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A ‘OUTRA ECONOMIA’: UM OLHAR ETNOGRÁFICO SOBRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA Eugênia de Souza Mello Guimarães Motta Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Antropologia Social Orientador: Federico Neiburg Rio de Janeiro Fevereiro de 2004

A ‘OUTRA ECONOMIA’: UM OLHAR ETNOGRÁFICO SOBRE A …objdig.ufrj.br/72/teses/EugeniadeSouzaMelloGuimaraesMotta.pdf · Chianelli e especialmente a Vanilda Paiva, que tanto me ensinaram

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A ‘OUTRA ECONOMIA’:UM OLHAR ETNOGRÁFICO SOBRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA

Eugênia de Souza Mello Guimarães Motta

Dissertação de Mestrado apresentada aoPrograma de Pós-graduação em AntropologiaSocial, Museu Nacional, da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro, como parte dosrequisitos necessários à obtenção do título deMestre em Antropologia Social

Orientador: Federico Neiburg

Rio de JaneiroFevereiro de 2004

ii

A ‘OUTRA ECONOMIA’:UM OLHAR ETNOGRÁFICO SOBRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA

Eugênia de Souza Mello Guimarães Motta

Orientador: Federico Neiburg

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação emAntropologia Social, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em AntropologiaSocial.

Aprovada por:

______________________________ - OrientadorPresidente Prof. Federico Neiburg

______________________________Profa Lygia Sigaud

______________________________Prof. John Comerford

Rio de JaneiroFevereiro de 2004

iii

Motta, Eugênia de Souza Mello GuimarãesA ‘outra economia’: um olhar etnográfico sobre a Economia Solidária/ Eugênia

de Souza Mello Guimarães Motta. Rio de Janeiro: UFRJ/ Museu Nacional, 2004. viii, 102f. il.Orientador: Federico NeiburgDissertação (mestrado) - UFRJ/ Museu Nacional/ Programa de Pós-graduação em

Antropologia Social, 2004.Referências Bibliográficas: f. 89-921.Economia. 2.Etnografia. 3.Economia Solidária. 4.Organizações não

Governamentais. 5.Estado. 6.Crítica. 7.Brasil. I. Neiburg, Federico. II. UniversidadeFederal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, Programa de Pós-graduação emAntropologia Social. III. A ‘outra economia’: um olhar etnográfico sobre a EconomiaSolidária

iv

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os amigos e familiares que estiveram a meu lado durante os

anos de mestrado e sempre, em especial a minha mãe, Charlotte e ao meu pai, Horacio

pelo carinho, paciência e incentivo. Também ao Fernando, sempre companheiro, que

esteve ao meu lado em todos os momentos e às amigas Carla, Maria Claudia, Tatiana,

Flávia e Sabrina.

Agradeço aos colegas do PPGAS com quem, nos debates em sala de aula, tive

a oportunidade de aprender muito e de discutir minha pesquisa e em especial a Fernando

Rabossi pelos valiosos comentários e pelo apoio. Agradeço também aos colegas do

IPPUR e em especial aos professores Carlos Vainer e Henri Acselrad com quem os

debates nas duas disciplinas em conjunto com o PPGAS foram cruciais para este

trabalho.

Agradeço a Federico Neiburg, meu orientador, que foi sempre presente,

atencioso e paciente e cujo interesse pelo meu trabalho foi essencial. Agradeço aos

professores do PPGAS com quem tive aula e aprendi muito. Em especial, agradeço a

Lygia Sigaud pelo interesse e apoio, muito importantes para este trabalho.

Agradeço também aos pesquisadores do IEC, a Vera Calheiros e Filippina

Chianelli e especialmente a Vanilda Paiva, que tanto me ensinaram sobre a pesquisa

social e me incentivaram a seguir a vida acadêmica.

Agradeço especialmente àqueles sem cuja ajuda e atenção seria impossível

realizar este trabalho, que possibilitaram a participação nos encontros de Economia

Solidária, se interessaram pela minha pesquisa, responderam às minhas perguntas e

gentilmente me permitiram participar de suas atividades. Agradeço especialmente ao

João Roberto, do IBase, ao Robson do PACS, ao Peninha, da Anteag, ao professor José

Ricardo Tauile.

A ajuda e dedicação dos funcionários do Museu e do PPGAS foram

importantes. Em especial agradeço às funcionárias da biblioteca, sempre gentis e

eficientes.

Agradeço à CAPES pela bolsa concedida durante os dois anos de mestrado.

v

RESUMO

A ‘OUTRA ECONOMIA’:UM OLHAR ETNOGRÁFICO SOBRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA

Eugênia de Souza Mello Guimarães Motta

Orientador: Federico Neiburg

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduaçãoem Antropologia Social, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro -UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre emAntropologia Social.

Este trabalho pretende analisar a Economia Solidária como o conjunto de indivíduos e

organizações que têm em comum a idéia de que é possível uma ‘outra economia’ na

qual prevaleçam os valores da solidariedade e da cooperação sobre o egoísmo e a

competição. A Economia Solidária é um fato social novo, tendo surgido no Brasil na

segunda metade da década de 1990 e é um mundo de fronteiras vazadas entre outras

esferas sociais relativamente autônomas: a academia, o universo das ONGs e o Estado.

A abordagem se inspira na análise maussiana da Magia, ao considerar como elementos

de análise da Economia Solidária seus agentes, práticas e representações a partir de um

olhar etnográfico sobre alguns eventos, textos e narrativas orais.

Os eventos observados são considerados como situações condensadoras na medida em

que revelam várias características da Economia Solidária: o esforço por criar coesão e

uma identidade comum, formas de classificação e uma visão de mundo. São analisadas

no texto as narrativas sobre a origem da ES, a sua construção como teoria econômica e

como crítica ao capitalismo. Estas representações são permeadas por uma série de

noções acerca do humano de forma geral e sobre o que seja e deve ser a economia numa

perspectiva transformadora.

Palavras-chave: Economia, Etnografia, Economia Solidária, Organizações nãoGovernamentais, Estado, Crítica, Brasil

Rio de JaneiroFevereiro de 2004

vi

ABSTRACT

THE ‘OTHER ECONOMY’:AN ETHNOGRAPHIC VIEW OF THE SOLIDARY ECONOMY

Eugênia de Souza Mello Guimarães Motta

Orientador: Federico Neiburg

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduaçãoem Antropologia Social, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro -UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre emAntropologia Social.

The purpose of this work is to analyze Solidary Economy as being the sum of

individuals and organizations that have in common the idea that ‘another economy’ is

possible, an economy in which values such as solidarity and cooperation prevail over

egoism and competition. Solidary Economy is a new social fact, which began to appear

in Brazil in the second half of the 1990’s and which constitutes a world whose borders

intermingles with those of other relatively independent social spheres: the academy, the

universe of NGOs and the State. The approach is based on maussian analysis of Magic,

since it considers, through an ethnographic prospect over some events, texts and oral

narratives, the Solidary Economy agents, practices and representations as the elements

in the analysis.

The observed events are considered as crystallizing situations in the sense that they

reveal some characteristics of Solidary Economy: the effort to create cohesion and a

common identity, forms of classification and a world vision. Narratives about the origin

of Solidary Economy and its construction as an economic theory and as a form of

criticism to capitalism are analyzed in the text. All these representations are pervaded by

a series of notions about what is humane in a general and about what the economy is

and should be, in a perspective of transformation.

Key-words: Economy, Ethnography, Solidary Economy, Non governmentalOrganizations, State, Criticism, Brazil

Rio de JaneiroFevereiro de 2004

vii

SUMÁRIO

página

INTRODUÇÃO .................................................................................................. 1

CAPÍTULO 1. A CONSTRUÇÃO DA COESÃO .......................................... 6

Situação 1 ............................................................................................................ 6

Situação 2 ............................................................................................................ 7

Situação 3 ............................................................................................................ 14

1. 1. As práticas, as instâncias e o vocabulário da coesão .............................. 24

Conclusões .......................................................................................................... 32

CAPÍTULO 2. OS PROFISSIONAIS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA ....... 35

2.1. Empreendedores, gestores e assessores .................................................... 36

2.2. Figuras carismáticas ................................................................................... 40

2.3. Entidades, organizações e associações ...................................................... 43

2.4. A palavra escrita ......................................................................................... 44

2.5. Espaços e capitais ........................................................................................ 46

2.6. Economia Solidária e políticas públicas .................................................... 52

Conclusões .......................................................................................................... 57

CAPÍTULO 3. TEORIA E REPRESENTAÇÃO ........................................... 59

3.1. As três obras ................................................................................................ 60

3.2. A origem da expressão “economia solidária” ........................................... 64

3.3. Os sentidos da economia e da solidariedade ............................................. 66

3.4. Narrativas sobre a origem da Economia Solidária .................................. 69

3.5. Economia Solidária como teoria econômica ............................................. 73

3.6. Práticas econômicas .................................................................................... 74

viii

página

3.6.1. Cooperativas ............................................................................................. 75

3.6.2. Gestão pelos trabalhadores de empresas falidas (ou autogestão) ........ 76

3.6.3. Clubes de troca e moeda social ................................................................ 76

3.6.4. Consumo ético (ou solidário) ................................................................... 77

3.6.5. Comércio justo (Fair Trade) .................................................................... 78

3.6.6. Crédito solidário ....................................................................................... 79

3.7. A construção da crítica e os “gargalos” .................................................... 80

Conclusões .......................................................................................................... 84

CONCLUSÕES .................................................................................................. 86

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................ 89

Anexo 1 - Breve Cronologia dos principais acontecimentostratados na dissertação ...................................................................................... 93

Anexo 2 - Fotografias ......................................................................................... 94

Anexo 3 - Entidades que compõem o Grupo de Trabalho Brasileirode Economia Solidária do Fórum Social Mundial (GT-Brasileiro) ............... 99

Anexo 4 - Siglas ................................................................................................... 101

INTRODUÇÃO

Na segunda metade da década de 1990 surgiu no Brasil uma idéia que

conquistou diversas entidades, organizações e pessoas. Ela se baseia na possibilidade de

se construir uma “outra economia”, capaz de gerar renda e trabalho para os

desempregados e de estabelecer novas formas de relação entre as pessoas e destas com o

mundo que as cerca.

Em torno desta idéia todo um mundo está sendo criado. Um mundo cuja

diversidade e ausência de fronteiras fixas constituem sua própria condição de existência.

Cuja fluidez e dinamismo são sua singularidade e maneira própria de existir.

Esta idéia se chama Economia Solidária (ES). Seus defensores a consideram

como sendo o conjunto de novas relações econômicas baseadas na cooperação, na

democracia e no respeito ao meio ambiente, traduzidas pelo trinômio: “socialmente

justo, economicamente viável, ecologicamente sustentável”. Estas novas relações

poderiam ser construídas através de empreendimentos e associações em que os

princípios da solidariedade da cooperação se sobrepusessem ao da competição e do

egoísmo que caracterizariam o capitalismo através da busca pelo lucro a qualquer custo.

Neste trabalho, vou tratar a ES como o universo de pessoas, idéias e práticas

particulares. Uma aproximação sobre quem são estes indivíduos, de que maneira,

quando e onde atuam como agentes da ES, revela todo um universo de práticas e

representações que constituem a ES como um fato social.

Tratada como fato social, ou seja, como uma “ordem de fatos” “que consistem

em maneiras de agir, de pensar, exteriores ao indivíduo, dotadas de um poder de

coerção em virtude do qual se lhe impõem” (DURKHEIM, 1974) é possível afastar-se

das representações nativas permitindo torná-las objeto do próprio estudo.

Segundo estas pessoas que pertencem ao mundo da ES esta compreende as

relações econômicas que têm como locus os empreendimentos e associações dedicadas

a diversas atividades (produção, comércio e consumo de bens e serviços). Tratarei estas

relações econômicas os discursos e teorias sobre elas como representações. É

importante ressaltar este ponto na medida que este forma de olhar permite uma

abordagem da ES como fato social. O trabalho dentro dos empreendimentos, em suas

múltiplas dimensões, é considerado como atividade entre outras que fazem parte da ES,

2

que porém é muito mais ampla que estas atividades econômicas. Considerando-se isso,

os participantes deste mundo não seriam apenas aqueles que trabalham e tiram sustento

destes empreendimentos e associações, mas os que através do gerenciamento de

projetos, da intermediação de verbas, da organização e participação em eventos e da

elaboração de textos defendem, propagam e produzem a ES.

Para tratar de um mundo dinâmico e sem fronteiras explícitas, muitas vezes

ambíguo e polissêmico, este trabalho inspira-se na análise de Mauss sobre a Magia

(MAUSS, 1972). Tratar do mundo da ES a partir de elementos inspirados nas idéias que

Mauss utilizou para analisar a Magia parece a melhor forma de abordar este complexo

universo que, assim como a Magia, é de difícil delimitação e possui fronteiras

imprecisas. Assim, a dissertação é estruturada a partir da análise maussiana que

considera como elementos da Magia os agentes, as práticas e as representações.

Para compreender o tipo de envolvimento dos agentes da ES, a noção weberiana

de “profissional da política” é um outro instrumento valioso (WEBER, 1970). Ele

permite considerar a definição que os próprios agentes têm da atividade e,

principalmente, o sentido que essa atividade (a política para Weber, a economia

solidária neste trabalho) tem para os indivíduos que com ela se envolvem, e os

mecanismos através dos quais eles dão sentido ao mundo consagrando-se à economia

solidária. Como observou Weber sobre os profissionais da política, o envolvimento dos

agentes com a ES pode ser definido por estes viverem “da” e “para” ela.

A ES é um fato social novo. A expressão foi usado pela primeira vez em 1996

por Paul Singer e foi em torno dela que, no fim da década de 1990, várias iniciativas

passam a ser reconhecidas como pertencentes a uma “outra economia” e os indivíduos e

entidades envolvidas com elas passam a se reconhecer como parte de um universo

comum. No I Fórum Social Mundial (FSM), em 2001, diversos agentes entre vários

tipos de organizações e indivíduos começam a dar forma a um grupo que a partir daí se

expande, ao mesmo tempo que cresce frente ao cenário nacional e se mostra

internacionalmente.

A significado do FSM (nas suas três edições em 2001, 2002 e 2003) para a

constituição deste mundo não está apenas no fato de ter se transformado em um espaço

de articulação nacional e internacional (o que absolutamente não é pouco), mas também

por ser um evento que mostra e constrói um “espírito” da crítica ao chamado

3

neoliberalismo como face contemporânea do capitalismo. As propostas de uma

globalização mais justa e a valorização da diversidade e dentro disso da possibilidade de

também a crítica se globalizar, constituem este espírito no qual a ES surge e que ela

também constrói.

Com a iminência da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência da

república no final de 2002, os profissionais da ES vêem um novo espaço se abrir para

suas atividades. Um pouco antes do segundo turno das eleições, quando a vitória de

Lula era quase certa, a I Plenária Nacional de Economia Solidária dá o primeiro passo

para a reivindicação pública por espaço no futuro governo (com a elaboração da Carta

ao Governo Lula) e para a criação de uma organização nacional que pretende ser o

porta-voz da ES no país.

Em junho de 2003, Paul Singer toma posse como titular da Secretaria Nacional

de Economia Solidária (SENAES), que fora criada pouco antes como estrutura

subordinada ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). No dia seguinte da posse, a

poucos quilômetros de onde ela ocorreu, começa a III Plenária Nacional de Economia

Solidária, cujo principal objetivo era criar o Fórum Brasileiro de Economia Solidária.

O objetivo desta dissertação é estabelecer um primeiro mapa sociológico do

mundo da ES e oferecer elementos que permitam compreender as dinâmicas de um

universo em formação, que parece ganhar cada vez mais adeptos, que influi nas

políticas públicas e que se insere num tipo recente de organização da crítica, que tem

expressão no Fórum Social Mundial. É dentro deste universo onde também se

identificam atividades econômicas que significam o sustento de muitos indivíduos e das

quais cada vez mais pessoas tomam parte.

Este trabalho se baseou em pesquisas realizadas durante o ano de 2003, através

da observação e participação em alguns eventos, do levantamento de toda a literatura

escrita no Brasil sobre a ES (impressos e na Internet), do levantamento dos indivíduos e

instituições que fazem parte do mundo da ES, da leitura e análise deste material, da

participação num curso sobre ES na UFRJ e de conversas e entrevistas com alguns

profissionais da ES.

O primeiro evento de que participei foi o III Fórum Social Mundial, realizado

em Porto Alegre (RS) do dia 23 ao dia 28 de janeiro. Durante o III FSM ocorreu um

seminário sobre ES, várias oficinas e a II Plenária Nacional de Economia Solidária.

4

O segundo evento foi a Plenária Estadual de Economia Solidária do Rio de

Janeiro, ocorrida nos dias 30 e 31 de maio e 1º de junho, na Pontifícia Universidade

Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Esta plenária era preparatória para a III Plenária

Nacional de Economia Solidária da qual também participei. Outras plenárias estaduais

foram realizadas em mais dezessete estados brasileiros.

A Plenária Nacional de Economia Solidária ocorreu nos dias 27, 28 e 29 de

junho em Brasília, D.F.. Neste evento, foi criado o Fórum Brasileiro de Economia

Solidária (FBES). Um dia antes do começo da plenária também pude presenciar a posse

de Paul Singer como titular da SENAES.

Além destes eventos, também estive presente no Encontro Internacional de

Economia Solidária ocorrida nos dias 25 e 26 de julho na Universidade de São Paulo. O

encontro foi organizado pela Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da

USP e pelo NESOL (Núcleo de Economia Solidária), que havia sido criado

recentemente na mesma universidade.

Outro evento de que participei foi o seminário “O Papel da Universidade no

combate às causas estruturais da pobreza através do Cooperativismo Popular”, ocorrido

na Universidade Federal do Rio de Janeiro, no dia 6 de outubro. O seminário foi

organizado pela a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP) da

COPPE - UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-graduação em Engenharia da

Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Também estive presente, como ouvinte, na maioria das aulas do curso

“Economia Solidária e Autogestão”, oferecido no segundo semestre letivo de 2003

como disciplina optativa no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de

Janeiro. Este curso tinha como titular o professor José Ricardo Tauile e foi organizado

em conjunto com a ITCP da COPPE - UFRJ.

Outra fonte utilizada para a pesquisa foram inúmeros textos, livros e documentos

sobre ES. Muitos foram conseguidos diretamente nos encontros, outros através da

Internet (o que revela alguns dos mecanismos principais de circulação das idéias na ES).

Esta dissertação está dividida em três capítulos, cada qual tratando de um

elemento do mundo da ES como fato social, de acordo com as análise de Mauss sobre a

Magia: agentes, práticas e representações.

O primeiro capítulo está centrado na descrição de três eventos. Estes são tratados

5

como “situações” a exemplo do que Gluckman chama de “situação social”

(GLUCKMAN in FELDMAN-BIANCO, 1987), na medida em que são momentos

condensadores, capazes de revelar várias características do mundo da ES da mesma

forma que as situações descritas por Gluckman revelavam a organização social da

Zululândia moderna.

As três situações permitem uma aproximação em relação a classificações,

hierarquias e representações presentes. As práticas ritualizadas, os cenários construídos

e o vocabulário usado nas situações são elementos que permitem lançar um olhar sobre

a ES através da etnografia.

O segundo capítulo está focado nos agentes que fazem parte do mundo da ES.

Mostrarei que existem diversas atividades que se constituem como forma de pertencer a

ele. As formas de classificar os indivíduos revelam características fundamentais da ES,

hierarquias e tensões. Também neste capítulo tratarei das relações da ES com o Estado,

com as ONGs e a universidade, todos esses espaços importantes na sua construção.

O terceiro capítulo trata das “representações” no mundo da ES. Considera-se

“representações” todas aquelas idéias sobre a ES produzidas em diversos espaços como

a academia, os encontros, as ONGs, os princípios morais defendidos e a forma com que

se constrói a ES como crítica do capitalismo e como teoria econômica. É também neste

capítulo que tratarei das origens da expressão no Brasil.

A dissertação também conta com quatro anexos que tornam mais fácil a leitura.

O primeiro anexo é uma pequena cronologia, que contém os principais fatos relatados

na dissertação. O segundo traz fotografias de dois eventos descritos. No terceiro estão

informações sobre entidades citadas e no quarto anexo estão todas as siglas utilizadas no

texto, com seu significado por extenso.

Esta dissertação é uma primeira aproximação ao mundo da ES enquanto fato

social e provavelmente algumas análises são provisórias e incompletas na medida das

possibilidades da pesquisa e da complexidade do objeto. De qualquer maneira, estas

análises são um primeiro passo, sempre necessário, para uma aprofundamento futuro do

tema e para a compreensão mais minuciosa deste universo.

6

CAPÍTULO 1. A CONSTRUÇÃO DA COESÃO

Situação 1:

III Fórum Social Mundial (FSM)

de 23 a 28 de janeiro de 2003 - Porto Alegre, RS

Esta foi a terceira edição do FSM. Segundo seus organizadores, o número de

participantes superou em muito o das edições anteriores.

Durante o Fórum, ocorreram vários eventos ligados à ES. Inúmeras Oficinas, um

painel (cujo acesso só era permitido a delegados) e um evento principal: o seminário

“Economia Solidária como estratégia de Desenvolvimento Humano”, realizado nos dias

24, 25 e 26, num grande teatro da PUC - RS.

O centro do seminário foi a interlocução internacional, através do relato de

experiências em diversos países. A principal questão, como o próprio título demonstra,

era o debate sobre o alcance das propostas de ES. Houve discussões sobre comércio

justo, políticas públicas, sistema financeiro solidário e sobre autogestão, em todas as

mesas1 havia representantes de entidades e organizações brasileiras e de diversos países.

Estiveram presentes representantes de organizações internacionais e nacionais ligadas à

ES, fazendo com que houvesse, durante o seminário, palestrantes de toda a América

(com destaque para a América Latina e Canada), Ásia, África e Europa (principalmente

França e Espanha).

Havia uma grande quantidade de material de divulgação na entrada do auditório,

muitos deles em inglês e francês.

Mas o que mais chamava atenção durante o Fórum acontecia do lado de fora da

reuniões. Dentro do campus da PUC, onde se realizou a maior parte dos eventos e por

onde milhares de pessoas circularam, havia um local reservado para alimentação e outro

para a venda de artesanato. Nas extremidades dos dois grandes corredores havia uma

faixa que identificava-os como pertencentes a uma “Rede de Economia Solidária”,

1 “Mesa” é uma forma de organizar explanações. Uma Mesa pode ter um tema, sobre o qual diversaspessoas escolhidas para tal debatem frente a uma platéia que pode eventualmente participar, geralmentepor meio de perguntas no final das explanações. Também se dá este nome ao conjuntos de pessoas quefrente a uma platéia fazem alguma explanação. Pode-se dizer que tais pessoas compuseram uma “mesa”.

7

formada por empresas solidárias, na maioria cooperativas (ver fotografias 1 e 2 no

anexo 2). Havia outros locais para comer e barraquinhas que vendiam todo tipo de

coisas, mas a parte que foi trazida pelos organizadores era toda de “empreendimentos

solidários”.

O “acampamento da juventude” também foi todo organizado a partir das

concepções da ES, sendo administrado de forma autogestionária e havendo uma moeda

social que era usada em mercadorias vendidas dentro do acampamento. Esta moeda se

chamava “Sol”, o seu valor era equivalente a R$ 1,00 e podia ser trocada por qualquer

moeda estrangeira.

Muitas pessoas que circulavam no evento tinham no peito adesivos. Sobre a ES

existiam dois tipos: um apenas com o símbolo da ES e as palavras Economia Solidária e

outro que além disso continha a frase: “Eu pratico”.

Durante o III FSM ocorreu a II Plenária Nacional de Economia Solidária. Ela foi

realizada num teatro da PUC, onde centenas de pessoas ocuparam todas as cadeiras, os

corredores e as portas. Foi durante o evento que Paul Singer foi oficialmente anunciado

como futuro titular da SENAES, subordinada ao Ministério de Trabalho e Emprego. Na

entrada do teatro, antes da Plenária, era distribuído um livreto cujo título era Do Fórum

Social Mundial ao Fórum Brasileiro de Economia Solidária.

Depois de sua falação Singer mal conseguiu deixar o teatro, tal era o número de

pessoas que lhe pedia autógrafos e queriam tirar fotografias com ele.

No corredor que dava acesso ao teatro várias bancas foram montadas para a

venda de livros. Entre eles, dois foram lançados lá: A outra Economia, organizado por

Antonio David Cattani, e Economia popular solidária e políticas públicas: a

experiência pioneira do Rio Grande do Sul, de Paulo Leboutte.

Situação 2:

Plenária Estadual de Economia Solidária do Rio de Janeiro

30 e 31 de maio e 1º de junho de 2003

PUC - Rio, Rio de Janeiro

A Plenária Estadual de Economia Solidária começou numa sexta-feira a noite e

8

foi realizada num ginásio de esportes da PUC – RJ. Foi um encontro preparatório para a

Plenária Nacional de ES que ocorreria de 27 a 29 de junho em Brasília. Várias plenárias

foram realizadas em diferentes estados com o mesmo fim.

Ao chegar ao local, os participantes deviam assinar uma lista elaborada a partir

das fichas de inscrição, com as informações: nome e “instituição ou grupo”. Recebiam

uma bolsa que continha uma publicação sobre uma plenária anterior realizada em

Mendes em 2002, a programação do evento, lápis e bloco de notas. Além disso, cada

um recebia um crachá e um saquinho plástico transparente, amarrado com uma cordinha

escura com algumas sementes. Os participantes eram alertados para que não perdessem

as sementes, pois elas seriam importantes durante a plenária.

Ao subir a escada que levava ao ginásio, podia-se ver bandeirinhas de festa

junina atravessando todo a quadra, onde se ouvia um disco de Milton Nascimento. As

muitas cadeiras estavam colocadas bem longe do palco, do lado oposto, em que estava

montada uma mesa cuja frente era ocupada com um grande faixa com o logotipo da

plenária, sua data e local, e algumas instituições apoiadoras e promotoras. Tendo sido

chamados para que pudessem começar as atividades do dia, todos entraram no ginásio e

o que se ouvia, então, era um agitado forró. Um animador2, ao microfone, logo chamou

a todos para que formassem uma grande roda e dançassem juntos uma quadrilha. Uma

grande roda se formou e os que ainda resistiam a entrar na dança eram insistentemente

convidados pelos que dançavam e pelo animador. Em pouco tempo, todos estavam

dançando e a quadrilha seguiu alternando danças em pares ou roda.

