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Anais do Congresso de Administração, Sociedade e Inovação - CASI 2016 - ISSN: 2318-698 | Juiz de fora/MG - 01 e 02 de dezembro de 2016
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ARTIGO - OSO – ORGANIZAÇÕES E SOCIEDADE
A CONTRIBUIÇÃO DA LIDERANÇA TRANSFORMACIONAL PARA
CRIATIVIDADE COLETIVA EM EMPRESAS DE ECONOMIA CRIATIVA
JALINSON JONAS GOMES DA SILVA, GIRLÂNIO VIDAL DE LIMA, MOISÉS DE
ASSIS ALVES SOARES, FERNANDO GOMES DE PAIVA JÚNIOR
Neste estudo, objetiva-se compreender como a liderança transformacional contribui para a
criatividade coletiva em empresas da Economia Criativa. Assim, o lócus de investigação foi o
Portomídia, um aglomerado de empresas da Economia Criativa, localizado na Região
Metropolitana do Recife, estado de Pernambuco. Foi desenvolvida uma análise de conteúdo,
conforme Bardin (2011), a partir de entrevistas semiestruturadas, realizadas com os gestores
das empresas. Os resultados desse estudo apontaram a liderança transformacional como um
estilo de liderança positivamente relacionado ao ensejo da criatividade coletiva em
organizações da Economia Criativa.
Palavras-chave: Liderança transformacional. Criatividade Coletiva. Economia Criativa.
1. INTRODUÇÃO
O contexto global da economia e o avanço das tecnologias impõem às organizações a
busca constante por diversas formas de criatividade e inovação. A competitividade, a
volatilidade de produtos e o desenvolvimento de novas ideias impõem um ritmo de exigência
de uma pauta criativa intensa e articulada em espaços de tempo cada vez mais curtos
(LOOSEMORE, 2013).
A criatividade, como insumo básico para inovação se tornou a característica mais
estimada de nossa economia e a liderança, por sua vez, desempenha papel preponderante nas
empresas que colocam a inovação como modelo central dos negócios (TIDD; BESSANT,
2015).
Nesse contexto, a Economia Criativa (EC) desperta como uma nova economia que tem
a criatividade e o conhecimento como principais inputs na elaboração de produtos criativos e,
diferente da economia tradicional, que lida com bens materiais, a economia criativa atinge
também a esfera dos bens intangíveis.
Em consonância a isso, a nova classe de profissionais, os profissionais criativos, tem
perfil e anseios diferenciados do trabalhador tradicional, busca autonomia, flexibilidade e
liberdade no trabalho. As práticas oriundas do modelo fordista tornaram-se ultrapassadas e as
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empresas do século XXI terão de se adaptar a esse novo perfil de profissional (FLORIDA,
2011).
Os gestores enfrentam, nesse aspecto, desafios sem precedentes frente às mutações
organizacionais e às taxas de mudanças aceleradas que ocorrem tanto no ambiente interno,
quanto no universo externo das organizações. Logo, isso requer o aperfeiçoamento de
habilidades presentes nos comportamentos manifestados por essas lideranças, que vão além
de capacidades meramente técnicas e especializadas. Talvez a capacidade de
autocontextualização e estímulo ao uso de recursos psicológicos possam atender às exigências
de renovação do papel dessa liderança (HANNAH et al, 2008).
O desempenho organizacional está atrelado, assim, à qualificação do líder, aprimorada
pelo seu investimento em novos saberes especializados como um conjunto de competências,
conhecimentos renováveis, reutilizáveis e valiosos para a empresa, potencializados com a
experiência tácita de seus colaboradores (OBEIDAT; AL-DMOUR; TARHINI, 2015,
BERGAMINI, 2012; RUAS; ANTONELLO; BOFF, 2005). Posto isso, a liderança
transformacional pode figurar-se como um motor transmissor da cultura da inovação e da
difusão de conhecimento orientadas para a busca do melhor desempenho organizacional
possível (GARCÍA-MORALES; JIMÉNEZ-BARRIONUEVO; GUTIÉRREZ-GUTIÉRREZ,
2012).
Diante do exposto, o presente estudo tem como objetivo compreender como a
liderança transformacional contribui para a criatividade coletiva em empresas de Economia
Criativa, tendo como lócus de investigação o Portomídia. Para responder a problemática da
pesquisa, este estudo foi organizado em três eixos centrais de fundamentação teórica:
Economia Criativa, Liderança Transformacional e Criatividade Coletiva. Posteriormente, é
apresentada a descrição do lócus e a metodologia que balizou o estudo, seguidas da análise e
discussão dos resultados e, por fim, as considerações finais.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
A Economia Criativa enquanto setor econômico promove intensas transformações nas
organizações e sociedade, sobretudo na dinâmica das relações de trabalho e na forma como os
gestores exercem sua liderança e tratam o tema da criatividade dentro das organizações. Nessa
seção, aprofundaremos os eixos que servirão de aporte teórico para o presente artigo.
Inicialmente, apresentamos a Economia Criativa juntamente com os seus setores criativos.
Em seguida, ampliaremos o debate sobre os estudos de liderança, dando uma maior ênfase à
liderança transformacional, devido ao recorte teórico desse estudo. Após isso, tratamos sobre
a criatividade coletiva, especialmente, em empresas de Economia criativa.
