A Subida do Calvário_ParteI

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Contemplaes evanglicas

doulrinaes c moraes sobre a paixo de N. S. Jesus ChHsto parn uso das sacerdotaes religiosas pelo almas e

Padre J U L I O - M A R I A Mlitionarco do N.' S. do SS. Sacramento 1. " Os prodromos do calvrio 2. A SUBIDA DO CALVRIO 3. " A tragdia do calvrio 4. " Os triumphos do calvrio

2." tomo A SUBIDA CALVRIO

DO

|0i Oithummii ao Tribunal de Pilatos)

2

Carta de S. Excia. Rvma. D. Carloto da Silva Tavora Preclaro e saudoso hispo de Caratinga Nlllll. OBSTAT. Pctropolis, dia 2 de Novembro de 1935 Frei Mariano Wintzen, O. F. M. Censor. IMPIUMATUR. Por commisso especial do exmo. e rcvnio. sr. bispo de Nictheroy, D. Jos Pereira Alves Petropolis, 17 de Outubro de 1936. Frei Oswuldo Schlenger, O. F. M. TODOS OS RESERVADOS DIREITOS

Meu caro padre JrdioMaria. Li, com immensa satisfao, os bellas e tocantes paginas sobre a paixo de N. S. J. C. que brotaram de seu corao de apstolo, taes chammus ardentes de um foco incandescente. So verdadeiras contemplaes, mas contemplaes (/ue parecem mais a realidade que a descripo. A vossa penna alerta e a vossa imaginao fecunda, foram dignos interpretes de vossa intelligencta ntida do texto Sagrado, dos vossos conhecimentos theo-wgicos e da vossa vasta sciencia exegetica e patristica. Sciencia, f, amor, zelo, penetrao psychologica combinam-se to admiravelmenle nestas paginas, que o espirito do leitor

fica subjugado, o seu corao commo-vido e a sua alma como transportada nas regies da realidade dos soffrimentos e do amor de Jesus Christo. A vossa penna fecunda parece ter como esgotado o assumpto.

O Christo pintado por vs, neste livro, um Christo to divinamente grande, e to humanamente terno, que o leitor sente a necessidade de prostrar-se, para ador-lo, e depois, levantando-se, lanarse em seus braos.

A majestade e a ternura do Salvador formam um conjunto to bello e to altraente que impossvel o leitor subtrair-se a seu amor e a seus encantos. Meus parabns, meu caro padre Julio-Maria; a sua obra ser destas que no morrem, mas sobrevivem a seus autores, porque ultrapassam a banalidade e elevam-se a uma altura e a uma perfeio, que difficil-mente podem ser attingidas.. e menos ainda ser ultrapassadas. Li com edificao o primeiro volume; e percorri os muniisaiplos do segundo, com profunda emoo. Que sem do terceiro, e do quarto, promettidos? De todo o corao abeno o seu trabalho e lhe concedo o Impriinatur deste segundo volume; A subida do Calvrio, fazendo votos i/ue seja seguido, em breve, dos outros annunciodos. Sou sempre de V. Revma.. humilde servo e amigo t Carloto Bispo de Caratinga

Nota - Esta carta Imprimat ur foi ditada pelo santo Bispo, poucos mezes antes do desastre que o prostrou. e a morte que o arrancou affeio de seus diocesanos. Aps uma vida santa, uma carreira apostlica, admirveis, o lllutra prelado, venerado por todos como um mestre e amado como um pae, entregou a sua bella alma a Deus, em 27 de Novembro de 1933, na casa de seu irmo Dt. Belisario Tavora, no Rio de Janeiro. O seu suecessor, que a Santa S acaba de nomear, S. Excia. Revma. D. ,!os' Parreira l.aru. Bispo de Santos, transferido para Caratinga, perfeito continuador das virtudes e d zelo de seu santo antecessor.

Curta introduco

A subida do Calvrio o secundo volume das Contemplaes evanglicas. Este volume entra plenamente nas grandes scenas da dolorosa paixo, sem omittir uma parcella das indicaes do Evangelho. Comea pela entrada de Gctlisemani e termina no tribunal de Pilatos. Esta parte como a paixo da alma e do corao da divina Victima. No o martyrio brutal, sanguinolento da flagellao, da coroao de espinhos, da cruCificao, mas o martyrio, talvez mais torturante e mais horrvel da agonia, dos insultos, tios sarcasmos, da humilhao e da ingratido rjue rasgaram a alma e despedaaram o Corao de Jesus. Pode-se distinguir, de facto, na paixo tres pha-ses: a dr, a humilhao e o soffrimento physico. listas phases no so rigorosamente distinetas, sem duvida, antecipam-se, compenetram-se, de modo que, durante toda a paixo, estes tres elementos de expia-o e de reparao unem-se e acompanham a divina Victima, do bero at ao tmulo. Houve soffrimentos na poca que chamamos de humilhao; emquanto a dr, isto , o tormento da alma e a agonia do corao, duraram at aos ltimos momentos; porm regra acceita o caracterizar as pocas, pelo elemento que nellas predomina, e faz a sua physittnomia. embora no seja exclusiva. O presente volume trata, pois, de modo especial, da dar e da humilhao do Salvador, ficando para o seguinte o soffrimento propriamente dito. E' j a Subida do Calvrio, mas a subida do espirito, a crucificao da alma, que precederam a immo-lao do corpo, que ser o objecto do terceiro volume: A tragdia do Calvrio. E' o Christo soffredor. 0 Christo bello, grande, majestoso, e ao mesmo tempo humilde, abatido, mostrando admiravelmente a dualidade de naturezas e de

vontades, na nica pessoa divina do Filho de Deus. * ** Estas Contemplaes preciso repeti-lo para serem comprehendidas e proveitosas, exigem um espirito calmo e recolhido ou, pelo menos, esforado, para t-lo. As scenas dolorosas do Calvrio so como estas flores delicadas, que s abrem as suas corollas no orva-Iho matinal, sob o beijo do sol nascente, mas que murcham e se reseccam, ao contacto da poeira e do vento. No leiam estas Contemplaes sem orar muito, pois, para comprehender as coisas divinas, preciso um sentido divino: e o Espirito Santo que o d. * (irandes e sublimes verdades so tratadas neste volume; si um ponto no o fosse inteiramente em conformidade com o ensino da santa e infallivel Igreja, Catho-lica, Romana, de antemo retraclamos a nossa opinio, querendo em tudo e sempre ser o filho humilde e submisso da mesma santa Igreja, columna e firmamento da verdade. Ecclesia Dei vivi. . . columna et firmamentuni veritatis ( 1 Tm 3, 15). P. JulioMaria

Esclarecimento Os Evangelistas insistiram sobre a paixo, mais do que sobre o resto da vida do Salvador, embora nenhum delles nos tenha dado uma narrao completa.

Si entre elles h muitos traos conununs, cada um possue as suas particularidades. Completando a narrao de um, pela do outro, os factos harmonizam-se e desenvolvem-se de um modo logicr, e natural. Os Evangelhos de S. Matheus, Lucas e Marcos, que so chamados synopticos, so intimamente ligados entre si. S. Joo, geralmente, no repete os seus predecessores, mas completa-os em muitos lugares. Aps a ultima ceia e o discurso de despedida, S. Joo no fala da agonia e da prece de Jesus, embora tenha conduzido o Salvador ao Oethsemani, como os synopticos; a razo 6 que no lhes tinha de fazer addies importantes. Elle volta ariestao de Jesus, para juntar-lhe uns pormenores que interessam o seu Evangelho, em particular a presena da tropa de soldados e dos servos do templo, derrubados pela palavra do divino Mestre. S elle assignala esta manifestao de seu poder, em-uanto omitte o beijo de Judas, narrado pelos outros. So Joo precisa igualmente que Jesus foi conduzido primeiro a Annaz e depois a Caiphaz. Durante o primeiro interrogatrio, Pedro renega a Jesus, indicando que tal renegao renovou-se por tres vezes, aps um certo intervallo de tempo (Lc 22, 59). A scena do desespero de Judas occorreu emquaiito Jesus foi levado a Pilatos, e durante o interrogatrio este fugiu ao valle do Cedron, foi esconder-se, e emfim, excitado pelo demnio que se apossara delle, enforcou-se numa arvore, pondo fim a uma vida miservel, sob o peso da justia divina. Para mais clara localizao dos factos da presente phase da paixo, eis os principaes lugares e as horas provveis das scenas a contemplar nesta parte: I. O jardim de Gethsemani ou das Oliveiras (Mt 26, 36). II. A casa de Annaz (Jo 18, 13).

III. A

casa de Caiphaz (Mt 26, 57). IV. Pedro e Judas (Mt 26). V. O Sanhedrio (Mt 26, 5966). VI. O pretorio de Pilatos (Mt 27, 2 -31). VII. O palcio de Herodes (Lc 23, 7-12). A ultima ceia teve lugar na quinta-feira santa, de 7 a 8 horas da noite. Jesus foi ao jardim de Gethsemani s 9 horas; A's 10 horas orava e suava sangue; A's 11 horas foi preso e conduzido cidade; Na sexta-feira santa, de meia noite a 2 horas, compareceu perante Annaz c Caiphaz, foi accusado, esbofeteado, renegado. A"s 5 horas foi citado outra vez perante Caiphaz; A's 6 horas levaram-no diante de Pilatos; A's 7 horas Pilatos mandou-o para Herodes; A*s 8 horas voltou de Herodes para Pilatos. E' nesta ultima scena que param as Contemplaes do presente volume.

Meu Jesus amado, falae, penetrae a vossa voz at o intimo de minha alma, e depois ensinae-nie tambm a falar, a entreter-me intimamente convosco num destes colloquios interiores - que animam, fortificam e estimulam na pratica da perfeio. Purssimo corao de minha Me, compadec?i-vos de mim, e no me desampareis durante e aps esta meditao. Eu vos offereo e vos consagro todos os meus pensamentos, desejos, affectos e resolues. Tomae e offerecei tudo a Jesus depois de tlo purificado e embellezado no vosso amantissimo Corao. Por indigno que isto seja, por amor de vs elle h de acceit-lo e attender s minhas humildes preces. O' Jesus, vivendo em Maria vinde e vivei em mini pelo vosso espirito de santidade, pela plenitude de vossos dons e perfeio de vossas leis, pela

ORAES Antes da contemplao Eis-me aqui, meu bom Jesus, em vossa divina presena. Venho, cheio de confiana, prostrar-me a vossos ps, quereria esconder-me no vosso amantissimo Corao para escutar de mais perto seus desejos e sentir mais intimamente suas pulsaes de amor. Venho, querido Jesus, escutar a vossa voz e falarvos por minha vez. Tantas coisas tenho de aprender de vs e tantas tenho de dizer e pedir-vos.

pratica de vossas virtudes e communho de vossos divinos mysterios. Dominae em mim as foras dos inimigos: mundo, demnio e carne, pelo poder de vosso amor, para gloria de vosso eterno Pae. Amen. Ave Maria. . . Depois da contemplao Meu querido Jesus, eis terminado o tempo da meditao, no porm o tempo de nosso colloquio amoroso. Oh! peovos a graa de poder continuar a entreterme comvosco, durante este dia inteiro como acabo de faz-lo durante esta meditao. E' to suave e to consolador o tempo passado a vossos ps, perto de vosso Corao, que eu quero ahi fixar a minha morada para sempre. As occupaes externas podem interromper materialmente a nossa conversao; mas quero que no diminuam a nossa intimidade nem o nosso amor. Quero durante este dia conservar a vossa lembrana, aviv-la em cada orao de hora, e appli-car-

me a imitar as vossas virtudes, especialmente aquella que o objecto da minha resoluo de hoje. . (Uma pausa. .. especificar). Agradeovos, meu querido Jesus, as graas recebidas durante esta meditao. Acceitae, em aco de graas, o amor, a pureza e a fidelidade de vossa divina Me, e por amor delia guardae-me, defendei-me e guiae-me, no caminho do dever e da santidade. Amen. Alma de Maria, santificaeme; Corao de Maria, inflammaeme; Mos de Maria, sustentaeme; Ps de Maria, dirigime; Olhos immaculado s de Maria, olhae-me; Lbios de Maria, falaeme; Dores de

Maria, fortalecei-me; O' doce Maria, attendei-me; Escondei-me no Corao de Jesus; No permittaes que de vs me aparte; Defendei-me contra os meus inimigos; Na hora da morte: chamae-me; Levaeme para o meu

querido Jesus; Alcanae-me o perdo das minhas fraque Collocae-me perto de vosso throno; Para comvosco amar e louvar a Jesus; Nos sculos dos sculos. Amen.

