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DIREITO PENAL – CURSO BÁSICO P/ FISCAL DO TRABALHO E ICMS-SP CURSOS ON-LINE – PROFESSOR JULIO MARQUETI www.pontodosconcursos.com.br 1 APRESENTAÇÃO Caros alunos, sou bacharel em Direito desde 1995, graduado pelas Faculdades Integradas de São José do Rio Preto SP e Analista Judiciário – Executante de Mandados do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo/Mato Grosso do Sul). Atualmente trabalho no fórum criminal de São Paulo. Leciono em vários cursos preparatórios para concursos públicos em São Paulo e Campinas, onde ministro, além das aulas de Direito Penal, aulas de Direito Processual Penal e Administrativo. Também leciono em cursos preparatórios para o exame da OAB. Mas, desafio mesmo são os cursos preparatórios para os concursos da área fiscal, onde, em sala de aula, nos deparamos com grupos heterogêneos. A dificuldade reside em, de forma clara, objetiva, e substanciosa (já que as provas são extremamente difíceis), transmitir aos alunos (de várias formações universitárias, inclusive, olhem só, aqueles de exatas) matéria técnica como é o Direito Penal. Entretanto, com experiência e trabalho exaustivo, os resultados têm sido ótimos, tanto que hoje estou eu aqui. Nesta oportunidade, então, vamos iniciar o estudo de Direito Penal direcionado para os concursos de auditor do ICMS SP e FISCAL DO TRABALHO. Antes, todavia, de falarmos a respeito do programa do nosso curso, devemos dispensar atenção a algumas peculiaridades a respeito do Direito Penal. Nas aulas presenciais, sempre noto que os alunos adoram tratar das condutas criminosas, ou seja, do momento em que casuisticamente passamos a falar dos crimes. Adoram, por exemplo, quando falamos da consumação dos crimes contra a administração pública (concussão, corrupção ativa e passiva, prevaricação, entre outros). Entretanto, antes de lá chegarmos é necessário, e isso tem sido explorado em demasia nos concursos públicos, que dispensemos atenção extraordinária aos aspectos conceituais do Direito Penal (ex: o que é dolo, culpa, crime tentado, crime consumado). Tais aspectos são a nós trazidos pela doutrina, pela jurisprudência e especialmente, na sua parte geral, pelo Código Penal. Em Direito Penal os conceitos são muito próximos, o que exige uma atenção especial do aluno e torna o estudo desgastante e cansativo. Para minimizar o problema, passei a adotar em minhas aulas uma sistemática em que os crimes em espécie (furto, estelionato, concussão, corrupção passiva) são, a todo o

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DIREITO PENAL – CURSO BÁSICO P/ FISCAL DO TRABALHO E ICMS-SP CURSOS ON-LINE – PROFESSOR JULIO MARQUETI

www.pontodosconcursos.com.br 1

APRESENTAÇÃO

Caros alunos, sou bacharel em Direito desde 1995, graduado pelas Faculdades Integradas de São José do Rio Preto SP e Analista Judiciário – Executante de Mandados do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo/Mato Grosso do Sul).

Atualmente trabalho no fórum criminal de São Paulo. Leciono em vários cursos preparatórios para concursos públicos em São Paulo e Campinas, onde ministro, além das aulas de Direito Penal, aulas de Direito Processual Penal e Administrativo. Também leciono em cursos preparatórios para o exame da OAB.

Mas, desafio mesmo são os cursos preparatórios para os concursos da área fiscal, onde, em sala de aula, nos deparamos com grupos heterogêneos. A dificuldade reside em, de forma clara, objetiva, e substanciosa (já que as provas são extremamente difíceis), transmitir aos alunos (de várias formações universitárias, inclusive, olhem só, aqueles de exatas) matéria técnica como é o Direito Penal. Entretanto, com experiência e trabalho exaustivo, os resultados têm sido ótimos, tanto que hoje estou eu aqui.

Nesta oportunidade, então, vamos iniciar o estudo de Direito Penal direcionado para os concursos de auditor do ICMS SP e FISCAL DO TRABALHO.

Antes, todavia, de falarmos a respeito do programa do nosso curso, devemos dispensar atenção a algumas peculiaridades a respeito do Direito Penal. Nas aulas presenciais, sempre noto que os alunos adoram tratar das condutas criminosas, ou seja, do momento em que casuisticamente passamos a falar dos crimes. Adoram, por exemplo, quando falamos da consumação dos crimes contra a administração pública (concussão, corrupção ativa e passiva, prevaricação, entre outros).

Entretanto, antes de lá chegarmos é necessário, e isso tem sido explorado em demasia nos concursos públicos, que dispensemos atenção extraordinária aos aspectos conceituais do Direito Penal (ex: o que é dolo, culpa, crime tentado, crime consumado). Tais aspectos são a nós trazidos pela doutrina, pela jurisprudência e especialmente, na sua parte geral, pelo Código Penal.

Em Direito Penal os conceitos são muito próximos, o que exige uma atenção especial do aluno e torna o estudo desgastante e cansativo. Para minimizar o problema, passei a adotar em minhas aulas uma sistemática em que os crimes em espécie (furto, estelionato, concussão, corrupção passiva) são, a todo o

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momento, mencionados com o intuito de ilustrar os conceitos. Também me valho, e acho absolutamente eficiente, de exercícios de fixação. Então, durante as aulas realizaremos exercícios, oportunidade em que também provoco o raciocínio dissertativo por meio do que chamo “questões interessantes”.

Aqui no curso on-line, vou procurar, através de linguagem simples, mas substanciosa, fazer o mesmo tipo de trabalho que desenvolvo em sala de aula, o que acredito será muito facilitado pelo acesso que o aluno tem ao fórum de dúvidas, onde, desde já ressalto, serão resolvidas as questões trazidas em nota de rodapé.

A respeito do curso que iniciaremos hoje, devemos ressaltar que o programa leva em conta os editais anteriores de Fiscal do Trabalho e de Fiscal do ICMS SP. Vamos tratar dos pontos comuns, isto é, de Aplicação da Lei Penal, Do crime, Dos Crimes contra administração pública, Dos Crimes contra a ordem tributária (Lei nº 8.137, de 1990) : praticados por funcionário público.

O objetivo nosso não é entrar em discussões teóricas e nem mesmo em debates a respeito de decisões jurisprudenciais. Aqui, o que realmente nos interessa é um trabalho focado, direcionado à aprovação no concurso público.

Nosso trabalho vai se iniciar com o tópico “DO CRIME”, seguido da “APLICAÇÃO DA LEI PENAL” e, finalmente, vamos tratar dos crimes propriamente ditos. Ao falarmos DOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA e DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, o faremos primeiramente de forma isolada, individualmente, e, ao depois, vamos confrontar os dispositivos penais, oportunidade em que, principalmente por meio de questões, vamos demonstrar o que realmente nos interessa para a resolução das provas objetivas.

Não podemos deixar de enfatizar que o estudo é um método racional. A racionalidade nos impõe o dever de trilhar o “caminho das pedras”, que é o caminho para aprovação. Não nos vale um trabalho exaustivo sem direção. Sabemos que de regra os programas são extensos e o tempo é curto. Assim, para focalizar eu levo em conta, e isso me tem servido de eficiência extraordinária, o que cada organizadora vem exigindo dos candidatos em certames anteriores (os mais recentes).

Estatisticamente, extraio do programa aquilo que nos interessa. Tenho obtido bons resultados nos cursos onde leciono, cujo nível de aprovação é alto e, especialmente nas matérias por mim ministradas, a pontuação até mesmo dos não aprovados, é muito satisfatória.

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Teremos em frente 06 aulas, excluída a aula Zero – demonstrativa. Nos nossos encontros, vamos nos divertir, e, mais importante, aprender. Obrigado pela atenção. Vamos ao trabalho.Um abraço,

JULIO MARQUETI

AULA 0: DO CRIME

Para tratarmos de crime, devemos, primeiramente, ter em mira um conceito amplo segundo o qual crime seria sinônimo de infração penal. Assim, em sentido lato, crime nada mais significa que infração penal. Esta é o gênero do qual são espécies crime em sentido estrito e contravenção penal. Crime em sentido estrito e contravenção penal, por sua vez, têm suas espécies.

O Código Penal e leis esparsas prevêem as espécies de crimes. São exemplos de crimes previstos no Código Penal: furto (art. 155 CP), estelionato (art. 171 CP), homicídio (art.121 do CP) etc.

Já a Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei nº 3.688, de 1941) traz o rol das espécies de contravenções. Na Lei das Contravenções Penais temos, por exemplo, as contravenções relativas à paz pública (artigos 39 a 42); à organização do trabalho (artigos 47 a 49), à fé pública (artigos 43 a 46). Ali, no artigo 50, está a mais conhecida contravenção penal: prática de jogo de azar (Exemplo: Jogo do bicho).

