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COLaLaAPSUSL.INGUAECARLI'fO AZEVEDO
CARLITO AZEVEDO
LYNX
COLLAPSUS LINGUAE(poemas)
Coleção SERIALDirigida por Braulio Fernandes e Carlito Azevedo
Copyright © Carlito Azevedo
CapaCecília Castro
Reprodução fotográfica(manuscrito português)
Márcia Carnaval
Projeto GráficoBraulio Fernandes
Revisão e assessoria editorialCINPO-R]
1991
Editora LYNXRua Dr. Satamini, 21Oj202-A
20270 - Tijuca - Rio de JaneiroTe!. (021) 264-8198
para Monique
•
ÍNDICE
Collapsus Linguae"Os pés premindo" 11"O poema tem" 12Traduzir , . . . . . . . . . . . 13Da inspiração. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14Estragado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15Langue d'Oc . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . 16Rói 17Estrelas não 18Homem dentro do pesadelo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .•. . . . . . 19Na noite gris . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . 20
Gematria"língua" 23Les mots anglais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24Grafito semiótico ou Lennon revisited 25( ) 26Realismo : . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27Pequena paisagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
Olhos de jadeParafrase: Rajasekhara . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31A uma passante pós-baudelairiana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
•
Sem ofício nem benefício
A situação atual da poesia no Brasil 37Proteu .. .. .. . . .. . . .. .. . . .. .. .. .. .. . . . .. . . . . . . . . .. . . 38Uma outra prosa: Maurice Roche :... 39A dúvida de Camilo Pessanha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . 40Poesia " . . . . . .. . . . . . . .. . . . . . . 41
Ex Libris
Doublés 45"Tão longe e" ~ t • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 46Dossier: Ia femme 47A leitura que faltava ' 48"Metáforas comuns" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49Fábula (real) dos lagos do México 50Água forte 52Sob o duplo incêndio 54Salto .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55Três encontros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56Bajo programa .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
...........................................
EPITAPHE DV BIBLIOPHILE THÉODORE, 1824
Ci-gitSous sa reli ure de boisUn exernplaire in-folioDe Ia meilleure édition
De l'hommeEcrit dans une langue de I'âge d'orQue le monde ne comprend plus
C'est aujourd'huiUn bouquin
Gâté, maculê, mouilléDepareillé,
Imparfait du frontispicePiqué des vers
Qui n'ose atteridre pour IuiLes honneurs tardifs
Et inutilesDe Ia réimpression.
Denis Rache
COLLAPSUS LINGUAE
Epitáfio do Bibliófilo Théodore, 1824
Aqui jazSob Sua Encadernação De Madeira
Um Exemplar In-FolioDa Melhor Edição
Do HomemEscrito Numa Língua Da Idade De OuroQue O Mundo Não Mais Compreende
É HojeUma Brochura
Corrompida Danificada UmedecidaDesemparelhada
Frontispício ImperfeitoVermes Diversos
Que Não Ousa Esperar Para SiAs Honras Tardias
E InúteisDa Reimpressão
Tradução: Carlüo Azevedo
Os pés premindoa inexistente relva do asfaltoduro da rua sem vida a não ser aque lhe dás quando subitamente cruzaso espaço e somes num átimo deixandoentretanto no ar qualquer coisa de tãobotlicelliano quanto num crepúsculo mediterrâneouma colhedora de mimosas a que umhomenzinho cedesse a passagemà es era desesperada)de um sorriso
11
tudo o ue di a é usadocontra si, em contra-discurso
se vela pelo que revelavale pelo que resvale
e seu sistema sendo seu corposó se presta a ser seu tema
o fazer do percalço, percursotem do ser amoroso o poema
12
TRADUZIR
( d u a s ( 1 i n g ( u a g e (n s d) i f ) e r ) e n ) t e s( uma s ( o n a n ( t e &a (OUT) r a ) a u ) s e ) n t e( 1 u a m(IN g u ( a n t e (1 u a ) c r ) e s ) c e ) n t e
13
DA INSPIRAÇÃO
Desconfiar do estaloantes de utilizá-Ia
.mas sendo impossívelde todo aboli-Ia
desconfiar do estalodar ao estalo estilo
14
ESTRAGADO
No jardim zoológicoum ganso
as patas afundam na lamae ele imperialcomo uma macieira em flor
mas está estragadocomo qualquer um pode verestragado
pensa que foi para issoque o resgataram do dilúvio
mas não
resgataram o signoestragaram o ganso
15
LANGUE D'OC
Tirar do oãçaroca imagem do oprocque aprendi de rocde tanto rajetroc
/
ter muita megarocsubir o odavocrocdormir sonhar rerroctalvez possa ratroc
esta etnerrocque me prende sêtroca ela que - edravoc -
quis bem me raoroc(já fujo em adirroc)com um bom par de sonroc
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RÓI
Rói qualquer possibilidade de sonoessa minimalíssima músicade cupins esboroandotacos sob a cama
imagino a rede de canaisque a perquirição predatóriapossa ter riscadopelo madeirame apodrecido
~e aguço o ouvidocapto súbitoo mundo dos vermes.
