma que existem muitas bases para identificar um representante adequado para o interesse do grupo, sendo que a lei pode deixar essa faculdade a um indivíduo, integrante ou não do grupo (GIDI, 2004, p. 71).

Cabe destacar que Rodolfo de Camargo Mancuso (2004, p. 234) entende que, em regra, podem figurar no “polo passivo da ação civil pública todos os que estão legitimados no polo ativo”, excetuando-se, apenas, o Ministério Público. Mesmo assim, o autor relativiza consideravelmente o cabimento da ação coletiva passiva, ao afirmar que a legitimidade passiva das associações deve ser o mais rara possível, visto que, a princípio, elas soam “lutar em defesa dos interesses metaindividuais e não contra eles”. Em verdade, o doutrinador entende que a ação coletiva passiva possui aplicabilidade quando intentada contra os entes políticos. Nas palavras do autor (p. 238):

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De fato, os entes políticos (União, Estados, Municípios) são colegitimados para a ação civil pública, mas muita vez ocorre que eles mesmos, por ação ou omissão, em modo mais ou menos intenso, integram, paradoxalmente, o nexo etiológico dos danos inflingidos aos próprios interesses tutelados por essa ação [...]

Todavia, os entes políticos não são classe, mas pessoas jurídicas de direito público e é por esse motivo que podem figurar no polo passivo da demanda coletiva. Não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade nisso. O problema reside no ajuizamento de ações contra classes inteiras, as quais serão representadas por associações ou, nos termos do Código Antonio Gidi, por membros do grupo, e cujas decisões atingirão todos os representados.

Pelo exposto, entende-se que a previsão de ação coletiva passiva, além de violar os mencionados princípios constitucionais, também cria condições para a ocorrência de fraudes. Isso porque enseja a possibilidade da criação de uma entidade para funcionar apenas como legitimada coletiva passiva em casos de dano ambiental ou ao consumidor, por exemplo. É certo que o instituto da representatividade adequada reduziria a ocorrência de fraudes, mas essa aferição se tornaria demasiado dificultosa quando a demanda albergar apenas interesses locais. Ademais, o fato de adefendant class action funcionar no Direito estadunidense não garante que ela terá a mesma utilidade no Brasil, visto que, conforme afirmado, os sistema jurídicos são consideravelmente diferentes.

5. Legitimação Ativa do Cidadão

O Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero-América traz outra inovação em termos de tutela transinvididual, qual seja a previsão do cidadão como legitimado ativo. No Brasil, a única ação coletiva que pode ser ajuizada pelo cidadão (e essa, aliás, é exclusiva dele) é a popular, prevista no art. 5º, inciso LXXIII, da CF e na Lei 4.717/65. A pretensão do referido Código é

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ampliação dessa legitimidade para todas as espécies previstas de ações coletivas, incluindo a ação civil pública.

Dispõe o art. 3º, inciso I, do Código Modelo, que:

Art. 3º Legitimação ativa. São legitimados concorrentemente à ação coletiva: I – qualquer pessoa física, para a defesa dos interesses ou direitos difusos de que seja titular um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas por circunstâncias de fato; [...]

A referida previsão alude a “circunstâncias de fato”. Segundo o art. 81, p.ú., inciso I, do Código de Defesa do Consumidor (Lei. 8078/90), os interesses e direitos nos quais os titulares sejam ligados por circunstâncias de fato são os difusos. Assim, qualquer pessoa poderia ajuizar ação civil pública para a tutela de interesses difusos.

Importa destacar que nem o Código Antonio Gidi, nem o Projeto de Lei 5.139/09 previram tal legitimação ativa.

Essa possibilidade também se mostra pouco útil, na medida em que o cidadão já possui a ação popular como instrumento de atuação na seara processual coletiva. Ademais, como visto, a legitimação se restringiria à propositura de demandas que tratassem de interesses difusos, ou seja, justamente aqueles que podem ser defendidos por meio de ação popular (MEIRELLES, 1983, p. 82).

A mencionada previsão criaria celeumas doutrinário-jurisprudenciais, sobretudo no que concerniria à ocorrência, ou não, de litispendência caso houvesse ajuizamento de duas ações coletivas por cidadãos diferentes. O Código Modelo buscou solucionar a questão, determinando a reunião dos processos.

De qualquer modo, não se vislumbra inconstitucionalidade na referida previsão, mas tão somente falta de utilidade. Se a

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pretensão do Código Modelo foi ampliar as possibilidades de atuação do cidadão, colocando a sua disposição mais de um instrumento processual, a proposta se mostra válida. Contudo, é interessante destacar que, se a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania havia votado pela total rejeição, no mérito, do PL 5.139/09, sob o argumento de que “quaisquer duas pessoas” poderiam ir a juízo com a pretensão de interditar uma obra do Poder Público, é de se imaginar que a atribuição legitimidade para o cidadão também não seria vista com bons olhos pelo Congresso Nacional.

6. Conexão e Litispendência

Outro tema que provoca celeuma entre os doutrinadores do processo transindividual é a existência de conexão e litispendência entre demandas coletivas. Impende destacar que não se trata de discutir se tais institutos ocorrem entre ações individuais e coletivas. Nesse aspecto, o CDC traz dispositivo (art. 104) prevendo que a ação coletiva não induz litispendência para as individuais e não há obrigatoriedade de reunião de processos. Assim, a polêmica concerne à existência de conexão e litispendência entre duas ou mais demandas coletivas.

O art. 103 do Código de Processo Civil dispõe que há conexão entre duas ou mais ações quando lhes forem comum o objeto ou a causa de pedir. Segundo Alexandre Freitas Câmara (2007, p. 109):

É de se afirmar que a conjunção “ou”, empregada no texto do artigo, é usada como “ou conjuntivo”, isto é, no sentido de “e/ou”. Em outras palavras, haverá conexão tanto nas hipóteses em que apenas um dos elementos objetivos da demanda (causa de pedir e pedido) coincidir com o de outra demanda, como também haverá conexão quando os dois elementos forem comuns.

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A litispendência ocorre quando há identidade dos elementos objetivo e subjetivo da demanda. Isto é, se partes, pedido e causa de pedir forem comuns à duas ou mais demandas. Trata-se da teoria dos três eadem (CINTRA, DINAMARCO e GRINOVER, 2009, p. 281) consagrada pelo art. 301, § 3º do CPC. Ao contrário da conexão, que importa em reunião dos processos (art. 105, CPC), a litispendência acarreta extinção do último processo, sem apreciação do mérito (art. 267, inciso V, CPC).

Na tutela coletiva, haveria conexão, por exemplo, no caso de ajuizamento de duas ações coletivas, uma proposta pelo Ministério Público, outra por uma associação, para a reparação de danos causados ao meio ambiente. O problema gira em torno da ocorrência, ou não, do fenômeno da substituição processual na tutela coletiva. Parte considerável da doutrina entende que a legitimação ativa no processo coletivo se dá por substituição processual (MAZZILLI, 2005, p. 61), ou seja, que a entidade não atua em nome próprio. Desse modo, independentemente do órgão que estivesse à frente da demanda, o polo seria ocupado pela coletividade. No exemplo dado, tanto a ação ajuizada pelo Ministério Público quanto aquela proposta pela associação teriam por escopo defender a coletividade, o que implicaria numa identidade de partes.

Bellinetti (2000) e Mancuso (1998, p. 260-263), todavia, discordam de tal posicionamento doutrinário, adotando uma teoria normativista da legitimação. Vale dizer, é a própria lei que atribui legitimidade ao órgão, de modo que ela é, portanto, do próprio órgão. Ele não age por substituição processual, mas, sim, em nome próprio. O fato de sua atuação refletir na esfera jurídica alheia decorre da função institucional da entidade (Ministério Público, associação, sindicatos, etc.). A adoção dessa teoria traria o benefício de reduzir a celeuma acerca da litispendência entre ações coletivas, pois não mais se questionaria se o polo ativo seria ocupado por uma coletividade substituída ou pelo órgão substituto. A legitimidade seria do órgão, o que acarretaria na reunião dos processos.

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Considerando, porém, que se trata de doutrina minoritária, verifica-se que persiste o impasse. No exemplo anteriormente citado, poder-se-ia afirmar que tanto o Ministério Público quanto a associação estariam agindo em nome de toda coletividade, não se tratando portanto de conexão, mas de litispendência, o que implicaria na extinção da demanda ajuizada por último.

Os projetos de códigos de processo coletivo objetivaram resolver o problema. O Código Modelo (art. 30), por exemplo, dispõe que a primeira ação coletiva induz litispendência para as demais que tenham por objeto controvérsia sobre o mesmo bem jurídico, ainda que diferentes os legitimados ativos e a causa de pedir. Como se vê, o Código Modelo não adotou a supracitada teoria dos três eadem, na medida em que permite a litispendência sem que haja identidade dos três elementos da ação.

O Código de Antonio Gidi dá tratamento semelhante à questão. Em seu art. 19, dispõe que a primeira demanda coletiva induz litispendência para as demais relacionadas a mesma controvérsia, complementando, ainda, que os autores da demanda extinta poderão intervir na primeira ação coletiva. Menciona também a obrigação do réu em informar ao juiz e ao representante do grupo sobre a propositura de outra ação relacionada à mesma controvérsia coletiva.

O Projeto de Lei 5.139/09 pareceu ter dado solução um pouco diversa das demais. Senão, vejamos:

Art. 5º A distribuição de uma ação coletiva induzirá litispendência para as demais ações coletivas que tenham o mesmo pedido, causa de pedir e interessados e prevenirá a competência do juízo para todas as demais ações coletivas posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto, ainda que diferentes os legitimados coletivos, quando houver:

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I - conexão, pela identidade de pedido ou causa de pedir, ainda que diferentes os legitimados; [...]

§ 1º Na análise da identidade da causa de pedir e do objeto, será preponderantemente considerado o bem jurídico a ser protegido.

§ 2º Na hipótese de litispendência, conexão ou continência entre ações coletivas que digam respeito ao mesmo bem jurídico, a reunião dos processos poderá ocorrer até o julgamento em primeiro grau.

A proposta apresentada pelo PL 5.139/09 parece não resolver adequadamente o problema. Pela redação do dispositivo, haverá litispendência quando forem idênticos os pedidos, a causa de pedir e os interessados. A inclusão desse último termo torna a exegese do artigo muito complicada, na medida em que é da própria natureza dos interesses metaindividuais o atingimento de um número indeterminado de pessoas. Além disso, ter-se-á a institucionalização da tese segundo a qual os legitimados ativos atuam como substitutos processuais da coletividade e não em nome próprio, por atribuição legal ou constitucional.

No entanto, logo após dispor sobre a litispendência, mencionando a identidade de interessados, o Código afirma que prevenirá a competência do juízo as ações posteriormente ajuizadas que possuam a mesma causa de pedir e o mesmo objeto, ainda que os legitimados ativos sejam diferentes. Segundo Alexandre Freitas Câmara, o objeto do processo é o pedido.

Ora, tal disposição cria ainda mais polêmica. Isso porque o que determinará a extinção do processo por litispendência ou a reunião dos processos será a identidade, ou não, do elemento subjetivo da ação. Ocorrerá litispendência quando houver identidade de interessados e prevenirá o juízo quando os legitimados ativos forem diferentes. Contudo, se os legitimados

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ativos agem por substituição processual, isto é, substituindo os interessados, como saber quando não ocorrerá litispendência? Consideramos que a redação do artigo é confusa e não resolve adequadamente a matéria.

O impasse seria melhor solucionado com a adoção da teoria normativista, propugnada por Bellinetti (2000) e Mancuso (1998), segundo a qual a competência para o ajuizamento de ação coletiva é do próprio órgão legitimado. O fato de atuarem na defesa de interesse alheio decorre de sua própria função institucional. Não há necessidade de se perquirir sobre quais interessados estariam sendo substituídos no processo. Entende-se que a positivação dessa teoria resolveria a celeuma. Se uma ação fosse intentada pelo Ministério Público e outra por uma associação, todas com o mesmo objeto e causa de pedir, não haveria litispendência, por falta de identidade de partes. A solução seria sempre a reunião do processo, a fim de que não sejam prolatadas sentenças díspares para um mesmo caso.

Considerações Finais

Tem-se assim que a criação de um código de processo coletivo possui grande utilidade na implementação das técnicas hermenêuticas lógico-sistemática e principiológica. Permitir-se-ia, também, que o diploma albergasse as evoluções doutrinárias e jurisprudenciais sobre a matéria, reduzindo a insegurança jurídica causada pelo impasse teórico sobre diversos institutos da tutela coletiva, tais como a ocorrência de conexão e litispendência, os limites da eficácia territorial da sentença, dentre outros.

Se, por um lado, os códigos estudados trazem soluções para as referidas divergências jurisprudenciais, por outro criam institutos processuais cuja constitucionalidade ou utilidade são questionáveis.

No caso, por exemplo, da representatividade adequada, verifica-se que sua aplicabilidade no Direito brasileiro possuiria uma abrangência muito menor do que aquela originalmente havida no Direito estadunidense, na medida em que aqui ela só seria útil se

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aplicada às associações. Quanto à ação coletiva passiva, constata-se que sua compatibilidade com a Constituição Federal é bastante questionável, pois parece violar os princípios da inafastabilidade da jurisdição, do contraditório e da ampla defesa.

No que tange à legitimidade ativa do cidadão para o ajuizamento de ação civil pública, tem-se que não há inconstitucionalidade nessa previsão. Todavia, conforme visto, a matéria a ser tratada nessas ações se restringiria aos interesses difusos e, para tanto, há a ação popular, a qual se presta para atuação do cidadão na qualidade de legitimado ativo.

Quanto à ocorrência de conexão ou litispendência entre ações coletivas, entende-se que a melhor solução seria adotar-se a teoria normativista, segundo a qual a legitimidade é do próprio órgão. O fato de sua atuação beneficiar terceiros decorre de sua própria função institucional. Considerando que o processo coletivo já possui grandes entraves devido a sua forte conflituosidade interna e sua aptidão em resistir às opressões dos poderes econômico e administrativo, o ideal seria trabalhar para que questões técnicas tumultuassem o mínimo possível esse procedimento. Não faz sentido manter-se a sistemática de substituição processual e a previsão de litispendência. Basta que haja prevenção do juízo e reunião de demandas.

No processo civil, acredita-se que a grande inovação do século XX foi a tutela coletiva. Por viabilizar a efetividade e celeridade processuais e, considerando que atualmente vive-se em sociedades complexas e multipopulacionais, a tutela transindividual se mostra o instrumento mais promissor para solução de conflitos. Todavia, ainda há muitas divergências teóricas na matéria, de modo que a criação de um código de processo coletivo seria muito proveitosa para nortear a atuação jurisdicional e promover a segurança jurídica, que os interesses metaindividuais demandam.

REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS

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Class Action e o Modelo Brasileiro. In: Revista Jurídica da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, vol. I, 2012.

NOTAS:

[1]Artigo também publicado nos Anais do XXIII Encontro Nacional do CONPEDI – Florianópolis

[2]http://www.pucsp.br/tutelacoletiva/download/codigomodelo_portugues_final_28_2_2005.pdf

[3] www.direitouerj.org.br/2005/download/outros/cbpc.doc

 

   

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DIFERENÇA ENTRE OS INSTITUTOS DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA E O INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRIÇÃO SEGUNDO A TEORIA DA ACTIO NATA

JULIO CESAR ARAUJO MONTE: Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco.

RESUMO: O presente trabalho visa analisar os institutos da prescrição e da decadência, demonstrando seus conceitos e suas diferenças. Visa partir da análise da teoria das espécies dos direitos subjetivos, apresentada por CHIOVENDA e utilizada na doutrina pátria pelo professor Agnelo Amorim para apresentar suas especificidades. Ademais, por fim, analisa o início do prazo da prescrição segundo a teoria da actio nata.

Palavras chave: Prescrição; decadência; teoria da actio nata.

1. INTRODUÇÃO

A segurança jurídica é vetor dos mais importantes do sistema jurídico. A crença nele e em sua eficácia é o que legitima o Direito e nos faz aceitar as decisões judiciais.

A prescrição e a decadência são instrumentos essenciais de estabilização social e de garantia de certeza jurídica de forma que suas adequações e limitações devem ser bem definidas.

Definir o prazo para início da contagem da prescrição é essencial para garantir a estabilização das relações jurídicas e a previsibilidade do direito. Na mesma, senda é necessário se diferenciar os institutos da prescrição e da decadência,

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demonstrando seus âmbitos de atuação e a influência da teoria das espécies de direitos subjetivos, segundo CHIOVENDA.

2. A PRESCRIÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO.

2.1 FUNDAMENTO DA PRESCRIÇÃO

À luz da segurança jurídica, o tempo é para o direito elemento intrínseco a sua operabilidade.

Até quando seria possível o exercício de direitos subjetivos e a imposição da vontade estatal, sem que a demora não traga os malefícios de seu exercício tardio? Esta é uma indagação que deve ser considerada no sistema do Direito e especialmente no âmbito tributário, por se tratar, em especial, de ramo que envolve garantias individuais.

A noção de prescrição, segundo lições de Savigny citado por Agnelo Amorim Filho[1], fora a um tempo um instituto totalmente dissociado ao direito romano, o qual, todavia, a partir do direito pretoriano surgiu para constituir uma exceção à regra das ações imprescritíveis e se tornou, em pouco tempo, a regra geral.

Segue-se a lógica de que, se o direito serve para solucionar de forma efetiva as incertezas jurídicas, não deverá o longo tempo para o seu exercício, ser meio para se alcançar esta solução.

A doutrina é uníssona em conceber como causa da prescrição a necessidade de se garantir a estabilidade das relações jurídicas. O professor Câmara Leal, em comento ao fundamento do instituto, especialmente à luz da filosofia romana vem afirmar que:

O interesse público, a estabilização do direito e o castigo à negligência; representando o primeiro o motivo inspirador da prescrição; o segundo, a sua finalidade objetiva; o terceiro, o meio repressivo de sua realização. Causa, fim e meio, trilogia fundamental de toda instituição,

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devem constituir o fundamento jurídico da prescrição[2].

Nesse mesmo sentido, é o posicionamento do professor Carlos Roberto Gonçalves, para quem:

O instituto da prescrição é necessário, para que haja tranquilidade na ordem jurídica, pela consolidação de todos os direitos. Dispensa a infinita conservação de todos os recibos de quitação, bem como o exame dos títulos do alienante e de todos os seus sucessores, sem limite de tempo”[3].

Se, quanto a prescrição, sua causa é o interesse público na estabilização das relações jurídicas, sua sanção será, consequentemente, impedir o exercício tardio e desidioso de quem não observou as cautelas necessárias para sua efetivação. Para aqui vale o brocardo jurídico: “dormientibus non sucurrit ius” , ou seja, o direito não socorre o que dorme.

Tem a prescrição a inércia como seu principal fundamento, de modo que seu conceito, para o direito civil, gravita em torno do não exercício do direto pelo titular da pretensão.

De acordo com Pontes de Miranda, a prescrição seria uma exceção que alguém tem contra o que não exerceu, durante um lapso de tempo fixado em norma, sua pretensão ou ação[4].

Para Carvalho Santos, a prescrição é:

um modo de se extinguir os direitos pela perda da ação que o assegurava, devido à inércia do credor durante um decurso de tempo determinado pela lei e que só produz seus efeitos, em regra, quando invocada por quem dela se aproveita[5].

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É importante se observar, a fim de se alcançar o entendimento acerca da atuação da prescrição, que pelos conceitos apresentados não é possível delimitar, unicamente nela, a ação do tempo no direito, posto que não é apenas à luz da prescrição, mas, também, sob a ótica do instituto da decadência que o tempo modifica situações jurídicas. Razão esta pelo que se deve haver elemento suficiente para a diferenciação da aplicação dos referidos institutos.

2.2 DIFERENÇAS ENTRE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA.

Diferenciar prescrição e decadência não é uma das tarefas mais fáceis no direito. A questão é tão intricada, que o professor Agnelo Amorim chegou afirma que:

A questão referente a distinção entre prescrição e decadência tão velha quanto os dois velhos institutos de profunda raízes romanas – continua a desafiar a argúcia dos juristas. As dúvidas, a respeito do assunto, são tantas, e vêm se acumulando de tal forma através dos séculos, que ao lado de autores que acentuam a complexidade da matéria, outros mais pessimistas, chegam até negar – é certo que com indiscutível exagero – a existência de qualquer diferença entre as duas principais espécies de efeito do tempo sobre as relações jurídicas.” Mesmo assim diante da dificuldade, com um certo otimismo, afirma que: “é incontestável, porém, que as investigações doutrinárias, confirmada pela grande maioria da jurisprudência, já conseguiram, pelo menos chegar a uma conclusão: a de que os dois institutos se distinguem[6].

Cumpre ressaltar, que um dos primeiros critérios que a doutrina utiliza para diferenciar prescrição e decadência está evidenciado na

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ideia de que enquanto esta extingue o direito, aquela extingue propriamente a ação.

O fato é que inobstante haver a partir daí um critério de descrimine, não existe, segundo crítica da doutrina, na referida classificação, efetivamente diferenciação, tendo em vista que a mesma apenas avalia a consequência ou efeito dos institutos, que seria a extinção do direito e da ação, o que não resolve a origem, a causa para tais situações, mas apenas seu efeito.

No Brasil, a doutrina de forma maciça adota o critério de classificação dos prazos prescricionais e decadenciais estabelecido por Agnelo Amorim, o qual a partir da classificação de direitos elaborada por Chiovenda, especialmente ligada a ideia de direitos protestativos, estabelece os quais são extinguíveis pela prescrição e os que são pela decadência[7].

De acordo com CHIOVENDA[8], os direitos subjetivos se dividem em duas categorias: os direitos a uma prestação e os direitos potestativos.

A primeira refere-se aos direitos em que se busca um “bem de vida”, objetiva uma prestação positiva ou negativa de um sujeito passivo. Busca-se uma prestação, isto é, a prática de uma conduta de fazer, de entregar, de pagar, de não fazer, entre outras, que depende da atuação do sujeito passivo para sua conformação. Alcança tanto os direitos pessoais, como o direito a cobrar determinado crédito, exemplo as ações executivas fiscais, como também os direitos reais, a exemplo da conduta de se abster em prejudicar o imóvel vizinho.

A segunda classificação encontra-se no que se denominada de direitos potestativos, que se refere a aptidão que a lei defere a certas pessoas, de a partir do exercício de unicamente de sua vontade em influírem na situação jurídica de outrem, independentemente de sua aceitação. O referido poder é exercido, por uma faculdade legal, que possibilita a imposição de um querer a um terceiro ainda que este não o aceite, exercida unicamente por

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a vontade do agente que, por si só, modifica situações jurídicas ou por meio do judiciário, impõe a vontade do detentor do direito potestativo a outrem.

A regra geral é de que as alterações de esferas jurídicas sejam exercidas pela manifestação de vontade das pessoas envolvidas nesta relação, todavia, quanto aos direitos potestativo, a concessão deferida pela lei impõe a desnecessidade de elemento volitivo de terceiro para sua conformação, o que vem a se denominar de estado de sujeição.

São exemplos de direitos potestativos: o direito de revogação que tem o doador em relação aos bens doados; o de anular casamento; o direito que tem o vendedor em resgatar o imóvel quando vendido com a cláusula de retrovenda, bem como o de revogação de mandato ou mesmo aceitação de herança.

A classificação estabelecida por CHIOVENDA fora de grande importância para a classificação dos direitos que estão sujeitos à prescrição e aqueles que sofrem efeito da decadência, de forma que a partir daqui se verifica a origem da atuação dos referidos institutos, notadamente quando observarmos a correlação de tais direitos prestacionais ou potestativos e as ações que as dão guarida.

Na releitura da actio romana, o Jurista Italiano, classifica a ação em três principais grupos: a) ação condenatória; b) ações constitutivas e c) ações declaratórias.

Nas ações condenatórias, há o direito a uma prestação, uma conduta positiva ou negativa do sujeito passivo a se conformar ao dispositivo da decisão. Impõe um dever que visa garantir ao sujeito ativo determinado bem de vida almejado. Nestas ações não são exercíveis “direitos potestativos”, tendo em vista que não há nelas estado de sujeição exercíveis por força originária da própria lei, que é indiferente à vontade do sujeito passivo.

Quanto às ações constitutivas, nestas não se requer uma prestação positiva ou negativa do sujeito passivo, ao contrário o que

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se busca é originar um estado jurídico, modifica-lo ou mesmo extingui-lo. Estas ações são fundamentadas na garantia dos direitos potestativos, exigíveis de per si, criadores de estado de sujeição e independente da vontade do sujeito passivo.

Nas ações constitutivas, a contrário das ações condenatórias, deve-se está claro que não pressupõem a lesão a direito, a se perquirir a reparação por uma prestação, o que se busca é definição de estado jurídico, derivado do exercício de um direito potestativo, que por ora é necessário ser exercido pelas vias judicias (ações constitutivas necessárias, v.g. anulação de casamento) ou que são exercíveis independentemente de recurso às tais vias, sendo esta subsidiária.

Neste sentido, em tais ações, não se busca exigir de outrem uma prestação, o que por consequência não faz surgir a “pretensão”, possa se dizer, ordinária, aquela que visa a exigir de um terceiro uma prestação, ainda que haja em relação ao Estado a pretensão à tutela jurisdicional, ou seja, uma pretensão especial.

No que toca as ações declaratórias, visam estas resolverem situações de incerteza. Nestas ações não se buscam um direito a prestação, nem a constituição, modificação ou extinção de situações jurídicas, mas apenas declaração da existência ou inexistência de relações jurídicas, a fim de afastar a “crise de incerteza”.

No cotejo da classificação de CHIOVENDA acerca das espécies dos direitos e das ações que lhe seriam correlatas e necessidade da existência da prescrição e da decadência, observa-se que embora tenham o mesmo fundamento, controle do tempo no direito e segurança jurídica, as suas diferenças se estabelecem quanto aos seus efeitos e objetos.

A doutrina é consistente quanto aos efeitos dos referidos institutos, já comentados neste texto, enquanto a decadência visa a extinguir o próprio direito, busca a prescrição fulminar a pretensão e por via de consequência o direito de ação.

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Já em relação ao objeto, a classificação dos direitos aqui adotada, deixa claro que a decadência atingirá o exercício dos direitos potestativos, enquanto a prescrição os que buscam a efetivação da prestação.

Isto resta claro, tendo em vista a própria lógica dos direitos potestativos de gerarem em relação a terceiro um estado de sujeição indefinido. A insegurança jurídica, quanto a tais direitos, se encontra na existência do próprio direito, que pode ser exercido por vontade livre e insubordinada. Há, nestas circunstâncias, um interesse que perpassa um mero interesse individual, no controle da indefinição quanto ao exercício deles, sendo de interesse público, a exemplo do controle do direito potestativo à ação rescisória.

Se enquanto, a decadência visa atingir, portanto, os direitos potestativos com a fulminação do próprio direito, a prescrição, diferentemente, busca controlar a indefinição do exercício do direito a uma prestação, que depende da implementação da prestação de um terceiro. Assim sendo, a prescrição atingirá a pretensão à uma prestação e se relacionará as ações condenatórias, enquanto a decadência alcançará o próprio direito e se relacionará as ações constitutivas, já a ações declaratórias, conforme a doutrina, serão imprescritíveis.

Essa é a conclusão que chega Agnelo Amorim Filho ao afirmar que: “1ª) estão sujeitas a prescrição (indiretamente, isto é, em virtude da prescrição da pretensão a que correspondem): - todas as ações condenatórias, e somente ela; 2ª) Estão sujeitas a decadência (indiretamente, isto é, em virtude da decadência do direito potestativo a que correspondem) - as ações constitutivas que têm prazo especial de exercício fixado em lei; 3º) – São perpetuas (imprescritíveis): -a) as ações constitutivas que não tem prazo especial de exercício fixado em lei; e b) todas as ações declaratórias, Também é a tese adotada pelo Código Civil de 2002, que em seu artigo 189 afirma que: “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, no prazos a que aludem os arts. 205 e 206”.

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Importante é, também, além de conceituar e limitar o âmbito de atuação dos institutos que afetam o direto em decorrência do transcurso do tempo, é definir a partir de quando é o marco inicial para a sua contagem.

Neste trabalho, é relevante para nós, definirmos o termo a quodo prazo de prescrição e, somente deste, que será válido para entendemos mais a acerca da influência da teoria ou do princípio da actio nata no redirecionamento da execução fiscal em face do sócio-gerente e sua correlação com a jurisprudência do STJ.

2.3 DO INÍCIO DO PRAZO PRESCRICIONAL SEGUNDO PRINCÍPÍO DA ACTIO NATA.

Saber apenas o efeito da prescrição e quando aplicá-la não permite compreender de forma plena a dimensão deste instituto, uma vez que a noção tempo, início e fim, que permeia este instituto é essencial para sua efetivação.

Em seu sentido etimológico “actio nata” representa o nascimento da ação. Partindo para a perspectiva jurídica, a teoria “actio nata” representa o direito de ação cujo curso do prazo prescrional começa a incidir no momento da violação do seu direito facultando ao titular direito subjetivo.

Nesse sentido argumenta Câmara Leal:

“(…) sem exigibilidade do direito, quando ameaçado ou violado, ou não satisfeita sua obrigação correlata, não há ação a ser exercitada; e, sem o nascimento desta, pela necessidade de garantia e proteção ao direito, não pode haver prescrição, porque este tem por condição primária a existência da ação. Duas condições exige ação, para se considerar nascida (nata), segundo a expressão romana: a) um direito atual atribuído ao seu titular; b) uma violação desse direito, a qual tem ela por fim

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remover. O momento do início do curso da prescrição, ou seja, o momento inicial do prazo é determinado pelo nascimento da ação – actioni nondum natae non praescribitur.”[9]

Percebe-se que sem a violação do seu direito subjetivo não haveria a faculdade do direito de ação, tampouco, não haveria prescrição.

O Código civil de 2002, em seu art.189, acolhe a Teoria “Actio Nata”:

“Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.”

Apesar da obviedade, esse postulado é o cerne principal para a fixação do curso inicial do prazo prescricional nas demandas judiciais, posto que, de regra, este coincide com o nascimento da pretensão.

REFERÊNCIAS

CÂMARA LEAL, Antônio Luís da. Da Prescrição e da decadência. 4.ed. atual por Aguiar Dias. Rio de Janeiro: Forense

FILHO, Agnelo Amorim. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. http://www.direitocontemporaneo.com/wp-ontent/uploads/2014/02/prescricao-agnelo1.pdf.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume 1. 2011.

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado.v.6.

SANTOS, J.M. de Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado, Vol III, 8º Edição, Ed. Freitas Bastos.

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NOTAS:

[1] FILHO, Agnelo Amorim. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. http://www.direitocontemporaneo.com/wp-ontent/uploads/2014/02/prescricao-agnelo1.pdf. Acesso em: 8/09/2015.

[2] CÂMARA LEAL, Antônio Luís da. Da Prescrição e da decadência. 4.ed. atual por Aguiar Dias. Rio de Janeiro: Forense. P.16.

[3] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume 1. 2011. Pag.513.

[4] MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado.v.6. pag.100

[5] SANTOS, J.M. de Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado, Vol III, 8º Edição, Ed. Freitas Bastos, pág. 371.

[6] FILHO, Agnelo Amorim. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. http://www.direitocontemporaneo.com/wp-ontent/uploads/2014/02/prescricao-agnelo1.pdf. Acesso em: 8/09/2015.

[7] Idem.

[8] ibidem

[9] CÂMARA LEAL, Antônio Luís da. Da Prescrição e da decadência apud FILHO, Agnelo Amorim. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis.http://www.direitocontemporaneo.com/wp-ontent/uploads/2014/02/prescricao-agnelo1.pdf. < Acesso em: 8/09/2015.

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UMA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DA BOA-FÉ NA INTERPRETAÇÃO NEGOCIAL

ARTHUR CRISTÓVÃO PRADO: formado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, com estágio na Universidade Livre de Berlim. Já fez pesquisa nas áreas de teoria geral do direito privado e filosofia do direito. Atualmente é escrevente técnico judiciário em gabinete de desembargador na Seção de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Resumo: decorre do art. 113 do Código Civil que a boa-fé deve ser empregada na interpretação do negócio jurídico. Trata-se de norma que emerge especialmente da práxis, de modo que seu estudo deve passar, necessariamente, pela leitura jurisprudencial – jurisdicional e arbitral – que é feita dela. É justamente a tal tarefa que se dedica esta artigo.