1- crime em sentido estrito.

Crime em sentido amplo

(ou infração penal) 2- contravenção penal.

Substancialmente, não há diferença entre as infrações penais. O que efetivamente distingue o crime, em sentido estrito, da contravenção penal, é a resposta jurídico-penal. No primeiro, ela é mais severa, o que denota maior importância do bem jurídico tutelado.

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Para o crime, por exemplo, a lei prevê pena de reclusão ou detenção, o que é mais severo que a pena de prisão simples prevista para os casos de contravenção penal. A menor severidade da prisão simples está estampada no artigo 6º da Lei das Contravenções Penais.

Art. 6º A pena de prisão simples deve ser cumprida, sem rigor penitenciário, em estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, em regime semi-aberto ou aberto.

§ 1º O condenado a pena de prisão simples fica sempre separado dos condenados a pena de reclusão ou de detenção.

A Lei de Introdução ao Código Penal e a Lei das Contravenções Penais, cuja literalidade segue, define crime e contravenção penal. Os conceitos foram estabelecidos levando em conta a pena aplicável em cada uma das infrações penais. Preferiu a lei o critério quantitativo para distinguir uma infração penal da outra.

DECRETO-LEI Nº 3.914, DE 9 DE DEZEMBRO DE 1941 (Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei das Contravenções Penais

Art 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Com isso, fica aqui demonstrado que o legislador pátrio adotou o sistema bipartido, onde crime, em sentido amplo (ou infração penal), é tanto crime, em sentido estrito, como contravenção penal.

Não podemos nos esquecer também que a expressão delito é utilizada como sinônimo de infração penal, ou seja, como gênero e, eventualmente, como crime em sentido estrito.

3.1 – Do conceito.

Em um primeiro momento, ressalto que agora não vamos tratar dos crimes propriamente ditos (condutas criminosas). Falaremos dos crimes (furto, estelionato, concussão, corrupção, etc...) no momento próprio.

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Por agora, o conceito de que vamos tratar é o conceito aplicável a todos os crimes. Não nos cabe agora analisar casuisticamente os elementos dos crimes em espécie.

O crime, em sentido amplo, é conceituado de várias maneiras. A doutrina majoritária dá ao crime três conceitos. Para tanto, fala-se em conceitos material, formal e analítico. Vamos ver cada um deles.

Conceito Material: crime é a conduta que ofende valores sociais relevantes, exigindo intervenção estatal mediante norma proibitiva de cunho penal. Há aqui um conceito pré-legislativo, isto é, que antecede e dá razão à elaboração da norma penal.

A sociedade, em um dado momento, diante de seus valores, passa a considerar reprovável determinada conduta. A reprovabilidade é de tal monta que o legislador se vê obrigado a criar norma que objetive proteger tais valores. Com isso, cria uma norma penal, estabelecendo a conduta indesejada como crime.

O conceito material sintetiza então o princípio da fragmentariedade, segundo o qual, normas penais só serão criadas quando houver afronta a valores sociais relevantes (“ultima ratio”).

É o que, por exemplo, ocorreu recentemente com os crimes ambientais. A sociedade passou, tardiamente, a entender que a proteção ao meio ambiente estava a exigir uma intervenção jurídico-penal com o intuito de prevenir danos ambientais. Com isso, o legislador penal passou, por meio de lei, a considerar criminosas condutas que até então eram penalmente lícitas.

Conceito Formal: crime é a conduta que ofende a norma penal proibitiva, isto é, o bem juridicamente tutelado pela norma penal. O conceito formal, diferentemente do material, traz uma idéia pós-legislativa, isto é, crime, agora, é uma conduta que ofende bem já protegido por uma norma penal.

Já há a norma penal que define como criminosa a conduta. O agente pratica então uma conduta já definida como crime. Para Heleno Cláudio Fragoso crime é “toda ação ou omissão proibida pela lei sob ameaça de pena”.

Para alguns autores nacionais (Ex: Damasio Evangelista de Jesus e Fernando Capez), o conceito formal de crime tem significado idêntico ao dispensado à conceituação sob aspecto analítico. Assim, não preferimos. Comungo da opinião

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da doutrina majoritária, segundo a qual não há sinonímia entre os conceitos formal e analítico de crime.

Conceito analítico (estrutural): De antemão, veremos que há uma apreciação estrutural do crime, a qual, sob o prisma de duas teorias que buscam explicar a ação (conduta) no âmbito jurídico penal, pode ser modificada ao adotarmos uma ou outra delas.

Portanto, quando se fala em conceito analítico de crime, estar-se-á falando de sua estrutura, de sua forma. Daí o motivo por que alguns falam em conceito formal.

3.1.1 – Conceito analítico nas teorias clássica e finalista da ação.

Acerca das teorias discorrerei, mais detidamente, quando formos tratar da conduta como elemento do fato típico. Neste momento, nos interessa somente o conceito de crime estabelecido por cada uma delas.

De acordo com a teoria clássica da ação, crime é um fato típico, antijurídico e culpável. Portanto, estruturalmente, o crime é composto dos seguintes elementos: 1)- fato típico + 2)- antijuridicidade (ou ilicitude) + 3)- culpabilidade.

De outra banda, para os que adotam a teoria finalista da ação, crime é um fato típico e antijurídico. Assim, estruturalmente, é ele composto dos seguintes elementos: 1)- fato típico + 2)- antijuridicidade (ou ilicitude).

A culpabilidade, de cujo conceito iremos tratar mais adiante, adotada a teoria finalista da ação, não é elemento conceitual de crime e sim pressuposto para a aplicação de pena.

A maioria dos doutrinadores adota a teoria clássica para conceituar crime. O legislador, todavia, quando da reforma do Código Penal (Parte Geral), veio a adotar a teoria finalista da ação.

Sem embargo do mérito de cada uma das teorias, daremos atenção ao conceito proposto pela teoria sufragada pelo legislador pátrio, isto é, teoria finalista da ação.

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Em síntese, CONCEITO DE CRIME:

Teoria clássica (causal ou naturalista) da ação:

(Crime = Fato típico + antijuridicidade + culpabilidade.

Teoria finalista da ação :

Crime = Fato típico + antijuridicidade)*.

*A culpabilidade não é elemento conceitual de crime.

Por ora, não se preocupem em compreender cada um dos termos, necessário somente que fique bem clara a distinção das conceituações propostas pelas duas teorias. Posteriormente, veremos que a adoção de uma ou outra teoria traz conseqüências extraordinárias, o que é muito explorado pelas organizadoras de concursos. O tema, inclusive, foi abordado pela Fundação Carlos Chagas na prova do Banco Central (dez/2005).1

Observe o quadro sinótico :

1 ANALISTA DO BACEN – 2005 (FCC) PROVA 1 (AREA4). 24 – Adotada a teoria finalista, é possível se a firmar que o dolo e a culpa integram : a- tipicidade e culpabilidade, respectivamente. b- culpabilidade. c- antijuridicidade. d- culpabilidade e tipicidade, respectivamente. e- tipicidade. Gabarito oficial : E

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Material

Fato típico

Conceito Antijuridicidade

de crime Formal

Culpabilidade Teoria Clássica

Analítico

Teoria finalista Fato típico

Antijuridicidade

Nas próxima linhas, vamos tratar de cada um dos elementos que constituem o conceito analítico de crime proposto pela teoria finalista da ação. Falaremos, então, de fato típico e de antijuridicidade.

3.2 – Do fato típico : Conceito e elementos.

Vimos que, para haver crime, mister que, inicialmente, estejamos diante de um fato típico. Este, acrescido de um plus, isto é, de antijuridicidade, demonstra a existência de um crime.

O que é, então, um fato típico?

Primeiramente devemos saber o que é um tipo penal. Tipo penal é o modelo de conduta descrito na norma penal (Exemplo : Artigo 121 : “Matar Alguém”). Fato típico, por sua vez, é aquele fato social que se amolda ao modelo normativo, isto é, ao tipo penal.

Assim, caso eu venha a desferir golpes de faca, causando a morte de um desafeto, pratiquei um fato típico, já que minha conduta se amolda perfeitamente ao modelo (tipo penal) do crime de homicídio (Artigo 121 : “Matar alguém”). De

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forma singela, fato típico é aquele acontecimento (fato concreto) que se ajusta ao modelo (tipo penal) previsto na lei penal.

Entretanto, o fato típico tem seus elementos, que serão por nós analisados individual e oportunamente. Ressalta-se, por ora, que, de regra, todos os elementos do fato concreto devem, para que ele seja considerado típico, amoldar-se ao modelo (tipo penal) descrito na lei.

Então, diante de um fato concreto (com todos os seus elementos), far-se-á uma comparação com o fato abstrato (descrito no modelo com todos os seus elementos) para se saber se aquele (concreto) é um fato típico. Trata-se da subsunção do fato à norma, que nada mais é que adequar o fato típico, concreto, ao abstrato, indicado pela norma.

