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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
LEANDRO VARELA SAGAZ
A MÍDIA E A PRISÃO PREVENTIVA:
SUA INFLUÊNCIA NA INCITAÇÃO AO CLAMOR PÚBLICO
Florianópolis
2020
LEANDRO VARELA SAGAZ
A MÍDIA E A PRISÃO PREVENTIVA:
SUA INFLUÊNCIA NA INCITAÇÃO AO CLAMOR PÚBLICO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Curso de Graduação em Direito, da
Universidade do Sul de Santa Catarina, como
requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Priscila de Azambuja Tagliari, Msc.
Florianópolis
2020
LEANDRO VARELA SAGAZ
A MÍDIA E A PRISÃO PREVENTIVA:
SUA INFLUÊNCIA NA INCITAÇÃO AO CLAMOR PÚBLICO
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi
julgado adequado à obtenção do título de
Bacharel em Direito e aprovado em sua forma
final pelo Curso de Graduação em Direito, da
Universidade do Sul de Santa Catarina.
Florianópolis, (dia) de (mês) de (ano da defesa).
______________________________________________________
Professor e orientador Nome do Professor, titulação
Universidade do Sul de Santa Catarina
______________________________________________________
Prof. Nome do Professor, titulação
Universidade do Sul de Santa Catarina
______________________________________________________
Prof. Nome do Professor, titulação
Universidade do Sul de Santa Catarina
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
A MÍDIA E A PRISÃO PREVENTIVA:
SUA INFLUÊNCIA NA INCITAÇÃO AO CLAMOR PÚBLICO
Declaro para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de
Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e ao Orientador de
todo e qualquer reflexo acerca deste Trabalho de Conclusão de Curso.
Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de
plágio comprovado do trabalho monográfico.
Florianópolis, dia de mês de ano.
____________________________________
LEANDRO VARELA SAGAZ
Dedico este trabalho primeiramente a Deus, por
guiar meus passos durante toda a jornada. Aos
meus pais Gilmar Gualberto Sagaz e Marcia
Aparecida Varela, e a minha irmã, Vanessa
Varela Sagaz, amores da minha vida e razões de
todas as minhas conquistas.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço a Deus, por ter me dado saúde e forças para suportar todas
as mazelas da vida.
Agradeço e dedico este trabalho aos meus pais, Gilmar Gualberto Sagaz e Marcia
Aparecida Varela, por todo amor, educação e ensinamentos. Verdadeiros responsáveis para que
me tornasse o homem que sou hoje, me dando incentivo em todos os momentos da vida,
responsáveis também por me fazer acreditar que o sucesso sempre será a consequência do
esforço.
Agradeço aos meus familiares, em especial a minha irmã, Vanessa Varela Sagaz e
ao meu pequeno sobrinho Eduardo Varela Pereira, pelo apoio, incentivo e carinho ao longo
desta etapa.
E de maneira especial, agradeço as minhas queridas, Beatriz Carvalho de Oliveira
e Luciana Giray, por todo o carinho, dedicação, incentivo e compreensão durante esta árdua
etapa em minha vida.
Sou extremamente grato aos professores presentes desde o início da minha
formação acadêmica, até os dias atuais durante a jornada universitária, principalmente à minha
querida orientadora, Priscila Tagliari, a quem tenho enorme admiração e carinho.
A todos os meus amigos, em especial a Layana Paula Guarda, Thiago Albino do
Nascimento, Yuri Henrique, Douglas Oliveira Lemos e Victor Faversani, irmãos adquiridos ao
longo de minha vida
Por fim, agradeço as mudanças da vida e a todas as pessoas que de alguma forma
contribuíram para que me tornasse uma pessoa melhor.
Muito obrigado!
“Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo...” (Fernando
Pessoa)
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar a influência midiática na decretação das prisões
preventivas fundadas sob a premissa de garantir a ordem pública. Isso ocorre uma vez que a
sociedade possui a concepção equivocada de que a liberdade provisória refere-se a uma forma
de impunidade judiciária, e tão somente a prisão preventiva seria capaz de garantir tal ordem.
Essa premissa, muitas vezes, se contrapõe à presunção de inocência e ao devido processo legal.
Para tanto, a fim de alcançar o propósito almejado, buscou-se discorrer acerca das prisões
processuais com ênfase sobre a prisão preventiva baseada na garantia da ordem pública, além
das demais hipóteses previstas no artigo 312 do Código de Processo Penal. Posteriormente,
chegou-se ao foco principal do referido trabalho: a análise da importância midiática na
formação da opinião pública, demonstrada através do estudo de casos concretos. Desse modo,
conclui-se que a forte persuasão midiática afeta não apenas a sociedade, como também ao
judiciário. Isso se explica, pois quando a mídia interfere nos processos penais, também permite
que a população intervenha em tais decisões jurídicas de maneira leiga e impulsionada por
sentimentos falsos de impunidade, dificultando o cumprimento devido das leis.
Palavras-chave: Ordem pública. Prisão preventiva. Influência midiática.
ABSTRACT
The present work aims to analise the media influence on decree of pre-trial detention based
under the premise to guarantee the public order. This occur once the society has the misplaced
conception that provisional release refers to a manner of judicial impunity, and only pre-trial
detention is capable to guarantee such thing. This premise many times is in contradiction with
the presumption of innocence and due legal process. For this purpose, in order to achieve the
objective in view, it was sought to discourse about imprisonment with empashis on pre-trial
detention based on the guarantee of public order, beyond the events prescribed in article 312 of
the Code of Criminal Procedure. Subsequently, it reached to the primary focus of related work:
the analysis on media importance at the formation of public opinion proven through the study
of concrete cases. Thus, one may conclude that the strong media persuasion affects not only the
society but also the judicial system. This occurs because when media interfere on criminal
proceedings also allows that population steps in such legal decisions in a lay manner, driven by
fake impunity feelings, hampering the legal compliance.