Num certo momento o animador pediu para que todos buscassem suas sementes

e as erguessem. Cada um então deveria procurar as outras pessoas que tinham nas mãos

o mesmo tipo de semente. Formaram-se então doze pequenas quadrilhas, de dez a doze

pessoas cada uma. A quadrilha do milho, do arroz, da soja, do girassol, da canjica, do

feijão preto e do feijão vermelho... Orientadas a seguir com a dança, cada pequena

quadrilha recebeu uma folha de papel pardo grande e uma caneta. A primeira atividade

seria que cada indivíduo escrevesse no papel pardo duas palavras que representassem o

que cada um entendia por Economia Solidária. Algumas delas foram: “Igualdade”,

2 O “animador” é aquele indivíduo que comanda as atividades lúdicas e as dinâmicas, geralmente aomicrofone. Também é chamado de animador aquele que, num grupo de discussão é escolhido paracoordenar as discussões, organizando a ordem das falas e ajudando no desenvolvimento da discussão,principalmente no que se refere aos temas que devem ser abordados e ao tempo disponível para cada umdeles.

9

“espiritualidade”, “amor”, “autonomia”, “autogestão”. Depois disso cada grupo deveria

pendurar nas redes que circundavam a quadra, com pregadores de madeira, os seus

painéis, indicando a que quadrilha cada um pertencia.

Seguiu-se a formação de uma mesa no palco, composta por um representante da

reitoria da PUC, um representante do Fórum de Cooperativismo Popular do Rio de

Janeiro (uma das principais entidades organizadoras) e por uma representante de um

grupo de mulheres artesãs da Baixada Fluminense. Muito rapidamente cada um deles

falou, saudando os participantes. Depois disso, algumas orientações foram dadas aos

que precisariam de alojamento na cidade e a hora do café-da-manhã do dia seguinte foi

anunciada: 7:30h. Após algumas reclamações, uma tolerância até as 8:15h foi

estabelecida. As pessoas que tinham consigo filhos pequenos (informação contida na

ficha de inscrição) foram orientadas a levar, no dia seguinte, uma sacola com toalha,

sabonete, escova e pasta de dente e roupas limpas, pois recreadoras tomariam conta das

crianças durante o dia todo.

Durante esta explicação foi distribuída uma folha que continha a letra de uma

música. Convidados a acompanhar o autor da música que também tocava violão, todos

cantaram o “Xote da Vitória” e dançaram.

Depois da dança todos os presentes foram convidados a partilhar de uma sopa,

acompanhada de pão. Também havia sacos plásticos com frutas. Assim se encerrou o

primeiro dia da plenária.

No sábado, mais uma vez, se ouvia a música de Milton Nascimento, já a muitos

metros de distância do ginásio. Às 9:00h o café-da-manhã ainda estava sendo servido e,

meia hora depois, mais dança ao som de forró. A grande roda, as sementes erguidas e as

pequenas quadrilhas formadas. Depois de encerrada a música, os grupos3 deveriam se

sentar em círculo para debater os temas propostos. Os resultados das discussões

deveriam ser reproduzidos em grandes painéis de papel pardo, como os do dia anterior.

Na quadrilha do girassol, à qual eu pertencia, seguiram-se falações sobre as atividades

de cada um dos participantes. Uma interrupção fez todos atentarem a Marcos Arruda,

que faz parte da ONG PACS (Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul) e que,

com o microfone na mão, dizia que não era possível que num evento como aquele as

3 Chama-se de “grupos” conjuntos de participantes que se reúnem para discutir um tema. A divisão emgrupos pode seguir diversos critérios, sempre sendo estes pré-estabelecidos pela organização do evento.

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pessoas usassem o copo em que bebiam água apenas uma vez e os jogassem fora.

Apelou para que todos guardassem os copos descartáveis e os usassem, de preferência,

até o final do encontro. Obedecido. Quando terminou o trabalho em grupos, a maioria

das pessoas carregava copos vazios nas mãos ou tentava guardá-los de alguma maneira

em suas bolsas.

Durante a manhã, foram montadas algumas bancas na entrada do ginásio, que

vendiam artesanato “solidário”. Eram principalmente roupas, acessórios, bonecos e

utilidades para a cozinha. Muitos dos produtos eram feitos de material reciclado.

O almoço, como o café-da-manhã e o jantar, foi servido num refeitório da

Universidade. A comida não agradou à maioria dos participantes, muitos criticando a

organização pelo fato de não ser produzida por empresa solidária.

Depois do almoço e depois de mais uma quadrilha, as cadeiras foram colocadas

à frente do palco. Três pessoas foram convidadas para uma mesa: Robson, membro do

PACS e do Grupo de Trabalho de Cadeias Produtivas do Fórum de Cooperativismo do

Rio de Janeiro, que falou sobre a história do Fórum; Francisco Lara, da ONG CAPINA

(Cooperação e Apoio a Projetos de Inspiração Alternativa), falou sobre os conceitos de

rede e fórum; Dione Manetti, assessor especial de Paul Singer na SENAES,

representando esta. As falações foram breves. Robson fez um histórico a partir de datas

marcantes, começando com o ano de 1994, destacando reuniões importantes e adesões

durante a história do Fórum de Cooperativismo Popular do Rio de Janeiro (FCP - RJ).

Chico Lara mostrou como era necessário resignificar o conceito de rede já que este “não

era um conceito democrático”, mas ligado ao capitalismo (rede de farmácias, de postos

de gasolina, etc). Chico também falou da origem grega da palavra fórum, dando ênfase

à característica de espaço aberto e livre de debate. Dione Manetti, aparentemente era o

orador mais esperado, tendo despertado vários olhares e falas desconfiadas: “Quero ver

o que esse cara vai dizer...”. A expectativa e a desconfiança em relação à fala de Dione

representa a conflitividade existente e demonstrada várias vezes em relação àqueles que

ocupam cargos em governos. Dione também falou pouco, tendo privilegiado as

propostas inicias da SENAES e destacando o importante papel que teria o Fórum

Brasileiro de ES na interlocução com a Secretaria.

Depois das falações, todos foram orientados a formar grupos de mais ou menos

11

dez pessoas, aleatoriamente, para fazer um “cochicho” 4 e elaborar perguntar para os

oradores. A quase totalidade das perguntas foi dirigida ao representante da SENAES e

se referiam principalmente a políticas públicas. Dione Manetti pediu desculpas e se

retirou alegando que teria que pegar um vôo logo em seguida. Mais comentário da

platéia: “Esses caras de governo sempre saem correndo”, “Eu acho que eles marcam o

vôo para em cima da hora para não ter que ficar mesmo.”

Após a mesa houve um intervalo e na parte de baixo do ginásio foi servido um

lanche. Café, suco e, desta vez sim, “pão solidário”. Uma grande quantidade de pães,

salgados, doces, de muitas formas e tamanhos. O tema das conversas eram as falações

que precederam a pausa. Principalmente a de Dione.

Na volta do lanche, mais uma vez as quadrilhas se reuniram e mais debates

sobre os temas propostos ocorreram. Resultados das discussões em painéis. Ao final do

dia, todas as redes que rodeavam a quadra estava apinhadas de painéis. Cercados o

tempo todos dos resultados da discussão, não era raro que os participantes

aproveitassem algum intervalo para ler os painéis.

Às 19:30h encerraram-se os trabalhos e todos seguiram para o jantar.

No domingo, o último dia da plenária, as atividades começaram ainda mais

atrasadas. Todos estavam cansados, mais havia uma agitação no ar. Naquele dia seriam

escolhidos os representantes que iriam a Brasília, com direito a voto na plenária

nacional. Neste dia havia mais pessoas que nos dois primeiros, o que causou certo

desconforto nos que participaram desde o começo.

Depois de uma breve dança (poucas pessoas participaram), todos se reuniram na

platéia. A moça que falava ao microfone disse que, diferente do programado, a escolha

dos representantes seria antes da discussão em plenária5 dos resultados da discussão em

grupo. Muitos protestaram, alegando que não teria sentido escolher primeiro os

representantes e depois as idéias que estes defenderiam. A equipe que fazia a síntese6

4 O “cochicho” é um momento rápido em que não existem regras para as falas (nem tempo neminscrições, por exemplo). O termo remete ao som gerado pelas falas desordenadas.5 Dá-se o nome de plenária ao conjunto dos participantes, quando estes estão todos reunidos e voltadospara uma só atividade que envolve a todos, existindo sempre um número pequeno de pessoas que dealguma maneira conduzem os trabalhos. É o mesmo nome que se dá a um tipo de reunião, como asdescritas, em que existe tomada de decisão.6 “Síntese” é um texto escritos por pessoas designadas especialmente para a tarefa, em que devem constaros principais pontos discutidos em um grupo, as propostas e as divergências. De todas as discussões emgrupo resultam “síntese” que depois servem como base para aquilo que vai ser colocado em votação na

12

das discussões não tinha conseguido terminar seus trabalhos e teria que ser feito desta

maneira.

Foi esclarecido que como definido pelo GT-Brasileiro (Grupo de Trabalho

Brasileiro de Economia Solidária do FSM), o número de representantes deveria ser de

10% do total de participantes. Estiveram presentes 246 pessoas na plenária, assim, 25

deveriam ser os enviados a Brasília. Além disso, foi definida pelos organizadores uma

proporção que também causou comentários contrariados: dos representantes que iriam a

Brasília, 60% deveria pertencer a “grupos de produção”, 30% deveriam ser de

“ assessoria e pesquisa” e 10% de “outros movimentos sociais”. Na verdade, o último

10%, segundo indicação da organização nacional, deveria ser de “gestores públicos”,

em não havendo ninguém que se encaixasse nesta categoria, dedicou-se esta parcela aos

“outros movimentos sociais”. Outro esclarecimento: os que estavam sendo escolhidos

não eram “delegados”, pois ninguém tinha delegado a eles qualquer poder. Além disso

não estavam representando o estado do Rio de Janeiro, mas aquela plenária, pois não se

podia assegurar que toda a ES do estado estava ali representada. Por último, foi

lembrado que a composição do grupo de representantes deveria contemplar os critérios

de gênero, raça e moradia (interior e capital).

No dia anterior, as quadrilhas deveriam ter indicado nomes para serem

apreciados em plenária e aprovados como representantes. Dois grupos não o fizeram,

inclusive o meu. No caso da quadrilha do Girassol (da qual participei) o que ocorreu foi

uma falta de organização e algumas pessoas não entenderam o que deveria ser feito. O

outro grupo, porém, não escolheu seus indicados por entender (pelo menos foi o que

disse um dos componentes que se dirigiu à plenária – pesquisador da COPPE, UFRJ,

ITCP) que algumas coisas não estavam claras. No dia anterior foi dito que cada grupo

deveria indicar uma ou duas pessoas, depois foi dito que poderia ser o número que

quisessem. Além disso, também no dia anterior foi dito que os que desejassem ir à

plenária nacional não deveriam contar com qualquer financiamento da viagem e

deveriam levar isso em consideração. No domingo porém, foi dito que “é claro que não

existe isso de critério financeiro” e que as entidades fariam o possível para conseguir

recursos.

plenária para que se transforme em “resolução”. Pode existir uma “comissão de síntese” no caso de sernecessário produzir uma síntese de várias outras sínteses de cada grupo.

13

Diante disso, foi proposto que os grupos voltassem a se reunir e mais uma vez

discutissem os nomes que seriam indicados. Meu grupo adotou uma solução

conciliatória. Todos os que desejavam ser indicados o foram.

Foi composta então uma grande roda, ao redor da quadra. Os indicados pelos

grupos deveriam se apresentar no centro da roda e se agrupar nas três “categorias” que

comporiam a proporção dos delegados. Nas três categorias havia mais indicados do que

o número que deveria ser enviado a Brasília. Depois de constatada por todos que a

composição dos grupos estava bem equilibrada entre homens e mulheres, negros e

brancos e moradores do interior e do Grande Rio, mais uma polêmica. Os representantes

seriam escolhidos pelo conjunto da plenária ou dentro do grupo de indicados de cada

“categoria”? Depois de breve votação, ficou decidido que seriam escolhidos dentro das

categorias. Os indicados permaneceram no ginásio para a discussão dos nomes enquanto

o restante dos participantes foi almoçar.

Quando estava chegando ao refeitório acompanhada de outra pessoas da minha

quadrilha, fomos informadas de que a comida estava estragada. Tivemos que procurar

um lugar fora da universidade para comer.

Depois desse almoço confuso, todos voltaram ao ginásio para conhecer,

finalmente, os representantes que iriam a Brasília. Antes disso, uma cooperativa de

artesãs promoveu um desfile das roupas que elas faziam. Cerca de 12 mulheres, entre

crianças e idosas caminharam ao centro do grande círculo exibindo as roupas feitas com

fuxico e com retalhos, sendo muito fotografadas. Seguiu-se um jogo. Enquanto tocava

uma música, uma bola de plástico era passada de mão em mão e a pessoa com quem

estivesse a bola quando a música parasse, deveria falar uma palavra que achasse que

tinha a ver com a economia solidária. Só depois disso os indicados se apresentaram à

plenária. Todos se apresentaram com nome e grupo a que pertenciam.

A comissão de síntese tinha terminado seus trabalhos e apresentou seus

relatórios. Depois disso, reunidas as quadrilhas, duas a duas, seis grandes círculos se

formaram e houve debate em torno da síntese feita pela comissão. Foram apresentadas

algumas idéias de alteração do texto. Mais uma vez formou-se a plenária e cada grupo

apresentou, através de um relator7 o que tinha sido discutido.

7 O “relator” tem um papel parecido com aquele que faz sínteses. Parece existir um sutil diferença entre“relatório” e “síntese”, sendo o primeiro praticamente um resumo do que foi falado e a síntese já apontarquais foram os pontos de consenso e as discordâncias. Apesar disso é comum que se use um termo pelo

14

Enquanto os relatores terminavam o seu trabalho frente a plenária, foram

distribuídas a todos pequenas velas. Formando-se, novamente um grande círculo,

seguiu-se a apresentação da quadrilha das crianças. As recreadoras, que acompanharam

as crianças durante o fim de semana prepararam uma coreografia. As crianças, ao centro

da grande roda dançam frente aos sorrisos e palmas dos adultos. Ao fim, foram todos

convidados a formar uma grande quadrilha e se juntar às crianças. Na dança, muito

animada desta vez, todos se deram as mãos dançando em círculo e depois fizeram um

“caracol”.

Quando terminou, todos acenderam suas velas, umas nas outras. Foi lido um

poema e todos se postaram em círculo, de velas nas mãos. Ao som de “Cio da terra”,

todos começaram a se dar os braços e, cantando, se aproximavam ao centro do círculo,

num momento grave e solene. Muitos se emocionaram. Uma procissão que não era em

direção a nenhuma igreja ou imagem de santo, mas ao centro, a si mesmo, à

coletividade. Sem poder bater palma por estarem segurando as velas, a música terminou

num grande silêncio que foi lentamente sendo povoado com as vozes num tom de

alegria. Saindo pela porta estreita do ginásio, alguns com as velas ainda acesas, muitos

risos em direção à festa que já estava montada.

Do lado de fora uma grande mesa com quentão, vinho e muita comida aguardava

os participantes. Uma outra mesa foi colocada para que todos pudessem expor os

objetos que fariam parte da troca que ali aconteceria. Outra mesa ainda foi montada

onde estavam expostos vários trabalhos das crianças com material reciclado. Grande

euforia tomou conta do lugar e logo o som das conversas e dos risos tomou conta da

festa. Os que iam aos poucos saindo trocavam telefones, e-mails e prometiam se ver de

novo. Muitos “foi um prazer te conhecer”, abraços, beijos e “vamos nos falar!”.

Situação 3:

Plenária Nacional de Economia Solidária

de 27 a 29 de junho de 2003

Brasília, D.F.

outro sem que esta distinção seja relevante.

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A entrada do Minas Brasília Tênis Clube estava agitada. Apesar de ter sido

pedido para quem quisesse participar da plenária, não sendo delegado eleito no seu

estado, fizesse uma pré-inscrição, a maioria das pessoas que ali estava preenchia sua

ficha naquele momento. Quando inscritos para a participação na Plenária, todos

recebiam um crachá e uma sacolinha de pano, estampada com o logotipo da ES e com

os dizeres que norteariam as discussões:

Fórum Brasileiro de Economia Solidária. III Plenária Nacional. 27 a 29de junho. Minas Brasília Tênis Clube. O Direito ao trabalho solidário. Odesenvolvimento de cadeias produtivas solidárias: produção,comercialização, consumo. Um sistema de Finanças Solidárias.Conhecimento tecnológico a serviço da vida. Educação para o trabalhosolidário. A inserção dos trabalhadores/as da Economia solidária comoatores das políticas públicas. Uma outra economia é possível!

Cada crachá recebia um adesivo circular, cuja cor indicava o pertencimento a

uma das três categorias: “empreendedor”, “assessor” ou “gestor público”.

No corredor que levava ao espaço em que seriam realizadas a maioria das

atividades, um feira dos mais variados produtos já começava a ser montada. Algumas

pessoas da organização começavam a distribuir lenços triangulares brancos, estampados

com corações vermelhos e com as siglas dos diversos estados. Todos queriam um

lencinho com a sigla de seu estado. Dali a pouco, podia-se ver que a maioria dos

participantes ostentava amarrados ao pescoço, nas suas bolsas e sacolas, o lencinho

cheio de corações.

O grande auditório e os principais corredores do clube estavam cobertos de

faixas de saudação de diversas entidades e organização. Durante o evento, estas faixas

foram se multiplicando, de modo que, ao final, não havia qualquer espaço nas paredes

das áreas de maior circulação.

Às 9:45h inicia-se a abertura dos trabalhos. Na mesa, representantes das

principais entidades e organizações que compõem o GT-Brasileiro: IBase (Instituto

Brasileiro de Análises Socioeconômicas) , FASE (Federação dos Órgãos para

Assistência Social e Educacional), Anteag (Associação Nacional de Trabalhadores em

Empresas de Autogestão e de Participação Acionária), PACS (Instituto de Políticas

Alternativas para o Cone Sul), RUITCP (Rede Universitária de Incubadoras

Tecnológicas de Cooperativas Populares), Cáritas, Unitrabalho, MST - Concrab

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(Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - Confederação Nacional das

Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil), CUT - ADS (Central Única dos

Trabalhadores - Agência de Desenvolvimento Solidário), Rede de Gestores Públicos em

ES e ABCred (Associação Brasileira dos Dirigentes de Entidades Gestoras e

Operadoras de Microcrédito) (ver fotografias 3 e 4 no anexo 2). Depois de uma breve

saudação do Núcleo de ES de Brasília começa a primeira dinâmica8 do evento.

Os animadores dizem que dentro da sacola que cada um recebeu, existe uma

bola de encher e um pedacinho de papel em branco. Cada participante deve escrever

neste papel uma palavra que represente a sua expectativa em relação ao encontro.

Enrolado o papelzinho, devem colocá-lo dentro da bola e soprá-la até que fique cheia e

dar um nó na ponta para fechá-la. Feito isto, os animadores dizem para os participantes

balançarem as bolas para cima, com a mão esquerda. Depois, com a mão direita. As

bolas deveriam, então, ser jogadas para o alto. Entre risos, as bolas são jogadas para lá e

para cá. Cada um então deveria pegar qualquer bola que estivesse perto. Os animadores,

então indicam aos participantes que coloquem esta nova bola sobre o colo e, curvados

sobre ela silenciosamente reflita sobre as suas expectativas e dos que estavam a sua

volta. Depois disso, cada participante deveria “tirar o papelzinho que esta dentro da

bola” que pegou. Segue-se então uma série de estouros, assemelhando o conjunto de

sons a fogos de artifício. Cada um com um papel na mão, deveria ir falando alto aquilo

que nele estava escrito. Aleatoriamente as pessoas gritavam: “vida!”, “comunhão!”,

“solidariedade!”. Por fim, todos de mãos dadas gritaram, ao mesmo tempo, num grande

estrondo, aquela palavra que cada um encontrara dentro da bola,.

Após esta dinâmica, muito aplaudida, os animadores chamavam pelo nome dos

estados e a “bancada” 9 deste estado deveria de levantar. Cada grupo, com seus

lencinhos, levantava-se animado e barulhento ao ouvir o nome de seu estado de origem.

As maiores bancadas eram as de São Paulo e do Pará. Eram ao todo 18 estados da

Federação representados na Plenária, cada um deles tendo organizado plenárias

estaduais, a partir das quais foram indicados os delegados que teriam direito a voto na

plenária nacional.

Seguiu-se uma apresentação geral sobre a história do GT-Brasileiro. Desde o

8 As “dinâmicas”, como será tratado a seguir, são atividades que envolvem todos os participantes, sãomarcadas no tempo e geralmente são combinações entre jogos, danças e músicas.9 Deu-se o nome de “bancada” ou “delegação” ao conjunto de participantes provenientes da cada estado.

17

primeiro Fórum Social Mundial, as duas outras plenárias nacionais (a primeira em São

Paulo, a segunda no III FSM), e as negociações para a criação da SENAES.

Ao final da apresentação, os organizadores pedem que cada estado indique um

representante para participar de uma reunião que comporia a partir daí a organização10

da plenária. É feita uma leitura da programação do evento e a plenária é consultada para

saber se existe consenso.

Mais palavras de saudação, principalmente aos que vinham de longe, aos que

enfrentaram longas horas em viagens de ônibus para chagar a Brasília. Explicações

sobre como funcionariam as discussões e sobre a infraestrutura do evento.

Depois de um lanche, os participantes deveriam se dividir em grupos de acordo

com sua “categoria”. Cinco grupos de “empreendimentos”, cinco de “ assessoria” e

cinco de “gestores públicos”. Estes grupos, por sua vez, deveriam se subdividir em

grupos ainda menores. Ao final, dezenas de grupo de aproximadamente oito pessoas

cada um, se espalharam pelo enorme auditório e pelos corredores do clube (ver

fotografia 5 no anexo 2).

Cada sub-grupo deveria discutir as questões previstas na programação e depois

se reunir nos grupos maiores para produzir uma sistematização dos debates. A dinâmica

das discussões se daria a partir dos resultados das plenárias estaduais. Cada pessoa

deveria escolher, dentro do tema proposto, a idéia que considerava mais importante

entre as que constavam das relatorias da plenária de seu estado. Esta idéia deveria ser

transcrita num pedaço de cartolina colorida e colada no painel disponibilizado para os

trabalhos de seu grupo.

No almoço, formou-se uma enorme fila para que todos se servissem. Muita

conversa, reencontros e reclamações sobre a demora. Três enormes mesas compridas, de

mais de vinte metros cada uma foram postas paralelamente num canto do auditório.

Nestas mesas seriam feitas todas as refeições dos três dias (ver fotografia 6 no anexo 2).

À tarde continuam as discussões nos sub-grupos. Depois, nos grupos maiores,

era preciso sistematizar as discussões anteriores a partir de “convergências”, “diferenças

e especificidades” e “divergências”. Assim como observado na plenária estadual do Rio

de Janeiro, através da visualização das idéias escritas nos cartões, que eram pregados

10 A “organização” é uma comissão composta por várias pessoas que é responsável por todo o evento,desde a discussão dos temas, formação dos grupos etc. até a alimentação, e toda o logística de transporte eacomodação.

18

nos painéis (ver fotografia 7 do anexo 2).

Para o final da tarde estava programada uma palestra com integrantes da

SENAES sobre o PPA (Plano Plurianual). Por volta das 17:00h. Paul Singer chega ao

local da plenária. Enquanto sua presença não foi notada, ficou discretamente sentado

fora do ginásio conversando com poucas pessoas. Tão logo se notou sua presença,

várias pessoas se dirigiram a ele para falar-lhe e tirar uma fotografia a seu lado. A

agitação em torno dele não pareceu causar-lhe qualquer incômodo.

A Mesa é composta por inúmeros integrantes da SENAES. Singer começa sua

fala destacando o momento histórico que representa aquela plenária e a existência, de

fato, da SENAES. A posse oficial de Singer aconteceu no dia anterior ao início da

plenária, também em Brasília. Esta coincidência, segundo ele, aconteceu porque “Deus

quis assim”.

Sobre a recém criada SENAES e sua relação com a proposta de criação do

Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), Singer diz que vai ser função do

Fórum dar “capilaridade” à ES no País. Entre os papéis que devem ser cumpridos pela

Secretaria está a divulgação da ES e o estudo, inclusive já havendo contatos com o

IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e o IPEA (Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada) para a realização de pesquisas.

Singer chama atenção para o fato de que, oficialmente, deverá se constituir um

Conselho de ES ligado à SENAES. Para ele, o conselho deve ser o mais amplo possível

e deverão estar representados todos aqueles que têm envolvimento com a ES, incluindo

o SEBRAE (Serviço de Apoio as Micro e Pequenas Empresas), a OCB (Organização

das Cooperativas Brasileiras) e a SESCOOP (Serviço Nacional de Aprendizagem do

Cooperativismo). Singer diz que não é objetivo da Secretaria defender o monopólio da

luta contra a exclusão e a pobreza, “só queremos que nos reconheçam” como atores

significativos nesta luta e “reconheceremos os outros também, guardadas as devidas

diferenças”. “Governar é atender demandas que a gente não espera e lidar com conflitos

que se espera menos ainda”, diz Singer sobre as dificuldades de fazer parte do governo

Federal. E encerra mais ou menos assim: Que tenhamos forças para mudar o que é

possível, para nos conformar com o que não é possível mudar e sabedoria para

distinguir as duas coisas.

Outras pessoas que trabalham com Singer na SENAES também falam.

19

Após as falas dos componentes da mesa, seguem-se algumas intervenções da

plenária. Marcos Arruda aponta a importância da inserção da “educação cooperativa e

solidária” nos sistemas formal e informal de educação, desde o ensino fundamental ao

ensino superior.

A importância da articulação entre gestores e parlamentares é apontada pelo

Secretário de Economia da Prefeitura de Belém. Paul Singer comenta que já havia sido

criada uma subcomissão de ES na Câmara de Deputados (dentro da Comissão sobre

trabalho) e que outras iniciativas deste tipo estavam sendo tomadas como a Frente

parlamentar na Câmara de Deputados de São Paulo. (Inclusive alguns parlamentares

paulistas e assessores presentes distribuíram no dia seguinte a diversos representantes de

cada estado uma proposta que tinha como modelo o da Câmara de São Paulo, para que

se propusesse Frentes Parlamentares semelhantes em outros estados e cidades.)

Às 18:50h, Yvone, representante da Comissão de Organização da Plenária no

DF, numa homenagem a Singer, entrega a sacolinha com o material da plenária, sob

intensos aplausos dos participantes.

Finda a mesa, muitos “invadem” o palco e mais uma vez uma pequena multidão

se forma ao redor de Singer, em busca de uma lembrança, quase sempre uma foto. O

jantar é servido. Muitos grupos se formam nos espaços do clube para conversar. No bar

do clube começa uma noite de música e poesia.

Uma grande quantidade de pessoas continuou chegando durante todo o primeiro

dia da plenária. Estavam sendo esperadas cerca de 450 pessoas no evento. A estrutura

montada no clube, no que dizia respeito a alimentação e alojamento, estava planejada

para cerca de 600 participantes. No fim do primeiro dia já eram 800.