Imaginemos a lei penal, que descreve as condutas delituosas, como um armário cheio de pequenas e diferentes gavetas. Estas deverão ser preenchidas por objetos que ocupem de maneira perfeita todo o seu espaço, sem sobrar ou faltar.

O objeto que efetivamente venha a preencher o espaço da gaveta “A” terá, por óbvio, a sua forma. Assim ocorre com o fato concreto. Quando ele se amolda ao modelo (gaveta), diz-se típico. Ao passo que, quando não se amolda, é atípico.

Antes de tratarmos dos elementos do fato típico, devemos responder a uma questão absolutamente inquietante.

QUESTÃO INTERESSANTE : A adequação do fato concreto (João, mediante golpe de faca, matou Jorge) ao fato abstrato (tipo penal que descreve a conduta do homicídio – Artigo 12 do CP : “Matar alguém”) leva à conclusão de que houve um crime ?

Resposta : Adotada a teoria finalista da ação, crime existe quando há fato típico acrescido de antijuridicidade (ilicitude), ou seja, o fato, além de típico, deve ser antijurídico (ilícito). Observe o nome ANTI – JURÍDICO. O prefixo indica algo que contraria o ordenamento jurídico, algo que é ilícito. Notamos, então, que o fato concreto mencionado na questão pode ser lícito (protegido pelo direito). Será ele lícito, apesar de típico, quando houver uma causa que o legitime, como por exemplo, a legitima defesa. Caso João, autor dos golpes de faca em Jorge, o tenha feito tendo em conta uma agressão injusta praticada pela vítima, a sua conduta, apesar de típica, não é criminosa, já que lícita. Ausente a

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antijuridicidade (a ilicitude). Lembre-se: Crime = Fato típico + antijuridicidade.

O fato típico tem seus elementos. Para a maioria da doutrina, o fato típico de regra é composto dos seguintes elementos : 1- Conduta; 2- Resultado; 3- Nexo causal; 4- Tipicidade.

Observe o quadro sinótico :

conduta

Fato típico resultado

Nexo causal

Crime Tipicidade.

Antijurídico

* A culpabilidade, da qual falaremos mais adiante, adotada a teoria finalista, não é elemento conceitual de crime, mas sim pressuposto para aplicação de pena.

Vamos, agora, tratar de cada elemento do fato típico.

3.2.1- DA CONDUTA :

Ao aluno é interessante se lembrar, a todo instante, que o Direito Penal é, o que vulgarmente chamo de o Direito das condutas, já que trata ele de ações humanas ilícitas. Veremos que os verbos constantes dos dispositivos penais, nos serão de grande valia para distinguirmos os crimes.

Conduta penalmente relevante é a manifestação exterior de vontade voluntária e consciente. Ela pode ser positiva (ação) ou negativa (abstenção).

Para a teoria clássica (ou causal), a conduta é um mero acontecimento físico, desprovido de qualquer querer, não tem ela qualquer finalidade. Assim, para a

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teoria clássica, conduta é o golpe de faca dado pelo açougueiro epilético, em momento de crise, em seu auxiliar.

Já para os defensores da teoria finalista da ação, a conduta, negativa ou positiva, não é um simples acontecimento mecânico, físico. Ela traz em si um querer, um fim buscado pelo agente.

As dificuldades enfrentadas pela teoria clássica (causal ou naturalista) para explicar, por exemplo, os crimes comissivos por omissão (ou omissivos impróprios, espúrios)2, onde o resultado só pode ser imputado ao agente tendo em conta o seu querer, sua vontade, sua finalidade, já que a omissão (a abstenção, o não fazer) não leva, física e naturalmente, a qualquer resultado, levaram ela a ser superada pela teoria finalista da ação. Só por meio da teoria finalista há como atribuir à mãe a morte de seu filho, quando a ele não foi, por ela, dado alimento.

É certo que o fim buscado pelo agente não se confunde com o conhecimento do injusto (com o conhecimento de que está se fazendo algo errado). É a simples manifestação de vontade (ação ou omissão), voluntária e consciente, de alguém em busca de um fim. O fim buscado pelo agente é que indicará a existência de DOLO ou CULPA.

Grosso modo, diz-se dolosa a conduta quando o agente busca o resultado; e, por sua vez, culposa quando tal resultado advém da incúria, falta de cautela, falta de cuidado do agente.

Observe a conduta de alguém que, com um copo de água na mão, levá-o à boca e, com sucesso, vem a saciar a sua sede. Pergunto: a conduta foi dolosa ou culposa? É certo que dolosa, já que dirigida a um fim que foi efetivamente buscado pelo agente.

Independentemente de ser um conduta lícita ou ilícita (certa ou errada), houve dolo. Por isso, que ele (dolo) é natural e não normativo. No dolo, então, não há juízo de valor acerca da ilicitude do ato. Há dolo até mesmo nas condutas lícitas.

Imaginemos, agora, que, ao tentar beber a água do copo, o agente deixa-a, por falta de cuidado, cair em sua roupa. É obvio que o resultado que adveio da sua conduta não foi por ele buscado (buscava saciar a sua sede). Houve falta de

2 Crimes omissivos impróprios são aqueles em que o agente por meio de uma abstenção (não fazer) causa um resultado danoso. Caso clássico é o da mãe que deixa de dar alimento a seu filho, causando-lhe a morte. Praticou homicídio (matou alguém) por meio de uma omissão.

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cuidado que, por sua vez, deu causa a um resultado não pretendido. A conduta, portanto, é culposa.

Segundo Fernando Capez e Edílson M. Bonfim, adotada a teoria finalista da ação, conduta é toda ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dirigida a uma finalidade.

São elementos da conduta: 1)- vontade (voluntariedade); 2)- finalidade; 3- manifestação exterior (ação ou omissão); 4)- consciência.

A ausência de qualquer um dos elementos leva à ausência de conduta e, portanto, à atipicidade do fato, já que, não havendo conduta, não haverá fato típico (a conduta é o primeiro dos elementos do fato típico). Se, por sua vez, não há fato típico, não há crime.

Não há conduta :

1- Nos movimentos reflexos, pois não expressam a vontade do agente.

Ex: golpe de faca dado pelo açougueiro epilético em seu auxiliar no momento de crise.

2- Na coação física absoluta (vis absoluta), já que ausente a vontade.

Ex: Antonio, dolosamente, empurra a mão de José que segurava uma faca contra o tórax de Anastácio que vem a sofrer lesão corporal. (José não responde, pois não praticou qualquer conduta. Antônio, por sua vez, responderá pelo ilícito)

3- Estados de inconsciência (desde que não decorra de ato do agente), uma vez que não há vontade.

Ex: José, em crise de sonambulismo, vem a empurrar sua mulher, Joelma, da sacada do seu prédio, causando-lhe a morte.

Atenção : A coação moral irresistível não leva à ausência de conduta, já que há um resíduo de vontade. Esta não foi eliminada pela coação. Fato típico existirá. Todavia, ausente a culpabilidade (exemplo: João, gerente de banco, sob coação praticada mediante o emprego de arma de fogo, vai até sua agência e subtrai do cofre grande quantia em dinheiro). No caso a conduta não é desprezada pelo Direito Penal. Assim, praticou João um fato típico.

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Sobre a culpabilidade trataremos após falarmos da ilicitude.

Necessário ao aluno que tenha como certa, inarredavelmente, a afirmativa de que há conduta quando esta advier de coação moral irresistível (vis compulsiva).

3.2.1.1 - DA COMISSÃO E DA OMISSÃO.

Vimos que a conduta é uma ação (positiva) ou uma omissão (negativa), voluntária, consciente e com finalidade. A conduta pode, assim, representar um fazer ou um não fazer. A ação e a omissão são os meios pelos quais a conduta se exterioriza, se apresenta ao mundo.

No que tange ao fazer, a conduta, no âmbito penal, é aquela em que o agente faz aquilo que a norma proibitiva impõe um não fazer. A conduta aqui é uma ação (um agir, uma comissão) contra o mandamento proibitivo da norma penal. (Exemplo: “Crime Concussão” Art. 316 – “Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa”).

Já no caso da omissão, o agente deixa de agir. Deixa, frente determinada situação, de tomar uma postura ativa exigida pela lei. A omissão é uma abstenção, uma conduta negativa. Entretanto, a omissão só terá relevância jurídico-penal quando do agente tiver o dever de agir.

O dever jurídico de agir advirá :

1- da própria norma penal incriminadora3 que prevê a abstenção como conduta e estabelece a respectiva pena (crimes omissivos próprios). A norma, então, ao prever a abstenção como conduta. estabelecendo uma pena àquele que a praticar, está na realidade exigindo do omitente uma conduta ativa, um fazer.