2.1 Economia Criativa
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Por muito tempo, o trabalho e o capital foram os principais componentes das
economias tradicionais. Agora, em plena era da informação e conhecimento, a criatividade
torna-se a principal matéria-prima de uma nova economia, a Economia Criativa (EC). Apesar
de não existir um consenso com relação à definição da EC e seus setores criativos, o termo
ganhou notoriedade em 2001, com o livro de John Howkins, sobre o relacionamento entre
criatividade e economia.
De acordo com o Relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento – UNCTAD, em inglês, a EC pode potencialmente estimular a geração de
trabalho e renda, ao mesmo tempo em que promove a inclusão social, diversidade cultural e o
desenvolvimento humano. Diferente das economias tradicionais que trabalham com bens
materiais, de caráter tangível, a economia criativa explora também recursos intangíveis, como
conhecimento, criatividade e experiência como seus principais insumos para geração de
riqueza. O resultado dessa combinação, segundo Howkins (2013), é um produto criativo, que
pode ser um bem ou serviço, ou seja, um produto resultante de uma atividade criativa com um
valor econômico. Outro ponto importante na EC refere-se à possibilidade de reprodução ad
infinitum de boa parte desses produtos criativos, que desafia a lógica da escassez e da
utilidade marginal decrescente, presentes nas teorias econômicas neoclássicas (SERRA;
FERNANDEZ, 2014).
No escopo central da Economia Criativa estão as indústrias criativas, que são
definidas como “os ciclos de criação, produção e distribuição de bens e serviços que usam a
criatividade e o capital intelectual como principais insumos” (UNCTAD, 2010, p. XVI). O
relatório da Unctad (2010) relatório classifica as indústrias criativas em quatro grandes
grupos, a saber: patrimônio, artes, mídias e criações funcionais.
O grupo de patrimônio compreende dois subgrupos: i) expressões culturais
tradicionais (artesanato, festivais e celebrações); ii) locais culturais (sítios arqueológicos,
museus, exposições, etc.); Por sua vez, o campo das artes envolvem os setores criativos que
estão baseados puramente na arte e na cultura. Esse grupo também apresenta dois subgrupos:
i) artes visuais (pinturas, fotografias, etc.); ii) artes cênicas (teatro, música ao vivo, dança,
etc.). No campo das mídias estão os setores que produzem conteúdo criativo com o objetivo
de estabelecer comunicação com um grande público. Podem ser classificadas em: i) edição e
mídia impressa (livros, imprensa e outras publicações); ii) audiovisuais (cinema, rádio,
televisão, etc.); Por fim, as criações funcionais, que contemplam os setores mais estimulados
pela demanda e são caracterizados pela prestação de serviços. Esse grupo envolve os setores:
i) de design (moda, gráfico, etc.); ii) novas mídias (vídeo games, desenvolvimento de
softwares, conteúdo digital criativo); e iii) Serviços criativos (publicidade, Pesquisa &
Desenvolvimento, arquitetura e serviços culturais).
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A EC juntamente com seus setores criativos desponta mudanças na sociedade e nas
organizações. Para Florida (2011) essas mudanças refletem uma sociedade em que o éthos
criativo está em ascensão. Na visão do autor, essas transformações correspondem a uma séria
de categorias básicas da existência humana: trabalho, estilo de vida, tempo e comunidade. O
trabalho está mais flexível e se misturando cada vez mais com o nosso estilo de vida; o tempo
parece não estar mais definido e isso tem suas implicações, sobretudo na forma como
organizamos nosso tempo, seja trabalhando em casa ou se divertindo no trabalho; as
comunidades criativas são mais disputadas, por potencializar nossa identidade criativa e
estimular a diversidade.
Não obstante a isso, essas transformações na dinâmica das organizações,
especialmente nas relações de trabalho, apontam para a necessidade de novas formas de
gestão e liderança em empresas criativas, principalmente por considerar as demandas dessa
nova classe criativa. Na seção a seguir, aprofundaremos a discussão sobre os estilos de
liderança em ambientes criativos.
2.2 A liderança Transformacional
Os estudos e teorias sobre liderança originaram-se a partir da perspectiva do líder
como um indivíduo que nasce com características natas. Mais tarde, passou-se por amplos
debates e configurações até às concepções contemporâneas de nova liderança, que engloba a
liderança transacional, liderança transformacional e a liderança Laissez-Faire.
Melo (2009) elucida bem o debate acerca dos estudos sobre liderança. O autor cita que
essas pesquisas podem ser classificadas de acordo com as seguintes categorias: com foco
naquilo que o líder é (teoria dos traços); naquilo que o líder faz (teoria comportamental); com
foco em fatores contextuais (teoria contingencial); e considerando os vários aspectos da
liderança (teorias integrativas) (BERGAMINI, 2006; YUKL, 2002).
Os estudos dos traços foram os pioneiros a sistematizar as pesquisas sobre liderança,
predominando até o final da década de 1940 (MELO, 2009). Nesta perspectiva, as qualidades
pessoais do líder eram determinantes para garantir o desempenho eficaz dos liderados. Essa
abordagem recebeu algumas críticas (BERGAMINI, 2006) por não demonstrar consistência
na relação entre traços do líder e desempenho dos liderados, entretanto, foram importantes
para o desenvolvimento das abordagens posteriores (MELO, 2009).
Na década de 1950, o enfoque sobre as pesquisas de liderança recai essencialmente
sobre o comportamento do líder e sua forma de atuação. Para Bergamini (2006), esta
abordagem permitiu cogitar que as pessoas poderiam ser treinadas para exercer o papel de
líder. Posteriormente, em meados da década de 1960, surge a teoria contingencial, que
considera os fatores contextuais sobre as pesquisas de liderança. Nesta abordagem considera-
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se a inclusão de algumas variáveis como: a relação estabelecida entre líder e liderado e a
maturidade do liderado (YUKL, 2002; MELO, 2009).