17
ESTRELAS NÃO
Estrelas não me deixam só no fundodo menor poço/planeta do universoe a elas eu remeto cada versoque do fundo do meu poço/pó aguço
(se debruçam no poço e eu me debruçona poça para vê-Ias em reverso- seu calar agudo, um segundocair de gota d'água sobre o mundo)
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II MEM DENTRO DO PESADELO
I'n'tas de lobo arranhamli u pescoço enquanto
1 tenta em vão, m socos e chutes amortecidos
p 10 ar pesadoJ' mper a membrana do sono
Vai rompê-Ia - de fora -dia
om suas patas de lobo
19
NA NOITE GRIS
Na noite griseste fulgorno ar? Tigres
à espreita? Clarosol de um cigarroem lábios-lis?
Na lixa abruptasúbita chispa?Choque de peles
a contra-pelo(tal numa ruaescura mutua-
mente se enlaçamas contra-luzesde dois faróis)?
20
GEMATRIA
Gematria, s.f. Uma das três operações da cabala literale que consiste em comutações e combinações deletras.
1 n g u ag e m ag e maàm a r g e m
aa 1 g e maa
ma g e ma i r ac e ma
d ame n s
a g e mp o e s i aav i r g e mv i a. g e mat r a v é sa g e mat r i a
o ut r a v e z
D'aprês Grosjean
23
LES MOTS ANGLAIS
A PEN 1S A PEN/1S A PEN
24
GRAF1TO SEM1ÓT1CO OU LENNON REVIS1TED
give peirce a chance
Minha voz não faz mais sentidoninguém nem nada nem nada que digoo sangue que me foge não te molhaaos poucos já me foge a memória"um último cigarro permita-me que fume"sim estou morrendo de ( )
26
REALISMO
quando estesolhos
(um zoomde azuis?)
sobre estamínima
pétala depálpebra
deixarem correrde fina estriaa lágrima daraiva
não morrerãosóisnão se apagarãoestrelas
apenas outrosulco na superfície da face
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PEQUENA PAISAGEM OLHOS-DE-]ADE
Uma borboletaazul sai de
uma crisálidade prata disse
Trakl - E nestatarde (cinábrios
surgem a cada baterde pálpebras), frios e ]e parle une langue morte, _
maintenant que je ne te parle plus.
Henri Micbauxesquadrinhados, vestemo azul pelo avesso
olhos castanho-damasquinados.
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PARÁFRASE: RA]ASEKHARA
Como uma onça carregando entre as presas a cria novaassim passas
- os lábios carregados de beijos.·
31
A UMA PASSAN~E PÓS-BAUDELAIRIANA
Sobre esta pele brancaum calígrafo orientalteria gravadosua escrita lumjnosa- sem esquecer entantoa boca: um ícone em rubrotornando mais fogoo céu de outubro
tornando mais águaa minha sedesede de dilúvio-
Talvez este poeta afogadonas ondas de algum danúbio imagináriodissesse que seus olhos sãoduas machadinhas de jadeescavando o constelário noturno(a partir do que comporiaduzentas odes cromáticas)
3::>
mas eu que venero mais que o ouro-verde rarfssirnoo marfim em alta-alvurade teu andar em desmesura sobreuma passarela de relâmpagos súbitossei que tua pele pálida de papelpede palavras de luz
Algum mozárabe ou andaluz decertote dedicaria um concertopara itarras mouriscas ecimitarras suicidas
Mas eu te dedico quando passasme fazendo fremir
(entre tantos circunstantes, raptores fugidios)
este tiroteio de silênciosesta salva de arrepios.
