10
Revista de Educação PUC-Campinas, Campinas, n. 25, p. 151-159, novembro 2008 AVALIAÇÃO: REFLEXÃO E PRÁTICA EVALUATION: REFLECTION AND PRACTICE Marta Leardini GONZAGA 1 Vera Lúcia de Carvalho MACHADO 2 Maria Eugênia CASTANHO 3 RESUMO O objetivo do texto é refletir sobre o tema da avaliação, dada sua importância e relevância no processo de ensino e aprendizagem. Em primeiro lugar, é traçado um histórico do cenário mundial, a partir do qual se percebe a influência dos países capitalistas nas políticas educacionais de todo o mundo, sobretudo no que concerne à avaliação dos processos e projetos educacionais. Subjugada à lógica de mercado desses países, a escola enfrenta crises das mais diversas, visto que perde sua essência. Em seguida, são discutidas as crenças com relação à avaliação em si: seu caráter formativo e sua eficácia e significação. É esboçado o planejamento e a avaliação de uma ação efetivamente educativa. Fez-se necessário, então, definir a idéia de currículo. Para tanto, foi buscado o conceito de Miguel Zabalza, o qual afirma que, por meio do currículo, a escola deve buscar sua própria identidade, de maneira a responder às exigências ou demandas do grupo social a que atende. O texto encerra apontando a necessidade de continuar aprofundando o estudo das questões de ensino, aprendizagem e avaliação. Palavras-chave: Avaliação; Currículo; Planejamento. ABSTRACT The objective of the text is to reflect on the idea of evaluation, given its importance and relevance in the teaching/learning process of education. First of all, a history of the world scenario is drawn showing the influence of capitalistic countries on worldwide educational policy, especially in what concerns the evaluation of educational processes and projects. Subjugated to the market logic of these countries, the school faces diverse crises to the extent of losing its essence. There follows a discussion of beliefs in relation to evaluation itself: its formative character, efficacy and significance. Planning 1 Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Educação, PUC-Campinas. Campinas, SP, Brasil. Correspondência para/ Correspondence to: E-mail: <[email protected]>. 2 Diretora do Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA). Docente, Programa de Pós-Graduação em Educação, PUC- Campinas. Campinas, SP, Brasil. E-mail: <[email protected]>. 3 Docente, Programa de Pós-Graduação em Educação, PUC-Campinas. Campinas, SP, Brasil. E-mail: < [email protected]>.

103-232-1-SM

Embed Size (px)

DESCRIPTION

O objetivo do texto é refletir sobre o tema da avaliação, dada sua importância e relevância noprocesso de ensino e aprendizagem.

Citation preview

Page 1: 103-232-1-SM

AVALIAÇÃO: REFLEXÃO E PRÁTICA 151

Revista de Educação PUC-Campinas, Campinas, n. 25, p. 151-159, novembro 2008

AVALIAÇÃO: REFLEXÃO E PRÁTICA

EVALUATION: REFLECTION AND PRACTICE

Marta Leardini GONZAGA1

Vera Lúcia de Carvalho MACHADO2

Maria Eugênia CASTANHO3

RESUMO

O objetivo do texto é refletir sobre o tema da avaliação, dada sua importância e relevância noprocesso de ensino e aprendizagem. Em primeiro lugar, é traçado um histórico do cenário mundial,a partir do qual se percebe a influência dos países capitalistas nas políticas educacionais de todoo mundo, sobretudo no que concerne à avaliação dos processos e projetos educacionais.Subjugada à lógica de mercado desses países, a escola enfrenta crises das mais diversas, vistoque perde sua essência. Em seguida, são discutidas as crenças com relação à avaliação em si:seu caráter formativo e sua eficácia e significação. É esboçado o planejamento e a avaliação deuma ação efetivamente educativa. Fez-se necessário, então, definir a idéia de currículo. Para tanto,foi buscado o conceito de Miguel Zabalza, o qual afirma que, por meio do currículo, a escola devebuscar sua própria identidade, de maneira a responder às exigências ou demandas do grupo sociala que atende. O texto encerra apontando a necessidade de continuar aprofundando o estudo dasquestões de ensino, aprendizagem e avaliação.

Palavras-chave: Avaliação; Currículo; Planejamento.