Num debate mais recente, as teorias integrativas ganham força, nos quais são
considerados vários aspectos da liderança. De acordo com Melo (2009), esta abordagem
procurar examinar os motivos pelos quais alguns liderados demonstram esforços e
compromissos com os objetivos do grupo. Para Yukl (2002), a liderança transformacional se
situa nesta perspectiva.
A liderança transformacional é discutida dentro da abordagem Full-range Leadership
Theory (FRLT) (BASS; AVOLIO, 1997), que integra, além desta, a liderança transacional e a
liderança laissez-faire.
A liderança transformacional é apresentada sob cinco dimensões: (1) Influência
idealizada (atribuída): refere-se ao carisma do líder, percebido pelos liderados como uma
pessoa de confiança, com altos ideais e ética. Este é o componente emocional da liderança,
capaz de deslocar os interesses individuais do seguidor para os interesses do bem maior na
organização. (2) Influência idealizada (de comportamento): refere-se às ações carismáticas do
líder, que refletem seus valores e crenças, seu sentido de missão e propósito, bem como sua
orientação ética e moral. (3) Motivação inspiracional: é a capacidade do líder de edificar uma
visão e transmiti-la aos seus liderados de forma entusiástica, através de uma visão otimista
sobre o futuro, mostrando que seus seguidores podem atingir objetivos ambiciosos; (4)
Estímulo intelectual: o líder enseja seus liderados a perceberem novos caminhos e soluções
diversas para os problemas com que se deparam na organização, revisando o status quo e,
propiciando assim, um ambiente para a criatividade. (5) Consideração individual: consiste no
suporte personalizado que o líder oferece a seus seguidores, através de aconselhamento,
suporte e atenção às suas necessidades individuais, contribuindo, assim, para seu
desenvolvimento e autorrealização (BASS; AVOLIO, 1997).
A liderança transacional, do seu lado, configura-se sob três fatores: 1) Recompensa
contingente: baseada em trocas econômicas e emocionais (elogios quando são alcançados os
resultados desejados). Trata-se de um fator construtivo e razoavelmente eficaz no estímulo
motivacional dos seguidores, mas em menor grau do que a liderança transformacional. 2)
Gestão por exceção ativa: o líder monitora os desvios das normas e atua sobre os erros dos
seguidores, através de uma ação corretiva. 3) Gestão por exceção passiva: assemelha-se à
gestão por exceção ativa, entretanto, os líderes, de maneira passiva, esperam os desvios
ocorrem para, assim, intervir. A liderança laissez-faire, por sua vez, caracteriza-se pela
ausência de liderança, onde o líder evita tomar posições e decisões, abdicando de sua
autoridade (BASS; AVOLIO, 1997).
Sendo assim, a liderança transacional visa o alcance de resultados através da troca
entre líderes e seguidores, onde há o reconhecimento, mas também punição ao erro, numa
visão individualizada (BURNS, 1978; BASS, 2008). Por sua vez, na liderança
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transformacional o líder é capaz de despertar a motivação dos funcionários num caráter
coletivista, voltado para alcançar os objetivos da organização (BURNS, 1978; GONÇALVES,
2008, GIULIANI, 2012). Os líderes transacionais e transformacionais são reconhecidos por
sua postura ativa de liderança, a qual diverge da abordagem laissez-faire, apontada como a
forma mais passiva (MELO, 2009).
Apesar das linhas limítrofes postas pela literatura sobre liderança, é importante
reconhecer que um líder poderá utilizar-se de ambos os estilos, numa perspectiva
contingencial. O que acontece, geralmente, é a prevalência de um desses em suas ações
comportamentais rotineiras, mas ações e comportamentos elencados a outro tipo de liderança
podem ser desempenhados pelo líder. Os estilos de liderança, dessa forma, não são
excludentes, mas complementares (BASS, 1999). De toda forma, nesse estudo, destacamos a
abordagem transformacional por ser uma abordagem atual e mais eficaz em comparação à
transacional e laissez-faire (BASS, 1990).
Posto isso, a liderança transformacional utiliza-se do carisma para influenciar os
seguidores numa perspectiva motivacional e inspiradora, buscando suplantar os interesses
individuais desses e estimulá-los a buscar soluções criativas e diversas, sob uma nova
perspectiva nas situações (KAZMI; NAARAMOJA, 2013).
A liderança transformacional oferece, nesse sentido, um ambiente tolerável a erros,
uma vez que incentiva a busca de soluções não rotineiras. O ambiente criativo, do seu lado,
caracteriza-se também pela tolerância ao erro, de modo a construir uma atmosfera propícia
para novas ideias (PARJANEN, 2012; FRANCO; HAASE; CORREIA, 2015). A autonomia
dos liderados também está positivamente relacionada a esse estilo de liderança (PICCOLO;
COLQUITT, 2006).
Bass (1999) reitera que enquanto os líderes transacionais incentivam seus funcionários
a fazer o que foi devidamente pautado, os líderes transformacionais ensejam seus seguidores a
ir além do que é esperado deles. Desse modo, os líderes transacionais podem ser eficazes, mas
os transformacionais mostram um desempenho superior (BREEVAART, 2014). A liderança
transacional, assim, tem correlação negativa com ambientes de cultura criativa e inovadora,
enquanto a transformacional prefere atuar nesses ambientes (MASOOD et al.; 2006;
BARRETO, 2013).