Manhã do segundo dia. No corredor que levava ao grande auditório várias

bancas estavam sendo montadas, onde se começava a vender comidas (principalmente

vindas do Pará, como bombons de cupuaçú, castanhas-do-pará, açaí), artesanato, livros

e discos (ver fotografia 8 no anexo 2). A maioria dos livros tratava de assuntos

relacionados ao tema do evento e os discos eram, na sua maioria, de música brasileira e

das diferentes regiões do país. Os alimentos vendidos eram todos artesanais e produzido

por empreendimentos solidários, cujos representantes participavam das discussões da

Plenária. Em todo o entorno do grande auditório havia painéis, cada um com o nome de

um estado brasileiro, onde cada delegação montou uma pequena exposição com

20

fotografias, cartazes e panfletos. Em frente a alguns painéis montou-se pequenas bancas,

onde havia material escrito para distribuir aos participantes, ou mesmo venda de alguns

produtos. Estes painéis foram sendo montados aos poucos na medida que o evento

ocorria (ver fotografia 9 no anexo 2).

Às 9:15h começa-se a ouvir músicas de ciranda. No imenso auditório os

participantes são orientados a dançarem formando uma grande roda, de mãos dadas.

Sucessivamente a roda vai se dividindo em rodas cada vez menores. Tudo ao som da

música de ciranda e com muita dança. Ao final formaram-se grupos de três pessoas.

Estas deveriam se posicionar de forma que, duas delas dessem as mãos uma para outra e

a terceira ficasse no círculo formado pelas outras duas. Os animadores dizem como é a

brincadeira. As duas pessoas de mãos dadas e erguidas seriam a “casa”. A pessoa que

ficou no meio seria o “inquilino”. Durante a música todos deveriam dançar e, quando o

animador dissesse “inquilino!”, estes deveriam deixar sua “casa” e rapidamente

procurar outra. Da mesma forma, quando o animador dissesse “casa!” as “casas”

deveriam abandonar seu “inquilino”, que ficaria parado e procurar outro. Por fim,

quando a palavra fosse “terremoto” todos deveriam se reorganizar, formando novas

“casas” e novos “inquilinos”. Neste momento havia cerca de 500 pessoas no auditório e

a cada palavra do animador uma grande correria se instalava. Quase todos os presentes

participaram da brincadeira, inclusive idosos e algumas pessoas que precisavam de

muletas para andar. Uma grande euforia. Todos pareciam se divertir muito.

Segue-se um momento de reflexão. Formaram-se dois círculos concêntricos de

pessoas de mãos dadas. Os participantes que compunham o círculo interno deveriam se

voltar para o lado de fora, de modo ficassem de frente com as pessoas do círculo mais

exterior. O animador diz que, em silêncio, todos deveriam olhar, observar aquele que

estava a sua frente. Depois de se olharem, todos deveriam abraçar o “companheiro” que

estava a sua frente. Os abraços se perpetuaram para além dos pares e num momento

todos se abraçavam e cumprimentavam.

Segue o evento com o encaminhamento das discussões que ocorreram nos

grupos no dia anterior. Todos se sentam a frente do palco. Antes de começarem os

trabalhos algumas pessoas se dirigem ao microfone e relatam o sumiço de pertences.

Uma delas lembra que se apropriar de coisas alheias é um comportamento identificado

com valores capitalistas, o que estava em desacordo com os propósitos gerais do

21

encontro, o de construir uma outra economia.

Ademar Sato, professor universitário no D.F. chama os responsáveis por

conduzir os trabalhos daquela manhã. A cada cumprimento de “Bom dia” a plenária

respondia em coro: “Bom dia!”. Aliás, todos os cumprimentos eram respondidos

coletivamente e de forma animada pela platéia. Sato informa que, no dia anterior foram

formados três grupo de “assessores”, dois grupos de “gestores públicos” e cinco grupos

de “empreendimentos”. O número de grupos foi diferente do previsto (cinco grupos

para cada uma das categorias), adaptando-se ao número de pessoas em cada categoria.

Sato lembra ainda que as relatorias das discussões não são tão ricas quanto a discussão

que houve no dia anterior. Por melhor que fossem não poderiam reproduzir a riqueza

dos debates dos quais foram fruto.

Depois da leitura dos relatórios e discussão de alguns pontos seguiram-se

algumas falações da platéia com comentários e propostas. Sandra Mairink Veiga

reivindica que a palavra “socialismo” esteja presente na resoluções da plenária, já que o

ponto discutido era “Princípios e Plataforma do Fórum Brasileiro de Economia

Solidária”. Afinal, “nós somos um movimento social que quer a transformação”. E esta

transformação “provavelmente seremos nós a fazer. Nós e o MST”

Seguem-se propostas de que se realizem passeatas em todo Brasil, no mesmo

dia, para chamar atenção sobre a ES, que se utilize os canais de TV comunitários para

divulgação. Um trabalhador de empreendimento solidário se dirige ao microfone e fala

da importância de mudar as palavras e dá um exemplo: “Lá no Pará estamos

conseguindo mudar o nome ‘camelô’ para ‘empreendedor popular’”. E propõe ainda

que não se fale mais em “sociedade carente”, mas em “sociedade trabalhadora que

sempre sofreu com a economia capitalista”. Ainda há falas contra a ALCA e a favor do

socialismo e críticas a políticas assistencialistas.

Almoço. Fila enorme. Já eram quase 900 os participantes.

Depois do almoço, ao som de uma música animada, todos dançaram no imenso

auditório. Foram se organizando grupo “mistos” de discussão. “Mistos” pois nesta etapa

os grupos não teriam que obedecer às categorias “gestores”, “Assessores”, e

“empreendimentos”. Foram organizados vários grupos, com cerca de 40 pessoas, que

por sua vez se dividiram em quatro ou cinco. Todo o clube foi ocupado por pequenos

círculos de pessoas que discutiriam os pontos indicados. Assim, além de ocuparem toda

22

a parte interna do prédio, alguns grupos sentaram sobre o gramado, em volta da piscina

e lá realizaram as atividades da tarde. Cada sub-grupo tinha um tema para discutir,

depois apresentaria o resultado de suas discussões ao grupo maior e daí seria feita uma

síntese.

Depois do trabalho nos grupos, um lanche foi servido e todos voltaram ao

auditório para deliberar sobre outros pontos. Às 18:40h a mesa estava formada e

deveriam começar as discussões, mas a relatoria não estava pronta. A condutora dos

trabalhos, Ângela, da prefeitura de São Paulo, propõe então que quem quisesse

declamar um poema ou cantar poderia fazê-lo enquanto os relatórios eram finalizados.

Uma “companheira” canta uma música sobre as maravilhas do Brasil. Um

“companheiro” paraense declama um poema de sua autoria sobre a mulher madura e a

mulher paraense, outro conta uma piada sobre mineiros. A condutora dos trabalhos

pergunta se os relatórios já estavam prontos. Nada ainda. Mais um poema, desta vez

sobre meninos e meninas de rua e termina: “Viva a cultura solidária!”. Um poema sobre

reforma agrária.

Finalmente, às 19:30h os relatórios ficam prontos. Durante as discussões muitos

reclamam sobre os relatórios, que estariam mal feitos. Mais tarde, depois do jantar uma

festa junina anima a noite até tarde.

Domingo, terceiro e último dia da plenária. O cansaço das pessoas é evidente. O

dia começa agitado. Os trabalhos devem terminar na hora prevista, 14:00h, já que

muitas delegações já tinham hora marcada para partir para seus lugares de origem e

autoridades eram esperadas para a mesa de encerramento, como a Ministra Marina

Silva.

Às 9:20h todos estavam no auditório. A animadora diz que todos formem um

grande círculo para cantar o hino nacional. Sugere também que todos coloquem a mão

direita no peito, sobre o coração, mas que também coloquem a mão esquerda. Com as

duas mãos no peito, todos começam a cantar o hino que era puxado ao microfone por

uma mulher. Estrofes trocas, mas não houve problema. O momento foi solene assim

mesmo. Ao fim do hino, muitas palmas. Segue-se o que o animador chama de

“exercício de energização”. Ainda no grande círculo, no ritmo da musica todos devem

bater um pé no chão com força e gritar “ rá!”. A música, instrumental se desenvolve num

crescente de volume e intensidade. A cada batida de pé no chão, com força, os gritos

23

vão ficando mais altos. Ao fim, de mãos dadas, todos dão as mãos e gritam, juntos,

“solidariedade!”. Mais uma vez muitas palmas e todos começam a arrumar as cadeiras

em frente ao palco para começarem os trabalhos de votação.

Durante a noite anterior a comissão de organização sintetizou os relatórios de

forma que a discussão fosse mais dinâmica e se pudesse concluir a tempo. Quem

conduz os trabalhos são João Roberto Lopes do IBase (Rio de Janeiro) e Luiz Inácio

Gaiger, professor da Unisinos (Universidade do Vale do Rio Sinos) e um dos principais

animadores da Rede Brasileira de Socioeconomia Solidária. Uma das indicações da

mesa11 era que se discutisse prioritariamente a criação do Fórum Brasileiro de

Economia Solidária (motivo pelo qual fora organizada a plenária) e sua composição.

Às 10:07h é aprovada, por aclamação e com muita festa a criação do Fórum.

A seguir, Gaiger expõe a sistematização de quais teriam sido as principais

divergências que surgiram nos debates. Uma das grandes polêmicas (já clara no dia

anterior quando os grupos discutiram o assunto) foi se os “gestores públicos” deveriam

ou não compor o FBES. Um momento de certa tensão toma conta da plenária. Pede-se

que se conte o número de delegados presentes e que se compare com os números da

organização do evento. Os comentários eram de que os suplentes de delegados dos

estados também tinham recebido crachás que lhes dava direito a voto sem que o titular

estivesse ausente. João Roberto lembra que “Não vamos transformar a ES num processo

de perda e ganho. O objetivo é o consenso.” Aplausos.

A mesa indica que devem se apresentar duas pessoas para defender cada posição

(participação ou não dos gestores). Chagam os números da organização: 264 delegados.

Ainda murmurinhos sobre a possível discrepância. Mas segue o processo. Depois das

defesas segue-se um momento de certa confusão. Muitos se dirigem ao microfone. A

votação então é feita e a propostas de os gestores participarem do Fórum é aprovada

“ por contraste”, ou seja, era possível identificar visualmente (e sem necessidade de

contar os votos) qual tinha sido a proposta mais votada.

A discussão prossegue sobre a composição da coordenação do Fórum. Várias

propostas são encaminhadas e algumas apontam a representação por estado. Um lanche

é servido e as bancadas dos estados se reúnem par escolher quem será seu representante

11 Dá-se o nome de “mesa” também ao indivíduo ou ao conjunto de indivíduos que dirigem os trabalhosem plenária. Muitas vezes existe preferência por referir-se a estes como “coordenadores”

24

caso a propostas de representação por estado vença. Por fim, reunida novamente a

plenária é aprovada a proposta de que a composição provisória do Fórum será feita

pelas entidades que compunham o GT Brasileiro mais representantes por estado.

Às 13:00h começa a composição da mesa de encerramento. Integram a mesa:

Marcio Pochman, Secretário de Trabalho, Assistência Social e ES da prefeitura de São

Paulo, o vice-governador do Mato Grosso do Sul representado o governador Zeca do

PT, Remigio Todeschini, da Secretaria de Emprego do Ministério do Trabalho e

Emprego do governo Lula, um representante da Ministra Marina Silva (do Meio

Ambiente), um representante do Ministro Jacques Wagner (MTE) e, é claro, Paul

Singer. Às 14:25h encerra-se a plenária com as desculpas da organização do evento,

pois, pelo avançar da hora não poderia ser feito um encerramento mais animado.

1.1. As práticas, as instâncias e o vocabulário da coesão

A Economia Solidária é um mundo de diversidade. As diferentes formas de

engajamento e as diferenças em relação ao perfil de seus profissionais torna a criação de

vínculos e objetivos comuns uma questão crucial. As situações descritas anteriormente

revelam, de forma condensada, como as diferenças entre os participantes são

reconhecidas, valorizadas ou negadas e como estes se constituem como coletividade,

compartilhando valores, condutas, símbolos e vocabulários. Como trata John Comerford

das “reuniões”, os encontros são “espaços de sociabilidade”, onde a matéria debatida é

mais um aspecto, entre outros, que constituem estes espaços como elementos importante

na construção de um universo social (COMERFORD, 1999).

Principalmente na segunda e terceira situações, inúmeras práticas estão voltadas

à criação de coesão e identidade. Muitas destas práticas têm um tempo marcado durante

os eventos e se apresentam de forma ritualizada, se diferenciando dos momentos de

discussão de propostas, votações e elaboração dos documentos. As chamadas

“dinâmicas” são estes momentos marcados durante os eventos, reconhecidas como

distintos dos outros pelos participantes.

Outras práticas e símbolos estão ligados ao esforço de produção de coesão e de

evitar conflitos abertos. A criação da ES nas situações descritas também se dá a partir

do esforço para afirmar um vocabulário comum, condutas e comportamentos

considerados adequados à teoria defendida. As formas de agir individuais em todos os

25

momentos, tanto nas discussões em plenária quanto nas refeições e até na hora de

dormir, são objeto da “pedagogia” da ES exercida nos encontros. Isto se dá através da

fala de componentes da mesa (participantes que em alguns momentos assumem papéis

de destaque e se dirigem à platéia ao microfone), mas também de participantes sem

papel destacado, além de dizeres escritos em lugares de grande visibilidade.

Uma outra forma de criação de laços de identidade é o da valorização de certo

tipo de diversidade. Existem princípios de diferenciação legítimos e permitidos, divisões

que são valorizadas e, em alguns momentos muito marcadas (por exemplo quando, na

situação 2, a plenária é convidada a analisar se os grupos de delegados possuem uma

boa proporção de homens e mulheres, brancos e negros, jovens e velhos, etc). As

diferenças em relação a cor da pele, idade, gênero e lugar de origem são festejadas de

maneira explícita. A valorização dessa diversidade é apresentada como importante

característica da ES, demonstrando sua capacidade de unir o diferente, de construir

consenso e de se apresentar como algo “bom para todos”. Existem momentos

específicos para falar sobre, ou festejar a diversidade.

Paralelamente, as formas de organização dentro do mundo da ES seguiriam as

idéias de coesão, de criação de identidade comum e de rejeição à hierarquia, parte

fundamental das representações da ES. Junto à valorização de certo tipo de diversidade

negam-se diferenças que criariam competição, hierarquização e individualismo,

diferenças estas reconhecidas como pertencentes ao mundo da economia de mercado, à

qual a ES se contrapõe.

Nas duas últimas situações as danças, os cantos e as brincadeiras marcam o

ritmo dos trabalhos, como “preparação” para as atividades que se seguem. Também é

nestes espaços que os momentos de euforia, através da dança animada, do grito e da

brincadeira se alternam aos momentos de circunspecção, fazendo com que se crie um

ritmo comum entre os participantes. Através destas atividades, as pessoas compartilham

de diferentes formas de agir, pensar e se comportar, o que parece estabelecer uma

disposição comum, uma coletividade no sentido forte do termo, reafirmada

constantemente.

Durante várias atividades o toque físico entre os participantes é estimulado,

como quando os participantes ficam de mãos dadas, os abraços e algumas brincadeiras.

A criação de proximidade com o outro se dá também através do corpo tanto no que diz

26

respeito ao toque como no encorajamento ao movimento, à liberação da voz. Ver o

outro em situações que não se veria no cotidiano e que em outro momento pareceriam

até ridículas, permite que as pessoas fiquem mais a vontade umas com as outras, criando

um clima de intimidade e de auto-reconhecimento neste outro. Da mesma forma,

quando na terceira situação estimulou-se os participantes a se observarem mutuamente

em silêncio, o momento permitiu algo que no convívio normal, cotidiano, não seria

possível nem mesmo considerado educado. Retirando, num momento especial, os

constrangimentos cotidianos, foi possível travar um contato muito próximo, o do olhar

atento ao outro, criando uma certa intimidade não apenas entre os que se olhavam, mas

entre todos que participavam da dinâmica.

A coletividade também é reafirmada durante as discussões em plenária, através

dos aplausos a quase todas as intervenções, das respostas coletivas (por exemplo aos

cumprimentos de componentes da mesa) e das falas que relembram a necessidade de

“solidariedade” e de reconhecimento ao esforço do outro, que ocorrem nos momentos

de tensão.

A “visualidade” é um recurso muito utilizado. As propostas, resoluções e

sínteses das discussões ficam sempre inscritas a vista de todos. O esforço de possibilitar

o compartilhamento por todos daquilo que está sendo discutido, falado, também é uma

forma de estabelecer formas comuns de organizar idéias e hierarquias. Mais uma vez,

também se pode reconhecer nisto a demonstração visual da coletividade, através da

exibição do produto da discussão comum. No caso da terceira situação, como cada um

escrevia num cartão a sua contribuição, era possível ver que o resultado da discussão

coletiva era a soma das idéias individuais, através da colocação dos cartões num painel.

Este tipo de recurso não deve ser visto apenas como uma metáfora do esforço mais geral

que pode ser reconhecido no campo da ES para organizar palavras e idéias, mas o fazer

em si deste vocabulário e classificação comuns, como parte de uma verdadeira

pedagogia dos encontros.

Os painéis colocados envolta dos locais em que as atividades ocorriam iam

compondo o espaço daquela coletividade e estavam em transformação e construção

também. No caso da segunda situação o “cenário” do evento ia sendo construído no

ritmo dos próprios debates, quando a cada etapa do evento mais e mais painéis iam

sendo pendurados. Na terceira, os painéis com fotografias, produtos e cartazes de cada

27

estado foram sendo compostos pouco a pouco, tendo sido a densidade visual crescente a

medida que transcorria o evento.

Alguns simbolismos são recorrentes e marcaram os eventos sendo o do círculo

um dos mais destacados. Todas as danças começavam em “grandes rodas”, os grupos se

reuniam em círculo e, num momento crítico, quando surgiram polêmicas no caso da

plenária do Rio de Janeiro, e haveria votação a plenária também se arrumou em círculo.

A idéia do círculo remete a princípios fundamentais defendidos pelos

profissionais da ES. Nele, não há lugar de destaque, não se vê qualquer hierarquia.

Além disso, todos podem ver uns aos outros, conhecer e falar de forma direta com os

outros participantes. Isto não é casual ou apenas espontâneo, mas faz parte da pedagogia

explícita inclusive em textos escritos. Num livro organizado por Euclides Mance, que

trata de como formar as redes de ES, formar uma cooperativa, etc, existem dois

capítulos sobre dinâmicas de grupo e o círculo é apontado como elemento fundamental

e mesmo indispensável em momentos de discussão e “troca” (MANCE, 2003a). Não

por acaso, o logotipo da ES, que estampava adesivos no III FSM, em camisetas e

também símbolo de várias entidades, representa figuras humanas em círculo, geralmente

envolta de um globo terrestre:

Chamam atenção também as imagens ligadas à terra e à produção agrícola. A

organização da plenária do Rio de Janeiro como festa junina não se deveu apenas à

proximidade destes festejos, mas carregava a idéia do elogio ao homem simples do meio

rural que tira da terra o seu sustento. O reconhecimento deste significado ficou claro

quando no relatório final de discussão de um dos grupos a escolha do tema foi elogiada

por estas razões, além de pelo fato de a festa ser genuinamente brasileira.

O uso das sementes para dividir os grupos também acabou sendo um recurso

muito forte, sendo que os participantes passaram a se identificar a partir delas: “eu sou

girassol”, “eu sou soja”. Mais uma vez está presente a questão do plantar, do produzir.

28

Além disso, a semente é um símbolo de potência, daquilo que pode se tornar coisa viva

quando o homem para isso trabalha.

O encerramento da plenária do Rio foi o momento de maior circunspecção deste

encontro, quando com rostos sérios, todos velavam e cantaram juntos “Cio da terra”,

música que fala justamente da delicadeza e sensibilidade da relação entre o homem e a

terra. Com as velas acesas e caminhando ao centro do círculo, a música toma um tom de

oração. Os braços dados fazem com que ao final todos estejam bem juntos e se tocando.

Uma procissão sem santo e sem igreja.

Muitas das “dinâmicas” tem sua origem nas experiências da chamada educação

popular. Estas formas estão ligadas claramente à atuação da Igreja Católica e daquelas

organizações que Leilah Landim aponta como sendo as bases para a formação das

ONGs (LANDIM, 1998). Não existe porém, uma tentativa de identificar a ES, e suas

práticas de integração com qualquer religião especifica, mas sem dúvida a um

sentimento que se poderia chamar de religioso, no sentido de se dirigir a um bem

comum, a uma ligação transcendente e a igualdades supostas.

A ligação com a terra não deixa de assumir um caráter de ligação com a nação.

O Hino Nacional, cantado em círculo, mais uma vez, marcou os momentos finais da

terceira situação. Mas a posição sentido (postura militar formal de entoação do hino) foi

substituída pela mão direita do lado esquerdo do peito sobre o coração (postura formal

de entoação de hinos nacionais em vários países e usado de forma bastante freqüente

pelos brasileiros), tendo a oradora pedido a todos que, além da mão direita, a mão

esquerda também estivesse sobre o coração, numa evocação sobre as posições políticas

em que se basearia a ES.

Na terceira situação, além da questão nacional, simbolizada pela entoação do

Hino Nacional, as regionalidades e as características e identidades dos diversos estados

foram destacadas. A distribuição de lenços com a sigla de cada estado para cada um dos

participantes de acordo com o local de origem marcou bem este aspecto. Além disso,

era motivo de orgulho para paraenses e paulistas que estes tenham representados as

maiores “delegações”. A valorização da identidade de cada estado ficou clara desde os

primeiros momentos do evento, quando cada delegação se apresentou, levantando-se e

gritando ao chamado por cada estado. Mais uma vez contou-se com um recurso de

visualização através dos lenços.

29

Um outro papel cumprido pelo destaque aos estados e sua representação foi o de

demonstrar o caráter nacional e amplo da ES, lembrado várias vezes nas intervenções.

Além disso houve também a celebração e valorização, expressa em diversas

intervenções na plenária, do esforço de muitos para virem de longe, às vezes com

grande sacrifício, num gesto de exaltação de toda a coletividade.

A ES se constitui como “nacional” de várias formas. A primeira delas é

justamente a capacidade de agregar indivíduos e organizações de muitos lugares do

país, com a valorização deste aspecto através de vários símbolos e representações, como

mostrado anteriormente. Outro caráter significativo é a valorização do país através de

elogios constantes à “cultura Brasileira”, “à riqueza do país”. Além disso, a música

ouvida nos eventos e os poemas declamados têm um forte apelo ao que se identifica

como genuinamente nacional e autêntico (como a Festa Junina, a música de Milton

Nascimento, e o fato de a maioria dos CDs a venda no evento descrito na situação 3

serem de música do interior do país, de várias regiões). Existe um grande cuidado para

não se utilizarem palavras estrangeiras, principalmente em inglês, mesmo as que se

referem a informática (correio eletrônico em vez de e-mail, sítio em vez de site, por

exemplo).

O outro aspecto da construção da ES como nacional é a sua relação com a

dimensão internacional. Como descrito na situação 1, e como demonstra o nome GT-

Brasileiro, a ES no Brasil se constitui como nacional a partir da existência e da relação

com o internacional. Este aspecto é marcado na medida em que profissionais da ES

provenientes de vários países participam, a convite do GT-Brasileiro, das discussões nas

três edições do Fórum Social Mundial.

O GT-Brasileiro foi a primeira organização a congregar entidades que se

identificavam com a ES no Brasil e foi formada logo depois da primeira edição do FSM

(GT-Brasileiro significa Grupo de Trabalho Brasileiro de Economia Solidária do Fórum

Social Mundial). Foi também a partir desta organização que se constituiu, em junho de

2003, o Fórum Brasileiro de Economia Solidária. Levando isso em consideração, pode-

se perceber que a dimensão internacional, representada pelo FSM e seus espaços de

articulação, têm grande importância na construção do mundo da ES.

Os debates entre profissionais e representantes de entidades de diversos países,

como descrito na situação 1, são um recurso importante. É muito comum que

30

profissionais evoquem exemplos considerados exitosos de outros países para

argumentar em favor da ES ou de seus pontos de vista, como será tratado mais adiante

no capítulo 3.

Outro aspecto importante das relações internacionais estabelecidas pelos

profissionais (e para as quais o FSM é espaço privilegiado) é o do financiamento.

Algumas publicações (como o livreto Do Fórum Social Mundial ao Fórum Brasileiro

de Economia Solidária) têm financiamento de entidades internacionais (no caso a Fréres

des Hommes), além eventos e ações levadas a cabo por organizações que trabalham

com ES. Outras dimensões das relações internacionais da ES serão tratadas no capítulo

2.

Os eventos descritos carregam uma marca comum que é uma noção central no

mundo da ES, sempre evocada por seus profissionais. Esta é a idéia de que a “prática

deve estar de acordo com a teoria”. As formas de organização presentes na ES são parte

desta representação. As formas devem estar de acordo com os ideais defendidos pelos

profissionais da ES, como a “democracia participativa”, a “horizontalidade” e a

“autonomia”.

Dois tipos de organização presentes no mundo da ES se apresentam como

formas “práticas” que seriam coerentes com as idéias centrais de horizontalidade e

democracia participativa: as redes e os fóruns.

Existem várias organizações que têm o nome de rede: Rede Universitária de

Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares e Rede de Gestores Públicos em

ES, entre outras. Existem também redes de troca e redes de cooperativas. Como se pode

ver, rede pode denotar um conjunto de atores com a mesma atividade, ou conjuntos de

atores com atividades diferentes e que se complementam.

No que diz respeito ao primeiro tipo de rede, sua base está no fato de que não

deve existir hierarquia e que cada elemento se comunica com todos os outros, sem haver

um centro, sendo compostas por “iguais”.

No caso das redes de cooperativas, muitas delas têm o objetivo de colocar em

contato diversos “fases” da produção. Ou seja, em vez de uma cooperativa de produção

agrícola, por exemplo, vender seus produtos diretamente no mercado, ela pode fornecer

insumos para outra cooperativa, que pode fornecer alimentos prontos a uma associação

de consumo solidário. Na verdade, ao que parece, existem poucas experiências deste

31

nível. Mas formar este tipo de rede é um dos grandes objetivos apontados pelos

profissionais, pois pode fazer com que a sustentabilidade proposta pela ES se dê de fato,

com a complexificação cada vez maior, visando a que comunidades inteiras possam

produzir, consumir e trabalhar num sistema “solidário” e, quem sabe, o mundo. A este

tipo de preocupação se dá o nome de “cadeia produtiva” (integração produção e

consumo).

Também ligada ao conceito de rede é e idéia da expansão. Numa rede a inclusão

de um elemento novo não desequilibra todo o sistema, já que não existem posições

rígidas ou hierarquia. É mesmo próprio da rede que ela deva crescer sempre. Note-se

que qualquer pessoa poderia participar dos eventos descritos, tendo como critério mais

relevante seu interesse pelo tema. A idéia de não restringir a participação de nenhuma

pessoa está ligada à possibilidade e desejo de expansão e da aceitação da diversidade.

