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Louis Althusser nasceu em Birmandreis, Argélia, em 1918. Em 1939, teve êxito no extremamente competitivo exame de admissão para a prestigiosa École Normale Supérieure (Escola Normal Superior, ens) em Paris. Entretanto, o serviço militar impediu-o de ingressar de imediato na vida acadêmica: a convocação para lutar na Segunda Guerra Mundial adiou seus estudos para mais tarde. Capturado em Vanees, em 1940, Althusser passou os cinco anos seguintes aprisionado em campos de concentração alemães. Depois da guerra, estabeleceu três ligações que seriam cruciais por quase toda a sua vida. Primeiramente, retornou à École Normale Supérieure, onde acabou sendo aprovado no agrégation*1e onde daria aulas até 1980. Em segundo lugar, conheceu Hélène Rytman, companheira com quem manteve um relacionamento duradouro, ainda que difícil e turbulento, até a morte dela, em circunstâncias trágicas. Por fim, após romper com o catolicismo, filiou-se ao Partido Comunista Francês (pcf), ao qual continuaria vinculado até o fim da vida – ainda que com algum desconforto.

Althusser apareceu com ímpeto no cenário intelectual em 1965, com a publicação de For Marx (A favor de Marx), rapidamente seguida de Reading Capital (Ler O Capital). Nesses textos, criticava com veemência o que considerava ser a ossificação dogmática da teoria marxista sob a ortodoxia stalinista, que reduzira a determinação social a forças produtivas, tomando, portanto, a forma de um economismo ou economicismo. Da mesma maneira, Althusser polemizou ferozmente com as leituras hegelianas de Marx. Os marxistas ocidentais haviam se apoiado pesadamente em Hegel, e a desestalinização dos partidos comunistas marxistas também encorajara uma aproximação. A releitura crítica da obra de Marx levou Althusser a uma nova periodização, na qual localizava um “corte” entre um Marx da juventude, “ideológico”, e um Marx “científico” da maturidade. Althusser afirmava que a mudança na direção de uma abordagem científica exigira que Marx abandonasse Hegel, bem como a antropologia filosófica e o humanismo que davam sustentação a seus textos anteriores a 1845. Assim, defender uma leitura hegeliana de Marx era precisamente afastar-se das realizações mais importantes de Marx, das quais a principal era a concepção de uma sociedade como uma totalidade complexamente determinada.

Althusser argumentava que seu retorno a Marx tinha como justificativa a intenção de diferenciar os marxismos, o autêntico do ideológico. Esse retorno, contudo, não era a recuperação de algo que outrora se conhecia e agora fora

* Nota do Tradutor (N. T.): O agrégation é um sistema de admissão, por concurso, de professores em liceus e faculdades na França, e que efetiva o acadêmico funcionário público do ensino.

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esquecido. Marx, de acordo com Althusser, abrira um “novo continente” de conhecimento científico, e foi uma tarefa dos livros de Althusser explorar e mapear o potencial teoricamente contido nesses domínios. Curiosamente, tal descoberta do Marx autêntico exigiu três fontes intelectuais marxistas: a epistemologia histórica, a filosofia espinosana e a psicanálise lacaniana.

Da epistemologia histórica – e, mais especificamente, da obra de Gaston Bachelard –, Althusser se apropriou da noção de “corte”. Isso significa, em primeiro lugar, que a ciência não é uma extensão do cotidiano, mas rompe com a experiência cotidiana por meio da construção de estruturas conceituais e teóricas, por sua vez “materializadas” em ferramentas, instrumentos e experimentos. Para Althusser, isso era o que estava por trás do contraste entre ciência e ideologia. Esta última é um know-how (experiência, técnica, prática) que reproduz o cotidiano como senso comum, numa tentativa de estabilizar relações antagônicas, tais como aquela entre capital e trabalho.

O segundo sentido de corte historiciza o primeiro. Para Bachelard, uma palavra não é um conceito científico. O que atribui significado científico a um vocábulo particular é sua relação com outros conceitos. Cada conceito está embutido numa rede de conceitos que Althusser definiu como uma “problemática”. Althusser identificou em Marx um corte epistemológico iniciado em 1845 e que evoluiria para uma nova problemática depois de 1857. Uma vez que diferentes problemáticas podiam compartilhar palavras, era necessário, nos termos de Lacan, realizar “leituras sintomáticas”, com o intuito de extrair a “inconsciência” teórica do texto que estruturava os tipos de questões apresentadas e limitava a gama de conceitos e respostas possíveis. A palavra “espaço” não tem, na física newtoniana, o mesmo significado que tem na teoria da relatividade. O significado nesta última não se funda na primeira; rompe com ela.