Neto et al (2012), realizaram um estudo nas 500 maiores empresas brasileiras, visando
traçar de que modo a liderança transformacional estaria presente em tais organizações e
constatou que apesar da deificação do líder transformacional e forte proeminência desse na
literatura nacional e internacional, nos líderes brasileiros prevalece o perfil transacional.
2.3 Criatividade Coletiva
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A criatividade, apesar de ser foco de inúmeros estudos na academia, ainda encontra
uma falta de consenso na sua definição (MOERAN, 2011). Para Amabile (1988, 1996), a
criatividade é definida como a geração de ideias novas que são úteis e apropriadas. Autores
como Howkins (2013) e Edwards-Schachter et al (2015), corroboram com isso, destacando
que a criatividade é a “capacidade de gerar algo novo”, embora os autores reconheçam que
esse “fazer algo novo” não está relacionado apenas ao sentido de criar algo, mas também no
sentido de dar um novo caráter a algo já existente.
Wilson (2010) traz dois paradigmas que são primariamente relacionados à
criatividade, o primeiro refere-se à criatividade como um fenômeno (ou propriedade)
exclusivo de um determinado tipo de pessoa talentosa, no segundo, a criatividade é percebida
e ligada apenas a setores da arte, cultura e afins. Esse autor ressalta a necessidade de
extrapolar tal visão reducionista e individualizada da criatividade e chama a atenção para o
seu caráter social, fruto da consciência relacional com o outro, numa visão heterogênea e
multidisciplinar. Trata-se, então, de uma palavra de definições múltiplas, que remete não só a
capacidade de criar algo novo, mas de reinventar, quebrar paradigmas tradicionais, unir
pontos até então desconexos e, com isso, equacionar soluções para novos e velhos problemas
(REIS, 2008).
A criatividade, assim, é construída a partir das interações sociais do indivíduo
(SCOTT, 2010; MIETZNER; KAMPRATH, 2013). Desse modo, não se pretende negar o
aspecto do indivíduo criativo, em sua individualidade, mas de reconhecer também o aspecto
coletivo da criatividade, sobretudo no contexto organizacional.
Em estudo empírico realizado numa empresa de telecomunicações finlandesa,
Parjanen (2012) destaca uma série de pontos que contribuem para a criatividade na referida
organização, dentre eles: 1) o recurso tempo e criação de equipes de trabalho; 2)
complexidade, variedade, autonomia e feedback das atividades, assim como os aspectos
relacionados à liderança; 3) estruturas abertas, flexíveis, tomada de decisão descentralizada e
baixos níveis hierárquicos; 4) interação com pessoas de diferentes departamentos; 5) clima e
cultura organizacional tolerantes; 6) assunção de riscos e iniciativa.
Florida (2011), na defesa de sua classe criativa, também considera a criatividade como
um fenômeno que se dá em grupos. O autor argumenta que na gestão criativa da organização
devem ser considerados aspectos que vão além dos incentivos tradicionais aos colaboradores,
assim como o jobsculpting,que consiste em privilegiar a realização de tarefas de acordo com a
afinidade e interesses dos profissionais, tratando-os como voluntários que, por sua vez,
mostram-se comprometidos com as metas da empresa e que, muitas vezes, anseiam em
participar de sua gestão como uma espécie de sócios.
É perceptível, desse modo, a importância da partilha de conhecimentos entre os
indivíduos na organização como subsídio para a geração de novas ideias num caráter coletivo,
consequentemente, a organização e a figura do líder deverão oferecer um ambiente propício à
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autonomia, participação dos colaboradores e aceitação do diverso para dar subsídio à
criatividade e à inovação.
3. O PORTOMÍDIA
O Centro de Empreendedorismo e Tecnologias da Economia Criativa (Portomídia) foi
inaugurado em 2013 e tem como objetivo contribuir para a estruturação de um polo de
Economia Criativa internacionalmente relevante no Recife. O projeto é uma ação do Porto
Digital, Arranjo Produtivo Local de TIC e Economia Criativa, localizado na Região
Metropolitana do Recife (RMR), um sistema de relações de empresas e instituições, que
engloba aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos, sociais e culturais
(SILVA; FERNANDES; PAIVA JÚNIOR, 2014). O APL conta com 230 empresas de TIC e
de Economia Criativa, composto em sua maioria por pequenas e médias empresas, apesar de
contar também com importantes multinacionais (PORTO DIGITAL, 2010; 2012).
O Portomídia é baseado em quatro pilares: i) empreendedorismo (incubação e
infraestrutura para as empresas incubadas); ii) educação (formação técnica para os
profissionais de economia criativa); iii) experimentação (oferecimento de tecnologia de ponta
para as empresas); e iv) exibição (galeria de artes digitais para exposição dos produtos ao
público) conforme figura 01. E direciona suas ações para seis áreas da economia criativa, a
saber: games, multimídia, cinema, design, música e fotografia (PORTO DIGITAL, 2012).
Figura 01 – Pilares do Portomídia
Fonte: CICTEC (2013, p.22)
O Portomídia oferece um portfólio de serviços de assessoria e capacitação em gestão
empresarial, suporte gerencial e desenvolvimento de produtos, além de completa
infraestrutura, com elevado investimento tecnológico, com laboratórios focados na pós-
produção de cinema, design (centro de prototipagem) e laboratórios de interatividade,
animação e games (CICTEC, 2013).