Mi

uli. do calvrio %

I. NO GETHSEMANI IV CONTEMPLAO Gethsemani Preldios: Contemplemos Jesus, cercado por seus apstolos. A tristeza de seu olhar revela a angustia de sua alma. Os apstolos querem consolar o seu bom Mestre, mas elles mesmos sentem um abatimento mortal, sem poder articular uma palavra siquer O' Jesus, gravae bem em meu corao a imagem de vossos traos doloridos, para que eu vos ame e console, pela fuga do mal e a generosidade em vosso servio. I O Evangelho comea a dolorosa descripo de Gethsemani (Jo 18, 1). Tendo Jesus dito estas palavras, sahiu com os seus discpulos para a outra banda da torrente do Cedron. Havia ali um horto, no qual entrou elle e seus discpulos.

II Tendo transposto a garganta rida e quasi lugubre di) valle do Cedron, eis-vos chegado, Jesus, ao p do monte das Oliveiras. Com os vossos apstolos, atraK 19

vessaes a torrente, e subindo a encosta, entraes no jardim de Gethsemani (1), que se acha sobre os primeiros declives. Gethsemani dista, pouco mais ou menos, meia lgua do Cenaculo. Por causa de seu isolamento, vs o tinheis escolhido para ali passar algumas vezes as noites com os vossos discpulos e recolher-vos em orao (2). Era um grande jardim fechado por uma cerca, onde s cresciam plantas de ornamentao e arvores fruetiferas; era um lugar de recreio e de recolhimento, e, para este fim, havia ali varias cabanas, cobertas de folhagens, onde os apstolos e outros discpulos iam com freqncia passar a noite (3). Era cerca de 9 horas quando ali entrastes com vossos discpulos. Reinava a escurido sobre a terra, mas a lua espargia no firmamento uma luz suave. Foi num jardim chamado o paraso terreal que comeou a perda do gnero humano; em um outro jardim, o de Gethsemani, que vindes operar agora a salvao do mundo (4). Entraes neste jardim, sabendo que poucas horas mais tarde regressareis pelo mesmo caminho, como um criminoso, atado c arrastado por vossos inimigos. Acabastes de instruir vossos apstolos: diante de seu olhar, tevantastes o vu do futuro; elles sabem o que tm a fazer e o que os espera. At aqui lhes mostraveis o futuro ao mesmo tempo radiante e doloroso, cumulado de sacrifcios, mas tambm de victorias... De repente, porm, este vu do futuro cae e os pobres apstolos vem diante de si a realidade do momento... realidade to aterradora, que lhes custou acredit-la... 1)Gethsemani significa: masseira de olivus. 2)Erat autem diebus docens in templo, noctibus vero exiens, morabatur in monte qui vocatur Oliveti (Lc 21. 37). 3> Segundo as indicaes dc Anna Cath. Emmerich. 4) Ut in paradiso malorum initium factum est, sic in horto passio20

Christi incipit (S. Cyrill. in Jo 31). Predizeis-lhes as angustias do futuro, mas elles, contemplando-vos, a vs, a prpria fora, a bondade, e a misericrdia personificadas, sentiam dissiparem-se os seus receios.. . Agora, porm, tudo muda. . . elles vos olham nesta hora, Jesus, e vem que estaes pallido e tremulo (5). A pena que vos acabrunha torna incerto o vosso andar. . . vossa face est livida. . . vossos olhos humidos de lagrimas... vossa mo tremula... tudo an-nuncia uma dr, qual jamais elles haviam encontrado. Apertamse-lhes os coraes... quereriam perguntar-vos o que havia? qual a causa desta tristeza... mas no ousam; nenhuma palavra de seus lbios se evola. . . e vs, triste, internaes-vos no jardim. . . com a cabea inclinada... e a alma em luta com uma verdadeira agonia de morte (6). Chegando a uma das cabanas do jardim, vos deixais cair sobre um banco. Um abatimento mortal obriga-vos a suspirar e a gemer; uma oppresso do peito, causada pela inquietao, tolhe-vos a respirao; em vo vos esforaes por exhalar a amargura de vossa dr, recalcada e concentrada no interior: ella refine para o corao como que para suffoc-lo. III O' Jesus, belleza e ternura infinitas, eis a que vos reduziu o vosso amor. Vs, o Deus todo-poderoso, reduzis assim vossa alma gloriosa ao temor, tristeza, ao abatimento. As-sustaesvos, tremeis, vs que, ainda h pouco, encoraja-veis os vossos apstolos! Estaes triste, vs que sois a alegria dos bemaventurados! Pareceis suecumbir a um acabrunhamento 51 Permisit natura: pati quod suum erat (Euth in Mt 26). 6) Cor moura conturbatum est: formido mortis cecidit Huper me: timor et tremor vencrunt13

super me, et contexerunt me tenebra? (Ps 87, 4, 7). mortal, vs que desejveis este momento com tanto ardor. O' Jesus!... bom Jesus.. . Eu comprehendo tudo: o amor a causa de tudo isso!. . . Amaes-mef. .. e o amor no pe limites a seus sacrifcios. . . elle d-se com tudo o que tem. Quereis mostrar-me, Jesus, quanto me amaes, afim de excitar em mim os sentimentos do mais generoso amor e da mais terna compaixo. E vos quereis dar inteiro, para mostrar-me que o amor no consiste (7) simplesmente em suspiros piedosos, em aspiraes, em planos, em promessas, mas sim no sacrifcio. E' a primeira e a grande lio que quereis dar ao mundo: a lio do sacrifcio: sacrifcio da vontade, sacrifcio do bem estar, sacrifcio do corao, para que possaes reinar nas almas, encontrando nellas esta base necessria de vosso triumpho (8). Querido Jesus, f azei-me comprehender esta verdade, que brilha com tanto fulgor em cada scena da vossa paixo dolorosa. Meditando estas scenas, eu quero perguntar-vos sempre: Por que tanto sacrifcio, Jesus, por que tantos tormentos?. . . A resposta ser sempre a mesma: Porque eu vos amo; e o amor prova-se pelo sacrifcio (9). O amor est como synthetizado nesta palavra que S. Paulo pe sobre os vossos lbios: no quizestes as hstias, as oblaes e os holocaustos pelo peccado!. . . eis-me aqui para fazer a vossa vontade; formastes-me 7) Ut majoris erga te amoris et gratitudinis stimulos habeamus, naturalem carnis infirmitatem his indiciis in te ex-pressisti (S. Bem. Serm. de Pass. D.). 8) In hoc apparuit caritas Dei in nobis, quoniam Filium suum unigenitum misit Deus in mundum, ut vivamus per eum (1 Jo 4, 9). 9) Sic enim Deus dilexit mundum, ut (Jo Filium suum unigenitum daret 3, 16).20

um corpo (10) para eu poder provar o meu amor pelo sacrifcio de mim mesmo. Querido Jesus, o que hoje eu vos peo, por inter-cesso de vossa boa Me, comprehender vossas dores. Habituado a s ver a dr de longe e superficialmente, eu no comprehendo bastante o seu aguilho interior e os ntimos despedaamentos que ella produz nas grandes almas. Fazei-me comprehend-Io, afim de partilh-la e excitar-me ao amor que ella provoca. Vs me destes o exemplo, Jesus, para que eu siga os vosos passos (11). Soffrestes por mim para que eu aprenda a soffrer tambm por vs! 2 CONTEMPLAO Ultima recommendao de Jesus Preldios: Os mesmos de hontem. I O Evangelho continua (Mc 14, 32): Vieram depois para uma herdade chamada Gethsemani. Ento Jesus disse a seus discpulos: Assentaevos aqui, emquanto eu oro (1). Orae, para que no entreis em tentao (Lc 22, 40). II O' querido Jesus, apesar da tristeza immensa que tritura a vossa alma, esqueceis-vos de vs mesmo, para 10) Quia hstias et oblationes, et holocaustomata pro pec-cato noluisti .. . Ecce venio, ut faciam, Deus, voluntatem tuam... corpus autem aptasti mini (Hb 8, 9, 5). 11 i Christus passus est pro nobis, vobis relinquens exemplum, ut sequamini vestigia ejus (1 Pt 2, 21). 1) Et veniunt in praidium, cui nomen Gethsemani. Et ali discipulis suis: sedete hic donec orem. In villam qua? dicitur Gethsemani. (Mt 26, 36). pensar em vossos caros apstolos. Vendo-vos subitamente to acabrunhado, elles cercam-vos. . . alguns che14

gam a chorar. Mas vs, levantando-vos de repente, fitae-los com ternura, e repetis a recommendao j tantas vezes feita: Eu vou orar, dizeis-lhes, pois s meu Pai me pode consolar e fortificar; as consolaes humanas so impotentes. A minha alma est triste, mas a orao restituir-lhe- a calma e a paz; quanto a vs, orae, porque chegada a hora de me provardes a vossa dedicao, orae para no entrardes em tentao (2). Querido Salvador, eu quero contemplar-vos demoradamente neste estado doloroso... Ereis bello na calma e na irradiao de vossa grandeza divina. Pareceis-me mais sublime nas fraquezas e nos abatimentos de vossa humanidade. E si eu j vos admirava e amava como meu Deus e Salvador, aqui sinto a necessidade de vos admirar e amar como meu irmo, meu amigo e meu nico bem! Aqui eu vos sinto mais perto de mim, mais meu. . . porque vos vejo mais fraco. Nesta occasio, os apstolos no comprehenderam bem estas grandes verdades; espantavam-se em vr-vos to fraco, vs que elles sabiam forte; admiravam-se de vr-vos abatido, vs que sempre consolaveis e reanima-veis os outros... No comprehendiam que neste momento eram elles os que deviam consolar-vos com seu amor e sua dedicao, e espantavam-se mais ainda com a vossa recommendao de orar, nesta hora matinal, aps uma noite inteira de instruces recebidas (3). Entreolham-se, pois, admirados... julgavam que, depois das fadigas passadas desta noite de intimas conversas, ser-lhes-iam concedidas algumas horas de repouso!... Pobres apstolos, sem duvida, elles o tinham merecido e tinham serias razes para desej-lo, 2) Orate ne intretis in tentationem (Lc 22, 401.20

3) Vigilandum in oratione... Deus nos ab illis qure ti-memus eripiat (S. Hilar. in Ps 125). porque no comprehendiam claramente o que se passava em volta delles, e no suspeitavam o perigo que ameaava o bom Mestre e a luta a que iam ser expostos. Vs bem lhes tinheis predito que o Pastor seria ferido e as ovelhas do rebanho se dispersariam (4), mas por sentirem a sinceridade de seu amor por vs, elles no avaliavam bastante a prpria fraqueza e sua triste presumpo devia conduzi-los mais triste das quedas (5).

III E' ainda uma lio que me daes, Jesus ternamen-te amado. Comeando estas contemplaes sobre vossa dolorosa paixo, no me posso impedir de compartilhar intimamente de tantas dores. . . e tenho confiana de que vossa graa suscitar em meu corao anhelos e aspiraes de amor e de ternura. O amor, a compaixo, vs os quereis sem duvida, mas quereis mais. . . quereis a orao, o recurso a vs, a confiana e a expanso filial de um corao apaixonado por vs (6). E por isso, no principio de minhas consideraes ouo-vos dizer, como dizieis a vossos apstolos: *'Assentae-vos aqui, sois fracos, estaes fatigados, falta-vos ainda o ardor do herosmo que o Espirito Santo vos communicar, si lh'o pedirdes (7). Eu vou soffrer. . . ondas de tristeza submergiro a minha alma (8), magoaro o meu corao e esmagaro o meu 4) Percutiam Pastorcm et dispergentur oves gregis (Mt 26, 31). 5) Speremus seraper in Domino, et nihil sine ejus adjuto-rio prssumamus (S. Aug. Serm. 127) 6) Volo ergo viros orare in omni loco, levantes puras manus sine ira et deceptatione (1 Tm 2, 8).15

7) Pctitc ct dabitur vobis; quarite et invenietis: pul-sate et aperietur vobis (Mt 7, 7). 8) Intraverunt aqus usque ad animam meam... et tem-pestas demersit me (Ps 68. 3). corpo; no vos peo que imiteis tudo o que fizer e soffrer por vs... Contemplaeme.. . tende piedade de mim. . . amae-ine. .. e imitarme-eis pouco a pouco, na medida de minha graa; por ora assentae-vos.. . mas orae para que no entreis em tentao (9). O demnio assaltar-vos- com pensamentos mundanos (10). O corpo far-vos- sentir o peso de suas inclinaes... o somno fechar-vos-, talvez, as palpe-bras (11). Lutae e orae, para no suecumbirdes a suas tentaes e me acompanhardes ao menos com o espirito, o corao c a vontade (12). O' querido Jesus, sim, eu vo-lo prometto. At aqui a indolncia ou o descuido tm sido a causa de minhas oraes mal feitas e do pouco frueto que dellas tenho tirado; mas d'oravante eu quero applicar-me com generosidade e constncia a contemplar-vos em vossa paixo; a dizer-vos o meu amor; a supplicar-vos. . . pois que a orao tem todas as promessas: as do presente e as do futuro. O' Virgem querida, ensinae-me a orar! Ensinaeme a unir-me a Jesus, a viver com Jesus; como vs o fizestes durante a vossa vida mortal. Quero neste dia appIicar-nKde modo particular a fazer bem as minhas oraes de regra.