ABSTRACT

The objective of the text is to reflect on the idea of evaluation, given its importance and relevance inthe teaching/learning process of education. First of all, a history of the world scenario is drawn showingthe influence of capitalistic countries on worldwide educational policy, especially in what concernsthe evaluation of educational processes and projects. Subjugated to the market logic of thesecountries, the school faces diverse crises to the extent of losing its essence. There follows a discussionof beliefs in relation to evaluation itself: its formative character, efficacy and significance. Planning

1 Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Educação, PUC-Campinas. Campinas, SP, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: E-mail: <[email protected]>.

2 Diretora do Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA). Docente, Programa de Pós-Graduação em Educação, PUC-Campinas. Campinas, SP, Brasil. E-mail: <[email protected]>.

3 Docente, Programa de Pós-Graduação em Educação, PUC-Campinas. Campinas, SP, Brasil. E-mail: <[email protected]>.

Page 2: 103-232-1-SM

152 M.L. GONZAGA et al.

Revista de Educação PUC-Campinas, Campinas, n. 25, p. 151-159, novembro 2008

and effective educational action are outlined. It is then necessary to define the idea of curriculum. Forthis purpose the concept of Miguel Zabalza is brought in, which affirms that by means of the curriculumthe school ought to look for its proper identity in a way that corresponds to exigencies or demandsof the social group to which it serves The text concludes by pointing out the need for continuing adeeper study of the questions of teaching, learning and evaluation.

Keywords: Evaluation; Curriculum; Planning.

INTRODUÇÃO

O homem como um ser histórico,inserido num permanente movimentode procura, faz e refaz constantementeo seu saber. (Paulo Freire)

Percebemos que, nas duas últimasdécadas, uma das preocupações centrais daagenda política com relação às mudanças emEducação tem sido a Avaliação. Sendo assim,muitos autores, nacionais ou internacionais, têmfalado da necessidade de se construir uma visãodo “ato de avaliar”, fundamentada em “aprenderpara competências”.

Almerindo Afonso (2000) distingue entreModernidade e Pós-Modernidade. A Modernidadeé o período histórico que muda os ideais dedemocracia e que traz uma nova maneira deproduzir os bens materiais. Surge, por meio deum longo processo, o modo capitalista, com apromessa de que a escola será para todos e quedará conta de interpretar todas essas mudanças.Segundo o autor, estamos num período detransição, ou seja, a Pós-Modernidade, que veiopara reinventar essas mudanças. Advém aglobalização ou mundialização, período deaceleração do tempo e do espaço, fragilizaçãodos poderes do Estado nacional, dominância dainfluência das organizações mundiais, crise naspolíticas educacionais, tornando-as maiscontraditórias, crise dos projetos coletivos, ouseja, a hiper valorização dos projetos individuais.

A agenda educacional que se expandepela via da globalização é fortemente influenciada

pelos países capitalistas mais avançados (comoos EUA e a Inglaterra), e muitas das orientaçõespresentes nas políticas educacionais e naspolíticas de avaliação, no Brasil, só podem serbem compreendidas, se antes tivermosconhecimento do que se passa naqueles mesmospaíses capitalistas centrais. Estamos assistindoa uma crescente produção de orientações, comorigem em diferentes agências internacionais esupranacionais que valorizam a utilização deprovas e testes estandardizados e padronizadoscom fins comparativos a partir dos quais sepretende induzir um controle mais apertado sobrea ação das escolas e dos professores, e, emúltima instância, se pretende igualmentepressionar os sistemas educativos para sesubordinarem às lógicas próprias do mercado eda competitividade econômica.

É nesse contexto de crescente pressãoque se acentua, a “crise da escola”. Faz-senecessário um “reinventar a escola”. Um saberlidar com as diferenças, não esquecendo quehaverá qualidade na educação, se a escola forcientífica, pedagógica e democrática.

Para Almerindo Afonso, a avaliação temum papel central no processo de ensino eaprendizagem. Ela tem um conjunto de dimensõese conseqüências que precisam ser conhecidas edominadas pelo educador. Sendo assim, oprofessor é um intelectual transformador e deveestar sempre questionando sobre o que fazercom aquilo que ensina.