Palavras-chave: direito civil; boa-fé; interpretação do negócio jurídico; jurisprudência; arbitragem.

Introdução

Este trabalho se propõe, primeiramente, a desenvolver uma perspectiva útil e realista da boa-fé e julga necessário, para que se possa desenvolver uma perspectiva útil e realista do instituto, uma pesquisa jurisprudencial, visto que a jurisprudência tem um papel proeminente na aplicação da boa-fé, inclusive interpretativa. Para desenvolver este trabalho, utilizaram-se acórdãos do STJ e de Tribunais de Justiça estaduais, além de laudos arbitrais. Por fim, exporemos os resultados que ilustram aspectos relevantes da boa-fé interpretativa, além de delinear tendências de tribunais específicos.

Interpretando cláusulas contraditórias em contratos empresariais:

o caso Wet'n Wild

Poucos julgados poderiam ser mais ilustrativos do regramento da boa-fé que o presente:

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"AÇÃO DE COBRANÇA. Contrato de prestação de serviços de obtenção de patrocinadores. Cunho eminentemente empresarial, celebrado entre duas empresas jurídicas de natureza paritária. Existência do contrato incontroversa. Discussão sobre a interpretação de duas cláusulas aparentemente contraditórias. Interpretação que deve ser favorávelà pretensão da autora, diante do comportamento concludente das partes durante a execucão do contrato denunciado pela ré no ano de 2005. Princípio da boa-fé objetiva. Existência de pagamento após a extinção do contrato, que constitui elemento valioso para exata interpretação das cláusulas contradições. Venire contra factum proprium. Comportamento contraditório não tolerado pelo direito. Ação procedente. Recurso provido em parte."[1]

A lide pode ser assim resumida: a Playworld Empreendimentos Comerciais e de Participações Ltda. celebrou contrato de prestação de serviços com a Serra Azul Water Park S/A, responsável pelo empreendimento do famoso parque aquático Wet'n Wild São Paulo, por meio do qual aquela se comprometia a buscar patrocinadores para o dito parque, mediante recebimento de comissão sobre o valor do patrocínio. O contrato tinha vigência de 12 meses, prorrogáveis. Durante a vigência do contrato, a contratada obteve patrocínio da Nestlé, que rendeu ao parque cerca de R$150.000,00 por ano. Duas cláusulas, porém, estavam em aparente contradição: a 3 "f" e a 4 "h", aqui transcritas:

3 "f": "A Playcorp terá direito ao recebimento das comissões dos contratos assinados dentro do prazo de validade deste, até o prazo final do pagamento dos patrocínios, bem como da negociação para renovação desses patrocínios, mesmo que este acordo venha a ser rescindido pelos motivos acima estipulados, salvo venha a se comprovar

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posteriormente que algum ato ou omissão tenha prejudicado Wet'n Wild."

4 "h": "A Playcorp tem preservados, durante a vigência deste ajuste, os direitos de renovação dos contratos de parcerias concluídas no decorrer da exclusividade e ao recebimento da respectiva comissão."

Como vê-se, a primeira cláusula daria a entender que aPlaycorp teria direito à comissão pelo patrocínio (que perdurava ainda na data do julgamento) mesmo após a denúncia do contrato, que ocorreu em 2005, enquanto a segunda dá a entender o contrário. A Playcorp então ajuizou ação de cobrança pela comissão devida após o término do contrato. A sentença de primeira instância julgou improcedente a ação. A autora, inconformada, ajuizou apelação, que foi julgada procedente pela Segunda Seção de Direito Privado do TJSP, em 23 de agosto de 2012, com voto vencido do Desembargador Percival Nogueira.

O caso é paradigmático por duas razões principais. Em primeiro lugar, o Desembargador Francisco Loureiro salienta, no começo de seu voto, que tanto autora quanto ré são empresas que atuam em situação paritária, em que nenhuma delas pode ser considerada vulnerável. A constatação de que os contratantes atuam em condições relativamente paritárias aumenta a auto-responsabilidade de cada um deles, diminuindo a relevância e a abrangência do dever do juiz de utilizar a boa-fé para estabilizar o sinalagma contratual.

Em segundo lugar, trata-se de um litígio em que a questão interpretativa é, de fato, o ponto fulcral, e é resolvida por meio da boa-fé. Argumenta o voto vencedor que, dada a contradição entre as cláusulas, é necessário recorrer às circunstâncias, por conta do princípio da boa-fé, para determinar qual interpretação é correta. Essa é uma consequência do princípio da materialidade, e, aí, a boa-fé assume seu importante papel de permitir ao intérprete

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transcender as formas e atentar para a situação materialmente estabelecida. Ocorre, nesse ponto, conquanto não seja usada essa terminologia, uma passagem da primeira para a segunda fase do processo hermenêutico. Isto é, a constatação de uma imperfeição no objeto de interpretação ocasiona o abandono da fase meramente recognitiva e passa-se à complementar. Estudando, então, o comportamento das partes após a denúncia do contrato, verificou-se que a Serra Azul Water Park S/A continuou a pagar àPlaycorp a comissão contratualmente estipulada e sequer pediu repetição do indébito, o que parece sugerir (embora a ré tenha alegado erro) que, pelo menos durante esse período, e, supostamente, também no momento da celebração do contrato, sua intenção, pelo menos aquela que pode ser aferida objetivamente, era a de pagar a comissão mesmo após a denúncia. O desembargador invoca, ainda, o instituto do venire contra factum proprium, que proíbe o comportamento inconsistente, e, assim, efetiva um instituto decorrente da boa-fé por meio da interpretação. Por tudo isso, o recurso é provido no que diz respeito às quantias devidas pelos exercícios financeiros de 2008 e 2009 (mas não aquelas posteriores, por conta de inexistirem, nos autos, dados sobre a permanência do patrocínio), com a condenação ao seu pagamento.

O ponto de vista do intérprete razoável na jurisprudência do TJSP

Nos casos descritos a seguir, o TJSP fez uso da interpretação segundo a boa-fé para, de algum modo, conferir uma interpretaçãorazoável ou segundo bom-senso a um negócio jurídico. Os casos têm em comum o uso engenhoso e eficaz do dispositivo do art. 113 e o fato de ilustrarem como a boa-fé pode ter impactos concretos mesmo quando atua da forma mais pura possível como cláusula geral, isto é, ainda sem se especificar como alguma regra mais específica.

Na Apelação Nº 14911[2], a MWM Auto Center Ltda. ME moveu ação de cobrança contra Liberty Paulista Seguros S/A. Segue-se a ementa:

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"Apelação. Ação de cobrança. Autorização da seguradora para que oficina credenciada efetuasse reparo em veículo de segurada. Comunicação dúbia da seguradora deve ser interpretada conforme boa-fé (art. 113 do Código Civil). Seguradora somente se compromete ao limite do valor autorizado. Dano moral à pessoa jurídica inexistente. Recurso parcialmente provido."

Ocorre que a empresa autora havia requerido autorização à seguradora para a realização de reparos em um automóvel, tendo posteriormente recebido desta um fax intitulado "autorização de reparos e faturamentos". A seguradora, entretanto, deu-se conta depois de que o sinistro não tinha cobertura, e recusou-se a realizar o pagamento, mesmo após efetuado o reparo. Pois bem, nota-se que o fax recebido pela MWM Auto Center Ltda. é uma declaração de vontade plenamente idônea a sinalizar que o sinistro seria coberto. Por meio dele, gerou-se uma expectativa legítima de que o pagamento seria efetuado. Se houve erro do declarante, não seria legítimo esperar que a empresa autora o conhecesse. A confiança de que os reparos seriam pagos é, assim, tutelada pela boa-fé, como reconheceu o Relator Manoel de Queiroz Pereira Calças, que determinou o pagamento do valor à MWM Auto Center Ltda.

Na apelação nº 0002073-10.2011.8.26.0664[3], a Andrea Novello Benatti Veículos Me. moveu execução contra Araújo e Filhos, Indústria e Comércio de Móveis Ltda, posteriormente impugnada por embargos à execução. Segue a ementa:

"Embargos à execução. Sociedade embargante que afirma não ter anuído à confissão de dívida firmada por seu representante legal. Ilegitimidade passiva para figurar na ação executiva. Sentença. Procedência. Apelação do embargado. Autos que não foram instruídos com todos os documentos relevantes à solução da controvérsia. Ônus processual do embargante, que ensejaria a rejeição

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da pretensão. Vício suprido em Segundo grau. Sociedade que é avalista de notas promissórias que também embasam a execução. Confissão de dívida que prevê a existência da garantia. Não pode o devedor, que é representante da pessoa jurídica, apegar-se a suposta ausência de anuência da sociedade, como forma de eximi- la da posição de garante prevista no instrumento. Interpretação do negócio conforme a boa-fé. Art. 113 do CC. Legitimidade passiva configurada. Recurso provido."

Discute-se, no caso, a legitimidade passiva, já que se executa dívida decorrente de notas promissórias que teria sido assinada apenas pelo sócio da ré, Valdir Balbino da Araújo, e não pela sociedade, que figura como avalista. De fato, não constam duas assinaturas nas notas promissórias (uma do devedor, uma do avalista), mas apenas a do devedor. Entretanto, o devedor em questão é também representante legal da sociedade que figura como avalista, de modo que suas assinaturas se confundem. Uma interpretação de acordo com a boa-fé não poderia permitir que um vício de forma, que não obsta à manifestação de vontade que evidentemente foi realizada tanto pelo devedor quanto pela avalista, impeça a execução da dívida. "Não pode o devedor", escreve o desembargador, "que age também na qualidade de representante da pessoa jurídica, buscar agora interpretação desvirtuada daquele instrumento de confissão". Mais uma vez, então, por meio da boa-fé, transpõem-se as limitações da forma para atingir a matéria do negócio, coíbe-se o dolo e adota-se a interpretação mais razoável.

No Agravo de Instrumento 900365-0/6, Lopes Consultoria de Imóveis Ltda. (Lopes) propôs ação de obrigação de não fazer contra JES Consultoria Imobiliária Ltda. (JES) A ementa é:

"-A cláusula de não concorrência é possível, não contraria a lei, nem a Constituição e só deve ser afastada quando for ilimitada, sem prazo ou não

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contiver previsão de compensação financeira ao profissional.

-A obrigação de não concorrer é pessoal, mas se o obrigado ingressar em sociedade e, através dela, praticar atos que infrinjam aquela obrigação de não fazer, ela fica também impedida de praticá-los, em obediência ao princípio da boa-fé objetiva, que instrui os negócios jurídicos e os contratos."

Marcelo Silva Pereira, sócio da JES, trabalhou com a Lopes durante um determinado período de tempo, e, decorrido esse período, assinou um contrato pelo pelo qual se comprometia a não concorrer no mercado explorado por sua anterior empregadora. A JES, posteriormente, atuou no mercado de consultoria imobiliária. De fato, reconhece-se que essa sociedade, não tendo celebrado qualquer contrato de tal natureza com a Lopes, não teria, em princípio, qualquer obrigação de não concorrer. Deve-se considerar, porém, que a JES foi criada com o intuito de permitir que Marcelo Silva Pereira, que detém 99% de suas cotas, atuasse nesse mercado. A despeito de serem os dois pessoas distintas, materialmente, o que ocorre é que Marcelo Silva Pereira continua prestando serviços de consultoria, efetivamente violando o contrato previamente celebrado. É o que reconhece o Relator Silva Rocha Gouvêa, invocando a interpretação de boa-fé. No plano formal, essa decisão poderia ser justificada de duas maneiras. Por um lado, o que ocorre é bastante similar à desconsideração da pessoa jurídica (prevista, em sua teoria maior, no art. 50 de nosso Código Civil). Por outro, também é nítido que o efeito atingido pelo desembargador decorra, sim, da boa-fé em função hermenêutica: um intérprete razoável será capaz de perceber que o contrato firmado entre Marcelo Silva Pereira e a Lopes Consultora tinha por finalidade evitar que ele concorresse ainda quando atuasse por meio de uma pessoa jurídica, e que, se tivessem previsto a situação, a natureza do contrato dá a entender que as partes teriam expressamente previsto essa consequência.

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Casos arbitrais envolvendo o Artigo 7(2) do CISG

O United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods (CISG) é um código-convenção datado de 11 de april de 1980, formulado junto à Comissão das Nações Unidas sobre Comércio Internacional (UNICITRAL)[4], ratificado pelo Brasil em 4 de março de 2013. Seu Artigo 7(2)[5] estabelece a boa-fé como princípio geral interpretativo de todas as relações governadas pelo código, o que dá ensejo à utilização desse cânone hermenêutico em diversas decisões envolvendo o CISG. Três delas foram selecionadas para análise nesta seção.

No caso dos rolos de folhas de metal, julgado por um tribunal arbitral de Viena[6], uma empresa austríaca celebrou um contrato em que se obrigava a vender rolos de metal para uma empresa alemã. A entrega dos bens foi realizada, ao que a empresa compradora os revendeu a uma terceira, situada em Portugal, que, notando defeitos, recusou-se a recebê-los. A empresa alemã então notificou a vendedora austríaca, que, entretanto, recusou-se a ressarci-la, alegando ter sido a notificação intempestiva. A empresa alemã então iniciou um procedimento arbitral contra a austríaca, exigindo indenização. Como as partes optaram pela a aplicação da lei austríaca, o CISG era também aplicável, estando em vigor na Áustria desde 1989.

O contrato estabelecia que a devolução dos bens só seria possível se feita imediatamente após seu recebimento, ou até dois meses depois disso, no caso de defeitos ocultos. Essa notificação, porém, só foi realizada meses mais tarde. Entretanto, após o recebimento da reclamação do comprador pelo vendedor, continuaram eles em contato, e este chegou até a fazer afirmações das quais, segundo o laudo, "[o comprador] poderia inferir que o vendedor não se utilizaria da alegação de intempestividade com relação à reclamação". O árbitro entende que esse comportamento desperta uma confiança legítima de que esse recurso de fato não será utilizado pelo vendedor. Trata-se, portanto, de interpretar as declarações do vendedor de acordo com a boa-fé (e venire contra

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factum proprium especificamente, como reconhece o laudo) como um ato jurídico de renúncia ao direito de rejeitar notificações intempestivas.

O resultado a que chega o árbitro decorre da interpretação do negócio como feita por um sujeito razoável, ciente das circunstâncias que o circundam. É, portanto, uma aplicação da norma de interpretação segundo boa-fé, coerente com o proposto neste trabalho.

No caso do metal bruto, julgado pela Corte Arbitral da Câmara Internacional de Comércio[7], uma empresa coreana obrigou-se a vender a uma empresa tcheca certa quantidade de metal bruto. O produto foi despachado 5 dias depois da data contratualmente estipulada, e navio que levava carregamento afundou, não alcançando, portanto, seu destino. O vendedor iniciou procedimentos arbitrais para exigir o pagamento. Como as partes optaram pela a aplicação da lei austríaca, o CISG era também aplicável.

A boa-fé é empregada no laudo para a interpretação do comportamento das partes após a expedição das mercadorias. Ocorre que o vendedor, após despachá-las, tinha a obrigação contratualmente estabelecida de enviar uma notificação ao comprador, mas não o fez regularmente. Meses depois, o comprador notificou o vendedor de que não receberia mais as mercadorias, em razão do atraso. Porém, de acordo com os Artigos 47 e 49 do CISG, caso o vendedor tenha cumprido sua obrigação de despachar a mercadoria, o comprador deve fixar um período de tempo durante o qual deverá esperar o cumprimento integral do contrato, antes do qual não pode denunciá-lo. O vendedor alega que, como esse período não foi estipulado, a denúncia é inválida. O tribunal arbitral entende, porém, que a confusão foi causada pelo próprio vendedor, que não notificou regularmente o comprador a respeito do despacho das mercadorias; e que, mesmo que tivesse feito, uma pessoa razoável não teria fixado esse prazo em mais de 10 ou 14 dias, que já teriam decorrido quando da denúncia do

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contrato pelo comprador. Essa denúncia era, então, válida, e não havia, para ele, qualquer obrigação de pagar o preço.

No caso, o recurso à boa-fé serve para flexibilizar a literalidade do contrato. Prevendo o comportamento hipotético das partes, não de acordo com sua vontade declarada — que não dispunha inicialmente a respeito da situação — mas de sua vontade presumida de acordo com a boa-fé, o intérprete elimina uma incerteza do negócio jurídico e resolve a lide.

Por fim, no caso do silício metalúrgico[8], uma empresa da China continental obrigou-se a vender 300 toneladas de silício metalúrgico a outra, situada em Hong Kong. A vendedora não entregou os bens e, mesmo após negociações entre as duas companhias, e a compradora iniciou procedimentos arbitrais junto à CIETAC, pleiteando indenização pelos danos sofridos. Aplicou-se ao caso a legislação da China continental, e, subsidiariamente, o CISG.

A empresa vendedora alegou que não efetuou a venda em razão de a empresa compradora não ter cumprido com sua obrigação de emitir um título de crédito para o pagamento, o que, de acordo com o costume internacional, deve ser feito antes de a vendedora começar a preparar a venda. No caso, porém, a compradora tinha motivos para crer que a vendedora poderia não estar em condições de adimplir o contrato, o que, para o árbitro, justificava que ela não preparasse o título de crédito. Não caberia à vendedora, então, usar isso como motivo para não cumprir, por sua vez, com sua própria prestação, de modo que ela deverá responder pelos danos causados.

Nesse caso, ocorre um conflito entre costumes e boa-fé, e o intérprete prefere a solução prescrita pela boa-fé, afirmando, inclusive, que só assim poder-se-á encontrar a solução justa. Isso confirma a solução aqui apresentada para esse tipo de antinomia.

CONCLUSÃO

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O emprego jurisprudencial da boa-fé gera grupos de casos similares, dos quais depreendem-se regras, denominadas concretizações da boa-fé, que podem ser aplicadas por subsunção. Podemos mencionar, entre elas, a culpa in contrahendo, a exceptio doli, o venire contra factum proprium, a supressio, a surrectio, o tu quoque, o exercício inútil danoso, o dolo agit qui petit quod statim redditurus e a desproporcionalidade entre vantagem auferida e sacrifício imposto à contraparte. A boa-fé também dá origem aos deveres laterais de informação, lealdade e proteção, com origem na doutrina alemã. Todas essas aplicações da boa-fé, de importância, em boa medida, histórica, emergiram da sua aplicação jurisprudencial. Espera ter-se demonstrado, neste trabalho, que também em julgados recentes tem sido possível verificar que essas figuras – às vezes isoladamente, às vezes em conjunto com outras – vêm sendo empregadas de modo a obter resultado útil, dando concretude ao art. 112 do Código Civil.

REFERÊNCIAS

Doutrina

L. DHOOGE et al., The Interpretative Turn in International Sales Law: An Analysis of Fifteen Years of CISG Jurisprudence, Northwestern Journal of International Sales Law and Business, n. 34, pp. 301 e 307.

Jurisprudência

6ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 0032902-40.2009.8.26.0309, Relator Francisco Loureiro, 23/08/2012.

21ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação no 0002073- 10.2011.8.26.0664, Relator Virgilio de Oliveira Junior, 03/09/2012.

29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Agravo de Instrumento nº 900365- 0/6, Relator Silvia Rocha Gouvea, 08/08/2005.

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Casos arbitrais

China International Economic & Trade Arbitration Commission (CIETAC), CISG/2000/02, árbitro não divulgado, 11/02/2000.

Court of Arbitration of the International Chamber of Commerce,7645, árbitro não divulgado, março de 1995.

Internationales Schiedsgericht der Bundeskammer der gewerblichen Wirtschaft, SCH-4318, árbitro não divulgado, 15/06/1994.

NOTAS:

[1] 6ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 0032902-40.2009.8.26.0309, Relator Francisco Loureiro, 23/08/2012.

[2] 29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação com Revisão nº 981150- 0/7, Relator Pereira Calças, 24/09/2008.

[3] 21ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação 0002073-10.2011.8.26.0664, Relator Virgilio de Oliveira Junior, 03/09/2012.

[4] L. DHOOGE et al., The Interpretative Turn in International Sales Law: An Analysis of Fifteen Years of CISG Jurisprudence,Northwestern Journal of International Sales Law and Business, n. 34, pp. 301 e 307.

[5] O texto completo do dispositivo referido é: "Questions concerning matters governed by this Convention which are not expressly settled in it are to be settled in conformity with the general principles on which it is based or, in the absence of such principles, in conformity with the law applicable by virtue of the rules of private international law."

[6] Internationales Schiedsgericht der Bundeskammer der gewerblichen Wirtschaft, SCH-4318, árbitro não divulgado, 15/06/1994.

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[7] Court of Arbitration of the International Chamber of Commerce, 7645, árbitro não divulgado, março de 1995.

[8] China International Economic & Trade Arbitration Commission (CIETAC), CISG/2000/02, árbitro não divulgado, 11/02/2000.

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TAXA ABUSIVA DE JUROS NAS OPERAÇÕES DE CARTÃO DE CRÉDITO

ROCKWEEL BARBOSA SILVA: Advogado. Ex-Assessor Jurídico do Ministério Público do Estado de Goiás.

RESUMO: A presente investigação aborda sobre o tema taxa abusiva de juros nas operações de cartão de crédito, assunto de grande importância. Objetivou-se com essa investigação analisar a legalidade da taxa abusiva de juros nas operações financeiras de cartão de crédito. O escopo finalístico é incitar a construção de um aporte legal que permita combater, de forma efetiva, as abusivas taxas de juros cobradas nas operações de cartão de crédito. Para realizar a pesquisa o método de abordagem utilizado foi o hipotético-dedutivo e a técnica foi a bibliográfica.

Palavras-chave: taxa abusiva, juros, cartão, crédito.

INTRODUÇÃO

A presente investigação versa sobre o tema taxa abusiva de juros nas operações de cartão de crédito, matéria de evidente seriedade, pois o uso do cartão de crédito tem crescido consideravelmente nos últimos anos. Sua comercialização atinge atualmente quase todos os níveis sociais, isso pela facilidade de aquisição e pela comodidade na utilização do mesmo.

Os estabelecimentos comerciais têm optado pela venda por cartão de crédito visando evitar o inadimplemento já que o valor da compra é repassado pela operadora e a obrigação do cliente passa a ser com esta.

Dessa forma, a alta taxa de juros cobrada pelas operadoras de cartão de crédito pelo não cumprimento da obrigação por parte do cliente/consumidor tem gerado restrições cadastrais e provocado desequilíbrio financeiro.

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Nessa relação, o consumidor é hipossuficiente e necessita de amparo legal que o proteja e regule tais taxas, evitando o locupletamento ilícito e a usura das operadoras de cartão. Todavia esse amparo legal ainda é incipiente aqui no Brasil.

A Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 192, limitava a cobrança de juros a 12% a.a. e os contratos que extrapolassem esta taxa caracterizariam abuso e incorreria no Decreto-Lei nº 22.626/33 conhecido como Lei da Usura. Os contratos de instituições financeiras, entretanto, estariam excluídos de tal determinação, pois, a estes, seria aplicada a Lei nº 4.595/64, que autorizava o Conselho Monetário Nacional a limitar a taxa de juros.

Ao ser invocado para solucionar os crescentes problemas causados pelas decisões de juízes, desembargadores e ministros, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a norma constitucional prevista no art. 192, § 3º, da CF/88 não seria auto-aplicável e por isso necessitava de lei complementar que concretizasse o referido comando normativo (ADIN nº 4 – DF)[1]. Assim, o dispositivo constitucional foi alterado pela Emenda Constitucional nº 40 de 2003 que deixou a cargo das leis complementares disporem sobre o assunto.

Frente ao exposto já se percebe a elevada relevância do tema, vez que o cartão de crédito, na atualidade, é a modalidade de adimplemento de obrigação mais utilizada no mercado, sendo que a maioria dos clientes/usuários que dele fazem uso desconhece que as taxas cobradas são exorbitantes e ilegais.

Acredita-se, portanto, que a pesquisa, a ser desenvolvida, além de contribuir enormemente para o enriquecimento do papel ético e profissional do pesquisador, tem em vista incitar a construção de um aporte legal que combata, de forma efetiva, as abusivas taxas de juros cobradas nas operações de cartão de crédito.

Considerando estes aspectos legais, e notando a necessidade de se fazer uma análise sobre a legalidade da taxa abusiva de juros nas operações financeiras de cartão de crédito é que se objetivou o presente trabalho, sendo que o mesmo teve como objetivos específicos: demonstrar a evolução histórica e o conceito dos juros na legislação brasileira; apresentar legislações referentes às taxas de juros no Brasil e sua legalidade; discutir a

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classificação doutrinária das operadoras de cartão de crédito como instituição financeira e apontar a urgente necessidade de criação de lei complementar que regulamente o assunto.

Para a realização da pesquisa, antes de tudo, vários questionamentos foram levantados, quais sejam: por que as exorbitantes taxas de juros cobradas pelos cartões de crédito não são proibidas? Tal cobrança pode ser considerada agiotagem permitida? O Poder Judiciário argumenta que as operadoras de cartão são equiparadas à instituição financeira por não haver legislação específica, por que há falta de interesse dos legisladores em criar leis complementares que regulem o assunto?

Em presença dos questionamentos apresentados conjectura-se que, a omissão do poder Legislativo em criar leis complementares que regulem o assunto e do Poder Judiciário em admitir a operadora de cartão como instituição financeira reflete em grande prejuízo ao consumidor que se vê cada vez mais impotente e submisso às taxas abusivas do cartão de crédito. Tanto as respostas para as questões levantadas na problemática, quanto à confirmação ou não da hipótese prevista, estão apontadas no corpo da investigação.

Quanto ao método, utilizou-se o de hipotético-dedutivo, que, na explicação de Alvim (2009, p. 3)[2], “é o método que parte de um problema ao qual se fornece uma solução provisória, passando, em seguida, à crítica a essa solução com o objetivo de eliminar o erro, resultando disso novos questionamentos”. A técnica utilizada para a pesquisa foi a bibliográfica, que segundo Lakatos e Marconi (2110, p. 86)[3] trata-se do “levantamento, seleção e documentação de toda bibliografia já publicada sobre o assunto que está sendo pesquisado”.

Dessa forma, para cumprir os objetivos propostos, o trabalho encontra-se dividido em quatro capítulos, assim expostos: no primeiro capítulo, intitulado a historicidade dos juros, apresenta-se os conceitos básicos e históricos para melhor compreensão do tema, além disso, é feita, ainda nesse tópico, uma breve abordagem sobre a natureza jurídica e a classificação dos juros.

Sob o título legislação brasileira sobre taxa de juros está exposto o segundo capítulo. Aqui cabe proferir que foi feita uma

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apreciação da legislação e da doutrina que trata da matéria em discussão.

No terceiro capítulo, procede-se a uma abordagem sobre as operadoras de cartão de crédito, neste se apresenta a historicidade, os conceitos básicos e a natureza jurídica do cartão de crédito, além de outras abordagens mais.

Por fim, no quarto e último capítulo, cujo titulo é da necessidade de legislação complementar, fala-se da cobrança exorbitante dos juros pelas operadoras, da necessidade de regulamentação do tema, da competência para legislar e dos prejuízos suportados pelo consumidor.

A pesquisa se encerra com as considerações finais, nas quais são apresentadas questões conclusivas sobre a matéria em foco, seguidas da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre taxa abusiva de juros nas operações de cartão de crédito, com certeza dos limites práticos e teóricos do trabalho aqui apresentado expõe-se o mesmo às críticas e sugestões.

1. DAS OPERADORAS DE CARTÃO DE CRÉDITO

1.1 Histórico de cartão de crédito

A história do cartão de crédito teve início no século passado. Embora recente, é um dos meios de pagamento mais utilizados no mundo. Segundo Oliveira (2003, p. 5)[4] “pode-se dizer que Edward Bellamy foi um dos primeiros a idealizar um cartão de crédito”.

Os chamados cartões de credenciamento foram os primeiros utilizados com fim semelhante ao do cartão de crédito. Em 1914 alguns hotéis europeus emitiam tais cartões que serviam como identificação de seus bons clientes para hospedagem futura, permitindo, inclusive, deixar pagamento de débito para próxima estada no hotel (ANDRADE, 1998)[5].

Seis anos mais tarde, postos de gasolina nos Estados Unidos começaram a emitir cartões com a mesma finalidade de pagamento futuro.

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Entretanto, o primeiro cartão de crédito oficialmente comercializado no modelo que se conhece atualmente foi o Diners Club, criado em 1950. Oliveira (2003, p. 6)[6] descreve que:

Em 1950 alguns executivos financeiros de Nova Iorque saíram para jantar e esqueceram de levar dinheiro e talão de cheque. Frank MacNamara e seus convidados entraram num restaurante e entre uma conversa e outra terminaram o jantar, a conta é apresentada, aí é que os amigos perceberam que estavam sem dinheiro ou talão de cheques, nessa época não existia cartão de crédito. Depois de alguma discussão, o dono do restaurante concordou em deixar MacNamara pagar a conta outro dia, mediante a colocação da assinatura na nota de despesas. A partir desse episódio, MacNamara concebeu a ideia do cartão de crédito. Em 28 de fevereiro de 1950 foi criado o Diners Club que foi aceito em lugar de dinheiro ou cheque em 27 restaurantes. Duzentas pessoas, a maioria amigos de MacNamara, tiveram um naquele primeiro ano. No ano de 1951, o número de portadores cresceu para mais de 42 mil, movimentando mais de US$ 1 milhão através de 330 restaurantes, hotéis, night clubs e diversos estabelecimentos varejistas. A partir daí o cartão de crédito passou a ser um produto lançado, também, em outros países.

Teixeira (1972, 121),[7] explica como funcionava o cartão de crédito no princípio:

O portador do cartão adquiria mercadorias mediante assinaturas da nota fiscal e dos documentos normalmente exigidos no contrato celebrado com a instituição emissora dos aludidos cartões. O cliente gozava, assim, dos benefícios da abertura de crédito dentro de limites preestabelecidos e o débito liquidava-se normalmente no fim do mês. O lojista ou comerciante seria pago pela empresa financiadora, com desconto de certa

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percentagem. Aí estavam as vantagens da emissora dos cartões: a) receber dos clientes uma jóia ou taxa de admissão; e b) perceber dos comerciantes um percentual sobre o valor das faturas.

Desta forma, o cartão de crédito foi ganhando espaço no mercado como novidade que facilitaria a vida das pessoas trazendo mais segurança e comodidade.

1.2 Conceito de cartão de crédito

Segundo Martins (1972, p. 507),[8] cartão de crédito é uma “pequena peça plástica, de tamanho uniforme, tendo impresso, em relevo, certos dizeres, tais como o nome do organismo emissor, número em código do portador, data da emissão, período de validade, nome e assinatura do portador...” Completando a fala de Martins pode-se afirmar ser o cartão de crédito:

Emitido por uma entidade bancária, por uma instituição financeira ou administradora de cartões de crédito ou outro estabelecimento comercial a favor de um determinado titular, cuja posse confere a este a possibilidade de adquirir bens e serviços junto de estabelecimentos comerciais previamente definidos sem necessidade de pagamento imediato[9].

Nas palavras de Martins (1976, p. 27)[10], pode-se conceituar cartão de crédito como uma “forma de democratização do crédito de curto e de médio prazo, que evita os riscos e incômodos do transporte do dinheiro, bem como propicia a compra de bens e serviços a prazo”.

É bem verdade tal definição, visto que é um meio de pagamento que transmite segurança e comodidade, não só ao consumidor, que poderá pagar suas compras em data futura, sem qualquer acréscimo e com utilização imediata do crédito, quanto ao fornecedor que, além de não precisar correr riscos com o manuseio de dinheiro ainda diversifica as formas de pagamento, aumentando a possibilidade de comercializar seus produtos e serviços, bem como, reduzindo o risco de inadimplência.

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A este respeito define Oliveira (2003, p 49),[11] que o “cartão de crédito seria um documento de identificação ou comprobatório de que seu titular, cujo nome nele é impresso, possui crédito perante o emissor, que o autoriza a realizar compra de bens e a utilizar serviços a prazo, sacando dinheiro a título de mútuo”.