11) Caro enim concupiscit adversus spiritum: spiritus autem adversus carnem: ut non qusecumque vultis. illa, faciatis (Gl 5, 17). 3CONTEMPLAO Os apstolos preferidos Preldios: Consideremos Jesus acabrunhado de tristeza, olhando com bondade para os apstolos c escolhendo entre elles Pedro. Tiago e Joo. dizendo-lhes que o sigam para orarem com elle. O' Jesus, apesar de minha fraqueza e unicacamente confiado em vossa graa, eu quero acompanhar-vos, velar junto a vs e esforar-me por consolar-vos, com minha orao e minhas lagrimas.

I O Evangelho continua (Mc 14, 33). 33 F. levou comsigo a Pedro, Tiago e a Joo, e comeou a ter pavor e a angustiar-se em extremo. II Angustiado e como que opprimido por uma dr immensa, fitaes os vossos queridos apstolos, Jesus, e ledes em suas physionomias e em seu olhar os seus receios, as suas inquietaes e a sua fraqueza. Defendo, ento, vosso olhar sobre Pedro, Tiago e Joo, que se conservavam a vosso lado e no vos perdiam de vista um s instante, como si fossem mais sensveis vossa dr do que os outros, vs lhes fizestes signal para que vos seguissem. O' Pedro!. . . E' a hora de provar teu amor por teu bom Mestre. . . Protestaste tanto tua fidelidade. . . que Jesus toma-te pela palavra e te quer junto a si na hora horrvel de sua agonia. O' Pedro, Tiago e Joo!. . . vs sois os eleitos do Thabor... (1). Vistes a gloria de Jesus e sua fronte aureolada pela divindade (2), ouvistes o Pae Eterno 1) Assumpsit Jesus Petrum et Jacobum et Joannem... et transfiguratus est coram ipsis (Mc 9, 1).16

9) Quserite Dominum et confirmamini: quserite faciem ejus semper (Ps 104, 4). 9) Unusquisque vero tentatur a concupiscencia sua abstractus et illcctus (Tg 1, 14). 10) Nec dormitent palpebra; tuu.' (Pv 6, 4).

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Et resplenduit facies ejus sicut sol (Mt 17, 2).2)

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proclam-lo altamente seu Filho amado em quem pz toda a sua complacncia... (3) e foi a vs, em particular, que o Altssimo recommendou de ouvi-lo (4). Vede, pois, o estado de vosso bom Mestre. . . Elle que no cessou de consolar, de sustentar e prevenir-vos do perigo prximo. . . de vossas fraquezas prprias e do abandono em que o deixarieis (5). Este bom Mestre tem em vs uma confiana especial e agora vos escolheu entre os outros para consol-lo, acompanh-lo e participar do clice de amargura que elle deve sorver! Demais, lembrae-vos, apstolos privilegiados, que vs mesmos, todos tres, vos offerecestes espontaneamente para beber este clice com Jesus. Tu, Pedro, lembra-te ainda do que h poucas horas acaba de passar-se no Cenaculo e que prometteste seguir o Salvador em toda parte aonde elle fosse?.. . Senhor, estou pronto a ir comtigo, no s para o crcere, como para a morte!. . . (6). Jesus no te pedia; tu te offereceste espontaneamente!. . . Adiante, pois, Pedro, e no retrates tua generosidade, avante!.. . E vs igualmente, Tiago e Joo, vs vos offerecestes como Pedro, espontaneamente, com todo o ardor de vossos coraes amantes. Recordae-vos da hora so-lenne em que vossa me pedia a Jesus que vos collo-casse um sua direita e o outro sua esquerda (7) e perguntando-vos o doce Salvador si ereis capazes de beber o clice de soffrimentos que elle devia beber, vs lhe respondestes sem hesitao "Possumus". Sim, Senhor, podemos (8). 3) Et ecce vox de nube dicens: Hic est Filius meus dilectus, in quo mihi bene coniplacui (Ibid. 5). 4) Ipsum audite (Ibid). Auditc illum (Mc 9, 6). 5) Omnes vos scandalum patiemini in me, in ista nocte (Mt 26, 31). 6) Domine, tecum paratus sum in carcerem et in mortem ire (Lc 22, 33). 7) Dic ut sedeant hi duo fiiii mei, unus ad dexteram tuam, et unus ad sinistram, in regno tuo (Mt 20, 21).28

8) Potestis bibere calicem quem ego bibiturus sum? Dicunt ei: Possumus (Mt 20, 22). Jesus no esqueceu as promessas de seus apstolos. O Evangelho no diz que os outros tenham feito tanto!... Elle toma-vos, portanto, pela palavra. Conduziu-vos a primeira vez ao Thabor, para ali fortificai vossa f, e agora vos escolhe para acompanhlo m sua agonia... Oh! por piedade, no sede perjuros vossa palavra!. . . Ficae junto de vosso bom Mestre.. . e sob o suor de sangue que deve cobrir seu adorvel semblante... sob o envolucro da fraqueza humana que se vae manifestar, sabei reconhecer o brilho e o fulgor do Thabor! Pois o mesmo Jesus!. . . ide, apstolos, Pedro, Tiago e Joo; nossos coraes vos acompanham.. . mas, em caso de fraquezas, nossa indignao perseguir-vos-ia por toda a parte!. . .

III O' querido Jesus, como tudo adorvel em vossa condueta! Em toda a parte e at nas angustias de vossa paixo, sente-se a lucidez e a calma de um Deus! Vindes trazer a lei do amor e quereis ser seguido e servido por amor. . . e aquelles que mais vos amam, sem interesse prprio, mas porque vs sois infinitamente amvel, so os que mais vos agradam: so esses verdadeiramente os vossos "filhinhos" (9). Todos os vossos apstolos vos amavam, sem duvida. Vs os tinheis escolhido.. . mas quereis que elles tambm vos escolham c se offeream voluntariamente para seguirvos!. . . O' bom Jesus, como vossos apstolos, eu tambm fui escolhido por vs, pela vocao religiosa (10). Nesta hora eu quero offerecer-me a vs; venho apresentar-me como victima a vosso amor misericordioso (11), para acompanhar-vos e beber comvosco o clice que ides be9) Filioli mei, non diligamus verbo, neque lingua, sed opere et veritate (1 Jo, 3, 18). 9) Ego elegi vos et posui vos ut eatis et fruetum affe-ratis (Jo 15, 16).18

11) Cfr. Consagrao de Santa Teresa do Menino Jesus. ber.. . Escolhcstes-me c retirastes-me do mundo. . . se-parae-me ainda, Jesus, daquelles dentre meus irmos que no seriam bastante fervorosos, nem bastante generosos, para acompanhar-vos no jardim das Oliveiras. Minha profisso foi o meu Thabor! minha vida immo-lada ser minha unio a vossas dores... ser o clice que promettcis quelles que a vs se offerecem! O' Virgem Santa, Me de amor e Virgem das dores, embcbei minha alma no vosso amor e na vossa generosidade, afim de que eu fique fiel a Jesus e o acompanhe at ao fim. . . at ao Calvrio! 4" CONTEMPLAO As duas vontades em Jesus Preldios: Contemplemos Jesus, de olhar triste e ao mesmo tempo decidido, fazendo ao seu divino Pae o sacrifcio da sua vida. O' bom Jesus, dae-me a graa de compadecer-me das vossas dores e de sentir cm mim o amor que ellas provocam. I O Evangelho continua (Mc 14, 32). 32 E (Jesus) comeou a ter pavor e a angustiar-se em extremo! II O' adorvel Jesus, ser possvel que vs, Deus todo poderoso e immortal, tenhaes pavor? Pavor vista do que vos espera: das humilhaes, dos insultos com que sereis acabrunhado em breve, pois tudo vos est presente ao mesmo tempo. Pavor ao pensamento dos horrveis soffrimentos que torturaro o vosso corpo, magoaro vossa alma e despedaaro vosso corao. . . E no somente sois tomado de pavor, mas angustiado em extremo! (1). No somente o vosso espirito que assaltado; o vosso prprio corpo tambm cumulado de tdio, de horror e desgosto, como que28

revoltado ontra tantas atrocidades! Oh! lio divina! Em vossas instruces e milagres mostrastes que ereis verdadeiramente Deus (2), Filho de Deus (3), igual a vosso Pae! (4). Agora, por vossa tristeza, vossa agonia, pelo pavor e o temor que vos acabrunham, mostraes que sois verdadeiramente homem, o filho do homem... (5), comprazendo-vos em chamar-vos homem como ns; homem perfeito e Deus perfeito, como perfeita a vossa natureza divina em uma s e mesma pessoa que divina. Querido Jesus, para comprehender a tristeza e a agonia que vos opprimem, preciso que eu me recorde que h em vs verdadeiramente duas vontades dis-tinetas, assim como duas naturezas distinetas: a vontade divina e a vontade humana; a primeira preside e commanda, a segunda submette-se e obedece. A vontade humana detesta o soffrimento, a humilhao, a ingratido, a traio, os insultos. A vontade divina acceita-os, com elles se conforma e procura-os, como instrumentos de salvao da humanidade (6). Deste modo a razo humana, subordinada divina, domina a carne e os sentidos (7). Esta submisso, porm, por mais perfeita que seja, em nada dimi-nue as repugnancias da natureza; dahi esta tristeza, 1) Et coepit pavere et tadere (Mc 14, 32). Ccepit contris-tari et mcestus esse (Mt 26, 37). 2) Ecce Agnus Dei, ecce qui tollit peccata mundi (Jo 1, 29). 3) Tu es Christus Filius Dei vivi qui in hunc mundum venisti (Jo 11, 27). 4) Ego et Pater unum sumus (Jo 10, 30). 5) Filius hominis (Mt 16, 24. 28; 17, 9. 12; Mc 8, 38; Lc 9. 26). 6) Fuit in Christo ha?c voluntas carnis, et hmc nullomodo volebat pati: voluntas divinitatis: et ha?c imperabat (S. Thom. 3 p. 18). 7) In Christo non fuit contrarietas carnis ad spiritum, sicut in nobsi (S. Thom. 3 p. q. 18. art. 6 ad 2).