A leitura sintomática que Althusser fez de Marx identificou uma problemática que rompia com o humanismo e o hegelianismo. O humanismo, a crença de que os indivíduos, enquanto tais, são os agentes da história, era incompatível com o anti-humanismo teórico da investigação científica das relações sociais encontrada no Marx posterior. Associado ao humanismo estava o historicismo, ou a noção de que a história é a realização de uma essência humana, como a criatividade, o amor ou a liberdade. O historicismo apresenta a história como um processo linear rumo a um objetivo. É uma teleologia, na qual se considera que a “essência” determina todas as facetas da vida social, o que Althusser chamava de “totalidade expressiva”. Afirmava que “tal e tal elemento (econômico, político, legal, literário, religioso etc., em Hegel) = a essência interior do todo”.

Em Ler o Capital, Althusser afirmava ter descoberto que o trabalho teórico deveria ser visto como um tipo de produção, uma prática por meio da qual materiais brutos (por exemplo, “fatos”, documentos, experiência, ideologias) são influen-

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ciados por uma estrutura teórica que, de maneira coerente, os processa e organiza. Essa transformação prática do que chamou de “Generalidade i” pela ação da “Generalidade ii” produz o conhecimento científico, que chamou de “Generalidade iii”. Portanto, o trabalho teórico-conceitual, rompendo com a ideologia, é a chave fundamental da produção do conhecimento científico. Em traba-lhos posteriores, Althusser criticaria o caráter excessivamente teórico dessa visão.

Apoiando-se nas idéias de Marx, Mao e Lenin, mas especialmente na filosofia materialista de Spinoza, Althusser afirmou que o conceito marxista de modo de produção tornou possível uma problemática na qual as sociedades poderiam ser conceitualizadas como totalidades contraditórias e complexamente organizadas, em que cada elemento é “superdeterminado” ou já tendo sempre recebido a influência de uma variedade de outros elementos. As diferentes regiões (econômicas, políticas, ideológicas) de uma sociedade são, sempre e a um só tempo, determinantes e determinadas por outras. Não há uma contradição apenas, mas uma pluralidade de contradições, que se amalgamam ou são deslocadas. Não se trata de uma estrutura unitária, mas de uma estrutura de estruturas. Para Althusser, o que estava em jogo não era uma causalidade expressiva, mas estrutural. Ele defendia o argumento de que o nível econômico ou a região de relações de produção é sempre determinante, em última instância. Contudo, fez ressalvas a seu próprio raciocínio, afirmando que, em certos modos de produção, outras regiões podem ser dominantes. Assim, no feudalismo, o dominante é o nível político. Todavia, “do primeiro ao último momento, a hora solitária da ‘última instância’ nunca chega”. Em outras palavras, a região econômica estrutura um campo de determinação mútua no qual outras regiões são relativamente autônomas. A formação social é uma totalidade descentralizada. Não existe causa primária ou última; existe uma “causa ausente”, ou, na linguagem de Spinoza, “os efeitos não são externos à estrutura... a estrutura é imanente em seus efeitos”.

Apesar de suas difíceis relações com o estruturalismo, o althussearianismo é frequentemente referido como “marxismo estrutural”. O pensamento de Althusser sacudiu o marxismo e eletrizou o debate teórico. Em fins da década de 1970, entretanto, já tinha perdido grande parte de sua carga explosiva, decorrente de uma concatenação de eventos: uma guinada visceral da intelectualidade acadêmica francesa contra o marxismo, uma mudança dos horizontes políticos, bem como importantes problemas teóricos intrínsecos à própria posição de Althusser, reconhecidos por ele próprio em mais de um texto de autocrítica posterior.

O legado de Althusser é imenso. Além dos limites de seu círculo ime- diato – incluindo Etienne Balibar, Pierre Machery, Nicos Poulantzas e Michel Pe-chau, para nomear apenas alguns –, seus textos foram decisivos para acadêmicos como Göran Therborn, Terry Eagleton, Erik Olin Wright e Stephen Resnick e Ri-chard Wolf. Mais tarde, a ênfase de Althusser no conhecimento enquanto prática produtiva foi retomada e desenvolvida por Roy Bhaskar como a base do realismo