Esta modalidade de pagamento tem crescido consideravelmente e atingido grande parte da população. Segundo pesquisa cujo resultado foi publicado pela Agência de Noticias do Jornal Floripa[12], já existem mais de 150 milhões de cartões de crédito no Brasil, o equivalente a aproximadamente 79% da população.[13]

1.3 Natureza jurídica do cartão de crédito

O cartão de crédito é um negócio jurídico complexo, de contrato misto que, para alguns doutrinadores, resume-se em uma relação triangular. É complexo porque envolve pelo menos três pessoas, como ensina Abrão (1999, p. 136)[14]:

O sistema de cartão de crédito compreende o emissor, o titular do cartão ou aderente e o fornecedor. O emissor, geralmente uma instituição financeira lato sensu, ou banco, é intermediário entre o titular do cartão e o fornecedor de bens ou serviços, possibilitando a aquisição destes por aquele. O emissor, em troca de um determinado percentual, se compromete a efetuar o pagamento pelo titular do crédito. O titular, beneficiário ou aderente é aquele habilitado pelo emissor a se utilizar do cartão para suas aquisições de bens ou serviços. Um cartão de crédito é um documento nominativo que estabelece a abertura, pelo emissor, de certo crédito a seu proprietário. O terceiro integrante do sistema do cartão de crédito é o fornecedor ou vendedor de bens ou serviços que se obriga a não recusar, a honrar um cartão de crédito e a conceder o mesmo preço ao portador do cartão. Entre o fornecedor e o titular do cartão desenrola-se uma operação comum de compra e venda ou prestação de serviços, com a diferença apenas de que a

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remuneração não é feita diretamente pelo adquirente, mas pelo emissor do cartão, que mantém um contrato com o fornecedor, nesse sentido. O adquirente, por sua vez, deve pagar ao emissor e não ao fornecedor, pelo que ele não é considerado devedor deste, não podendo opor ao banco as eventuais exceções que tenha contra o vendedor.

E é contrato misto, pois, abrange três contratos distintos. Nas palavras de Oliveira (2003, pp. 60, 61)[15]:

Um contrato de cartão de crédito enfeixa, em verdade, três contratos distintos, mas interdependentes e simultâneos, quais sejam: a) entre o banco emissor e o titular (na medida em que o emissor se obriga a pagar as despesas feitas pelo titular com o uso do cartão, até certo limite, ficando com o direito de ser reembolsado por esse; b) entre o emissor e o fornecedor (na medida em que o emissor se obriga a pagar as despesas efetuadas pelo portador, até certo montante, independente de falta de provisão, insolvência ou oposição do titular do cartão) e; c) entre o titular do cartão e o fornecedor (vinculados por um contrato de compra e venda ou prestação de serviços comum).

Logo, a natureza jurídica do cartão de crédito se resume em negócio jurídico complexo e contrato misto, variando, entretanto, quanto às suas espécies.

1.4 Espécies de cartão de crédito

Oliveira (2003, pp. 65, 66),[16] classifica os cartões de crédito em duas espécies, quais sejam “a) os cartões de credenciamento, nos quais o emissor é o próprio fornecedor, limitando assim a oferta ao titular do cartão; b) os cartões de crédito verdadeiro ou stricto sensu, aqueles em que o emissor distingue-se do fornecedor e sua utilização não se restringe apenas ao estabelecimento emissor”. O autor supracitado lembra, ainda, que estes podem ser bancários (aqueles emitidos por bancos) e não

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bancários (aqueles emitidos por outros tipos de instituições financeiras).

1.5 Partes do sistema de cartão de crédito

Como dito anteriormente, por se tratar de negócio jurídico complexo, estão envolvidas, no mínimo, três partes conforme cita Oliveira (2003, pp. 67,68),[17]:

a) Emissor ou administrador de cartão. Entende-se por emissor, a empresa (banco ou não) que comercializará o cartão percebendo vantagens pela sua utilização, ou seja, juros de financiamento e taxas de concessão (anuidade). b) Fornecedor dos bens ou serviços, Fornecedora será qualquer empresa que se filie a uma emissora de cartão. Dentre as principais vantagens destacam-se diminuição do risco de inadimplência, ampliação do mercado de consumidores e utilização de recursos de terceiros. c) Titular do cartão

Sobre o titular do cartão complementa Martins (2000, p. 510)[18] “em regra, o beneficiário é uma pessoa física, mas podem ser fornecidos cartões a pessoas jurídicas, que se responsabilizarão pelo pagamento ao emissor das despesas feitas por intermédio do cartão”. As principais vantagens são a segurança da não utilização de dinheiro, a possibilidade de pagamento posterior e de parcelamento do valor mediante juros.

1.6 Das instituições financeiras

As instituições financeiras fazem parte do Sistema Financeiro Nacional e são reguladas e fiscalizadas pelos órgãos competentes. A Lei n. 7.492 de 16 de junho de 1986, em seu artigo 1º define instituição financeira, in verbis:[19]:

Art. 1º Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (Vetado) de terceiros, em

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moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários. Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira: I - a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros; II - a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma eventual.

E ainda, o artigo 17 da Lei 4.595/64, conceitua Instituição Financeira, in verbis:

Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.

Percebe-se, portanto que as operadoras de cartão de crédito não se enquadram nos moldes da legislação para serem consideradas instituição financeira.

1.4 Classificação das operadoras de cartão de crédito como instituição financeira

Grande tem sido a discussão quanto à classificação de Instituição Financeira dada às operadoras de cartão de crédito pelo Superior Tribunal de Justiça.

Ao julgar o Recurso Especial nº 194.843/RS[20], o ministro Carlos Alberto Menezes Direito, relator da 3ª turma, entendeu que “as administradoras de cartão de crédito não são instituições financeiras e, por isso, não podem cobrar juros na fatura de clientes

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superiores a 12 % ao ano”, embora o recurso não tenha sido julgado devido a desistência da parte autora.

Depois disso, a 4ª turma do mesmo tribunal pacificou o entendimento de que as operadoras de cartão de crédito, por se tratarem de intermediárias, são consideradas instituição financeira, conforme relato do voto do ministro Aldir Passarinho Junior:[21]

COMERCIAL. CARTÃO DE CRÉDITO. ACÓRDÃO. NULIDADE NÃO VERIFICADA. ADMINISTRADORA. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. JUROS. LIMITAÇÃO (12% AA). LEI DE USURA (DECRETO N.22.626/33). NÃO INCIDÊNCIA. APLICAÇÃO DALEI N. 4.595/64. DISCIPLINAMENTO LEGISLATIVO POSTERIOR. SÚMULA N.596-STF. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS. VEDAÇÃO. LEI DE USURA(DECRETO N. 22.626/33). INCIDÊNCIA. SÚMULA N. 121-STF. (...) II. As administradoras de cartões de crédito inserem-se entre as instituições financeiras regidas pela Lei n. 4.595/64.

E ainda, o mesmo tribunal editou a súmula nº 283[22]determinando que “as empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitações da Lei de Usura”.

Mas poderiam as operadoras, de cartão de crédito, serem consideradas Instituição Financeira? Sabe-se que não.

A partir da leitura do dispositivo legal Lei 4.595/64 artigo 17, é possível notar que as atividades executadas pelas operadoras de cartão de crédito não se tratam de coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros, tão pouco, custódia de valor de propriedade de terceiros. Suas atividades resumem-se em pagamento ao fornecedor em decorrência do contrato de prestação de serviços ou de compra e vendo firmado com o titular.

E ainda, sob análise do artigo 18 da referida lei, se consideradas instituição financeira, as operadoras de cartão de crédito não estariam cometendo crime contra o sistema financeiro,

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haja vista que atuam no mercado sem autorização do Banco Central da República do Brasil? Pois assim dispõe o artigo, “Art. 18. As instituições financeiras somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização do Banco Central da República do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando forem estrangeiras”.

No rol de crimes contra o Sistema Financeiro dispostos na Lei 7.492/86, in verbis:

Art. 8º Exigir, em desacordo com a legislação (Vetado), juro, comissão ou qualquer tipo de remuneração sobre operação de crédito ou de seguro, administração de fundo mútuo ou fiscal ou de consórcio, serviço de corretagem ou distribuição de títulos ou valores mobiliários: Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio: Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

A este respeito, vale destacar a fala de Castro (s.d., pp. 15, 16[23] que assim se posiciona:

As administradoras de cartão de crédito pagam aos estabelecimentos credenciados o preço dos serviços prestados ou dos produtos vendidos aos titulares do cartão, em decorrência de contrato de prestação de serviços ou de compra e venda, respectivamente, firmado entre os titulares e os estabelecimentos credenciados. O que é bem diferente de captar junto aos seus clientes recursos para posteriormente aplicá-los. Quando os titulares do cartão de crédito bancário emitido pela administradora de cartão optam por financiar as compras realizadas ou serviços tomados, esta atua como mandatária dos primeiros, buscando junto a uma instituição financeira os recursos necessários a promover esse financiamento, repassando aos titulares o

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custo integral dessa operação. Custos estes cobrados pela instituição financeira que promove o financiamento.

E ainda, a decisão do Superior Tribunal de Justiça do recurso RHC 4783 SP 1995/0038374-8:

RHC - PENAL - ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CREDITO - INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA - CRIME DE USURA PECUNIARIA - INOCORRENCIA. - A INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA, FEITA POR ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CREDITO, ATUANDO COMO MANDATARIA DOS USUARIOS NA OBTENÇÃO E EMPRESTIMO BANCARIO PARA SEUS MANDANTES, NÃO CONSTITUI ATO PRIVATIVO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, A IMPUTAR-LHE A PRATICA DO CRIME DE USURA PECUNIARIA, TAL COMO PREVISTO NO ART. 4. DA LEI 1.521/1951. - RECURSO PROVIDO (RHC nº 4783/SP, 26/05/1997. RJSTJ, 103/314)[24].

Reforçando esta decisão Rizzardo (2010, p. 54),[25] explica que:

A empresa administradora capta recursos financeiros de terceiros e os repassa aos titulares de cartões, cobrando deles um percentual, que é a sua remuneração de garantia, além da taxa de juros. Dada a diversidade de objetos sociais do banco e da administradora, não se amolda a última à definição de instituição financeira. Não depende, por isso, de autorização do Banco Central para funcionar, e nem se encontra sujeita à regular fiscalização, sequer havendo previsão legal para tanto.

Comunga com este entendimento Rongaglia (2010, p. 1393),[26] ao defender que:

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As atividades de emissão e administração de um sistema de cartões de crédito não se confundem, nem se equiparam, com a atividade financeira. Isto porque, em breve síntese: a) a entidade emissora não financia (empresta dinheiro a juros) o titular do cartão de crédito ou o estabelecimento filiado ao sistema; b) a entidade emissora não cata recursos no mercado; e c) não há qualquer intermediação de recursos financeiros. (...) A atividade em análise não é privativa de instituições financeiras, mas nada impede que tais entidades a exerçam, individualmente ou em conjunto com uma empresa não financeira. (...)

Não é a administradora (entidade emissora) que financia o titular do cartão de crédito, mas sim uma outra sociedade, esta sim financeira. A administradora apenas atua em nome do titular do cartão de crédito, como mandatária, e contrai, também em seu nome, uma dívida bancária para quitar suas compras de bens e serviços. (...) Se – e somente se – o titular optar por financiar parte de suas compras, com a incidência de juros, ou optar por receber, em dinheiro, qualquer montante (que lhe será entregue diretamente), é que haverá a abertura de um crédito bancário. Nessa hipótese, naturalmente, haverá a participação de uma instituição financeira.

Salomão Neto (2005, pp. p. 311, 312), coaduna com o pensamento de Rongaglia ao afirmar que[27]:

As administradoras de cartão de crédito, com vimos acima, não catam recursos em seu próprio nome. Os empréstimos que toma, com vista em financiar os usuários dos cartões, são contratados diretamente em nome destes. Independentemente disso, também não realizam

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empréstimos de qualquer recursos a terceiros, requisito esse que deveria existir cumulativamente com a captação através de empréstimos para que pudesse configurar a atividade privativa de instituição financeira. As saídas de numerário das administradoras de cartão de crédito se destinam unicamente a pagar fornecedores, e não a realizar empréstimos de qualquer espécie. Isso continua a ser verdade mesmo que o desembolso por parte da administradora visa a dar contraprestação por bem ainda não entregue ou serviço ainda não prestado, porque sempre nesse caso estaremos diante do preço de uma compra e venda ou da remuneração de uma prestação de serviços, ainda que adiantadamente pago, e nunca um empréstimo. Só é considerada atividade privativa de instituição financeira e excluída do alcance de pessoas físicas e de pessoas jurídicas não autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, a captação seguida de repasse pela forma de mútuo de recursos desde que realizada de forma habitual e com finalidade de lucro.

O Banco Central do Brasil[28], em seu sítio na internet, respondendo às perguntas do cidadão, deixa claro que as administradoras de cartão de crédito não são instituições financeiras, porém, as instituições financeiras que praticam a atividade de emissão de cartão de crédito são objeto de regulação e fiscalização pelo Conselho Monetário Nacional e pelo referido órgão. Pergunta contida no sítio: “O Banco Central regula e fiscaliza as operações de cartão de crédito?” Resposta:

Sim. As atividades de emissão de cartão de crédito exercidas por instituições financeiras estão sujeitas à regulamentação baixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e pelo Banco Central do Brasil, nos termos dos artigos 4º e 10 da Lei 4.595, de 1964. Todavia, nos casos em que a emissão do cartão de crédito não tem a participação de instituição financeira,

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não se aplica a regulamentação do CMN e do Banco Central.

É importante lembrar que, ao financiar o saldo da fatura ao titular do cartão, a administradora recorre a uma instituição financeira que proverá os recursos necessários para o financiamento em nome do titular.

Neste ínterim é importante destacar o argumento de Oliveira (2003, p. 293)[29]:

Realmente, as administradoras de cartões de crédito não se qualificam como instituição financeira, a teor da Lei nº 4.595/64, conquanto integrem grupo econômico que atua na área bancária e creditícia. Tem por objeto social a emissão de cartão de crédito e atividades afins, sem permissão legal para conceder financiamentos aos usuários, motivo por que estes lhe outorgaram poderes de representação perante as entidades financeiras. Mas, no preço dos serviços prestados, compreendidos no que chama de saldo remanescente, não lhe é lícito computar juros acima dos legais, nem taxas e encargos financeiros, só deferidos às instituições do sistema financeiro, isto é, às empresas organizadas na forma explícita de financeiras e bancos, às quais se aplicam com exclusividade os dizeres da Súmula 596 do Supremo Tribunal Federal.

Ante o exposto, resta claro afirmar que é equivocado o enquadramento da administradora de cartão de crédito como instituição financeira, visto que é esta quem financia efetivamente as dívidas, sendo aquela somente uma mandatária do titular.

1.5 Da cobrança exorbitante dos juros pelas operadoras

Como dito no capítulo anterior, as administradoras de cartão de crédito recorrem às instituições financeiras para o financiamento

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das dívidas do titular. Logo, as taxas de juros cobradas são definidas por estas instituições.

O Sistema Financeiro Nacional, conforme previsão constitucional é regulado por normas e leis próprias. O artigo 192 da Constituição Federal de 1988 dispõe, in verbis:

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.

Desta forma, todos os órgãos que compõem o Sistema Financeiro Nacional se submetem a regulamento diferenciado, inclusive as instituições financeiras. Motivo pelo qual, as taxas de juros cobradas por estas instituições não são passíveis de limitação.

A este respeito se posicionou o Supremo Tribunal Federal, pela súmula nº 596, pacificando que as taxas de juros cobradas pelas instituições financeiras não são sujeitas à Lei da Usura e por isso não podem sofrer limitação. Súmula nº 596,[30] in verbis: “as disposições o Decreto nº 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional”.

Amparadas, pelo dispositivo legal, as administradoras têm cobrado elevadas taxas de juros remuneratórios do financiamento das faturas dos titulares, taxas estas, bem acima da média cobrada pelas instituições financeiras. Isto porque o titular tem que suportar, além do juro cobrado pela instituição o encargo da administradora que é incorporado à taxa de financiamento.

A respeito do abuso das taxas de juros cobradas no cartão de crédito, demonstra Oliveira (2003, p. 296),[31] que “(...) as administradoras de cartão de crédito são as que praticam taxas de juros mais elevadas no mercado. A média mensal cobrada por

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essas empresas é de 10,7% a 18% ao mês, enquanto os bancos praticam uma taxa mensal de 8,7% ao mês”.

A tabela abaixo traz uma comparação entre as principais linhas de crédito oferecidas à pessoa física, no período de janeiro de 2011, demonstrando que o cartão de crédito possui a maior taxa de juros do mercado, desbancando, inclusive, o cheque especial que é conhecido como o grande vilão das dívidas dos brasileiros.

LINHA DE CRÉDITO

JANEIRO/2011

TAXA MÊS TAXA ANO

Juros comércio

5,79% 96,49%

Cartão de crédito

10,69% 238,30%

Cheque especial

7,63% 141,66%

CDC – bancos

2,46% 33,86%

Empréstimo pessoal – bancos

4,85% 76,53%

Empréstimo pessoal – financeiras

9,68% 203,06%

Tabela 1. Pesquisa de juros[32]

Sob este prisma, seria muito mais interessante para o titular tomar empréstimos diretamente na instituição bancária do que financiar o saldo devedor de sua fatura de cartão de crédito pela própria administradora, já que, desta forma, estaria pagando juros bem menores do que os cobrados nestas operações..

1.6 Da necessidade de regulamentação do tema

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Como o poder legislativo não regulamenta a questão e o poder judiciário se posiciona pela legalidade da alta taxa de juros cobrada pelas operadoras de cartão, o consumidor deve buscar amparo legal no Código de Defesa do Consumidor para tentar se proteger contra os abusos praticados. Assim comenta Rizzardo (2010, p. 1396)[33]:

Dado o enfoque da incidência da Lei nº 4.595, em especial de seu artigo 4º, IX, que afasta a aplicação do Decreto nº 22.626, a questão dos juros deve ser enfrentada em função do Código de Defesa do Consumidor, nos dispositivos que disciplinam as cláusulas abusivas.

É preciso considerar, também, que esta relação de consumo instrumentaliza-se por meio de um contrato, devendo este obedecer às normas e princípios informadores do Direito Positivo, destacando-se o Direito Contratual.

Entre os princípios de maior relevância ao Direito Contratual destacam-se o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da função social do contrato.

A este respeito dispõe o Código Civil, in verbis: “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

O princípio da dignidade da pessoa humana, escolhido como fundamento da República, pode ser entendido como o respeito à integridade do ser humano em todos os aspectos pessoais, sociais, culturais entre outros.

A este respeito argumentam Gagliano e Pamplona Filho (2005, p. 34),[34] se posicionam os referidos autores:

(...) o princípio da dignidade da pessoa humana culmina por descortinar a nova vocação do Direito Privado, qual seja, a de redirecionar o alcance de suas normas para a proteção da pessoa, sem prejuízo dos mecanismos

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reguladores da proteção ao patrimônio. (...) dignidade traduz um valor fundamental de respeito à existência humana, segundo as suas possibilidades e expectativas, patrimoniais e afetivas, indispensáveis à sua realização pessoal e à busca da felicidade.

Desta forma, ainda que o contrato seja submisso a autonomia da vontade das partes, esta vontade não pode exceder a ponto de ferir ou ameaçar a dignidade dos contratantes.

O princípio da função social do contrato, por sua vez, traduz anseio histórico de harmonização entre os interesses particulares com os da coletividade. A esse respeito escreve Talavera (202, p 399)[35]:

A função social do contrato exprime a compatibilização do princípio da liberdade com a igualdade, vez que para o liberal o fim principal é a expansão da personalidade individual e, para o igualitário, o fim principal é o desenvolvimento da comunidade em seu conjunto, mesmo que ao custo de diminuir a esfera de liberdade dos singulares. A única forma de igualdade, que é a compatível com a liberdade tal como compreendida pela doutrina liberal, é a igualdade na liberdade, que tem como corolário a idéia de que cada um deve gozar de tanta liberdade quanto compatível com a liberdade dos outros...

Sob este prisma, não se pode admitir que o contrato firmado entre as partes, embora pautado em sua vontade, extrapole a supremacia de sua função provocando efeitos muito além dos desejados.

Santos (2002, p. 29)[36], defende que:

(...) o contrato não pode mais ser entendido como mera relação individual. É preciso atentar para os seus efeitos sociais, econômicos, ambientais e até mesmo culturais. Em outras palavras, tutelar o contrato unicamente para

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garantir a equidade das relações negociais em nada se aproxima da ideia de função social. O contrato somente terá uma função social – uma função pela sociedade – quando for dever dos contratantes atentar para as exigências do bem comum, para o bem geral. Acima do interesse em que o contrato seja respeitado, acima do interesse em que a declaração seja cumprida fielmente e acima da noção de equilíbrio meramente contratual, há interesse de que o contrato seja socialmente benéfico, ou, pelo menos, que não traga prejuízos à sociedade – em suma, que o contrato seja socialmente justo.

Cortez Junior (2005, p.2)[37] elucida ainda que:

O cumprimento da função social não respeitada hoje no Brasil, devido ao interesse econômico particular em auferir lucros exorbitantes, deveria ter a aplicação de taxa de juros correspondente a condição desses consumidores que se utilizam do crédito, para que o contrato de empréstimo cumpra sua função social, devendo ser inferior ou igual à taxa média de lucro da sociedade, para que as pessoas possam ter acesso a este serviço.

Assim sendo, no contrato de cartão de crédito, embora seja um contrato de adesão, os princípios deverão sempre ser observados para que a arbitrariedade das operadoras de cartão não fira a dignidade da pessoa humana, tampouco comprometa a função social do contrato.

A este respeito ensina Fleury Neto (2011, p. 2),[38] que:

A adesão ao contrato de cartão de crédito é um direito subjetivo, entretanto este deverá corresponder a uma função social, ou seja, o interesse particular se condiciona à expectativa da coletividade. Logo, a função social é sempre um limite que estimula o direito subjetivo.

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Portanto, para a efetivação deste direito subjetivo é estritamente necessária a urgente regulamentação da cobrança de juros pelas operadoras de cartão de crédito, pois a prática do mercado tem ferido o consumidor, principalmente pela falta de respeito aos princípios formadores do direito.

1.7 Competência para legislar

Várias ações judiciais e recursos têm pressionado os tribunais para se posicionarem acerca da limitação dos juros, e estes têm se escondido atrás da ausência de legislação para justificar sua inércia ante o assunto.

Mas a quem compete legislar sobre juros no Brasil? Na forma da Lei nº 4.595/64, a competência para legislar sobre matéria financeira é do Conselho Monetário Nacional. Dispõe o artigo 4º, in verbis:

Art. 4º Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República: VI - Disciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as operações creditícias em todas as suas formas, inclusive aceites, avais e prestações de quaisquer garantias por parte das instituições financeiras; IX - Limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil

A este respeito se posiciona Barros[39]: Conclui-se, portanto, que o Conselho

Monetário Nacional não dispõe de poderes legislativos para inovar a ordem jurídica, dispondo, tão-somente, do poder regulamentar referido no art. 49, inciso V da Constituição Federal atual. Consequentemente, inconstitucional a Súmula n. 596 do STF, prevalecendo a tese da limitação dos juros.

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O Conselho Monetário Nacional é órgão vinculado ao Poder Executivo. Desta forma, ao atribuir a competência de legislar sobre matéria financeira, o dispositivo contraria o texto constitucional. Por este motivo não estaria confirmada a inconstitucionalidade da lei? Nesse sentido observa-se que, no intuito de preservar a nova Constituição, dos dispositivos contrários aos nela contidos, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias em seu artigo 25 determinou, in verbis:

Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I – Ação normativa.

A Constituição Federal de 1988, por sua vez, em seu artigo 22 dispõe, in verbis: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: VI - sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais”. E ainda o artigo 48 dispõe, in verbis:

Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: XIII - matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações;

Esta competência, portanto, não poderá ser delegada por se tratar de norma de eficácia limitada, conforme artigos 192 e 68, §1º da Constituição Federal, in verbis:

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas

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instituições que o integram. Art. 68, § 1º - Não serão objeto de delegação, os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar.

Percebe-se, portanto que a inobservância do texto legal é uma afronta à Constituição e acarreta grandes prejuízos ao consumidor; problema este, que precisa ser urgentemente resolvido.

1.8 Os prejuízos suportados pelo consumidor

O que justifica a demora do poder público em legislar acerca das taxas de juros cobradas no Brasil? Por que a falta de interesse neste assunto? Estas, entre outras tantas perguntas feitas pelo consumidor continuam sem resposta aceitável.

De um lado encontra-se o consumidor, que apesar de contar com o Código de Defesa do Consumidor considerado um dos melhores do mundo permanece impotente e desprotegido ante as altíssimas taxas de juros cobradas pelas instituições financeiras. Do outro lado estão os banqueiros e suas grandes empresas apoiados na premissa da importância das operações financeiras para o desenvolvimento do país. Neste quadro, o consumidor é, sem dúvida, a parte mais fraca da relação consumerista.

Segundo reportagem da revista Veja[40], o Brasil é o país que cobra as mais altas taxas de juros do mundo, com uma diferença exorbitante em comparação aos índices dos outros países, podendo chegar à taxa de 300% ao mês na modalidade de pessoa física. Tal fato demonstra claramente o enriquecimento ilícito das instituições financeiras em face do consumidor.

A este respeito disciplina o Código Civil, in verbis: “Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer a custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários”.

E ainda, o Código de Defesa do Consumidor dispõe, in verbis:

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Art. 6º, V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; Art. 39, V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; Art. 51, IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; §1º - Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que: III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

A este respeito, vale destacar o relato do Ministro Antônio de Pádua Ribeiro em julgamento de Recurso Especial ao Superior Tribunal de Justiça[41]:

A equidade é a pedra angular do sistema protetivo inaugurado pelo CDC, consoante com inexorável tendência de flexibilização do princípio pacta sunt servanda e da doutrina que prega a autonomia da vontade. Não existem razões plausíveis para que as instituições financeiras fiquem à margem de tal sistema. Se no passado coube ao Judiciário, diante de certas circunstâncias, dizer que os juros bancários não se sujeitavam ao limite imposto pela Lei de Usura, agora, diante de outra realidade, ,deve enfrentar novamente a questão para coibir os abusos que vêm sendo cometidos. E pode perfeitamente fazê-lo valendo-se das disposições do Código de Defesa do Consumidor. Nula a cláusula relativa aos juros, à vista do art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, im punha-se a sua revisão com vistas a corrigir o desvio, diante do art. 6º, V, daquele mesmo Código, segundo o qual constitui direito básico do consum idor. Não se trata simplesmente de afastar a cláusula abusiva

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e deixar o contrato desfalcado. É o caso de restabelecer o equilíbrio do pacto com base em critérios e parâmetros os mais justos possíveis, reconhecendo que escapa à razoabilidade impor o limite anual de 12% para os juros remuneratórios, sem levar em conta os fatores que, de modo geral, inevitavelmente influenciam a economia.

Ainda que não seja aceita a ilegalidade das taxas abusivas dos juros de cartão de crédito, não restam dúvidas de que são, no mínimo, imorais. Muito embora o lucro seja peça fundamental na economia, ele não pode se dar pelo sacrifício do consumidor, deve ser pautado sempre pela moderação. Ao poder judiciário cabe admitir que estas taxas são exorbitantes e prejudicam demasiadamente o consumidor que, por sua vez, não pode mais arcar com o pesado encargo de sustentar, desta maneira, a fluência da economia brasileira.

A Ordem Econômica do Brasil, cuja finalidade é assegurar a todos existência digna deve ser pautada nos ditames da justiça social, conforme preconiza o artigo 170 da Magna Carta.

Comungando deste pensamento Dallagnol (2002, p. 3),[42]defende que:

O patamar dos juros fere assim o princípio da dignidade da pessoa humana, erigido a nível constitucional no art. 1°, III, da CF. Representa inversão dos valores constitucionais, massacrando o homem existencial em prol do homem econômico, pois os juros no atual patamar estão longe de funcionar como um mecanismo econômico para o desenvolvimento existencial do homem. Fere, por igual, o art. 170 da Constituição Federal, o qual subordina a livre iniciativa à justiça social, conferindo o aspecto finalístico da ordem econômica, a qual só ganha sentido na realização da existência humana digna. [...] A prática dos juros atuais é uma distorção econômica que merece correção jurídica.

Faz-se, portanto, necessário e urgente a devida regulamentação do tema, visto que a inércia gera injustiça social, e, esta pode levar um país ao caos.

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CONCLUSÃO

Por meio do estudo realizado foi possível viajar pelo tempo e num apanhado histórico, constatar que a cobrança de juros existedesde a época dos primeiros registros das civilizações, sem pretensão de que, mais tarde, surgiriam códigos legais que regulariam esta cobrança e proibiriam a prática abusiva. O desejo do consumo imediato fazia com que aqueles indivíduos que não possuíam capital buscassem empréstimos para a aquisição do bem almejado, estimulando assim, a ganância de muitos de multiplicar cada vez mais o capital e sem muito esforço, adquirindo lucro por meio dos juros. Deste modo, a cobrança de juros era utilizada para compensar o uso do capital alheio, o que ainda ocorre no mundo atual.

Mas, verificou-se, também, que com o passar do tempo, e, com a mudança dos usos e costumes das comunidades, o desenvolvimento do comércio ensejou a necessidade da criação de uma rede bancária que atendesse aos novos interesses, o que permitiu ao indivíduo usar um dinheiro rápido para atender suas necessidades imediatas, mas um dinheiro que não era seu e sim de um credor que seria recompensado com a cobrança de juros. A ambição do credor por esta nova fonte de lucro, por sua vez, fez com que as taxas de juros se tornassem exorbitantes, configurando um abuso contra os necessitados, obrigando o Estado, mais tarde, a intervir na política financeira e regular tal prática. A partir disto, várias leis foram criadas para regulamentar a cobrança de juros. No Brasil, a intervenção do Estado na regulação da taxa de juros se formalizou pelo Código Civil em 1916 e depois, dentre tantos, mais recentemente o Código de Defesa do Consumidor e a Constituição Federal.

No decorrer da pesquisa, foi possível conferir ainda, que com o passar do tempo e com o desenvolvimento cientifico, social, político e econômico, além de avanços tecnológicos, surgiu a possibilidade da compra sem pagamento imediato, por meio do cartão de crédito, cujo uso tem crescido consideravelmente nos últimos anos, vez que os estabelecimentos comerciais optam pela venda por este meio, almejando evitar a inadimplência, já que o valor da compra é repassado pela operadora e a obrigação do cliente passa a ser com esta, que por sua vez, normalmente, cobra exorbitantes taxas de juros de seus clientes.

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Outro fator que se pôde observar na realização da investigação, foi que a legislação vigente, que trata da temática abordada, ao equiparar as operadoras de cartão de crédito à instituição financeira, oportuniza que estas realizem cobranças de juros desmedidos, comprovando a carência de leis mais eficazes para regulamentar tais práticas. Nota-se que várias são as ações judiciais e recursos a pressionarem os tribunais para se posicionarem acerca da limitação dos juros, todavia estes têm se escondido atrás da insuficiência de legislação para justificar sua inércia ante o assunto.

Frente ao exposto finalizam-se aqui as abordagens sobre taxa abusiva de juros nas operações de cartão de crédito, todavia sem concluir as inquietações a respeito de tão expressiva matéria, finda somente uma tarefa, pois acredita-se que toda investigação é um corte da realidade, um observar com seriedade, assim espera-se tê-lo feito sem erros ou equívocos rigorosos.

Obviamente que nem todos os aspectos das incongruências sobre o assunto foram aqui versados, em função dos recortes que se optou em fazer e considerando o breve período disponível para tal objetivo e a extensão da matéria. Deixa-se então, para outros interessados no tema, a tarefa de adicionar informações consideradas como proeminentes.

Destarte, encerra-se com a confiança de que foi possível responder aos questionamentos antes estabelecidos, de maneira suficiente, do mesmo modo a hipótese foi confirmada e os objetivos alcançados. Fica, pois, o desafio do prosseguimento da pesquisa, vez que não se teve como intento extenuar a matéria.