Há uma crença errada com relação àavaliação. Diz-se que a avaliação somativa émais objetiva e a avaliação formativa é mais

Page 3: 103-232-1-SM

AVALIAÇÃO: REFLEXÃO E PRÁTICA 153

Revista de Educação PUC-Campinas, Campinas, n. 25, p. 151-159, novembro 2008

subjetiva. Nenhuma modalidade teórica é sóobjetiva ou subjetiva. A avaliação cumpre objetivos,explícitos e implícitos. A questão é descobrir quemodalidade cumpre melhor o objetivo da avaliação,ou seja, que avaliação é mais eficaz para conhecero que o aluno sabe.

Avaliação formativa

No campo de estudo em análise, fala-seda avaliação formativa, que deve apoiar o alunoem todos os aspectos, a fim de proporcionar aoprofessor um feedback constante. Para isso, faz-se necessário ter um ambiente de confiançaentre professor e aluno, pois só haverá ajuda sehouver queixa. Por exemplo, o aluno conseguirchegar até o professor para dizer que não fez atarefa de casa, porque não soube fazer, e,conseqüentemente, o professor saber agirfazendo a intervenção necessária.

Almerindo Afonso faz alguns alertas comrelação à avaliação formativa:

• Se a avaliação formativa é para ajudar oprofessor a conhecer o aluno, ela não podeexercer outra função, como, por exemplo, fazercom que o governo saiba como anda a educação.

• A avaliação formativa dá mais trabalho,pois implica registro sistemático do aluno eprofessor.

• É possível aplicar testes para usar emavaliação formativa. Qualquer instrumento podeajudar nesse tipo de avaliação, desde que sejafidedigno.

• Não colocar perguntas difíceis emprimeiro lugar, pois pode neutralizar a auto-estima do aluno.

• A diferença entre a avaliação formativa esomativa não está nos instrumentos, mas nosobjetivos que estão em discussão.

• Deve haver uma relação de justiça noato de avaliar.

• Pensar sempre que o aluno está naescola para aprender. Havendo aprendizagem,

não há necessidade da reprovação. Porém oaluno não deverá passar para a série seguinte senão houve aprendizagem, de acordo com osobjetivos propostos.

• Educar é intervir no desenvolvimento dooutro para redirecioná-lo no sentido almejado.Ensinar é ajudar o aluno a se apropriar dasferramentas cognitivas, próprias de um campodisciplinar. Formar é acompanhar a construçãode processos mentais significativos.

Avaliação e condições para um trabalhoconseqüente

Charles Hadji (2001) também aponta quea educação é uma urgência, tanto para asociedade como para os indivíduos que acompõem. Atualmente muitos pais e professoressentem-se desamparados, não sabendo mais oque quer dizer educar, nem como colocar emprática uma ação educativa rigorosa, pois esta,como qualquer ação, desenvolve-se entre o reale o ideal. Mas é possível dotar-se de um contextoque permita agir de maneira sensata e coerente,capaz de conduzir realmente a ação, partindo-sede três condições:

Inserir a ação em um procedimento deprojeto

Apesar de o conceito de projeto ainda servago, pode ser colocado em prática, organizadoem três grandes tarefas, que são:

• Análise do contexto existente.

• Especificação das metas e objetivos.

• Explicitação do projeto de ação propria-mente dito.

A descrição precisa da dinâmica do projetomostrará como, ao mesmo tempo, tudo seorganiza em torno dessas três tarefas, e como aquestão da avaliação se coloca a partir da fase deconcepção do projeto, e não do produto final.

Portanto a definição de um projeto, deuma política, do planejamento, do processo

Page 4: 103-232-1-SM

154 M.L. GONZAGA et al.

Revista de Educação PUC-Campinas, Campinas, n. 25, p. 151-159, novembro 2008

pedagógico, das atividades de regulação faz-senecessária para inserir concretamente a açãoem um procedimento de projeto.

Saber o que se quer fazer (onde e como sequer chegar).

A construção de um projeto educativoexige certos procedimentos:

• A especificação das finalidades e dasmetas. As orientações possíveis da açãoeducativa são: educar no sentido exato, ensinare formar.