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crítico. Sua obra sobre a ideologia – esboçada em A favor de Marx no ensaio “Idéologie et appareils idéologiques d’état” (“Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado”) – teve larga influência, delineando a função dos “aparelhos ideoló-gicos estatais” (tais como a Igreja, a família, a educação) e sua contribuição para a reprodução das relações sociais de exploração. É outra área em que Althusser, de maneira inovadora, fia-se na psicanálise lacaniana para explorar a ideologia como prática material que constitui os indivíduos enquanto sujeitos. A definição de Althusser para o conceito de ideologia – “representação da relação imaginária de indivíduos com suas reais condições de existência” – mostrou-se extremamente fértil. A tentativa althusseriana de desenvolver um materialismo não reducionista continua sendo um programa de pesquisas vital. Ademais, Althusser deu uma importante contribuição ao materialismo imanentista espinosano contemporâ-neo, associado, entre outros, a Gilles Deleuze, Etienne Balibar e Antonio Negri.

Althusser sofria de psicose maníaco-depressiva. Foi submetido a uma miríade de tratamentos, mas nenhum parecia capaz de evitar os colapsos periódicos, as severas crises de depressão e os sucessivos períodos de internação. Tragicamente, em novembro de 1980, durante um surto psicótico, ele assassinou a esposa, Hélène. A justiça francesa considerou Althusser inimputável, e ele foi declarado incapaz e inocentado em 1981. Foi o fim de sua carreira acadêmica. No fim das contas, Althusser não foi preso, mas sim internado num hospital psiquiátrico, onde permaneceu até 1983. Depois de solto, mudou-se para o norte de Paris e viveu relativamente recluso, trabalhando em sua autobiografia, até morrer, de ataque cardíaco, em 22 de outubro de 1990, aos 72 anos.

Em 1992, a autobiografia de Althusser foi publicada, postumamente. Ele afirmou que, silenciado pela ausência de julgamento pelo homicídio de Hélène, o texto permitia a ele “intervir pessoalmente e publicamente para oferecer meu próprio testemunho”. Mais que um testemunho ou uma biografia, o volume é, nas palavras de Gregory Elliot, acima de tudo uma “reescrita de uma vida sob o prisma de seu naufrágio”. Se a “traumabiografia” esconde mais do que revela, outros textos, também de publicação póstuma, lançam luz sobre importantes aspectos do projeto intelectual e político de Althusser. Em escritos como “Le courant souterrain du matérialisme de la rencontre” (“A corrente subterrânea do materialismo do encontro”) e “Machiavel et nous” (“Maquiavel e nós”), Althusser tentou traçar e esboçar um “materialismo do encontro”, um “materialismo aleatório”. Em outras palavras, propôs a questão de como podemos usar o conhecimento teórico de modo a contribuir para a emergência de algo novo (por exemplo, uma sociedade mais justa), sem que isso fosse visto como um evento pré-ordenado, o produto de voluntarismo ou um fenômeno inteiramente fortuito. Esse foi, em termos mais amplos, o desafio lançado por Althusser à teoria marxista e ao pensamento social: talvez seja também o nosso.

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Ve j a ta m b é m

Neste livro: Manuel Castells, Ernesto Laclau, Claude Lévi-Strauss.Em 50 sociólogos fundamentais: Karl Marx.

Pa r a l e r lou i s alt h u s s e r

Em portuguêsA favor de Marx. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.Ler O Capital. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.O futuro dura muito tempo. Seguido de Os fatos: autobiografias. São Paulo: Companhia das

Letras, 1992.

Em inglêsFor Marx. 1962-5. London: Allen Lane, 1969.Reading Capital. 1965-8. Com Etienne Balibar. London: New Left Books, 1970.Lenin & Philosophy and Other Essays. London: New Left Books, 1971.Essays in Self-Criticism. 1974. London: New Left Books, 1976.The Future Lasts a Long Time. London: Vintage 1994.Machiavelli and Us. London: Verso, 1999.

Pa r a s a b e r m a i s

Ted Benton. The Rise and Fall of Structural Marxism. London: Macmillan, 1984.Roy Bhaskar. Reclaiming Reality. London: Verso, 1989.Alex Callinicos. Althusser’s Marxism. London: Pluto Press, 1976.Gregory Elliot, ed. Althusser: A Critical Reader. Oxford: Blackwell, 1994.Gregory Elliot. Althusser: The Detour of Theory. London: Verso, 1987.José López. Society and Its Metaphors. London: Continuum, 2003.Warren Montag. Louis Althusser. London: Palgrave, 2002.J. Read. The Micro-Politics of Capital. New York: SUNY, 2003.

R o l a n d B a r t h e s