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NOTAS:

[1] BRASIL. Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN nº 4 – DF. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=266153> Acesso em 28 de nov. 2011.

[2] ALVIM, Márcia. SOS Monografia Jurídica Sínteses Organizadas. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2009.

[3] LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. 5. ed. Técnica de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2010.

[4] OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Cartão de Crédito. Campinas: LZN, 2003.

[5] ANDRADE, Paulo Gustavo Sampaio. Cartões de crédito. Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 23, 27 jan. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/621>. Acesso em 20 ago. 2011.

[6] OLIVEIRA, Celso Marcelo de. op cit., p. 6.

[7] TEIXEIRA, Egberto Lacerda. Os Cartões de Crédito Bancários. Revista de Direito Mercantil nº 8. Revista dos Tribunais. São Paulo: 1972.

[8] MARTINS, Fran. Contratos e Obrigações Comerciais. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2000.

[9] Cartão de Crédito, s.d. Disponível em: <http://abusosdosbancos.com.br/lertexto.php?edi=4> acesso em 26 de ago. 2011.

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[10] MARTINS, Fran. Cartões de crédito. Rio de Janeiro: Forence, 1976.

[11] OLIVEIRA, Celso Marcelo de. op. cit., p. 49

[12] Agencia Nacional de Notícias. Jornal de Floripa. Disponível em: <www.jornalfloripa.com.br> Acesso em 27 de ago. 2011.

[13] BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística– IBGE -. Cálculo efetuado com base na estatística populacional do censo demográfico 2010. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em 27 de ago. 2011.

[14] ABRAO, Nelson. Direito Bancário. 5. ed. São Paulo: Saraiva. 1999.

[15] OLIVEIRA, Celso Marcelo de op. cit., pp. 60,61

[16] OLIVEIRA, Celso Marcelo de op. cit. p. 65/66.

[17] OLIVEIRA, Celso Marcelo de. op. cit., p. 67 - 68.

[18] MARTINS, Fran. op. cit., p. 510

[19] BRASIL. Lei nº 7.492 de 16 de junho de 1986. Lei que Define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7492.htm> Acesso em 07 de set. 2011.

[20] BRAISL. Recurso Especial nº 194.843/RS. Disponível em: <www.stj.gov.br> Acesso em 09 de set 2011.

[21] _____. Recurso Especial nº 421.371/RS. Disponível em: <www.stj.gov.br> Acesso em 09 de set. 2011.

[22] _____. Súmula nº 283. Disponível em: <www.stj.jus.br> Acesso em 11 de set. 2011.

[23] CASTRO, Marina Grimaldi de. Cartão de Crédito.Disponível em: <http://www.viannajr.edu.br/revista/dir/doc/art_cartao_credito.pdf>. Acesso em 07 de set. 2011.

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[24] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em:www.stj.gov.br. Acesso em 03 set. 2011.

[25] RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

[26]RONGAGLIA, Marcelo Marques. Tributação no sistema de cartões de crédito. São Paulo: Quartier Latin, 2004.

[27] SALOMÃO NETO, Eduardo. Direito bancário. São Paulo: Atlas, 2005.

[28] BRASIL. Banco Central / Perfil do cidadão – Perguntas frequentes, cartilhas e notícias – Perguntas frequentes – FAQ – Cartão de Crédito. Disponível em: <www.bcb.gov.br> Acesso em 11 de set. 2011.

[29] OLIVEIRA, Celso Marcelo de. ob. cit. p. 293.

[30] BRASIL. Súmula nº 596. Disponível em: <www.stf.jus.br/> Acesso em 05 set. 2011.

[31] OLIVEIRA, Celso Marcelo de. op. cit. p. 296.

[32] Pesquisa de juros efetuada pela Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade – Anefac –. Disponível em: <http://www.anefac.com.br/pesquisajuros/2011/janeiro2011.pdf> Acesso em 25 de set. 2011.

[33] RIZZARDO, Arnaldo. op. cit., p. 1396

[34] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo.Novo Curso de Direito Civil: Contratos. Abrangendo o código civil de 1916 e o novo código civil. vol. IV. São Paulo: Saraiva, 2005.

[35] TALAVERA, Glauber Moreno. A função social do contrato no Novo Código Civil. Artigo publicado no Boletim ADCOAS – doutrina, nº 12. Dezembro de 2002.

[36] SANTOS, Eduardo Sens. O Novo Código Civil e as Cláusulas Gerais: Exame da Função Social do Contrato, in Revista

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Brasileira de Direito Privado, n. 10, São Paulo: Revista dos Tribunais, abr./jun. 2002.

[37] CORTEZ JÚNIOR, João Cláudio. A prática de juros abusivos cobrados no brasil. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 152. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=913> Acesso em 28 nov. 2011

[38] FLEURY NETO, Jucélio. Paradigmas do Código Civil. Disponível em: <http://juceliodefensor.blogspot.com/2011_08_01_archive.html> Acesso em 30 de set. 2011.

[39] BARROS, Daniela Pitrez Correa de. A limitação dos juros remuneratórios após a revogação do §3º do art. 192 da Constituição Federal. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 691, 27 maio 2005. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/6774> Acesso em 19 set. 2011.

[40] Um monumento aos juros. Artigo sem autoria publicado pela Revista Veja online edição 1.806 de 11 de jun. 2003. p. 46 – 48. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx mas em qual das revistas> Aceso em 2 de out. 2011.

[41] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/filedown/dev0/files/JUS2/STJ/IT/RESP_407097_RS_12.03.2003.pdf> Acesso em 13 out 2011.

[42] DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Limite dos juros remuneratórios no direito brasileiro infraconstitucional.Doutrina e jurisprudência. Uma solução para além do limite constitucional da taxa de juros. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, nº 59, 1 out. 2002. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/3264>. Acesso em 27 out. 2011.

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O PODER PÚBLICO COMO PARTE NO PROCESSO

VANESSA MALVEIRA CAVALCANTI: Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Aprovada nos concursos da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (2015), Procuradoria do Estado do Paraná (2015) e Advocacia Geral da União (2016).

RESUMO: O presente trabalho visa apresentar as principais prerrogativas a que está submetido o Poder Público quando litiga em juízo, abordando o conceito de Fazenda Pública e as especificidades da tutela antecipada em demandas envolvendo entes públicos.

1. INTRODUÇÃO

As pessoas jurídicas de direito público, ou seja, os entes da administração direta (União, Estados, DF e Municípios), autarquias e fundações compõem o conceito de Poder Público ou Fazenda Pública. As agências reguladoras e executivas, por terem natureza jurídica de autarquia, também estão abrangidas por este conceito. Todas estas pessoas gozam de prerrogativas especiais quando litigam em juízo que serão aqui abordadas.

As sociedades de economia mista e empresas públicas, por sua vez, não ostentam a qualificação de fazenda pública, pois não podem gozar de prerrogativas não inerentes à iniciativa privada, sob pena de concorrência desleal. A exceção é a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, a qual está inserida no conceito de fazenda pública, segundo os Tribunais Superiores. Isso ocorre porque exerce serviço público relevante (serviço postal), que é monopólio da União, não podendo ser delegado. Ressalte-se que, ainda que exerça atividade econômica a par do serviço postal, a

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ECT gozará das prerrogativas inerentes à fazenda pública no tocante a esta atividade, como a imunidade tributária, pois os valores daí decorrentes serão revertidos para o custeio do serviço postal, que não é auto-sustentável, fenômeno conhecido por ‘financiamento cruzado’.

2. DESENVOLVIMENTO

Inicialmente, urge destacar como se dá a representação judicial da Fazenda Pública. No âmbito federal, é feita pela Advocadia-Geral da União, que representa judicial e extrajudicialmente a União, compreendendo os 3 poderes e presta consultoria e assessoramento unicamente ao Poder Executivo. No âmbito estadual e municipal, são as procuradorias estaduais e municipais, porém o município pode ser representado judicialmente por seu prefeito. A Procuradoria da Fazenda Nacional é responsável pela cobrança da dívida ativa da União, mas não se trata de atribuição exclusiva da carreira, que pode, portanto, ser delegada. A Procuradoria Geral Federal (PGF) representa as autarquias e fundações e sua relação com a AGU é de vinculação e não de subordinação.

As principais prerrogativas da Fazenda Pública

A Fazenda Pública goza do benefício da contagem de prazo em dobro para recorrer e em quádruplo para contestar, da isenção do pagamento de preparo nos recursos e do depósito prévio na ação rescisória e, nas ações em que for vencida, da prerrogativa de pagar as custas e emolumentos ao final da demanda. Ainda, algumas sentenças proferidas contra a Fazenda devem ser submetidas ao reexame necessário e existe uma forma especial de intervenção de terceiros prevista exclusivamente para o Poder Público.

Tema relevante diz respeito ao depósito prévio da multa referente ao agravo regimental manifestamente infudado ou inadmissível (art. 557, §2º, CPV/73). Após grande divergência doutrinária e jurisprudencial, o Superior Tribunal de Justiça (out/2014 - AgRg no AREsp 553.788-DF: info 551) pacificou

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o tema entendo que tal multa se aplica também à Fazenda Pública como requisito de admissibilidade de outros recursos. Entendeu o Tribunal que o art. 1-A da lei 9494/97, que diz que a interposição de recursos pelo poder público não fica condicionada a depósito prévio, não se aplica à situação da multa prevista no §2º do art. 557 do CPC/73, que tem natureza sancionatória, diversa, portanto, da natureza do depósito de que trata a lei 9494/97.

No tocante à prerrogativa de prazo, o Supremo Tribunal Federal tinha o entendimento de que ela só se aplicava aos processos subjetivos de controle de constitucionalidade - controle difuso - não se aplicando no controle concreto. Em maio de 2014, contudo, a Corte reconheceu o direito à prerrogativa de prazo em caso de Recurso Extraordinário interposto de representação de inconstitucionalidade estadual. Argumentou o relator Min. Dias Toffoli que não há razão para que a Fazenda Pública tenha o benefício de prazo no controle difuso e não tenha no controle concentrado. (ARE 661288-SP, info 745). Essa decisão, no entanto, foi tomada por uma Turma e não pelo Plenário.

Quanto à intervenção anômala, têm-se que o Código de Processo Civil só admite a intervenção de terceiros fundada em interesse jurídico, o Poder Público, no entanto, pode intervir em causas que lhe acarretem reflexos econômicos, ainda que indiretos, independentemente da demonstração de interesse jurídico. Também qualquer ente da administração direta pode intervir em causas que figurarem, como autores ou réus, entes da administração indireta da sua esfera de poder. Essa intervenção especial está prevista no art. 5º e § único da Lei 9469/97 e cabe em qualquer procedimento, inclusive executivo, salvo nos Juizados Especiais.

A natureza jurídica desta intervenção, contudo, gera controvérsias. Parte da doutrina entende se tratar de uma intervenção anômala (Didier) e alguns, inclusive, atribuem à Fazenda Pública, nessa condição, a qualidade de amicus curiae(Scarpinella Bueno). Já o Superior Tribunal de Justiça

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entende se tratar de assistência simples, pois a Fazenda receberá o processo no estado em que se encontrar.

Certo é que sua finalidade é esclarecer questões de fato e de direito, de modo que a Fazenda pode juntar documentos e memoriais, mas não pode efetuar requerimentos e praticar atos inerentes ao direito de ação, como contestar, reconvir, etc. No entanto, sobrevindo sentença, a Fazenda pode recorrer, e, nesse caso, será considerada parte e a causa deverá ser deslocada para a Justiça Federal, caso seja a União a interveniente, cabendo à Justila Fedeferal verificar a existência do reflexo econômico motivador do ato.

A tutela antecipada contra o Poder Público

Existem algumas restrições à concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública. Não pode ser concedida liminar cujo objeto seja a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza. Essas restrições estão previstas na lei do mandado de segurança, enquanto a lei 8437/92 aduz que elas se aplicam também no caso de medidas cautelares.

A tutela antecipada também não pode ser concedida no primeiro grau quando o ato impugnado for de autoridade com prerrogativa de foro no mandado de segurança, salvo nos casos de ação popular e ação civil pública, a fim de não burlar as regras de competência previstas na Constituição Federal. Ainda, não é cabível liminar para deferir a compensação de créditos tributários ou previdenciários, nem que esgote o objeto da ação. Esta última restrição, no entanto, deve ser relativizada nos casos em que a não concessão da liminar possa levar ao perecimento do direito do autor. Por fim, existem ações em que a liminar só pode ser concedida após a oitiva da Fazenda Pública, como é o caso das

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ações possessórias, em que o prazo é fixado pelo juiz, e do mandado de segurança coletivo, em que o prazo é de 72hrs.

As restrições quanto à concessão de tutela antecipada também se aplicam às situações de concessão de tutela específica liminarmente. Fora dessas situações, não há nenhuma restrição especial à concessão de tutela específica contra o Poder Público. As determinações de obrigações de fazer, não fazer e entregar não se submetem ao regime de precatórios, e, se concedidas liminarmente, não se submetem ao reexame necessário. Assim, o fornecimento de medicamentos, a realização de cirurgias, a reserva de vagas em escolas públicas, por exemplo, são situações que podem ser exigidas e cumpridas imediatamente.

3. CONCLUSÃO

Nem todos os entes da administração pública estão abrangidos pelo conceito de Fazenda Público, visto o regime misto especial a que se submetem as empresas públicas e sociedades de economia mista, entes da administração indireta.

Aqueles que compoem o chamado Poder Público, no entanto, gozam de prerrogativas especiais quando litigam em juízo, tais como a prerrogativa de prazo, o reexame necessário e a previsão de uma intervenção especial, que não exige interesse jurídico. Tais prerrogativas são pautadas na supremacia no interesse público e no princípio da eficiência, uma vez que visam racionalizar a atuação dos entes públicos em juízo diante da grande quatidade de ações em que estão envolvidos.

BIBLIOGRAFIA

CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. São Paulo: Dialética, 2013.

BARROS, Guilherme Freire de Melo. O Poder Público em Juízo. Salvador: Juspodivm, 2013.

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DA POSSIBILIDADE DE LAVRATURA DE ESCRITURA PÚBLICA DE CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS SEM ANUÊNCIA DE TODOS OS HERDEIROS

MARIANA MENDES BRITO DE OLIVEIRA: Advogada. Pós-graduada em Direito Imobiliário.

RESUMO: A cessão de direitos hereditários é o contrato mediante o qual se opera a transmissão de direitos provenientes de sucessão, enquanto não dados à partilha. O Código Civil de 2002 trouxe a cessão de direitos hereditários em seu artigo 1.793. Sob a luz dos planos da existência, validade e eficácia, além de princípios constitucionais que oxigenam o ordenamento jurídico com o advento do Estado Social, pretende-se desenvolver a tese de possibilidade de lavratura da escritura pública de cessão de direitos hereditários pelo coerdeiro no caso de disposição de bem pertencente ao espólio, singularmente considerado, em contraposição à praxe cartorária.

PALAVRAS-CHAVE: Cessão; herança; imóvel; bem; singular.

ABSTRACT: The assignment of hereditary rights is the contract through which operates the broadcast rights from succession, while no apportionment. The Civil Code of 2002 brought the assignment of hereditary rights in Article 1.793. In light of the plans of existence, validity and effectiveness, as well as constitutional principles that oxygenate the legal system with the advent of the welfare state, it is intended to develop the thesis of the possibility of drawing up the deed of assignment of hereditary rights by coheir in case of disposal of property belonging to the estate, singularly considered, as opposed to registry practice.

KEYWORDS: Assignment; estate; real estate; property; singular.

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CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS

A cessão de direitos hereditários é o contrato mediante o qual se opera a transmissão de direitos provenientes de sucessão, enquanto não dados à partilha.

Em outras palavras, Maria Helena Diniz[1] leciona:

A herança é um valor patrimonial, mesmo que os bens que a constituam ainda não estejam individualizados na quota dos herdeiros, daí a possibilidade de transmissão por ato inter vivos, independentemente de estar concluído o inventário. É a hipótese em que se configura a cessão de herança, gratuita ou onerosa, consistindo na transferência que o herdeiro, legítimo ou testamentário, faz a outrem de todo o quinhão hereditário ou de parte dele, que lhe compete após a abertura de sucessão.

Para tanto, deve-se fazer a diferenciação entre a cessão de direitos hereditários universal, em que se transferem todos os direitos do cedente ou a sua quota; a parcial, em que se transfere apenas parte dos direitos do cedente ou de sua quota; e a singular, em que é transferido apenas um bem pertencente ao espólio.

O Código Civil de 2002 trouxe a cessão de direitos hereditários em seu artigo 1.793, abaixo colacionado:

Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.

§ 1o Os direitos, conferidos ao herdeiro em conseqüência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente.

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§ 2o É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente.

§ 3o Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade.

Nesse diapasão, o Código Civil atual, ao tratar sobre a cessão de herança, determina ser ineficaz a disposição pelo coerdeiro de bem pertencente ao espólio, singularmente considerado, antes da partilha. Sendo assim, ainda preservando o espólio a característica de universalidade de bens e direitos, é ineficaz a disposição sobre um bem específico, pois nenhum herdeiro tem a propriedade sobre bens singulares, mas possuem uma quota parte dessa universalidade de bens e direitos, ainda pendentes de especificação em ulterior partilha.

PRAXE CARTORÁRIA

O efeito mais relevante da lavratura da escritura pública da cessão de direitos hereditários talvez seja a produção de efeitos em relação a terceiros, o que evita muitos percalços aos adquirentes.

O registro pelo Cartório da cessão de direitos é previsto pelo artigo 129 da Lei de Registros Públicos e 1793 do Código Civil, nos seguintes temos:

Art. 129. Estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a terceiros:

(...)

9º) os instrumentos de cessão de direitos e de créditos, de sub-rogação e de dação em pagamento

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Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.

No entanto, no que diz respeito à cessão de direitos hereditários de bem singularmente considerado, os Cartórios de Registros de Imóveis, em sua maioria, não lavram a escritura pública quando não é realizada por todos os cedentes, a não ser que haja alvará judicial. Para exemplificar esse entendimento, seguem trechos retirados de sítios eletrônicos de Cartórios de Registro de Imóveis:

Conforme parágrafos 2º e 3º do referido artigo, é ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente. Assim, para ser lavrada uma escritura pública de cessão de direitos hereditários de um bem singularmente considerado, um bem específico da herança, havendo mais herdeiros, deve ser apresentada ao Tabelionato a autorização judicial específica para poder ser feira a escritura (Alvará Judicial). Já quando a cessão é de todo o acervo hereditário (integralidade do quinhão daquele herdeiro que está cedendo), não precisará de prévia autorização judicial[2].

O texto do § 2º, do art. 1793, do Código Civil, a princípio criou grande celeuma no mundo jurídico, no sentido de sabermos se é ou não imprescindível a expedição de prévio alvará judicial, para a lavratura da escritura de cessão de direitos hereditários.

“É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerados singularmente.”

Entendo, s.m.j., que é dispensável a expedição de prévio alvará judicial, desde que haja unanimidade entre todos os interessados na sucessão, deverão

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todos ser maiores e capazes e que sobre o bem cedido não haja qualquer restrição[3].

Diante disso, é possível observar que a praxe Cartorária, salvo raras exceções, entende que o parágrafo terceiro do artigo 1.793 do Código Civil veda a realização de cessão de direitos hereditários feitos por coerdeiro de imóvel singularmente considerado pertencente ao espólio. Isso posto, apenas permitem a lavratura de escritura pública nos casos em que todos os cedentes estão concordes com a alienação do bem singular, ou quando o coerdeiro cede somente sua cota, respeitado o direito de preferência previsto no artigo 1.794 do NCC.

DA INTERPRETAÇÃO DO § 3o ARTIGO 1.793 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002

O § 3º do artigo 1.793 enuncia que é ineficaz a cessão feita por coerdeiro, antes de autorização judicial, de imóvel pertencente ao acervo hereditário, pendente a indivisibilidade.

A finalidade dessa norma é impedir que o cessionário seja prejudicado com a cessão de um bem singular, que com a partilha, não caberá ao cedente.

Da redação do artigo, em uma simples interpretação literal, podemos concluir que, havendo autorização judicial, a cessão realizada por coerdeiro de um bem singular é eficaz; assim como a cessão feita por todos os herdeiros, sem necessidade de autorização judicial, e a cessão de bem singular feita por herdeiro único, eis que ao mesmo caberá todos os bens do espólio.

a) Dos planos de existência, validade e eficácia do negócio jurídico

Faz-se imperioso, para o presente trabalho acadêmico, distinguir os planos de existência, validade e eficácia do negócio jurídico.

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Esses planos devem ser analisados separadamente, pois para cada um existem requisitos específicos, ou seja, um negócio jurídico pode cumprir os requisitos de existência (elementos), portanto existe, mas não atender aos requisitos do plano de validade (regularidade), portando inválido.

Os requisitos de existência são: declaração de vontade, finalidade negocial e idoneidade do objeto. Ou seja, o agente deve manifestar sua vontade, ou ter conduta ou omissão que a lei declare como presunção de manifestação de vontade; ter como objetivo adquirir, modificar ou extinguir direitos; e o objeto deve ser idôneo, como por exemplo, para constituição de uma hipoteca, é necessário que o bem dado em garantia seja imóvel, navio ou avião (GONÇALVES, 2008. P. 316).

Para validade de um negócio jurídico, o Código Civil traz expressamente os requisitos em seu artigo 104:

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I – agente capaz;

II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III – forma prescrita ou não defesa em lei.

O não cumprimento dos requisitos de validade do negócio jurídico pode ser penalizado pelo sistema jurídico como nulo (nulidade absoluta), não produzindo efeitos, ou anulável (nulidade relativa), produzindo efeitos até a declaração de nulidade.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves[4]:

Pode, também, o negócio jurídico existir, ser válido, mas não ter eficácia, por não ter ocorrido ainda, por exemplo, o implemento de uma condição imposta. O plano da eficácia é onde os fatos jurídicos

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produzem seus efeitos, pressupondo a passagem pelo plano da existência, não, todavia, essencialmente, pelo plano da validade.

Sendo assim, tanto pode existir um negócio jurídico inválido que produza efeitos, quanto um negócio válido que não produza efeitos.

No caso da cessão de direitos hereditários de bem singular realizada por coerdeiro, a lei impõe sua invalidade enquanto perdurar a condição de indivisibilidade do espólio, ou seja,enquanto não ultimada a partilha de bens. Por esse motivo,alguns operadores do direito entendem que essa cessão possui uma condição que subordina os efeitos do negócio jurídico a evento futuro e incerto: a propriedade do bem cedido caber ao herdeiro cedente.

b) Da condição

A condição é um elemento acidental do negócio jurídico, assim como o termo e o encargo. Difere dos demais por subordinar os efeitos do negócio a evento futuro e incerto (art. 121, CC), ao contrário do termo (evento futuro e certo) e diferente do encargo (ônus a um beneficiário).

Carlos Roberto Gonçalves[5] leciona:

Condição é o acontecimento futuro e incerto de que depende a eficácia do negócio jurídico. Da sua ocorrência depende o nascimento ou a extinção de um direito(...).

(...) um ato negocial é condicional quando seu efeito, total ou parcial, depende de um acontecimento futuro e incerto.

Há dois tipos de condição: a resolutiva e a suspensiva. A condição resolutiva é aquela em que o negócio jurídico produz efeitos até o implemento da condição (art. 127, CC), enquanto que,

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havendo condição suspensiva, o direito não é adquirido enquanto não verificado o evento (art. 125, CC).

Portanto, a cessão de direitos hereditários de que trata o presente artigo é ato negocial sob condição suspensiva, ou seja, não produz efeitos até a partilha de bens, em que o bem cedido deverá caber ao herdeiro cedente, ou ao próprio cessionário, eis que se sub-roga nos direitos do herdeiro.

Na eventualidade do evento futuro e incerto não se verificar, o negócio será resolvido, e o coerdeiro cedente ficará obrigado a restituir o valor pago antecipadamente (art. 876, CC).

Dessa forma, conclui-se que, o § 3º do art. 1.793 do Novo Código Civil, em uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, não tinha como objetivo a vedação da realização da cessão de direitos hereditários de bem singular feita por coerdeiro sem autorização judicial, mas sim de subordinar os efeitos dessa cessão ao implemento da condição de que o bem seja transmitido ao herdeiro cedente.

DA POSSIBILIDADE DE LAVRATURA DA ESCRITURA PÚBLICA

A negativa dos Cartórios gira entorno exatamente da expressão “é ineficaz”, sem que haja uma interpretação com base nos conhecimentos doutrinários sobre eficácia e nas normas relativas à condição. Portanto, os Registros de Títulos e Documentos apenas permitem a lavratura de escritura pública das cessões em que haja alvará judicial.

Ocorre que, de todo o acima exposto, pode-se afirmar que há duas possibilidades inseridas no § 3º do art. 1.793 do CC: A primeira é de produção de efeitos imediata, mediante alvará judicial; e a segunda de suspensão desses efeitos até a partilha.

Esse é o entendimento doutrinário, trazido brilhantemente por Maria Helena Diniz[6]:

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Também não terá eficácia a disposição, sem prévia autorização judicial de qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário considerado individualmente (p. ex., o apartamento 418 do Edificio Sol e Mar), pendente a indivisibilidade (CC, art. 1.793, § 3º do CPC, art. 992, I). Por isso, Mauro Antonini pondera que pelo § 3º do art. 1.793, ao prever a ineficácia da autorização judicial, será possível que a cessão se torne eficaz com ulterior autorização judicial, convalidando-a, ou, ainda, se, feita a partilha, o bem concedido venha a compor o quinhão do cedente. Se algum co-herdeiro quiser alienar bens da herança, dependerá da autorização do juiz, que preside o processo do inventário, que para, tanto, averiguará se há anuência dos demais co-herdeiros.

Corrobora com tal entendimento, o julgado do REsp 546.077, cuja relatora é a I. Ministra Nancy Andrighi:

Quanto à alegação dos recorrentes de ser inviável o registro da cessão de direitos hereditários, de fato, enquanto não ultimada a partilha, o referido negócio não poderia ser levado a registro, pois só no momento da partilha é que se determina e especifica o quinhão de cada herdeiro e, automaticamente, o objeto da cessão.

Enquanto não houver partilha dos bens, o cessionário detém apenas direito expectativo, que só irá se concretizar efetivamente após a especificação do quinhão destinado ao herdeiro cedente. (REsp 546.077-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 2/2/2006).

No mesmo sentido, entendimento jurisprudencial dos Tribunais Estaduais:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÕES. CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS SOBRE BEM SINGULAR DO ESPÓLIO. PEDIDO DE HABILITAÇÃO

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DO CESSIONÁRIO. Conforme o § 2º do artigo 1.793 do Código Civil, a cessão de direitos hereditários será ineficaz, quando feita em relação a bem singular do espólio. Tal restrição legal indica que a falta dos requisitos legais tem reflexo no plano da eficácia do negócio. Ou seja, ainda que feita em relação a bem singular, a cessão de direitos existe e goza de presunção de validade. Disso se concluiu que, no momento em que o Código refere apenas a ineficácia do negócio, projeta-se a possibilidade de que o contrato venha a ser eficaz, caso de implementada condições. E dentre as condições para futura eficácia do negócio está a concordância superveniente dos demais herdeiros, que não cederam seus direitos hereditários, a solvência do espólio para pagamento de dívidas ou a acomodação do bem no quinhão do herdeiro cedente. Logo, a simples cessão de direitos hereditário sobre bem singular, por si só, não impede a habilitação do cessionário a fim de defender o seu direito. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70052159977, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 19/06/2013)

(TJ-RS - AI: 70052159977 RS , Relator: Rui Portanova, Data de Julgamento: 19/06/2013, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 21/06/2013)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. DISPOSIÇÃO DE BEM SINGULAR PELA INVENTARIANTE E ÚNICA HERDEIRA SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. OUTORGA DE PROCURAÇÃO PARA A VENDA DO BEM. PROMESSA DE COMPRA E VENDA CELEBRADA ENTRE A OUTORGADA E O AGRAVANTE. FALECIMENTO DA OUTORGADA SEM DAR QUITAÇÃO. PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ PARA OUTORGA DE ESCRITURA DE COMPRA E VENDA FORMULADO

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PELO PROMITENTE COMPRADOR. LEGITIMIDADE DO PROMITENTE COMPRADOR DE BEM SINGULAR INTEGRANTE DO MONTE. TERCEIRO INTERESSADO. AUSENCIA DE PROVA DA QUITAÇÃO DO PREÇO. IMPOSSIBILIDADE DE CONVALIDAÇÃO DO NEGÓCIO. O adquirente de bem componente do monte é considerado terceiro juridicamente interessado em intervir no inventário. Legitimidade reconhecida. A ineficácia da cessão de bem singular componente do acervo hereditário enquanto pendente a indivisibilidade tem aplicação aos demais herdeiros. Como a inventariante, maior e capaz, era meeira e única herdeira dos bens do espólio de seu finado marido e alienou o imóvel no curso do inventário, não prevalece a vedação legal, permitindo-se a cessão de seu direito sobre toda a herança ou sobre coisa singular. Possibilidade de autorização judicial posterior, convalidando o negócio como forma de preservar os interesses de terceiro de boa-fé, desde que haja prova da quitação do preço e seja pago o imposto respectivo. Hipótese na qual o óbito da outorgada, sem dar o recibo de quitação ao promitente comprador, impede a convalidação do negócio. Conhecimento e desprovimento do recurso.

(0020572-84.2014.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. DES. ROGERIO DE OLIVEIRA SOUZA - Julgamento: 19/08/2014 - VIGESIMA SEGUNDA CAMARA CIVEL)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÕES. CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS SOBRE BEM SINGULAR DO ESPÓLIO. PEDIDO DE HABILITAÇÃO DO CESSIONÁRIO. Conforme o § 2º do artigo 1.793 do Código Civil, a cessão de direitos hereditários será ineficaz, quando feita em relação a bem singular do espólio. Tal restrição legal indica que a falta dos requisitos legais tem reflexo no plano da eficácia do negócio. Ou seja, ainda que feita em relação a bem singular, a cessão

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de direitos existe e goza de presunção de validade. Disso se concluiu que, no momento em que o Código refere apenas a ineficácia do negócio, projeta-se a possibilidade de que o contrato venha a ser eficaz, caso de implementada condições. E dentre as condições para futura eficácia do negócio está a concordância superveniente dos demais herdeiros, que não cederam seus direitos hereditários, a solvência do espólio para pagamento de dívidas ou a acomodação do bem no quinhão do herdeiro cedente. Logo, a simples cessão de direitos hereditário sobre bem singular, por si só, não impede a habilitação do cessionário a fim de defender o seu direito. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70052159977, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 19/06/2013)

(TJ-RS, Relator: Rui Portanova, Data de Julgamento: 19/06/2013, Oitava Câmara Cível)

Esse também é o parecer do 26º tabelionato de notas de São Paulo – SP, um dos poucos no Brasil que adotaram essa corrente:

(...) a cessão de um bem individuado, dentre os que compõem o espólio, não é negócio jurídico inválido. Não é nulo, nem anulável. A censura da lei está no plano da eficácia. A cessão, neste caso, é ineficaz, não produz efeito, é inoponível aos demais herdeiros, dado que a herança é uma universalidade, e até a partilha, indivisível.

Todavia, a cessão que teve por objeto direito sobre bem determinado recobrir-se-á de eficácia, futuramente, se, na partilha, o aludido bem for efetivamente atribuído ao herdeiro cedente. A questão estará superada, e tudo se resolve. A eficácia operaex tunc, até por imperativo da lógica e do bom senso.

(https://www.26notas.com.br/blog/?p=1472 – 26º Tabelionato de Notas – São Paulo-SP).

Esse entendimento é o que melhor se adéqua à interpretação sistemática e teleológica das normas do Novo Código Civil,

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atendendo também à realidade a qual se aplica, ampliando a efetividade da norma e a utilidade para os herdeiros cedentes.

Diante disso, é possível e necessária a lavratura da escritura pública de cessão de direitos hereditários, conforme exige o artigo 1.793, caput, do Código Civil. O que se veda aos tabeliães é a lavratura de atos inválidos, e não de atos temporariamente ineficazes, como no caso em análise.