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O Projeto oferece ainda diversos programas de qualificação, visando contribuir para a
melhoria da qualidade dos produtos e serviços oferecidos pelos profissionais do setor criativo.
Desde a sua inauguração, o Portomídia, juntamente com outras ações do Porto Digital, vem
contribuindo para o crescimento econômico da região, além de inserir o Estado de
Pernambuco no cenário mundial de inovação e tecnologia.
O Estado de Pernambuco está situado na Região Nordeste do Brasil e, em 2013,
alcançou o décimo maior PIB do país, de R$140,728 bilhões, com participação de 2,6% no
PIB Brasileiro. Neste mesmo ano, o Estado apresentou um PIB per capita de R$ 15.282,28,
superior à média do Norte-Nordeste brasileiro. De acordo com o Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento, o Estado apresenta um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH-
M) de 0,673 (PNUD, 2010), considerado médio.
No que concerne ao crescimento econômico do setor criativo, a Federação do Estado
do Rio de Janeiro (FIRJAN) realizou um mapeamento da indústria criativa no Brasil nos anos
de 2004-2013, a partir de duas óticas. A primeira óptica é da produção, que lança um olhar
sobre as empresas criativas brasileiras. Estima-se que a indústria criativa gerou um PIB
equivalente a R$ 126 bilhões, ou 2,6% do total produzido no Brasil em 2013.
A segunda ótica é a do mercado formal de trabalho, ou seja, dos profissionais
criativos. De acordo com o mapeamento, a indústria criativa em 2013 tinha 892,5 mil
profissionais, isto corresponde a um crescimento de 90% para o período em questão, e o
rendimento médio mensal destes profissionais atingiu R$ 5.422,00 superando a renda média
do trabalhador brasileiro que era de R$ 2.073,00 em 2013. Com relação à participação dos
empregados criativos por Estado, Pernambuco registrou um aumento de 1,0% para 1,4% para
o período em questão, ficando um pouco abaixo da média nacional de 1,8%.
4. METODOLOGIA
Esse estudo trata-se de uma pesquisa exploratória de natureza qualitativa. Segundo
Gerhardt e Silveira (2009) a pesquisa qualitativa busca compreender os fenômenos sociais
com o menor afastamento possível do ambiente estudado, isto é, procurando compreender e
explicar a dinâmica das relações sociais.
Conforme apresentado na seção anterior, o lócus de estudo foi o Portomídia, um
desdobramento do APL do Porto Digital, voltado à economia criativa. A estratégia de estudo
de caso, aqui selecionada, é indicada para processos sociais, onde se pretende compreender
uma situação em profundidade, evidenciando seu significado para os vários envolvidos
(GODOY, 2010). O principal critério adotado para a seleção dos casos foi a acessibilidade.
Desse modo, foram escolhidas duas empresas que assumiram o nome fictício de Gama e
Sigma.
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A empresa Gama é do ramo de computação gráfica, suas atividades concentram-se,
basicamente, em finalização de projetos publicitários, embora lidem também com animação e
criação de jogos online. Seu quadro profissional conta atualmente com seis funcionários, nos
quais três são colaboradores e três são sócios e colaboradores, simultaneamente. A empresa
Sigma é da área de animação e design, reconhecida nacionalmente por seus produtos voltados
ao público infantil. Atualmente, a empresa conta com oito colaboradores, sendo que três
desses também são sócios da empresa.
Ambas compartilham de uma equipe enxuta, de produtos com alto valor agregado e
que demandam processos constantes de geração de ideias para atender às demandas do seu
mercado. A escolha de pequenas empresas para o estudo justifica-se pela influência mais
proeminente que a liderança pode ter sobre os profissionais, os produtos e o clima
organizacional (MYKLETUN, 2012).
Para o procedimento de coleta de dados foi utilizada uma entrevista semiestruturada,
voltada para um gestor de cada empresa. Ambos os gestores entrevistados, além de exercerem
cargo de liderança nas suas respectivas empresas, também são sócios delas. As entrevistas
foram realizadas e gravadas pelos pesquisadores, com duração de 21 minutos com o gestor da
Gama e 45 minutos com o gestor da empresa Sigma.
A escolha em entrevistar somente os gestores das empresas parte da ideia inicial de
investigar o perfil de líderes de empresas de economia criativa e, posteriormente,
compreender de que forma essa liderança, uma vez observada, contribui para a criatividade
coletiva nestas empresas. Apesar de a liderança ser considerada um processo de influência, do
líder em relação ao seu liderado, tal escolha não fragiliza o estudo, ainda que possamos
reconhecer outras limitações ao nos debruçarmos especialmente sobre a perspectiva dos
gestores. De toda forma, para além de prover respostas para questões sobre a relação entre
líderes e liderados, esse estudo se propõe a avançar a discussão sobre liderança
transformacional em empresas de economia criativa. Estamos, com isso, ressaltando que este
debate vai além de informações sobre a opinião pessoal dos gestores, mas como uma forma de
ampliar o debate ainda incipiente sobre os aspectos de liderança e criatividade.