Também a isso está ligada a idéia de que a ES pode trazer benefícios para todos.

A noção de Rede coloca a ênfase nas relações entre diversidades que seintegram, nos fluxos de elementos que circulam nessas relações, no laçosque potencializam a sinergia coletiva, no movimento de autopoiese emque cada elemento concorre para a reprodução de cada outro, napotencialidade de transformação de cada parte pela sua relação com asdemais e do conjunto pelos fluxos que circulam através de toda a rede.(MANCE, 2000)

O segundo termo que descreve uma forma de organização central da ES é o de

fórum. Os fóruns são espaços de debate. De um fórum podem fazer parte entidades e

organizações de diferentes tipos, tamanhos e área de atuação. A idéia que envolve o

fórum é justamente a da diversidade, de possibilitar a participação daqueles que

desejam. Mais uma vez a ausência de hierarquia é um dos pontos mais marcados.

Este tipo de organização permite que uma mesma pessoa ou entidade faça parte

de diferentes associações. Muitas entidades e organizações de assessoria (ONGs, por

exemplo) fazem parte das redes de entidades similares, compõem fóruns de

cooperativismo e participam de redes de troca, por exemplo. A relevância do conceito

pode ser reconhecida no fato de que a entidade nacional que pretende congregar todos

os agentes da ES é o Fórum Brasileiro de Economia Solidária. A idéia de fórum também

valoriza a autonomia das partes que o compõem, princípios que parece ser muito caro a

todas as entidades e associações envolvidas.

32

A delegação de poderes é algo que tem carga negativa entre os profissionais da

ES. A democracia representativa deve ser substituída pela democracia participativa. Os

conceitos de rede e fórum contemplam esta idéia.

Uma outra estrutura de organização que vale também destacar é o Grupo de

Trabalho (GT). Desde 2001 a organização nacional que trava os debates sobre ES é um

Grupo de Trabalho. O Fórum de Cooperativismo do Rio de Janeiro se organiza em GTs,

que seriam o equivalente a secretarias (GTs jurídico, de cadeias produtivas,

comunicação, finanças solidárias, educação, relações institucionais e captação de

recursos) a exemplo de outras organizações. Um GT, no primeiro caso, não representa

ninguém. É um espaço de discussão e elaboração. No segundo caso o GT assume o

papel do que seria uma secretaria. Mas numa secretaria existe um secretário e num GT

só existe gente que trabalha.

Nas situações apresentadas e a partir da análise das formas de organização

presentes no mundo da ES, pode-se perceber uma preocupação de seus profissionais

para que as atividades e as formas de agir estejam de acordo com os princípios de

solidariedade, respeito à diversidade, ao meio ambiente, e de rejeição a valores como

competição e hierarquia. Um dos aspectos destas preocupações é também provar que é

possível, mesmo dentro de um mundo que eles consideram como dominado pela

competição, o lucro a qualquer preço e a dominação, estabelecer relações de outro tipo.

Isto está de acordo com a construção da ES como teoria econômica, segundo a qual é

possível, dentro do mercado capitalista, criar relações econômicas que não sejam

guiadas pelos valores do mercado.

Conclusões

A busca por estabelecer uma identidade comum é uma forma de ultrapassar

aquelas diferenças que em outros espaços afastam socialmente os indivíduos. A

afirmação de valores e formas de agir defendidas pela ES, colocadas em prática,

ritualizadas e teatralizadas, envolve e supõe também a construção das fronteiras da

própria ES, estabelecendo o que pertence a seu mundo e o que por ele é negado. Isto se

dá através de uma “pedagogia” nas situações apresentadas que toma forma em

diferentes recursos, como a visualidade, a construção de cenários, a música e o corpo.

Os encontros e os tipos de organização como os fóruns e as redes fazem parte da

33

própria construção da ES, condensando as relações existentes neste mundo e as formas

ideais defendidas por seus profissionais. Essas demonstrações práticas da possibilidade

de uma relação diferente entre pessoas, e entre pessoas e coisas, embora por fora da

atividade tida como central na teoria da ES, que são os empreendimentos, são cruciais

para a legitimação ‘prática’ da teoria sobre a ES.

A partir do que é descrito por John Comerford sobre organizações de

trabalhadores rurais (1999) e de observações de Leilah Landim (1998) sobre o universo

das ONGs é possível encontrar, no mundo da ES elementos comuns. Uma grande parte

da formas que Comerford analisa nas “reuniões” também estão presentes nos encontros

da ES, como a existência de uma “organização” nos eventos, de “dinâmicas”, cantos,

momentos de conversas como as refeições etc. No caso do trabalho de Landim, muitos

aspectos marcantes da ES são também constituintes do universo das ONGs enquanto um

espaço particular. A existência de práticas que são comuns e possivelmente têm origem

em outros espaços sociais remetem à idéia de bricolagem (LÉVI-STRAUSS, 1970), que

será tratada no capítulo 3 e das fronteiras vazadas da ES também em relação às práticas,

a partir da circulação dos profissionais, o que será tratado no capítulo 2.

A partir das análises de Norbert Elias (2000), é possível tomar a busca por

coesão como uma dimensão da luta pelo poder. Elias aponta que a principal

característica que constitui os estabelecidos enquanto dominantes e capazes de conferir

aos dominados o autoreconhecimento como seres humanos inferiores é justamente sua

coesão. Neste sentido o esforço quase obsessivo dos profissionais da ES em construir

coesão pode ser visto como uma dimensão de aumentar seu poder e sua influência. O

mundo da ES participa de um embate num espaço global político e econômico (contra o

neoliberalismo, a opressão sofrida pelos países pobres), mas também ético e moral. Mas

além disso também participa da disputa pela legitimidade das idéias sobre o combate à

pobreza e à “exclusão”. Em todos os casos a construção de coesão, seguindo as análises

de Elias, seria fundamental para construir a possibilidade de se “estabelecer” no campo

da política e no campo da gestão estatal.

Uma hipótese que será examinada no capítulo seguinte é a de que o mundo da

ES, constituído por outsiders, tanto no que diz respeito aos trabalhadores pobres, mas

também a outros profissionais que ocupam posições dominadas em seu espaço de

atuação (na academia por exemplo), seja um universo cuja coesão pode permitir a eles

34

“revidar” (como diz Elias) e alterar os gradientes de poder.

É também a partir das situações descritas que se pode reconhecer a maneira pela

qual a diversidade e as diferenças entre os participantes das situações descritas são

tratadas no mundo da ES. Pode-se reconhecer que algumas diferenças são consideradas

positivas e são festejadas (como a diversidade de faixas etárias, de origem, de cor etc),

enquanto outro tipo de diferença é negada (de poder, de capacidade de formulação, de

profissão etc).

Existe uma quase obsessão por fazer com estas diferenças não sejam

significativas. A capacidade de formulação e os diferenciais de poder estão ligados ao

capital escolar, que permite maior ou menos acesso a espaços de formulação e de

relação internacional ou com o Estado. São estas as diferenças que estão na base da

diversidade entre os profissionais da ES, o que gera tensão no que diz respeito à criação

de coesão Para avançar na compreensão dessas tensões nada melhor do que focalizar

nos agentes, suas relações, propriedades sociais e trajetórias. Esse será o objetivo do

capítulo seguinte.

35

CAPÍTULO 2. OS PROFISSIONAIS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA

Para compreender o mundo da ES é indispensável focar o olhar sobre os agentes,

suas trajetórias, capitais e espaços por onde circulam. A classificações das quais os

profissionais partilham e segundo as quais são eles próprios classificados revelam várias

faces do mundo da ES, as hierarquias reconhecidas e necessárias, as diferenças veladas

e os capitais relevantes em diferentes situações.

As situações descritas no capítulo 1 demonstram a existência de três categorias

em que se dividem os indivíduos. Elas são: “empreendedor” (ou empreendimento),

“assessor” (ou assessoria) e “gestor público”. As três categorias se apresentam como

formas de classificar os profissionais que pertencem ao mundo da ES segundo critérios

considerados socialmente relevantes. Porém, estas categorias não são fixas, podendo um

mesmo indivíduo se reconhecer como pertencente a uma ou outra em situações ou

contextos diversos ou podendo provisoriamente ser reconhecido por características

externas a estas classificações.

As diversas formas de classificar, marcar diferenças e hierarquizar, particulares

ao mundo da ES são acionadas de forma diferente em momentos e espaços diversos.

Nas diferentes atividades durante os encontros, pode-se reconhecer que os capitais e o

tipo de autoridade evocados são distintos, o mesmo ocorrendo em relação à elaboração

de textos, quando a autoridade e os capitais mais relevantes se diferem daqueles

acionados durante os encontros.

Existem também indivíduos que se destacam frente aos outros profissionais

sendo reconhecidos como figuras destacadas, cujas palavras e ações assumem

significado especial. Estes são figuras carismáticas, pois são reconhecidas como

especiais, como exemplos e têm maior legitimidade enquanto porta vozes e lideranças.

É na diversidade das formas de pertencer e atuar de seus profissionais que a ES

constitui-se como um universo de fronteiras vazadas. É comum, como se poderá ver a

seguir, que os profissionais da ES se constituam enquanto tais justamente na medida em

que atuam nas interseções entre o mundo da ES e outras esferas da vida social. A ES é

um espaço social novo, que difere das outras esferas com que faz fronteira, mas das

quais precisa para existir, como as ONGs, a academia e o Estado. Uma das suas

particularidades, é se apresentar como um espaço de articulação entre essas outras

36

esferas, o que se dá através da atuação de seus profissionais.

Como a ES se constitui num espaço de interseção entre mundos sociais

relativamente autônomos ou nos quais a autonomia é um assunto relevante, a atividade

de um profissional muitas vezes tem caráter ambíguo, tornando possível que uma

questão (e que é motivo de julgamento dos outros dentro do próprio mundo da ES) seja

justamente a definição do espaço ao qual ele pertence. Esse é notadamente o caso dos

“gestores”, cuja participação é freqüentemente questionada, por supostamente fazerem

parte de um universo (o Estado) do qual a ES deveria, segundo seus profissionais e as

representações por eles compartilhadas, se manter autônoma.

A relação com as outras esferas com as quais a ES se comunica não se dá apenas

de fora para dentro. No mundo da ES também se geram idéias, profissionais e capitais

que têm importância fora dele, oferecendo desta forma instrumentos e acumulação de

capitais valorizados e reconhecidos em outros espaços.

A palavra escrita tem uma grande importância na ES já que é o principal meio

pelo qual circulam as idéias e é uma das formas pelas quais diversos profissionais

participam deste mundo. Os livros, panfletos, revistas, resoluções de encontros e a

Internet são as formas que a palavra escrita assume, revelando alguns aspectos

importantes.

O dinamismo se revela na circulação dos profissionais entre esferas fronteiriças

à ES, mas também nas diferentes formas de organização e de circulação de idéias. As

entidades e organizações são reconhecidos como agentes e as diversas formas de

articulação entre estes também marcam profundamente o mundo da ES. Entidades e

organizações se relacionam de diversas formas, estabelecendo convênios, constituindo

outras organizações, editando publicações conjuntas e criando alianças.

A relação com as políticas públicas é uma dimensão da tensão revelada pelos

profissionais no que diz respeito a uma definição das fronteiras com Estado. A

importância dada ao reconhecimento pelo Estado se confronta constantemente com a

desconfiança em relação aos burocratas estatais (o que também é revelado na categoria

“gestores públicos”)

2.1. Empreendedores, gestores e assessores

As três categoria básicas de classificação dos indivíduos presentes no mundo da

37

ES marcam as representações sobre quais são as diferenças que são consideradas

relevantes e necessárias, hierarquias e as relações tensas que marcam a interseção com

outros universos sociais. A relevância desta classificação focou clara durante a segunda

e a terceira situações.

Apesar de representações sobre a negação de hierarquia estarem presentes de

diversas formas durante as situações e de que a busca por coesão seja um dos aspectos

mais fortes dos encontros, a divisão nas três categorias é aceita como uma diferenciação

legítima e necessária.

Na terceira situação em especial a distinção através do pertencimento a cada

uma das categorias foi muito marcada. Por meio de adesivos de diferentes cores nos

crachás, os participantes eram obrigados a uma classificação prévia, durante a inscrição

para o evento. Foi também na terceira situação que os participantes foram separados em

três grupos, de acordo com cada uma das categorias e algumas discussões foram feitas

apenas entre “empreendedores”, “gestores” ou “assessores”.

No mesmo evento, numa das discussões mais polêmicas, a divisão nas três

categorias foi um recurso marcante, na medida em que, primeiramente, houve consenso

de que os “empreendimentos” deveriam ser os mais representados no futuro FBES e,

segundo, pela polêmica em torno da participação, ou não, dos “gestores públicos” na

mesma entidade, discussão na qual estava em jogo a autonomia e a separação em

relação ao Estado.

São reconhecidos como “empreendedores” aqueles que trabalham em

empreendimentos considerados solidários, como as cooperativas e as fábricas

autogestionárias. O termo “empreendimento” pode substituir o termo “empreendedor”,

como forma de despersonalizar a categoria em alguns momentos, como na terceira

situação quando os profissionais se referiam à necessidade de maior representação dos

“empreendimentos” no Fórum.

A centralidade dos “empreendimentos” e dos “empreendedores” no mundo da

ES é demonstrada pela maior presença numérica desta categoria em diversos níveis de

representação e foi lembrada de diversas formas nas situações descritas. Isto tem relação

com a própria construção da ES como teoria econômica, na medida em que, como

veremos no capítulo 3, os empreendimentos são o centro da análise dos profissionais.

No caso da segunda situação, esta hierarquização pode ser reconhecida pela

38

maior proporção da categoria “empreendedor” no conjunto de delegados que seriam

enviados à plenária nacional (60%), tendo esta sido previamente firmada.

A categoria “assessor” designa aqueles que atuam através de assistência aos

empreendimentos, como os profissionais das ONGs e universidades que prestam

serviços de formação profissional, assessoria jurídica e incubagem. É nesta categoria

que se encaixa a maioria dos profissionais que atuam nas fronteiras com a academia e

com o mundo das ONGs.

Na categoria “assessor” está implicada a idéia de que a ele cabe ajudar, assistir,

mas que o centro está nos empreendimentos e nas pessoas que neles trabalham,

prevalecendo sobre ela a representação de que sua ação é desinteressada e está “a

serviço” dos empreendedores. É notável que pertençam à categoria “assessor” aqueles

profissionais que possuem mais recursos de circulação em várias esferas, capacidade de

captação de recursos e de relações internacionais e maior capital escolar. Estas

características parecem fazer com que uma das preocupações dos profissionais seja, de

certa maneira, compensar este diferencial através das representações sobre todos

estarem a serviço daqueles que possuem a forma mais nobre de pertencimento ao

mundo da ES: fazer parte de um empreendimento solidário.

Por fim, os “gestores públicos” são os profissionais que atuam em esferas

governamentais, como assessores de parlamentares e funcionários de governos estaduais

e prefeituras, cuja atividade está ligada a programas de ES. A categoria “gestor público”

envolve uma questão crítica no mundo da ES: a relação com o Estado. A participação

destes indivíduos é marcada pelo reconhecimento de uma ambigüidade, muitas vezes

considerada negativa. A autonomia do “movimento” frente ao Estado foi evocada, na

situação 3, para defender que os gestores não participassem do FBES. A possibilidade

de uma exploração eleitoral das propostas da ES e o compromisso fugaz que pode

representar um governo, faz com que esta categoria seja alvo de desconfiança. Uma das

coisas que contribui para esta tensão é a grande importância atribuída pelos

profissionais da ES à existência de políticas públicas e ao reconhecimento da ES por

parte do Estado. Se dá importância à necessidade do reconhecimento pelo Estado,

enquanto entidade, mas desconfia-se de seus burocratas, não se percebendo neles um

canal privilegiado para ter acesso a este reconhecimento.

As três categorias, são fortes, no sentido de se apresentarem como formas

39

necessárias de organização no mundo da ES, mas são bastante plásticas no que diz

respeito à identificação dos indivíduos particulares. Isto se dá, em parte, pelos diversos

tipos de participação que um mesmo profissional pode exercer dentro do mundo da ES e

fora dele, e também pelo fato de que algumas entidades e organizações das quais eles

fazem parte atuam em várias frentes. O que prevalece, na classificação nas três

categorias é o autoreconhecimento e o reconhecimento dos outros profissionais.

Na segunda situação apresentada no capítulo 1, a plasticidade destas categorias

foi revelada a partir da dificuldade em separar, nos três grupos, candidatos a delegados

correspondentes a cada uma delas. Pôde-se observar que alguns indivíduos mudaram de

grupo, fazendo notar que as três categorias não são identidades fixas.

Não é em todos os momentos, porém, que as três categorias operam. As

dinâmicas e as celebrações coletivas são os momentos justamente de negar qualquer

diferença. Nestes momentos todos os indivíduos partilham igualmente dos recursos que

são valorizados e dão sentido às próprias práticas: estar ali, estar ali por nenhum outro

motivo que não seja o desejo de estar ali e a disposição para ser um igual. Neste sentido,

a disposição que permite estas práticas é o próprio sentido delas, como se elas

existissem apenas para organizar aqueles sentimentos que já estivessem presentes.

Outras categorias, que poderíamos considerar como “provisórias”, por operarem

em momentos específicos, também estão presentes durante os eventos. Estas categorias

provisórias não são nomeadas e na maioria das vezes não concorrem com as três

categorias fundamentais. É possível que uma pessoa, compondo uma mesa ou sendo

palestrante seja identificado como representante de uma entidade ou instância de

governo (como na mesa de abertura dos trabalhos na terceira situação), sendo neste caso

a personificação da entidade ou organização. Neste momento a entidade ou organização

fala através daquela pessoa. Suas particularidades como indivíduos são apagadas e ela

passa a ser a encarnação de uma coletividade. Mas isto acontece apenas enquanto está

na mesa.

Também é possível que o indivíduo seja apresentado como especialista para

tratar de um assunto específico, mesmo que isso não seja explicitado como aquilo que o

leva a estar numa posição de destaque, como por exemplo, Francisco Lara, na segunda

situação. Esta é a situação em que os atributos individuais em termos estritos, são

destacados. Naquele momento, o profissional é um indivíduo em particular, cujas

40

qualidades e capitais são aquilo que o fazem ocupar esta posição.

Assim, um mesmo indivíduo pode ter um papel, por exemplo, quando discute

nos grupos (de um participante como qualquer outro) e outro quando está na “mesa”. A

eficiente manipulação dos diversos papéis e dos tempos em que cada classificação é

relevante está fortemente ligada ao ritmo dos eventos, alternando os diversos momentos

de forma marcada.

2.2. Figuras carismáticas

Existem indivíduos especiais que são reconhecidos por características pessoais

de comportamento e de trajetória. Uma dessas figuras carismáticas é Marcos Arruda,

economista e um dos fundadores do PACS. Marcos Arruda se intitula hoje

“ socioeconomista e educador” e é mestre em Economia do Desenvolvimento pela The

American University e doutor em educação pela Universidade Federal Fluminense.

Esteve exilado na Suíça, onde trabalhou com Paulo Freire no Instituto de Ação Cultural.

Neste mesmo período foi consultor dos Ministérios da Educação da Guiné Bissau e

Cabo Verde e também consultor do Ministério da Educação da Nicarágua, durante o

governo sandinista (1979 a 1988). Foi consultor econômico do Conselho Mundial de

Igrejas entre 1979 e 1982 em Genebra. É membro da equipe internacional de animação

do Polo de Socioeconomia Solidária da Aliança por um Mundo Responsável, Plural e

Solidário, e participa do Movimento Fé e Política, do qual faz parte também Leonardo

Boff.

Apesar de não ter ocupado lugar de destaque como mediador de debates em

nenhuma das situações descritas, Marcos Arruda é considerado pelos participantes

como uma pessoa digna de respeito e confiança, tendo sido eleito como delegado para a

plenária nacional e, também, como representante do Rio de Janeiro na coordenação

provisória do FBES. Seu carisma pode ser constatado no momento em que, na segunda

situação alerta a todos que usem seus copos descartáveis mais de uma vez, tendo a

maioria dos participantes seguido o conselho. Além disso, o encerramento do segundo

evento descrito, com canto e velas acesas ao que parece é inspirado por suas idéias:

As forças da luz começam a fazer-se sentir com maior potência do queantes. Elas não precisam, para prevalecer, perseguir, amordaçar,esmagar, eliminar. Precisam apenas brilhar, como uma vela simples e

41

humilde que transmite sua chama a outras velas, e estas a outras mais,até que, num tempo não tão longo quanto se teme, as sombras ficamcontaminadas pela luz e todo o ambiente se ilumina. (ARRUDA inBOFF, ARRUDA, 2000: 142-143)

Outro exemplo de figura carismática é o maior teórico de ES e o inventor da

expressão: Paul Singer. Singer, de mais de setenta anos, é um dos fundadores do PT e

hoje ocupa o cargo de Secretário Nacional de Economia Solidária no governo federal.

Singer é graduado em economia e doutor em sociologia (ambos pela USP). Foi um dos

fundadores do Cebrap (Centro Brasileiro de Análises e Planejamento), foi Secretário de

Planejamento da Prefeitura de São Paulo de 1989 a 1992, na gestão de Luiza Erundina.

Além disso é o responsável pela formulação aceita pelos profissionais da ES sobre a

história da ES e o autor mais citado na bibliografia sobre o tema. Quando chegou ao

evento descrito na terceira situação, foi cercado por várias pessoas que desejavam

guardar uma lembrança daquele encontro, principalmente fotografias ao lado dele.

Singer, pacientemente atendeu a todos sem ao menos alterar o semblante sereno.

No Encontro Internacional de Economia Solidária, ocorrido na USP, um

doutorando em Ciência Política pela USP, que já havia sido orientado por Singer e foi,

ao que parece, um dos primeiros estudantes a se engajar com a ES, encerrando sua fala

disse: “Nós somos os meninos e as meninas do Singer”, referindo-se aos estudantes que

atuam na Incubadora da Universidade ou que de alguma forma estão envolvidos com os

espaços institucionais da ES existentes. Esta fala deixa bem claro qual o sentimento que

alimenta muitos dos profissionais da ES, especialmente os estudantes e jovens, que não

raro explicitam sua relação emocional com Singer, vendo nele uma figura de “ guru” e

de certa forma, paternal.

A partir do que foi observado, pode-se destacar o fato de que nenhum dos dois,

Singer ou Arruda, assumiram qualquer papel durante as situações, em que teriam que

assumir postura dura ou de autoridade, como controlar as falações ou administrar

conflitos sobre propostas divergentes. Os dois são teóricos significativos, embora

tenham focos bastante diferentes quanto às idéias sobre a ES.

(...) Decorre desta percepção o reconhecimento de que somos seresamorosos, seres chamados a edificar conscientemente relações departilha, solidariedade e comunhão com o Outro, a Terra e o universo. É

42

justamente a consciência reflexiva que nos permite superar a “lei daselva” que domina nossa dimensão animal e instintiva - sobrevive o maisforte e o melhor equipado para a competição - e introduzir a “lei doamor” em todas as relações que constituem nosso “ir sendo” e existência.(ARRUDA in BOFF, ARRUDA, 2000: 125-126)

Em todos os sentidos, é possível considerar a organização deempreendimentos solidários o início de revoluções locais, que mudam orelacionamento entre os cooperadores e destes com a família, vizinhos,autoridades públicas, religiosas, intelectuais, etc. Trata-se de revoluçõestanto no nível individual como social. A cooperativa passa a ser modelode organização democrática e igualitária que contrasta com modeloshierárquicos e autoritários, como os da polícia e dos contraventores, porexemplo. (SINGER in SINGER, SOUZA, 2000: 28)

Os dois demonstraram modéstia e paciência com todos que deles se

aproximavam, apesar do assédio a Singer ser muito maior. O carisma dos dois parece

residir no fato de que representam, com seu comportamento, um exemplo para todos,

além da grande e destacada dedicação à causa. No caso de Singer, o carisma está

associado a sua legitimidade frente aos profissionais da ES enquanto porta-voz e

formulador. Vale lembrar que, segundo o que narram os profissionais, Singer foi o

nome de consenso escolhido pelo conjunto dos profissionais e entidades para ser

indicado como titular da SENAES.

O fato de os dois serem economistas sugere que seu capital acadêmico tenha

relação com a legitimidade reconhecida em suas palavras. Uma pista para isto foi uma

das resoluções do evento descrito na segunda situação, que tratava da necessidade de

conquistar mais economistas para a ES, pois era necessário aumentar a viabilidade

econômica dos empreendimentos. Ao que parece, se reconhece uma relação entre os

economistas e a ES como se esses fossem especialistas habilitados para tratar dela.

Outra característica que se destaca em relação a ambos é que têm uma longa

trajetória de militância. Os dois foram fundadores do Partido dos Trabalhadores, por

exemplo, tendo sido anteriormente perseguidos pela ditadura militar brasileira. Seu

prestígio em outras esferas, como na política e na academia, também parece contribuir

para constituir o carisma de ambos.

Sua capacidade de articulação internacional, através de contatos em diversos

países também lhes confere importância no mundo da ES. Como se pode notar, capitais

acumulados antes de estes pertencerem ao mundo da ES têm importância no

43

reconhecimento de que possuem características extraordinárias.

Note-se por fim, que Singer foi o primeiro a usar o termo economia solidária e

Marcos Arruda, mesmo antes dele, já tratava de uma proposta alternativa à economia de

mercado: a socioeconomia. O fato de serem precursores das idéias sobre uma nova

economia também marca seu reconhecimento como lideranças especiais.

2.3. Entidades, organizações e associações

As entidades, organizações e associações reconhecidas como agentes da ES

representam um universo muito diversificado, para o qual a idéia de rede parece a

melhor descrição. As diferentes conexões, formas e meios de associação tornam o

mundo da ES um grande emaranhado cujas unidades são de difícil identificação. Estas

complexa rede se expande por outros espaços sociais, ligando-os através da ES. A

complexidade destas conexões e a impossibilidade de estabelecer os limites da ES são

uma das características que a tornam um mundo peculiar.

Existem diversas formas de articulação e associação entre as entidades e

organizações, além de espaços como o GT-Brasileiro e, mais recentemente o Fórum

Brasileiro de Economia Solidária. O GT-Brasileiro contava, na II Plenária Nacional de

Economia Solidária, ocorrida durante o III Fórum Social Mundial (janeiro de 2003) com

doze entidades de caráter nacional: Cáritas Brasileira, ABCred, Concrab (MST), ADS -

CUT, Rede de Gestores Públicos em Economia Solidária, Rede Universitária de

Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs), Unitrabalho, Rede

Brasileira de Socioeconomia Solidária, IBase, FASE, PACS e Anteag (sobre as

entidades ver anexo 3). Outras entidades estão representadas nos encontros, como

entidades estaduais, regionais e municipais, todas elas com alguma relação com estas

doze.