No entanto, é responsabilidade dos notários, informar ao cessionário de que os efeitos do ato negocial estão condicionados à partilha, em atendimento ao dever de informação, sob pena de serem responsabilizados por danos causados ao cessionário, conforme artigo 22 da Lei 8.935/94. CONCLUSÃO

Atualmente o direito não é mais aplicado mediante uma interpretação puramente literal, sem que se busque uma melhor adequação às práticas sociais e aos princípios de direito. Por óbvio que os costumes não tem o condão de revogar, derrogar ou alterar o sentido de uma norma jurídica, mas orientam para a interpretação mais coerente, assim como os princípios de direito.

A interpretação sistemática no caso vertente é a mais adequada, visto que não analisa somente a norma em questão, mas o universo jurídico em que está inserido, que dá sentido às expressões utilizadas, a fim de que o intérprete possa fazer a adequada análise teleológica, ou seja, verificar a finalidade do legislador ao editar o comando legal.

De tudo examinado, primeiramente pode-se concluir facilmente que é valida e eficaz a cessão onerosa ou gratuita, feita por um dos herdeiros, de seu quinhão hereditário, ou fração ideal, conforme redação do caput do artigo 1.793, o que independe de autorização judicial, sendo obrigatória a forma pública.

Em análise literal e lógica do mesmo dispositivo legal, a cessão de um bem singularmente considerado por todos os herdeiros é eficaz, desde que na forma prescrita.

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Já a cessão feita pelo coerdeiro, de seu direito hereditário, sobre qualquer bem da herança considerado singularmente, é ineficaz em relação aos demais herdeiros até que se homologue a partilha, passando a produzir todos os seus efeitos se o bem cedido vier a integrar o quinhão hereditário do cedente. Nesse caso, é dever do Tabelião, informar ao cessionário quanto a natureza condicional da cessão e seus efeitos futuros. Não há que se falar, portanto, de inobservância do direito de preferência dos demais herdeiros, visto que a cessão não produz efeitos em relação aos mesmos até a partilha.

Para produção de efeitos em relação aos demais herdeiros, a disposição, por qualquer herdeiro, de bem do acervo hereditário, pendendo a indivisibilidade, depende de autorização judicial.

Sendo assim, é possível a lavratura de escritura pública de cessão de direitos hereditários de bem imóvel singularmente considerado feita por coerdeiro, o que facilitará a herdeiro cedente que tenha recursos para adimplir com custas e impostos do processo de inventário, além de trazer maior segurança aos cessionários e consequentemente trará benefícios ao mercado imobiliário.

BIBLIOGRAFIA

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 1: teoria geral do direito civil – 26 ed. Reformulada – São Paulo: Saraiva, 2009;

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 6: direito das sucessões – 23 ed. Reformulada – São Paulo: Saraiva, 2009;

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 1: parte geral – 6. Ed. Revista e atualizada – São Paulo: Saraiva, 2008.

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SOUZA, Silvio Capanema. A cessão de direitos hereditários. Questões Relevantes. Palestra proferida no I Encontro de Notários e Registradores na Região dos Lagos – Cabo Frio, RJ, Out-2008. < Disponível emhttp://www.institutoalbergaria.com.br/new/eventos.php. Acessado em 25/09/2014>;

TJRJ. Acórdão em Agravo de Instrumento nº 0015876-39.2013.8.19.0000. Relator Desembargador Adolpho Andrade Mello. Data do julgamento: 27/08/2013. Publicação: 06/09/2013.

<http://www.tabelionatoitajai.com.br/cessatildeo-de-direitos.html#/>, acessado em 13 de junho de 2015, às 10:03.

<http://www.cartorio15.com.br/conteudo/escrituras-relativas-a-imoveis>, acessado em 13/06/2015, às 10:15

<http://tabelionatodeamargosa.blogspot.com.br/2012_05_01_archive.html>, acessado em 20/08/2015, às 13:08

<http://cartorio6oficio.com.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=84:o-novo-codigo-civil&catid=37:artigos&Itemid=96> , acessado em 20/08/2015, às 13:25.

NOTAS:

[1] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 6: direito das sucessões – 23. Ed. Reformulada – São Paulo: Saraiva, 2009. P. 82.

[2] disponível em <http://www.tabelionatoitajai.com.br/cessatildeo-de-direitos.html#/> – Cartório em Itaboraí-RJ;

<http://www.cartorio15.com.br/conteudo/escrituras-relativas-a-imoveis> - Cartório no Rio de Janeiro-RJ;

<http://tabelionatodeamargosa.blogspot.com.br/2012_05_01_archive.html> - Cartório em Amargosa-BA

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[3] disponível em <http://cartorio6oficio.com.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=84:o-novo-codigo-civil&catid=37:artigos&Itemid=96> – Cartório do 6º ofício em Petrópolis-RJ

[4] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 1: parte geral – 6. Ed. Revista e atualizada – São Paulo, Saraiva: 2008. P. 308.

[5] GONÇALVES, op. Cit. P. 336.

[6] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 6: direito das sucessões – 23. Ed. Reformulada – São Paulo: Saraiva, 2009. P. 85.

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O SUPERFATURAMENTO POR MEIO DOS "JOGOS DE PLANILHA" EM CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ORIUNDOS DE CERTAME LICITATÓRIO

CAROLINE DAMIAN DA SILVA: Advogada. Aluna de pós-graduação em Direito Público na Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul. Trabalho orientado pelo Professor Prof. Ms. Juliano Heinen, tendo sido apresentado e aprovado com nota 10 pela banca composta pelos seguintes professores: Prof. Juliano Heinen, Prof. Marcelo Schenk Duque e Prof. Jorge Irajá Louro Sodré.

RESUMO: O presente trabalho trata do superfaturamento em licitações e contratos administrativos por meio de “jogo de planilha”. Para tanto, num primeiro momento elaborou-se o estudo acerca do procedimento licitatório. Posteriormente foram analisados os principais elementos do contrato administrativo. A abordagem foi feita a partir da doutrina, jurisprudência e dados disponibilizados pela Corregedoria Geral da União e Tribunal de Contas da União em razão da publicidade dos atos. Rotineiramente os noticiários abordam fraudes que são cometidas em certames licitatórios, causando grande prejuízo para o erário. Então, a importância do estudo é trazer para discussão uma das fraudes que é mais comum em licitações, que é o superfaturamento. Também, as formas de evitar e/ou coibir tal prática, visando o atendimento ao interesse coletivo. Por isso, foi realizado um estudo acerca das fases da licitação e principais características do contrato administrativo. Assim, é possível verificar que com a aplicação da Lei de Licitações, as fraudes podem ser evitadas/coibidas, com foco principal em realizar a fase interna da licitação de forma mais detalhada para que o contrato seja pouco alterado e, sendo necessária a alteração, as cláusulas benéficas para o interesse Público sejam mantidas proporcionalmente.

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Palavras-chave: Licitação. Superfaturamento. Contrato. Obras públicas. Jogos de planilha.

SUMÁRIO: Introdução. Resumo. Abstract. 1 SUPERFATURAMENTO DEVIDO AO "JOGO DE PLANILHA". 1.1 SUPERFATURAMENTO E “JOGO DE PLANILHA”. 1.2 MEDIDAS PRÉVIAS. 1.3 MEDIDAS SANEADORAS/POSTERIORES. 1.3.1 Método do Balanço. 1.3.2 Método do Desconto. 1.4.3 Método da Comparação com a Segunda Licitante Melhor Classificada. 1.4 CORRUPÇÃO. 1.5 TRANSPARÊNCIA E LEI ANTICORRUPÇÃO. 2. LICITAÇÃO. 2.1 CONCEITO, PREVISÃO LEGAL E COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. 2.2 EXIGÊNCIA DE LICITAÇÃO. 2.3 PRINCÍPIOS. 2.4 DISPENSA E INEXIGIBILIDADE. 2.5 MODALIDADES DE LICITAÇÃO. 2.6 FASE INTERNA DA LICITAÇÃO. 2.7 FASE EXTERNA DA LICITAÇÃO. 3. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. 3.1 CLÁUSULAS EXORBITANTES. 3.2 MUTABILIDADE/ALTERAÇÃO DO CONTRATO. 3.2.1 Licitação e contrato. 3.3 INEXECUÇÃO DO CONTRATO. 3.4 EXTINÇÃO DO CONTRATO. 3.5 CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO. 3.6 MEIOS DE CONTROLE. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca abordar o superfaturamento por meio do “jogo de preços”, para que seja possível apontar possíveis formas de evitar e punir quem comete tal prática.

O objetivo geral do trabalho é analisar a prática do superfaturamento em processos licitatórios e contratos administrativos. Os objetivos específicos são: descrever o processo de licitação até a fase contratual e apontar as formas de evitar a ocorrência dos “jogos de planilhas”.

A pesquisa será de natureza básica, considerando a busca de conhecimentos para a formulação de hipóteses. Já do ponto de vista da forma de abordar o problema, será feita uma

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abordagem qualitativa, buscando identificar e compreender os dados da pesquisa coletados por meio de revisão bibliográfica, valendo-se de fontes teóricas como livros e artigos, bem como a legislação e jurisprudência acerca da matéria. Também será quantitativa com uso de informações numéricas acerca do tema.

A investigação proposta neste trabalho dar-se-á através do método de abordagem dedutivo, pretendendo no final confirmar as hipóteses formuladas.

1 - SUPERFATURAMENTO DEVIDO AO "JOGO DE PLANILHA"

1.1 SUPERFATURAMENTO E “JOGO DE PLANILHA”

Primeiramente, cabe verificar o conceito de superfaturamento. Os peritos criminais engenheiros do Departamento de Polícia Federal, no Manual de Cálculo do Superfaturamento e outros Danos ao Erário, conceituam superfaturamento como sinônimo de dano ao erário caracterizado por:

a) medição de quantidades superiores às efetivamente executadas;

b) pagamento de obras, bens e serviços por preços manifestamente superiores à tendência central (mediana ou média) praticada pelo mercado ou incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais competentes, bem como pela prática de preços unitários acima dessa tendência central (mediana ou média) de mercado;

c) deficiência na execução de obras e serviços de engenharia que resulte em diminuição da qualidade, vida útil ou segurança;

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d) quebra do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em desfavor da Administração por meio da alteração de quantitativos e/ou preços (jogo de planilha) durante a execução da obra;

e) alteração de cláusulas financeiras gerando recebimentos contratuais antecipados, distorção do cronograma físico-financeiro, prorrogação injustificada do prazo contratual ou reajustamentos irregulares; e

f) superdimensionamento ou subdimensionamento de quantidades e/ou qualidades de materiais ou serviços, além ou aquém das necessárias segundo práticas e normas de engenharia vigentes à época do projeto.[1]

A partir disto será feita uma abordagem sobre o “jogo de planilha”, com demonstração das medidas preventivas e das sanções cabíveis, visto que ainda que haja o termo aditivo no contrato, o § 1º da alínea “d”, inciso II, artigo 65 da Lei 8.666/93, determina que tais alterações, para as situações lá previstas, devem manter as mesmas condições iniciais. Assim, a fraude de “jogo de planilha” ou “jogo de preços” ocorre da seguinte forma:

[...] Na distribuição de recursos ao longo do cronograma da obra origina-se em orçamentos que apresentam preços unitários superiores aos de mercado nos serviços a serem executados inicialmente, compensados por reduções significativas nos preços dos serviços a executar no final do contrato, de forma a manter o valor global do contrato dentro dos valores de mercado.[2]

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Geralmente as obras públicas precisam de aditivos contratuais que alteram o ponto do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. É necessário que o gestor público tenha condições de mensurar a alteração para evitar irregularidades. Existem também propostas chamadas de fictícias ou de cobertura (forma mais comum de conluio, por conferirem um caráter aparente de competitividade ao certame licitatório)[3] e as rotativas ou rodízio (quando as empresas cartelizadas combinam o vencedor da licitação).[4]

1.2 MEDIDAS PRÉVIAS

As medidas prévias visam evitar a ocorrência do superfaturamento por “jogo de preços/planilha”. Tais medidas podem ser tomadas por meio da aplicação do critério de preços unitários e/ou também pela elaboração de projeto executivo prévio. Por isso, estes métodos são:

[...] medidas adotadas para se precaver de possíveis jogos de planilha e são aplicadas no edital de licitação. Uma delas é garantir um projeto básico de qualidade, visando diminuir o risco de assimetria de informação, tanto entre os concorrentes, como também entre os licitantes e a Administração Pública.[5]

Considerando que são, principalmente, duas condições que possibilitam a ocorrência de “jogo de planilha”: projeto básico deficiente e ausência de critério de aceitabilidade de preços unitários. É necessário o planejamento adequado durante todo o certame licitatório desde a fase interna até a fase contratual.

Outrossim, a Lei de Licitações preceitua no artigo 40, inciso X, o critério de aceitabilidade de preço unitário, sendo previsto no edital da licitação e “[...] tendo como limite máximo dos preços unitários os do orçamento-base integrante do Projeto Básico e elaborado de acordo com os preços médios do mercado.”[6] Tal critério deve ser analisado juntamente com o parágrafo 3º do artigo

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44 da referida Lei, que dispõe acerca da inadmissibilidade da proposta que apresente preços globais ou unitários simbólicos, irrisórios ou de valor zero. Indica ainda como devem ser analisadas as propostas no artigo 48, II, §§ 1º e 2º, para desclassificação.

Nesse sentido a Súmula nº 25 do Tribunal de Contas da União refere que “nas contratações de obras e serviços de engenharia, a definição do critério de aceitabilidade dos preços unitários e global, com fixação de preços máximos para ambos, é obrigação e não faculdade do gestor.”[7] Assim, com a adoção deste critério, se evita que a proposta com sobrepreços unitários seja selecionada.

1.3 MEDIDAS SANEADORAS/POSTERIORES

Ao ser verificada a ocorrência da prática de superfaturamento em licitações e/ou contratos administrativos busca-se evitar a rescisão contratual por nulidade, pois os prejuízos seriam maiores em razão da obra ficar paralisada. O Tribunal de Contas da União, nestes casos, busca realizar a repactuação contratual utilizando o método do balanço ou o método do desconto.

1.3.1 Método do Balanço

Como já foi abordado neste trabalho, o orçamento busca informar o preço de mercado do objeto da licitação. Assim, ao considerar o custo unitário deste objeto em caso de alteração contratual, é benéfico para a Administração. Consoante aorientação técnica 005/2012 do Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas: “a discriminação de cada insumo, unidade de medida, sua produtividade/consumo na realização do serviço, preço unitário e custo parcial e o custo unitário total do serviço, representado pela soma dos custos parciais de cada insumo”[8]são importantes. O método do balanço, como é posterior ao contrato, baseia-se nas informações constantes no mercado.

Assim, deve ser realizado um balanço para verificar os valores pagos em excesso, bem como as alterações que foram

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realizadas, apurando-se as consequências financeiras dessas modificações confrontando-se os preços da contratada com os preços de mercado.[9] No entanto, este método só será utilizado quando ocorrerem mudanças quantitativas e/ou qualitativas no contrato, bem como quando não forem adotadas as medidas prévias antes referidas.

1.3.2 Método do Desconto

Quando na planilha do licitante constar preços muito diferentes dos de mercado, deve a Administração buscar o desconto de forma proporcional. Assim, desde já inibe a prática de superfaturamento depois de firmado o contrato administrativo, conforme afirma Junior Pedro de Sousa Oliveira “[...] o desconto original, caso exista, deve ser mantido para os termos aditivos, ressalvadas as situações excepcionais previstas legalmente.[10]Desta forma, se pretende que o previsto na alínea “d” do artigo 65 da Lei 8.666/93, seja mantido até o final da obra.

Assim como no método do balanço, o método do desconto será aplicado quando a adjudicação for realizada por menor valor global, ocorrendo modificações quantitativas e/ou qualitativas durante a fase contratual.

1.4.3 Método da Comparação com a Segunda Licitante Me-lhor Classificada

Este método na verdade cabe para comparar a proposta vencedora da licitação com os demais concorrentes. Neste caso, após as alterações contratuais, comparando licitante que ficou na segunda melhor classificação será apurado se houve ou não superfaturamento no contrato firmado com o vencedor.

1.4 CORRUPÇÃO

Os casos de corrupção causam grandes prejuízos à sociedade e ao erário, uma vez que há desvio de dinheiro público

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para beneficiar uma minoria, por isso é importante ressaltar o que a Controladoria Geral da União estabelece:

O agente público não pode, no desempenho de sua função, desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, em sua atuação, não pode decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto, consoante as regras contidas no art. 37, caput e § 4º, da Constituição Federal. Isso porque a moralidade da Administração Pública não se limita à distinção entre o bem e o mal, devendo ser acrescida da ideia de que o fim é sempre o bem comum.[11]

São considerados indicativos de corrupção: “o financiamento de campanha, empresas constituídas em início de mandato, direcionamento de licitações, licitações fictícias, mesma diagramação, notas fiscais ‘frias’, valores próximos de R$ 8 mil.”[12] Para evitar a corrupção é de suma importância que os atos da Administração, principalmente em casos de licitações e contratos, sejam fiscalizados durante todo o certame, visto que “fiscalização é a atividade que deve ser realizada de modo sistemático pelo contratante e seus prepostos, com a finalidade de verificar o cumprimento das disposições contratuais, técnicas e administrativas em todos os seus aspectos”[13]. O plano de fiscalização anual (Fiscobras) que verifica a execução de obras financiadas pela União, por determinação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), por meio de auditorias, constatou muitas irregularidades:

No âmbito do Fiscobras 2015, foram realizadas 97 fiscalizações, correspondentes a 189 empreendimentos auditados in loco, para atendimento às determinações da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). As 97

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fiscalizações ocorreram nas áreas de infraestrutura urbana (52%), transportes (22%), edificações (16%), energia (7%) e obras hídricas (3%). Foram encontradas 535 irregularidades relacionadas com execução de obra (44,3%), processo licitatório (42,3%), projeto básico ou executivo (32%), formalização e execução do convênio (25,8%), sobrepreço/superfaturamento (21,6%) e fiscalização de obra (12,4%), entre outras.[14]

Em razão da importância do tema, a legislação está sendo cada vez mais aprimorada para evitar, proibir e punir condutas ilícitas. Com a atuação dos controles interno e externo e aplicação dos dispositivos legais a esperança é a de que pessoas corruptas se conscientizem do mal que praticam.

1.5 TRANSPARÊNCIA E LEI ANTICORRUPÇÃO

Além da Lei de Licitações, é possível apontar outras disposições legais importantes para o combate à corrupção. Uma das leis mais importantes é a Lei 8.429/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.

Os artigos 9, 10 e 11 da Lei 8.429/92 relacionam os três grupos de improbidade administrativa, que importam, respectivamente: em ganho patrimonial ilícito para o próprio agente público, prejuízo patrimonial para a entidade administrativa, em violação aos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. Considerando que nestes artigos consta a expressão “e notadamente”, Pedro Roberto Decomain leciona que “denota claramente que as listas de atos de improbidade administrativa que se seguem ao longo dos incisos são meramente exemplificativas e não meramente taxativas”.[15]

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Em razão da independência das esferas o agente público pode ser responsabilizado administrativa, civil e penalmente, bem como por ato de improbidade administrativa. Aluízio Bezerra Filho conceitua improbidade administrativa da seguinte forma “[...] reside na conduta desonesta do agente político ou público no trato de assuntos atinentes à administração pública”[16]. Os atos de improbidade podem ocorrer de forma isolada ou de forma conjugada.

A Lei de Improbidade Administrativa traz sanções para empresas que cometem fraudes em licitações. Uma das sanções é a declaração de inidoneidade da empresa para contratar com a Administração. No entanto, “faculta-se a ‘reabilitação’ do sujeito declarado inidôneo, a ser concedida mediante ressarcimento pelo interessado dos prejuízos derivados de sua conduta”[17] [grifo do autor].

Existem várias leis que fornecem mecanismos para prevenção e repressão da corrupção, denominado ‘Sistema nacional de combate à corrupção’, sendo que este bloco de leis introduz um verdadeiro ‘sistema legal de defesa da moralidade’[18]. Assim, em razão da publicidade foi editada a Lei 12.527/2011, que regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências.

Outrossim, a Controladoria Geral da União expõe: “a transparência e o acesso à informação são essenciais para a consolidação do regime democrático e para a boa gestão pública [...] os cidadãos podem acompanhar a implementação das políticas públicas e fiscalizar a aplicação do dinheiro público”[19]. Os gestores poderão ser fiscalizados de forma fácil, rápida e eficiente, sendo esta informação disponível para quem quiser acessar.

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Cabe fazer a diferenciação das esferas penal e administrativa, considerando que “os fatos erigidos a tipo penal recebem uma sanção mais severa, privando o indivíduo de sua liberdade. Já o ilícito administrativo gera sanções como advertência e destituição de cargos.[20] Operações são realizadas no Brasil inteiro buscando fiscalizar e punir os agentes que cometem fraudes, como por exemplo:

“Operação Semilla”: Operação conjunta da CGU com a Superintendência de Polícia Federal e Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul, realizada em 13 de maio de 2015 [...]. Segundo as investigações, o esquema agia em benefício de empresas do setor agropecuário e agroindustrial. O grupo, por exemplo, reduzia valores de multas aplicadas, avocava processos para evitar a cobrança de infrações e agilizava procedimentos para ajudar empresas. Além disso, também foi constatada a existência de empresas e empresários que eram avisados previamente sobre fiscalizações realizadas por fiscais federais agropecuários. Também foi descoberto pagamentos de propina a agentes públicos por empresa prestadora de serviços relacionados a eventos promovidos pela superintendência. Os valores eram superfaturados e parte do pagamento era desviado para a conta de uma empresa que distribuía os valores entre o grupo[21].

Com intuito de evitar fraudes e a consequente dilapidação do patrimônio público, algumas práticas merecem destaque como: edital de licitação bem elaborado, orçamento buscando o preço de mercado, projeto básico e projeto executivo de forma detalhada, com preços unitários, bem como afirma Heinen, “aumento da fiscalização; buscar um produto que possa ser renovado futuramente, para que a próxima aquisição não seja de

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contratação direta por haver fornecedor exclusivo; documentar os aspectos das licitações, contratações e execuções, dentre outras.”[22] Nesse sentido Rafael Maffini aponta que a fiscalização é “prerrogativa (cláusula exorbitante), consiste na possibilidade de a Administração Pública promover a fiscalização da execução do contrato, qualquer que seja a natureza de seu objeto”[23].

Também visando ao combate à corrupção, em 2013 foi editada e promulgada a Lei Anticorrupção sob o número 12.846, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. O referido diploma legal, segundo Heinen, “tem por meta coibir os atos de corrupção administrativa, que, sob diversas maneiras, desvirtua as premissas basilares que norteiam a Administração Pública.”[24]

Em suma, ao longo do trabalho foram abordados os fatores que influenciam na ocorrência de fraudes. A sugestão é de que seja organizada uma equipe para auxiliar a Comissão de Licitação. Pessoas de diversas áreas como engenheiros, contadores, advogados, para que colaborem com seus conhecimentos técnicos. Assim, embora necessário investir em pessoas qualificadas, os prejuízos à Fazenda Pública serão diminuídos.

2. LICITAÇÃO

2.1 CONCEITO, PREVISÃO LEGAL E COMPETÊNCIA LEGISLATIVA

O procedimento licitatório é prévio à contratação pela Administração Pública, sendo necessário para que seja assegurada a melhor proposta para atender ao interesse público. Tal procedimento é exigido por lei para que o Poder Público compre, venda, faça locação de bens, realize obras ou adquira serviços, de forma que as condições são previamente estipuladas. Sobre o assunto, a Controladoria Geral da União afirma que:

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Licitação é um procedimento administrativo formal, isonômico, de observância obrigatória pelos órgãos/entidades governamentais, realizado anteriormente à contratação, que, obedecendo à igualdade entre os participantes interessados, visa escolher a proposta mais vantajosa à Administração, com base em parâmetros e critérios antecipadamente definidos em ato próprio (instrumento convocatório).[25]

Licitação conceituada por Celso Antônio Bandeira de Mello como sendo “[...] um certame que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem disputa entre os interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas”.[26]

2.2 EXIGÊNCIA DE LICITAÇÃO

No que tange à exigência de licitação, cabe lembrar o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, que ressalva os casos especificados na legislação, quando não há exigência de licitar. De regra, há a exigência de certame licitatório para obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações, na forma do artigo 1º da Lei de Licitações.[27]

A Constituição prevê no artigo 173, §1º, inciso III, um regime diferenciado de licitações e contratos para empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção e comercialização de bens ou de prestação de serviços.

Já no artigo 175 da Carta Magna há previsão de que é obrigatória licitação para concessão e/ou permissão de serviços públicos. Tal dispositivo foi regulamentado pela Lei 8.987/95,

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aplicando-se subsidiariamente a Lei de Licitações. Neste caso, não há ressalva no tocante a obrigatoriedade de licitar.

A Administração Direta, a Administração Indireta, os Fundos Especiais, as Entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, subordinam-se à Lei de Licitações. Já para as Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista das exploram atividades econômicas não há exigência da aplicação da Lei de Licitações no que diz respeito a sua atividade-fim, sendo obrigatória no que tange a sua atividade-meio.

2.3 PRINCÍPIOS

É possível verificar na doutrina vários princípios atinentes às licitações. Mello aponta que “os princípios cardeais da licitação poderiam ser resumidos nos seguintes: a) competitividade; b) isonomia; c) publicidade; d) respeito às condições prefixadas no edital; e e) possibilidade de o disputante fiscalizar o atendimento aos princípios anteriores.”[28]

Quanto aos princípios gerais, os principais são os seguintes: legalidade (artigo 4º Lei de Licitações); impessoalidade e igualdade (artigo 3º, §1°, da Lei de Licitações); moralidade e probidade (considerando que a inobservância destes princípios pode acarretar a prática dos crimes tipificados nos artigos 89 e seguintes da Lei de Licitações) e publicidade (para garantir a transparência do certame licitatório, resguardado o sigilo das propostas). Quanto aos princípios específicos da seara licitatória, na Lei 8.666/93, o artigo 3º, caput, apresenta os objetivos e princípios que regem as licitações.

Além dos princípios básicos previstos, tal dispositivo legal faz alusão aos princípios correlatos (que derivam dos básicos), que por sua vez são previstos ao longo do texto da Lei, quais sejam: competitividade (artigo 3º, §1°, I); indistinção (artigo 3°, §1°, II); padronização (artigo 11); inalterabilidade do edital (artigo 41); sigilo

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das propostas; vedação à oferta de vantagens (artigo 44, §2°) e ampla defesa (artigo 87).

A doutrina aponta ainda os princípios do Formalismo Procedimental (qualquer mudança das formalidades elencadas na Lei de Licitações pode acarretar ilegalidade do procedimento); Princípio da Obrigatoriedade e o Princípio da Adjudicação Compulsória (a adjudicação somente pode ser feita ao vencedor).

2.4 DISPENSA E INEXIGIBILIDADE

As hipóteses excludentes de licitação, ou seja, quando deixa de ser obrigatória, são dispensa e inexigibilidade, quando haverá a contratação direta do particular, tendo vista que “a singularidade consiste na ‘impossibilidade de encontrar o objeto que satisfaz o interesse público dentro de um gênero padronizado, com uma categoria homogênea’. É aquele que poderia ser qualificado como infungível”[29].

No primeiro caso, mesmo sendo possível a licitação, em virtude do interesse público será dispensada a realização do certame. No entanto, a Administração deverá justificar os motivos para a sua discricionariedade, pormenorizadamente, demonstrando de forma indubitável os motivos que levaram o administrador a utilizar do seu juízo de oportunidade e conveniência.[30]

Os casos de licitação dispensável estão previstos no artigo 24 da Lei de Licitações. Os casos de licitação inexigível estão arrolados no artigo 25 do mesmo diploma legal.

2.5 MODALIDADES DE LICITAÇÃO

O artigo 22 da Lei de Licitações aponta que as modalidades de licitação são: concorrência; tomada de preços; convite; concurso e leilão. A própria lei conceitua as modalidades, dos parágrafos primeiro ao parágrafo quinto do mesmo artigo.

2.6 FASE INTERNA DA LICITAÇÃO

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A fase interna do procedimento licitatório é destinada para o planejamento do certame. Antes de iniciar o empreendimento, o órgão deve levantar suas principais necessidades, definindo o universo de ações e empreendimentos que deverão ser relacionados para estudos de viabilidade. Esse é o programa de necessidades. “[...] Os estudos de viabilidade objetivam eleger o empreendimento que melhor responda ao programa de necessidades, sob os aspectos técnico, ambiental e socioeconômico.”[31]

Comissão de licitação é criada pela Administração com a função de receber, examinar e julgar todos os documentos e procedimentos relativos a licitações públicas nas modalidades concorrência, tomada de preços e convite[32]. Mello explica sinteticamente as fases do certame licitatório:

a) edital – ato pelo qual são convocados os interessados e estabelecidas as condições que irão reger o certame;

b) habilitação – ato pelo qual são admitidos os proponentes aptos;

c) julgamento com a classificação – ato pelo qual são ordenadas as propostas admitidas;

d) homologação – ato pelo qual se examina a regularidade do desenvolvimento do procedimento anterior;

e)adjudicação – ato pelo qual é selecionado o proponente que haja apresentado proposta havida como satisfatória.[33]

Após a definição do objeto e dos recursos para a despesa a Comissão elabora o edital, que segundo a Corregedoria Geral da União tem como função principal a de “[...] estabelecer as regras definidas para a realização do procedimento, as quais são

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de observância obrigatória, tanto pela Administração, quanto pelos licitantes. Após a publicação do edital, qualquer falha ou irregularidade constatada, se insanável, levará à anulação do procedimento.”[34]

2.7 FASE EXTERNA DA LICITAÇÃO

Com a publicação do edital é iniciada a fase externa da licitação. Além de determinações básicas o edital deve conter elementos que deverão ser indicados no texto. Tais requisitos são previstos no artigo 40 da Lei 8.666/93. O edital é a lei interna da Licitação, sendo que por meio dele a Administração leva ao conhecimento de todos a intenção de contratar, podendo o licitante ou cidadão impugnar, forte no artigo 41 da Lei de Licitações. A Administração tem três dias para sua manifestação, abrindo novo prazo para impugnações após o aditamento. O cidadão também pode impugnar o edital, assim como representar ao Tribunal de Contas ou órgãos do controle interno irregularidades, consoante a previsão dos artigos 101 e 113 da Lei 8.666/93.

Após a publicação do edital, a próxima fase é a de habilitação, oportunidade em que a Administração verifica a aptidão do candidato para futura contratação. Por isso, nesta fase os candidatos apresentam os envelopes, no horário marcado pela Comissão de Licitação, um contendo os documentos para habilitação e outro com a proposta. Se o candidato for inabilitado, o envelope da proposta nem será aberto.

Ato contínuo, a fase de classificação das propostas, que visa analisar as formalidades da proposta. Di Pietro aponta que “na terceira fase do procedimento, a Administração faz o julgamento das propostas, classificando-as pela ordem de preferência, segundo critérios objetivos constantes no edital.”[35]Se todos forem tidos como inabilitados, aplica-se a regra do artigo 48, §3°, da Lei de Licitações. Havendo empate, deve ser aplicado o disposto no artigo 45, §2º, da Lei 8.666/93.

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Então, após a publicação do edital, abertura dos envelopes, classificação e julgamento das propostas, vem a fase de homologação, que é o ato de aprovação que confirma a validade do certame. A próxima fase é da adjudicação, quando a Administração Pública confere ao licitante a qualidade de vencedor da licitação, sendo este o titular da preferência para a celebração do contrato.

Neste momento, importante se faz analisar o artigo 64 da Lei de Licitações. Tal dispositivo trata acerca da convocação do interessado para assinatura do contrato. No §2º do referido dispositivo resta claro que a convocação é uma faculdade da Administração, podendo revogar o certame no caso de ser a medida que mais atende ao interesse Público.

As fases que foram abordadas se referem à modalidade de concorrência, que é a mais formal, sendo que as demais têm procedimentos mais simplificados. Observa-se que nas modalidades de convite, leilão e concurso não há fase de habilitação, também chamada de qualificação.