• A explicitação dos objetos visados.Cada orientação dominante privilegia um tipo de“objeto”, ou seja, valores, saberes ecompetências. A identificação precisa dos“objetos” visados é uma dupla necessidade doponto de vista da ação e de sua avaliação. Dá-seuma ênfase à questão dos valores, estabelecendoregras fundamentais para uma educaçãoorientada para a ética.

• A escolha dos sujeitos privilegiados. Afamília, a escola e os grupos dos quais fazemparte os alunos podem contribuir, cada um aoseu modo, para uma educação orientada para aética, ou contrária a ela.

• A definição dos meios de açãoadequados. Pontua-se uma ação de construçãodo conhecimento e não de transmissão.Entretanto faz-se necessária, a mediação doprofessor nesse processo, a fim de que aconteçanuma relação dialógica e educativa.

Dotar-se de referenciais para avaliar o êxitoda ação.

Deve-se pensar o quê e para quê se avaliae sempre lembrar que as questões são maisimportantes do que as respostas. Os três saberesnecessários para avaliar a própria ação são:saber o que é o real, saber aonde se quer chegar(o ideal) e saber como atingir o objetivo (a ação).

O professor educador é um mediador - queacompanha muito mais do que transmite -, écontra o imperialismo do saber, é contra o modelode transmissão, parte do que o aluno sabe e a eleretorna, diz não ao comportamento agressivo doaluno - mas também ao dele -, e se preocupa emdotar-se de um programa de ação coerente eformativo.

O currículo

Miguel Zabalza (2000) considera que apalavra currículo ou a idéia que está por trás delenão precisa ser uma moda ou um modismo, istoé, apenas mais uma palavra incorporada aomundo da pedagogia. Sendo apenas isso, acabaperdendo muitas vezes a capacidade detransformação que essas palavras e idéias têmpara o contexto educacional. No Brasil, assimcomo na Espanha, a idéia de currículo é muitomoderna. Por volta de 25 anos atrás, entendia-securrículo como quadro de disciplinas e não comoo conjunto das práticas escolares.

Segundo o autor, há aspectos importantespara que se entenda a que se refere a idéia decurrículo. Pode-se chamar de currículo um projetode formação ou projeto atualizado ou integrado.O Projeto Educativo é uma peça básica naescola, pois nele se definem as idéias centraisque servirão de eixo condutor das intervençõesde cada um dos professores. Por meio do ProjetoEducativo, cada instituição escolar define suaorientação formativa e vai construindo seu estilopróprio. Trata-se de um estilo próprio que nãoensina só as sínteses adaptativas doscomponentes básicos dos programas oficiais,mas aquelas constatações que se estabelecema partir das análises de situações do contextoem que a instituição está inserida (necessidades,prioridades formativas, recursos, histórias,características, etc.).

Outro ponto importante, para o autor, éque as escolas não devem fechar-se em simesmas, ou seja, cercar-se com seus muros,achando que o que acontece ou se faz na escolanada tem a ver com os acontecimentos fora dela.

Page 5: 103-232-1-SM

AVALIAÇÃO: REFLEXÃO E PRÁTICA 155

Revista de Educação PUC-Campinas, Campinas, n. 25, p. 151-159, novembro 2008

As melhores escolas de hoje são abertas,isto é, compartilham seus projetos com o meiosocial. Hoje em dia, não é possível fazer aformação profissional dos jovens sem asempresas onde farão os estágios. As escolaspodem dar uma parte da formação, mas a outraé construída na prática, nos estágios.

Quando a escola faz seu projeto, devecontar com o apoio de museus, bibliotecas,igrejas, etc., ou seja, o contexto social no qual semovimenta. É um conjunto de circunstânciasque possibilitam otimizar o processo de formaçãoque a escola quer desenvolver, enriquecendoseus recursos e os da comunidade. Cada vezmais fica claro que a escola necessita dacooperação, do apoio e da participação dasociedade no processo de construção doconhecimento. Portanto, quando a escola é muito“fechada”, acaba reduzindo a sua possibilidadede contribuição para a formação das crianças eadolescentes, tornando contraditórios os objetivospor ela assumidos.