3 Norma penal incriminadora é aquela em que o legislador estabelece a conduta reprovável e determina a pena (sanção) aplicável àquele que a infringe. São as normas que emergem dos tipos penais incriminadores.

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É o que ocorre com o crime de omissão de socorro (artigo 135 do CP)4, onde o simples abster-se leva à existência do ilícito, não havendo necessidade de qualquer resultado naturalístico (dano à vítima).

Assim, tais crimes (omissivos próprios) são classificados como de mera conduta, pois a norma penal não descreve qualquer resultado, mas tão só a conduta (abstenção).

2- de norma penal não incriminadora5 que prevê hipóteses especiais em que o agente deve impedir um resultado danoso. São hipóteses especiais, onde se exige do agente um comportamento ativo (ação) para evitar um resultado. Não agindo, ele dá causa ao resultado (crimes comissivos por omissão ou omissivos impróprios).

A omissão não vem descrita no tipo penal incriminador (tipo penal que descreve a conduta criminosa). Este descreve uma conduta ativa (exemplo: artigo 121 – matar alguém). Todavia, o resultado poderá ser alcançado por meio de uma abstenção, bastando que o agente esteja em qualquer das situações mencionadas no artigo 13, parágrafo 2º, do CP6.

Exemplo clássico de crime omissivo impróprio ou comissivo por omissão é o caso da mãe que deixa de alimentar seu filho, causando-lhe a morte. Neste caso,

4 Art. 135 – “Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública” Pena: detenção, de um a seis meses, ou multa.

5 São as normas penais que não têm origem em tipos penais incriminadores. Tais normas estão previstas em tipos penais não incriminadores, ou seja, em dispositivos que não descrevem condutas criminosas. São, por exemplo, tipos penais não incriminadores aqueles que prevêem as hipóteses de legitima defesa (artigo 25 do CP) e estado de necessidade (artigo 24 do CP), como também o é aquele que estabelece para efeito penal o que é funcionário público (artigo 327 do CP).

6 Artigo 13 do CP : “RELEVÂNCIA DA OMISSÃO”.

§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

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deixando de fazer aquilo que é seu dever, ela mata seu filho; praticando, por omissão, um crime de homicídio.

Observe, para ilustrar, que, se desprezássemos o querer, a vontade, a finalidade, como querem os adeptos da teoria clássica. Considerando, assim, como conduta o simples acontecimento mecânico, físico, não seria possível responsabilizar a mãe pela morte do filho, já que entre o não fazer e a morte do filho, mecanicamente, não há como se estabelecer vínculo, liame (nexo causal).

A respeito do tema, vamos falar detidamente logo adiante (item 3.4), quando tratarmos do nexo causal (relação de causalidade).

3.2.1.2 – DO DOLO E DA CULPA.

A conduta pode, ainda, ser dolosa ou culposa. O legislador pátrio adotou como regra a responsabilidade penal quando o agente age dolosamente e, excepcionalmente, quando o faz culposamente.

Assim, no parágrafo único do artigo 18 do CP, o legislador afirma que “Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente”.

Portanto, só haverá crime culposo quando a lei expressamente o admitir. Em regra, todos os crimes previstos (furto, estelionato, corrupção passiva e ativa, homicídio etc) são dolosos.

Excepcionalmente, o legislador admite a forma culposa. O crime de homicídio admite a forma culposa (artigo 121, parágrafo 3º, do CP). Já o crime de furto não prevê modalidade culposa (artigo 155 do CP).

Mas o que seria dolo e culpa?

Vimos de forma singela, ao discorrermos inicialmente sobre conduta, que o fim buscado pelo agente é que indicará a existência de dolo ou culpa. Vejamos, agora, o porquê.

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Adotada a teoria finalista da ação, partiremos do pressuposto de que a conduta não é um simples acontecimento físico, mecânico. Ela tem um plus, que é a finalidade do agente.

Quando, por exemplo, bebo água, tenho a finalidade, o objetivo de saciar a minha sede. O beber água representa, então, um comportamento doloso, já que é a manifestação do fim postulado pelo agente. Apesar de penalmente irrelevante, é uma conduta dolosa.

Observemos, então, no mesmo contexto fático, ou seja, o agente busca, com o copo na mão, saciar a sua sede. Entretanto, por descuido, deixa a água cair em sua roupa. A conduta tinha uma finalidade: saciar a sede. Todavia, o resultado foi diverso do pretendido. Este resultado diverso adveio de um descuido, falta de cuidado. Aqui está a pilastra da conduta culposa.

A culpa se exterioriza através daquilo que o legislador denomina imprudência, negligência e imperícia, que são as modalidades de culpa.

O dolo, por sua vez, pode ser direto, quando o agente quis o resultado, ou indireto, quando assumiu ele o risco de produzi-lo. O dolo indireto, a seu turno, pode ser eventual ou alternativo.

Art. 18 do CP : Diz-se o crime:

I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

A respeito das modalidades e espécies de culpa, falaremos quando formos tratar dos crimes culposos. Por ora, daremos atenção ao dolo.

Mas o faremos, agora, pressupondo a conduta típica, ou seja, aquela conduta que se amolda a um tipo penal incriminador (Fato concreto = fato abstrato).

Portanto, não vamos falar da conduta dolosa irrelevante para o direito penal (ex: beber água), mas daquela que, além de dolosa, é, a princípio, criminosa, pois constitui um fato típico.

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3.2.1.3 - O DOLO NO CRIME DOLOSO.

Primeiramente, vamos falar a respeito de algumas teorias que tratam do assunto, e, ao depois, conceituaremos o dolo trazendo à baila suas espécies.

A respeito do dolo, em que pese a existência de outras, são três as teorias de maior relevância no nosso ordenamento jurídico-penal.

Teoria da representação: segundo a teoria da representação, a simples antevisão do resultado ilícito, ou seja, sua representação ao agente, faz sua conduta ser dolosa. Adotada essa teoria, não existiria distinção entre dolo eventual e culpa consciente7, pois em ambos os casos o agente antevê o resultado danoso e, mesmo assim, age.

Teoria da vontade: para os adeptos da teoria da vontade, a existência de um crime doloso exige que o agente tenha, diante da representação (antevisão), a vontade de praticar a conduta que configura um ilícito penal. Assim, necessária a antevisão, representação, acrescida de vontade de praticar o ilícito.

Teoria do assentimento (ou do consentimento): segundo seus defensores, o dolo ocorre quando o agente, diante da representação do ilícito penal, apesar de não querê-lo (de não ter vontade de causá-lo), aceita-o como possível.

De acordo com a literalidade do nosso Código Penal (artigo 18, acima transcrito), é manifesta a opção do legislador nacional. Para que tenhamos um crime doloso, mister, primeiramente, que o agente tenha vontade dirigida ao resultado danoso (teoria da vontade = quis o resultado) ou, quando não, que, ao menos, o tenha aceitado como possível (teoria do assentimento = assumiu o risco de produzir o resultado).

Atenção: No nosso ordenamento jurídico, então, a simples representação do resultado não faz da conduta uma conduta dolosa. A teoria da representação não foi acolhida pelo legislador.

Necessário que além da representação, haja vontade dirigida ao resultado (dolo direto) ou a assunção do risco de produzi-lo (dolo indireto). Houve, por parte do

7 Dolo eventual : antevisão (ou representação) + aceitação do resultado. Culpa consciente : antevisão (ou representação) + não aceitação do resultado.

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nosso legislador, a opção pelas teorias da vontade e do assentimento para definir o que é uma conduta dolosa, juridicamente relevante.

Não podemos nos esquecer que a ilicitude (ou antijuridicidade, que é a contradição da conduta frente ao ordenamento jurídico), da qual falaremos mais adiante, não é elemento da conduta.

Assim, o dolo não traz em si qualquer juízo de valor a respeito do que é certo ou errado. O dolo é natural e não normativo. Basta que se queira o resultado ou se tenha assumido o risco de produzi-lo, ou seja, que se tenha uma finalidade.

O dolo, no crime doloso, pode então ser:

1- DIRETO (teoria da vontade): quis o resultado.

2- INDIRETO (teoria do assentimento): assumiu o risco de produzir o resultado.

O indireto pode ser : a)- eventual ou b)- alternativo.

No dolo indireto há, como no direto, a antevisão do resultado. Este (o resultado), todavia, não é querido pelo agente, o qual, diante de sua representação (antevisão do resultado), age, aceitando-o (o agente se conforma com o resultado danoso, apesar de não querê-lo).

No dolo eventual, primeira das duas espécies de dolo indireto, diante da antevisão do resultado, o agente prefere agir, aceitando-o como possível, a deixar de fazê-lo.

Exemplo de dolo eventual: Substituto do atirador de facas no circo. Sem habilidade, o agente antevê a possibilidade de acertar a moça e não a maçã que está em sua cabeça. Diante de tal possibilidade, ele aceita o resultado como possível (se conforma com o resultado danoso) e age, acertando a maçã, mas não a maçã que estava em cima da cabeça, e sim a maçã do rosto da moça (sua face).