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este pavor, estes desgostos, estas agitaes, estes despedaamentos, estes combates e tantas outras penas interiores que no excedem as foras da humanidade, desde que a divindade as permitte para tornar vossa paixo mais dolorosa e nossa redempo mais abundante (8). Sabeis, divino Redemptor, que vossos soffrimen-tos e vossa morte esto resolvidos e determinados pelos decretos eternos, para a salvao do gnero humano (9). E' chegado o tempo de submetter-se a esta deciso irrevogvel, e vs quereis, antes mesmo de entrar no jardim da agonia, intimar-vos este decreto eterno, para faz-lo acceitar pela carne e pelos sentidos. A esta hora o vosso Pae divino s vos apparece sob a imagem aterradora dum juiz irritado, encolerizado contra os peccados dos homens; o gladio da justia inexorvel brilha a vossos olhos e parece elevar-se para arremessar-se sobre vs, com a impetuosidade do raio. No momento de ser esmagada pelo brao do To-do-Poderoso, a natureza humana, abandonada sua prpria fraqueza, aos seus prprios recursos e entregue a todos os seus instinctos, assusta-se tomada de pavor e angustiada em extremo. Vs tremeis, Deus omnipotente!. . . Um suor frio, gelado pelo horror e pela repulso, gotteja de vossa fronte divina. Lagrimas

amargas brotam de vossos olhos to bellos... Uma livida pallidez cobre vossa face e uma inquietao mortal vela a majestade de vossas feies, outr'ora calmas e lmpidas como a alma cndida 8) Hoc ipsum quod voluntas humana in Christo aliud volebat quam ejus voluntas divina, procedebat ex ipsa volun-tate divina, cujus beneplcito natura humana motibus p priis movebatur in Christo (S. Thom. 3 p. q. 18. art. 6 ad 1). 9) Voluntas Dei erat quod Christus dolores et passiones et mortem pateretur ad finem humana; salutis (S. Thom. Ibid a 5.). 32 0e uma criana, reflectindose no brilho de seus Dlhos (10). III O' Jesus, ternamente amado e divinamente ama-|yel na nuvem de tristeza que vos envolve; esta sombra mana faz melhor sobresair, a meus olhos, o brilho de ssa divindade e a ineffavel ternura de vosso cora-. O' Jesus, eu quero tirar proveito desta nova lio me claes. Eu vejo em vs uma submisso perfeita, comquanto tida, vontade divina e vontade humana. A von-e humana assusta-se, entristece-se e geme; vossa ntade divina ordena ir adiante c acceitar plenamente Immenso e horrvel sacrifcio, pelo qual quereis dar a prova da grandeza de vosso amor. Para mim tambm existe esta dupla vontade. Como 'limem, eu sinto demais

minha natureza e a minha von-e humana esbravejar, revoltar-se, affligir-se em face sacrifcio (11). Mas vossa vontade, Jesus, que vs me mariifes-es a cada instante por minha Regra, meus superiores meus deveres de estado, mostra-me o que desejaes mim (12). Como vs, eu sinto o sacrifcio, mas no sei, como , lanar-mc nos braos de meu Pae, para confor-r-me com a sua divina vontade!. . . Quantas vezes, Jesus, tenho eu deixado domi-ar minha vontade humana com desprezo da vontade divina! Ensinae-me a soffrer, Jesus triste e afflicto; eu no vos peo que afasteis de meu caminho ou que 10) Appropinquante morte, in se mentis nostra; certaexpressit, quia valde timemus morte appropinquante (S. ~. 1. 4 Mor. cap. 17). 11) Vidco autem aliam legcm in membris meis. rcpugnanlem legi mentis mea=, et captivantem me in lege peccati, qua; Mt in membris meis (Rm 7, 23). 12) Nolitc facere iniquum... in 33 regula (Lv 19, 55). A sub. do calvrio 3

retireis debaixo de meus ps a pedra que me magoa ou o espinho que me fere; peovos para soffrer como vs, angustiado, se assim o quizerdes, mas resignado e conformado com a vossa vontade divina (13). O' Virgem Santa, doce Virgem das lagrimas, dae-me, si no ainda o amor ao soffrimento, que eu vos pedirei mais tarde, pelo menos, a resignao perfeita e o abandono entre as mos do bom Jesus!. . . 5* CONTEMPLAO A liberdade de Jesus Preldios: Os mesmos de hontem. I Completemos o texto evanglico: "Jesus comeou a ter pavor e a angustiar-se em extremo" por este outro do propheta Isaias (53, 7): "Elle offereceu-se voluntariamente" (1). II Querido Jesus, vendo-vos assim to oppresso de tristeza e pavor, eu pergunto a mim mesmo si vs po-dieis afastar de vs este clice amargo ou, uma vez principiada esta via dolorosa, no podieis mais retirar-vos! E o propheta de vossas dores responde-me immediatamente: Elle offereceuse voluntariamente. Vs mesmo j o tinheis dito. Por isso meu Pae me ama, porque eu deponho a minha vida, para outra vez assumi-la. Ningum a tira de mim; porm eu de mim mesmo a entrego. E tenho o poder de a depor e tenho poder de a 13) Doce me facere voluntatem tuam, quia Deus meus es tu (Ps 142, 10). 1) Oblatus est quia ipse voluit (Is 53, 7). reassumir: este mandato recebi de meu Pae (2). Isto ,34

diz Sto. Thomaz: Ningum rn'a pode tirar contra a minha vontade, mas eu a offereo voluntariamente (3). Vossa tristeza e vossa afflico, portanto, so completamente voluntrias, Jesus, e no provm de nenhum accidente imprevisto. No se d comvosco o mesmo que com tantas almas pusillanimes que, menor pena, deixam entrever seu desgosto e entregam-se afflico, porque no sabem collocar-se acima das fraquezas da natureza (4). Nada vos pode acontecer, sem uma ordem expressa de vossa vontade (5). Vossas paixes, embora inteiramente naturaes, no dem commover-se sem uma ordem superior natu-:a, de sorte que todo o movimento interior de tris-a, de averso ou de pavor em vs um movimento oluntario (6), e assim como vos fizestes homem nas ircumstancias que quizestes, assim tambm soffreis ossas misrias com as fraquezas de nossa natureza, a occasio e durante o tempo que quereis (7). Perfei-amentc livre em todos os soffrimentos de vosso corpo, os de vossa alma no so menos voluntrios (8). O' Jesus, Mestre querido, vs soffreis pois volunariamente. No somente no sois a isto constrangido, as nenhuma necessidade vos obriga; soffreis por um 2) Ego pono animam meam... nemo tollit eam a me: sed ego pono eam a meipso, et potestatem habeo ponendi eam: et potestatem iterum sumendi eam (Jo 10, 17, 18). 3) Id est nemo tollit, me invito; sed pono eam voluntarie (S. Thom. 3 p. q. 47, a 1). 4) Habemus quidem et nos hujusmodi affectus ex hu-ana conditionis infirmitate: non ita Dominus Jesus, cujus firmitas fuit ex potestate (S. Aug. lib. 14. de Trin. c. 9). 5) Permittcbat carne pati prpria: sed nihil in Christo actum (S. J. Damasc. De fide. lib. 3, c. 23).

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6) Omnia in Christo voluntria: volens enim timuit et contristatus est (Ibid. c. 20). 7) Hos metus ita, cum voluit, suscepit animo humano, si-BUt cum voluit factus est homo (S. Aug. De Trin. 104). 8) Voluntarie timorem assumpsit, sicut et tristitiam (S. Thom. 3 p. q. 15. a 7). acto muito livre de uma vontade fecunda, inesgotvel em amor e misericrdia (9). Depende de vs at mesmo transformar em motivo de alegria os vossos soffrimentos e a vossa morte, que desejastes com ardor extremo; mas vs quereis supportar por ns tudo o que o homem capaz de soffrer (10). Terieis podido conservar secretos os vossos soffrimentos, mas quereis no-los manifestar, por signaes exteriores e fazeis que os Evangelistas os narrem, para nossa edificao. O' minha alma, v o teu Salvador pallido, extenuado, tituheantc, desfigurado pela mais desoladora das tristezas. . . E esta tristeza completamente voluntria, suscitada por elle mesmo. . . e correspondendo, por conseguinte, vehemencia de seu amor. Para comprehender a immensidade de sua tristeza, seria preciso comprehender a immensidade de seu amor: ora, so dois abysmos. Seu amor o amor de um Deus!. . . e isto diz tudo. Sua tristeza, opprimindo a natureza humana, querida por sua vontade divina, tendo a seu servio um poder divino. . . E Jesus Deus e homem. O Deus faz sentir ao homem todo o peso de sua clera contra o peccado, que o homem representa. Que abysmo!. . . e como depois disto se comprehende melhor a palavra do Evangelho: "Elle comeou a ter pavor e a ser angustiado em extremo". A humanidade de Jesus estava tomada pela vontade divina; o representante dos peccadores estava oppresso pela clera do Altssimo.

9) Nec humana natura, in isto homine, passa est aliquid ulla necessitate, sed sola libera voluntate (S. Aug. lib. de Red. c. 104). 10) Potuit utique sine tristitia esse: sed portabat infirmitatem eorum qui. veniente tribulatione, vel morte contristantur (S. Aug. in Ps 30). O' Salvador querido, que contraste entre a vossa ndueta e a minha! Marchaes resoluta e livremente ra o mais cruel dos martyrios... at mesmo vos servis vossa omnipotencia, no para vos dardes algum alli-o, mas para mais vos atormentardes. No satisfeito de acceitar com resignao e calma sacrifcios futuros, vs pareceis accumul-los, reunis todos ao mesmo tempo, afim de vos opprimirdes is fortemente. E eu, Jesus, eu tenho at pejo e vo-lo dizer vista do menor soffrimento physico u moral, eu recuo, fujo e murmuro contra os homens e ntra vs (11). Nas enfermidades eu me impaciento solto altos gritos. Se um superior me reprehende ou m de meus irmos me trata com menos considerao, u me excuso... explico-me... quero mostrar minha nocencia (12). Desprezo quem no tem considera-o para commigo... mostro-me grosseiro para quem o me agrada. . Fujo sempre daquillo que contra- a a natureza. . . e procuro gozar!. . . E depois, misericordioso Jesus, tenho ainda a ou-dia de dizer que eu sou religioso!. . . vosso discipu-... vosso consolador. . . vosso imitador!... Ai de im! como ousaria eu apresentar-me diante de vs!. . . eu, discpulo coroado de rosas diante de um Mestre crucificado (13).23

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h! perdo, meu bom Jesus, perdo; eu vo-lo peo por vossa santssima Me. . . esquecei o passado e dae-me a graa, sino de correr ao encontro do sacrifcio, to menos de saber acceit-lo de vossa mo paterna. 11) Nec contra nos est murmur, sed contra Dominum Ex 16, 8). 12) Et cueperunt simul omnes excusarc (Lc 14. 18). 13) Non est discipulus super magistrum (Mt 10, 24).

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A tristeza de Jesus 1'reiudios: Contemplemos Jesus pallido, abatido, com o olhar velado pelas lagrimas, mas divinamente terno. Seu corpo treme; seus joelhos curvam-se... elle toma pela mo Pedro e Joo, que se conservam a seu lado. O' Jesus, deixae-me recolher em meu corao vossas lagrimas divinas c vossas palavras angustiadas e conserv-las como a grande herana de um pae querido. I O Evangelho continua com uma sobriedade austera (Mc 14, 34; Mt 26, 38): 34 Disse-lhes ento: Minha alma est numa tristeza mortal; esperae aqui e velae cammigo (I). II Sahistes da villa de Gethsemani e, tendo atravessado a rua que os separa, entrastes no jardim das Oliveiras, jardim aberto, menor do que o de Gethsemani e cercado somente por um muro de terra. Era j alta noite. No firmamento scintillavam algumas raras estrellas; a lua espargia sobre estes lugares desertos uma luz vacillante, quasi lgubre; nenhum rido perturbava a calma do jardim, a no ser o surdo murmrio das guas do Cedron, que corriam ao p da coluna. Contempla, minha alma, o teu Salvador, com o olhar velado, ora olhando para o cu, ora fitando os tres apstolos que continuam a seu lado e o observam amedrontados. Elle atravessa, silencioso, pallido, tremulo, a linha das arvores que bordam o caminho e a 1) Et ait illis; Tristis est anima mea usque ad mortem, sustinete hic et vigilate mecum (Mt 26, 38). trada do jardim.. . De repente pra, e em uma das tos tomando a mo de Pedro e na outra a de Joo, ta-os face a face, com um olhar ao mesmo tempo doce triste, nublado e penetrante, como si lhes dissesse: hegada a hora; jurastes-me fidelidade, offereceste-vos ara25

acompanhar-me; pois bem, mostrae-me agora o osso amor e a vossa fidelidade. . . Fitae-me bem, vis-s-me na gloria do Thabor, e contemplae-me na fra-ueza de minha humanidade, aprendendo, deste modo, elo contraste, quanto eu soffro e quanto eu vou sofrer!... (2). Depois, apertando a mo de seus caros discpulos elevando o olhar ao cu, seu peito arfa, um soluo pa-ece abafar-lhe a voz e da sua garganta, cerrada pelo avor, sae um grito lgubre e horrvel, como o grito de gonia de um moribundo: Oh! como soffro!!! Minha alma est numa tristeza mortal; e depois, inclinando a cabea, um glido suor molha suas vestes, e fixando seus postolos, elle diz-lhes com voz fraca, como que estranlada: "Esperae aqui e velae commigo!" Os apstolos fitam-no espantados. Jamais tinham sto seu bom Mestre em tal estado... Elle, sempre o sereno, que desprezava as ameaas dos ricos e dos oderosos; elle, to grande, a quem no perturbava nem calumnia, nem a inveja, nem a perseguio; elle, to oce, que supportava tudo e consolava todos aquelles que d'Elle se aproximavam; elle to divino, que parecia irar acima de todas as misrias humanas; este to ce e terno Mestre, to poderoso em palavras e em bras, elles o viam repentinamente reduzido s misera-eis propores dum homem soffredor, tomado de pa-or. opprindo de desgostos, curvado sob uma tristeza ne o fazia vacillar, tremer e suar de medo... (3). 2> Affectum humanum in scipso potestate commovit; ut per hoc ubi summa polcstas c=t secundum voluntatis nutum Irnctetur infirmitas (S. Aug. in Joan. Tract. 99). 3) Circumdcderunt me dolores mortis (Ps 17, 5). Os apstolos olham para elle e olham uns para os outros. . . sem nada comprehender. Diz-se que as grandes dores so mudas; esta, porem, era esmagadora. .. Pedro no tem mais coragem de protestar sua fidelidade, pois sente-se esmagado. Joo queria lanarse ao pescoo de seu bom Mestre, mas no ousa faz-lo,39