Apontar tal aspecto do currículo significadizer que a escola deve buscar sua própriaidentidade. Porém deve buscar essa identidadeda maneira que responda às exigências oudemandas do grupo social que atende. Pensandoassim, uma escola com professores que sótrabalham com livros didáticos não constróisaberes com seus alunos, pois os textos muitasvezes não podem ser adaptados à realidade daescola. Esse aspecto gera polêmica, pois aseditoras, quando fazem seus livros didáticos,fazem para o país todo, e não pensam numaescola “em si”, em seu contexto, em seu currículo.O professor há de ter a capacidade de construir,ou seja, de adaptar os conteúdos de sua disciplinaàs circunstâncias nas quais está trabalhando eos elementos que contribuem para tal contexto.

Trabalhar currículo é trabalharcoordenadamente. Sendo assim, é um desafioaos professores, pois o trabalho será de todos naescola. Faz-se necessário desenvolver umplanejamento onde escola, pais, comunidade

contribuam no processo de construção de umprojeto formativo. Os professores hão de mudarseus pensamentos. Ao invés de pensar que ascoisas não funcionam por causa da administração,do governo, da sociedade, devem pensar, semperder de vista a visão estrutural, no que podemfazer para melhorar suas práticas, a fim deconstruir um projeto pedagógico que venha aoencontro das necessidades e exigências de suaclientela escolar. Fazer o historicamente possível.

Segundo Zabalza, muitos aspectosinteressantes da didática estão vinculados àtomada de decisão. Pode-se avaliar por váriosmotivos. O bom da avaliação é o que vem naseqüência dela, pois se têm visões dos processosque se abrem a partir do resultado da avaliação.Isso contrasta com a visão corrente de que aavaliação é o processo final de um trabalho depesquisa ou de recuperação.

A avaliação é o início e a partir daí osprofessores podem incorporar novos elementosao processo educativo. A avaliação deve ser uminstrumento a serviço da qualidade na educaçãoe não uma peça que aparece isolada ou umainiciativa que não se sabe de onde veio. Quandoa avaliação aparece isoladamente de outroselementos do processo curricular, será umaavaliação que não tem condições de fazer umacontribuição importante. Mas quando faz parteda estrutura curricular, acaba desempenhando afunção de informar como as coisas estãoacontecendo, possibilitando mudanças, se fornecessário. A avaliação deve também ser uminstrumento de conhecimento dos alunos.

As escolas também deveriam apresentara avaliação técnica, isto é, dispor de profissionaisque atuam na avaliação física e psicológica dascrianças, pois muito ajudariam no processo dequalidade educativa.

Zabalza (1998) também fala da avaliaçãodas crianças da educação infantil. Como muitosprofessores já estão satisfeitos com seu trabalho,tornam-se menos críticos, achando que aavaliação não se faz necessária nessa fase daeducação, e, portanto, passam a observar econhecer seus alunos de maneira insatisfatória.

Page 6: 103-232-1-SM

156 M.L. GONZAGA et al.

Revista de Educação PUC-Campinas, Campinas, n. 25, p. 151-159, novembro 2008

Avaliação: termômetro ou acerto decontas?

A avaliação constitui uma dascompetências básicas da profissão docente.Tem muito a ver com a qualidade da educação.Não uma qualidade baseada somente emresultados, mas sim em valores éticos e moraisconstruídos por todos os envolvidos no processo.

Pelas idéias expendidas, podemosverificar que há preocupação em construir umprojeto educativo voltado para a construção doconhecimento e não simplesmente umatransmissão de informações. O ato de avaliardeve ser o ponto de partida para a análise eintervenção do professor e não um meroinstrumento que permitirá medir o produto finalconseguido por seus alunos.

No Brasil reflete-se muito sobre a questão.Muitos autores enfatizam a capacidade deconstruir saberes, de desenvolver uma didáticasignificativa, a qual permite uma reflexão emnossa prática pedagógica, despertando o desejode realizar mudanças e melhorias no processode ensino e aprendizagem. No Fórum Interna-cional de Educação da Bahia (2004), chamou aatenção o educador Vasco Moretto, de Brasí-lia.