O roteiro de entrevista foi elaborado a partir das características dos perfis de liderança
apresentados por Bass e Avolio (1997), somadas ao referencial teórico de criatividade
coletiva, relativo às características do ambiente criativo. Para a análise do material coletado,
foi utilizada a análise de conteúdo de Bardin (2011), onde foram estabelecidas três categorias
e 10 subcategorias de codificação, conforme o quadro 01:
Quadro 01: Categorias de análise
CATEGORIAS OBJETIVO
1 – ESTRUTURAÇÃO DAS TAREFAS Pretendeu-se elucidar de que forma são
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I – Definição de atribuições feitas as atribuições de atividades na
organização e como se dá seu
acompanhamento e supervisão por parte
do líder.
II – Acompanhamento e supervisão
2 – CRIATIVIDADE Visou-se explicitar o clima, o processo de
geração, sugestão e seleção de ideias na
organização.
I – De onde vêm as principais ideias
II – Geração e sugestão de idéias
3 – LIDERADOS Pretendeu-se explicitar a relação do líder
com os liderados, sua influência sobre eles
e o engajamento desses rumo aos
objetivos organizacionais.
I – Relação do líder com os liderados
II – Participação e engajamento
III – Autodesenvolvimento
IV – Estímulo e inspiração
V – Feedback
VI – Recompensa
Fonte: os autores (2016)
As categorias e subcategorias de codificação foram esboçadas segundo o escopo da
literatura aporte deste estudo, que visou responder ao problema de pesquisa proposto, relativo
à liderança transformacional e sua influência na criatividade coletiva das organizações do
estudo.
5. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A apresentação da análise e discussão do material coletado seguiu a ordem definida na
codificação dos dados, exposta na seção anterior, a saber:
5.1 Categoria Tarefas
(I) Subcategoria Definição de atribuições
Nessa subcategoria, pretendeu-se averiguar como as atribuições de tarefas eram
definidas aos profissionais da organização.
Nas duas empresas, cada atribuição requer um conjunto específico de habilidades, por
serem funções altamente especializadas. Desse modo, conforme a natureza do projeto a ser
desenvolvido, cada profissional tinha sua função claramente definida e com um cronograma a
ser executado de acordo com a demanda de seus clientes.
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(II) Subcategoria Acompanhamento e supervisão
Nesse ponto pretendeu-se elucidar de que modo os gestores faziam o
acompanhamento e cobrança das atividades desempenhadas pelos funcionários. Na empresa
Gama, o gestor apontou um alto grau de proatividade e autogerenciamento da equipe, que não
existia nenhum método sistemático de acompanhamento e supervisão das tarefas.
A gente procura botar pessoas aqui que tenham essa responsabilidade
inerente, que são proativas e que querem fazer parte. Então, no
momento que eu precisar ficar cobrando muito de uma pessoa, já não
está funcionando, ela já não vai durar muito (E1).
Na empresa Sigma, o gestor reitera que o prazo definido nas atividades é feito por
consenso com cada colaborador, baseado em sua expertise, na experiência de projetos
anteriores e com base num cronograma estipulado pelo cliente. Que não havia problemas em
cumprir os prazos estabelecidos, visto que eram definidos pela própria equipe.
Não é imposto aqui. Na realidade, a gente chega num consenso junto
com a equipe, mas baseado num histórico. A gente monta um
cronograma (com base) na experiência que a gente tem, no tempo
disponível e no tempo que sabemos que é necessário, ou não, para
aquela atividade (E2).
Apesar das falas dos gestores serem elencadas a uma possível autonomia dos liderados
de ambas as empresas, que poderia ser positivamente relacionada à liderança transformacional
(PICCOLO; COLQUITT, 2006) e característica dos profissionais do setor criativo
(FLORIDA, 2011), tais colocações, ainda que incipientes, podem sugerir também uma
indicação para um perfil de líder que não corrobora com os liderados na busca por um
desempenho superior, isto é, uma aproximação ao estilo de liderança laissez-faire (ou
ausência de liderança), no qual os gestores se eximem de tomar posições e decisões,
abdicando, de dado modo, de sua autoridade (BASS; AVOLIO,1997).
5.2 Categoria Criatividade
(I) Subcategoria De onde vêm as principais ideias
Aqui, pretendeu-se elucidar de onde emergem as ideias na empresa, se restritas a um
setor, um profissional ou à coletividade.
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Na Gama, o processo criativo e de sugestão de ideias não fica centrado em um único
profissional, “não tem ninguém que seja a pessoa da ideia, que cria e passa para os outros,
cada um tem, dentro da sua expertise. Até dos funcionários uma coisa que a gente exige é
isso, que eles não sejam apertadores de botão” (E1).
O gestor enseja a proatividade e a busca de solução por parte do funcionário, “não me
venha com problema, mas com solução” (E1). Essa prática aproxima-se da postura do líder
transformacional que enseja nos seus liderados a busca por soluções diversas e inovadoras
(KAZMI; NAARAMOJA, 2013).
Na Sigma, o processo criativo é voltado, geralmente, à criação e produção de
animações em DVD. Para o desenvolvimento de um projeto, as áreas são interdependentes,
uma decorre da outra, desde o esboço do roteiro, criação de cenários até chegar à finalização.
“Esse processo criativo é todo discutido em equipe, a gente não chega e diz: essa animação
vai ser isso aqui. A gente entra aqui nessa sala, faz uma reunião com o pessoal, faz um
briefing e cria...” (E2). Todo o processo de criação e desenvolvimento de ideias é elencado à
equipe multidisciplinar da empresa.