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e recua ante a pallidez mortal estampada em seu semblante. Tiago queria beijar-lhe a mo, mas a v tremula... Elles comprehendem que qualquer coisa de inaudito se passa. . . E' para elles o mysterio! Quereriam gritar por soccorro e sentem a voz estrangular-se na garganta; quereriam chorar, e sentem suas lagrimas seccas de horror, antes de cahirem das palpebras. No vem sino a Jesus, sentem-lhe a dr, e esta dr im-mensa esmaga-os (4). III ()' Pae querido, como vossos apstolos, eu me sinto mudo diante da immensidade de vossa dr! Conce-dei-me a graa de contemplar-vos longamente neste estado de abatimento, e de convencerme que permittistes tudo isso para testemunhar-me o vosso amor"(5). Parece-me ver-vos, Jesus, fixando vosso olhar velado sobre mim, estendeiulo-me vossas mos tremulas, e ouo vossa voz murmurar, afflicta, lgubre, mas divinamente doce: "Para ti, meu filho, para ti, para ti somente. . . Existisses tu sozinho sobre a terra, e eu teria feito o mesmo!... (6). Minha alma est numa tristeza mortal, (7) porque no me amas bastante... O' tu, a quem eu'escolhi e preferi a tantos outros para acompadolorem esse vehementem (Job 2, 13). 5) Adjuvet me, clementissime Jesu, amor tuus; ut te temendo, et efficaciter diligendo, tibi placita semper agam (Idiota Cont. d. am. c. 2). 6) Sicut omnia, sic unum; et sicut unum sic singula. sine diminutione considerai (S. Aug. Solil. c. 14). 7) Id est, tanta est anima; tristitia. quod nisi virtute divina preservarei-, me perduceret usque ad mortem (S. HI. in Mt 26). nhar-me, consolar-me, sustentar-me, sae do teu egosmo estreito, sae de ti mesmo, e pensa em mim, ama-me, d-me teu corao, todo o teu corao; esta a nica consolao que eu quero receber. O discpulo deve assemelhar-se ao Mestre, ou pelo menos esforar-se por segui-lo (8). O' Jesus, quero associar-me a vossa paixo dolorosa. Eu sei que me falta a coragem para partilh-la, mas quero26 4) Videbant

pelo menos compadecer-me, esperando de vossa misericrdia que me deis a graa de um dia juntar-me a vs, para completar em minha carne o que falta a vossa paixo (9). Amor com amor se paga, e o sacrifcio se completa pelo sacrifcio (10). Eu no vos amo bastante, porque no sei sacrificar-me comvosco. O' doce Virgem Maria, minha Me, arrancae vs mesmo de meu corao tudo o que no de Jesus, e que, dora avante, elle no palpite sino por Elle (11). 7" CONTEMPLAO A viso beatifica de Jesus Preldios e Evangelho: Os mesmos de hontem. II Vossa paixo, querido Jesus, no comeou no rdim das Oliveiras. E' nesta oceasio que permittis e a tristeza opprimisse vossa alma, vosso espirito, sso corao e vosso corpo, e que consentis, para nos-instruco e nossa edificao, que ella se manifeste 8) Non est discipulus super Magistrum (Mt 10, 24). 9) Adimpleo ea qua- desunt passionum Christi (Cl 1. 24). 8) Immola Deo sacrificium laudis (Ps 49, 14). 11) Domine Jesu Christe, converte meum torporem in rventissimum tui amorem (S. Aug. Med., c. 41). exteriormente. A verdade que comeastes vossa paixo desde o vosso nascimento, para termin-la com a morte. A cruz, sobre a qual devieis morrer, vos estava sempre presente (1); toda a vossa vida se passou em penas e soffrimentos (2). Vossas afflices, verdade, achavam-se ento amenizadas por abundantes consolaes espirituaes; a gloria de vosso Pae, a salvao do gnero humano, um povo novo que no pudestes fazer nascer sino das dores c dos opprobrios da paixo tudo vos excitava a desejar com ardor o momento de morrer por ns. Assim tambm todas as vossas pe39

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nas, no tempo em que reis sustentado por to poderosos motivos, no tiveram nada de comparvel a esta tristeza excessiva, com que vs mesmo quizestes op-primirvos por nosso amor, no jardim das Oliveiras (3). E' agora, Jesus, que entregaes vossa alma a todas as agonias duma verdadeira tristeza, da tristeza mais profunda e mais completa, sem mistura de consolao (4). Vossa divindade parece no communicar a vosso espirito todas as delicias da gloria, sino para deixar vossos sentidos numa desordem maior e num mais cruel abandono (5). Infinitamente feliz, pelo gozo da viso beatifica, no sois menos affligido no meio dum chos de obscuri-dades, de desgostos, de aridez, de pavor e aborrecimento; de sorte que vossa humanidade santa goza da felicidade da gloria, sem cessar de soffrer os rigores da paixo. A paixo no diminue as douras do gozo, e o 1) Et dolor meus in conspectu meo semper (Ps 37, 18). Id est in toto tempore vitte mes (S. Bem. De Perf., 5, c. 7). 2) Volve, et revolve vitam boni Jesu: et non invenies eum nisi in cruce; ex quo enim carnem assumpsit semper in pcena fuit (S. Boav. Serm. de pass. Dom.). 3) Cccpit. tristis esse: ergo non czitea erat tristis (S. Hil. ser. 31 in Mt). 4) Magnitudo doloris Christi patientis potest considerari ex doloris et tristitia; puritate (S. Thom. 3 p. q. 46 a. 6). 5) Delectatio divina; contcmplationis ita... detenebatur in mente Christi. quod non derivabatur ad vires sensitivas (Ibid). jzo no allivia e no tempera em nada vossas penas e amarguras (6). Todas essas contrariedades apparcntes, de alegria I de tristeza, de gozo e de privao, so absolutamen te livres em vs, Salvador adorvel. As consolaes divinas, que residem na parte superior de vossa alma, | icam separadas das tribulaes da parte inferior. Es-I ,-is ultimas, como que recalcadas, refluem com mais im-petuosidade sobre as potncias inferiores ou sensitivas, iiumdando-as e arrastando-as assim aos abysmos da tristeza e da amargura (7). Por um milagre ineffavel, Jesus, vs separaes em vossa alma as potncias superiores27

que residem no entendimento, das potncias inferiores ou sensitivas, afim de que a viso beatifica da primeira no pare nem altere os soffrimentos e as tristezas da segunda. Deste modo, comquanto infinitamente feliz no vosso entendimento pela viso beatifica, vs achaes o segredo encantador de unir, neste mesmo entendimento, uma alegria soberana a uma dr immensa (8). Que delicioso mysterio de amor, doce Jesus!.. . Deus e homem perfeito numa nica pessoa, vs vos ser-vis de vossa divindade para padecer com mais intensidade, de modo que no soffreis somente como ns, pois que, no meio de nossas penas, ns conservamos ainda sempre qualquer consolao, seja da parte de Deus, seja ia parte dos homens, mas vs soffreis, privado de tudo. . . abandonado por todos, e at de vosso prprio ae!. . . O' mysterio de dri. . . (9). 6) Quia non fiebat redundantia gloria; a superiori parte inferiorem nec c converso superior pars anima; impediebaUII circa id, quod est sibi proprium, ppr inferiorem. consequens Oat, quod superior pars anima; fruebaiur, Christo patiente (S. Thom. loc. cit. a. 8). 7) Erat Christus in sua passione dividens aquas tribula-Monum, ab aquis divinarum consolationum (S. Boav. Stim. il am. c. 7). 8) Uno siquidem tempore, ct Dei fruebatur visionc, et latolerabili passione gemebat (S. L. Just. De ag. c. 9). !)> Magna est velut mare contritio tua (J Lm 2, 13).

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O' Jesus padeceu te, os vossos santos, estes apaixonados de vossa gloria, cuja nica ambio era caminhar sobre vossas pegadas, comprehenderam vossas divinas lies. No meio dos tormentos, sobre as fogueiras ou sob o cutello dos carrascos, sua alma cantava, emquanto seu corpo torcia-se sob a sensao das dores! E' que a f illuminava e o amor inflammava a parte superior de sua alma, emquanto a parte inferior gemia nas trevas e nos temores. Testemunham-no estes sublimes gritos escapados de sua alma. Uma Teresa pedindo-vos para soffrer ou morrer! Um S. Joo da Cruz, supplicando-vos, como recompensa de seus trabalhos: "Soffrer e ser desprezado por vs!". Uma santa Tere-sinha offerecendose como Victima de vosso amor misericordioso! Os santos comprehendiam vossas lies... E eu, meu Jesus, eu as comprehendo to pouco! Eu quereria amar-vos e gozar minhas cotnmodidades. . . viver para vs e fazer minha vontade. . . ser martyr sem soffrer. . . imitar-vos gozando neste mundo!... Viver unido a vs. . . c viver unido ao mundo! Oh! sacrilega partilha! O' Jesus, eu vos supplico, em nome de vossas misericrdias, fazei-me achar desgostos nos prazeres sem vs, e prazeres nos soffrimentos supportados por vs! (10). Minha querida Me, ensinae-me a soffrer com calma e submisso, e a privar-me de certas consolaes, mesmo permittidas, por amor de Jesus, que dellas se privou por amor de mim!. . .

10) Oro te, bon Jesus, per antiquas misericrdias tuas tajdcat me gaudere sine te. et delecter me tristari pro te (S. Aug. Med. c. 7). A alma de Jesus Preldios: Contemplemos Jesus, triste, abatido, o olhar elevado ao cu, emquanto diz a seus apstolos: "Minha alma est numa tristeza mortal, esperae aqui e velae commigo". O' querido Jesus, eu quero consolar o vosso corao angustiado, velando comvosco numa orao fervorosa e ardente. II O que hontem contemplamos a respeito da unio de vossa tristeza e das alegrias da viso beatifica, j nos fez entrar no santurio intimo da vossa alma, Jesus, santurio fechado fraqueza de nosso entendimento (1). Que a vossa alma possa soffrer, comquanto unida vossa divindade, isso um mysterio para ns. Que a vossa divindade no somente deixe de soffrer a vossa humanidade santa, mas concorra at para augmentar os vossos soffrimentos!. . . E' um mysterio maior ainda. Como pudestes sobreviver a penas to excessivas? L" para ns outro mysterio! Que sejaes infinitamente feliz pela viso de Deus (2), e ao mesmo tempo soberanamente affligido e opprimido de dores (3): ainda um mysterio! Mysterios de dores. . . produetos dos mysterios de amor, para edificar nossa f, augmentar nossa admira-o e inflammar nosso amor! 1) Nec quisquam interiorum potest esse particeps Christi (S. Ambr. 1. 7. in Lc). 2) Christus erat viator... et propter identitatem suppositi

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comprehensor divina? essentia; (S. Th. 3 p. q. 10. a 1). 3) Uno eodemque tempore et Dei fruebatur visione et inlolerabili gemebat passione (Tertul. de Car. Chris.).