Já no dolo alternativo, a segunda das espécies de dolo indireto, o agente antevê dois ou mais resultados possíveis. Dirige, entretanto, sua conduta a um deles (dolo direto). Mas sabe que, ao agir, poderá causar outro resultado lesivo.

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Mesmo diante dessa possibilidade, entre o fazer e o não fazer, ele age, aceitando e causando o outro resultado.

Exemplo de dolo alternativo: João pretende dar um tiro na perna de Antônio. José, está perto da vítima. João antevê a possibilidade de atingir também, ou unicamente, José. Busca um resultado (= atingir Antônio), mas aceita como possível o outro resultado (= ferir José) e age, ferindo este.

Atenção : A aceitação do resultado é o que difere o dolo eventual da culpa consciente8. Nesta, o agente antevê o resultado. Todavia, espera sinceramente que ele não ocorra, não o aceita, mas age. Veja algumas questões sobre o tema.9 10

Não podemos nos esquecer que o legislador, no artigo 18 do CP, trouxe-nos o conceito de crime doloso e não de dolo. O conceito de dolo é doutrinário e não legal, pois não há na lei a definição de dolo.

Doutrinariamente, dolo é definido como a vontade e consciência de realizar todos os elementos constitutivos do tipo penal, ou seja, a vontade de “matar alguém” (elementos constitutivos do crime de homicídio). Sobre os elementos constitutivos do tipo penal falaremos quando formos tratar do último dos elementos do fato típico, isto é, quando da tipicidade.

Crime doloso, por sua vez, é aquele em que o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo (vide artigo 18 do CP).

8 Na culpa consciente, o agente antevê o resultado, mas não o aceita, não se conforma com ele. Ao agente age na crença de que não causará o resultado danoso. Exemplo: O atirador (não o substituto) de facas no circo. Ele atira a faca na crença de que, habilidoso que é, acertará a maça. Mas, ao contrário do que acreditava, ele acerta o rosto da moça. 9 Questão OAB SP (EXAME 119º) Na culpa consciente, o agente: (A) prevê o resultado e, conscientemente, assume o risco de produzi-lo. (B) prevê o resultadO, mas espera, sinceramente, que ele não ocorra. (C) não tem previsão quanto ao resultado, mas apenas à previsibilidade do mesmo. (D) não tem previsão quanto ao resultado, mas, consciente-mente, considera-o previsível. Gabarito oficial : B 10 QUESTÃO - TRIBUNAL DE CONTAS DO PI – (AUDITOR) 2005 – FCC (PROVA TIPO 1). 47- Quando o agente prevê o resultado, mas espera sinceramente que ele não ocorrerá, afirma-se na doutrina que há : a- culpa imprópria. b- dolo alternativo. c- dolo indireto. d- dolo eventual. e- culpa consciente. Gabarito oficial : E

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Atenção : Uma coisa é a definição de dolo, outra é a definição de crime doloso.

Síntese conceitual :

Crime doloso , cuja definição está na lei, é aquele em que o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.

Dolo, cuja conceituação não está na lei, é a vontade e consciência de realizar todos os elementos constitutivos do tipo penal.

Espécies de dolo:

De acordo com o que dispõe o legislador, podemos ter o Dolo direto e o dolo indireto. Este, como já vimos, pode ser alternativo ou eventual.

Por enquanto, não trataremos de outras classificações de dolo. De tais classificações falaremos mais adiante, quando estiverem mais enraizados os conceitos de dolo e culpa.

3.3. - Do Resultado.

Sobre o resultado, há uma questão interessante. Iniciaremos o nosso trabalho já a trazendo à baila. Todo crime tem resultado? Não responderemos agora, deixemo-la de lado; e, após discorrermos sobre o assunto, vamos ver que a resposta tanto pode ser positiva quanto negativa.

Resultado é o efeito que advém de uma causa.

Ao matar alguém, houve um resultado que adveio de minha conduta? É óbvio que sim. No caso, houve a mudança do mundo (alguém morreu). Quando jogo uma pedra no lago, de minha conduta houve um resultado? É óbvio que sim. Quando, por falta de cuidado, eu, imprudentemente, invado a via preferencial e causo um acidente de trânsito, houve um resultado que adveio de minha conduta? A resposta também é positiva.

Nos exemplos dados, entretanto, estamos analisando a relação causa e efeito mecanicamente. O resultado penalmente relevante deve ser analisado não de forma tão simplista.

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A relação causa e efeito nos é de grande valia. Mas, devemos analisar o efeito natural e o efeito jurídico que advém de uma determinada conduta. Para respondermos àquela primeira questão, devemos tratar, portanto, do resultado naturalístico e do resultado jurídico.

Resultado naturalístico é a mudança do mundo, ou seja, é a mudança exterior causada pela conduta. Assim, penalmente, o resultado naturalístico é a mudança do mundo (um fenômeno) causada pela conduta ilícita.

Resultado jurídico, por sua vez, é a ofensa à norma penal, isto é, ofensa ao bem tutelado (protegido) pela norma penal. Como toda norma penal incriminadora objetiva proteger um determinado bem jurídico mediante um mandamento proibitivo, para que haja resultado jurídico, basta que se pratique a conduta proibida.

Como de todo crime emana ofensa a uma norma penal, concluímos que todo crime tem resultado jurídico.

Mas, conclusão diversa chegaremos ao observarmos o resultado naturalístico (mudança do mundo).

A lei penal em determinadas oportunidades, por opção do legislador, prevê como criminosas condutas que, apesar de praticadas, não levam à mudança do mundo. Nestes casos, não há resultado naturalístico ou, quando há, ele não é exigido para a perfeição do crime. Assim ocorre, por exemplo, nos crimes denominados de mera conduta e formais, dos quais falaremos adiante.

Observe, por exemplo, o crime de concussão (artigo 316 do CP):

Concussão

Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.

A conduta é, em síntese, exigir vantagem indevida.

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Pergunto: para que exista o crime é necessária a obtenção da vantagem, ou basta a conduta de exigi-la ? Respondo: o crime de concussão se aperfeiçoa no momento da exigência, a obtenção ou não da vantagem é irrelevante, é o denominado exaurimento do crime, também conhecido como “pos factum” impunível.

O bem jurídico tutelado (protegido) pela norma inserta no artigo 316 do CP é o bom desenvolvimento da máquina administrativa.11

Portanto, aquele que pratica a conduta incriminada (exigir vantagem indevida) causa resultado jurídico, isto é, ofende o bem tutelado pela norma penal. Entretanto, apesar de ofender o bem tutelado, não gera mudança no mundo exterior (não gera resultado naturalístico).

Inobstante o resultado naturalístico estar descrito na norma penal (obtenção da vantagem indevida), o crime de concussão se consuma, se aperfeiçoa, sem sua concreção. A realização do resultado (obtenção da vantagem) é o exaurimento do ilícito, o que é indiferente para a existência ou não no crime.

Pergunto: No crime de concussão, o agente que exige vantagem indevida lesiona ou não o bem tutelado pela norma jurídica? Respondo: Como vimos acima, o bem tutelado (protegido) pela norma inserta no artigo 316 do CP é o bom desenvolvimento da máquina administrativa. Assim, o servidor que exige vantagem indevida, em que pese não recebê-la, causa lesão ao bem protegido pela norma penal. No entanto, apesar disso, não muda o mundo, isto é, não causa resultado naturalístico.

A conclusão inexorável a que chegamos é de que o bem tutelado pela norma penal sempre é lesionado quando a lei penal é afrontada. Isso, todavia, não leva, por si só, a crer que a lesão ao bem tutelado leva a um resultado naturalístico (mudança do mundo).

Observe o crime de homicídio. A norma penal inserta no artigo 121 do CP (matar alguém) busca tutelar o direito à vida. Portanto, o bem protegido é a vida. Quando mato alguém, ofendi o bem tutelado? Sim, pois matei alguém. Houve resultado jurídico? Sim, ofensa ao bem tutelado: Direito à vida. Houve, por sua vez, resultado naturalístico? Sim, a morte de alguém (mudança do mundo).

11 Jesus – Damásio Evangelista (Direito Penal – volume 4 – editora Saraiva).

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No que se refere ao resultado naturalístico, o legislador se vale de três modos de atuação na elaboração dos tipos penais incriminadores. Descreve, nos tipos penais:

1- conduta e resultado, exigindo este para sua perfeição (consumação). São os denominados crimes materiais.

Exemplo: homicídio (artigo 121 - “matar alguém”); furto (artigo 155 – “subtrair coisa alheia móvel para ou para outrem”). No homicídio, para que o crime se consume necessário o evento morte e no furto, por sua vez, necessária a efetiva subtração, que é a retirada da coisa da esfera de disponibilidade da vítima.