Vasco Moretto (2002) mostra em seutrabalho, “Prova: um momento privilegiado deestudo ou um acerto de contas?”, que é possívelressignificar o processo avaliativo dentro de umanova perspectiva pedagógica. Para se chegar aessa ressignificação, faz-se necessário construiro conceito de “como operacionalizar uma aulacom sucesso”. Para o autor, avaliar aaprendizagem está profundamente relacionadocom o processo do ensino, portanto oprocedimento deve ser conduzido como mais ummomento em que o aluno aprende. Deve-setomar o cuidado de não transformar as provas na“hora do acerto de contas”, pois, agindo assim,os alunos passarão a ter desinteresse pelas

aulas, haverá indisciplina, falta de estudo ealienação escolar.

Pensando no processo de ensino eaprendizagem, Moretto (2003) destaca que o“aprender é construir significados e ensinar éoportunizar essa construção”. O autor discorresobre dois pilares importantes neste processo4:

A - O primeiro pilar são os “FundamentosPsicossociais”. O autor questiona como oprofessor vê seu aluno, apontando quatro passos:

1° passo: Indivíduo – in (negação), dividuo(divisível) = indivisível. Todo professor deve tercuidado com esse termo, ao dirigir-se a seualuno.

2° passo: Sujeito – Todo indivíduotransforma-se em sujeito. A partir do nascimento,todo indivíduo passa a ter uma história individuale grupal. Sendo assim, cada aluno tem suahistória, portanto é sujeito único.

3° passo: Pessoa – pessoa vem da palavra“persona” que significa máscara. Pessoa então,significa a máscara com que cada um de nós seapresenta. Relembrando, nascemos indivíduo,imediatamente passamos a ser sujeitos, pelanossa história e com o decorrer do tempo vamosconstruindo-nos pessoas. Cada pessoa tem suapersonalidade. Faz-se necessário que osprofessores tomem conhecimento dos diferentestipos de personalidades, para poder conhecermelhor seus alunos e saber como lidar com eles.Alguns traços de personalidades citados peloautor:

1° traço: Como energizamos a interaçãocom o mundo.

• introvertidos

• extrovertidos

2° traço: Tipo de informação quenaturalmente percebemos, lembramos,enfatizamos.

4 Anotações transcritas da palestra ministrada pelo autor Vasco Pedro Moretto na 4ª Jornada Internacional de Educação daBahia, 2004.

Page 7: 103-232-1-SM

AVALIAÇÃO: REFLEXÃO E PRÁTICA 157

Revista de Educação PUC-Campinas, Campinas, n. 25, p. 151-159, novembro 2008

• sensoriais

• intuitivos

3° traço: Como tomamos decisões para aação.

• pensadores

• sentimentais

4° traço: Como organizamos o nossomundo.

• julgadores• perceptivos

A personalidade é do sujeito, portanto éindividual e pessoal.

4° passo: Cidadão – Cidadania é umproduto do nosso comprometimento social e denossa ação consciente e transformadora darealidade em que vivemos. Portanto cidadão é apessoa que tem um compromisso social. Aescola comunidade, não coletividade, é umambiente privilegiado para a formação dacidadania.

B - O segundo pilar são os “FundamentosEpistemológicos”. Epistemologia é a teoria doconhecimento. E na relação professor aluno, oque isso implica?

Dependendo de como o professor interpretao que é conhecimento, ele irá trabalhar oepistêmico com seu aluno, conseqüentementesua avaliação também dependerá da construçãode seu conhecimento.

Conhecimento não é descrição, masinterpretação. Então, como tratamos oconhecimento? Vejamos algumas definições:

• Dado: é um signo ou um conjunto designos com significados diversos,dependendo do contexto. Os dados podemser diferentes, dependendo do local. Ex:SP, caminhão, amarela, placa, 3845.

• Informação: conjunto de dadosorganizados em sentenças com significadoslógicos. Ex: O caminhão de placa amarelaJW 3845, é de SP.

• Conhecimento: conjunto de informaçõesde que o sujeito se apropria. Ex: processode assimilação e acomodação, segundoPiaget. No entanto muitas informações nãose transformam em conhecimento, pois osalunos apenas as interiorizam e as guardampara serem reproduzidas nas provas, portantonão se transformam em conhecimentos.Todo conhecimento é individual. Cada umconstrói o seu conhecimento. O sujeitopega as informações e insere-as em suasestruturas cognitivas, que já estãoconstruídas, pois são frutos de sua história.Como as histórias são diferentes, os sujeitossão diferentes e os conhecimentos tambémdiferentes.

