19
Classe, Estamento e Estado no Atlântico Moderno: a açucarocracia baiana e a monarquia portuguesa no século XVII Thiago Krause Doutorando PPGHIS/UFRJ – CNPq Professor – FGV/RJ [email protected]

Classe, Estamento e Estado no Atlântico Moderno: a açucarocracia baiana e a monarquia portuguesa no século XVII

  • Upload
    unirio

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Classe, Estamento e Estado no Atlântico Moderno:

a açucarocracia baiana e a monarquia portuguesa no

século XVII

Thiago KrauseDoutorando PPGHIS/UFRJ – CNPq

Professor – FGV/[email protected]

IntroduçãoTemáticas deixadas de lado na historiografia brasileira sobre o período colonial: categorias inadequadas?

Classe: situação de mercado, classificando indivíduos e grupos a partir de sua relação com os meios de produção, atividade econômica e nível de riqueza.

A importância de Salvador da Bahia: “coração” do Estado do Brasil, principal capitania açucareira pós-1630 e segunda cidade do Império em finais do seiscentos.

Açucarocracia como classe: senhores da terra e dos homens, inseridos em um mercado atlântico, autoidentificados como senhores de engenho e lavradores de cana, capazes de agir coletivamente.

As Três Ordens?Se ajuntem e chamem as pessoas que lhes

parecer de maior zelo, de mais experiência e de melhor juízo, assim religiosos como de todos os estados.

Vice-Rei Marquês de Montalvão, portaria de 12 de setembro de 1640 para decidir sobre os meios de sustentar a infantaria in: AC, vol. I, pp. 451-6.

Classe, mas não sóNecessário atentar para outras classificações: estamento.

Honra, estilo de vida e privilégios. Classe e estamento: modelos hierárquicos entrelaçados.

Análise do discurso político e do vocabulário social.

Progressiva identificação como “nobreza”: uma “situação estamental comum”.

Aparece em momentos de maior importância política, como o sustento da infantaria e a moeda provincial.

Reconhecimento dos governadores-gerais e, depois, da Coroa.

Motivos para a transformação: consolidação da capitalidade baiana e de sua elite, mas também pressão fiscal e o relacionamento com o centro político e seus representantes.

A “nobreza” como forma de reforçar a importância política da elite baiana, a partir dos modelos reinóis.

Estamento e ClasseNós, os abaixo assinados fidalgos da casa de Vossa

Majestade e cavaleiros das três ordens militares, e homens nobres e da governança desta Cidade do Salvador, Bahia de Todos os Santos, e sua capitania e nela povoadores e moradores e provedores-mores da fazenda real e provedores da Fazenda e Juízes da Alfândega dela, e mais donos de engenhos de açúcar e lavradores de canas, e oficiais maiores do exército e presídio desta dita cidade, mestres de campo, tenentes de mestre de campo general, ajudantes de tenentes generais, e capitães de infantaria e sargentos-mores.

Capitão Francisco de Araújo de Brito, cavaleiro da ordem de Cristo, cidadão desta cidade, lavrador de canas.

Diogo de Aragão, senhor de dois engenhos e fidalgo da casa de Vossa Majestade.

Petição, 1662.

Fontes: Documentos Históricos do Arquivo Municipal: Atas da Câmara. Salvador: Prefeitura Municipal, vol. I (1625-40), 1949; AHU, Bahia, LF, cx. 3, docs. 423-4.

Fontes: Documentos Históricos do Arquivo Municipal: Atas da Câmara. Salvador: Prefeitura Municipal, vols. II (1641-9) e III (1650-59), 1950.

Fontes: Documentos Históricos do Arquivo Municipal: Atas da Câmara. Salvador: Prefeitura Municipal, vols. II (1641-9) e III (1650-59), 1950.

O Reconhecimento do Centro Político

Para a cobrança [do donativo] se faça em cada capitania digo se convoque o eclesiástico, nobreza e povo e assentem a forma que se executará por junta de dois homens de cada Estado.

Resolução régia de 1º de julho de 1665 in: AHU, cód. 16 (Consultas Mistas), f. 147 (margem).

Os Privilégios da Nobreza Baiana

O controle do poder político local através da Câmara: o governo da República e a comunicação com o monarca.

Os serviços ao monarca, os privilégios do Porto (1646) e a convocação para as Cortes (1653): Salvador como uma das vilas notáveis de Portugal (como Goa e São Luís), e os mesmos privilégios eram gozados pela sua elite e pelas principais elites provinciais portuguesas.

A defesa dos privilégios contra interferências da Relação, dos governadores-gerais e da própria Coroa.

A intensa participação na economia de mercê e na obtenção de honras.

A ostentação da posição superior em cerimônias públicas.

O Reconhecimento do Centro Político (II)

na Bahia não se faça eleição de nenhum dos cavaleiros das três Ordens para ofício de procurador, visto que para estes cargos se não costuma eleger as pessoas da primeira nobreza, que servem de juízes e vereadores, se não outras de diferente qualidade.

Carta Régia de 23 de março de 1686: DH, vol. 89, pp. 49-52 e AHMS, Provisões Reais, vol. III, fl. 36v.