(II) Subcategoria Geração, sugestão e discussão de ideias
Nessa subcategoria perguntou-se como se dava o processo de geração e sugestão de
ideias na empresa, tal qual, quem poderia participar e interagir nesse processo. Ambos os
gestores relataram trabalhar com brainstorms em suas equipes, buscando estabelecer um
clima altamente informal e receptivo a todas as ideias e sugestões que surgirem. Esses
aspectos de criatividade coletiva são comumente observados em ambientes criativos (TIDD;
BESSANT; 2015). A frequência com que ocorre o processo é dependente da demanda e da
criação de novos projetos.
Na Gama, o gestor faz questão que todos os funcionários, sem exceção, participem
dessas reuniões. Na empresa Sigma, acontece com todos os profissionais que se relacionam
diretamente com os produtos, exceto os da linha operacional.
Quando perguntados quanto à sua recepção e da equipe frente a ideias que fogem do
convencional ou que não são percebidas como “boas”, na primeira empresa, o gestor apontou
para a necessidade de se dar ideias, quanto à sua utilidade ou não, será discutida em equipe.
Afirmou ainda que geralmente saem de brainstorms com mais de uma ideia escolhida, a fim
de que sejam testadas e provem sua utilidade, ou não. A empresa Sigma segue também o
mesmo princípio. O gestor destaca que todas as ideias são devidamente discutidas,
trabalhadas pela equipe e avaliadas sob suas potencialidades e limitações. O resultado final é
consensual de toda a equipe.
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É explicitado aqui o caráter autônomo e de abertura dado aos liderados, característicos
da liderança transformacional, ao mesmo tempo em que se oferece um ambiente aberto e
tolerante, propício à criatividade (COOKE; SAIN, 2010).
5.3 Categoria Liderados
(I) Subcategoria Relação do líder com os liderados
Nessa subcategoria buscou-se identificar a relação do líder com os seus liderados.
Nesse aspecto, ambos os gestores relataram ter uma boa relação com seus liderados. Na
empresa Gama, o gestor afirmou ter uma relação aberta e tranquila, no qual está sempre apto a
ouvir seus colaboradores, lhes dando suporte e atenção, além da autonomia necessária para
desempenharem suas funções, inclusive a possibilidade de cobrá-lo quando necessário. Na
empresa Sigma, o gestor disse também ter uma boa relação com seus liderados e que quando
é necessário advertir algum profissional, o faz num clima ameno e tranquilo, sem “estresse”.
A consideração individual é uma das características básicas do líder transformacional,
caracterizada pela aproximação e estabelecimento de um canal de confiança entre líder e
liderados (BASS; AVOLIO, 1994).
(II) Subcategoria Participação e engajamento
Pretendeu-se elucidar a percepção do gestor no que se refere à participação dos
liderados e seu engajamento para o alcance dos objetivos organizacionais. Foi possível
evidenciar uma clara aderência dos liderados na busca dos objetivos organizacionais, assim
como no ambiente pautado pela liderança transformacional (BURNS, 1978; GONÇALVES,
2008, GIULIANI, 2012).
De acordo com o gestor da Gama, tal engajamento dos liderados
é sempre excelente. Inclusive, como eu falei, já na entrevista eu busco
pessoas que sejam engajadas, que queiram, que gostem de participar
da empresa. Uma vez que ela (pessoa) gosta de estar aqui, que queira
trabalhar, que goste do que está fazendo, vai aprender, vai crescer e se
tornar alguém muito melhor (E1).
Na Sigma, o gestor compartilha da mesma percepção “eu vejo uma equipe bem coesa,
eles buscam sempre o objetivo, finalizar, sempre buscar um produto mais perfeito possível
dentro das nossas limitações...” (E2).
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(III) Subcategoria Autodesenvolvimento
Quando perguntados se os colaboradores buscam seu autodesenvolvimento, o gestor
da Gama afirmou que seus funcionários buscam isso e que o mesmo os incentiva nessa busca.
O gestor destacou ainda que as competências técnicas não são suficientes para que o
profissional faça parte da empresa, mas sua vontade e proatividade contam em muito na sua
contratação e permanência no cargo.
Na empresa Sigma, o gestor destacou seu papel e o da empresa na busca de cursos
diversos que agreguem ao desempenho do profissional, auxiliando inclusive financeiramente.
Os liderados também têm liberdade de buscar esses cursos e sugerir ao gestor, desde que seja
consonante com sua atividade e não impacte negativamente no exercício do seu trabalho,
acarretando em faltas ou atrasos recorrentes, por exemplo.
Essas perspectivas se coadunam na atenção individualizada e no estímulo intelectual
dado pelo líder aos seus liderados (BASS; AVOLIO, 1994), entretanto, os funcionários
parecem buscar aperfeiçoamento motivados pela busca de conhecimentos e habilidades
especializadas (savoir-faire) (RUAS; ANTONELLO; BOFF, 2005) por iniciativa própria, em
prol do seu autodesenvolvimento, e não pela influência inspiradora que o líder poderia
desempenhar, assim como sugere a visão romantizada da liderança transformacional.
(IV) Subcategoria Estímulo e inspiração
Nessa subseção, pretendeu-se explicitar de que modo o líder busca estimular e inspirar
seus liderados na organização.
Ambas as empresas associaram o estímulo e a inspiração a um ambiente agradável,
informal, divertido, de liberdade e abertura ao funcionário.
um ambiente informal é fundamental para nossa área. Eu não consigo
estabelecer limites, impor regras, digamos assim. A gente já tentou,
tempos atrás, definir regras de horário e tudo, e não consegue, não
consegue (E1).