Em suma, o certame licitatório tem várias fases que, apesar de tornar burocrática a contratação, visam alcançar o interesse público, sendo que após as fases da licitação serem cumpridas será feita a homologação e adjudicação e dado início ao cumprimento do contrato, que possui as seguintes características conforme Di Pietro: “1. Presença da Administração Pública como Poder Público; 2. Finalidade Pública; 3. Obediência à forma prescrita em lei; 4. Procedimento legal; 5. Natureza de contrato de adesão; 6. Natureza intuitu personae; 7. Presença de cláusulas exorbitantes; 8. Mutabilidade.”[36] O que faz com que estas sejam as características do contrato administrativo é a supremacia do interesse público sobre o particular, por isso é possível a existência de cláusulas exorbitantes.

3. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Os principais contratos administrativos são os de obra pública, de serviço, de fornecimento, de alienação, de

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gerenciamento, de empréstimo público, de concessão (se serviço público, obra pública, uso de bem público e parceria-público-privada) e o contrato de permissão. Considerando que o contrato administrativo é importante para as diversas modalidades de licitações, em alguns casos é obrigatório, como demonstra a Controladoria Geral da União, no sentido de que:

O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos preços estejam compreendidos nos limites destas duas modalidades de licitação, e facultativo nos demais em que a Administração puder substituí-lo por outros instrumentos hábeis, tais como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço, observadas as disposições da lei quanto às cláusulas necessárias aos contratos.[37]

O artigo 56 da Lei Federal das Licitações e Contratos prevê, facultativamente, o direito da Administração Pública exigir garantia visando assegurar a execução do contrato. Por outro lado, o contratado poderá pedir a substituição da garantia por outra que seja mais conveniente. Neste caso, a Administração Pública vai analisar o pedido levando em conta o interesse Público, caso aceitar, será aplicado o previsto no artigo 65, inciso II, alínea “a”, da Lei de Licitações.

Mesmo havendo previsão legal para que a elaboração dos contratos decorrentes de procedimento licitatório seja de que “os contratos devem estabelecer com clareza e precisão as condições para sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, obrigações e responsabilidades das partes, em conformidade com os termos da licitação e da proposta a que se

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vinculam”[38], consoante o §1º, do artigo 54, da Lei das Licitações, existem fraudes que desrespeitam este dispositivo legal.

3.1 CLÁUSULAS EXORBITANTES

Existem cláusulas, que estão previstas no artigo 55 da Lei 8.666/93, que em caso de ausência de qualquer delas haverá nulidade do contrato administrativo, mas também a Administração pública tem algumas prerrogativas e privilégios para atender ao interesse público, chamadas de cláusulas exorbitantes. As cláusulas exorbitantes estão no artigo 58 da Lei de Licitações (1993), que resumidamente são direitos conferidos à Administração de modificar e rescindir unilateralmente os contratos, bem como fiscalizar a execução, aplicar sanções e apurar faltas contratuais.[39] De acordo com Helly Lopes Meirelles:

Cláusulas exorbitantes são, pois, as que excedem do Direito Comum para consignar uma vantagem ou uma restrição à Administração ou ao contratado. As cláusulas exorbitantes não seriam lícitas num contrato privado, porque desigualariam as partes na execução do avençado; mas são absolutamente válidas no contrato administrativo, uma vez que decorrem da lei ou dos princípios que regem a atividade administrativa e visam a estabelecer prerrogativas em favor de uma das partes, para o perfeito atendimento do interesse público, que se sobrepõe sempre aos interesses particulares.[40]

No caso de a Administração não cumprir a sua parte, em nome do princípio da continuidade do serviço público o contratado deve continuar prestando o serviço por 90 dias, esta é a cláusula denominada “Exceptio non adimpleti contractus”. Tal cláusula é prevista nos artigos 476 e 477 do Código Civil,

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significando que o devedor pode escusar-se de cumprir a sua parte no contrato em razão de o contratante não ter cumprido com o que lhe competia. Pode ser definida como “[...] um meio de defesa, pelo qual a parte demandada pela execução de um contrato pode arguir que deixou de cumpri-lo pelo fato da outra também não ter satisfeito a prestação correspondente.”[41]

Existe também a chamada “exceção do contrato parcialmente cumprido”. Neste caso, “nada difere da anteriormente aventada, tendo em vista que quem cumpre parcial, defeituosa ou inexatamente não deixa de estar descumprindo”.[42] Logo, é possível concluir que uma das partes exige o cumprimento do contrato para que então a outra parte possa alegar uma das exceções antes abordadas.

3.2 MUTABILIDADE/ALTERAÇÃO DO CONTRATO

As cláusulas que tratam da remuneração somente podem ser alteradas com a anuência do Estado, consoante artigo 55, II, da Lei de Licitações. Mesmo que haja alteração contratual deve ser preservado o equilíbrio econômico-financeiro, que “[...] consiste na manutenção das condições de pagamento estabelecidas inicialmente no contrato, de maneira que se mantenha estável a relação entre as obrigações do contratado e a justa retribuição da Administração pelo fornecimento de bem, execução de obra ou prestação de serviço.”[43]

Mesmo sendo comum fazer aditivos em contratos provenientes de certames licitatórios, para que o interesse público e os princípios acima elencados sejam obedecidos é necessário que seja preservado o equilíbrio econômico-financeiro. No caso de superfaturamento por “jogos de planilhas” é justamente nesta etapa que as empresas visam a um lucro exorbitante, acabando muitas vezes não sendo mais a proposta mais vantajosa, visto que o “[...] equilíbrio econômico-financeiro ou equação econômica financeira é a relação que se estabelece, no momento da celebração do

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contrato, entre o encargo assumido pelo contratado e a contraprestação assegurada pela Administração.”[44]

Outros pontos que merecem destaque são os princípios e fundamentos regentes dos contratos: 1. Lei entre as partes; 2. Observância do pactuado (Pacta sunt servanda) e 3.Rebus sic standibus, que se desdobra nos casos de força maior, caso fortuito, fato príncipe, fato da Administração e interferências imprevistas.

Como ponto comum que é a imprevisibilidade, é possível citar a força maior (evento da natureza), caso fortuito (evento humano que afeta o cumprimento do ajuste) e fato do príncipe (ato geral do Poder Público que onera a execução do contrato). Também há o Fato da Administração que incide sobre o contrato.

As interferências imprevistas criam dificuldade e oneram o contrato, sendo necessária adequação dos preços e prazos. Logo, em havendo fato novo e superveniente ao contrato, sendo ele imprevisto ou imprevisível aplica-se a cláusula rebus sic stantibus, que autoriza a revisão dos contratos aplicando-se a teoria da imprevisão. Para haver a recomposição do equilíbrio econômico financeiro do contrato a Constituição (art 37, XXI) permite a recomposição de preços, que pode ser assim conceituada:

A recomposição de preços, por vezes nominada como revisão de preços, tem lugar naqueles casos em que a mantença do equilíbrio econômico-financeiro não pode ser efetuada ou eficazmente efetuada pelos reajustes, pois trata-se de considerar situações novas insuscetíveis de serem por estes corretamente solucionáveis.[45]

Diferente é o conceito de reajuste, que se trata de cláusula que visa à composição dos preços por meio da correção

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monetária. O Tribunal de Contas da União tem posicionamento no sentido de que “para concessão de reajuste, o marco inicial conta-se da data da apresentação da proposta ou da ata do orçamento a que a proposta referir-se, conforme previsto no edital e no contrato, ou ainda do último reajustamento.”[46]

A repactuação também busca o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, no entanto exige que seja feita análise sobre a necessidade de aumento do contrato. A modificação de cláusulas contratuais sob o argumento de revisão, reajuste ou repactuação, busca manter o equilíbrio econômico financeiro do contrato com a Administração Pública.

3.2.1 Licitação e contrato

O alastramento de fraudes causa prejuízo ao erário, o que é notório na sociedade, não atingindo a finalidade principal da licitação que é de obter proposta mais vantajosa. Nas fases da licitação alguns pontos merecem destaque, pois vão refletir no contrato administrativo.

Num primeiro momento ressalta-se o edital, que bem elaborado certamente evita a prática de fraudes em licitações. Assim, pode-se concluir que o edital rege o procedimento licitatório no qual os recursos públicos serão aplicados na fase posterior à licitação, chamada de fase contratual, com a finalidade de atender aos interesses de uma coletividade.

O orçamento é outro ponto que deve ser muito bem elaborado na fase licitatória, visto que é com base nele que vai ser possível avaliar se o valor ofertado pelos licitantes está de acordo com preço de mercado ou não. Assim a importância de tal elemento é descrita:

O custo de uma obra normalmente é feito com os insumos (materiais) necessários, a mão de obra e os equipamentos utilizados para a execução dos serviços definidos. Essa forma

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tradicional de orçar define a forma como deve ser controlada a execução da obra e tem impacto direto sobre os termos aditivos ao contrato, que por sua vez, influenciam diretamente na ocorrência de jogo de planilha. Há diversos níveis de orçamento e quanto mais detalhado ou discriminado ele for, mais tenderá a se aproximar do custo real da obra. Isso é muito importante para a realização de uma perícia em obra de engenharia, considerando que irá definir o grau de certeza que o Perito disporá para conclusão do trabalho[47]

Da mesma forma ressalta-se a importância do projeto-básico, que compreende a reunião dos principais elementos para obras ou serviços, permitindo que os licitantes formulem sua proposta de acordo com a necessidade da Administração. Não sendo corretamente elaborado traz consequências “visto que o licitante, analisando o projeto e detectando a deficiência, pode fazer uso dos jogos de planilha para garantir superfaturamento da obra.”[48]

Assim como o projeto básico, o projeto executivo também pode evitar fraudes em licitações. Quanto mais próximo do Projeto Executivo estiver o Projeto Básico, ou ainda, caso a Administração Pública opte pela inclusão do Projeto Executivo juntamente com o Projeto Básico no edital de licitação, menor será o risco de haver alterações contratuais durante a execução da obra ou do serviço de engenharia[49] (BARROSII, 2014, p. 13).

3.3 INEXECUÇÃO DO CONTRATO

São hipóteses de extinção anômala do contrato administrativo a rescisão unilateral pela Administração Pública e a rescisão amigável ou judicial. O primeiro caso pode decorrer em razão de legalidade, inadimplemento pelo contratante particular ou razões de interesse público. Tais casos são enumerados no artigo

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78, incisos I a XII e XVII, da Lei 8.666/93. Trata-se de medida auto-executável, visto que a Administração pode findar o contrato sem prévia ordem judicial.

Somente haverá ressarcimento de prejuízos ao contratado se não houver descumprimento da sua parte, sobre rescisão amigável ou judicial se referem os incisos XII a XVII. No caso do previsto no artigo 78, inciso I, inadimplemento, não há ressarcimento forte no artigo 80 da Lei de Licitações, ainda que não tenha havido culpa do contratado.

Sendo a rescisão consensual cabe à autoridade administrativa competente autorizar a elaboração do termo de distrato. Tal documento vai conter as condições do ajuste. Rescisão sem culpa do contratado (artigo 78 XVII da Lei 8.666/93), acarreta o pagamento de lucros cessantes, consoante preceitua o artigo 79, §2º, Lei 8.666/93. Nas hipóteses de caso fortuito e força maior não há culpa do contratado sendo cabível a indenização que era devida pela retomada pelo interesse publico. Por outro lado aponta Gasparini “diz-se que é com culpa quando o descumprimento do avençado decorre do comportamento da parte, matizado por negligência, imprudência ou imperícia.”[50]

3.4 EXTINÇÃO DO CONTRATO

A extinção normal do contrato se dá com o cumprimento do mesmo, ou seja, com a conclusão dos trabalhos e a entrega do objeto ao contratante, ou ainda, pelo decurso do prazo de vigência do contrato.

No artigo 57 da Lei Federal das Licitações e Contratos é estabelecido o prazo de duração dos contratos, podendo ser prorrogado até o limite máximo previsto na Lei. Tal dispositivo prevê que ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, com algumas exceções. Os casos de extinção dos contratos são abordados por Gasparini:

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São fatos que extinguem o contrato administrativo: o cumprimento do objeto, o cumprimento do prazo, o desaparecimento do contratante particular, o desaparecimento do objeto. São atos que findam o ajuste: a rescisão administrativa, a rescisão consensual e a rescisão judicial[51] [grifo do autor].

A entrega do objeto pressupõe o recebimento pela Administração, conforme os artigos 73 a 76 da Lei 8.666/93, que pode ser provisório ou definitivo. Será rejeitado, no todo ou em parte, objeto em desacordo com o contrato, sendo que de forem detectados vícios, defeitos ou incorreções, o contratado deverá reparar, corrigir, substituir ou reconstruir às suas expensas, no total ou em parte.

3.5 CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO

O Brasil adota o sistema de jurisdição única, sistema Inglês, no qual o Poder Judiciário exerce a atividade de controle, sendo que excepcionalmente a Administração decidirá, e quando isto ocorrer, esta decisão pode ser revista pelo Judiciário. Os pilares de sustentação do controle administrativo são: o princípio da legalidade e o das políticas públicas.”[52].

Existem espécies de controle divididas quanto à extensão, ao momento, à natureza, ao órgão que o exerce. Quanto à extensão do controle se subdivide em controle interno, externo, externo popular.

O controle interno é realizado por órgão integrante da própria estrutura do poder. Exercido de forma integrada entre os Poderes. Normalmente por meio de auditoria. As atividades tem sido intensificas:

A CGU, criada em 2003, reformulou as atividades de controle interno e corregedoria, com o objetivo declarado de combater a fraude e

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a corrupção. Culminou com a criação de uma secretaria específica no órgão, em 2006, para prevenção da corrupção: a Secretaria de Prevenção da Corrupção e de Informações Estratégicas (SPCI) [...] Na ocasião, também foi criada uma Coordenação de Operações Especiais (DCOPE), que por meio de ações integradas com o Ministério Público Federal (MPF) e com o Departamento de Polícia Federal (DPF) intensificaram a apurações de denúncias e de representações de esquemas de corrupção.[53]

O controle externo ocorrerá quando o órgão que fiscaliza se situa em administração diversa daquela de onde a conduta administrativa se originou. É exercido pelo Poder Legislativo, Tribunal de Contas, Ministério Público, Poder Judiciário, tendo como limites a autonomia do órgão administrativo controlado, não podendo adentrar no exame da oportunidade, ressalvando-se o controle negativo, do “de mérito” ou “administrador negativo”. No que tange ao controle exercido pelo Tribunal de Contas é possível verificar que este trabalho é realizado com base nos artigos 70 e 71 da Constituição Federal, visto o que Gasparini aborda:

No exercício de sua competência, cabe ao Tribunal de Contas assinar prazo para que o órgão adote as providências necessários ao exato cumprimento da lei, se verificada a ilegalidade, e, quando não atendido, sustar a execução do ato impugnado, comunicando essa decisão á Câmara dos Deputados e ao Senado Federal[54].

Já o controle popular é aquele exercido nos Municípios por força do artigo 31 da Constituição Federal. O controle social é entendido como “a participação do cidadão na gestão pública, na fiscalização, no monitoramento e no controle das ações da

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Administração Pública, [...] importante mecanismo de fortalecimento da cidadania.”[55]

No que tange ao momento que o controle é efetuado é possível dizer que pode ser prévio ou preventivo quando exercido antes de se consumar a conduta administrativa, ou ainda, pode ser concomitante quando acompanha a situação no momento em que ocorre. Também pode ser posterior ou corretivo, cujo objetivo é revisar os atos praticados. Assim Carvalho Filho discorre:

O controle prévio ( ou a priori ) é o exercido antes de consumar-se a conduta administrativa. Tem, por isso, natureza preventiva; Controle concomitante é aquele que se processa à medida que vai desenvolvendo a conduta administrativa. Esse controle tem aspectos preventivos e repressivos; Controle de ofício é o executado pela própria Administração no regular exercício de suas funções; Já ocontrole provocado é aquele deflagrado por terceiro.[56]

No que pertine à natureza do controle pode ser dividido em 1. Legalidade (conformidade com as normas) ou 2. De mérito (consoante análise de conveniência e oportunidade). Já quanto ao órgão que o exerce, tal controle pode ser: administrativo (legalidade e mérito), Legislativo, Político, Financeiro (Tribunais de Contas) e controle Judicial (restrito ao controle da legalidade e legitimidade do ato impugnado).

3.6 MEIOS DE CONTROLE

São meios de controle: fiscalização hierárquica; supervisão ministerial; recursos administrativos; representação; reclamação; pedido de reconsideração e recurso hierárquico. “Os controles internos ocorrem de ofício ou mediante provocação. Em geral a provocação advém de interposição de recurso

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administrativo.”[57] Os recursos administrativos são previstos no artigo 109 da Lei de Licitações.

CONCLUSÃO

O trabalho versa sobre um tema que atualmente está constantemente sendo debatido na mídia e pelos cidadãos brasileiros. Por ser amplo, tal temática não é exaurida em obras já existentes. A presente monografia visa trazer uma abordagem simples, objetiva e acessível para que seja uma forma de colaborar com a Administração Pública no sentido de identificar as formas de evitar o superfaturamento, principalmente por “jogo de planilha” em contratos/licitações.

O interesse pelo tema objeto deste estudo foi despertado pelas constantes notícias de fraudes em licitações. Ao pesquisar foi possível identificar quais são as principais fraudes que ocorrem nos certames licitatórios. Assim, considerando que é de interesse da comunidade saber sobre os investimentos do dinheiro público, o estudo possibilitou entender melhor o processo licitatório e a forma de como são realizadas e cumpridas as contratações mediante licitações.

Na doutrina pouco foi abordado sobre o tema de superfaturamento e “jogo de planilha”. Existem alguns trabalhos acadêmicos sobre o assunto, abordando a área de superfaturamento em obras de engenharia, também na área contábil no âmbito da contabilidade forense como forma de prevenção as fraudes.

Na área jurídica quanto às fraudes em licitações geralmente é abordado no âmbito dos crimes praticados em licitações, com a aplicação da Lei 8.666/93 e da Lei 8.429/92. Na seara administrativa, que é a matéria do direito que se concentra este trabalho, será possível analisar o certame licitatório como um todo. Posteriormente, a prática do superfaturamento com foco no “jogo de planilha”.

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O trabalho foi dividido em três capítulos, sendo que o primeiro tratou especificamente da licitação. Elencou dispositivos da Constituição Federal e do Estatuto Jurídico das Licitações. Tratou dos seguintes pontos: conceito, previsão legal e competência legislativa; exigência de licitação; princípios; obrigação de licitar: dispensa e inexigibilidade; modalidades de licitação; fases da licitação.

No próximo capítulo, tratou-se dos contratos administrativos. Tal abordagem diz respeito ao conceito, características, alteração, extinção, prazo e prorrogação/alterações, bem como foram abordadas as formas de controle interno e externo.

Já no último capítulo foi abordado especificamente o superfaturamento, jogo de planilha, medidas para evitar e punir tal prática. Ante a análise do presente trabalho, é possível afirmar que as hipóteses levantadas foram confirmadas em razão de restar demonstrado que o planejamento do edital é de suma importância para evitar o superfaturamento por meio de “jogo de planilha”, por ser considerado uma medida prévia. Por fim, tratou-se de algumas leis que visam punir pessoas que agem de forma ilícita em prejuízo do interesse público.

Desta forma a questão problema é respondida, considerando que as medidas para evitar o superfaturamento em licitações e punir quem comete tal ilícito, aplicando a Lei de Licitações, são: a aplicação do critério de preços unitários e elaboração de projeto executivo prévio. Não sendo realizadas estas medidas prévias, pode-se adotar as medidas saneadoras por meio do método de balanço (verificar os valores pagos em excesso, bem como as alterações que foram realizadas, apurando-se as consequências financeiras dessas modificações confrontando-se os preços da contratada com os preços de mercado) ou pelo método do desconto de forma proporcional.

Outrossim, normalmente são necessários aditivos que alteram o contrato administrativo. Para que não ocorra fraude é

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importante preservar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Também, que seja aumentada a fiscalização para verificar o cumprimento das cláusulas contratuais, direito amparado pela Lei 12.527/2011, sendo que em caso de ilícitos os responsáveis sejam responsabilizados administrativa, civil e penalmente, ou ainda por ato de improbidade administrativa, com a aplicação da Lei 8.429/92, bem como da Lei Anticorrupção (no caso de pessoas jurídicas).

Em suma, ao longo do trabalho foram abordados os fatores que influenciam na ocorrência de fraudes. A sugestão é de que seja organizada uma equipe para auxiliar a Comissão de Licitação. Pessoas de diversas áreas como engenheiros, contadores, advogados, para que colaborem com seus conhecimentos técnicos.

REFERÊNCIAS

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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

NOTAS:

[1] JÚNIOR, Pedro de Sousa Oliveira. Jogo de planilha nas obras públicas: uma metodologia sob o ponto de vista criminal. Revista Especialize On Line. 2. Ed. 2011. Disponível em: < http://www.ipog.edu.br/revista-especialize-online/edicao-n2-2011/>. Acesso em: 06 ago. 2015, p. 6.

[2] BRASIL. INSTITUTO BRASILEIRO DE AUDITORIA DE OBRAS PÚBLICAS. ORIENTAÇÃO TÉCNICA 005/2012: APURAÇÃO DO SOBREPREÇO E SUPERFATURAMENTO EM

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[3] CECCATO, MARCO AURÉLIO. Cartéis em licitações: estudo tipológico das práticas colusivas entre licitantes e mecanismos extrajudiciais de combate. Advocacia da Concorrência e regulação econômica. VII prêmio SEAE 2012. Monografia premiada. Disponível em: < http://www.esaf.fazenda.gov.br/premios/premios-1/premios/viii-premio-seae-de-monografias-edicao-2013/monografias-2012/livro-2012/3-lugar-tema-1> Acesso em: 30 jun 2015, passim.

[4] CECCATO, Op. Cit., p. 21.

[5] BARROSI, Angelo Miguel de. Como evitar jogos de planilha em licitações de obras no Brasil? Carta de Economia e Negócios – UCB. V.1 n. 3 – outubro/dezembro de 2014. Disponível em http://portalrevistas.ucb.br/index.php/CEN/article/viewFile/5746/3761. Acesso em: 06 ago. 2015, p. 14.

[6] CAMPITELI, Marcus Vinicius. Medidas para evitar o superfaturamento decorrente dos “jogos de planilha” em obras Públicas. Distrito Federal, 2006, p. 72.

[7] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Súmula nº 25.Disponível em <http://www.governet.com.br/sumulas/tribunal_de_contas_da_uniao.pdf>. Acesso em 26 nov. 2015.

[8] Ibid., p. 3.

[9] BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Acórdão nº 1.684/2003. Plenário. Relator da deliberação recorrida: Ministro Valmir Campelo. Disponível em <https://extranet.camara.gov.br/internet/comissao/index/mista/orca/tcu/..%5Ctcu%5CPDFs%5CAcordao16842003.pdf>. Acesso em 26 nov 2015.

[10] Ibid.,p. 7.

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[11] BRASIL. CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO – CGU. Presidência da República. Manual de Integridade Pública e Fortalecimento da Gestão: Orientações para o Gestor Municipal. 3 ed. Brasília, 2013, p. 33.

[12] CASTRO, Fabiano de. A corrupção no orçamento: fraudes em licitações e contratos com o emprego de empresas inidôneas. Brasília – DF: 2010, p. 17.

[13] BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Obras Públicas: Recomendações Básicas para a Contratação e Fiscalização de Obras de Edificações Públicas. 3 ed. Brasília, 2002, p. 49.

[14] BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Fiscobras 2015: TCU julga relatório consolidado de obras. Brasília, 2015.

[15] DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade Administrativa. São Paulo: Dialética, 2007, p. 56.

[16] BEZERRA FILHO, Aluízio. Lei de improbidade Administrativa aplicada e comentada. 6 reimpressão. Curitiba: Juruá, 2011, p. 20.

[17] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 5 Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 556.

[18] HEINEN, Juliano. Comentários à Lei Anticorrupção – Lei nº 12.846/2013. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 31.

[19] Ibid., p. 43.

[20] COSTA, Antônio França da. Da responsabilidade do agente público no processo licitatório. Porto Alegre,2007. p. 41

[21] BRASIL. CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO – CGU.Operações Especiais. Brasília, 2015.

[22] Ibid., passim.

[23] MAFFINI, Rafael. Direito Administrativo. 2 Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 162.

[24] Ibid., p. 42.

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[25] BRASIL. CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO – CGU. Secretaria Federal de Controle Interno. Licitações e Contratos Administrativos. Perguntas e respostas. Brasília, 2011. Disponível em: < http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/auditoria-e-fiscalizacao/arquivos/licitacoescontratos.pdf>. Acesso em: 27 de out. 2015, p. 11.

[26] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 479.

[27] BRASIL. Decreto-Lei nº 8666, de 21 de junho de 1993.Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8666compilado.htm>. Acesso em: 11 ago. 2015.

[28] Ibid., p. 489.

[29] ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO. Andrea Trachtenberg Campos. Procuradora do Estado. SPI 24149-1400/08-0. INFORMAÇÃO Nº 021/09. Porto Alegre, 29 de outubro de 2008. Disponível em: < http://www2.pge.rs.gov.br/pareceres/inf09-021-pdpe.pdf>. Acesso em: 26 nov. 2015.

[30] LUSTOSA, Dayane Sanara de Matos. Licitação: inexigibilidade x dispensa. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7788>. Acesso em: 26 nov. 2015.

[31] BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Obras Públicas: Recomendações Básicas para a Contratação e Fiscalização de Obras de Edificações Públicas. 3 ed. Brasília, 2002. Disponível em: < http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2545893.PDF>. Acesso em: 08 jul. 2015, p. 13.

[32] BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU /Tribunal de Contas da União. 4. ed. Brasília : TCU, Secretaria Geral da Presidência: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010. Disponível em:

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http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2057620.PDF. Acesso em: 08 jul. 2015, p.33.

[33] Ibid., p.529.

[34] Ibid., p. 24

[35] Ibid., p. 422

[36] Ibid., p. 269.

[37] BRASIL. CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO – CGU. Secretaria Federal de Controle Interno. Licitações e Contratos Administrativos. Perguntas e respostas. Brasília, 2011. Disponível em: < http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/auditoria-e-fiscalizacao/arquivos/licitacoescontratos.pdf>. Acesso em: 27 de out. 2015, p. 58.

[38] BRASIL. Decreto-Lei nº 8666, de 21 de junho de 1993.Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8666compilado.htm>. Acesso em: 11 ago. 2015.

[39] BRASIL. Decreto-Lei nº 8666, de 21 de junho de 1993., op. Cit., artigo 58.

[40] MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34 ed., São Paulo: Editora Malheiros, 2008, p. 203.

[41] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo.Novo Curso de Direito Civil-Contratos: Teoria Geral. V. 4, Tomo I, 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 261.

[42] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. V. 3. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 138.

[43] BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU /Tribunal de Contas da União. 4. ed. Brasília : TCU, Secretaria-Geral da Presidência: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e

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[44] Ibid., p. 285.

[45] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 585.

[46] Ibid., p.704

[47] JÚNIOR, Pedro de Sousa Oliveira. Jogo de planilha nas obras públicas: uma metodologia sob o ponto de vista criminal. Revista Especialize On Line. 2. Ed. 2011. Disponível em: < http://www.ipog.edu.br/revista-especialize-online/edicao-n2-2011/>. Acesso em: 06 ago. 2015, p. 3.

[48] BARROSII, Angelo Miguel de. Como evitar jogos de planilha em licitações de obras no Brasil? Carta de Economia e Negócios – UCB. V.1 n. 3 – outubro/dezembro de 2014. Disponível em http://portalrevistas.ucb.br/index.php/CEN/article/viewFile/5746/3761. Acesso em: 06 ago. 2015, p. 12.

[49] BARROSII, op. Cit.,p. 13.

[50] Ibid., p. 576.

[51] Ibid., p. 583.

[52] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 20 Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, passim.

[53] CASTRO, Fabiano de. A corrupção no orçamento: fraudes em licitações e contratos com o emprego de empresas inidôneas. Brasília – DF: 2010. Disponível em < http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2053588.PDF>. Acesso em: 08 jul. 2015, p.9.

[54] Ibid., p. 581.

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[55] BRASIL. CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO – CGU. Presidência da República. Manual de Integridade Pública e Fortalecimento da Gestão: Orientações para o Gestor Municipal. 3 ed. Brasília, 2013. Disponível em: < http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-integridade/arquivos/manualintegridade2013.pdf>. Acesso em: 22 de jul. 2015, p. 18.

[56] Ibid., p. 883.

[57] MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 16 Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 223.

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A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DA SUBORDINAÇÃO JURÍDICA NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO

FLÁVIO TENÓRIO CAVALCANTI DE MEDEIROS: Analista Judiciário do TRF 5ª Região. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade Social da Bahia.

RESUMO: O presente estudo tem por escopo analisar o instituto da subordinação jurídica, elemento indispensável à caracterização da relação de emprego, retratando sua evolução histórica e a mudança no seu conceito ao longo dos tempos.

PALAVRAS-CHAVE: SUBORDINAÇÃO JURÍDICA. EVOLUÇÃO HISTÓRICA. MUDANÇA DE CONCEITO.

1. INTRODUÇÃO

As relações de trabalho alcançaram tamanha complexidade que demandam um estudo aprofundado, em cada caso concreto, para se aferir se há ou não a incidência do Direito do Trabalho. Para que haja essa incidência, faz-se necessário que essa relação de trabalho se especifique em relação de emprego, assim tipificado quando presentes os requisitos legais caracterizadores. Dentre esses requisitos, a subordinação jurídica se apresenta como elemento fundamental, notadamente para distinção entre o empregado e o trabalhador autônomo.

Quando do surgimento das normas trabalhistas, o profissional intelectual não era considerado empregado, por lhe faltar o requisito da subordinação, que, à época, era cravada como poder sobre a pessoa do empregado, caracterizado como um

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constante controle sobre suas atividades mediante uma disciplina hierárquica rígida.

Contudo, diante das mudanças de gestão das empresas para se adequarem a nova abertura do mercado ocorrida com a globalização, passou-se a tratar o empregado não como um manipulador de máquinas ou sistema, mas sim como homem portador de atributos, dando-lhe maior autonomia que lhe permita exprimir o seu talento.

Nessa nova perspectiva, o controle não é mais exercido sobre o modo de execução de uma determinada tarefa, mas sobre o seu resultado. Essa autonomia no exercício das funções do empregado gerou um novo conceito no requisito da subordinação, que passou a ser mais flexível, de modo que o número de trabalhadores abrangidos pela tutela do Direito do Trabalho sofreu grande ampliação, abarcando classes de trabalhadores até então considerados autônomos, a exemplo do advogado.

É essa mudança na perspectiva do conceito da subordinação jurídica ao longo dos tempos que este estudo pretende demonstrar.

2. A EVOLUÇÃO NO CONCEITO DE SUBORDINAÇÃO

Desde os primórdios da humanidade, o estado de dependência entre os seres humanos esteve presente. Em cada período histórico algum tipo de trabalho foi predominante e marcou a forma de subordinação do homem na relação de trabalho.

No próprio texto bíblico a tendência à subordinação é retratada no livro Gêneses, quando supostamente criou Deus os céus e a terra, fez o Homem a si subordinado[1]. Para Martins (2005, p. 37), “inicialmente o trabalho foi considerado na Bíblia como castigo. Adão teve de trabalhar para comer em razão de ter comido a maçã proibida”.

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Para Chohfi (2009, p 35), os controvertidos atos de Adão e Eva criaram a necessidade de o Homem sustentar-se pelo trabalho, especialmente o físico. Ainda não se falava numa relação bem definida de capital e trabalho. Portanto, não havia de se pensar em subordinação do trabalho pelo dinheiro. Mas, em tese, em tais teorias, a subordinação do homem ao criador já era um início do instituto da subordinação. Afinal, pela chamada teoria criacionista, foi este quem determinou a prestação do trabalho, ao aniquilar com as facilidades existentes até então. No mínimo havia uma relação na qual a diferença de poderes era evidente, já que Adão – o primeiro trabalhador – obedeceu às ordens divinas e, logo que praticou o dito ilícito da época, teve de iniciar a labuta para poder sobreviver.