E' verdade que vossa alma, bom Jesus, em virtude de sua unio pessoal com Deus, conhece do modo mais perfeito possvel o que a pde affligir; e por isso mesmo no pode affligir-se mais (4); de sorte que um conhecimento soberano e universal deve causar-vos uma afflico immensa e excessiva. Mas vossa humanidade santa jamais teria podido resistir-lhe sem milagre (5), e a divindade parece operar este prodgio somente para augmentar e prolongar vossas dores. Quando ns estamos em penas e afflices, vossa lembrana consola-nos, Deus infinitamente bom (6). Tm-se visto os martyres alegrarem-se com os seus soffrimentos; as consolaes divinas tornavam-nos como que invencveis em seus tormentos (7). Mas no se d o mesmo com vossa humanidade; as consolaes divinas esto como que estancadas para vs, e o brao todo poderoso, que vos opprime em vossas penas, tira-vos as consolaes que poderiam amenizar-lhe a amargura (8). Os soffrimentos physicos fazemnos mais impresso que os soffrimentos interiores; entretanto nada so em comparao com estes. O que vale o tormento de uma doena, de um incidente, de uma ferida, em comparao com o martyrio da calumnia, da injustia, da perseguio, do desprezo immerecido, do desdm calculado, do silencio desapprovador, das mesquinhas interpretaes maliciosas e das baixas manobras do cime?... Pcrguntae-o s grandes almas; somente ellas coniprehendem. As almas pequenas, estreitas e limitadas, no vem sino o lado physico, exterior, e no penetram 4) Qui addit scientiani. addit et dolorem (Sr 1, 18). 8) S. Hilar. In Mt 26. 6) Memor fui Dei, et dclectatus sum (Ps 126, 3). 7) Aestimati sumus sicut oves oceisionis, sed in his omni-bus superamus (Rm 8, 36). 8) Altssimo divinitatis concilio factum est, ut tota divina? fruitionis gloria in eo mitarct ad poenam (S. Laur. Jus. de Ag. Chr. c. 7). s regies superiores do espirito. Tm-se visto mui-s homens porem vergonhosamente termo existncia r soffrimentos4b

interiores; raramente, porm, por cau-de soffrimentos physicos. O' Jesus, ns vos rebaixamos, comparando-vos s ossas misrias e fraquezas; mas perdoae-nos, pois este o nico ponto de comparao por ns conhecido. Vossa alma era feita para soffrer, e para isto daptada ao vosso corpo.. . Para este fim, vossas fa-ldades eram perfeitas, delicadas, penetrantes, extre-amente sensveis, como tudo o que puro. A dr poder dilacerar vosso corpo delicado, mas m poder exprimir a delicadeza, a agudez, a sensi-ilidade destas faculdades superiores de vossa alma, osso corao, vossa intelligencia, vossa memria, vossa maginao e vossa vontade?... Que horrvel soffri-ento para o vosso corao, cujo amor to divino, ao er-se desprezado, rejeitado, calumniado e renegado! Vossa intelligencia penetrante, universal, conhecen-o o passado e o futuro; vossa memria recordando-vos do ao mesmo tempo; vossa imaginao traando-vos m quadro fiel de toda a hedionda fealdade dos pecca-os... e tudo isso mergulhado no lodoso e profundo ' ysmo da misria humana, como j o vira o prophe- a (9). Oh! Jesus, demais... ao ponto de a gente re-uar de horror ante o pensamento de quanto soffreu a ossa alma!. . . III O' Jesus, que consoladora contemplao para mim, ue no sei comprehender bastante os thesouros dos sofrimentos interiores! 9) Infixus sum in limo profundi (Ps 68. 3).

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Em meus transportes de fervor, eu sonho offerecer-me a vs como victima. . . e desde que me visita a contrariedade, a calumnia, ou uma pequena perseguio, muitas vezes imaginaria, eu me revolto, choro, e logo estou aos vossos ps supplicando-vos que delles me livreis! Que covardia!. . . como si o ser victima consistisse apenas em soffrer uma pequenina dr physica; e nisto estivesse o segredo de caminhar sobre vossas pegadas!. . . Vs fostes incomprehendido, calumniado em vossa pessoa, em vossa honra, em vossa doutrina e vossas obras. . . Vosso corao foi oppresso pela ingratido; fostes perseguido por todos os Oli lados, pois o negro cime e a baixa injustia colaram-se a vossos passos. Toda a vossa alma permaneceu triste at vossa morte, e, no entanto, suando sangue sob a presso da luta, vs no tivestes sino palavras de resignao, de misericrdia e perdo. Vs sois a verdadeira Victima. Os santos souberam imitar-vos. Ai de mim!.. . eu no o sei. . . Sinto-me forte, quando tudo corre medida de meus desejos; sou de uma fraqueza extrema e de uma negligencia sem nome, desde que o insuccesso corresponde a meus esforos! O' Virgem, terna e doce Me, verdadeira victima, unida a Jesus, revelae-me, pois para mim uma revelao a belleza, a grandeza e o valor dos soffrimentos interiores, supportados sob o olhar de Jesus (10) z unicamente para Elle!

10) Domine Jesu. converte meum torporem in fcrventissimum tui amorem (S. Aug. Med. c. 41). Ficar e velar com Jesus Preldios e Kvangelho: Os mesmos de hontem. II Tendo pronunciado estas palavras: "Minha alma numa tristeza mortal" (1), co dos sentimentos de sa alma, vs continuaes num tom de supplica: "Es-JDerae aqui e velae commigo" (2) Depois de terdes separado os tres apstolos de eus condiscipulos e conduzido parte, ao jardim das FOliveiras, vs havieis dito aos que haviam ficado no Jardim de Gethsemani: Assentae-vos aqui emquanto eu 9ro; e orae para que no entreis em tentao (3). A estes no convidaes para sentar-se, mas para licar neste lugar e a orar ahi comvosco. E' como si lhes dissesseis: Aos outros apstolos que ficaram no [Gethsemani, e representam o commum de meus discpulos, eu permitto que repousem e sentem-se, tendo, porm, o cuidado de orar, pois o demnio, procurando perd-los, ataclos-, logo que elles negligenciem a jorao. Quanto a vs, que sois os eleitos entre os meus eleitos, que sois do pequeno numero dos preferidos, que teu chamei a uma santidade mais alta e mais herica (4), Feu vos no concedo > repouso que concedi aos outros; no permitto que vos senteis aps as fadigas da jornada, nem que gozeis de um repouso merecido na calma e frescor do Gethsemani. Eu quero que estejaes commi- 0o no jardim da

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agonia. Eu quero que, depois de ter-3es sido chamados por mim para gozar da gloria do Thabor, gozeis tambm de meus terrores e de minhas agonias no jardim das Oliveiras. 1) Tristis est, non ipse, sed anima; suscepi cnim animam . am et corpus meum (S. Ambrs. lib. 20 in Lc). 2) Sustinete hic, et vigilate mecum (Mt 26, 38). 3) Scdcte hic, donec vadam illuc et orem (Ib. 36). Orate ne intrctis in tentationem (Lc 21, 40). 4) Qui sanctus, sanctificetur adhuc (Ap 22, 11). I

Entretanto, conhecendo vossa fraqueza, eu vos no peo ainda para soffrer coinmigo; disto sois incapazes neste momento; mas ficae aqui: sustinete hic e velae eommigo. Ficae aqui, desapegados de tudo, separados de tudo, ficae aqui no sacrifcio de vossas commodida-des, dominando as inclinaes de vosso corpo, as exigncias dos vossos sentidos, como eu mesmo vou fazer. . . Velae eommigo.. . Ora, como o vedes, minha viglia a tristeza, o abatimento, o pavor, a af-flico extrema. Eu vim aqui para comear minha paixo, para expiar os peccados dos homens, para acalmar a clera de meu Pae e salvar a humanidade com minhas lagrimas e meu sangue (5). Vs, meus queridos apstolos, velae eommigo, no me deixeis s nesta luta pavorosa e provae-me o que tantas vezes repetistes, que me amaes (6) e ser-me-eis fieis, apesar de tudo! Velae eommigo, para que sejaes glorificados coinmigo. Escolhivos para que me acompanhasseis. Tomei-vos eommigo porque me amaes mais que os outros; porque eu quero elevar-vos a uma gloria maior. . . Ora, a minha gloria a cruz; o caminho para esta gloria o soffrimento. A entrada desta gloria o desprezo, a traio, a calumnia e a perseguio. Bemaventurados os que agora choram sob o peso dos crimes da humanidade, porque elles sero consolados... (7). Bemaventurados os que soffrem perseguio por amor da justia, porque delles o reino dos cus. . . (8). Bemaventurados sois vs, si vos censuram e calunmiam, por causa de mim... (9). Velae, 5) Impossibile est. quod peccatum alicui remittatur sine pecnitentia, et displicentia peccati, quia est contra Deum sum-mc clectum requiritur ad rationem vera.' pcenitentia* (S. Thom. 3. p. q. 80. a. 2 et 3). 6) Simon Joannis. diligis me plus his? Dicit ei: Etiam Domine, tu seis quia amo te (Jo 21, 15). 7) Beati qui lugent. quoniam ipsi consolabuntur (Mt 5, 5). 8) Beati qui persecutionom patiuntur propter justitiam,50

quoniam ipsorum est regnum ca;lorum (Ibid. 5, 10). 9) Beati estis cum maledixerint vobis et persecuti vos fuerint... propter me (Ibid. 5, 11). is, eommigo e no percaes a coroa que eu vos des-no!.. . III O' Jesus, ternamente amado, parece-me que os ssos apstolos, apesar dos privilgios com que foram mulados, no comprehenderam estas ultimas instru-es; ou, si as comprehenderam, no tiveram a fora applic-las! Mas ousarei eu accus-los, eu que os imito diaria-ente? Como a elles vs me escolhestes tambm e searastes do mundo. . . formastes-me no Noviciado, por eio de instruces minuciosas e repetidas, conduzindo-me afinal ao Thabor, pela profisso religiosa. Do Ce-laculo, onde cada manh vos daes a mim, conduzistes-me comvosco ao Gethsemani, que representa a vida religiosa commiun; mas no intimo de minha alma eu ouo vossa voz convidarme para seguir-vos ao jardim das Oliveiras. Quereis-me mais perfeito do que os outros. . . To-inaesme pela mo e me repetis: "Meu filho, fica aqui e vela conunigo! Esta contrariedade, esta humilhao, esta pequena calumnia, esta apparente perseguio, este soffrimento physico ou moral, este mal-estar, sou eu quem vo-los envia para associar-vos minha dr... Abandonar-meeis vs? (10) deixar-me-eis s?. . . Oh! no, ficae aqui... custar-vos-, talvez, mas que importa? lutae, velae eommigo. . . Eu no vos peo que fiques s ou veleis s; velae eommigo! Seremos dois!... Vs me consolareis e eu vos consolarei... ns soffreremos a dois!. . . Vs o quereis, meu filho? Si o quero, meu Jesus! Eis-me aqui. No tendes que me pedir permisso. . . Sim, eu o quero. Eu quero tudo acceitar de vossa mo, eu consinto em soffrer comvosco. O que vos peo, que nunca me se-pareis de vs, nem de vossa doce Me, a Virgem Maria!4* 51

10) Numquid et vos vultis abire? (Jo 6, 68). Preldios: Contemplemos Jesus afastando-se dos tres apstolos, que o seguem com o olhar. Embrenhase em uma pequena gruta atapetada e meio coberta de relva, e ahi se prostra com a face contra a terra. Querido Jesus, somos mais felizes que vossos apstolos; vs no nos dizeis que fiquemos l; ns queremos aproximar-nos de vs, contemplar-vos demoradamente e protestar-vos nosso amor e nossa fidelidade. I O Evangelho prosegue a narrao (Lc 22, 41): 41 Depois Jesus se afastou delles, obra de um tira de pedra: e, posto de joelhos, orava. II Com a voz tremula, Jesus, fizestes as vossas ultimas recommendaes aos tres apstolos, e fixando sobre elles um ultimo olhar, onde brilha toda a vossa ternura para com os mesmos e toda a angustia que oppri-me a vossa alma, vs vos retiraes para o interior do jardim, distancia de um tiro de pedra (1), e pene-traes em uma gruta natural, formada pelo rochedo, com cerca de sete metros de fundo (2), e meio coberta por plantas trepadeiras que lhe encobrem a entrada. Os apstolos, vendo seu bom Mestre afastar-se s, pallido, desfigurado e tremulo, querem segui-lo, mas falta-lhes a coragem. Contemplam-no com uma inex-primivel inquietao, vem-no olhar para o cu, estender as mos como que para defender-se de uma viso horrvel, parar um instante como si suas pernas tremu1) Et ipse avulsus est ab eis quantum jactus est la-pidis: et positis genibus orabat (Lc 22, 41), 2) E' a gruta da agonia, conservada ainda em nossos50

dias e transformada em oratrio... O rochedo em que ella cavada apparece ainda por todos os lados; ella mede 10 m. de comprimento sobre 7 de largura. Ias se recusassem a todo servio (3), e, por fim, com as mos apoiadas contra o rochedo, penetrar na gruta. Um longo gemido resa no silencio da noite; ouve-se o rudo de um corpo que ce, o leve sussurro de folhas e ramos que se partem, e um silencio sepulcral paira sobre o lgubre jardim (4), augmentado ainda pelo claro da lua que parece transformar as arvores e moitas em outros tantos fantasmas ameaadores... Os apstolos entreolham-se espantados, atravs das lagrimas que correm silenciosas de seus olhos meio fechados pela fadiga e pelo pranto. Joo no se contm s; seu corao despedaa-se, e, soluando, elle dei-a-se cair com a face contra a terra, sobre as pedras onde Jesus havia dito que ficassem; e, oceultando a face entre as mos, elle verte ardentes e copiosas lagrimas, e com gritos entrecortados por soluos chama por seu bom Mestre: "Bom Mestre, o que h?... Que soffreis?. .. Deixae-me ficar perto de vs!.. . E ardentes lagrimas deslizam de seus olhos, vermelhos e in-flammados, emquanto uma agonia opprimida arfa-lhe o peito. Vendo isto, Pedro e Tiago ajoelham-se a seus lados, misturando suas lagrimas s do discpulo amado. Pedro queria falar, mas de seu peito sae apenas um som rouco e afflicto. . . Emfim, dominando um pouco sua emoo, e estendendo a mo para a gruta em que Je-s tinha desapparecido: Vamos l, disse elle, entre dois luos.. . Vamos l, e morramos com elle. .. Tiago, mais calmo, responde-lhe por entre lagrimas: No, fiquemos aqui, como o recommendou o Mestre. Joo nada ouve; suas lagrimas parecem suffoc-lo; todos sentam-se, emfim, com a cabea entre as mos, apoiadas contra as pedras. Elles choram, mas esquecemse de orar!. . . Elles s pensam em seu bom Mes-