2- conduta e resultado, mas não o exige para sua perfeição (consumação), bastando a conduta para que o crime se consume. Aqui, estamos falando dos crimes formais.

Exemplo: Concussão (art 316, “caput”), corrupção passiva, na modalidade solicitar vantagem (art 317). Em ambos os casos não é necessária a obtenção da vantagem para a consumação do crime, apesar de ela constituir elemento da descrição da conduta. Há, aqui, uma antecipação da consumação.

3- conduta (não descreve o resultado), o crime se aperfeiçoa só com a conduta. São os denominados crimes de mera conduta.

Exemplo: desobediência (Art. 338), reingresso de estrangeiro expulso (art 338).

Já temos, então, condição de responder aquela questão interessante.

Questão Interessante : Todo crime tem resultado ?

Resposta : Todo crime tem resultado jurídico. Todavia, não são todos os crimes que têm resultado naturalístico. Alguns nem mesmo descrevem o resultado naturalístico, não há menção a ele no tipo penal, é o caso dos crimes de mera conduta. Os crimes formais têm em sua descrição o resultado naturalístico. Este, não obstante sua previsão no tipo penal, não é necessário para que o crime se consume. Basta, para que o ilícito se aperfeiçoe, a conduta do agente. Dirigida, é certo, ao resultado naturalístico. Nos crimes materiais, por seu turno, além de, em sua descrição legal, constar o resultado naturalístico, eles só se consumarão se efetivamente o resultado vier a ocorrer.

De agora em diante, fica estabelecido que, quando formos falar de resultado, estaremos nos referindo àquele que tem relevância jurídica, ou seja, ao resultado naturalístico. Portanto, para nosso estudo, resultado é a mudança do mundo exterior causada pela conduta ilícita.

Como elemento do fato típico, o resultado não é o jurídico e sim o naturalístico.

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Síntese conceitual :

Resultado: é o efeito que advém de uma causa.

Resultado jurídico: é a ofensa à norma penal, ou seja, ao bem tutelado pela norma penal.

Resultado naturalístico: é a mudança exterior (mudança do mundo) causada pela conduta.

3.4. - Do nexo Causal.

O nexo de causalidade, ou nexo causal, é o liame estabelecido entre a conduta (causa) e o resultado (efeito). Assim, será causa a conduta que levou ao resultado. Nada mais é que uma relação de causa e efeito (Ex: o envenenamento (causa) levou à da morte (resultado) de Antônio).

O nexo causal é um dos elementos do fato típico. Todavia, só existirá como tal quando estivermos falando de crimes materiais, ou seja, de crimes cujo resultado naturalístico é necessário para seu aperfeiçoamento, para sua consumação. Não há nexo causal nos crimes formais e de mera conduta.

Nos crimes formais há resultado na descrição do tipo penal, nas não é ele exigido para a consumação do ilícito. Portanto, não há que se falar em nexo causal. Já nos crimes de mera conduta não há resultado nem mesmo como elemento descritivo do tipo penal.

Causa é todo evento necessário para que o resultado ocorra. Assim, tudo que antecede o resultado e que foi necessário, que teve relevância para sua efetivação, é causa.

Não é, ademais, uma simples relação física entre a conduta (causa) e o resultado que levará à existência do fato típico. Necessário que a conduta seja, ao menos, culposa, que tenha uma finalidade (teoria finalista da ação).

Caso não fosse assim, poderíamos concluir que o nascimento do Senhor Francisco de Assis Pereira, o “maníaco do parque”, foi causa dos crimes por ele cometidos, uma vez que, caso não tivesse nascido, não teria havido os crimes.

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Portanto, o nascimento seria causa e a sua mãe, em conluio com seu pai, seria criminosa. O que é um absurdo. É óbvio que seus pais, ao concebê-lo, não tinham a finalidade de praticar qualquer ilícito.

Concretamente, para se saber se um evento é causa, devemos nos valer do processo hipotético de eliminação. Se, eliminando mentalmente o evento do processo causal, chegarmos à conclusão de que, com isso, o resultado não ocorreria do modo e no momento em que ocorreu estaremos diante de uma causa.

Exemplo : Caminhando próximo a um abismo, João nota que José está prestes a cair, pois está segurando em uma pequena raiz de um arbusto (isso nos lembra aquelas peripécias do coiote em perseguição ao papaléguas). Diante de tal situação, João corta a raiz do arbusto e José cai, sobrevindo sua morte. Pergunto: A conduta de João pode ser considerada causa da morte de José? Eliminando hipoteticamente a conduta de João do processo causal (pensemos que ele não tivesse cortado a raiz), José teria caído? Possivelmente sim, mas não no momento em que caiu. Assim, a conduta de João foi relevante para que o evento morte viesse a ocorrer no momento em que ocorreu. Portanto, tenho-a como causa da morte de José.

A causa, assim, tem relevância no processo causal. Sem ela o resultado não teria ocorrido no momento e do modo que ocorreu.

O nosso legislador adotou, no que tange ao nexo causal, a teoria da equivalência causal ou da “conditio sine qua non” como regra. Segundo tal teoria, basta que haja relevância no processo causal para que o evento seja tido como causa. Absolutamente eficiente o procedimento mental de eliminação para definirmos o que efetivamente é causa para o nosso legislador. No exemplo acima, vimos que a conduta de João foi relevante para que o evento morte de José viesse a ocorrer no momento em que ocorreu.

Excepcionalmente, todavia, a teoria utilizada pelo Código Penal é, de acordo com Fernando Capez e Edilson M. Bonfim, a teoria da causalidade adequada, segundo a qual causa somente será o evento que, isolada e individualmente (desprezado o processo causal), teve idoneidade para produzir o resultado.12

12 (vide : Capez – Fernando e Bonfim – Edílson M. - Direito Penal Parte Geral – Editora Saraiva – 2ª edição).

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De acordo com a teoria da causalidade adequada, não há entre vários eventos de um contexto fático relação de dependência. Serão eles considerados isoladamente. Só haveria uma causa, desprezando-se todo o processo causal.

Observe a seguinte situação, para dimensionar os efeitos práticos da adoção de uma ou outra teoria.

“A vítima de um golpe de faca em um dos braços é levada ao hospital, onde vem a falecer tendo em conta trauma craniano decorrente de acidente de trânsito ocorrido no trajeto da viatura de emergência”.

Pela teoria da equivalência dos antecedentes, o golpe de faca é causa da morte, já que, sem ele, a vítima não estaria na ambulância e, com isso, não sofreria a lesão que a levou à morte.

De outro lado, adotada a teoria da causalidade adequada, o golpe de faca não pode ser considerado causa, já que isolada e individualmente não teria condição de levar a vítima a óbito. A teoria da causalidade adequada é utilizada pelo legislador quando trata da superveniência de causa relativamente independente (artigo 13, parágrafo 1º, do CP).

O artigo 13 do Código Penal trata da relação de causalidade, observe sua literalidade no quadro abaixo.

Relação de causalidade

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

Superveniência de causa independente

§ 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.

Relevância da omissão

§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

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Sabemos que, pela teoria da equivalência causal, todo evento que leva ao resultado é sua causa. Sabemos, também, que para imputá-lo ao agente é necessário que este tenha agido ao menos culposamente.

No processo causal – desenvolvimento físico -, podem existir vários eventos. Necessário sabermos se todos foram relevantes para o resultado. Não são poucas as vezes em que um evento está relacionado a outro, havendo aí uma dependência.

Juntamente com a conduta do agente (evento) outros acontecimentos podem também ser causa do resultado. A doutrina, então, fala em causa dependente ou independente da conduta do agente. A independência pode ser relativa ou absoluta, como também pode ser preexistente, concomitante ou superveniente à conduta do agente.

Será absolutamente independente a causa que, por si só, sem a dependência de qualquer outro evento deu causa ao resultado. Se a causa absolutamente independente foi a conduta do agente, o resultado a ele será imputado. É o que reza o “caput” do artigo 13 do CP: “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”.

Logicamente, portanto, que se a causa for absolutamente independente da conduta do agente, o resultado a ele não se imputará.

Atenção : em provas objetivas os elaboradores podem trazer, na redação das questões, jogo de palavras com o intuito de levar o candidato à confusão, e, normalmente, obtêm sucesso. Quando a questão, todavia, falar somente em causa absolutamente independente, está se referido a outra causa e não à conduta do agente.

Observe as três questões que seguem :

1- Advindo o resultado de uma causa absolutamente independente da conduta do agente, podemos afirmar que:

a- o resultado não lhe será imputado.

b- O resultado lhe será imputado ao agente.

c- O resultado poderá lhe ser imputado.

d- Nda.

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Gabarito : A

2- Sendo a conduta do agente causa absolutamente independente :

a- O resultado não lhe será imputado.

b- O resultado lhe será imputado.

c- O resultado poderá lhe ser imputado.

d- Nda.