Capitalidade e Merecimento

A cidade da Bahia (que é metrópole e cabeça do grande Estado do Brasil) e o presídio e praça em que consiste e de que pende a conservação, riqueza e comércio de todo ele, e a esta parte deste Reino e sua Alfândega e comércio de estrangeiros; por estes respeitos e outros muitos de sua fidelidade com que se faz famosa e memorável no mundo a Coroa Real de Portugal com esta dilatada província, segunda depois da Índia em suas conquistas, é merecedora de todas as honras e privilégios que redundam também em honra do Reino, e muito mais benemérita na lealdade com que havia avantajado na Feliz Aclamação e restituição de Vossa Majestade e sua defesa.

Parecer do Procurador da Coroa Tomé Pinheiro da Veiga, anexa à consulta do Conselho Ultramarino de 3 de Março de 1646: AHU, BA, LF, cx. 10, doc. 1177.

Divisão do trabalho de dominação

Relação entre elites e Coroa/governadores como principal via para compreensão da relação entre classe dominante americano e Estado imperial.

Transformações: ameaça militar neerlandesa, maior importância do Atlântico e fragilidade da nova dinastia de Bragança (1640) ampliam a importância da elite de Salvador.

Papel da açucarocracia: administração cotidiana, produção e controle dos produtores diretos (escravos), e fiscalidade.

Papel da Coroa: regulação do comércio atlântico, concessão de privilégios e arbitragem de conflitos.

FontesCâmara: AC, vol. 2, pp. 9-13; CS, vols. 1-5; AHMS, PR, vols. 1-3.

Governo-geral: DH, vols. 33, 34, 66-8, 83 e 88-9.Reino: CCLP, vols. 1, 3-4, 6 e 8-10; AHU, códs. 13-7 e 274-5; BA, LF, cxs. 1-34; AV, cxs. 1 e 2; Castro Almeida, cx. 1, docs. 2-5; Brasil Geral, cx. 1, docs. 66 e 73; Rio de Janeiro, Castro Almeida, cx. 6, doc. 1147; IAN/TT, Corpo Cronológico, mç. 15, ns. 104 e 107; Desembargo do Paço, Livro 7, fls. 126-126v e Livro 18, fl. 251; Manuscritos da Livraria, L. 1116; Chancelaria de Felipe II, Ls. 32, fls. 36v-37 e 42, fls. 47v-48v; de Felipe III, L. 16, 210v-211; de D. João IV, L. 20, fls. 283v-284; de Afonso VI, L. 51, fls. 198v-199; de D. Pedro II, Ls. 36, fls. 81v-82 e 49, fl. 17v; Arquivo da Universidade de Coimbra, Coleção Conde dos Arcos; Biblioteca da Ajuda, 51-V-48, fls. 50-53; 51-V-75, 22v-23; 51-VIII-18, 23v; 51-X-1, fls. 274-5; Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, ms. 547, f. 107; Documentação Ultramarina Portuguesa, vol. IV. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1965, pp. 590-1 e 593-4.

Donativos e Pressão Fiscal

 Não ser possível (sem que pereçamos de todo) contribuirmos com mais de 40 mil cruzados em cada um ano; e com ser a metade menos do que violentamente se nos distribuiu nos parece impossível pela experiência [pagar os 80 mil cruzados]. É conveniente ao serviço de Vossa Majestade ser proporcionada a contribuição com a nossa possibilidade, porque deste modo poderemos continuar no serviço de Vossa Majestade com o amor e a lealdade que nossos corações desejam.

Câmara de Salvador para o Rei, 12 de Agosto de 1666: AHU, LF, BA, cx. 19, doc. 2146.

As Limitações do Governo Consensual?

Que o tirar ou pôr magistrados não era coisa que tocasse aos vassalos e se os ministros procediam como não devem, é Vossa Alteza tão amante da justiça quo quando não fora pela obrigação de Dignidade Régia os castigara Vossa Alteza pelo seu natural e assim lhe parecia que à Câmara da Bahia se devia logo responder severamente de sorte que entendam aqueles vereadores que Vossa Alteza não tinha repartido com eles o cuidado de como há de governar a sua monarquia, que não podem ter voz mais que para a sua queixa, a que Vossa Alteza acudirá como príncipe, como pai e como senhor, quando justificada.

Procurador da Coroa, Parecer sobre pedido da Câmara sobre extinção da Relação, 1678.

Hegemonia ou colaboração?

Nobreza baiana não muito distinta, em termos políticos, das elites latifundiárias provinciais portuguesas: a diferença está no grau de exploração dos produtores diretos e de lucros gerados para a Coroa,

A distância não impedia relações muitas vezes mais próximas do que dentro do próprio Reino.

Comunicação política potencializava a influência das elites locais, mas também restringia suas possibilidades de ação.

A interdependência entre elites locais e Coroa na defesa do Império e na consolidação dos poderes locais.

Uma política “coproduzida” a partir de uma comunidade de interesses: produção exportadora e manutenção da estabilidade política.

Em última instância, é a posição de classe que é central para entender a dinâmica política da relação entre Coroa e localidades no Atlântico moderno, e não uma suposta oposição Metrópole x Colônia.