33
SEM OFíCIO NEM BENEFíCIO
______________~~,.L
A SITUAÇÃO ATUAL DA POESIA NO BRASIL
Não é cosa mentaleé cosa nostra
37
PROTEU
Em Poe um gato avessa(ou atravessar) umahistória. Em Mallarméele vira pensamentoe privilegia poemas.Valéry é quem o tornaidéia fixa (gêneropreferido: problemas).
38
UMA OUTRA PROSA: MAURICE ROCHE
Para João Cabral
Nada daquela prosa-asfaltoonde seguir sem sobressaltoencontrarás neste compactoCompact - é mais do cacto
e das rochas, da famíliados espinhos esta trilhade arestas e pontiagudaspalavras secas, miúdas:
as mesmas com que erguestetua poesia-agreste.
39
A DÚVIDA DE CAMILO PESSANHA
§ retina: água e sílabaretendo a partida?
§ um lapso de vida:collapsus Iinguae?
§ o vivente morrente:torrente e clepsidra.
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POESIA
Descanso para os beletristaslabuta para os concretistas
sã: dizem os árcadesvã: gravam nas lápidessonho dos surre alistas
fúria dos dadaístas(recitam ginasianosa dos parnasianos)
azul para os simbolistas"azar dos verdamarelistas"
está no Cântico dos Cânticosabsinto dos românticos
brasão dos ufanistasBrasil dos modernistaslabirinto dos barrocos
(eles tantos e ela de tão poucos)
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-EX LIBRIS
DOUBLÉS
Na categoria escritura, após minuciosos exames feitos porespecialistas renornados, providos dos mais avançadosequipamentos, o júri multinacional resolveu dividir oprêmio máximo entre a libanesa que se fizera tatuar o corpointeiro com traduções de Angelus Silesius para váriosdialetos, cada um representado por uma sutil tonalidade deverde-cré; o colossal mongolóide argentino que ostentavasobre toda a extensão de sua flacidíssima epiderme umpluri-dicionário analógico dos cinco idiomas dravídicos daÍndia; e a arquibeldade alemã que provocou delírio com umroman à clé, cuja solução, em caracteres góticosultraminiaturizados, estava artisticamente diagramada emseu clitóris. O nível do concurso foi consideradoelevadíssimo pelos organizadores. Todos os premiadosfizeram discursos em favor da arte. A alemã aproveitou paraagradecer publicamente à editora x pela concessão gratuitados direitos de reprodução da obra, e a mãe do idiotaargentino lamentou a crescente politização do torneio.Referia-se obviamente à desclassificação do enxadristacubano que apresentava um perfeito fac-símile dos doisvoiumes de sua alentadíssima História do Xadrez, onde apolêmica sobre os verdadeiros pais do jogo (disputam otítulo, egípcios, gregos, romanos, babilônios, judeus,chineses, árabes, araucânios, irlandeses, gauleses e persas)é resolvida numa imensa partida de xadrez! O júri alegouque o veterano havanês fora infeliz na escolha de uma obrade sua autoria (o que denotaria exibicionismo gratuito),além de terem sido detectados vários erros tipográficos.Não foram tão rigorosos assim -lamentavam alguns-com a libanesa, autora de erros graves em grafia hotentote(que nem dialeto é).
45
________ ~l~,
Tão longe eafastando-se de mim(Ronsard, Camões e capim)
que vou bebendocom minhas retinastão fatigadas
as águas,o suor,o medo.
46
DOSSIER: LA FEMME
Uma escritura-ouro, estendida comodedos sobre colo puro ou dobra-
dura - minúsculas as gotas de sentidoclareando a escuridão de espelho em urna -
rclârnpadas, relâmirias, estrelas:c todo o resto é literatura.