Gabarito : B

3- Advindo o resultado de uma causa absolutamente independente, podemos afirmar que:

a- O resultado não será imputado ao agente.

b- O resultado será imputado ao agente.

c- O resultado poderá ser imputado ao agente.

d- Nda.

Gabarito : A.

Note que uma coisa é a causa ser absolutamente independente da conduta do agente, outra coisa é a conduta do agente ser a causa absolutamente independente.

Causa absolutamente independente é aquela que inexoravelmente leva ao resultado. Por si só ela leva ao resultado. Se essa causa é a conduta do agente ele responderá pelo resultado. Em contrapartida, se essa causa não for a conduta do agente, ele não responderá pelo resultado, já que sua conduta foi irrelevante.

Observação: No exemplo do abismo em que João corta a raiz que segurava José, a causa da morte foi a conduta de João. Pergunto: A conduta de João foi a causa absolutamente independente de qualquer outra para o evento morte? Sim. Ela, por si só, tinha (e efetivamente teve) o condão de levar a efeito a morte de José. Assim, é causa absolutamente independente a conduta de João. Quando, entretanto, a causa absolutamente independente for outra, João não responde. Portanto, quando a causa for absolutamente independente da conduta de João, ele não será responsabilizado.

A causa relativamente independente é aquela que tem relevância no processo causal, mas que depende de um outro evento para que o resultado ocorra. Já vimos que a relação de dependência ou não deve ser aferida tendo em conta a conduta do agente (vide os exemplos abaixo, quando falamos das causas relativamente independentes – preexistentes, concomitantes e supervenientes).

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Será, então, causa relativamente independente aquela que deu causa ao resultado, mas que, para tanto, dependeu relativamente da conduta do agente. Esta causa (relativamente independente) pode ser preexistente, concomitante e superveniente à conduta do agente.

A relação de dependência ou independência relativas será aferida tendo em conta a conduta do agente, o que também ocorrerá para se saber sobre sua preexistência, concomitância e superveniência. Assim, sempre teremos em conta a conduta do agente.

A causa relativamente independente pode ser:

1- Preexistente : é o evento (causa) que preexistiu à conduta do agente. O resultado poderá ser imputado ao agente. O agente responde pelo resultado. (Ex: Morte por hemorragia de vítima hemofílica que foi ferida por golpes de faca).

No exemplo dado, a hemofilia preexistia à conduta do agente. Caso não houvesse tal patologia, o evento morte não ocorreria. Não podemos nos esquecer que a hemorragia só se iniciou por meio da conduta do agente. Assim, há uma relação relativa de independência.

2- Concomitante: é o evento (causa) que ocorreu simultaneamente à conduta do agente. O resultado a ele poderá ser imputado. O agente responde pelo resultado. (Ex: Vítima que assustada com o tiro que lhe foi desferido vem a falecer em razão de ataque cardíaco).

Neste caso, o que levou à morte foi a parada cardíaca e não a lesão causada pelo projétil da arma de fogo. Houve, aqui, uma simultaneidade (concomitância) de eventos. Como no caso anterior, não nos esqueceremos que caso não houvesse o disparo da arma de fogo não teria ocorrido a parada cardíaca. Assim, há uma relação de relativa independência entre os eventos.

3- Superveniente : é o evento (causa) que ocorreu após a conduta do agente. O resultado a ele NÃO SERÁ IMPUTADO (vide artigo 13, parágrafo 1º , do CP). O agente não responderá pelo resultado. Todavia, poderá ele, caso dolosa a sua conduta, responder por crime tentado ou por outro ilícito na forma consumada (Ex: vítima de disparo de arma de fogo que levada de ambulância sofre acidente no trajeto e vem a falecer em razão de traumatismo craniano).

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No exemplo dado, a causa da morte foi a lesão decorrente do acidente de trânsito. Todavia, caso não tivéssemos a conduta do agente (disparo de arma de fogo) a vítima não teria sofrido o acidente de trânsito. Portanto, aqui há uma relativa independência causal.

Mas, diferentemente das hipóteses outras, à causa relativamente independente, desde que superveniente, o legislador pátrio adotou, em detrimento da teoria da equivalência causal, a teoria da causalidade adequada. Com isso, o disparo da arma de fogo não é causa da morte, pois, isolada e individualmente, não teria ele condição de levar ao resultado.

Portanto, ao seu autor não será imputado resultado morte. Responderá ele, todavia, por crime de homicídio (se teve vontade de matar) ou lesão corporal consumada, caso a vontade foi exatamente causar a lesão.

Dica importante: Normalmente as questões tratam da causa relativamente independente superveniente, pois sobre ela o texto legal é expresso. Assim, devemos deixar enfaticamente frisadas duas assertivas: A primeira de que a causa absolutamente independente da conduta do agente, não leva a sua responsabilidade; A segunda de que a causa relativamente independente, desde que superveniente, não leva à responsabilidade do agente.

Quadro sinótico :

Absolutamente independente (Não responde o agente)

causa

Preexistente (poderá responder)

relativamente independente concomitante (poderá responder)

superveniente

Não responde pelo resultado

Artigo 13, parágrafo 1º, do CP.

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3.4.1 - DO NEXO CAUSAL NOS CRIMES OMISSIVOS E OMISSIVOS IMPROPRIOS.

Como já vimos, o nexo causal é o liame que vincula o resultado à conduta do agente. Os crimes omissivos são crimes cuja conduta é uma abstenção. De pronto, vamos deixar registrado que o crime omissivo, próprio ou impróprio, é praticado pelo agente por meio de uma abstenção. Observe bem, aqui, estamos falando da prática do crime, de sua concreção (não da letra da lei).

Quando falamos da conduta, demos atenção aos modos pelos quais ela se exterioriza (vide item 3.2.1.1.). Sabemos, então, que quando o crime descreve uma ação como sua forma de conduta é conhecido como crime comissivo. De outra banda, quando descreve uma omissão como forma de conduta, é conhecido como crime omissivo.

Assim, para categorizá-lo como crime comissivo ou omissivo levamos em conta a letra da lei. Para tanto, observamos, então, somente a letra da lei, deixando de lado a concreção, a prática do crime.

Temos, entretanto, os crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão. Para visualizá-los, contudo, não devemos observar somente a letra da lei. A letra da lei nos serve para saber se a conduta descrita é ou não positiva, se o crime é comissivo ou omissivo.

Crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão são aqueles em que a letra da lei (observe bem: A LETRA DA LEI) descreve uma conduta positiva e um resultado, mas o resultado pode ser alcançado por uma omissão. Assim, devemos observar primeiro a letra da lei e depois a conduta do agente.

São, portanto, crimes que podem ser concretizados por meio de uma abstenção, apesar de a letra da lei descrever uma conduta positiva. Devemos, então, observar a concreção do ilícito para termos o crime como comissivo por omissão ou omissivo impróprio.

Pergunto, agora:

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Questão : Nos crimes omissivos há nexo causal ?

Resposta : Fisicamente, da abstenção (não fazer) não decorre qualquer resultado que não seja a própria inação. Ela, por si, não leva a evento algum. “Do nada, nada surge”. Se da abstenção nada surge, não havendo resultado naturalístico, concluímos que não há nexo causal quando estivermos diante de uma abstenção. Mas, ainda, não respondemos à indagação. Quando falamos dos crimes omissivos próprios, não há qualquer dúvida de que nexo causal não há, uma vez que, na descrição típica, o legislador não descreve qualquer resultado. São crimes de mera conduta. Mas, quando tratamos dos crimes omissivos impróprios (ou comissivos por omissão), o problema surge, pois são crimes em que, apesar da abstenção, há resultado danoso a ser imputado ao agente. O liame, o nexo causal, aqui, não é natural, mas normativo, pois fisicamente já concluímos que “do nada, nada surge”. Há um problema que deve ser solucionado.

Temos, portanto, um problema para solucionar e uma certeza absoluta a registrar.

Do problema trataremos nas linhas seguintes. Agora, vamos deixar, enfaticamente, registrada a certeza absoluta de que nos crimes omissivos (omissivos próprios)13, não há nexo causal como elemento do fato típico, uma vez que nem mesmo resultado naturalístico há. São crimes que se incluem no rol dos denominados crimes de mera conduta, onde o legislador descreve somente a conduta no tipo penal incriminador.

No caso da omissão de socorro (artigo 135 do CP), para que o crime se aperfeiçoe basta a inação, o deixar de fazer, não exigindo o tipo penal a ocorrência de resultado. Não é preciso, assim, que a pessoa ferida, por exemplo, venha a sofrer dano decorrente da omissão. O crime já se aperfeiçoou quando da abstenção.

Vamos, então, resolver o problema e tratar do nexo causal nos crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão.

3.4.1.1 – DO NEXO CAUSAL NOS CRIMES OMISSIVOS IMPROPRIOS ou COMISSIVOS POR OMISSÃO.