A atuação destas entidades no mundo da ES também se dá a partir de relações

entre duas ou mais delas, ou mesmo, uma mesma entidade sendo membro de uma

organização, como por exemplo o PACS, ONG que faz parte da Rede Brasileira de

Socioeconomia Solidária, ou através de convênio com governos. A RBSES também é

um exemplo de organização que congrega diferentes tipos de entidades, entre ONGs,

cooperativas e instituições universitárias. Além disso as relações podem se dar através

de convênios e outras associações conjuntas, como a publicação de livros. Em 2000, por

44

exemplo, o IBase passa a tratar do tema da ES através de um convênio com a Anteag,

que por sua vez tinha um convênio com o Governo do Rio Grande do Sul.

As organizações podem congregar diversos elementos semelhantes, como a

Rede de ITCPs, ou se caracterizar justamente por congregar diferentes tipos de

associações e grupos como é o caso da RBSES. Existe outro caso, como o da Anteag,

que pretende representar as empresas autogestionárias e os trabalhadores de empresas

autogestionárias. Como se pode perceber os elementos que compõem organizações,

associações e redes não são homogêneos, como o mundo da ES também não é

homogêneo e tem isto como uma marca de singularidade.

A publicação conjunta de livros também é uma forma comum de “encontro” das

entidades e organizações. Além disso, publicações de responsabilidade de uma só

entidade contam com textos de participantes de outras, como no caso de dois números

da revista Proposta, da FASE em 2003 dedicadas à ES.

2.4. A palavra escrita

O mundo da ES está também constituído pela palavra escrita. Neste sentido,

deve-se destacar três formas diferentes de escrever. Existem livros e textos assinados

pelos autores, em que nome e sobrenome estão presente e não raro, alguns livros contam

com uma pequena bibliografia do autor ou dos autores. Pode-se dizer que a autoria é

plenamente identificada, tendo relevância uma parte da trajetória (muitas vezes

acadêmica) do autor, e as diversas atividades relacionadas ao tema. Outro tipo de texto é

aquele assinado pelas entidades e organizações. A autoria é identificada como coletiva,

dizendo respeito às posições daquela organização, seja ela uma entidade, ou um

conjunto de entidades (é o caso, por exemplo, dos textos assinados pelo GT-Brasileiro).

Por fim existem os textos não assinados, que são resoluções de encontros.

Contando com um universo limitado de formuladores, um mesmo profissional

da ES pode ter participação na elaboração de textos com tipos diferentes de autoria. Ou

seja, pode escrever um texto em que é identificado como autor, mas também escrever

outro texto em que a assinatura que nele conste seja a da entidade à qual pertence.

Ainda, pode ser o relator de um encontro e participar da elaboração das resoluções, um

texto sem qualquer assinatura.

Uma das formas de circulação das idéias é através de livros e revistas e

45

fortemente pela Internet. Além de a maioria das entidades terem páginas na rede (ver

anexo 3), existem páginas onde é possível baixar textos e se informar sobre os eventos

ligados ao assunto. Na rede existe até um cadastro de empresas solidárias. Uma destas

páginas é mantida pelo Grupo de Pesquisa Economia Solidária Programa de Pós-

graduação em Ciências Sociais Aplicadas da Universidade do Vale do Rio dos Sinos

(www.ecosol.org.br), onde é possível ter acesso a uma vasta bibliografia sobre o

assunto, os debates e textos mais atuais. Além disso, uma grande parte da comunicação

entre os profissionais se dá via correio eletrônico. A Internet tem uma ligação com o

próprio conceito de “rede” tão caro aos profissionais da ES. Através dela é possível

estabelecer comunicação entre indivíduos e instituições em todo o país e no mundo.

Keith Hart (2001) aponta a grande afinidade dos movimentos anti-globalização (dos

quais a ES provavelmente seria um exemplo) com a Internet. Segundo Hart este meio de

comunicação, na mesma medida que serve à acumulação pode ser instrumento de

democratização.

Entre os livros se destacam coletâneas de ensaios e relatos de experiências

consideradas bem sucedidas, além de publicações sobre as experiências de entidades,

como os livros: Vinte anos de Economia Popular Solidária: Trajetória da Cáritas dos

PACs à EPS e Autogestão: construindo uma nova cultura nas relações de trabalho, da

Anteag. Entre os periódicos estão as revistas de algumas entidades, como a revista

Proposta, da FASE, que, em 2003 dedicou dois números a textos sobre ES e autogestão.

Nas situações descritas no capítulo 1, havia muitos livros e revistas a venda,

tanto os especificamente voltados para a ES, como outros de temas considerados

correlatos, fazendo parte, inclusive, do cenário das situações. Esta parece ser uma das

principais vias através das quais os profissionais da ES têm acesso a livros e revistas.

Além disso, vários panfletos e folders circulavam durante os três eventos, sendo uma

das principais formas de divulgação usadas por entidades e organizações. Existem

algumas editoras que predominam na publicação dos livros sobre a ES que são,

principalmente as ONGs (FASE, IBase, PACS), editoras universitárias como a da USP

e outras como a Vozes, de Petrópolis (RJ), que tem ligação com a Igreja católica.

Os textos de caráter acadêmico ou ligados às atividades e especialidades

acadêmicas são espaços importantes de formulação, na medida em que fornecem

argumentos, vocabulários, e inserem no debate acadêmico as problemáticas da ES.

46

2.5. Espaços e capitais

Ligados à produção deste tipo de texto, está a existência de inúmeros espaços de

discussão sobre a ES, tornando a universidade e a academia espaços relevantes da ação

de certos profissionais.

As Universidades e as discussões acadêmicas geram uma grande possibilidade

de circulação de idéias e pessoas. Através da estrutura universitárias e das trajetórias

acadêmicas é possível a este tipo de profissional da ES circular entre várias áreas do

conhecimento, várias cidades, estados e países. As atividades acadêmicas e

universitárias propiciam difusão de idéias e a conquista de novos profissionais para o

mundo da ES. Além disso conta com espaços e estruturas que possibilitam o contato

internacional, inclusive a partir das trajetórias pessoais, como as pós-graduações no

exterior. Um exemplo destacado é o de Marcos Arruda, que hoje não atua dentro da

universidade, mas fez uma pós-graduação nos EUA, morou na Europa, assessorou

entidades internacionais e governos de vários países.

A circulação dos profissionais da ES está concentrada em alguns países. Na

Europa sem dúvida a França é um dos pólos desta circulação, mas também a Alemanha,

onde a língua dificulta bastante o acesso dos profissionais brasileiros. A América Latina

também é um espaço de intensa circulação, principalmente a Argentina, de onde são

originários ou onde trabalham hoje, alguns dos principais interlocutores teóricos da ES

no Brasil, como José Luis Coraggio e Heloisa Primavera.

Entre os profissionais que possuem maior capital escolar (nível superior ou

mais) estão os economistas e sociólogos, que atuam na Universidade, e também

fortemente por meio das ONGs. Os advogados também tem papel importante. As

discussões sobre a legislação são consideradas centrais pelos profissionais da ES, o que

torna a presença destes especialistas bastante importante para eles. Além desta

atividade, os advogados assessoram associações e cooperativas na legalização de seus

empreendimentos, o que é uma atividade fundamental no que se chama de incubagem.

Muitas vezes é a partir dos profissionais que atuam na interface com as

universidade que se estabelece comunicação entre o campo político e a academia, entre

movimentos sociais e o governo, entre o Brasil e o mundo (tanto na política, como no

governo e na academia). Além disso os universitários estabelecem relações com o

47

Estado, na medida em que, primeiramente fornecem subsídios legitimados pela

academia para as políticas públicas e, segundo, porque constituem a maior fonte para os

funcionários de governo.

O acesso a espaços diversos de debate, a diferentes realidades nacionais parece

ser um instrumento significativo. Não se pode perder de vista também que, a partir da

circulação internacional os acadêmicos têm ou tiveram acesso a debates e idéias vindas

de outros países, notadamente da Europa, principalmente da França, e tiveram contato

com realidades nacionais diversas, além de, é claro, tornarem-se importantes porta-

vozes e contatos no exterior. Uma grande parte da ES, através das ONGs e das

universidades principalmente, é financiada com dinheiro proveniente de outros países

(principalmente Europa e América do Norte) fazendo com que este contato com o

exterior tenha uma relevância também bastante prática. Leilah Landim mostra que, em

1993, mais de 80% do financiamento das ONGs se dava por recursos internacionais

LANDIM, 1998) e ao que tudo indica o quadro não se modificou muito desde então.

Apesar de a ES não ser reconhecida como assunto particular dos economistas

(existem universitários de outras áreas que escrevem e debatem o assunto), existe um

tipo particular de esforço da parte dos economistas que fazem parte do mundo da ES de

construir espaço dentro da academia. Este esforço se traduz no oferecimento de

disciplinas sobre ES.

Paul Singer, reconhecido como maior teórico brasileiro da ES, oferece uma

disciplina sobre ES na Pós-graduação em Economia da USP. Na UFRJ, no segundo

semestre letivo de 2003 foi oferecida uma disciplina, na graduação, com o nome:

“Economia Solidária e Autogestão”, pelo professor José Ricardo Tauile, em parceria

com a ITCP - COPPE12. Apesar de não ser privilégio de economistas e destes não

constituírem sequer a maioria absoluta dos profissionais acadêmicos da ES, a maioria

das tentativas de institucionalizar a ES no que diz respeito ao ensino, parte de

economistas e são realizadas em instituições dedicadas à disciplina.

Os dados coletados até agora permitem formular a hipótese de que os capitais

acumulados no mundo da ES e como profissionais e formuladores podem ser

significativos nas disputas dentro das disciplinas acadêmicas, principalmente no que diz

respeito ao campo dos economistas, isto sugerido pelo esforço de institucionalização e

12 Ao que parece, esta foi a primeira vez que foi oferecida uma disciplina no Brasil, na graduação, sobre

48

reconhecimento da ES enquanto questão “de economia”.

A maioria dos profissionais acadêmicos da ES ocupa posições marginais em

suas disciplinas. Segundo o que mostra Maria Rita Loureiro sobre o campo dos

economistas (LOUREIRO, 1997), podemos constatar que o tipo de carreira e as

instituições a que pertencem ou pertenceram, os economistas da ES ocupam posições

dominadas. Seu engajamento e capitais acumulados na ES podem constituir (ou ser

reconhecido por eles como) capital dentro da disputa na disciplina. A partir disso é

possível supor que estes profissionais não apenas transportem os seus capitais

acumulados enquanto acadêmicos para o mundo da ES, mas que o mundo da ES

também ofereça recursos para suas atividades na academia, como seria o caso do

sucesso em se instituir um novo nicho dentro da disciplina econômica.

Os espaços acadêmicos que possibilitam a estes profissionais exercer sua

atividade enquanto teóricos e difusores da ES são vários. Um destes espaços é o dos

encontros acadêmicos, onde a temática da ES é debatida entre estudiosos. Segundo

Lechat (2002), um dos eventos que constituem marcos para o surgimento da ES no

Brasil foi a Mesa Redonda “Formas de combate e resistência à pobreza”, ocorrida em

1995 no 7º Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia. A temática da ES continuou

na pauta no 11º Encontro da SBS, em 2003 em dois Grupos de trabalho: “GT Dádiva,

Política e Novas Formas associativas” e “Sociólogos do Futuro: Dádiva, Política e

Novas Formas”, tratando da mesma temática, mas direcionado a jovens sociólogos.

Nestes dois GTs se concentraram os especialistas e pesquisadores da ES. Outro espaço

universitário do mundo da ES são os encontros realizados nas universidades sobre o

tema como o “Encontro Internacional de Economia Solidária” na USP 13, e o seminário

“O Papel da Universidade no Combate às Causas estruturais da Pobreza através do

Cooperativismo Popular” na COPPE - UFRJ 14.

Além destes há espaços institucionais nas Universidades que fazem parte do

mundo da ES, como grupos de estudo, núcleos etc. Dentre eles se destacam as

Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCP).

As ITCPs são programas de extensão universitária multidisciplinares, cujo papel

é auxiliar através de assistência especializada a constituição de cooperativas por

ES especificamente.13 Ocorrido nos dias 25 e 26 de julho de 2003 na USP14 Seminário ocorrido no dia 06 de outubro de 2003 na ITCP da COPPE - UFRJ, Rio de Janeiro

49

trabalhadores pobres e, na maioria das vezes, desempregados. A primeira ITCP foi

criada em 1995 na UFRJ. Ligada à COPPE (Coordenação dos Programas Pós-graduação

em Engenharia), a incubadora foi criada a exemplo da já existente Incubadora de

Empresas da mesma instituição e por estímulo do COEP (Comitê de Entidades Públicas

de Combate à Fome e pela Vida). Segundo relato de João Guerreiro, atual coordenador

da ITCP - COPPE, Betinho “lançou o desafio” de se criar na COPPE uma incubadora

voltada para gerar renda para população de baixa renda, numa reunião do COEP. O

“desafio” foi aceito por Luiz Pinguelli Rosa, então diretor da COPPE. Uma experiência

da Fiocruz também estimulou a criação da ITCP. Cercada pela favela da Maré, a

Fiocruz se confrontava com problemas sérios de segurança e pensava-se, inclusive, na

mudança de endereço da instituição. A solução foi criar uma cooperativa (Cooperativa

de Manguinhos) que empregasse parte da comunidade vizinha. Para o trabalho, foi feito

um convênio com a Universidade de Santa Maria (RS), que possuía um curso sobre

cooperativismo. A experiência é considerada um sucesso (SINGER in SINGER,

SOUZA, 2000).

Existem ITCPs, nem todas com este nome, mas reconhecidas como tal, em 15

universidades brasileiras15, organizadas na Rede Universitária de Incubadoras

Tecnológicas de Cooperativas Populares, que é uma entidade bastante atuante no campo

da ES, que compunha o GT-Brasileiro. A Rede foi criada em 1998 e conta com uma

coordenação nacional e três coordenações regionais (Nordeste, Sudeste e Sul).

Através das ITCPs, por exemplo, a universidade atua como legitimador de ações

ligadas à ES. Um exemplo é que as cooperativas incubadas pela ITCP - COPPE eram

reconhecidas no mercado como prestadoras de serviços de qualidade. Isto se apresentou,

inclusive, como problema, já que o espaço de atuação destas cooperativas se retraía

muito depois que elas deixavam de contar com a marca de qualidade que era o

acompanhamento pela ITCP.

Segundo as pessoas com elas envolvidas, as incubadoras têm o papel de

intervenção social que é dever da Universidade, além de serem espaços onde se

conjugam os três princípios básicos da Universidade pública brasileira: ensino, pesquisa

e extensão. A tentativa de se colocarem como instrumento importante de combate à

15 Nas Universidades: Federal do Ceará, Federal Rural de Pernambuco, do Estado da Bahia, Federal deJuiz de Fora, Federal de São João Del Rei, Federal do Rio de Janeiro, Federal de São Carlos, Federal doParaná, Estadual de Campinas, de São Paulo, Fundação Universidade Regional de Blumenau,

50

pobreza se revela no nome de um seminário promovido pela ITPC - COPPE.

As ITCPs, a partir do que foi observado em encontro organizado pela ITCP da

Universidade de São Paulo, cumprem um papel de difusão entre estudantes

universitários da ES. A maioria dos estudantes que trabalham na Incubadora, no caso da

USP, estavam produzindo trabalhos acadêmicos sobre o tema, entre monografias de

final de curso, dissertações de mestrado e teses de doutorado de várias áreas do

conhecimento, entre elas engenharia de produção, economia, ciências sociais, psicologia

e pedagogia. A partir deste tipo de processo acaba por haver um trabalho de difusão da

chamada ES no meio acadêmico, além da formação de “quadros” jovens que carregarão

para sua atividade profissional o envolvimento com a ES.

A opção do estudante de trabalhar numa favela ou numa cooperativapopular, ao invés de investir numa carreira no Estado ou numa grandeempresa, é muito forte, porque não é uma coisa trivial, pode-se olharpara isso como algo interessante. (Gonçalo Guimarães, entrevista dadaem 2000, ao Jornal da Universidade da UFRGS)

Segundo Gonçalo Guimarães e outros membros de ITCPs, a Universidade é um

local privilegiado para o desenvolvimento de políticas de ES, pois não estaria sujeita aos

mesmos constrangimentos que outros espaços, como governos, por exemplo, nem

estaria atendendo a interesses particulares (em contraposição a instituições privadas), ou

a interesses eleitorais. Além disso a continuidade dos programas poderia ser melhor

garantida, diferente dos governo que mudam periodicamente e com freqüência vários

programas são abandonados (o que parece ter sido o caso do RS depois da derrota do PT

nas eleições de 2002).

Na universidade - apesar e por causa da diversidade -, temos quadros,gente nova, o caráter interdisciplinar e a busca do conhecimento. Auniversidade possibilita o crescimento de grupos. (...) É decisivo tudoacontecer na universidade por ser também um espaço que possibilita aneutralidade, embora existam naturalmente correntes políticas eideológicas que interagem, às vezes, de formas até conflitantes. Mas sualegitimidade social permite uma aproximação muito mais ágil, aocontrário, por exemplo, de quando o contato com as comunidades é feitoem nome de governos. (GUIMARÃES in SINGER, SOUZA, 2000: 113)

Universidade Católica de Pelotas, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Fundação Getúlio Vargas (SP)

51

A Universidade é espaço de formulação de políticas públicas, seja através de

convênios, ou na participação de especialistas acadêmicos em programas

governamentais. A Universidade é um espaço de interseção entre o mundo da ES e a

academia, mas também da ES com o Estado, através das atividades dos profissionais

acadêmicos, que são chamados, levando em conta também seu capital acadêmico, a

formular políticas públicas diretamente ou produzem trabalhos que as criticam ou

embasam.

Além disso, particularmente no governo Lula, vários destes acadêmicos exercem

cargos no governo federal. Sem contar com os membros da SENAES, todos

profissionais da ES e, na sua maioria acadêmicos, outros profissionais acadêmicos da

ES foram chamados a participar do governo. Entre eles Gonçalo Guimarães, um dos

fundadores da ITCP – COPPE, e Euclides Mance, um dos idealizadores da RBSES, que

estão no Ministério das Cidades, cujo titular é Olívio Dutra, ex-governador do Rio

Grande do Sul, cujo governo é considerado pelos profissionais da ES pioneiro no que

diz respeito a políticas públicas de economia solidária. Remígio Todeschini, um dos

idealizadores da ADS-CUT também ocupa cargo no Ministério do Trabalho e Emprego.

As ONGs são espaços importantes para a atuação dos profissionais. Sua

capacidade de articulação com outras ONGs, a grande presença de profissionais com

grande capital acadêmico e, principalmente a suposta autonomia de atuação com que

contam por seu caráter essencial de independência em relação ao Estado, fazem delas

espaços férteis da construção da ES.

Leilah Landim aponta algumas características e condições de existência de um

universo particular das ONGs que ajudam a compreender em grande parte as dinâmicas

do mundo da ES e o espaço de fronteira com as ONGs.

Landim (1998 e 1993) aponta que a gênese das ONGs está ligada à atuação de

indivíduos que circularam internacionalmente, tanto por meio de exílio durante a

ditadura militar quanto em outras atividades. Estes indivíduos passaram a ter contato

com agências financiadoras, políticas e idéias que constituíram um importante capital na

construção das ONGs. A circulação internacional, não só dos indivíduos que fazem

partes das ONGs que atuam na ES, é uma condição importante também na constituição

do mundo da ES.

Outra idéia apontada por Landim como constitutiva do mundo das ONGs é a

52

rejeição às formas “tradicionais” de representação e militância como os partidos e os

sindicatos. A vocação das ONGs “servir a”, seja aos movimentos sociais ou aos

“pobres” está presente no mundo da ES, principalmente no que diz respeito às

representações que envolvem a categoria “assessor", à qual inclusive se reconhece o

pertencimento dos profissionais que atuam na fronteira entre o mundo da ES e o mundo

das ONGs.

Leilah Landim também aponta a influência de militantes da Igreja católica

progressista como uma das categorias que vieram a compor o conjunto de indivíduos a

partir dos quais se constituíram as ONGs. A Cáritas brasileira, órgão da CNBB

(Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) é uma das entidades mais atuantes dentro

das organizações da ES. As mesmas características apontadas por Landim como capitais

relevantes na constituição das ONGs parece também atuar no mundo da ES.

A relevância do universo das ONGs através de suas fronteiras com o mundo da

ES está justamente no fato de que este se constituiu em grande parte através das

experiências das ONGs (que atuam, mesmo antes de terem este nome, desde a década

de 1960), de uma visão de mundo informada por suas categorias e representações. Além

disso as ONGs, como as Universidades, são os espaços através dos quais a circulação

internacional se dá, sendo esta uma condição para a constituição da ES como universo

particular.

2.6. Economia Solidária e políticas públicas

A história da ES no Brasil é inseparável do Estado. Entre os principais

organizadores e patrocinadores da organização da ES no país estiveram os governos

petistas do Rio Grande do Sul e de Porto Alegre, quando da organização do I Fórum

Social Mundial.

Além disso, como já foi mostrado anteriormente, o próprio termo parece ter

aparecido pelas primeiras vezes voltado a programas de governo.

Apesar de a maior parte da teoria sobre a ES indicarem um caminho autonomista

e de auto-organização, muitos autores destacam que não se pode prescindir do Estado

para a construção da ES.

“O avanço da economia solidária não prescinde inteiramente do apoio doEstado e do fundo público, sobretudo para o resgate de comunidades

53

miseráveis, destituídas do mínimo de recursos que permita encetar algumprocesso de auto-emancipação.” ( SINGER, 2002: 112)

Inúmeras resoluções de encontros e as discussões nas duas plenárias descritas

demonstram uma preocupação muito grande para a proposição de políticas públicas que

contemplem as propostas da ES.

Para analisar a relação da ES com as políticas públicas é preciso entender o

Estado na sua dupla dimensão. Como entidade agente e como espaço social onde os

agentes são indivíduos. Esta é a abordagem que L’Estoile, Neiburg e Sigaud (2002)

utilizam para tratar das relações entre a Antropologia e o Estado.

A dimensão do Estado enquanto entidade que age no mundo social

“reconhecendo direitos e estabelecendo relações e hierarquias”, seria a dimensão

durkheimiana. A esta se somaria a dimensão weberiana do Estado, em que os agentes

são os indivíduos e o Estado é um espaço social, onde estes mantêm relações de

“concorrência e interdependência, elaboram e implementam políticas” ( L’ESTOILE,

NEIBURG, SIGAUD, 2002)

Em relação à ES, pode-se analisar sua relação com o Estado na sua dimensão

durkheimiana quando está envolvida a criação de leis e regulações que fazem

reconhecer a ES. Existe uma preocupação muito grande dos profissionais da ES para

que esta não só seja reconhecida como um tipo diferente de relação econômica que já

existe, mas como base para políticas públicas ligada ao desenvolvimento.

A dimensão weberiana está presente na medida em que as dinâmicas do mundo

da ES se relacionam com disputas e interdependência dentro do campo da burocracia

estatal, quando existe disputa em torno de quem são os porta-vozes legítimos do

cooperativismo ou “dos pobres”.

O esforço pela criação de novas leis, discussão denominada pelos profissionais

como “marco legal” apela para a capacidade de o Estado, através dos meios jurídicos

reconhecer a existência da ES. Como aponta Bourdieu (1996), o Estado, como entidade,

tem a capacidade de criar realidades, nomeando, regulando e controlando. Os

profissionais da ES reconhecem nesta capacidade do Estado um importante instrumento

de “fazer existir” a ES.

É recorrente que os profissionais da ES digam que a ES não deve ser vista como

“assistência” ou como “questão social”. É o que revela Leboutte (2003), quando

54

justifica a existência do Programa de ES do Governo do Rio Grande do Sul dentro da

Secretaria de Desenvolvimento e Assuntos Internacionais (SEDAI). O reconhecimento

do Estado deveria passar, para os profissionais da ES, pelo reconhecimento desta como

questão de “desenvolvimento”. Isto não deixa de ter relação com o esforço dos

economistas de tornar a ES uma assunto de sua competência.

A proposta inicial da equipe de transição de Lula era que a ES ocupasse algum

departamento no BNDES. Não querendo associar a ES apenas à concessão de crédito, o

“movimento” pleiteou uma secretaria interministerial, subordinada diretamente à

presidência da República. Isto lhes foi negado, mas a Secretaria ganhou ares de política

estratégica ao estar subordinada ao Ministério do Trabalho e Emprego. Neste caso as

reivindicações dirigiam ao reconhecimento do Estado, enquanto entidade criadora de

realidades e relações, mas os meios pelos quais estas reivindicações foram levadas a

frente e o resultado do pleito estão ligadas às dinâmicas do campo da burocracia estatal.

Aliada às discussões e propostas sobre políticas públicas está a discussão sobre

as leis que regem o funcionamento de empresas e cooperativas. Contemplada na

Plenária Nacional sob o título “direito ao trabalho solidário”, a criação a modificação de

leis é um dos temas mais caros aos militantes da ES. Na discussão sobre a legislação

estão desde a regulação oficial das cooperativas, a unicidade de representação das

cooperativas pela OCB até os impostos e direitos sociais.

A lei que rege, até hoje, as cooperativas é de 1971. Existem propostas para

mudá-la e o “movimento” da ES é um dos atores que disputam novas leis. A

regulamentação legal das cooperativas, trata-as como uma forma entre outras de

constituição de uma empresa, ou seja, uma empresa pode ser uma Sociedade Anônima,

uma Sociedade de Responsabilidade Limitada ou uma cooperativa. Apesar de existirem

empreendimentos considerados solidários e autogestionários sob diferentes formas

jurídicas16 e de alegarem os profissionais da ES que o que importa é como a empresa

funciona de fato, existe um esforço para mudar a lei de forma a diferenciar as

cooperativas “autênticas” ou “verdadeiras” das chamadas “ coopergatos” ou

16 Na Espanha existem as chamadas “sociedades anônimas laborales”, que formalmente são sociedadesanônimas, mas funcionariam de forma “solidária” e autogestionária. Ao que parece, a opção dostrabalhadores por constituir empresas na forma de sociedade anônima deve-se ao fato de que istopermitiria que os trabalhadores recebessem o seguro desemprego, o que com a constituição oficial decooperativas seria impossível, por ser esta uma “associação de pessoas”. A S.A., sendo uma sociedade decapitais, permitiria o recebimentos pelos associados de remuneração a título de seus direitos trabalhistas.

55

“ cooperfraudes” e de fornecer às primeiras vantagens devido a seu aspecto “solidário”.

Este esforço tem base na idéia de que as cooperativas não são todas solidárias. Existem

aquelas, que devem ser combatidas e denunciadas pois funcionam como uma empresa

capitalista como outra qualquer, que só que com o nome de cooperativa, ou pior, uma

forma de empresários mascararem a subcontratação se eximindo do pagamento de

direitos trabalhistas.