O Homem, pois, por se tratar de um ser eminentemente social, além de superveniente ao criador e aos laços de parentesco e de comunidade, desde sua origem esteve predisposto à subordinação.

2.1 A SUBORDINAÇÃO COMO DIREITO DE PROPRIEDADE

A primeira vertente da subordinação real pelo trabalho surgira predominantemente a partir do século VIII a.C. com a escravidão. O escravo era tido como uma máquina, uma coisa, e, conforme prelação de Barros (2006, p. 51), “o escravo era destituído do direito à vida e ao tratamento digno, embora estivesse o amo sujeito a sanções penais se o matasse sem causa”.

Na época, foram escritas algumas obras que justificariam a escravidão, inclusive por Platão e Aristóteles, que a consideravam um fenômeno natural, uma vez que cumpria um papel essencial, sendo justa e necessária, pois deixava os homens livres do labor para se dedicarem às atividades intelectuais, filosóficas e políticas[2].

O escravo não era sujeito de qualquer direito, enquadrando-se como um objeto do direito de propriedade. Não havia trabalho livre, não havia liberdade, representando “um óbice

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moral, hoje intransponível, de justificar a plena degradação da pessoa humana por um sistema social e de poder” (PORTO, 2009, p. 21).

Não era possível falar em Direito do Trabalho, já que o contrato de trabalho pressupõe a existência de dois sujeitos de direito (empregado e empregador), mas certamente já se verifica aí uma das vertentes da subordinação nessas relações.

2.2. A SUBORDINAÇÃO COMO DIREITO DE POSSE

No feudalismo, os senhores feudais eram detentores dos meios de produção. Aqueles que não possuíam tais meios – os servos – trabalhavam para o senhor em troca de proteção. Surge uma nova espécie de trabalho, desta vez, pelo menos em tese, livre.

Os servos já se apresentavam como sujeitos de direito, contudo estavam inseridos em um dos polos de uma relação de trabalho sob fortes fatores de dependência social e jurídica, devidamente legitimados pelo poder político (CHOHFI, 2009, p. 39).

Surge o instituto da posse[3], que retrata a passagem do trabalhador escravo para o camponês livre de direitos, mas preso a um senhor por um costume da época. O camponês possuía a força de produção sobre a terra e o senhor feudal detinha a própria terra. O camponês, além da submissão jurídica emanada pelas regras costumeiras da época, também possuía dependência econômica.

Segundo Barros (2006, p. 54), a relação dos servos, pelo menos no Baixo Império Romano, era muito próxima à dos escravos. Eles eram escravos alforriados ou homens livres que, diante da invasão de suas terras pelo Estado e, posteriormente, pelos bárbaros, tiveram que recorrer aos senhores feudais em busca de proteção. Em contrapartida, os servos estavam obrigados a pesadas cargas de trabalho e poderiam ser maltratados ou encarcerados pelo senhor, que desfrutava até mesmo do chamadojus primae noctis, ou seja, direito à noite de núpcias com a serva da gleba que se casasse.

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Embora não tivesse uma subordinação criada pelo homem por intermédio do Direito, havia uma dependência típica da relação de quem tem os meios de produção em face daquele que detinha a força de trabalho.

2.3. SUBORDINAÇÃO CLÁSSICA DO PERÍODO INDUSTRIAL

A indústria deu oportunidade para o ex-camponês se tornar operário, trabalhando nas nascentes fábricas em troca de remuneração, o que provocou um grande movimento migratório dos camponeses aos centros urbanos. Agora, sem terra para trabalhar e sem ferramentas para o trabalho artesanal, a escolha consistia em trabalhar ou morrer de fome.

A respeito do tema, Porto (2009, p. 24) leciona: “mesmo que se admita que o operário detinha maior liberdade do que o escravo ou o servo – o que é discutível – as suas condições de trabalho e de vida talvez fossem até piores. Com efeito, como o escravo compunha parte valiosa do patrimônio do senhor, este tinha interesse na preservação de sua saúde e integridade física. Ao contrário, o industrial explorava ao máximo o operário e depois simplesmente o “descartava”, tratando-o como se “fungível” fosse, pois a sua substituição não lhe causava prejuízos”.

Diante desse cenário é que surge o conceito de subordinação clássica. O operário que negasse a prestação de serviços sob as condições impostas por um empregador incessantemente sedente por lucro era substituído por outro.

O sistema econômico capitalista provocou a instituição de relações de trabalho homogêneas, padronizadas: o operário trabalhava dentro da fábrica, sob a direção do empregador, que lhe dava ordens, vigiava seu cumprimento e lhes imputava penalidades.

Nesse contexto histórico, o trabalhador estava submetido a uma disciplina hierárquica rígida, sendo reduzida ao mínimo a sua possibilidade de efetuar escolhas. O empregador, através de seu

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poder diretivo, controlava diretamente toda atuação laboral do seu empregado em todos os aspectos: conteúdo, modalidade, tempo, lugar, etc.

Segundo Porto (2010, p. 43), nos primórdios do Direito do Trabalho, a subordinação foi identificada com a presença constante de ordens intrínsecas e específicas, com a predeterminação de um horário rígido e fixo de trabalho, com o exercício da prestação laborativa nos próprios locais da empresa, sob a vigilância e controle assíduos do empregador e de seus prepostos. A subordinação, em sua matriz clássica, corresponde à submissão do trabalhador a ordens patronais precisas, vinculantes, “capilares”, penetrantes, sobre o modo de desenvolver a sua prestação, e a controles contínuos sobre o seu respeito, além da aplicação de sanções disciplinares em caso de descumprimento.

Esse conceito clássico de subordinação, marcada pela forte direção patronal em todos os aspectos da prestação laboral, apenas reflete o período vivido à época com o novo sistema capitalista.

Contudo, com o passar do tempo e com as transformações econômicas e sociais, o método de subordinação haveria de mudar...

2.4 AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E AS MUDANÇAS NA CONCEPÇÃO DO CONCEITO DE SUBORDINAÇÃO

As grandes mudanças na conjuntura socioeconômica, notadamente aquelas ocorridas a partir da década de 1970, provocaram grandes repercussões nas relações de trabalho. Os trabalhadores, sobretudo nas indústrias, passaram a exercer atividades não mais de manipulação de materiais, mas, sim, de controle de automações complexas, cuja atividade necessitava de alto grau de especialização.

Na indústria, o modelo tradicional sofreu alterações consideráveis. A elevação do nível de qualificação dos empregados,

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a pressão da concorrência e as inovações tecnológicas resultaram em uma mudança na concepção de administração.

Além disso, o impacto da globalização, a corrida por novas tecnologias e a diminuição das barreiras entre os países com a consequente troca de culturas trouxeram ao âmbito das empresas cobranças por medidas responsáveis de gestão.

Entre essas mudanças de gestão destaca-se a gestão por competência, em que o trabalhador não é visto como um manipulador de um sistema ou máquina, mas sim como homem portador de atributos, com capacidade pessoal como fator de produtividade. É conferido ao trabalhador uma autonomia que lhe permita exprimir o seu talento. Os empregados são submetidos a uma obrigação por resultado, mas do que obrigação de meio, resultando maior liberdade na execução do seu trabalho.

Essa é a nova concepção de subordinação nos dias atuais: a relação entre empregado e empregador adquire flexibilidade, tanto em relação ao lugar, quanto ao tempo e as modalidades de prestação de serviços.

Segundo Porto (2009, p. 89), “parte-se da ideia de que a qualidade do trabalho é essencial à qualidade do produto. São incentivadas a maior qualificação profissional e a participação e envolvimento dos trabalhadores nas políticas da empresa. A força de trabalho competente e motivada torna-se um fator estratégico para o aumento da produtividade. A organização empresarial deixa de ser um relógio – que funciona se todas as suas partes trabalham como foram projetadas e se transforma em um organismo – onde todas as partes desenvolvem funções especializadas, mas interagem entre si”.

Há, portanto, uma maior autonomia do empregado no exercício de suas funções, ao mesmo tempo em que lhe é exigido na fase posterior, quando são apresentados os resultados do trabalho efetuado.

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Desta forma, com o novo conceito de subordinação, o número de trabalhadores abrangidos pela tutela do Direito do Trabalho sofreu uma irrefutável ampliação. Neste sentido, Porto (2009, p. 47) leciona: “Como, historicamente, os primeiros obreiros protegidos foram os operários, isto é, trabalhadores preponderantemente manuais, houve uma resistência inicial em se incluir no campo do Direito do Trabalho os demais trabalhadores, como os intelectuais. Todavia, com o passar do tempo, essa inclusão acabou sendo efetuada, como destaca José Martins Catharino, ocorrendo uma “expansão centrífuga – em relação ao núcleo da disciplina”. Nesse processo foi fundamental a “elasticidade no conceito de subordinação”, que atuou de “maneira centrípeta”, atraindo para o manto juslaboral trabalhadores que, nos termos do conceito tradicional de subordinação, não eram tidos como empregados”.

Um exemplo típico da nova concepção do conceito de subordinação podemos verificar no teletrabalho. A execução da prestação laborativa se dá em lugar diverso daquele em que se encontra o empregador, de modo que até mesmo a conexão entre trabalhador e empregador se dá por meio da utilização dos recursos da tecnologia de informação.

Quanto ao teletrabalho, segundo Barros (2006, p. 308), fazendo referência às decisões sobre o assunto nos tribunais espanhóis: “Os tribunais espanhóis, por exemplo, quando definem pela relação empregatícia do teletrabalhador, realçam que as novas tecnologias não poderão servir de burla à legislação vigente e assimilam a presença física à virtual, destacando que o empregador recebe por meio da internet a mesma prestação de serviços que receberia se o empregado estivesse na empresa, sendo idêntico o resultado do trabalho para as partes. Concluem que o avanço tecnológico não poderá implicar retrocesso social, favorecendo a precariedade do emprego”.

Diante do exposto, torna-se claro que o conceito de subordinação jurídica evoluiu em face das novas modalidades de

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prestação de serviços, ficando configurado pela simples inserção do trabalhador no processo produtivo do tomador, independentemente do recebimento ou não de ordens diretas. O controle do empregado não desapareceu, mas o seu objeto se modificou. Não se exerce mais sobre o modo de execução de uma determinada tarefa, mas, sim, sobre o seu resultado. Isso, sem dúvida, deixa uma linha divisória muito tênue entre a relação de emprego e o trabalho autônomo.

2.5 SUBORDINAÇÃO SUBJETIVA x SUBORDINAÇÃO OBJETIVA

Diante das mudanças atualmente perpetradas no conceito de subordinação, a doutrina passou a adotar uma classificação baseada no poder de mando do empregador.

Assim surgem os conceitos de subordinação subjetiva e objetiva.

Encarada sob o prisma subjetivo, o poder de comando se dá diretamente sobre a pessoa do empregado. É o tipo de subordinação típico do período clássico em que o operário era submetido a ordens e vigilância constantes.

O exercício desse poder empregatício, com frequente emanação de ordens ainda se faz sentir nas pequenas empresas, nas funções de baixa hierarquia, no trabalho eminentemente manual.

Esse conceito incorpora uma função subjetivista que não mais condiz com a realidade atual. Segundo Porto apud ROMITA (2009, p. 68), “a subordinação-controle ou subjetiva deve ser substituída pela subordinação-integração ou objetiva”.

A subordinação objetiva volta-se para o modo como o serviço deve ser executado e não sobre a pessoa do empregador. Para Porto (2009, p. 69), nessa concepção, decorre do fato de “o trabalhador se integrar numa organização de meios produtivos

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alheia, dirigida à obtenção de fins igualmente alheios, e que essa integração acarreta a submissão às regras que exprime o poder de organização do empresário”.

Ainda segundo a autora, há subordinação quando se dá o “acoplamento do prestador na atividade da empresa”, revelado por “recíprocas expectativas que se reiteram”, posto que “à atividade da empresa é imprescindível à atividade do trabalhador e este se vincula àquela em razão da integração de atividades, o que redunda em uma situação de dependência”.

Desta forma, a subordinação objetiva é um conceito mais amplo, pois é capaz de abranger hipóteses não alcançadas pela noção tradicional, fazendo incluir na qualidade de empregado o trabalhador em domicílio, os teletrabalhadores e os trabalhadores intelectuais.

3. O TRABALHADOR INTELECTUAL

De acordo com Barros (2006, p. 260), trabalhadores intelectuais são “aqueles cuja atividade pressupõe uma cultura científica ou artística, como o advogado, o médico, o dentista, o engenheiro, o artista, entre outros”. Distinguem-se dos que exercem serviços manuais por desenvolverem trabalhos intelectuais ou artísticos e por exercitarem seus serviços com mais autonomia, de modo que a subordinação se mostra mais rarefeita.

Durante muitos anos difundiu-se a ideia de que o contrato de trabalho era incompatível com os trabalhadores intelectuais, haja vista ausência de subordinação.

De fato, tinha-se que somente os trabalhos manuais poderiam ser objeto de contrato de trabalho. Neste sentido, o civilista Pothier, no século XVIII, assim ensinava: “[...] apenas os serviços ignóbeis, mensuráveis em dinheiro, são suscetíveis ao contrato de locação, tais como aqueles dos serviçais, dos trabalhadores manuais, dos artesãos etc. Aqueles cuja excelência

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ou a dignidade da pessoa que os presta os impede de serem mensurados em dinheiro não são suscetíveis[4]”.

À época, considerava-se que somente os serviços ditos “ignóbeis” eram suscetíveis de apreciação monetária e poderiam ser objeto de contrato de natureza trabalhista. O trabalho intelectual distinguia-se pela excelência ou pela dignidade do seu prestador, de modo que não permitia o seu desenvolvimento em troca de remuneração, admitindo-se doações em homenagem ao serviço prestado. Assim surgiu a diferenciação entre salário e honorário, sendo este uma “recompensa pelo serviço, de caráter inestimável – do homem da arte” (Porto, 2009, p. 54).[5]

Contudo, sobreveio a “proletarização dos intelectuais”. Para Barros (2006, p. 259), “a extensão da legislação trabalhista ao trabalhador intelectual ocorreu após a Primeira Guerra Mundial, com a crise das carreiras liberais e a transformação de seus membros em proletários.” Para a referida autora, isso ocorreu com a concentração das empresas jornalísticas, com o surgimento de mutualidades médicas com milhares de associados e com o aumento de escritórios jurídicos e outras instituições similares.

Hoje é cediço a possibilidade de atuação de trabalhadores intelectuais como empregados, porquanto a própria Constituição Federal de 1988 proíbe distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos (art. 7°, XXXII, CF/88).

Os trabalhadores intelectuais podem exercer suas atividades de forma autônoma ou como empregado, quando preenchidos os requisitos legais para sua caracterização, ou ainda podem atuar como empregadores. Desta forma, para fins de qualificação, é imprescindível atestar a presença da subordinação.

3.1 A SUBORDINAÇÃO JURÍDICA NO TRABALHO INTELECTUAL

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Uma das principais características do trabalhador intelectual é sua sapiência técnica. Assim sendo, mais intenso é seu poder de iniciativa, exigindo-se respeito a sua autonomia como trabalhador.

Desta forma, quanto mais o serviço se intelectualiza, mais se dilui a subordinação.

Segundo Porto (2009, p. 55), em razão do caráter técnico da sua prestação, ele não está submetido, em geral, a ordens patronais com relação ao conteúdo e modalidade de execução desta última. De fato, ele é contratado pelo empregador exatamente porque este não detém os conhecimentos específicos, que são necessários ao processo produtivo. Do mesmo modo, como muitas vezes o que interessa é o resultado da sua atividade, eles gozam de maior liberdade com relação ao horário de trabalho e ao local da prestação de serviços (que podem, por exemplo, ser executados, em parte, em sua própria residência).

Desse modo, a possibilidade de se reconhecer um trabalhador intelectual como empregado decorreu do novo conceito de subordinação, que se tornou mais flexível, gerando sua proteção, uma vez que passou a ser protegido pelo normas juslaborais.

4. CONCLUSÃO

O conceito de subordinação é de extrema relevância para o Direito do Trabalho, pois constitui o elemento qualificador essencial da relação de emprego. Constitui uma verdadeira “chave de acesso” às tutelas justrabalhistas.

As novas mudanças ocorridas na realidade socioeconômica e no mundo do trabalho fez o conceito de subordinação sofrer uma adaptação interpretativa, resultando em maior número de trabalhadores submetidos à tutela jurídica do Direito do Trabalho, assim como o trabalhador intelectual, passando a exercer sua finalidade e missão essencial de defesa de obreiros

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hipossuficientes com mais abrangência, concretizando a dignidade do trabalhador, objetivo buscado por nossa Constituição Cidadã.

REFERÊNCIAS

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTR, 2006. 1351 p.

BRASIL, Decreto Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a consolidação das leis do trabalho. 7. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 2ª ed. Niterói: Impetus, 2008. 1358 p.

CHOHFI, Thiago. Subordinação nas Relações de Trabalho. São Paulo: LTR, 2009. 103 p.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 2009. 280 p.

______. Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 2ª Ed. São Paulo: LTR, 2004. 214 p.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2010. 1344 p.

MACHADO, Sidnei. A Noção de Subordinação Jurídica. São Paulo: LTR, 2009. 168 p.

MAIOR, Jorge Luiz Souto. Curso de Direito do Trabalho. Volume II. São Paulo: LTR, 2008. 517 p.

PESSOA, Flávia Moreira Guimarães. Relações de Trabalho na Sociedade Contemporânea. São Paulo: LTR, 2009. 165 p.

PINTO, José Augusto Rodrigues. Tratado de Direito Material do Trabalho. São Paulo: LTR, 2007. 967 p.

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PORTO, Lorena Vasconcelos. A Subordinação no Contrato de Trabalho: Uma Releitura Necessária. São Paulo: LTR, 2009. 280 p.

REIS, Jair Teixeira dos. Subordinação Jurídica e o Trabalho à Distância. São Paulo: LTR, 2007. 96 p.

NOTAS:

[1] BÍBLIA SAGRADA, 2ª edição. Ed. Geográfica, 1978, p 3.

[2] Referência dada por Thiago Chohfi no livro “Subordinação nas relações de trabalho”, Editora LTR, 2009, p. 36.

[3] Expressão utilizada por Thiago Chohfi em obra já referenciada.

[4] Referência feita por Lorena Vasconcelos Porto, na obra A Subordinação no Contrato de Trabalho – Uma Releitura Necessária, Ed. LTR, 2009, p. 53.

[5] Segundo Porto fazendo referência à Délio Maranhão (2009, p. 54), a distinção entre serviços liberais e iliberais remonta aos Romanos, para os quais o contrato de trabalho tinha por objeto apenas serviços “honestos, mas iliberais”. Os serviços liberais como os do médico, do advogado, não eram considerados objeto de locação nem se podia pretender, juridicamente, o salário. O costume regulava a retribuição desses serviços como donativos socialmente obrigatórios, que os romanos chamavam honorária ou numera. Daí se originou o vocábulo “honorários” para fazer referência ao pagamento dos serviços do profissional liberal.

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A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE

ELIZIANE CHAGAS SILVA: Bacharel em Direito. Analista Processual do Ministério Público Federal em Brasília.

RESUMO: O presente trabalho objetivou analisar a relação entre o meio ambiente equilibrado e fundamento da dignidade da pessoa humana, no ordenamento jurídico pátrio. Durante o desenvolvimento do trabalho foi realizada pesquisa bibliográfica das questões pertinentes ao tema, tais como: meio ambiente, dignidade da pessoa humana, direito fundamental. Esta análise tem caráter totalmente qualitativo, porque se procurou conhecer a natureza do objeto de estudo. Ao final concluiu-se que uma forma eficaz de garantir a dignidade da pessoa, alcança-se com a concretização do direito fundamental do meio ambiente seguro e equilibrado.

Palavras chave: ambiente, dignidade da pessoa humana, direito fundamental.

INTRODUÇÃO

A idéia de se tecer um trabalho acadêmico, com o tema “A dignidade da pessoa humana e a proteção ao meio ambiente”, surgiu em meio da necessidade de transformação das más ações da sociedade quanto à sustentabilidade ambiental.

Percebe-se a importância do estudo das normas constitucionais pertinentes à temática, pois um dos grandes desafios da atualidade consiste exatamente na proteção jurídica ambiental, visto que a espécie humana e outros tipos de vida correm o risco de serem extintas.

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O propósito de elaboração deste trabalho é meramente acadêmico, no qual se pretende expor algumas idéias e abordagens sobre o assunto. Como ponto de partida desta pesquisa, mister fazer estudo relacionado ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana, inserida na Constituição Federal de 1988, tendo as suas bases eminentemente teóricas e nos moldes de uma investigação focada em determinado comportamento social pré-existente em relação ao meio ambiente.

Este trabalho tem por escopo sustentar didaticamente a existência de uma ética ambiental emancipatória, especificamente fundada no princípio da Dignidade Humana expressa na Constituição Federal brasileira de 1988. A partir das considerações anteriores, se apresentará uma análise da ética ambiental sob a perspectiva da Constituição brasileira, como elemento conscientizador da preservação do meio ambiente.

Tendo em vista a degradação do meio ambiente nacionalmente, que vai desde ruas, valas e balneários entulhados de lixos, poluição sonora e visual e falta de sensibilização da população em relação às consequências futuras das ações realizadas atualmente, como o desperdício de água, fumaças decorrente de queimadas e o lixo em lugares indevidos, é necessário uma análise sendo contundente uma pesquisa relacionada às causas e às consequências da degradação ambiental, conforme o principio da Dignidade Humana para demonstrar a população sobre a ética ambiental para uma melhor qualidade de vida para a população roraimense, explorando os benefícios da ética e da moral quanto ao relacionamento interpessoal na sociedade, prevenindo assim futuros prejuízos sociais e propiciar uma mudança dos maus hábitos e ações da sociedade.

Portanto, faz-se necessário compreender o Princípio da Dignidade Humana assegurada na Constituição Federal brasileira de 1988 e relacionar o Princípio da Dignidade Humana à ética ambiental, apresentando as causas e asconsequências da

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degradação ambiental na sociedade e verificar as vantagens da observância do princípio da Dignidade da Pessoa Humana pela sociedade, para um meio ambiente sustentável.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 ÉTICA E MORAL

A princípio, faz-se necessário distinguir ética de moral, pois desde os séculos passados até os dias atuais, muitas pessoas confundem os dois termos, que são etimologicamente diferentes e de significação assemelhada.

Conforme Nalini (2006), ética vem do grego ethos e significa ‘morada’, lugar onde se habita, tendo sido usada também para dizer ‘modo de ser’ ou ‘caráter’. Por outro lado, moral – que provém do latim mores – se refere aos hábitos ou costumes da pessoa. Corroborando a ideia, Vázquez (2005) afirma que “a ética é aquela que se coloca na condição de ciência do comportamento moral dos homens em sociedade, ou seja, é ciência de uma forma específica de comportamento humano”.

Nesse sentido Damas (s.d) afirma que,

Tem por objeto próprio de estudo o conjunto de regras de comportamento e modos de vida do homem em sede social. Assim, a ética se propõe ao exame de um comportamento moral pré-existente dentro de uma determinada sociedade, onde se procura revelar e compreender a origem, condições e razões daquele modelo de ação, resultante que fora da reiteração de hábitos aceitos e consolidados socialmente.

Ainda conforme Damas (s/d) é preciso entender o significado da palavra ética, antes de aprofundar na ética ambiental, sendo importante demonstrar que os propósitos capitalistas de fato constatados que encaminham o Planeta Terra para a

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insustentabilidade física, justamente a partir da inauguração de uma maneira mais apurada de conhecer que denominamos de “ciência moderna” ou mundo capitalista. Mas se o sistema capitalista chega às raias da autofagia, porque não exercitarmos a “manipulação do próprio veneno”, ou seja, devido a carência da ética ambiental, a sociedade cada vez mais se encontra afastada da subjetividade e dos valores, levando à super exploração de recursos e ao desequilíbrio dos ecossistemas naturais.

Nesse passo, Comparato (2006) complementa afirmando que,

Para que possamos entender qualquer elemento da biosfera, e em especial o homem, é indispensável enxergá-lo holisticamente (holos, na língua grega, é um advérbio que significa em sua totalidade); portanto, não apenas sob o aspecto estrutural, mas também funcional. Em vez de decompor as partes do todo e analisá-las em separado, é preciso considerar a totalidade em sua organização completa, bem como entender o seu relacionamento com o mundo exterior.

Segundo Damas (s/d) no epicentro do atual estágio de capitalismo, individualismo e de apropriação ilimitada de bens, o sentimento geral é de que dificilmente se concretizaria comportamento moral respeitoso à lógica de conservação do meio ambiente, em face justamente da enorme disparidade social existente entre as mais diversas classes sociais, em vista de que sustentabilidade sugere ainda compartilhamento e solidariedade com o outro.

2.2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Benevides (s/d) cita que a geração mais jovem, no Brasil, que não viveu os anos da ditadura militar certamente terá ouvido falar do movimento de defesa dos direitos humanos em benefício daqueles que estavam sendo perseguidos por suas convicções ou

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por sua militância política, daqueles que foram presos, torturados, assassinados, exilados, banidos, mas talvez não saibam como cresceu, naquela época, o reconhecimento de que aquelas pessoas perseguidas tinham direitos invioláveis, mesmo que julgadas e apenadas, continuavam portadores de direitos e se evocava, para sua defesa e proteção, a garantia dos direitos humanos, o direito a ter direitos.

Nunes (2002) relata que a República Federativa do Brasil constitui um Estado Democrático de Direito estabelecido topograficamente em sua Constituição, por meio de seu artigo 1o, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do sistema constitucional, servindo de resguardo para os direitos individuais e coletivos, além de revelar-se um principio maior para a interpretação dos demais direitos e garantias conferidos aos cidadãos.

A constitucionalização do principio da dignidade da pessoa humana modifica, em sua raiz, toda a construção jurídica: ele impregna toda a elaboração do direito, porque ele é o elemento fundante da ordem constitucionalizada e posta na base do sistema. Logo, a dignidade da pessoa humana é o principio havido como superprincipio constitucional, aquele no qual se fundam todas as políticas estratificadas no modelo de Direito plasmado na formulação textual da constituição. (ROCHA, 1999)

Corroborando o raciocínio, Benevides (s/d) cita que os Direitos Humanos são universais e naturais. São universais no sentido de que aquilo que é considerado um direito humano no Brasil, também deverá sê-lo com o mesmo nível de exigência, de respeitabilidade e de garantia em qualquer país do mundo, porque eles não se referem a membro de uma sociedade política ou a um membro de um Estado; eles se referem à pessoa humana, na sua universalidade. Também são chamados de direitos naturais, porque dizem respeito

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à dignidade da natureza humana. São naturais, ainda, porque existem antes de qualquer lei, e não precisam estar especificados numa lei, para serem exigidos, reconhecidos, protegidos e promovidos.

A dignidade da pessoa humana, (...) está erigida como principio matriz da constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos direitos e garantias fundamentais como cânone constitucional que incorpora “as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo sistema jurídico brasileiro”. (PIOVESAN, 2009)

Sarlet (2003) ratifica, citando que a dignidade da pessoa humana está vinculada à ideia de que não é possível a submissão do homem à condição de mero objeto do Estado e de terceiros. Elevá-la como direito significa que o homem é o centro do universo jurídico.

2.3 O MEIO AMBIENTE

Trennepohl (2008) cita que é fato que o homem por muito tempo tem revelado preocupação com o meio ambiente, pois tal fato está estritamente ligado à história das civilizações e que por vezes o desequilíbrio ambiental gerou guerras por áreas mais prósperas, fazendo com que o homem tivesse um domínio ilimitado da natureza ocasionando a degradação ambiental.

Ainda conforme Trennepohl (2008) é certo que, diante de tal quadro, propostas e mais propostas surgiram com o fim de solucionar o problema ambiental, abrangendo aspectos físicos e políticos. A legislação brasileira, a exemplo, e mais especificamente no art. 225 da Constituição Federal, considera o meio ambiente um direito fundamental, dispondo que:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum

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do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).

Nesse sentido, Molinaro (2007) afirma que o meio ambiente é tratado como sendo um bem a ser protegido constitucionalmente, sendo um bem de uso comum do povo e necessário à sadia qualidade de vida, ou seja, todos têm o direito e o dever de usufruir e proteger os recursos naturais inerentes ao meio ambiente. Sendo assim, representa a interação da sociedade e do Estado, corporificando a participação democrática nas questões ambientais, justificando o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e, consequentemente, a própria vida. Vê-se, portanto, que a norma busca resguardar a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida.

Posto isto, percebe-se a importância do estudo das normas constitucionais pertinentes à temática, pois um dos grandes desafios da atualidade é a proteção jurídica ambiental, visto que a espécie humana e outros tipos de vida correm o risco de serem extintas. É fato que a compreensão do novo paradigma do Estado Democrático de Direito e da teoria dos direitos fundamentais tornam-se imprescindíveis para uma proteção jurídica ambiental efetiva e mais ampla.

Conforme ensina Terence Trennepohl (2008),

Inovando brilhantemente, a nossa Carta Magna trouxe um capítulo especifico sobre o assunto, voltado inteiramente ao meio ambiente, definindo-o como sendo direito de todos e lhe dá a natureza de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, incumbindo ao poder público e à coletividade o dever de zelar e preservar para que as próximas gerações façam bom uso e usufruam livremente de um

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meio ambiente equilibrado. (TRENNEPOHL, 2008)

Feitas as considerações, temos que a relevância do tema em comento reside na preocupação mundial com a defesa do meio ambiente e com os constantes debates jurídicos acerca das consequências oriundas do desequilíbrio ambiental que provoca a modificação do quadro histórico, visto que é cada vez mais constante o desaparecimento de culturas, estabelecimento de regras, extinção de espécies e o massacre da população mundial. Essas sequelas refletem o profundo desrespeito aos limites do desenvolvimento e a natureza.

2.4 MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO

“O direito ao meio ambiente equilibrado e sadio compreende a vida e sua qualidade para a população presente e futura, sendo indispensável para que todos os demais direitos humanos fundamentais se concretizem.” (THOMASI, 2008)

Segundo Machado (2000), o direito intergeracional ao meio ambiente sadio e equilibrado é fundamental, até porque o legislador em outros dispositivos da Carta Magna o erigiu à constitucional, além do que se traduz em um direito coletivo e difuso como facilmente se verifica nas disposições que possibilitam a utilização de ação popular e ação civil pública na defesa dos mesmos.

Conforme Thomasi (2008), o direito ao meio ambiente sadio constitui um problema mundial, que diz respeito à geração presente como as futuras que sofrem as consequências da perda da biodiversidade e a conservação das populações tradicionais, já que cada ação que interfira na natureza é importante na manutenção da qualidade de vida.

A declaração de Estocolmo de 197 foi o primeiro documento internacional que fez referência ao direito intergeracional, prescrevendo “que o homem tem a solene responsabilidade de proteger e melhorar o meio ambiente para a atual e futuras

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gerações.” A partir desse momento então, o meio ambiente começou a ser erigido à categoria de direito humano, apesar de não haver expressa disposição legal.

Posteriormente, o princípio 1º da Declaração do Rio de Janeiro/925 enunciou: “Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm direito à vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza”.

Segundo THOMASI (2008) é certo que o conceito de meio ambiente e saúde são indissociáveis, tanto que a norma legal assim prevê, já que o meio ambiente vai influenciar na qualidade de vida das pessoas e consequentemente determinar quem vai ter uma boa saúde ou não. Por sua vez o conceito de saúde diz respeito a uma série de fatores que determinam o bem estar do indivíduo, englobando o meio ambiente.

Ainda conforme Thomasi (2008) percebe-se facilmente a relação entre degradação ambiental e a saúde ou qualidade de vida da população. Até porque saúde como define a Organização Mundial de Saúde, não quer dizer falta de patologia, mas sim um “estado de completo bem-estar físico, mental e social, não consistindo, portanto, apenas ausência de doença ou enfermidade, tanto que atual Constituição Federal aderiu a tal conceito, como se extrai de seu art. 196: “a redução a riscos de doenças e de outros agravos.”

Nessa baila, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. º 6938/81) ainda relaciona os conceitos de meio ambiente e saúde quando dispõe no Art. 3º que “Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: prejudiquem a saúde (grifo-se), a segurança e o bem-estar da população.”