13 O crime de omissão de socorro é exemplo clássico de crime omissivo, observe a descrição típica : Artigo 135 do CP “Deixar de prestar assistência quando possível fazê-lo sem risco pessoal, a criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida, ao desamparado ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro a autoridade pública. Pena – detenção de um a seis meses ou multa.

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Para tratarmos do assunto, vou, primeiramente, transcrever abaixo um trecho do que foi falado sobre o dever de agir na oportunidade em que vimos a comissão e a omissão (3.2.1.1):

O dever de agir advém:

2- de norma penal não incriminadora que prevê hipóteses especiais em que o agente deve impedir um resultado danoso. São hipóteses especiais, onde se exige do agente um comportamento ativo (ação) para evitar um resultado. Não agindo, ele dá causa ao resultado (crimes comissivos por omissão ou omissivos impróprios).

A omissão não vem descrita no tipo penal incriminador (tipo penal que descreve a conduta criminosa). Este descreve uma conduta ativa (exemplo : artigo 121 – matar alguém). Todavia, o resultado poderá ser alcançado por meio de uma abstenção, bastando que o agente esteja em qualquer das situações mencionadas no artigo 13, parágrafo 2º, do CP14.

Exemplo clássico de crime omissivo impróprio ou comissivo por omissão é o caso da mãe que deixa de alimentar seu filho causando-lhe a morte. Neste caso, deixando de fazer aquilo que é seu dever ela matou seu filho. Praticou ela, por omissão, um crime de homicídio.

Observemos o crime de homicídio15, cuja conduta é matar alguém. Trata-se de um crime comissivo, já que, observando a letra da lei (atenção : devemos

14 Artigo 13 do CP : “RELEVÂNCIA DA OMISSÃO”.

§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

15Homicídio simples

Art 121. Matar alguem:

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observar a letra da lei e não o caso concreto), notamos que a lei exige para a concreção um conduta positiva. Diferentemente do que ocorre nos crimes omissivos, onde a letra da lei descreve como conduta negativa, um abster-se.

Pergunto: É possível matar alguém por meio de uma abstenção?

Respondendo positivamente, estou reconhecendo que da abstenção poderá advir um resultado naturalístico, o que, como visto no trecho transcrito acima, não está errado. Mas, o que nos interessa agora é estabelecer o modo pelo qual se vincula o resultado (morte) ao não agir (à abstenção), já que da abstenção, física e normalmente, nada surge.

O nexo causal não se estabelece naturalmente. Devemos, para fazê-lo, emitir um juízo de valor acerca da existência ou não de um dever de agir, um dever de impedir o resultado imposto ao agente.

Caso o agente esteja em uma das situações mencionadas no artigo 13, parágrafo 2º do CP, tem ele o dever de impedir o resultado e, não o impedindo, responderá por ele.

O nexo causal entre a abstenção e o resultado é estabelecido pelo dever de agir imposto ao agente. Com isso, o nexo causal não é natural, mas sim normativo.

Para que alguém responda por crime omissivo impróprio ou comissivo por omissão é necessário que tenha o dever jurídico de impedir o resultado danoso. São, de acordo com a lei, casos em que o agente tem o dever jurídico de agir aquele que:

1- tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância.

Neste caso, o dever de agir é imposto pela lei. É o caso, por exemplo, da mãe em relação a seus filhos; do salva-vidas em relação aos banhistas; do médico em relação ao ferido.

2- De outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado.

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

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Neste caso, a posição de garantidor não decorre da lei, mas de qualquer outra forma. Exemplo clássico é o dever de cuidado assumido por meio do contrato. Exemplo: a babá em relação à criança aos seus cuidados; o guia em relação as pessoas a serem guiadas; o instrutor em relação aos escoteiros.

3- Com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

No último caso, o legislador impõe o dever de impedir o resultado, àquele que, por meio de conduta anterior, criou o risco do resultado. Exemplo: motorista do caminhão que não freia o seu veículo deve agir no sentido de impedir que ocorra o evento danoso; aquele que acende a fogueira deve agir no sentido de impedir que do incêndio causado decorra dano.

Atenção : O que se exige é que o agente não se omita. Deve ele agir com intuito de impedir o resultado. Caso, apesar de ter agido, não tenha conseguido evitar o resultado, não será ele responsabilizado. A lei não impõe um agir com sucesso, mas sim um agir em busca do sucesso.

Questões para fixação da matéria :

PROCURADOR DO BACEN – 2002 – ESAF.

01- Em relação à culpa lato sensu pode-se dizer que:

a) a punição a título de culpa stricto sensu é a regra, enquanto a sanção por dolo é excepcional.

b) no dolo eventual é suficiente que o agente tenha-se conduzido de maneira a assumir o risco de produzir o resultado e, assim, não se exige que haja ele assentido com o resultado; já na culpa consciente o sujeito não prevê o resultado, embora este seja previsível.

c) no crime culposo é dispensável haver nexo de causalidade entre a conduta e o resultado, pois este é reprovável pela desatenção do agente ao dever de cuidado para evitar o previsível.

d) culpa própria é aquela que o agente prevê e quer o resultado, mas sua vontade baseia-se em erro de tipo inescusável ou vencível; na culpa imprópria o sujeito não prevê o resultado nem assume o risco de provocá-lo.

e) se o agente não deu seu assentimento último ao resultado, não agiu com dolo eventual, mas com culpa consciente.

OAB – BA (2005) – VUNESP.

02- O artigo 13, § 2.º, ao afirmar que: “A omissão é penalmente

relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o

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resultado”, se aplica aos chamados crimes

(A) omissivos próprios.

(B) comissivos por omissão.

(C) comissivos.

(D) de pequeno potencial ofensivo. Resolução das questões :

1- Alternativa A - incorreta: Vimos na aula que a responsabilidade por crime culposo é exceção e que, de regra, o agente é responsabilizado a titulo doloso. Assim estabelece o parágrafo único do artigo 18 do CP. Alternativa B – incorreta: Aqui, nós temos duas afirmativas equivocadas. No dolo eventual, é necessário que o agente tenha assumido o risco de produzir o resultado e se conformado, assentido, com o resultado. O assentimento é necessário para que haja o dolo eventual (Dolo eventual = representação ou antevisão + assentimento ou aceitação). Na culpa consciente, há a representação (excepcionalidade), mas não há assentimento. O agente espera sinceramente que o resultado não ocorra (Culpa consciente = representação ou antevisão sem assentimento ou aceitação). Alternativa C - incorreta: Nos crimes culposos, só há crime quando houver resultado naturalístico. Caso eu falte com o dever de cuidado, mas de minha imprudência não surge qualquer dano, não responderei penalmente, pois atípica a conduta. O resultado naturalístico, nos crimes culposos, é imputado ao agente, desde que haja nexo de causalidade. Alternativa D – incorreta: Na culpa própria, que é a culpa típica, não há previsão do previsível. Se há previsão do resultado e querer por parte do agente, não estamos falando de culpa, mas sim de dolo. O erro de tipo inescusável ou vencível, do qual não falamos, leva à culpa imprópria e não à própria. Alternativa E - correta : O assentimento é necessário para que tenhamos o dolo indireto, do qual uma das espécies é o dolo eventual. Para que tenhamos dolo eventual, mister a aceitação (assentimento) do resultado. Não havendo o assentimento, apesar de presente a representação (antevisão), temos a culpa consciente. Portanto, correta a alternativa E.

2- Alternativa A - incorreta: Nos crimes omissivos próprios, o próprio tipo penal incriminador traz o dever de agir. Assim, no caso da omissão de socorro o dever de agir decorre do próprio tipo penal incriminador que estabelece como conduta criminosa a própria abstenção. Portanto, não há que se falar em aplicação do artigo 13, parágrafo 2º, do CP aos crimes omissivos próprios. Alternativa B – correta: Os crimes comissivos por omissão são aqueles conhecidos também como omissivos impróprios,

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omissivos espúrios. O tipo penal incriminador descreve uma conduta ativa e um resultado naturalístico. Este, todavia, pode ser concretizado por meio de uma abstenção, bastando, para isso, que o agente esteja em uma das condições previstas no artigo 13, parágrafo 2º do CP. Portanto, o dever de agir não decorre do próprio tipo penal incriminador, mas de outro que impõe o dever de o omitente agir. Alternativa C - incorreta: Nos crimes comissivos não há que se valar em dever de agir, já que a conduta impõe ao agente um dever de não agir. Portanto, nos comissivos não há omitente. Alternativa D – incorreta: A potencialidade ofensiva de um ilícito não guarda qualquer relação com o disposto no artigo 13 do CP. Assim, crime de pequena potencialidade ofensiva é aquele, comissivo ou omissivo, a que a lei atribui tal denominação em razão da diminuta resposta jurídico-penal.