• Saber: conjunto de conhecimentos quevários sujeitos consentem, resultantes deuma elaboração intersubjetiva. O saber nuncaé de um sujeito, mas de um grupo social.

Segundo Moretto (2002), a aula é o reflexoda epistemologia do professor, conseqüentemen-te a prova é o reflexo de sua aula. Basicamente,podemos considerar a Epistemologia Positivistae a Construtivista.

Aprender é construir significados. Se oaluno não construir significados, sua aprendi-zagem será “mecânica”. O aluno aprende namedida em que interage com o saber socialmenteconstruído. O professor é o mediador e ocatalisador do processo da aprendizagem.

Ensinar é oportunizar a construção doconhecimento. O professor não só transmiteconhecimento, mas também dá oportunidadepara a construção e quem constrói é o sujeitocognoscente. A competência do professor aoensinar deve respeitar as característicaspsicossociais e cognitivas do aluno. Por exemplo,um aluno de sete anos não tem estruturascognitivas que lhe permitem aprender a tabuadasignificativamente. No entanto a escola insisteem colocar o aluno para aprender, ou seja, eletem que decorar, pois a operação matemática databuada é abstrata.

Page 8: 103-232-1-SM

158 M.L. GONZAGA et al.

Revista de Educação PUC-Campinas, Campinas, n. 25, p. 151-159, novembro 2008

A apropriação do conhecimento ocorrenum processo construtivo, sóciointeracionista.O aluno constrói suas representações. Eleinterage com os elementos de seu grupo social,com o saber socialmente construído, com asexperiências. O ponto de partida é o aluno, suasconcepções prévias. O que o aluno já sabe há deser sempre o primeiro ponto que o professor vaibuscar. Depois ele leva o aluno para a concepçãoescolar, diz ao aluno o que é, em seguida o alunovolta para ressignificar as suas representações.

A expressão “avaliar a aprendizagem”tem um amplo sentido. A avaliação pode ser feitade diversas formas, com os mais variadosinstrumentos. O mais comum e característico denossa cultura escolar é a prova escrita individual.

Moretto (2002) aponta que não se estálevantando a bandeira de uma avaliação semprova, mas já que se tem que fazê-las, que sejambem feitas, atingindo seu real objetivo, verificandose houve a aprendizagem significativa deconteúdos relevantes propostos pelo professor.Vejamos algumas características encontradasnas provas classificadas como tradicionais. Sãoelas:

• Exploração exagerada da memorizaçãomecânica.

• A falta de parâmetros para a correção.

• Uso de palavras sem sentido preciso nocontexto.

Outras características foram apontadasnas provas elaboradas dentro dos princípios daperspectiva Construtivista Sóciointeracionista.São elas:

• Contextualização do conteúdo.

• Utilização de parâmetros para acorreção.

• Exploração da leitura e escrita.

• Proposição de questões operatórias enão apenas transcritórias.

• Utilização de linguagem coloquial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As transformações no mundo estãoacontecendo gradativamente e, conseqüen-temente, o homem também está inserido nesseprocesso de busca e construção de novos valores,voltados para a valorização do relacionamentohumano.

A escola também deve estar inserida nessecontexto, priorizando não só o conhecimentocientífico, mas enfatizando o afetivo. O alunoserá conscientizado de que ele faz parte de umasociedade e poderá contribuir positivamente paraas mudanças que estarão ocorrendo.

Entendemos a escola não apenas comoum centro transmissor de conteúdos, mas umespaço de cidadania, no qual os sujeitos envolvidosdesenvolvem um olhar crítico acerca dosproblemas sociais que afligem a comunidade aque pertencem.

Sabemos que muito se tem escrito efalado com relação à avaliação da aprendizagem.Mas as dúvidas continuam, os pontos de vistaampliam-se e as experiências se diversificam. Osistema escolar gira em torno desse processo etanto professores, quanto alunos e pais seorganizam em função dele. Precisamos estarcontinuamente estudando, debatendo e nosinstrumentalizando para podermos compreendercom segurança o papel da avaliação no processode ensino e aprendizagem.