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3) Dominus noster pavore trepidabat; ut nostram inconstantiam sua virtutis soliditate firmarct (S. Leo., Sermo 3 de pass. D). 4) Formido mortis cecidit super me: timor et tremor nerunt super me (Ps 54, 5). tre e esquecem-se de si prprios e das recommendaes recebidas. . . (5). E, l no fundo da gruta, Jesus est de joelhos, com os braos estendidos, com o olhar volvido para o cu, supplicando a seu Pae que afaste delle esta hora, si fr possvel (6). III O' meu Jesus, ternamente amado, vista de tanta amargura e tanta ternura, eu sinto a emoo invadir-me. Quereria chorar com os vossos apstolos. Mas isto no basta; vs quereis sem duvida a minha compaixo, pois sincera; mas quereis tambm que eu vele, que vele sobre mim, sobre o meu corao principalmente, sobre as minhas affeies, sobre minhas inclinaes, afim de no cair em tentao; o somno, com cffeito, a imagem da morte. Quereis em seguida que eu ore. . . por ser a orao a grande arma, a grande fora e o grande preservativo dos fracos. E eu, Jesus, sinto-me to fraco, apesar de minha sincera boa vontade e de meu desejo ardente de vos ser fiel. Eu no condemnarei os apstolos... ai de mim!... O excesso de sua tristeza e a abundncia de suas lagrimas f-los succumbir ao somno (7). Eu devo condeninar a mim mesmo, a mim, que to pouco me compadeo de vossas dores, a mim, que quasi no sei chorar os vossos soffrimentos; a mim, que adormeo, no de excesso de tristeza, mas de tibieza, de negligencia ou de falta de energia (8). E' tempo de declarar uma guerra de morte a esta tibieza na orao. Por isso, tomo hoje a resoluo de 5) Sustinete hic et vigilate necum (Mt 26. 38). Vigilare Eccum jubet eos, consolationis gratia. sicut moris in afflictionibus (Euth. in Mt 26). 6) Et orabat, ut si fieri posset, transirei ab eo hora (Mc 14. 35).50

eos dormientes, pra? tristitia (Lc 22, 45). 8i Vigilandum ergo in oratione, ut cum fatigari anima subrepentium iilecerebrarum aculeis ca>perit. Deus nos ab illis qua; timcmus eripiat (S. Hilar. in Ps 75), sforar-me em fazer bem os meus exerccios espiri-juaes. sobretudo a meditao, to necessria para o progresso espiritual (9). Seguindo o conselho dos santos, farei de minhas contemplaes um colloquio amoroso... um entretenijmento a dois... falando-vos como se fala a um pae querido, e escutando a vossa voz como se escuta a voz pe uma me (10). A preguia talvez o maior obstculo para fazer bem a meditao. E' esta preguia que quero vencer, ifalando comvosco, e no sonhando acordado, como tan-|as vezes me acontece. ()' doce Virgem Maria, dae lagrimas a meus olhos e suspiros a meu corao para chorar as dores de meu Jesus e as minhas ingratides passadas e presentes (11) e fazei que eu me applique mais a adquirir o espirito de orao! 11" CONTEMPLAO Jesus na gruta da agonia Preldios e Evangelho: Os mesmos de hontem. II Permitti, querido Jesus, que depois de ter considerado a tristeza de vossos discpulos, eu vos acompanhe gruta da agonia, onde devia passar-se a primeira das grandiosas scenas de vossa paixo. 9) Sicut cx carnalibus escis, alitur caro, ita ex oratione Interior homo nutritur (S. Aug.: de Salut. Mon. c. 28). 10) Hoc ipsum est donum Dei, ut veraci corde. et spiritua-litcr clamemus ad Deum... hoc divini muneris est ut ore-IHUE ... nec quisquam sine spiritu orationis salubriter est ora-lurus (S. Aug.: de dono pcrver. c. 23). 11) Quis dabit capiti meo et oculis meis fontem lacrymarum? (Jr 9, 1).51

7) Invenil

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O Evangelho, em sua sublime conciso, onde cada palavra um raio de luz, indica tudo, tudo descreve e tudo deixa entrever (1). Tendo-vos afastado de vossos apstolos, dirigis-tesvos, a passos hesitantes, para uma gruta solitria, um pouco afastada, onde freqentemente vos retiraveis em companhia de vossos apstolos, para passar a noite em orao, e gozar durante o dia de algumas horas de calma e de recolhimento. Este lugar era conhecido pelos apstolos, diz o Evangelho, e por Judas, porque muitas vezes ahi tinheis vindo com elles (2). Pallido e desfigurado, apoiastes um instante a dolorida fronte contra as salincias da entrada do rochedo. Todo o vosso corpo estremece, como que exhausto sob um fardo mysterioso, que parece pesar sobre os vossos hombros. Vossa mo treme, e de vosso peito arquejante escapa um gemido oppresso como o extertor de um agonizante. Dir-se-ia que receiaes entrar na caverna, onde, com effeito, vos espera o mais horrvel supplicio, que a crueldade humana tenha podido imaginar e, digamos a verdade, a mais atroz agonia que Deus mesmo pde realizar e a qual somente Deus capaz de spportar. Emfim, apoiando-vos nas pedras salientes, desappareceis na anfractuosidade da gruta obscura, cujos contornos so invisveis nesta hora.. . Oh! vs o sa-beis e sentis, meu querido Jesus, que chegou a hora.. . a vossa hora (3), a hora suprema. E' a agonia que vae comear e s terminar no patibulo da cruz (4). 1) Cogita quomodo Christus se habuit, tam interlus quam exterius in pcenis: quomodo omnia prout congruebat optimo modo. Hoc poteris in Evangelio invenire: vel certe si ibi non est espressum, ex teipso forma (S. Boav.). 2) Sciebat autem et Judas, qui tradebat eum, locum; quia frequenter Jesus convenerat iiluc com discipulis suis (Jo 18. 2). 3) Baptismo habeo baptizari. et quomodo coaretor, usque dum perficiatur (Lc 12. 501. 4> Tristabatur usque ad mortem; id est, quoadusque exoptatam nssumeret mortem:50

non enim quiescere poterat, donec exequeretur (S. Boav. in Lc 22). Apenas chegado gruta, uma viso sinistra parece manifestar-se ao vosso olhar. Ergueis um instante a cabea, e o vosso olhar, velado pelas lagrimas, illumina-se lubitamente, brilha como o olhar de um homem que arde em febre... Nenhum grito escapa de vossos l bios, mas vs cahis de joelhos dir-seia que para morrer de agonia mas, no: para orar (5). E que orao, querido Jesus! Fixando o olhar sobre a viso horrvel de vossa paixo que o Pae eterno vos apresenta, como que reunida em um s painel, vs tremeis como a haste frgil ao furor da tempestade; eriam-se os vossos cabel- los molhados por um suor frio; illumina-se a vossa fronte ao fogo de vosso olhar febril; vossa face to bella e to doce torna-se exangue; o corao parece no bater mais; o peito distende-se num prolongado suspiro, e a cabea rece sobre o peito, como si estivesseis prestes a exhalar o ultimo suspiro (6). Vossa humanidade deveria suecumbir sob o peso ste supplicio, mas, si vs soffreis como homem, como eus vs sustentaes esta mesma humanidade para que le possa soffrer mais, soffrer alm daquillo que era il vezes capaz de causar a morte (7). Ento, erguendo o olhar e as mos para o cu, vossa alma afflicta dita ao vosso corao suspiros in-effaveis de ternura e de submisso. Ora conservaes os braos estendidos em forma de cruz; ora juntaes as mos e as elevaes para o cu em frma de supplica, ontemplando sempre a mysteriosa viso que desfila te o vosso olhar.. . 5) Et positis genibus orabat (Lc 22. 41). 6) Agonizare pro anima tua, et usque ad mortem certa , 33). 7) Habemus quidem et nos hujusmodi affectus ex humana- conditionis infirmitate; non ita Dominus Jesus, cujus infirmitas fuit ex potestate (S. Aug. lib 14 de Trin., c. 9).4* 51

III Oh! misericordioso Jesus, que scena horrvel... Poderei eu contempl-la sem que meu corao se commo-va e sem que meus olhos se afoguem em lagrimas de amor? Oh! Pae eterno, tende piedade de vosso Filho muito amado! E" verdade, elle prprio que se offereceu como Victirna de satisfao pela salvao dos homens, mas lembrae-vos que hasta uma gota de suor, unia lagrima, uma afflico de seu corao, que so de um valor infinito, e portanto, mais que sufficientes ,para resgate de toda a humanidade. . . Oh! bastante, Pae eterno! cessae de castigar, no esmagueis a doce Victirna! Oh! certamente responde uma voz do cu: uma lagrima divina sufficiente para o resgate das almas, mas no o para mostrar a todos o meu odio ao pec-cado e o meu amor para com meus filhos da terra! (8). Quero provarlhes o meu amor para que elles o paguem depois com seu amor! O' meu Deus, que coisa horrvel deve ser o pecca-do, si, para expi-lo, vs exigis tal sacrifcio de vosso prprio Filho! File o vosso Filho muito amado (9), mas este Filho de vossas entranhas, perfeita imagem de vs mesmo, est revestido do peccado, como de um vestido (10) e, como tal, grande Deus, elle vos um objecto de horror. Fsta simples apparencia de peccado vos fere a alma e vos obriga a estender sobre elle o vosso brao vingador (11). 8) Ut majoris erga te amoris et gratitudinis stimulos habcamus. naturalem carnis infirmitatem his indiciis in te ex-prcssisti, quibus docemui. quia veie languoies nostros porlasti (S. Bem. Serm. dc pass. D.>. 9) Hic est Filius meus dilectus in quo mini complacui (Mt 3. 17). 8) Filium suum mittcns in similitudinem carnis peccati (Em 8. 3). 11) Crucifixus est. ut! destruatur corpus peccati . . . .50

Eu devia, pois, ter odio ao peccado... fugir do feccado. como se foge de uma molstia contagiosa (12) entretanto, commetto-o to facilmente, com tanta naUralidade, como si no houvesse nenhum mal nelle. O' Jesus, perdo, inspiraeme horror a todo pecca-ho, e dae-me a fora de nunca mais o commetter. O' Virgem Santa, obtendeme lagrimas de amor e de arrependimento para chorar sobre a paixo do meu Deus e sobre os meus peccados, que so a nica causa destes soffrimentos atrozes! 12" CONTEMPLAO Jesus prosfrado com a face por terra Preludios: Contemplemos Jesus piostrado com a face contra a terra, entregue a uma verdadeira agonia de morte. .. repetindo em voz quasi moribunda: "Meu Pae. si possvel, afastae de mim este clice!" Oh! querido Jesus, a que estado eu vos vejo reduzido! Oh! dae-me odio ao peccado, causa de vossas immonsas dores. I O Evangelho continua (Mt 26, 39): Jesus prostrou-se tom a face por terra, orando e dizendo.Meu Pae, si c possvel, afastae de mim este clice; todavia no se faa a minha vontade, mas, sim, a vossa. II Querido Jesus, at aqui vs contemplastes as vos-as prprias dores... as vossas, aquellas que deviam como que esmagar a vossa humanidade, e si um gemi-se escapava de vossos lbios, era um gemido de hor.r 12) Cave ne aliquando peccato consentias (Tb 4, 6).