Os militantes da ES reivindicam uma legislação que diferencia empreendimento

solidários das “ coopergatos”. Também reivindicam tratamento diferenciado em relação

aos impostos e exigências legais. Para eles não é justo que pequenos empreendimentos

com pouco ou nenhum capital sejam onerados da mesma forma que uma empresa

capitalista.

Quem se encarrega da “ assessoria jurídica” aos “empreendimentos” geralmente

são advogados, principalmente nas Incubadoras, pois é preciso registrar oficialmente os

empreendimentos, o que exige assistência especializada. Uma outra atividade que

alguns advogados profissionais da ES exercem é o estudo da legislação atual, dos

projetos de lei que tramitam nas instâncias legislativas, além da elaboração de propostas

para novas leis que favoreçam a ES. As discussão das leis em tramitação e de propostas

de novas leis não são exclusividade dos advogados. Alguns assessores parlamentares e

“gestores públicos” também participam desta discussão com freqüência.

A seguridade social é outro tema tratado, ainda que bem menos que os outros

assinalados. Os trabalhadores de cooperativas e afins são considerados donos de

empresa e por isso não são protegidos pela CLT. Isto se torna crítico na medida em que

se trata de trabalhadores pobres e de empresas, em sua maioria, pouco estáveis. Existe

por parte de alguns profissionais um certo desprezo pela seguridade social provida pelo

Estado, pois segundo sua teoria a seguridade também deveria ser fruto de estruturas

“solidárias”. A Anteag, apesar de ter um claro posicionamento de defesa dos direitos e

do respeito aos trabalhadores assalariados usa o termo “escravos da CLT” (ANTEAG,

2000: 10) para designar aqueles que não conseguem imaginar um ideal diferente do de

ser um trabalhador formal com carteira assinada. Existem aqueles, porém, que

acreditam que deve haver um tipo de seguridade social, garantida pelo Estado, mas

especificamente voltada para os trabalhadores da ES.

A definição de o que seja, em termos quantificáveis e verificáveis um

56

empreendimento solidário é uma questão que permeia toda o debate e as reivindicações

pelo reconhecimento pelo Estado da ES. Os instrumentos de que dispõe o Estado para

reconhecer e “fazer existir” são as leis e também as estatísticas, que são reconhecidas

como importantes pelos profissionais da ES.

A SENAES, poderíamos dizer, é até agora o reconhecimento do governo da ES

como uma questão relevante e pode ser um dos caminhos (certamente é nisto que

acreditam os profissionais da ES) para o reconhecimento pelo Estado, que só se daria,

também segundo eles, através de políticas que permanecessem a despeito de quem

ocupasse o aparelho estatal.

A criação da SENAES se deu no âmbito das disputas dentro do Estado e

começou no final do ano de 2002, quando o quadro eleitoral já estava consolidado com

a vitória certa de Lula e o GT-Brasileiro elaborou a chamada Carta ao Governo Lula

(GRUPO DE TRABALHO BRASILEIRO DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/FSM, 2003),

onde defende a ES como política de Estado para o desenvolvimento e o combate à

pobreza, assim como propõe a criação da Secretaria de ES.

A efetiva criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária é considerada

uma vitória do “movimento de ES”, mas, como visto anteriormente, as disputas dentro

do Estado não permitiram que a ES tivesse o status que pretendiam seus profissionais.

Segundo os militantes, Paul Singer foi indicado pelo “movimento” como nome de

consenso para ocupar o cargo de titular da Secretaria.

A experiência do governo Olívio Dutra no Rio Grande do Sul (1998 - 2002) é

considerada pioneira no Brasil no que diz respeito a políticas públicas de ES. Segundo

Paulo Leboutte, ex-sindicalista que trabalhou no programa de ES do Governo de Olívio

Dutra, as propostas sobre a ES já estavam presentes no programa de governo da Frente

Popular em 1994, quando esta não foi vitoriosa. O programa é instituído oficialmente

em 2001, mas já começara suas atividades desde o começo do mandato. As políticas de

ES estavam subordinadas à Secretaria de Desenvolvimento e Assuntos Internacionais do

governo do estado do RS. É destacado que as políticas para a ES não estavam no

domínio da assistência social, mas do desenvolvimento, num esforço de diferenciar a ES

em relação a outros programas de combate à pobreza e lhe conferir caráter estratégico

(LEBOUTTE, 2003).

Outro aspecto legal importante discutido nos pontos chamados “marco legal”

57

nas plenárias e encontros, diz respeito à unicidade de representação pela OCB. Segundo

os militantes da ES, a OCB representa o cooperativismo “tradicional”, de grandes

empreendimentos e sua política não é diferente das representações de empresas

capitalistas. Existe até uma expressão usada pelos militantes que é “cooperativismo da

OCB”. As entidades que compõem o campo da ES, principalmente a Anteag

reivindicam que a legislação permita que os trabalhadores e cooperativas possam ter

direito a outro tipo de representação.17 Neste caso fica claro que existe uma disputa

também por lugar no aparelho do Estado, não dentro do governo, mas dentro das

estruturas de decisão e acesso a recursos.

O reconhecimento pelo Estado da ES, principalmente no âmbito dos programas

de governo especificamente voltados para a ES abre espaço para que diversos

profissionais da ES ocupem cargos. Vários profissionais da ES que participaram do

governo Olívio Dutra (com cargos diretos ou como assessores através dos convênios)

passaram a ocupar cargos no governo federal, fora da SENAES. Isto demonstra que a

ES fornece capitais sociais, através da relação com, por exemplo, políticos profissionais

dos partidos, que possibilitam o acesso a cargos na burocracia estatal que não têm

relação direta com os programas de ES (é o caso, por exemplo de Euclides Mance, que

ocupa cargo no Ministério da Cidades, cujo titular é Olívio Dutra).

Não deixam de existir, no mundo da ES, representações acerca das tensões

reveladas na sua relação com esta dupla dimensão do Estado. A categoria “gestores

públicos” é o centro destas tensões na medida em que revela que apesar de o

reconhecimento pelo Estado ser uma questão crucial, aqueles que estão inseridos nas

estruturas deste mesmo Estado não são reconhecidos como canais de acesso a estas

pretensões.

Conclusões

A partir da observação sobre os diversos profissionais da economia solidária, as

formas e instrumentos através dos quais eles constróem e participam deste mundo,

pode-se perceber o quanto o dinamismo e a fluidez são condições de existência da ES.

As fronteiras com os mundos da ONGs, do Estado e da academia estão

entremeadas pela atuação de diversos profissionais, pela dinâmica de circulação de

17 A OCB representa, legalmente, as cooperativas e os trabalhadores de cooperativas do Brasil.

58

informação e pelos recursos operados em cada esfera. As interseções podem ser vistas

também no que diz respeito às diversas formas de associação existentes, formando uma

complexa teia que se confunde com outros espaços. É nesta fluidez e polissemia que a

ES existe e a especificidade de seus profissionais é reafirmada.

As formas de classificação dos indivíduos neste universo revelam quais são os

critérios de legitimidade que existem dentro e fora da ES e nas diversas formas que

existem de participar.

Capitais diferentes dos profissionais são acionados nas formas diversas de

pertencimento e espaços da ES. As figuras carismáticas parecem transcender em grande

parte estas diferenças.

As relações do mundo da ES com as políticas públicas só podem ser

compreendidas se considerados o Estado na sua dupla dimensão “ durkheimiana” e

“ weberiana”. Frente ao Estado como entidade capaz de, através da regulação e da

estatística, fazer existir a ES, os profissionais defendem que a ES seja reconhecida como

uma forma diferente de economia. O reconhecimento dos empreendimentos solidários e

dos seus trabalhadores como fazendo parte de um sistema essencialmente diverso

daquele que o estado reconhece como sendo “economia” e “mercado” é a principal

questão no que diz respeito a esta dimensão. Mas o mundo da ES também se relaciona

com o Estado através dos profissionais que atuam na interseção com os dois mundos,

fazendo com que as dinâmicas dentro das instituições estatais tenham importância no

mundo da ES.

59

3. TEORIA E REPRESENTAÇÃO

Este capítulo trata das teorias e idéias sobre a ES produzidas e compartilhadas

por seus profissionais. Todas as discussões e debates que ocorrem no mundo da ES

estão baseadas em construções teóricas e idéias sobre a relação entre pessoas e entre

pessoas e coisas. Como mostrou Albert Hirshman em As paixões e os Interesses, a

teoria econômica é construída a partir das idéias sobre estas relações, a natureza

humana, o que leva as pessoas a agir de certa forma e não de outra. Hirschman oferece

instrumentos interessantes para compreender as representações sobre a ES e como esta

se constitui como teoria econômica. A teoria da ES supõe um novo homem, em que a

idéia de “interesse” também está presente, mas o interesse, como veremos a seguir é um

“interesse geral”, segundo o qual a solidariedade é melhor para todos. O ser humano

“solidário” é aquele que compreende, racional e logicamente que só pode ser feliz se o

mundo a seu redor estiver bem. Mais do que propor que as pessoas se comportem desta

maneira, a ES encontra na própria essência do homem esta capacidade, que foi

deturpada pelo capitalismo e pelo egoísmo, mas à qual os homens retornam quando este

mesmo capitalismo os empurra para fora (exclusão) de suas benesses. Quando Louis

Dumont discute a relação entre economia, teoria econômica, ideologia e ciência

(DUMONT, 1977) também oferece instrumentos analíticos interessantes, na medida em

que sugere que estas “esferas” não sejam vistas como autônomas. Como será possível

ver a seguir, se se fosse procurar, no caso da ES o que pertence a cada uma destas

esferas, com certeza o risco seria o de tomar as categorias nativas como categorias

analíticas (considerar a ES como ciência) ou recusar-se a reconhecer a eficácia e o poder

performático que tem esta teoria (considerar como ideologia).

Estas idéias e pressupostos teóricos estão sendo construídos na mesma medida

em que este mundo se constitui como universo particular. As representações na ES não

se limitam a formulações teóricas elaboradas segundo cânones acadêmicos e sob forma

de texto escrito. Os supostos morais, os princípios éticos e as idéias de uma natureza

humana e de um bem coletivo são produzidos tanto nas formas escritas através dos

diversos meios disponíveis (como visto no capítulo 2) como nos encontros, através de

práticas ritualizadas (como visto no capítulo 1).

A ES é também um autêntico campo de discurso (FOUCAULT, 1971),

60

estabelece um vocabulário comum e conexões particulares entre idéias e argumentos,

dos quais os profissionais compartilham de uma maneira geral, existindo, como visto no

capítulo 1, um esforço para a interiorização deste conjunto. A produção de um

vocabulário particular e de formas peculiares de organizar o mundo através de idéias

está ligada a uma visão de mundo e a uma ética.

Os espaços como as situações descritas no capítulo 1 se constituem como

formas de fazer com que este compartilhamento de vocabulário, argumentos e teoria

sobre a ES se transformem nos termos legítimos para a discussão do tema, além de

encenarem a outra forma de vida defendida pelos profissionais, de forma que assumem

o papel de comprovar suas idéias sobre a possibilidade de uma moral diferente.

É a partir de um consenso sobre certas idéias que pode haver e há discordâncias

e disputas em torno do que seja ou deva ser a ES.

Por outro lado, a produção de teorias e representações é marcada pela

diversidade própria do mundo da ES. Fragmentos de formulações que já existiam, de

teorias antigas são reorganizadas, de modo a produzirem um todo particular. A teoria

sobre a ES é uma bricolagem (LÉVI-STRAUSS, 1970), ou seja, a partir de fragmentos

de várias formulações, de experiências diversas, produz-se um todo que não é apenas a

justaposição de pedaços, mas um rearranjo que dá origem a um conjunto novo. Esta

bricolagem está associada aos diversos tipos de profissionais, organizações e espaços

institucionais da ES.

3.1. As três obras

Três obras marcam a produção teórica da ES. Elas são exemplares no sentido de

refletir as preocupações dos profissionais em estabelecer as fronteiras da ES. Apesar de

não serem os únicos livros a tratarem dos temas abordados, eles são condensadores das

preocupações e esforços de legitimação e construção de um corpo de idéias e

representações.

Uma hipótese, cuja confirmação exigiria um estudo mais aprofundado, é a de

que cada obra também seja exemplar no sentido de oferecer uma visão de quais eram,

em cada um dos momentos ou conjunturas em que foram produzidas, as principais

questões enfrentadas no mundo da ES.

Dos três, o primeiro livro a ser publicado foi A Economia Solidária no Brasil: A

61

Autogestão como resposta ao desemprego, em 2000, organizado por Paul Singer e o

então mestrando em sociologia pela USP, André Ricardo Souza. O livro é um coletânea

de artigos sobre experiências consideradas exitosas e também examina a constituição de

entidades e organizações que fazem parte do mundo da ES.

Esta obra é a primeira que se dedica a organizar aquilo que já vem ocorrendo no

Brasil e que passa a ser considerado como pertencente à ES. O surgimento da ES tem

uma complicada cronologia, que vai sendo construída a partir do reconhecimento de

supostas raízes históricas e experiências contemporâneas exemplares. Desta forma,

apesar de ser possível constatar que o surgimento da expressão ES (como veremos a

seguir) na segunda metade nos anos 1990 a narrativa histórica dos profissionais

incorpora fatos e experiências bem anteriores. Este é o caso de algumas das experiências

relatadas no livro. Um exemplo é o da Anteag. Esta entidade é apontada no livro (e em

outros livros, espaços e encontros posteriores) como um dos agentes de maior

importância no mundo da ES, inclusive tendo sido uma das organizações que mais

contribuíram para o “renascimento” da ES no Brasil. A Anteag foi criada em 1994 e não

utilizava a expressão ES para identificar o universo a qual pertencia.

No livro, existem relatos sobre experiências do MST, da Anteag, da CUT e das

ITCPs. As origens destas organizações e sua ligação com a ES estão presentes nos

textos que não deixam de fora o reconhecimento de outros atores, como as ONGs

PACS, IBase e FASE. Esta obra foi um dos primeiros espaços em que os diversos

agentes que constituem o mundo da ES foram considerados como pertencentes a um

mesmo universo, precedendo a primeira edição do Fórum Social Mundial e a criação do

GT-Brasileiro.

A obra também conta com uma pequena biografia de cada um dos vinte e três

autores. Nelas figura, em primeiro lugar a titulação universitária do autor (com exceção

de apenas um deles). Todos têm ensino superior completo e os que são pesquisadores na

universidade trataram, no textos, de temas ligados a sua produção acadêmica. Destes,

dezenove são pós-graduados ou pós-graduandos. Nota-se que, no casos em que as

titulações não são apresentadas, o autor tratou, no artigo, de um assunto que não tem

ligação com sua atividade profissional. Na biografia de três autores que são pós-

graduados, não consta esta informação. Eles são: Gonçalo Guimarães, Marcos Arruda e

Paul Singer. A ausência desta informação parece remeter ao fato de que a legitimidade

62

de suas palavras não reside nos títulos acadêmicos, ao menos no que diz respeito à

representação dos profissionais da ES. No caso de Gonçalo Guimarães, a sua titulação

universitária é omitida e apenas o cargo de coordenador nacional da Rede de ITCPs e de

coordenador da ITCP - COPPE já parecem ser credenciais bastante satisfatórias.

As biografias possibilitam compreender alguns aspectos deste mundo da ES. O

primeiro deles é aquele que já foi apontado no capítulo 2, qual seja da relação entre a ES

e o mundo da academia. A interseção entre as atividades acadêmicas e a produção de

teoria da ES fica bem clara nesta obra. O destaque aos títulos universitários e das

publicações dos autores é demonstrador de que o capital acadêmico tem influência na

legitimidade daquilo que os profissionais escrevem. A omissão das informações sobre

os títulos acadêmicos de lideranças carismáticas também sugere a negação de que

diferencial de capital educacional seja aquilo que os torna especiais.

Pode-se reconhecer também que a maioria dos relatos trata de experiências e

organizações dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, locais de

trabalho e atuação da maioria dos autores. No ano de publicação do livro, através da

atuação de seus profissionais enquanto teóricos e da presença de iniciativas e

empreendimentos, o mundo da ES estava concentrado nestes locais, tendo porém, nos

anos seguintes se espalhado por outros estados.

A segunda obra foi publicada em 2002, e se intitula Introdução à Economia

Solidária. O livro foi publicado pela Fundação Perseu Abramo, que pertence ao Partido

dos Trabalhadores. Nele, Paul Singer traça a história da ES e seus fundamentos teóricos.

Esta obra é a primeira que aponta aquelas que vão ser consideradas

posteriormente pelos profissionais as raízes mais antigas da ES, no século XIX. O

esforço de Singer, diferente da primeira obra tratada, é o de traçar uma história,

estabelecer marcos teóricos e relações com diversas outras formulações, como as do

socialismo utópico francês.

A busca por legitimidade está ligada, nesta obra, e provavelmente neste

momento da constituição do mundo da ES, ao estabelecimento das suas raízes e de que

idéias a ES é a herdeira legítima. Este livro inaugura o esforço em inserir tudo aquilo

que é considerado pelos profissionais como ES dentro de uma mesma história, ao

mesmo tempo fazendo com que os elementos mais remotos aos quais esta história está

ligada, sejam incorporados. Este duplo movimento produz uma “história da economia

63

solidária” (apesar de seus profissionais não usarem a expressão), estabelecendo-a como

núcleo possível de análise teórica.

A terceira obra é, como a primeira, uma coletânea de artigos e se chama A outra

economia, organizada por Antonio David Cattani. O livro é organizado em verbetes,

cada um tratando de conceitos e idéias que compõem o campo de discurso da ES. O

esforço do livro é, claramente, refinar os conceitos teóricos que estão relacionados à ES,

estabelecendo diálogo com várias teorias e organizando o arcabouço teórico.

Cada verbete é escrito por um ou dois autores e conta com uma bibliografia no

final. Nestas bibliografias, constam autores clássicos do pensamento social, documentos

e outros textos de autores do livro.

Também esta publicação conta com uma pequena biografia de cada autor onde

se destacam os títulos acadêmicos e publicações. A maioria deles é de acadêmicos

especialistas no assunto de que tratam no verbete.

Alguns dos verbetes presentes no livro são: Associativismo, Cadeias Produtivas

Solidárias, Capital Social, Desenvolvimento Local, Economia da dádiva, Economia do

trabalho, Economia Moral, Economia popular, Identidade e trabalho autogestionário,

Socialismo autogestionário, Solidariedade, Trabalho emancipado e Utopia.

A centralidade de Singer mais uma vez é apontada através, não apenas das

inúmeras citações a seus textos, mas pelo fato de que foi reservado a ele o verbete

“Economia Solidária”.

A preocupação não é mais, como no primeiro livro, estabelecer quem são os

legítimos participantes do mundo da ES, nem, como no segundo livro, quais as suas

raízes históricas, mas quais as suas filiações teóricas.

A partir da análise das três obras é possível reconhecer algumas características

da produção das representações e teorias sobre a ES. Primeiramente, os livros, e

especialmente a quantidade de coletâneas e livros coletivos, são um espaço de encontro

de profissionais, principalmente daqueles que têm sua atuação nas fronteiras entre a

academia e a ES.

Uma hipótese que surge a partir da análise destas três obras e da produção

teórica em livros sobre a ES é que estas não só fazem parte da construção da ES, mas

marcam preocupações diferentes em momentos distintos de conformação e organização

do mundo da ES. A primeira obra tem como principal preocupação identificar quem são

64

os legítimos porta-vozes e representantes da ES no Brasil, como entidades, organizações

e empreendimentos. Na segunda obra o esforço é de encaixar a ES numa história de

longo prazo. No caso, a legitimidade das idéias da ES está ligada à herança de

experiências e teorias antigas e no fato de que a sua existência teria coerência histórica.

No terceiro livro a preocupação central é a de estabelecer em que campo teórico e

discursivo mais amplo se inscreve a ES.

Se fosse possível apontar quais são as principais questões de cada obra e, talvez,

de cada momento da constituição do mundo da ES teríamos, respectivamente: “Quem

somos?”, “Quais são nossas raízes?” e “O que pensamos?”.

3.2. A origem da expressão “economia solidária”

A expressão ES possibilitou o junção de diversos tipos de experiência num

mesmo campo de idéias e o agrupamento de diversas entidades, instituições e pessoas

em torno de objetivos comuns.

A expressão não permite, apenas, a organização de fatos e agentes

contemporâneos a sua criação. Muitos empreendimentos e idéias que na época em que

existiam ou foram criados não eram reconhecido por este nome passam, a posteriori a

ser reconhecidos como pertencentes ao mundo da ES. O termo reorganiza uma

variedade de idéias, conceitos, ao mesmo tempo que se constrói a partir deles. Pode-se

dizer que o que a ES traz de original é justamente uma forma particular de organizar

elementos já existentes, como as experiências de educação popular, a ação da Igreja

católica junto a comunidades, as propostas de empresas autogeridas, o cooperativismo,

etc.

Não é fácil traçar a história da expressão “Economia Solidária” no Brasil. Os

profissionais privilegiam a construção de uma história, no Brasil, a partir do surgimento

de empreendimentos considerados “solidários”, sem que a invenção do termo seja

considerada significativa. Ao que parece, privilegiar, ou mesmo apontar as origens da

ES enquanto ligada a uma construção teórica, “intelectual” e sua relação com a

academia e com as ONGs poderia deslegitimar a ES como construção popular, a partir

dos pobres. No “Encontro Internacional de Economia Solidária”, perguntado

explicitamente sobre a origem do uso da expressão no Brasil, Paul Singer remete sua

origem aos franceses, no século XIX.

65

Paul Singer é o criador da expressão. Segundo Lechat (2000) a primeira

elaboração do autor, aparece num artigo publicado no jornal Folha de São Paulo de

1996 intitulado Economia solidária contra o desemprego. Neste artigo, publicado em

11 de julho, Singer trata da definição da ES como projeto de governo para a prefeitura

de São Paulo na campanha de Luiza Erundina, então candidata à reeleição e em cujo

primeiro governo Singer foi Secretário de Planejamento. A expressão ainda não tinha

assumido a forma que assumiria mais tarde nos textos do autor. Em 1998, no livro

Globalização e Desemprego: Diagnósticos e Alternativas, Singer já trata de elaborar

mais o conceito como proposta teórica de amplo alcance, capaz de mitigar o problema

da falta de emprego em termos mais gerais

A exemplo deste artigo de Singer, podemos constatar a relação entre a criação

do conceito e a formulação de políticas públicas. Da mesma forma, o governo de Olivio

Dutra no Rio Grande do Sul (1999 - 2002) teve participação importante na conformação

da ES, principalmente no estímulo ao debate sobre o tema a partir do I Fórum Social

Mundial (2001), realizado em Porto Alegre.

Outros termos, como socioeconomia, economia popular (ou economia popular

solidária), economia de comunhão, economia pluralista, economia social, também são

considerados como parte do campo de discurso da ES. Claramente, o uso de diferentes

termos não é acidental ou neutro. Diferentes visões estão implicadas no uso dos

diferentes termos, muitas vezes dando a forma a disputas em torno de projetos.

Várias outras concepções estão presentes, muitas vezes contrárias ao uso do

termo, mas não se negam a estarem representadas em espaços que levam este nome,

como os encontros, e as atividades dentro das universidades.

Mas também não é por acaso que a expressão Economia Solidária se afirma

como a principal. Ela é objeto de um certo consenso no que diz respeito à delimitação

de um mundo particular e de um tipo de proposta. Consenso necessário para que as

diversas disputas possam ocorrer no seu interior.

A suposta carga moral do termo solidariedade leva muitos a criticar seu uso.

José Luiz Coraggio, economista argentino que figura como uma das referências teóricas

no Brasil, por exemplo, discorda do termo ES porque este encarnaria uma perspectiva

fortemente moral e utópica ao centrar-se na contraposição ao capitalismo por seu caráter

egoísta. Para Coraggio, a expressão Economia do Trabalho revelaria melhor a

66

contraposição mais importante, que é ao capital (CORAGGIO in CATTANI, 2003).

Mas a discordância não impede a participação de Coraggio num evento que leve o nome

ES.18

Euclides Mance, por sua vez, reconhece na expressão ES uma ambigüidade

muito grande e considera a expressão “colaboração solidária”, cuja forma prática seriam

as “redes solidárias”, como mais adequada conceitualmente (MANCE, 2000).

Outras vezes, o uso de termos como “ socioeconomia” (ou socioeconomia

solidária) marca diferentes fontes teóricas. No caso da Rede Brasileira de

Socioeconomia Solidária, ele está claramente ligado à linha de trabalho da ONG PACS

e de seu maior teórico, Marcos Arruda. No caso, o centro da crítica dos profissionais da

ES é o caráter assumido pela economia como relação entre iguais, mediada por coisas,

trocadas livremente no mercado e marcada pela busca individual por vantagens

materiais. Por isso este termo - economia - deve ser substituído por outro termo.

No caso da Cáritas, não se abre mão do termo “popular” (Economia Popular

Solidária - EPS). Claramente relacionado à tradição da Igreja Católica, de forte ligação

com as comunidades e com os pobres, o termo “popular” marca as raízes e fundamentos

da participação da Cáritas na ES.

3.3. Os sentidos da economia e da solidariedade

O termo “economia” que compõe a expressão Economia Solidária assume, nos

diversos espaços de discurso (escrito ou não) dois sentidos. O sentido mais comum é

que “economia” se refere aos processos e relações sociais envolvidas na produção,

circulação e consumo de bens materiais e serviços, geralmente mediados pelo dinheiro.

Noutro sentido a “economia” é considerada como entidade separada do social,

autônoma, fria e desumanizada. Ganha o sentido daquele espaço em que prevalecem

relações de competição e concorrência, como equivalente de “mercado”.

No mundo em que vivemos, “economia” significa economia de mercado.Mercado significa viver da exploração voltada exclusivamente a obtercada vez mais lucro, baseando-se essencialmente na competição,concorrência e, conseqüentemente, na exclusão dos menos competitivos eperdedores. Assim, de certa forma, as palavras “economia” e

18 Um dos espaços em que o debate relatado ocorreu foi no evento já mencionado “Encontro Internacionalde ES” ocorrido na USP nos dias 25 e 26 de julho de 2003, organizado pela ITCP-USP e pelo NESOL(Núcleo de ES da USP)

67

“solidariedade” representam duas áreas antagônicas. ( VERARDO, 2003)

Alguns profissionais defendem que o sentido “original” e etimológico da

palavra economia seja resgatado, ou seja, o de administração da casa. Assim seria

possível acentuar o caráter mais “humano”. Neste sentido, não deixa de estar implícito

que a economia que se pratica hoje, seria uma perversão de um suposto sentido

primordial.

Este novo paradigma desponta, relacionando a economia com sua funçãooriginal, a ‘gestão da casa’, referida aqui a todas as casas em quehabitamos nesta existência, desde o nosso corpo até o planeta Terra,passando pelas comunidades que nos situam, o município, o estado, o paísa macro-região, o continente. (GT-BRASILEIRO, 2002:12)

O termo mais significativo que compõe a expressão “economia solidária” é

justamente o segundo, que qualifica o primeiro. Existem múltiplos sentidos implicados

na palavra “solidário(a)”. Ela reflete as muitas concepções sobre a ES que convivem

neste campo. Num certo sentido, os termos “solidário (a)” e “solidariedade” carregam

em si a polissemia e a pluralidade que caracterizam o mundo da ES.