O educador consciente desenvolve seutrabalho conduzindo o aluno e os pais a umestado de clareza que lhes permita compreendera importância da aprendizagem, desvinculando-a de conceitos classificatórios, possibilitando aidentificação de habilidades e competências.

Em sua prática o professor deveacompanhar o crescimento e a progressão deseu aluno, pois isso possibilitará a identificaçãodas necessidades individuais e conseqüen-temente o meio para atingir a superação. Deveráconscientizar o aluno de que esse é um trabalhode parceria imprescindível no processo de ensinoe aprendizagem.

Page 9: 103-232-1-SM

AVALIAÇÃO: REFLEXÃO E PRÁTICA 159

Revista de Educação PUC-Campinas, Campinas, n. 25, p. 151-159, novembro 2008

Na escola, as relações de conhecimentosão intencionais e planejadas. Não podemosesquecer que a criança, o adolescente, o joveme o adulto chegam à escola já dominando inúmerosconhecimentos e modos de funcionamentointelectual necessários à elaboração dosconhecimentos científicos sistematizados.

Sendo assim, realizam a reelaboraçãodesses conhecimentos mediante oestabelecimento de uma nova relação cognitivacom o mundo e seu próprio pensamento.

Exigir que todos dominem um mesmoconteúdo, na mesma época e de maneirauniforme, é um ato injusto, pois sabemos quetodos aprendem, porém isso se faz em ritmosdiferentes. Sendo assim, acreditamos que aavaliação, por ser um processo que permeia todoo fazer pedagógico, deve ser:

• Transparente – disponibilizando a todacomunidade resultados que evidenciemo desempenho do aluno.

• Formativa – propiciando ao aluno umareflexão constante sobre seuaproveitamento, bem como odesenvolvimento de capacidades paraaplicar seus conhecimentos emsituações cotidianas reais.

• Integral – observando valores e atitudespor meio da convivência cotidiana.

• Democrática – a elaboração doscritérios constitui-se em uma açãoconjunta entre os membros da equipeescolar, sendo direito dos alunosconhecerem e discutirem sobre eles.

Paulo Freire (1921-1997) escreveu:

[...] Importante na escola não é sóestudar, não é só trabalhar, é tambémcriar laços de amizade, é criar ambientede camaradagem, é conviver, é seamarrar nela! Ora, é lógico... Numaescola assim vai ser fácil estudar,trabalhar, crescer, fazer amigos, educar-se, ser feliz.

Acreditamos que as idéias dessa citaçãose ligam à questão da avaliação do ensino e daaprendizagem de um modo muito mais profundodo que pode parecer. Afinal, as grandes finalidadesda educação estão articuladas com um grandedesejo de transformação da sociedade. E, paratransformá-la, há que ter energias cotidianas quesão forjadas na amizade, no convívio, nas relaçõesamistosas entre educadores e educandos. Aolado de tudo o que se requer do educador para umtrabalho competente e significativo, não se podeprescindir de sua postura como uma calorosapresença na vida de seus alunos.

Por mais estruturais que sejam nossosproblemas e por mais estruturais que sejam assoluções, no campo da educação se requer queos profissionais sejam cada vez melhores no atode avaliar seus alunos. Aí está uma das chavespara decifrar o grande problema que é a educaçãobrasileira.

REFERÊNCIAS

AFONSO, Almerindo Janela. Avaliação Edu-cacional: regulação e emancipação, para umasociologia das políticas avaliativas contempo-râneas. São Paulo: Cortez, 2000.

HADJI, Charles. Avaliação Desmistificada.Porto Alegre: Artmed, 2001.

MORETTO, Vasco Pedro. Prova: um momen-to privilegiado de estudo, não um acerto decontas. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

. Construtivismo: a produ-ção do conhecimento em aula. Rio de Janeiro:DP&A, 2003.

ZABALZA, Miguel Angel. Planificação e de-senvolvimento curricular na escola. Porto: ASA,2000.

ZABALZA, Miguel Angel. Qualidade em edu-cação infantil. Porto Alegre: Artmed, 1998.

Recebido em 8/8/2008 e aceito para publica-ção em 9/10/2008.

Page 10: 103-232-1-SM

160 M.L. GONZAGA et al.

Revista de Educação PUC-Campinas, Campinas, n. 25, p. 151-159, novembro 2008