Esse achado remete às definições do que busca os profissionais da classe criativa,
segundo Florida (2011) que se referem à autonomia, flexibilidade e espaço estimulante à
criatividade. Essa perspectiva também se coaduna com o estudo de Parjanen (2012) sobre os
aspectos que favorecem a criatividade na empresa, como a construção da flexibilidade,
autonomia e ambiente tolerável a ideias diversas.
Ambas as empresas trabalham por projetos, com atribuições individuais e
especializadas. Essa configuração, característica de empresas criativas, favorece a delegação
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de maior autonomia aos liderados. No período de fechamento de tais projetos, no entanto, as
jornadas de trabalho são excedentes e exigem uma grande dedicação de tempo e esforço
intelectual por parte dos liderados.
(V) Subcategoria Feedback
O feedback construtivo é também uma característica essencial do líder
transformacional (BASS; AVOLIO, 1994; TIDD; BESSANT; 2015). Na Gama, o feedback
dado aos profissionais não tem uma frequência determinada e ocorre geralmente em público,
no ambiente de trabalho, mesmo se tratando de crítica. Segundo o gestor, um erro apontado
em público faz com que os outros profissionais não o cometam novamente. Nessa condição,
há o pressuposto de que todo mundo aprende em conjunto. Apenas em situações definidas por
ele como “sérias”, que denotam um caráter negativo, chama-se o profissional para conversar
particularmente, visando a construção de um diálogo.
Na empresa Sigma, o feedback é dado para toda equipe “até porque o trabalho final é
fruto de todos aqui dentro... tudo que é feito é discutido em conjunto, tudo que é elaborado é
em conjunto... Assim, quando ganham, ganham todos, quando perdem, perdem todos” (E2).
Em ambas as empresas, percebemos que a resposta das ações é dada em equipe e para
a equipe, a fim de se evitar repetições negativas. Essa prática baliza-se na condição do
trabalho realizado por todos, no qual os projetos criativos finais são percebidos como um
resultado do grupo, em consonância com os objetivos da empresa.
O gestor da empresa Gama apresenta evidências de um comportamento típico de
gerência por exceção passiva, dimensão da liderança transacional, onde o líder só intervém
após a constatação de que os padrões não foram estabelecidos ou erros foram cometidos
(BASS; AVOLIO, 1997), indo de encontro ao perfil transformacional, o que sugere que o
gestor pode apresentar diferentes estilos de liderança, que não são excludentes, mas podem se
apresentar como complementares, tal qual aponta Bass (1999).
(VI) Subcategoria Recompensas
Os gestores afirmaram que nenhuma das empresas tem a política ou prática de
recompensas financeiras aos funcionários. O gestor da Gama considera que esse modelo
poderia até mesmo ser prejudicial, pois, segundo ele, poderia criar um clima de competição
desnecessário.
Na percepção do gestor da empresa Sigma, tal política é incompatível para o atual
modelo de atuação da empresa, onde os trabalhos dependem altamente dos esforços
integrados da equipe, com uma demanda pré-definida pelos clientes. Esse aspecto é
condizente com a percepção apontada na subcategoria anterior, no qual o trabalho é percebido
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como um projeto de realização de todos, e sob qual seria incoerente a adoção de uma política
de recompensas individuais.
Recompensas financeiras estão diretamente elencadas ao estilo de liderança
transacional (BURNS, 1978). Dessa maneira, buscou-se averiguar se poderiam ser um traço
relevante no ambiente inovador dessas empresas, assim como sugerido no estudo de Cooke e
Sain (2010), mas não é uma prática adotada pelas empresas desse estudo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo buscou evidenciar as contribuições da liderança transformacional para a
criatividade coletiva em organizações da Economia Criativa. Para fins desta pesquisa foram
selecionadas duas empresas da Economia Criativa do Portomídia, em Recife-PE.
Os resultados apontam para uma relação positiva entre a liderança transformacional e
um ambiente propício à criatividade, manifestado, sobretudo, num caráter coletivo. O espírito
de equipe, a autonomia dos liderados e a busca dos objetivos organizacionais, característicos
desse estilo de liderança, mostraram-se proeminentes para um ambiente criativo, produtivo e
aberto para a participação de todos os funcionários, assim como demandado pelas empresas
do setor criativo.
É interessante destacar que os líderes apresentaram características de outros estilos de
liderança em alguns contextos como de gestão por exceção passiva, da liderança transacional,
evidente na categoria feedback e da liderança laissez-faire, no que concerne ao
acompanhamento e supervisão dos liderados. Somado a isso, foi possível perceber também,
que as equipes tinham um alto índice de autogerenciamento, não dependendo em muito da
visão deificada do líder como herói ou modelo de inspiração que os guiaria na busca dos
objetivos organizacionais.
As contribuições desse estudo versam destacando a liderança transformacional como
mais propícia para o ensejo da criatividade coletiva em organizações do setor criativo, que
poderá servir de subsídio à atuação dos gestores dessas empresas em busca da eficiência
organizacional.
Por fim, apontamos para as limitações desse estudo por partir, exclusivamente, da
perspectiva dos gestores. Com isso, indica-se a realização de novos estudos sob as
perspectivas da gerência e dos colaboradores, a fim de oferecer um panorama mais amplo e
elucidativo dos aspectos da liderança em empresas da Economia Criativa, como forma de
estímulo à criatividade coletiva em organizações. Como sugestão de investigação, indica-se a
aplicação da escala da liderança transformacional entre os liderados a fim de se examinar
características de liderança dos gestores.
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