47
A LEITURA QUE FALTAVA
No meio da faixa de terreno destinada a trânsito tinha um[mineral da natureza das rochas duro e sólido
tinha um mineral da natureza das rochas duro e sólido no[meio da faixa de terreno destinada a trânsito
tinha um mineral da natureza das rochas duro e sólidono meio da faixa de terreno destinada a trânsito tinha um
[mineral da natureza das rochas duro e[sólido.
Nunca me esquecerei deste acontecimentona vida de minhas membranas oculares internas em que
[estão as células nervosas que recebem[estímulos luminosos e onde se projetam[as imagens produzidas pelo sistema[ótico ocular, tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio da faixa de terreno[destinada a trânsito
tinha um mineral da natureza das rochas duro e sólidotinha um mineral da natureza das rochas duro e sólido no
[meio da faixa de terreno destinada a[trânsito
no meio da faixa de terreno destinada a trânsito tinha um[mineral da natureza das rochas duro e[sólido.
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Metáforas comuns: ônix igual a olho-de-gato(igualmente usada para o quartzocorn agulhas de amianto)
ou incomuns: em tipografês, olho é a aberturana letra e que a distingue da letra c
A primeira, além de expressar-te no felinotraz ainda teu acento predileto:o circunflexo
luas é a outra (como tu, incomum)que melhor te diz: fazendoo olho do euvirar olho do eu
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FÁBULA (REAL) DOS LAGOS DO MÉXICO
Para Enylton ele Sá Rego e Sarah.
Veja esteslagos de montanha
irão secar
(como da fruta oazedo do carvão o êxodo dacor como fibrilas cristais vítreosxistosidades COlTIO tudo oque a vista vê)
mas deles
mas da larva dispensandobrânqu ias enadadeiras
despertará adultaagora já a
50
•
salamandra
ex-Iarvaaxolotl tigrinum
que nenhum solhá de secar
51
ÁGUA FORTE
Girandoritrnadamente
(ela submersano inferno denso e negrodo café)
esta pequenacolher de prata
da qualvês apenas- preso entre teus dedos -o cabosem grandesarabescos
fazes emergirem torvelinho
a partir da tonalíquidaescura
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uma nuvem de fumaçaaté teu rosto
que a recebesorrindo
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SOB O DUPLO INCÊDIO
Sob o duplo incêndioda lua e do neon,
sobre um parapeito demármore, entre duas cortinas
jogadas pela brisa marinhaque ao mesmo tempo às suas
coxas e costas dispensavaum hálito incontínuo,
inundando de rubro o restritoperímetro de seu jarro em cerâmica
c contrastando imemorial com atransitoriedade de tudo ali
hotel, amor, dia, noite, carros,uma flor alheia a símbolos
atingia seu ponto máximode beleza.
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SALTO
Se alguma pedra pudesse tornar-se lírioseria estaSe alguma pedra o salto de um tigree não o tigreseria estaalguma as letras do alfabetoseria estaesta só pontasque pulsacoração da casaque acabas de deixarpara sempre
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TRÊS ENCONTROS
Quando meninonuma visita
ao zoológicofascinou-me
o vazioque vibrava
dentro dajaula (alguém
à noite haviaatirado sobre
a temívelpantera negra)
- Fui reericontrá-Iomais tarde
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quando the porticuuirsofpoetry
- e agora esteque você abriu aqui -
requisitaram minhatotal atenção
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BAJO PROGRAMA
Pequenas peças, algum lirismoque a ironia mediatize entretanto,pouco caso com o resto -urnapessoa que surja de repente eclaqual note-se apenas o cigarro,aliás, a cinza que tomba enormementemanhãs, mais do que noites. 'A flor ausente.
Sobre o autor
Carlito Azevedo nasceu no Rio de Janeiro (4 dejulho de 1961). Traduções (Max Jacob, Renê Char,Jean Follain, éditas e inéditas), ensaios (Machadode Assis, poesia brasileita) e poemas. Estréia emlivro com este Collapsus Linguae. Atualmentedirige as publicações do Círculo de InvestigaçãoPoética do Rio de Janeiro (CINPO-RJ).
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