Segundo a definição do dicionário Aurélio para “solidariedade” destacam-se três

matrizes de idéias: 1) “ Sentido moral que vincula o indivíduo à vida, aos interesses, às

responsabilidades dum grupo social, duma nação, ou da própria humanidade”; 2)

Relações de responsabilidade entre pessoas unidas por interesses comuns (…)”; 3)

(verbete “solidário”): “Que partilha o sofrimento alheio, ou se propõe a mitigá-lo”

(grifos meus) (FERREIRA, 1986:1607). Pode-se dizer que são estas, também, as três

matrizes de sentido atribuídas aos termos “solidariedade” e “solidário (a)” no discurso

dos profissionais da ES.

Estes três sentidos da solidariedade podem ser associados a três visões distintas

que se apresentam por vezes como concorrentes, por outras como complementares no

que diz respeito às representações sobre a ES. A estas três idéias seria possível associar,

respectivamente, as seguintes formulações: 1) O compromisso com a localidade

(desenvolvimento local) e com o meio ambiente, a superação do racismo e da

desigualdade entre homens e mulheres; 2) Associação das pessoas para produzirem ou

consumirem (praticar economia) de forma mais vantajosa, num sentido amplo, para

68

todos os envolvidos; 3) Oferecer àqueles que não têm acesso a trabalho e a meios de

vida necessários para a sobrevivência (“excluídos”), uma forma de obter renda e

pertencer a uma coletividade.

Pode-se perceber que o termo “solidariedade” assume diferentes sentidos de

acordo com aquele que o enuncia e com o espaço em que enuncia. Nos encontros, por

exemplo, muitas vezes a solidariedade é evocada num sentido que poderia se dizer

“ organizativo”. Ou seja, nos apelos para que todos tenham direito à palavra, para que

ninguém pegue muitos pãezinhos e deixem para os demais, e para que ninguém pegue

mais de um colchão para dormir. (Na quadra de esportes que serviu de alojamento na III

Plenária Nacional de Economia Solidária se lia uma faixa: “Ser solidário é dividir o pão

e o chão”.)

Além disso, o termo “solidariedade” pode assumir um sentido de ligação

transcendental entre os homens e deles com a natureza e o universo.

Em vez de conceber a nós mesmos como seres isolados, absolutamenteindividuais, vinculado apenas ao nosso próprios Ego, e aos nossosinteresses e desejos, perceber-nos como seres indissoluvelmenteinterconectados, entre nós, com a natureza e com todo o cosmos, pelanossa origem e destino evolutivo. (ARRUDA in BOFF, ARRUDA,2000:125)

Outro caráter da “solidariedade” mais comum em textos escritos e de explicação

sobre as origens da ES é o da solidariedade de classe. Na maioria das construções que

apontam a origem histórica da ES, uma das principais fontes é a organização sindical

(SINGER, 2002).

Uma análise mais geral das representações no mundo da ES, levando em

consideração sua diversidade e as práticas que deram origem a ela (como o trabalho das

ONGs e da Igreja Católica, por exemplo), pode perceber que a solidariedade é um

sentimento ou uma idéia que dá sentido a todo este universo. A solidariedade é aquilo

que permite colocar em relação os que são desiguais. A solidariedade não é apenas um

termo em torno do qual gravitam as representações deste mundo, mas a possibilidade de

sua existência como universo de diversidade.

Cabe ressaltar também que “solidário (a)” é uma qualificação que, em boa parte

das vezes, significa “ter relação com” ou “ser relativo a” Economia Solidária, ou seja,

não remete a um significado da palavra mas a uma relação com um conjunto de idéias e

69

práticas. Assim, é possível falar em “ software solidário”, “fundos solidários de

desenvolvimento local”, ou “cartão de crédito solidário” ( MANCE, 2003 b).

3.4. Narrativas sobre a origem da Economia Solidária

As narrativas sobre sua origem constituem um elemento central na ES. Elas não

se confundem com a origem da expressão “economia solidária”, nem mesmo com a

existência deste universo de profissionais e entidades que passaram a atuar em nome

dela. Elas tratam, como apontado anteriormente sobre o livro Introdução à Economia

Solidária, da determinação daquelas que seriam suas raízes sociais e históricas. É destas

representações, destes “mitos de origem” que tratarei a seguir.

A origem da ES é associada pelos seus profissionais à pobreza e à necessidade

de os trabalhadores sobreviverem ao desemprego. A ES surgiria como alternativa

possível à situação de necessidade imposta pelo capitalismo aos trabalhadores. Alguns

autores consideram, inclusive, que a solidariedade é um sentimento que surge apenas

quando existe uma situação extrema de necessidade: “Solidariedade é um sentimento

que se manifesta em tempos de crise.” (LOPEZ, 2000)

A partir desta concepção, os profissionais da ES traçam um paralelo entre as

condições vividas pelos trabalhadores europeus no fim do século XVIII e começo do

século XIX e os trabalhadores brasileiros nos anos 1980 e principalmente nos anos 1990

(SINGER, 2002), daí sendo possível mostrar aquilo que existe hoje como tendo suas

raízes na Europa há quase dois séculos. A partir deste paralelo, seria possível ainda,

demonstrar que as soluções que os trabalhadores buscariam, quase que naturalmente,

seriam justamente às ligadas à cooperação. Estando isso suposto, seria possível atribuir

o mesmo nome às práticas contemporâneas e àquelas mais antigas. Assim, aquelas

práticas e idéias defendidas no século XIX recebem o nome de “economia solidária”

hoje, apesar de não terem sido assim reconhecidas por seus ideólogos.

Apesar de a teoria de origem da ES destacar os fundamentos essencialmente

espontâneos de organização dos trabalhadores, também os teóricos do chamado

“socialismo utópico” são considerados uma das suas fontes. Trata-se principalmente de

Charles Fourier, Pierre Proudhon e, principalmente Robert Owen e suas propostas sobre

comunidades alternativas, organizadas segundo princípios igualitários (SINGER in

CATTANI, 2003).

70

A economia solidária não é a criação intelectual de alguém, embora osgrandes autores socialistas denominados ‘utópicos’ da primeira metade doséculo XIX (Owen, Fourier, Buchez e Proudhon etc.) tenham dadocontribuições decisivas ao seu desenvolvimento. A economia solidária éuma criação em processo contínuo de trabalhadores em luta contra ocapitalismo. Como tal, ela não poderia preceder o capitalismo industrial,mas o acompanha como uma sombra, em toda sua evolução. (SINGER inSINGER, SOUZA, 2000:13) (grifo do autor)

A economia solidária do trabalho apresenta-se como um marco de resgatede inúmeras experiências do movimento das classes trabalhadoras que, nocoração da crise de hegemonia do capitalismo global e na busca dereconstrução de paradigmas de emancipação, combina as aspirações deliberdade com a materialidade da igualdade, através da revalorização daautonomia e da cooperação horizontal entre os cidadãos e cidadãs, comoprodutores e reprodutores da forma de riqueza material e imaterial nasdiferentes sociedades. (BOCAYUVA in GTBRASILEIRO, 2002)

A economia Solidária ressurge hoje como resgate da luta históricas dos(as) trabalhadores (as), como defesa contra a exploração do trabalhohumano e como propostas de superação ao modo capitalista de organizaras relações sociais dos seres humanos entre si e com a natureza.(documento guia para a discussão de preparação para a II PlenáriaNacional de Economia Solidária)

Uma das experiências que vai, por um lado, marcar historicamente as teorias

sobre o surgimento da ES e, por outro, tornar-se paradigma de organização solidária é a

dos chamados “pioneiros de Rochdale”. Esta experiência, criada em 1844 por

trabalhadores de Rochdale fornece, até hoje, os princípios de igualdade e democracia

considerados como base do cooperativismo “autêntico”. Os “Pioneiros Equitativos de

Rochdale” eram inicialmente uma cooperativa de consumo. A partir do dinheiro

depositado como poupança, foi possível criar inúmeras outras cooperativas, e absorver

outras mais. Mas a grande importância atribuída a este empreendimento é o lançamento

dos chamados “princípios de Rochdale” que forneceram as bases, segundo Singer, da

ES. (SINGER in CATTANI, 2003)

Segundo Singer, existe um lapso na história da ES. Entre o desenvolvimento de

experiências como a de Rochdale, as idéias de Owen e o nascente cooperativismo

operário o início do século XIX, há um grande período de “degeneração” do

cooperativismo, quando os valores fundamentais que nortearam seu surgimento teriam

71

sido esquecidos e as cooperativas teriam passado a ser mais uma forma de organizar o

capital. Singer atribui isto, em parte, à capacidade do capitalismo de absorver estes

trabalhadores, principalmente através do Estado de Bem-estar Social e de políticas de

pleno emprego.

Com o fim do Welfare State e o domínio das políticas neo-liberais,

principalmente na década de 1990, a ES ressurgiria. No Brasil, o desemprego e a

chamada reestruturação produtiva seriam os responsáveis por marginalizar e excluir

uma grande massa de trabalhadores que, sem outra opção (como os operário do século

XIX), buscariam outras formas de produzir e garantir trabalho e renda. Do ponto de

vista destas narrativas, um dos principais processos associados tanto ao neoliberalismo

quanto ao surgimento da ES no Brasil seria o grande número de empresas que fecharam

as portas. Algumas empresas falidas passam a ser geridas pelos trabalhadores, antes

seus empregados, constituindo empresas autogestionárias, um dos elementos de grande

importância na ES.

Principalmente no caso do Brasil, a ES apareceria como fruto do desemprego e

da exclusão, num certo sentido, como única opção disponível.

Com a crise social das décadas perdidas de 1980 e 1990, em que o país sedesindustrializou, milhões de postos de trabalho foram perdidos,acarretando desemprego em massa e acentuada exclusão social, aeconomia solidária reviveu no Brasil. (SINGER, 2002: 122)

Como em outras partes do mundo, o tema economia solidária é retomadono Brasil em meio a um contexto de crise do emprego e de reestruturaçãoprodutiva na economia capitalista. (IBASE, 2003)

No início da década passada, com a intensificação do processo de aberturada economia brasileira aos mercados internacionais, surgiu um novodesafio no mundo do trabalho: o desemprego estrutural ou tecnológico, ouseja, o desemprego sem retorno. (...) Foi neste processo de mudança queapareceram no Brasil, se não os primeiros, significativos projetos deautogestão, onde os trabalhadores passaram a assumir o controle dosativos das empresas de produção industrial e, principalmente, o controleda gestão. (ANTEAG in GTBRASILEIRO, 2002:18)

Existem dois tipos de argumentos que se articulam na busca por legitimidade no

que diz respeito às representações sobre as origens da ES. Um deles é o da antigüidade.

A ES não seria algo absolutamente novo, uma “invenção”, mas teria raízes. Articulado

72

a isto está o argumento da “naturalidade” com que surge a ES e de suas origens

populares por excelência.

Existe também um outro nível do “mito de origem”. Ele também não se

confunde, aos olhos dos profissionais da ES, com o surgimento da expressão, com sua

relação com a academia ou com a origem da ES enquanto suposto fenômeno histórico.

Menos comum entre os profissionais da ES, o centro desta narrativa gira em trono da

idéia de “movimento”.

Singer identifica como o “movimento pela ES” o conjunto de iniciativas e

organizações que tinham em comum a idéia de que empreendimentos econômicos

baseados em princípios igualitários poderiam ser um instrumento de combate à pobreza

e ao desemprego (SINGER in SINGER, SOUZA, 2000 b: 123). A idéia de

“movimento”, no caso, também remete à idéia de reivindicação e à inserção deste

debate no campo político.

A campanha Ação da Cidadania Contra a Fome e pela Vida que teve início em

1992 também é destacada por Singer como um espaço importante para o surgimento (ou

“ressurgimento”) da ES no Brasil. Segundo o autor, já em 1993 a campanha toma novos

rumos, assumindo que não bastava distribuir alimentos, mas era preciso gerar trabalho e

renda para os pobres (SINGER in SINGER, SOUZA, 2000 b). A influência é clara

quando se trata da criação das ITCPs com o financiamento pela Finep e Fundação

Banco do Brasil no âmbito de um Comitê de Entidades Públicas no Combate à Fome e

pela Vida (COEP) da campanha.

A criação da Anteag, em 1994 também seria um momento importante, pois pela

primeira vez se colocaria, a partir de uma entidade organizada, a questão do controle

pelos trabalhadores de empresas falidas. A ação da Cáritas através dos PACs seria, da

mesma forma uma das sementes do movimento pela ES.

Outro ponto que aparece como marco na narrativa dos profissionais sobre o

“movimento” pela ES é a inclusão deste tipo de proposta em vários programas de

governo, já em 1996 (eleições municipais), quando não havia ainda espaços nacionais

de articulação em torno da ES e que a maioria das entidades ainda não usavam o termo

ES, mesmo que já praticassem algumas das atividades que posteriormente seriam

classificadas como de ES.

73

3.5. Economia Solidária como teoria econômica

Os profissionais da ES consideram-na como um teoria econômica, ou seja,

baseada nas considerações acerca das relações que são construídas tendo como base as

formas de produzir, fazer circular e consumir produtos e serviços.

Este fato, como dito anteriormente, se comprova na medida em que o centro da

representações acerca do que seja a ES se encontram nos empreendimentos solidários. É

a partir destas representações que os profissionais da ES constróem todo uma arcabouço

de argumentos e idéias em que baseiam suas concepções sobre a possibilidade de uma

outra economia.

Seguindo as análises de Hirshman e Dumont, já apontas, pode-se buscar a

compreensão da ES como teoria econômica. Seguindo as análises de Hirshman, deve-se

atentar, primeiramente para o fato de que a teoria econômica está baseada em

concepções sobre a essência dos humano, as motivações que levam pessoas agir de certa

forma e não de outra. Como mostra o autor, as estas concepções são históricas e

marcadas por uma relação com a prática econômica. Dumont oferece os instrumentos

para que a teoria econômica não seja abordada a partir de supostas separações entre a

política, a ciência e a ideologia. É a partir deste arcabouço que é possível entender de

que forma a ES se constrói como teoria econômica.

A ES nega a concepção de que os seres humanos se comportariam naturalmente

com base no desejo de maximizar o seu lucro de forma absolutamente racional e

individualista. Este comportamento seria fruto não de uma suposta essência, mas do

capitalismo que, ao contrário, vai contra a natureza essencialmente solidária. Esta

concepção às vezes está baseada no argumento de que a natureza funciona de forma

solidária e cooperativa.

A comprovação disso seria o fato de que, quando “excluídos” do capitalismo, os

indivíduos tenderiam naturalmente à cooperação (como apontado anteriormente, um

argumento central da ES).

Mas o “homem solidário”, não diferiria do “homem econômico” por sua falta de

racionalidade. A racionalidade solidária estaria no fato de que só é possível ao indivíduo

estar bem quando o mundo a sua volta também está. Além disso, residiria no fato de

que, para ser feliz, não basta ao homem ter dinheiro, mas precisa pertencer a uma

comunidade, ter laços de afeição pelos que são próximos e desfrutar de uma segurança

74

que só o sentimento da solidariedade, num sentido forte, poderia oferecer.

A preocupação com o meio ambiente também se insere na racionalidade do

homem solidário. Para os profissionais da ES não existe nenhuma racionalidade em, em

nome do lucro, destruir a ambiente que o cerca, já que esta destruição impediria o

próprio usufruto do lucro.

Diferente do argumento da teoria econômica que justifica o capitalismo, a ES

supõe que o interesse comum deve ser buscado, mas não porque ele seja uma pretensão

que fugisse da natureza dos homens, mas porque esta natureza estaria reprimida.

Os profissionais da ES vão encontrar as fontes da desigualdade e da pobreza,

não nas supostas falhas exteriores ao capitalismo, mas na sua própria lógica que tende a

excluir.

Os fundamentos dos argumentos da ES não diferem em natureza dos argumentos

da teoria econômica que justifica o capitalismo. Ou seja, recorre da mesma forma a uma

suposta natureza humana, às práticas econômicas como estruturadoras da sociedade e

capazes de produzir bem estar para todos. Pode-se dizer que a ES como teoria

econômica é uma tentativa de “jogar no mesmo campo” do suposto adversário.

Os profissionais da ES reconhecem que as relações econômicas são a base de

um sistema injusto. Também reconhecem que as relações econômicas se realizam nas

unidades econômicas (empresas, bancos, etc). A partir disso, compreende-se a

centralidade dos empreendimentos, que como locus da ES, podem transformar as

relações econômicas que por sua vez podem construir a base da um sistema justo.

3.6. Práticas econômicas

O centro das propostas da economia solidária é o sistema econômico. Existem

alguns empreendimentos que são considerados como pertencentes ao âmbito da ES.

Vistas como meios da luta política por muitos de seus profissionais, as formas

defendidas não são caracterizadas por aspectos formais. Poderia-se dizer que a

cooperativa, aliada ao princípio da autogestão, é um dos núcleos do ideário da ES e de

sua construção enquanto teoria econômica. A Anteag parece ser a única entidade que

possui um critério explícito, objetivo, para considerar uma empresa como

autogestinária. Apesar disso existem alguns princípios consensuais que caracterizam um

empreendimento solidário, e existem também critérios para definir o que não é

75

solidário.

3.6.1. Cooperativas

As cooperativas são o paradigma principal da ES. Elas seriam o locus do

trabalho coletivo, não alienado, voltado não para o lucro, mas para a satisfação de cada

um e da comunidade. Na cooperativa existiria a realização do sentido da solidariedade.

É na cooperativa também que os valores como democracia participativa, ética e

confiança são fundamentais.

É também a partir das cooperativas que se produz um importante recurso de

legitimação por parte dos teóricos. A antigüidade da ES é atrelada à existência, há

muito, de cooperativas.

A ES é vista como o “outro” da produção capitalista. Enquanto na empresa

capitalista o poder de decisão se define a partir da quantidade de ações e só os donos

podem decidir, além de, é claro. os trabalhadores não terem qualquer poder, na

cooperativa, enquanto ideal a ser atingido, todos tomam as decisões coletivamente, cada

pessoa tem direito a um voto e o lucro é proibido.

Hoje existem muitos empreendimentos que se chamam cooperativas. Mas para

os profissionais da ES nem todas as cooperativas são cooperativas de verdade. As falsas

cooperativas seriam aquelas que não seguem os princípios do cooperativismo autêntico

inaugurado pelos “pioneiros de Rochdale”. A marcação desta diferença é fundamental.

Uma cooperativa não é, para os militantes da ES, apenas uma forma jurídica. A

cooperativa é uma forma de organizar o trabalho e a produção, mas com bases e

princípios morais e ideológicos definidos.

As “ coopergatos” ou “ cooperfraudes”, segundo os profissionais da ES, são

cooperativas apenas no nome, mas não seguem os princípios cooperativistas. À ES

pertenceriam apenas as cooperativas “autênticas” ou “de novo tipo”. A aparente

contradição entre os termos “autêntico” e “de novo tipo” se deve às duas formas de

explicar o surgimento da ES. A “autenticidade” se remeteria à origem mais longínqua e

aos “princípios de Rochdale”. “Novo tipo” remeteria ao cooperativismo chamado

“oficial”, que existiria hoje no Brasil e do qual a ES quer se distinguir.

76

3.6.2. Gestão pelo trabalhadores de empresas falidas (ou autogestão)

Para os profissionais da ES este tipo de experiência surge no Brasil na década de

1990 devido ao grande número de falências. Depois da empresa falida, os trabalhadores

passam a gerenciá-la de forma autogestionária. Semelhante ao fenômeno das

“recuperadas” na Argentina, o começo deste processo no Brasil é considerado como um

dos marcos do surgimento da ES no Brasil.

Este processo tem sua origem principalmente na falta de perspectiva de os

trabalhadores de uma empresa falida terem oportunidade de conseguir outro emprego

aliado a pouca chance de receberem aquilo que a empresa deve a eles no que diz

respeito aos direitos trabalhistas de forma rápida. Por isso alguns grupos de

trabalhadores optam por aceitar a estrutura da fábrica (geralmente são fábricas) como

pagamento dos direitos trabalhistas, se associam em forma de cooperativa e continuam a

produção.

A autogestão é um tipo de experiência que suscita muitos debates e levanta

questões importantes. Uma delas é a de se tentar estabelecer uma relação igualitária de

trabalho no lugar por excelência da relação capitalista: a fábrica. Além disso os

trabalhadores que produziam na empresa capitalista, na maioria das vezes são os

mesmos que trabalham depois na autogestão, o que levanta questões sobre a

possibilidade de mudança de uma mentalidade de empregado a uma mentalidade de

cooperado. Estes debates podem ser vistos principalmente nas questões reconhecidas

como “gargalos” pelos profissionais da ES (dificuldade em convencer os trabalhadores

que trabalhar “sem carteira assinada” pode ser interessante) e nas dificuldades

apontadas principalmente pela Anteag em construir uma “nova cultura do trabalho”

(ANTEAG, 2000)

3.6.3. Clubes de troca e Moeda Social

Através dos clubes de troca é possível estabelecer intercâmbios de bens e

serviços sem a mediação de dinheiro oficial.

Estes clubes têm um número definido de participantes e regras para a

participação. Existem vários sistemas diferentes. No Brasil são poucas as experiências

de clubes de troca. Muitas vezes eles ocorrem associados a outros tipos de

empreendimento, como cooperativas. O clube de troca tem como objeto imprimir

77

também à esfera da circulação, um caráter solidário. Sem a mediação do dinheiro oficial

é possível estabelecer outros parâmetros para a troca, que não o do lucro pelo lucro.

A moeda social também se inscreve na esfera da circulação das mercadorias e é

um instrumento complexo, que exige uma organização maior e mesmo um

conhecimento contábil significativo. As moedas sociais circulam também em grupos

restritos e podem ou não ter seu equivalente em dinheiro oficial. Os clubes de troca e as

moedas sociais suscitam discussões complexas sobre valor e sobre as possibilidades de

estabelecer trocas “solidárias” em grande escala.

3.6.4. Consumo ético (ou solidário)

Faz parte do projeto da ES imprimir um caráter “militante” ao consumo. É claro

que o estímulo à compra de produtos “solidários” tem como uma das finalidades a

viabilização financeira dos empreendimentos, mas o sentido do consumo solidário (ou

ético, ou consciente) não se restringe a este fator. Na verdade, o que se propõe é que o

consumo seja tão engajado quanto a produção cooperativa.

A idéia de tornar o consumo uma ferramenta política não é nova. Muitos

movimentos políticos já se utilizaram da proposta de consumo engajado. Ultimamente,

por exemplo, uma das bandeiras dos diversos movimentos sociais que se contrapuseram

à guerra no Iraque era o boicote a produtos americanos, notadamente a Coca-cola e o

McDonald’s, considerados ícones da cultura norte-americana e o boicote aos produtos

da Nike, denunciada por utilizar mão-de-obra infantil, semi-escrava na produção de

tênis na Indonésia19. Por outro lado, associações de consumidores tampouco são

novidades (principalmente na Europa). As vantagens de compras em maior quantidade,

fazem com que se formem grupos que podem comprar juntos alguns produtos e,

eventualmente, até diretamente com os produtores, obtendo vantagens financeiras.

O que a ES propõe é que o consumo, coletivo ou não, seja militante. Ou seja,

que se torne relevante para os consumidores a forma como aquela mercadoria é

produzida. Num sentido, pode-se facilmente associar esta idéia aos selos de qualidade,

muitas vezes adotados por associações de produtores ou por governos (geralmente

estimulados por aqueles) com o objetivo de fazer com que o comprador reconheça um

19 Nota-se aí também que não se trata meramente do poder de provocar perdas financeiras às empresas,mas numa forma de negar idéias através dos seus símbolos.

78

valor “a mais” num produto atestado.

A proposta de consumo ético é a de tornar um valor importante agregado ao

produto, a forma como se dão as relações de trabalho e de troca que o fizeram chegar a

suas mão. Note-se que, mesmo os selos “sociais” (trabalho infantil e poluição), estão

atestando valores estabelecidos e, eventualmente, regras legais. O consumo ético, no

Brasil, não conta com meios que permitam critérios quantificáveis ou reguláveis por

leis.

Na proposta de consumo solidário o ato de comprar passa a ser ativo, podendo

se tornar uma forma de solidariedade e de protestar ao mesmo tempo. Um aspecto

relevante do consumo ético é fazer com que qualquer pessoa possa ser parte da ES

mesmo que diretamente não esteja associada para este fim.

Como já foi mencionado, os selos são um instrumento importante para atestar

certas qualidades a mercadorias. Também é uma importante reivindicação dos

profissionais da ES que se crie (principalmente através da SENAES) um selo de ES.

Marcar os produtos solidários seria um recurso de propaganda e divulgação da ES,

inclusive porque, por causa da escala de produção muitas vezes reduzida, produtos

solidários podem ser mais caros. Para convencer a comprar um produto mais caro é

preciso mostrar que este possui uma qualidade especial.

O ato de consumo, portanto, não é apenas econômico, mas é tambémético e político. Trata-se de um exercício de poder pelo qualefetivamente podemos apoiar a exploração de seres humanos, adestruição progressiva do planeta, a concentração de riquezas e aexclusão social ou nos contrapor a esse modo lesivo de produção,promovendo, pela prática do consumo solidário, a ampliação dasliberdades públicas e privadas, a desconcentração da riqueza e odesenvolvimento ecológica e socialmente sustentável. Ao selecionar econsumir produtos identificados pelas marcas das redes solidárias nóscontribuímos para que o processo produtivo solidário encontre seuacabamento e que o valor por nós dispendido em tal consumo possarealimentar a produção solidária em função do bem viver de todos queintegram as redes de produtores e consumidores. (MANCE, 2000)

3.6.5. Comércio Justo (Fair Trade)

O comércio justo ou fair trade diz respeito ao comércio internacional. Seu foco

principal são as relações comerciais entre países pobres e países ricos. Esta proposta

79

parte da idéia de que se deve pagar ao produtor um “preço justo” pelos seus produtos.

Além disso as relações comerciais seriam também produtoras de desigualdades, sendo

possível minimizá-las transformando o comércio numa forma de solidariedade aos

países pobres e seus produtores pobres. Este tipo de comércio tem como base a

produção em países latino-americanos e africanos e o consumo principalmente na

Europa, mas também nos Estados Unidos e Canadá.

Existem várias entidades e ONGs que praticam o comércio justo, importando,

elas mesmas os produtos dos países sub-desenvolvidos para países desenvolvidos.

Existe uma organização internacional que certifica os produtos do fair trade através de

critérios que têm como centro as condições sociais em que aquelas mercadorias são

produzidas, mas também a qualidade dos produtos. Existem lojas de produtos do

comércio justo principalmente na Europa. A maior parta do comércio é de produtos

agrícolas e artesanato. No Brasil existe uma loja de comércio justo em São Paulo.