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ror, mas no de queixa. Vs acceitaveis todos os tormentos, e a morte mais horrvel, c apesar da luta de morte entre a natureza e a alma, e entre o corpo e o espirito (I), vs acceitacs plenamente o sacrifcio. A natureza estremece, mas o espirito impe-se. Mas, invencvel neste ponto, porque se trata de vs como Filho do homem, vs fremis de indignao e pejo, quando se trata da gloria de vosso Pae. Vosso Pae o sabe, e eis que depois de ter feito passar ante vosso olhar todos os horrores de vossa paixo, elle mostra-vos o que sois diante delle como Homem carregado das iniquidades do mundo inteiro (2). Vs, infinitamente santo, infinitamente puro, afastado de todo o peccado, eis-vos carregado com todas as iniquidades (3). Nesta hora vs sois verdadeiramente o Filho do homem, a semelhana do homem peccador; no somente de um peccador, mas de todos os peccadores do mundo (4). Sois, no somente o peccador, mas representaes o peccado. Volvendo um olhar para vs mesmo, contemplando a vossa humanidade santa, revestida com a mascara do pecado, e, vendo acima de vossa cabea o semblante irritado de vosso Pae, o odio que elle tem ao peccado, vossa humanidade, como que esmagada sob este peso e esta vergonha, sente-se desfallecer... Ento vossas mos estendidas abaixam-se, vossa cabea inclina-se, vossos olhos fecham-se de horror, de 1) Caro concupiscit adversus spiritum... ut non qua--cumque vultis. illa faciatis (Gl 5. 17). 2) Eum. qui non noverat peccatum. pro nobis peccatum fecit (2 Cr 5. 21). Id est Deus fecit ut Christus esset hstia pro peccatis omnium hominum (S. Thom. 3 p. q. 15. a. 1 e 4). 3) En qui peccatum non fecit, peccata nostra pertulit (S. Aug. Mcd., c. 5. 4) In similitudinpm hominum factus (PI 2. 7). In simili-

tudinem inquit hominum. non hominis; Christus enim universal! hominum misria presslus et profundius se immersit (S. Born. Serm. 4. Hold. pcen.). O indignao, e um horrvel combate, que teria sido ca paz de causar-vos a morte, declara-se entre vossa pu reza infinita, vossa alma santa e vossa natureza humana sobrecarregada com todas as iniquidades.. . O sangue reflue com violncia para o corao; vossas feies tornam-se lividas, um suor glacial luunc- dece as vossas vestes e corre at a terra; vosso peito di-ata-se; dir-se-ia que ides cair fulminado sob a horrvel accumulao de crimes. E' como que uma montanha infinita que se eleva sobre vossa cabea (5) e ameaa despedaar-vos. .. Alquebrado e todo tremulo, cahis por terra; vossa fronte toca a poeira da gruta; vossas mos, estendidas em cruz, parecem j pregadas ao patibulo; e de vossos lbios trmulos escapa-se, como palavras de um moribundo, este grito afflicto: Meu Pae. . . Meu Pae. . . si possvel, afastae de mim este clice (6). Em seguida, reunindo todas as foras, toda a submisso de vossa alma, accrescentaes com firmeza: Todavia no seja como eu quero, mas como vs o quereis. E emquanto este grito de horror e de submisso resa na gruta e se eleva para o vosso Pae, a terra bebe com avidez o suor frio que corre de vosso corpo, e as quentes lagrimas que gotejam de vossos olhos! III Oh! querido Jesus, eu sintome envergonhado em ace de vossa grandeza dahna e da

nobreza de vosso espirito. (Juando se trata somente de vs, nem uma queixa sae de vossos lbios, mas desde que vedes desprezada a gloria de vosso Pae, como ella o pelo pec5) Peccatum quandam infinitatem habct ex infinito divina? majcstatis . 9) Dixit Jesus (Petro): Vade post me. Satana! (Mt 16. 23). 10)Qui spernit modifica, paulatin decidet (Sr 19. 1). 11)Qui amat periculum. in illo peribit (Sr 3, 27). abaixo de todas as humilhaes, fez-se um verme terra, e o opprobrio

da humanidade. . . Oh! maldito cado, eu te juro um odio eterno e uma guerra sem guas! 15" CONTEMPLAO A obra do peccado PreludioH e Evangelho: Os mesmos de hontem. II O' misericordioso Jesus, hontem eu contemplei o ubre cortejo dos peccadores desfilando diante de vosolhar. Comparando seu orgulho, sua baixeza e sua a audcia com o vosso estado de victima prostrada r terra, eu comprehendi, um pouco, o mal horrvel que o peccado (1). O peccado! Foi elle, Victima adorvel, que vos ostrou por terra, no fundo desta gruta obscura, abandonado por todos!. . . (2). Foi elle que, com mo sa-xilega, arrancou de vossa cabea a coroa de gloria, e de vossas mos o sceptro do poder!... Foi elle que descarregou sobre vossos hombros um peso de certo modo infinito (3) de iniquidades e de crimes, e que, com o azorrague na mo, vos brada: caminha, pecca- r, caminha sempre; tu s o bode expiatrio, tu s o Idito. . . s a execrao. . . s o miservel (4). . . minha. . . caminha!. . . Pouco importa que teus joe1) Nullum aliud prseter peccatum, malum censendum (S. Aug. in Ps 138). 2) Ad destruetionem peccati per hostiam suam apparuit (Hb 9. 26). Ci Peccatum quamdam infinitatem habet. ex infinito divina.' majestatis (S. Thom. 3 p. q. 1, a. 2). 4) Posuit Dominus in eo iniquitatem omnium nostrum (Is 53. 6). Id est omnem iniquitatem nostram (Rup. lib. 1, c. 6). 7(1

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Ihos verguem sob o peso. . . cahirs e sers esmagado pela immunda carga que levas... Ella manchar-te- e tu parecers conundir-te com ella!... morrers sepultado debaixo delia (5)... Oh! peccado, peccado mil vezes maldito, sim, eis a tua victirna. Tu triumphas!. . . Com effeito, nada de divino transparece mais em Jesus... Que digo? nada mais de humano! E' o verme da terra predito pelo propheta, o opprobrio dos homens e a abjeco do povo (6). O ultimo dos miserveis da terra tem um leito para repousar a cabea, e o Filho do homem no tem uma pedra onde repouse seus membros extenuados. Os animaes das florestas tm sua toca, as aves do cu tm seu ninho; at os peixes do mar tm um refugio e somente vs... Oh! sim, s o Deus Criador e Senhor do mundo, vindo para resgatar, salvar e abraar seus filhos perdidos, jaz aqui em uma gruta deserta, na poeira da estrada, na mais horrvel das agonias, pai lido, exangue, com a fronte sobre a pedra e os lbios lividos ao contacto da terra. O ultimo dos pobres encontra um corao bastante caridoso para lhe enxugar o suor da fronte e refrescar-lhe os lbios, e Jesus est s, s com sua dr e sua angustia; a terra bebe-lhe o suor de agonia e o co repete-lhe o estertor, e nem uma s mo amiga h para auxili-lo a reerguer-se, nem uma voz humana para sussurrar-lhe urna palavra de compaixo (7). Elle chora, e suas lagrimas inundam-lhe a face bondosa e velam o brilho de seus olhos; a garganta, resequida, no deixa mais passar o som da voz (8)... E* a sua alma triste at morte que parece lanar para

Purgationcm peccatorum facicns (Hb 1, 3). 6) Vermis et non homo... opprobrium hominum et abjectio plebis (Ps 21, 7). 7) Factus sum sicut homo sinc adjutorio (Ps 137, 5). 8) Ut ostenderet se veram naturam humanam suscipisse, cum omnibus naturalibus affectibus (S. Thom. 3 p. q. 21, a. 2). TI P cu, c repetir sem cessar, a dolorosa queixa: Pae, meu Be, si possvel, afastae de mim este clice! Eis a tua obra, peccado, obra digna de ti!. . . h! olha e contempla.. . e na vilania de tua cruelda-e, repete: Eis a minha obra!. . . Sou eu a causa nica 'e tanta amargura e de tantas dores! Stipendia enim teati, mors (Rm 6, 23).5)

III O' Jesus, Victirna adorvel, ousarei eu consolarmos?. . . Sinto o pavor gelar-me os membros, ao pensamento de que foi o peccado que vos reduziu a este estado. . . O peccado, ou antes, os autores do peccado: os peccadores! Cada peccador deve entrar na gruta e, contemplando vossa agonia, dizer de si para si: E' obra minha! foram os meus peccados que reduziram o divino Cordeiro a este estado miservel (9). E eu tambm, eu sou peccador, contribui, pois, Jesus, para lanar-vos por terra. . . Mais do que isto: fui eu, ningum mais do que eu quem vos poz neste estado. Tivesse eu commettido um s peccado, existisse eu s neste mundo, meu nico pecado teria produzido em vs o mesmo effeito que o conjunto de todos os peccados de todos os homens (10).

O' meu Deus, eu tenho obrigao de consolar-vos, eu que sou a causa de vossas dores! O que me preciso antes de tudo so lagrimas para chor-las, para chorar sobre vs e sobre a minha dureza de corao! Chorar, sim, eis a minha sorte. . . e para que minhas lagrimas sejam sinceras eu devo antes de tudo afastar o peccado e suas causas. Eu venho, pois, a vossos ps, Jesus. Mostrae-me a inclinao que foi a causa de minhas quedas passadas. Eu quero corrigir-me. 9) Ut satisfaecret pro peccatis omnium hominum, asKlimpsit tristitiam maximam (S. Thom. 3 p. q. 46, a. 6). 10) Ego. ego sum tui causa doloris: ego tui cruciatus labor... Ego superbivi; tu humiliaris; ego timui, tu atenuaris; ego inobediens existiti, tu obediens scelus inobedientia? luis (S. Aug. Med. c. 7). 73

Quero arrancar minha sensualidade, meu orgulho, minha preguia, meu amor prprio, aquelle dos meus defeitos que me levou a offender-vos e poderia ainda lanar-me no peccado. O' Virgem santa, dizei-me qual a resoluo que eu devo tomar neste dia. . . para consolar a Jesus e diminuir sua agonia. Eu estou disposto, meu Deus. . . eu quero amar Jesus (II). 16 CONTEMPLAO Conformidade com a vontade divina Preldios: Consideremos Jesus, sempre prostrado por terra, sob o peso das iniquidades do mundo; horrorizado, como homem; c acceitando como Deus, todos os castigos reservados aos peccadores. Oh! Jesus amoroso, dae-me a graa de comprehender as vossas dores, de compadecerme dellas, e de afastar as suas causas, que so os peccados. I E' ainda o mesmo texto do Evangelho que vamos meditar (Mt 26, 39). II Querido Salvador, carregado assim com todos os peccados dos homens (1), alquehrado sob o infame fardo de nossas iniquidades (2), abandonado por todos, e at mesmo por vossos apstolos (3), cuja falta de ge11) Ego amo te; et si parum est, da ut amem validitis (S. Aug. Ibid). 1) Peccata nostra portat. et pro iliis dolet. (S. Ambr. in Lc 22). 2) Attritus est propter scclera nostra (Is 53, 5). 3i Non est qui consoletur eum ex omnibus charis ejus (L Jm 1, 2). Derosidade foi a causa de seu somno (4); prostrado por terra como para mostrar a humilhao do peccado (5). ys ahi supportaes todas as dores de uma verdadeira agonia (()). As dores atrozes de vosso corao manifestam-se por um suor gelado que ensopa as vossas vestes (7), emquanto a vossa alma48

to pura, vendo-se como que contaminada pela infeco do peccado, cujas apparencias elle revestiu (8), pede ao seu Pae misericrdia e supplicalhe que afaste de vs este clice im-mundo (9) : Meu Pae, si possvel, afastae de mim ste clice!. . . E' como si dissesseis: 0' meu Pae, no estado em que me acho, tenho vergonha de chamar-vos meu Pae! mas si vs no podeis ser o pae do peccado, no ces-saes de ser o pae dos peccadores, que eu represento. Meu Pae, no bastante que eu soffra nesta hora para resgatar a humanidade?. . . O' Meu Pae, si possvel, afastae de mim este clice! Depois, lembrando-vos de vossa m