A perda de qualidade de vida e saúde humana ocorreram a partir da Revolução Industrial, onde o que importava era a

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industrialização e sua consequente produção. Posteriormente, a globalização acentua mais esta problemática, até pelo consumismo desenfreado, que incentiva cada vez mais a fabricação em grandes escalas.

Segundo Rios e Derani (2005) os pobres estão mais expostos aos riscos decorrentes da localização de suas residências da vulnerabilidade destas moradias a enchentes, desmoronamentos e à ação de esgotos a céu aberto. “Há consequentemente forte correlação entre indicadores de pobreza e a ocorrência de doenças associadas à poluição por ausência de água e esgotamento sanitário ou por lançamento de rejeitos sólidos, emissões líquidas e gasosas de origem industrial.” (THOMASI, 2008)

Dentre as razões para que isto ocorra pode se afirmar que nestas áreas o valor econômico das terras é mais baixo, além do que a “ignorância” da população propicia a maior facilidade de instalação, seja pela falta de conhecimentos técnicos, seja pela ausência de oposição, acostumados que estão a não serem ouvidos em suas reivindicações.

De acordo com Thomasi (2008) o sinal de que existe conexão entre proveito de pessoas e terra. Geralmente os índios são acometidos das maiores desgraças ambientais, tais como contaminação dos rios, lixões e incineradores, dentre tantos. Sem levar em consideração o transporte transfonteiriço de produtos tóxicos que normalmente são levados para países subdesenvolvidos.

Também, conforme Rios e Derani (2005) estão incluídos nos casos de discriminação, aqueles trabalhadores que se sujeitam a laborar em empresas poluidoras, por uma questão de sobrevivência, sem pensar nos direitos trabalhistas e de segurança mínima de qualidade de vida. Além de inúmeras vezes, também permitir que sua família ali atue.

Ainda conforme Rios e Derani (2005), na periferia dos grandes centros urbanos constata-se o crescimento desordenado das

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favelas, destituídas de condições mínimas de urbanização que se concentram em espaços vazios, coligadas ao racismo, onde inúmeros indivíduos vivem.

A própria Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.º 6938/81) condiciona a qualidade de vida ao ambiente equilibrado à dignidade humana, quando assim determina:

Art. 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana (grifo nosso).

Por esta razão, a rede brasileira de Justiça Ambiental define injustiça ambiental como:

Princípio 1º: Entendemos por injustiça ambiental o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos sociais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis.

Conforme Thomasi (2008), somente a dignidade da pessoa humana é capaz de conceber direitos, garantindo aos cidadãos as demais ordens legais, sejam elas, sociais, culturais ou econômicas, as quais englobam o meio ambiente equilibrado e saudável, moradia condigna, bem como boas condições de trabalho propiciando uma melhor qualidade de vida e consequentemente uma boa saúde.

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Ainda segundo Thomasi (2008), o cidadão tornou-se peça fundamental nessa discussão, pois conceito está atrelado ao respeito aos direitos humanos fundamentais, ou seja, sua participação e a construção de seu próprio destino, vez que o que está em jogo, literalmente, a sua garantia de uma vida digna e saudável. Assim, o grande desafio do século XXI reside no fato “de mudar o sistema de valores que está por trás da economia global, de modo a torná-lo compatível, com as exigências da dignidade humana e da sustentabilidade ecológica” (KRAEMER, s.d).

Defendendo a idéia que a percepção ambiental resolveria à problemática, Sandra Faggionato a definindo como “uma tomada de consciência do ambiente pelo homem, ou seja, como se autodefine perceber o ambiente que se está localizado, aprendendo a protegê-lo e cuidar da melhor forma”. Isto porque sem o meio ambiente equilibrado e sadio, não há como cumprir os direitos humanos fundamentais à vida, à saúde e ao bem estar, além de que aquele depende daqueles para terem eficácia e respeitarem a dignidade da pessoa humana, como valor primordial.

Assim, foi possível verificar ao longo do trabalho, que existe uma não efetivação dos direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988, pois parte da população nacional não respeita e não defende o meio ambiente, prejudicando assim, a sociedade em geral, violando, dessa forma, a dignidade da pessoa humana.

Nesse contexto, a Constituição Federal, especificamente no art. 225, considera o meio ambiente direito fundamental, dispondo que:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Com efeito, Ramos (2009) versou sobre questões pertinentes à dignidade da pessoa humana e aos seus mecanismos

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concretizadores, no campo do Direito Urbanístico e do Direito Ambiental. Nesse contexto, analisaram-se elementos referentes aos princípios e a seus aspectos jurídicos, destacando o princípio da dignidade da pessoa humana, na condição de valor intrínseco a todos ser humano, afirmando que tal postulado, como instrumento assegurador de uma existência digna, deve ter assegurado a sua presença em variados elementos, que assegurem a sua concretização, deixando evidente o seu caráter multifacetário.

Ramos (2009) destaca, também, a preocupação do constituinte originário com o meio ambiente, ao abordar em diversos momentos, na Constituição, a questão da qualidade ambiental e ao prover variados mecanismos para assegurá-la. Apontou a existência da degradação ambiental sendo um fator capaz de agravar a violação dos direitos humanos, e como estes não podem concretizar-se enquanto a degradação persistir: destaca a necessidade de se conciliar o desenvolvimento com a preservação ambiental.

Ramos (2009) enfatizou, ainda, a necessidade da participação popular em todo o processo de preservação ao meio ambiente. Com efeito, referido autor aponta as mudanças trazidas para a propriedade privada diante do enfoque atualmente dado à sua função social. Verifica, ainda, que os elementos referentes à função social da cidade e às necessidades humanas que precisam ser atendidas a fim de se alcançar, dentro do horizonte citadino, o bem-estar de seus ocupantes, e de efetivamente consolidar o princípio da dignidade da pessoa humana.

3 CONCLUSÃO

A Constituição Federal brasileira de 1988 tem como escopo, sem dúvida, a promoção do bem comum, vez que no próprio preâmbulo enfatiza que o Estado brasileiro destina-se a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e

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comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.

Com efeito, a expressão direitos humanos entendida por parte da doutrina, como direitos inerentes à pessoa humana, são tidos como ressalvas e restrições ao poder do Estado em interferir nas liberdades pessoais, expressas em declarações, dispositivos legais e mecanismos privados e públicos, destinados a fazer respeitar e concretizar as condições de vida que possibilitem a todo ser humano manter e desenvolver suas qualidades peculiares de inteligência, dignidade e consciência, e permitir a satisfação de suas necessidades materiais e espirituais.

Nesse passo, na esfera do meio ambiente, a dignidade da pessoa humana deve ser efetivada, conforme o artigo 225 do texto constitucional, sendo necessário haver renovação da ética ambiental, onde o comportamento humano se amolde à natureza, conscientizando-se e agindo de forma a melhorar a vida global de todos, respeitando a sua saúde e, portanto, sua dignidade como pessoa humana, ou em outras palavras, adotar-se uma visão holística, já que é impossível separar injustiça social da ambiental

Portanto, a dignidade da pessoa humana é alcançada, dentro do espaço urbano, quando se tem um meio ambiente ecologicamente equilibrado, vez ambos são premissas dependentes.

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TESSITURAS À LEI Nº 13.311/2016: COMENTÁRIOS ÀS NORMAS GERAIS PARA OCUPAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA URBANA

TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.

Resumo: O meio ambiente artificial, também denominado humano, se encontra delimitado no espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações e congêneres, denominado, dentro desta sistemática, de espaço urbano fechado, bem como pelos equipamentos públicos, nomeados de espaço urbano aberto. Cuida salientar, ainda, que o meio-ambiente artificial alberga, ainda, ruas, praças e áreas verdes. Trata-se, em um primeiro contato, da construção pelo ser humano nos espaços naturais, isto é, uma transformação do meio-ambiente natural em razão da ação antrópica, dando ensejo à formação do meio-ambiente artificial. Além disso, pode-se ainda considerar alcançado por essa espécie de meio-ambiente, o plano diretor municipal e o zoneamento urbano. Nesta esteira, o parcelamento urbanístico do solo tem por escopo efetivar o cumprimento das funções sociais da sociedade, fixando regramentos para melhor aproveitamento do espaço urbano e, com isso, a obtenção da sadia qualidade de vida, enquanto valor agasalhado pelo princípio do meio ecologicamente equilibrado, preceituado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Ora, não se pode olvidar que o meio-ambiente artificial é o local, via de regra, em que o ser humano se desenvolve, enquanto

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indivíduo sociável, objetivando-se a sadia qualidade de vida nos espaços habitados.

Palavras-chaves: Meio Ambiente Artificial. Ambiência Urbana. Utilização de Área Pública Urbana.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: A construção teórica da Ramificação Ambiental do Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3 Ponderações ao Meio Ambiente Artificial; 4 Objetivo da Política de Desenvolvimento Urbano; 5 Tessituras à Lei nº 13.311/2016: Comentários às Normas Gerais para Ocupação e Utilização de Área Pública Urbana.

1 Ponderações Introdutórias: A construção teórica da Ramificação Ambiental do Direito

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com a ênfase reclamada, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática.

Cuida hastear, com bastante pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que

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esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios

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em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial, quando se analisa a construção de novos que derivam da Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a ramificação ambiental, considerando como um ponto de congruência da formação de novos ideários e cânones, motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação, de boa técnica se apresenta os ensinamentos de Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo, aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até então era marginalizadas”[4]. Assim, em decorrência da proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas discussões internacionais envolvendo a necessidade de um desenvolvimento econômico pautado em sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir que ocorra a conservação e recuperação das áreas degradadas, primacialmente as culturais.

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito ambiental passou a figurar, especialmente, depois das décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os direitos que constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de

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solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma patente preocupação com o destino da humanidade[5]·. Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga em sua redação tais pressupostos como os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária”[6].

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar a existência de valores concernentes a uma determinada categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica fragmentação individual de seus componentes de maneira isolada, tal como ocorria em momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, insta trazer à colação o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em especial quando coloca em destaque que:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível[7].

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Ora, é conveniente anotar que os direitos inseridos sob a rubrica terceira dimensão assenta seus feixes principiológicos na promoção e difusão da solidariedade. Ao lado disso, não é possível olvidar que tal sedimento ideológico volta-se para a espécie humana na condição de coletividade, superando a tradicional ótica que privilegia o aspecto individual do ser humano. Ademais, segundo o magistério de Paulo Bonavides, “têm primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”[8]. Com efeito, os direitos de terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e concretização dos direitos fundamentais.

2 Comentários à concepção de Meio Ambiente

Em uma primeira plana, ao lançar mão do sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981[9], que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, salienta que o meio ambiente consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e influências de ordem química, física e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de fatores abióticos, provenientes de ordem química e física, e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas formas de seres viventes. Consoante Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”[10].

Nesta senda, ainda, Fiorillo[11], ao tecer comentários acerca da acepção conceitual de meio ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em um ideário jurídico

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indeterminado, incumbindo, ao intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com os componentes que cercam o ser humano, os quais são de imprescindível relevância para a sua existência. O Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 4.029/, salientou, com bastante pertinência, que:

(...) o meio ambiente é um conceito hoje geminado com o de saúde pública, saúde de cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição, é por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da Constituição, tecnicamente, que não pode haver desenvolvimento senão com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A geminação do conceito me parece de rigor técnico, porque salta da própria Constituição Federal[12].

É denotável, desta sorte, que a constitucionalização do meio ambiente no Brasil viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos corolários e princípios norteadores foram alçados ao patamar constitucional, assumindo colocação eminente, ao lado das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira, ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas constitucionais, com elaboração de capítulo especialmente

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dedicado à proteção do meio ambiente”[13]. Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988[14] está abalizado em quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura o substrato de edificação da ramificação ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio ambiente foi içado à condição de direito de todos, presentes e futuras gerações. É encarado como algo pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma, não se admite o emprego de qualquer distinção entre brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso que possui, extrapola os limites territoriais do Estado Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou que:

A preocupação com o meio ambiente - que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras (...) tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade[15].

O termo “todos”, aludido na redação do caput do artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, faz menção aos já nascidos (presente geração) e ainda aqueles que

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estão por nascer (futura geração), cabendo àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao gênero humano o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e bem-estar. Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável que se impõe, objetivando sempre o benefício das presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao Poder Público quanto à coletividade considerada em si mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos, incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito público interno ou externo, ou mesmo de direito privado, como também ente estatal, autarquia, fundação ou sociedade de economia mista. Impera, também, evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a possibilidade de quantificar quantas são as pessoas atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão robusta de um poder deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Com a nova sistemática entabulada pela redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a lesões perpetradas contra o ser humano para se agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente

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como vetor da sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie humana está se tratando do bem-estar e condições mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies). Por derradeiro, o quarto pilar é a corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever geral de se responsabilizar por todos os elementos que integram o meio ambiente, assim como a condição positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio ambiente, trabalhando com as premissas de desenvolvimento sustentável, aliando progresso e conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da referida corresponsabilidade, são titulares do meio ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

Em tom de arremate, é possível destacar que a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresarias nem manter dependência de motivações de âmago essencialmente econômico, notadamente quando estiver presente a atividade econômica, considerada as ordenanças constitucionais que a norteiam, estando, dentre outros corolários, subordinadas ao preceito que privilegia a defesa do meio ambiente, que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. O corolário do desenvolvimento sustentável, além de estar impregnando de aspecto essencialmente constitucional, encontra guarida legitimadora em compromissos e tratados internacionais assumidos pelo Estado Brasileiro, os quais representam fator de obtenção do justo equilíbrio entre os reclamos da economia e os da ecologia, porém, a invocação desse preceito, quando materializada situação

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de conflito entre valores constitucionais e proeminentes, a uma condição inafastável, cuja observância não reste comprometida nem esvaziada do aspecto essencial de um dos mais relevantes direitos fundamentais, qual seja: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.

3 Ponderações ao Meio Ambiente Artificial

O meio ambiente artificial, também denominado humano, se encontra delimitado no espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações e congêneres, denominado, dentro desta sistemática, de espaço urbano fechado, bem como pelos equipamentos públicos, nomeados de espaço urbano aberto, como tão bem salienta Fiorillo[16]. Cuida salientar, ainda, que o meio-ambiente artificial alberga, ainda, ruas, praças e áreas verdes. Trata-se, em um primeiro contato, da construção pelo ser humano nos espaços naturais, isto é, uma transformação do meio-ambiente natural em razão da ação antrópica, dando ensejo à formação do meio-ambiente artificial. Além disso, pode-se ainda considerar alcançado por essa espécie de meio-ambiente, o plano diretor municipal e o zoneamento urbano. É possível ilustrar as ponderações estruturadas utilizando o paradigmático entendimento jurisprudencial que direciona no sentido que:

Ementa: Administrativo. Conflito negativo de competência. Ação civil pública. Propaganda eleitoral. Degradação do meio ambiente. Ausência de matéria eleitoral. Competência da Justiça Estadual. [...] 4. A pretensão ministerial na ação civil pública, voltada à tutela ao meio ambiente, direito transindividual de natureza difusa, consiste em obrigação de fazer e não fazer e, apesar de dirigida a partidos políticos, demanda uma observância de conduta que extravasa período eleitoral, apesar da maior

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incidência nesta época, bem como não constitui aspecto inerente ao processo eleitoral. 5. A ação civil pública ajuizada imputa conduta tipificada no art. 65 da Lei 9.605/98 em face do dano impingido ao meio ambiente, no caso especificamente, artificial, formado pelas edificações, equipamentos urbanos públicos e comunitários e todos os assentamentos de reflexos urbanísticos, conforme escólio do Professor José Afonso da Silva. Não visa delimitar condutas regradas pelo direito eleitoral; visa tão somente a tutela a meio ambiente almejando assegurar a função social da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, nos termos do art. 182 da Constituição Federal. 6. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível de Maceió - AL, ora suscitado. (Superior Tribunal de Justiça – Primeira Seção/ CC 113.433/AL/ Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima/ Julgado em 24.08.2011/ Publicado no DJe em 19.12.2011).

Ementa: Processual civil e administrativo. Ação civil pública. Praças, jardins e parques públicos. Direito à cidade sustentável. Art. 2º, incisos I e IV, d Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade). Doação de bem imóvel municipal de uso comum à União para construção de agência do INSS. Desafetação. Competência. Inaplicabilidade da súmula 150/STJ. Exegese de normas locais (Lei Orgânica do Município de Esteio/RS). [...] 2. Praças, jardins, parques e bulevares públicos urbanos constituem uma das mais expressivas manifestações do processo civilizatório, porquanto encarnam o ideal de qualidade de vida da cidade, realidade físico-cultural refinada no decorrer de longo processo

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histórico em que a urbe se viu transformada, de amontoado caótico de pessoas e construções toscas adensadas, em ambiente de convivência que se pretende banhado pelo saudável, belo e aprazível. 3. Tais espaços públicos são, modernamente, objeto de disciplina pelo planejamento urbano, nos termos do art. 2º, IV, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade), e concorrem, entre seus vários benefícios supraindividuais e intangíveis, para dissolver ou amenizar diferenças que separam os seres humanos, na esteira da generosa acessibilidade que lhes é própria. Por isso mesmo, fortalecem o sentimento de comunidade, mitigam o egoísmo e o exclusivismo do domínio privado e viabilizam nobres aspirações democráticas, de paridade e igualdade, já que neles convivem os multifacetários matizes da população: abertos a todos e compartilhados por todos, mesmo os "indesejáveis", sem discriminação de classe, raça, gênero, credo ou moda. 4. Em vez de resíduo, mancha ou zona morta - bolsões vazios e inúteis, verdadeiras pedras no caminho da plena e absoluta explorabilidade imobiliária, a estorvarem aquilo que seria o destino inevitável do adensamento -, os espaços públicos urbanos cumprem, muito ao contrário, relevantes funções de caráter social (recreação cultural e esportiva), político (palco de manifestações e protestos populares), estético (embelezamento da paisagem artificial e natural), sanitário (ilhas de tranquilidade, de simples contemplação ou de escape da algazarra de multidões de gente e veículos) e ecológico (refúgio para a biodiversidade local). Daí o dever não discricionário do administrador de instituí-los e

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conservá-los adequadamente, como elementos indispensáveis ao direito à cidade sustentável, que envolve, simultaneamente, os interesses das gerações presentes e futuras, consoante o art. 2º, I, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade). [...] 8. Recurso Especial não provido. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.135.807/RS/ Relator: Ministro Herman Benjamin/ Julgado em 15.04.2010/ Publicado no DJe em 08.03.2012)

O domínio em apreço é caracterizado por ser fruto da interferência humana, logo, “aquele meio-ambiente trabalhado, alterado e modificado, em sua substância, pelo homem, é um meio-ambiente artificial”[17]. Como robusto instrumento legislativo de tutela do meio ambiente artificial, pode-se citar a Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[18], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, conhecido como “Estatuto da Cidade”, estabelece os regramentos e princípios influenciadores da implementação da política urbana. Nesta esteira, cuida trazer à colação o entendimento firmado por Fiorillo, em especial quando destaca que o diploma legislativo em apreço “deu relevância particular, no âmbito do planejamento municipal, tanto ao plano diretor (art. 4º, III, a, bem como arts. 39 a 42 do Estatuto) como à disciplina do parcelamento, uso e ocupação do solo” [19].

Com efeito, um dos objetivos da política de desenvolvimento urbano previsto no artigo 182 da Constituição Federal[20], são as funções sociais da cidade, que se realizam quando se consegue propiciar ao cidadão qualidade de vida, com concretização dos direitos fundamentais, e em consonância com o que disciplina o artigo 225 da Carta Magna, que garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. E as funções sociais da cidade se concretizam quando o Poder Público consegue dispensar ao cidadão o direito à habitação, à livre circulação, ao lazer e ao trabalho. Ora, “dado ao conteúdo pertinente ao meio ambiente

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artificial, este em muito relaciona-se à dinâmica das cidades. Desse modo, não há como desvinculá-lo do conceito de direito à sadia qualidade de vida”[21], tal como o direito à satisfação dos valores da dignidade humana e da própria vida.

Nesta esteira, o parcelamento urbanístico do solo tem por escopo efetivar o cumprimento das funções sociais da sociedade, fixando regramentos para melhor aproveitamento do espaço urbano e, com isso, a obtenção da sadia qualidade de vida, enquanto valor agasalhado pelo princípio do meio ecologicamente equilibrado, preceituado na Carta de 1988. Neste sentido, colacionar se faz premente o entendimento jurisprudencial que:

Ementa: Apelação Cível. Direito Público. Município de Caxias do Sul. Planejamento Urbanístico. Estatuto da Cidade. Plano Diretor. Código de Posturas Municipal. Construção de Passeio Público. Meio Ambiente Artificial. O passeio público deve estar em conformidade com a legislação municipal, sobretudo com o Código de Posturas do Município e o Plano Diretor. Tal faz parte da política de desenvolvimento municipal, com o adequado planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano, nos exatos termos em que disciplina a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional que regulamenta a matéria. A prova pericial carreada aos autos demonstra a total viabilidade de adequação do passeio público de fronte à residência dos autores, não se podendo admitir que eventual prejuízo causado aos demais réus, moradores vizinhos, que utilizam a área para acesso à sua residência, venha a ser motivo para a não regularização da área, de acordo com o planejamento municipal em termos de desenvolvimento urbano. Eventual desgaste entre os autores e seus vizinhos deverá ser

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resolvido em demanda própria que não esta. Se os vizinhos dos demandantes utilizam o passeio público em frente à residência dos autores como entrada de suas casas, terão que deixar de fazê-lo e também se adequarem ao que disciplina a lei. O que não pode é o Município ser proibido de fiscalizar e de fazer cumprir com legislação que é, ou deveria ser, aplicável a todos. Recurso Provido. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Primeira Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70038560991/ Relator: Desembargador Carlos Roberto Lofego Canibal/ Julgado em 11.05.2011). Ementa: Administrativo. Poluição Visual. Propaganda em meio aberto (frontlights, moving signs, outdoors). Ilegalidade. 1. Cabe ao Município regular e policiar a propaganda em meio aberto, seja qual for o veículo (frontlights, moving signs, outdoors), pois tal atividade é altamente nociva ao meio ambiente artificial e, no caso da cidade de Porto Alegre, provocou grosseira poluição visual, de acordo com a prova técnica. É necessária prévia licença para expor propaganda no meio aberto e a prova revelou que as empresas exploradoras dessa atividade econômica não se ocuparam em cumprir a lei. Demonstrado o dano ao meio ambiente, devem os responsáveis indenizá-lo, fixando-se o valor da reparação pecuniária em valor módico. Por outro lado, mostra-se prematura a fixação de multa ante a necessidade de examinar caso a caso as hipóteses de remoção na execução. 2. Apelações das rés desprovidas e apelação do município provida em parte. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70011527215/

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Relator: Desembargador Araken de Assis/ Julgado em 30.11.2005).

Assim, é plenamente possível traçar um íntimo liame entre o conceito de cidade e os próprios paradigmas integrantes do meio-ambiente artificial. Ora, não se pode olvidar que o meio-ambiente artificial é o local, via de regra, em que o ser humano se desenvolve, enquanto indivíduo sociável, objetivando-se a sadia qualidade de vida nos espaços habitados. Deste modo, temas como a poluição sonora ou mesmo visual se revelam dotados de grande relevância, eis que afetam ao complexo equilíbrio existentes no meio-ambiente urbano, prejudicando, direta ou indiretamente, a saúde, a segurança e o bem-estar da população, tal como a criar condições adversas às atividades dotadas de cunho social e econômico ou mesmo afetando as condições estéticas ou sanitárias em que são estabelecidas.

4 Objetivo da Política de Desenvolvimento Urbano

Inicialmente, cuida anotar que o meio ambiente artificial não está disciplinado tão somente na redação do artigo 225 da Constituição Federal[22], mas sim é regido por múltiplos dispositivos dentre os quais o artigo 182 do Texto Constitucional, que disciplina a política urbana, desempenha papel proeminente no tema em comento. Nesta toada, é possível evidenciar que o meio ambiente recebe uma tutela mediata e imediata. “Tutelando de forma mediata, revela-se o art. 225 da Constituição Federal, em que encontramos uma proteção geral ao meio ambiente. Imediatamente, todavia, o meio ambiente artificial recebe tratamento jurídico no art. 182 do mesmo diploma”[23]. Salta aos olhos, deste modo, que o conteúdo atinente ao meio ambiente artificial está umbilicalmente atrelado à dinâmica das cidades, não sendo possível, por consequência, desvincula-lo da sadia qualidade de vida, tal como a satisfação dos valores estruturantes da dignidade humana e da própria existência do indivíduo. A política urbana afixa como preceito o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, sendo esta observada na satisfação dos axiomas

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alocados nos artigos 5º e 6º da Carta da República Federativa do Brasil de 1988[24]. Ora, sobreleva ponderar que a função social da cidade é devidamente materializada quando esta proporciona a seus habitantes o direito à vida, à segurança, à igualdade, à propriedade e à liberdade, tal como assegura a todos um piso vital mínimo, abrangendo os direitos sociais à educação, à saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência social, à maternidade, à infância, à assistência aos desamparados, dentre outros insertos na redação do artigo 6° do Texto Constitucional vigente.

Com efeito, não se pode olvidar que o pleno desenvolvimento reclama uma participação municipal intensa, consoante estabelece a redação do inciso VIII do artigo 30 da Constituição Federal[25], “que atribui ao Município a competência de promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”[26], tal como estabelecendo competência suplementar residual. Em um aspecto mais amplo, é possível destacar que a função social da cidade é devidamente atendida quando propicia a seus habitantes uma vida com qualidade, satisfazendo os direitos fundamentais, manutenindo harmonia com os feixes axiomáticos irradiados pelo artigo 225 da Carta de 1988. Nesta perspectiva, é possível destacar que uma cidade só cumpre a sua função social quando possibilita aos seus habitantes uma moradia digna, incumbindo o Poder Público, por conseguinte, proporcionar condições de habitação adequada e fiscalizar sua ocupação. Tais ponderações são, ainda mais, robustecidas ao se verificar que a Constituição Federal, em seus artigos 183[27] e 191[28], consagrou modalidades especiais de usucapião urbano e rural. “Outra função importante da cidade é permitir a livre e tranquila circulação, através de um adequado sistema da rede viária e de transportes, contribuindo com a melhoria dos transportes coletivos”[29]. O tema em debate recebe ainda mais realce nos grandes centros urbanos, porquanto o trânsito caótico se apresenta como um óbice á livre e adequada circulação. Além disso, para uma cidade cumprir a sua função social é imprescindível que destine áreas ao lazer e à recreação, edificando praças e implementando áreas verdes.

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Incumbe, ainda, à cidade viabilizar o desenvolvimento de atividades laborativas, produzindo reais possibilidades de trabalho aos seus habitantes, com o escopo de assegurar a existência de condições econômicas destinadas à realização do consumo de produtos e serviços fundamentais para a existência da pessoa humana, bem como da ordem econômica estabelecida no país.

5 Tessituras à Lei nº 13.311/2016: Comentários às Normas Gerais para Ocupação e Utilização de Área Pública Urbana

Em um primeiro comentário, em consonância com o ventilado na Lei nº 13.311, de 11 de Julho de 2016[30], que institui, nos termos do caput do art. 182 da Constituição Federal, normas gerais para a ocupação e utilização de área pública urbana por equipamentos urbanos do tipo quiosque, trailer, feira e banca de venda de jornais e de revistas, fixa que o direito de utilização privada de área pública por equipamentos urbanos do tipo quiosque, trailer, feira e banca de venda de jornais e de revistas poderá ser outorgado a qualquer interessado que satisfaça os requisitos exigidos pelo poder público local. É permitida a transferência da outorga, pelo prazo restante, a terceiros que atendam aos requisitos exigidos em legislação municipal. No caso de falecimento do titular ou de enfermidade física ou mental que o impeça de gerir seus próprios atos, a outorga será transferida, pelo prazo restante, nesta ordem: I - ao cônjuge ou companheiro; II - aos ascendentes e descendentes. Entre os parentes de mesma classe, preferir-se-ão os parentes de grau mais próximo. Somente será deferido o direito de que trata o inciso I do § 2o do artigo 2º ao cônjuge que atender aos requisitos do art. 1.830 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

O direito de que trata o § 2o do artigo 2º da Legislação em comento não será considerado herança, para todos os efeitos de direito. Ademais, em consonância com o §6o do dispositivo em destaque, a transferência de que trata o § 2o dependerá de: I - requerimento do interessado no prazo de sessenta dias, contado do falecimento do titular, da sentença que declarar sua interdição ou do reconhecimento, pelo titular, por escrito, da impossibilidade de

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gerir os seus próprios atos em razão de enfermidade física atestada por profissional da saúde; II - preenchimento, pelo interessado, dos requisitos exigidos pelo Município para a outorga.Preconiza o artigo 3º da Lei nº 13.311, de 11 de Julho de 2016[31], que institui, nos termos do caput do art. 182 da Constituição Federal, normas gerais para a ocupação e utilização de área pública urbana por equipamentos urbanos do tipo quiosque, trailer, feira e banca de venda de jornais e de revistas, que se a outorga: I - pelo advento do termo; II - pelo descumprimento das obrigações assumidas; III - por revogação do ato pelo poder público municipal, desde que demonstrado o interesse público de forma motivada. Em harmonia com o artigo 4º, o Município poderá dispor sobre outros requisitos para a outorga, observada a gestão democrática de que trata o art. 43 da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 200.

Referência:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jul. 2016.

___________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jul. 2016.

___________. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 jul. 2016.

___________. Lei nº 13.311, de 11 de Julho de 2016. Institui, nos termos do caput do art. 182 da Constituição Federal, normas

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__________. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 12 jul. 2016.

___________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 12 jul. 2016.

___________. Tribunal Regional Federal da Primeira Região.Disponível em: <www.trf1.jus.br>. Acesso em 12 jul. 2016.

___________. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 12 jul. 2016.

BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba, ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>. Acesso em 12 jul. 2016.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

KLEIMAN, M. Transportes e mobilidade e seu contexto na America Latina. In: Estudos e Debates, n. 61. Rio de Janeiro: IPPUR: UFRJ, 2011.

MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004.

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RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 12 jul. 2016.

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THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2012.

VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 12 jul. 2016.

NOTAS:

[1] VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 12 jul. 2016.

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 12 jul. 2016.

[3] VERDAN, 2009, s.p.

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[4] BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba, ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>. Acesso em 12 jul. 2016.

[5] MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69.

[6] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jul. 2016.

[7] Idem. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) - Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa - Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98, ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade (CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna – Inconstitucionalidade. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 12 jul. 2016.

[8] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

[9] BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jul. 2016.

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[10] SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20.

[11] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 77.

[12] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08 mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 12 jul. 2016.

[13] THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116.

[14] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 24 mar. 2013: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

[15] Idem. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) - Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa - Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98, ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

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(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna – Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 12 jul. 2016.

[16] FIORILLO, 2012, p. 79.

[17] BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba, ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>. Acesso em 12 jul. 2016.

[18] BRASIL. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 jul. 2016..

[19] FIORILLO, 2012, p. 467.

[20] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 jul. 2016..

[21] FIORILLO, 2012, p. 549.

[22] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 jul. 2016..

[23] FIORILLO, 2012, p. 549.

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[24] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 jul. 2016.

[25] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 jul. 2016. “Art. 30.Compete aos Municípios: [omissis] VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”.

[26] FIORILLO, 2012, p. 550.

[27] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 jul. 2016. “Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”.

[28] Ibid. “Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade”

[29] FIORILLO, 2012, p. 550.

[30] BRASIL. Lei nº 13.311, de 11 de Julho de 2016. Institui, nos termos do caput do art. 182 da Constituição Federal, normas gerais para a ocupação e utilização de área pública urbana por equipamentos urbanos do tipo quiosque, trailer, feira e banca de venda de jornais e de revistas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 jul. 2016.

[31] BRASIL. Lei nº 13.311, de 11 de Julho de 2016. Institui, nos termos do caput do art. 182 da Constituição Federal, normas gerais para a ocupação e utilização de área pública urbana por equipamentos urbanos do tipo quiosque, trailer, feira e banca de venda de jornais e de revistas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 jul. 2016.