O comércio justo seria a internacionalização das trocas solidárias, com um

caráter claro de solidariedade entre países desenvolvidos do Norte e países pobres do

Sul, já que uma das críticas da ES é justamente a desigualdade entre o norte rico e o sul

pobre.

3.6.6. Crédito Solidário

Geralmente se dá o nome de crédito solidário ao crédito que é dado a

empreendimentos solidários. Ou seja, a origem em si do dinheiro não é considerada,

mas o alvo do crédito, podendo partir de governos, de entidades como a ADS - CUT ou

de bancos.

Porém, os profissionais da ES vêem a possibilidade de construir um sistema

financeiro solidário a exemplo dos bancos solidários europeus. Estes bancos contam

com capital de trabalhadores, que depositam seu dinheiro e são ao mesmo tempo donos

do banco, podendo decidir a que tipo de empresa e iniciativa se destinam seus

investimentos (também podendo ser chamados de cooperativas de crédito). Estima-se

que em alguns países da Europa uma parte significativa do sistema financeiro funciona

desta forma (SINGER, 2002).

Constituir um sistema financeiro solidário seria uma forma de completar as

“cadeias produtivas solidárias”, possibilitando que toda uma parte da economia só

80

circulasse em empresas e associações solidárias.

Segundo relatos, antes do golpe militar em 1964, a maioria das cooperativas que

existiam no Brasil era de crédito. Mudanças nas leis que regiam o sistema financeiro

extinguiu ente tipo de iniciativa. Uma das reivindicações é uma mudança nas leis sobre

sistema financeiro que permita a existência de bancos solidários, o que seria importante

para que a ES tivesse existência autônoma.

3.7. A construção da crítica e os “gargalos”

Neste item tratarei da representações no mundo da ES como crítica ao

capitalismo tendo como base as reflexões de Boltanski e Chiapello no livro Le Nouvel

Esprit du Capitalisme (1999). As análises dos autores serve como base para reconhecer

a ES como crítica ao capitalismo, ao mesmo tempo que permite organizar seu arcabouço

argumentativo.

Como visto anteriormente é comum que os profissionais da ES atribuam o

surgimento da ES com o desemprego e à "exclusão". É recorrente o argumento de que o

surgimento destas práticas alternativas se dá quase que naturalmente como resposta a

demandas essenciais e mesmo de sobrevivência. Ou seja, a fonte da crítica é

apresentada como fruto natural do capitalismo. Neste sentido a crítica é apresentada

como a busca de solução para problemas imediatos daqueles que estão "fora". Um dos

fortes argumentos que vão dar força à crítica é justamente o da naturalidade com que

surge a ES. O fato de a ES nascer de uma suposto não cumprimento da promessa do

capitalismo em oferecer bem estar para todos seria uma forma de apontar uma

contradição demolidora, como se o capitalismo fornecesse ele mesmo as provas de sua

ineficiência.

Os profissionais da ES, como visto anteriormente, reconhecem que as relações

econômicas são a base do sistema injusto e por isso podem ser também a base de sua

crítica.

O que fica bastante explícito na teoria na ES é que existe um reconhecimento de

que exista um "espírito do capitalismo", no sentido apontado por Weber (2001). Isto

significa que faz parte do instrumental argumentativo da ES a percepção de que o

capitalismo possui dimensões diversas e que é preciso também disputar no terreno das

motivações pessoais. Pode-se reconhecer isso a partir de uma tentativa de, também na

81

crítica por parte da ES, propor um outro "espírito". Assim, como aponta Weber e

reafirmam Boltanski e Chiapello, uma suposta compensação pelo lucro não são

suficientes para que o capitalismo exista e seja justificado, também não é no plano dos

ganhos materiais que a argumentação da ES se constrói. Talvez seja uma das

características mais marcantes da ES a tentativa de associar a mudança social

justamente a diversos níveis e esferas: do pessoal ao nacional e internacional, do local

ao global.

Como visto anteriormente em relação à ES como uma teoria econômica que

tenta se contrapor à teoria econômica que justifica o capitalismo, da mesma forma pode-

se dizer que os profissionais da ES propõem um “espírito da economia solidária” a

partir da confrontação com as principais “argumentos” do capitalismo.

Boltanki e Chiapello mostram que as críticas ao capitalismo correm o risco de

endogenização. Reconhecem na capacidade de o capitalismo de absorver as críticas sua

maior vitalidade e capacidade de renovação. Assim, a crítica pode servir para fortalecer

o capitalismo, renovando-o.

É interessante apontar que os profissionais da ES têm preocupação com o fato de

suas reivindicações por um mundo mais justo sejam incorporadas e a crítica seja aos

poucos esvaziada. Henri Rouillé d'Orfeuil mostra que esta é uma questão delicada. A

partir do momento, por exemplo, em que várias empresas cumprem exigências dos

movimentos de crítica (movimento sindical, ambientalista, etc) e se tornam "empresas

socialmente responsáveis" elas parece não só anular a crítica, mas "virar o jogo". É

assim que d'Orfeuil coloca o problema:

Sem acabar com a convicção real de inúmeros atores, dirigentes ouempregados, a empresa cidadã parece ser apenas um argumento de apoiopara demonstrar que o lucro, de um lado, e a defesa dos interesses dosempregados de outro, são criadores de interesse geral. (D'ORFEUIL,2002:120)

Dois outros conceito apontados por Boltanki e Chiapello ajudam a compreender

as representações no mundo da ES. Eles são as “ordens de indignação” e as “provas”.

A crítica ao capitalismo pode se dar a partir de quatro ordens de indignação. A

primeira é de o capitalismo como fonte de desencantamento e inautenticidade, a

segunda do capitalismo como fonte de opressão, a terceira como fonte de miséria e

82

desigualdade e, por último, como fonte de oportunismo e egoísmo pessoais. Os autores

fazem ainda um distinção entre dois tipos de crítica: a crítica artística e a crítica social.

A crítica artística estaria associada principalmente à idéia de desencantamento e

inautenticidade por um lado e da opressão característica do modo de vida burguês por

outro. Por sua vez, a crítica social, herdeira do socialismo e posteriormente do

marxismo, está associada às seguintes fontes de indignação: o egoísmo gerado na

sociedade burguesa e a desigualdade, ou seja, a existência de miséria numa sociedade

tão rica.

Podemos dizer que a ES se inscreveria na segunda categoria: a da crítica social.

Apesar disso, ela também apresenta traços das duas outras fontes de indignação

associadas à crítica artística. As quatro fontes de indignação, ou quatro pontos principais

de crítica são um instrumento muito interessante quando se analisa as diferenças entre

os diversos tipos de entidades e profissionais da ES. Pode-se reconhecer na diversidade

de sua abordagem, apontada anteriormente, a maior ou menor importância de cada

ordem de indignação.

O conceito de prova pode ser entendido num sentido parecido com o sentido

jurídico, mas também no sentido de desafio e crítica: pôr a prova. No que diz respeito às

provas, podemos lançar luz a idéia muito presente no mundo da ES sobre a necessidade

de a prática estar de acordo com a teoria. Quando argumentam estar colocando em

prática a solidariedade que defendem na teoria (durante os encontros, por exemplo) a ES

"prova" que, sim, é possível que outros princípios, diferentes dos princípios do

capitalismo, ordenem a relação entre as pessoas, o que iria de encontro ao que parece

ser uma das principais “provas” do capitalismo: os homens são naturalmente

competitivos e agem unicamente de acordo com seus próprios interesses, ou seja, o

capitalismo é “natural”. Desta forma o capitalismo é posto “a prova” através da própria

existência da ES, supostamente desafiado pela possibilidade de existir outra forma de

relação entre as pessoas diferente da capitalista com valores como egoísmo,

estranhamento do outro e hierarquia social.

Um ponto muito interessante do trabalho de Boltanski e Chiapello e que serve

como base para a reflexão sobre a ES é o da mudança do conceito de exploração para o

conceito de “exclusão”. Os autores vão mostrar que o conceito de exploração vem sendo

posto de lado em favor do de exclusão (Boltanski e Chiapello, 1999: 426). O uso do

83

conceito de exclusão estaria inserido numa forma de crítica que abre mão da acusação,

negando o conceito de luta de classes. Parece ser o caso da ES, que tem como inimigo a

“globalização excludente”, a competição, o lucro acima de qualquer coisa, mas não tem

um inimigo personalizado como classe. Esta mudança se apresentaria também como

rejeição às formas "tradicionais" de fazer política como no partidos políticos

(burocratizados e hierarquizados) e nos sindicatos, rejeição esta que pode ser

reconhecida em várias dimensões do mundo da ES.

Os profissionais da ES chamam de "gargalos" aquelas questões que eles

consideram problemáticas e como questões a serem enfrentadas. Nas resoluções de

encontros é comum que haja um seção com este nome. Os “gargalos” são as questões

sobre as quais geralmente há maiores debates e discordância entre os profissionais. Os

“gargalos” não deixam de ser aquelas questões que se apresentam como problemáticas

também no interior do mundo da ES, representando algumas dificuldades em construir

consenso.

O trabalho formal, com carteira assinada, vem diminuindo sensivelmente no

Brasil. Esta é uma das justificativas apresentadas pelos defensores da ES para a

constituição da nova economia como uma forma de oferecer trabalho e renda aos

desempregados. Isto estabelece o primeiro “gargalo”. O trabalho com carteira assinada

oferece garantias sociais (como aposentadoria etc) que o trabalho cooperado não

oferece. Assim, o trabalhador “solidário” ficaria em certa desvantagem. Este dilema se

apresenta com mais força aos sindicalistas, que têm como objeto de disputa justamente

os direitos trabalhistas e o aumento do emprego.

Uma das questões mais debatidas, principalmente no que diz respeito às

cooperativas, é a racionalidade necessária ao bom desempenho empresarial

(competitividade) e a sua relação com o caráter “solidário” da empresa. Os

investimentos, a divisão de trabalho e a própria gestão financeira devem estar de acordo

com os princípios democráticos, mas sem deixar de ser uma empresa inserida no

mercado. Como aponta Paul Singer, muitos críticos da ES dizem que ou a cooperativa

dá errado e acaba, ou se transforma numa empresa capitalista (SINGER, 2002).

Nos clubes de troca e em relação às moedas sociais o “gargalo” da convivência

entre a ES e o mercado também aparece. Os clubes de troca e as moedas sociais têm

alcance restrito a um número determinado de pessoas e mercadorias. É difícil que nestes

84

sistemas haja total independência em relação a bens e serviços que circulam no

mercado. Assim, há sempre uma tensão entre os sistemas, que pode ser sentida no

próprio dia-a-dia de seus participantes. Mais uma vez aparece o problema do estímulo à

participação já que se reconhece uma grande resistência em não ter em mãos dinheiro

oficial.

Também relacionada a esta polêmica está a discussão das condições e

possibilidades de convivência entre dois sistemas econômicos aparentemente

conflitantes. Não há duvida de que ES, pelo menos por algum tempo, possa conviver

sim com a economia capitalista. A questão é que a ES poderia se apresentar como

alternativa de transformação gradativa e ir se “infiltrando” nas áreas anteriormente

dominadas apenas por empresas capitalistas, ou então, ser um acessório (provavelmente

muito útil ao capital) da economia de mercado, responsável por afastar da completa

marginalidade pelo menos uma parte do grande contingente dos chamados excluídos.

Ao que parece, este questão é pano de fundo para muitas das divergências e críticas

apresentadas e também da elaboração dos profissionais. Henri d’Orfeuil inclusive

aponta que uma das “acusações” feitas aos defensores da ES é que estes seriam os

socialistas utópicos de hoje, acreditando que é possível mudar o mundo a partir do

reconhecimento de interesses gerais, comuns a todos (D’ORFEUIL, 2002).

A questão da escala também é apontada como problemática. Quando um

empreendimento capitalista tem êxito, ele cresce, expande as suas atividades, se

diversifica e emprega mais pessoas. No caso de empreendimentos cooperativos ou

autogestionários isto é bastante crítico. Existiria um risco de que relações de trabalho

assalariadas sejam inseridas nos empreendimento solidários, o que vai contra os

princípios genuínos da cooperação. Existe também um princípio segundo o qual os

empreendimentos não podem crescer além daquilo que seus cooperados são capazes de

administrar.

Um outro “gargalo” é justamente a relação com os gestores públicos e com as

políticas públicas, reveladas em vários conflitos, já apontados.

Conclusões

As teorias e representações presentes no mundo da ES revelam seu caráter

diverso, composto por um grande mosaico de diferentes elementos e pressupostos

85

teóricos. O termo ES e alguns princípios mais gerais, porém, são compartilhados,

fazendo com que haja um acordo mínimo que permite uma identificação entre os

diversos profissionais e entidades.

As representações no mundo da ES se assentam em pressupostos morais, de

idéias sobre o que é a essência humana e o que deve ser a relação entre as pessoas e

delas com o mundo que as cerca, concepções estas nas quais se baseia a construção da

ES como teoria econômica. Estes supostos são articulados através das relações

“econômicas”, o que gera uma conotação particular do termo “economia”.

A “solidariedade” como centro da ES é o termo que transforma outros a ela

associados. A polissemia que o termo “solidariedade” assume é a polissemia do próprio

mundo da ES. Os sentidos da “solidariedade” são tão diversos quanto o são os

profissionais da ES, as organizações, as formas de pertencimento etc. Mas a expressão

“economia solidária” parece gerar acordo sobre quais são os inimigos: a exclusão, o

egoísmo e a busca sem limites pelo lucro.

O trabalho permanente de produção de um vocabulário comum e da construção

de uma história que atribuam coerência a ES, inclusive como teoria econômica são uma

marca no que diz respeito às representações da ES.

86

CONCLUSÕES

A fluidez, a polissemia e ambigüidade, a diversidade e ausência de fronteiras

explícitas são as principais características do mundo da ES, assim como sua condição de

existência.

Os eventos que congregam os diversos tipos de profissionais são condensadores

de várias destas características e condições sociais de existência. A partir deles é

possível reconhecer quais são as classificações e hierarquias presentes, reconhecidas ou

veladas, quais as representações operadas pelos indivíduos que participam da ES.

As práticas observadas durante os eventos são uma fonte para que se reconheça

quais os princípios de organização do mundo da ES. O uso intenso de formas

ritualizadas e teatralizadas de produção de coesão, revelam o esforço em criar

identidade, num espaço em que a diversidade é a principal marca. O círculo é o símbolo

maior das idéias sobre ausência de hierarquia e comunhão.

As representações sobre a ligação com a terra e a nação, por exemplo, mostram

o esforço em se reconhecer dentro de um campo simbólico que não deixa de remeter às

origens múltiplas da ES no Brasil.

A plasticidade das formas de participar da ES, durante os eventos, e

reconhecidas na atuação dos diversos profissionais, confere à ES uma dinâmica que se

estende às formas de organização das entidades, e às formas de comunicação e de

interrelação entre os indivíduos e coletividades.

Existem diferenças reconhecidas como legítimas, outras que são festejadas e

objeto de orgulho. Outras devem ser superadas, outras são negadas. A diferença parece

ser a própria condição de existência da “solidariedade”, na medida em que é um

sentimento que une pobres e ricos, educados e deseducados, homens e mulheres.

As diferentes identidades presentes no mundo da ES parecem ser superadas

pelas lideranças carismáticas, ou talvez seja esta justamente a condição para que

exerçam este papel. As figuras carismáticas possuem capitais e agem de forma a serem

reconhecidos como pessoas com qualidades extraordinárias, cujas palavras têm especial

valor e cujo comportamento é exemplar.

As fronteiras da ES são espaços de interseção com os mundos da academia, do

Estado e das ONGs. Vários profissionais da ES atuam neste mundo transitando entre

87

esses espaços e sendo elementos de comunicação entre eles. Isto faz com que a ES seja

um elo de comunicação entre diversas esferas sociais.

A interseção entre Estado, academia e ONGs não se faz sentir apenas na ES.

Este é um espaço particular, onde é possível acumular capitais e adquirir legitimidade

para além da ES.

As maneiras existentes de circulação de informações também são muitas: desde

jornais, revistas, livros, panfletos até, e intensamente a Internet, os fóruns, os encontros,

etc. A Internet parece ser um instrumento especialmente afim à própria forma em rede

de organização da ES.

As teorias e representações presentes na ES são uma bricolagem, uma junção de

diversos elementos preexistentes, reorganizados num todo novo e particular. Mais uma

vez, a diversidade de profissionais e organizações se faz sentir.

As representações e teorias da ES se assentam em idéias sobre como o mundo

funciona hoje, qual a essência humana, sobre a história e, finalmente, sobre qual seriam

os princípios capazes de articular todos estes elementos de forma a produzir um projeto

de mudança social. Na construção da ES como teoria econômica e como crítica ao

capitalismo estas representações também estão implicadas.

Os “gargalos” reconhecidos pelos profissionais da ES não deixam de tentar o

observador a levantar algumas questões. A principal delas é a complexidade da relações

entre o Estado e os chamados movimentos sociais. Principalmente na conjuntura do

primeiro ano do governo de Lula (2003), a partir do que se pôde perceber em relação à

ES caberia se perguntar sobre as formas de transformar demandas e reivindicações em

políticas de governo se é que isso é possível, já que as políticas públicas são elaboradas

segundo dinâmicas diferentes da organização de demandas, ao mesmo tempo em que só

existem políticas se elas estiverem sendo demandadas por alguém.

Particularmente quando o Brasil conta pela primeira vez com um governo e um

presidente claramente identificados com as organizações populares (e que também pela

pela primeira vez com uma grande quantidades de quadros do movimento social

ocupando cargos no governo federal), a tensão entre as diversas formas de intervenção

política se confrontam.

O mundo da ES conta hoje com um braço no governo. As dificuldades são

muitas, na medida em que a dinâmica da ES, apesar de ter uma ligação grande com a

88

formulação de políticas públicas, não conta com instrumentos necessários para a

elaboração de uma política nacional.

Analisar este mundo em formação, cuja origem está tão próxima historicamente,

é uma oportunidade de observar dinâmicas que não seria possível em uma profundidade

temporal maior. Os participantes dos primeiros momentos, os que fizeram as primeiras

formulações estão atuantes, o que permite o acesso às formas como este mundo

efetivamente foi sendo criado.

A ES pretende se construir como um mundo diferente daquele das empresas

capitalistas tradicionais e também do mundo do trabalho informal. A ES propõe uma

economia na qual as pessoas se relacionem a partir de laços de cooperação e

solidariedade. Uma das singularidades da ES é que seus profissionais a consideram

como uma forma de mudar as relações imediatamente, o que confere um sentimento de

orgulho muito grande, principalmente aqueles que trabalham nos empreendimentos, por

reconhecerem que sua atividade como trabalhador transforma as relações ali e naquele

momento e não amanhã, num momento em que tudo envolta também tem que ser

diferente.

Independentemente de a ES poder ser ou não uma “alternativa ao capitalismo”,

ela á capaz de transformar o sentido das atividades de muitos indivíduos, que vão

reconhecer na participação neste mundo uma forma de contribuir para um mundo

melhor que, acima de tudo, é um mundo “possível”. Este sentimento é compartilhado

por vários tipos de profissionais, desde cooperados até acadêmicos, o que talvez seja o

que faça com que se reconheçam como pertencentes a um mesmo universo.

Para compreender o mundo da ES foi preciso afartar-se da idéia de que a ES se

constitui unicamente dos empreendimentos solidários e as relações econômicas que

ocorrem a partir deles. Desta forma foi possível aproximar-se das dinâmicas que tornam

possível a existência da ES e, inclusive, destes empreendimentos como tais.

89

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1996 jun Artigo de Singer na Folha de São Paulo (“Economia solidária contra odesemprego”)

out / nov Eleições Municipais

1998 Criação da ADS - CUT

filiação da Rede Universitária de ITCPs à Unitrabalho

out / nov Eleições Estaduais e presidencial

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2000 Publicação do livro “Economia Solidária no Brasil” organizado por PaulSinger e André Ricardo de Souza

jun Criação da Rede Brasileira de Socioeconomia Solidária (RBSES)

2001 jan I Fórum Social Mundial em Porto Alegre, RS

2002 Criação da Rede de Gestores Públicos em Economia Solidária

Publicação do livro “Introdução à Economia Solidária” de Paul Singer

jan II Fórum Social Mundial

out I Plenária Nacional de Economia Solidária em São Paulo (elaboração da“Carta ao Governo Lula”)

Eleições estaduais e presidencial

Eleição de Lula para presidente

2003 jan III Fórum Social Mundial

Publicação do livro “A Outra Economia”(lançamento durante o III FSM)

II Plenária Nacional de Economia Solidária (durante o II FSM)

Anúncio Público da criação da SENAES (durante o II Plenária Nacional deEconomia Solidária) e de Singer como seu titular

mai Plenária Estadual de Economia Solidária do Rio de Janeiro

jun Posse de Singer como titular da SENAES

III Plenária Nacional de Economia Solidária

Criação do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (durante a III PlenáriaNacional)

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Anexo 2

Fotografias

Fotografia 1 - Visão exterior da área de alimentação

Fotografia 2 - Visão exterior da área de venda de artesanato

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Fotografia 3 - Abertura da III Plenária Nacional de Economia Solidária (ao fundo,sentados à mesa, os primeiros oradores do evento)

Fotografia 4 - Abertura da III Plenária Nacional de Economia Solidária. Visão da platéia(pode-se ver alguns participantes usando os lencinhos com as siglas dos estados nacabeça)

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Fotografia 5 - Grupos em momento de discussão. Ao fundo se vêem faixas de saudaçãoe os painéis de alguns estados ainda sendo montados.

Fotografia 6 - Local onde eram feitas as refeições durante o evento.

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Fotografia 7 - Grupo em momento em que se elabora a síntese das discussões. Pode-sever os painéis com as cartolinas onde estão escritas as propostas.

Fotografia 8 - Corredor que leva ao auditório. Pode-se ver as diversas barraquinhas comprodutos e faixas de saudação.

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Fotografia 9 - Alguns painéis de estados e faixas de saudação.

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Anexo 3

Entidades que compõem o Grupo de Trabalho Brasileiro de Economia Solidáriado Fórum Social Mundial (GT-Brasileiro)

(em junho de 2003)

ABCredAssociação Brasileira dos Dirigentes de Entidades Gestoras e Operadoras deMicrocréditoCaráter: nacionalSede: São Paulo, SP

ADS - CUTAgência de Desenvolvimento Solidário da Central Única dos TrabalhadoresCriada em 1998Caráter: órgão de entidade nacional (Central Única dos Trabalhadores)Sede: São PauloPágina na Internet: www.ads.org.br

AnteagAssociação Nacional de Trabalhadores em Empresas de Autogestão e ParticipaçãoAcionáriaCriada em 1994Caráter: NacionalSede: São PauloPágina na Internet: www.anteag.org.br

Cáritas BrasileiraCriada em 1956Caráter: seção nacional de organização internacional (Cáritas Internacional)Sede: Brasília, DFPágina na Internet: www.caritasbrasileira.orgPublicações periódicas: Revista Cáritas

Concrab - MSTConfederação Nacional das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil - Movimentodos Trabalhadores Rurais Sem TerraCriada em 1992Caráter: órgão de entidade nacional (MST)Sede: São Paulo, SPPágina na Internet: www.mst.org.brPublicações periódicas (MST): Jornal Sem Terra (mensal) MST Informa (quinzenal)

FASE NacionalFederação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional

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Criada em 1961Caráter: ONG com atuação nacionalSede: Rio de JaneiroPágina na Internet: www.fase.org.brPublicação periódica: Revista Proposta (trimestral)

IBaseInstituto Brasileiro de Análises Sócio-EconômicasCriado em 1981Caráter: ONG com atuação nacionalSede: Rio de Janeiro, RJPágina na Internet: www.ibase.brPublicações periódicas: Revista Democracia Viva Jornal da Cidadania (bimestral)

PACSInstituto de Políticas Alternativas para o Cone SulCriado emCaráter: ONG de atuação nacionalSede: Rio de Janeiro, RJPágina na Internet: www.pacs.org.brPublicações periódicas: Informativo PACS (trimestral) Massa Crítica (sem periodicidade definida)

RBSESRede Brasileira de Sócioeconomia SolidáriaCriada em 2000Caráter: organização nacionalPágina na Internet: www.redesolidaria.com.brPublicação periódica: Jornal Girassol

Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares:Criada em 1998Caráter: organização nacional (congrega incubadoras universitárias de 16 universidades:Sede: São Paulo, SP (USP)

Rede de Gestores em políticas públicas de Economia SolidáriaCriada em 2002Caráter: organização nacional (congrega funcionários de prefeituras das seguintescidades: Santo André, São Paulo, Jaboticabal, Porto Alegre e Belém)Sede: São Paulo, SP

UnitrabalhoRede InteruniversitáriaCriada em 1995Caráter: nacional (congrega pesquisadores em 86 universidades e intituições)Sede: São Paulo, SPPágina na Internet: www.unitrabalho.org.br

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Anexo 4

Siglas

ABCred - Associação Brasileira dos Dirigentes de Entidades Gestoras eOperadoras de Microcrédito

ADS - CUT - Agência de Desenvolvimento Solidário - Central Única dosTrabalhadores

ALCA - Área de Livre Comércio das Américas

Anteag - Associação Nacional de Trabalhadores em Empresas de Autogestão ede Participação Acionária

Cebrap - Centro Brasileiro de Análises e Planejamento

CLT - Consolidação da Leis do Trabalho

CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

COEP - Comitê de Entidades Públicas no Combate à Fome e pela Vida

Concrab - Confederação Nacional das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil

COPPE - Coordenação das Programas de Pós-graduação em Engenharia

DIEESE - Departamento Instersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-econômicos

EPS - Economia Popular Solidária

FASE - Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional

FBES - Fórum Brasileiro de Economia Solidária

FCP - RJ - Fórum de Cooperativismo Popular do Rio de Janeiro

FINEP - Financiadora de Estudos e Projetos

FSM - Fórum Social Mundial

GT - Grupo de Trabalho

GT Brasileiro - Grupo de Trabalho Brasileiro de Economia Solidária (do FSM)

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IBase - Instituto Brasileiro de Análises Socioeconômicas

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

ITCP - Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares

MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

MTE - Ministério de Trabalho e Emprego

OCB - Organização das Cooperativas Brasileiras

ONG - Organização Não Governamental

PACS - Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul

PACs - Projetos Alternativos Comunitários

PPA - Plano Plurianual

PT - Partido dos Trabalhadores

RBSES - Rede Brasileira de Socioeconomia Solidária

SBS - Sociedade Brasileira de Sociologia

SEBRAE - Serviço de Apoio as Micro e Pequenas Empresas

SEDAI - Secretaria de desenvolvimento e Assuntos Internacionais

SENAES - Secretaria Nacional de Economia Solidária

SESCOOP - Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo

UNISINOS - Universidade do Vale do Rio dos Sinos