Palavras-chave: Public order. Pre-trial detention. Media influence.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 9
2 CONCEITO DE PRISÃO ................................................................................................ 12
2.1 PRISÃO CAUTELAR E MEDIDAS CAUTELARES ................................................................13
2.2 PRISÕES APLICÁVEIS DURANTE O PROCESSO .................................................................14
2.2.1 Prisão Processual Temporária ................................................................................... 15
2.2.2 Prisão Processual Domiciliar...................................................................................... 17
2.2.3 Prisão processual Preventiva...................................................................................... 18
2.2.3.1 Requisitos e Pressupostos para a Decretação da Prisão Preventiva ........................... 21
2.3 PRESSUPOSTOS PARA A PRISÃO PREVENTIVA: FUMUS COMMISSI DELICTI ...........22
2.3.1 Pressupostos Para a Prisão Preventiva: Periculum Liberatis ................................. 23
2.3.1.1 Conveniência da Instrução Criminal .......................................................................... 24
2.3.1.2 Garantia da Aplicação da Lei Penal ........................................................................... 24
2.3.1.3 Descumprimento das Medidas Cautelares Impostas .................................................. 25
2.3.1.4 Garantia da Ordem Econômica .................................................................................. 26
2.3.1.5 Garantia da Ordem Pública ........................................................................................ 27
3 CONCEITO DE ORDEM PÚBLICA ÀLUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO ... 29
3.1 CLAMOR PÚBLICO COMO FUNDAMENTO DA PRISÃO PREVENTIVA .........................31
3.1.1 Princípio da Presunção de inocência ......................................................................... 33
3.2 CLAMOR PÚBLICO E A MÍDIA ...............................................................................................35
3.2.1 A Liberdade de Imprensa e o judiciário ................................................................... 38
4 A MÍDIA E OS CONFLITOS AO DEVIDO PROCESSO LEGAL ............................ 41
4.1 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL .........................................................................41
4.1.1 O discurso de criminalização, do jornalismo ao espetáculo .................................... 43
4.2 CASOS DE REPERCUSSAO MÍDIATICA QUE INCITARAM AO CLAMOR PÚBLICO ....45
4.2.1 Caso Eliza Samudio e goleiro Bruno Fernandes ...................................................... 45
4.2.2 Caso escola base ........................................................................................................... 47
4.2.3 Caso Fabiane Maria de Jesus ..................................................................................... 49
4.2.4 Homem flagrado com fuzil em Florianópolis ........................................................... 51
5 CONCLUSÃO ................................................................................................................... 56
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 58
9
1 INTRODUÇÃO
Vive-se, hoje, em uma sociedade moderna com os mais variados meios de
comunicação, responsáveis por transmitir a informação de forma instantânea. Contudo, embora
seja uma ferramenta importante para a sociedade moderna, se faz necessário questionar até que
ponto a vasta propagação das notícias traz benefícios à sociedade e aos envolvidos, pois uma
única reportagem pode tomar proporções imensuráveis, causando consequências permanentes.
No decorrer dos anos, juntamente à comunicação, a sociedade passou a ter maior
acesso às decisões judiciais. Valendo-se disso, os canais midiáticos passaram a enfatizar as
narrativas criminais, devido a maior comoção gerada sobre os ouvintes. Nesse cenário, surgiu
a indagação utilizada como problema de pesquisa no referido trabalho, qual seja: a incessante
repercussão de um crime torna-se capaz de persuadir a opinião pública, ensejando ao judiciário
em decretar a prisão preventiva do acusado sobre a asserção de garantir a ordem social?
A busca por uma resposta se estabeleceu como o tema principal desta referida
monografia, para tanto, utilizar-se-á o método dedutivo, através de pesquisas bibliográficas,
jurisprudenciais e documentais, dividindo a referida monografia em três capítulos.
O primeiro capítulo destina-se ao estudo das medidas cautelares diversas da prisão,
bem como as prisões cautelares processuais, com maior ênfase sobre a prisão preventiva e seus
pressupostos: fumus comissi delict e periculum liberatis, e todos os requisitos elencados no
artigo 312 do Código de Processo Penal
Adentrando o segundo capítulo, busca-se enfatizar o tema “garantia da ordem
pública”, analisando e conceituando a expressão sob a ótica doutrinária. Posteriormente, é
trazido à baila a delicada relação entre liberdade de imprensa e judiciário, nos quais a influência
exercida pela mídia está diretamente ligada ao clamor público, utilizado como fundamento para
a decretação da prisão preventiva. Em seguida, aponta-se o princípio da presunção de inocência,
e como este é ferido sempre que ocorrem pré-julgamentos antecipados ao acusado.
Assim, visa-se analisar a veracidade dos fatos, procurando esclarecer o princípio da
liberdade de imprensa, e até onde tal liberdade se contrapõe à presunção de inocência, para que
então, possa se discutir se a persuasão midiática interfere na percepção social acerca das prisões
preventivas.
Ao final, o terceiro capítulo terá como objetivo a demonstração dos conflitos entre
a mídia e o devido processo legal, propondo-se a exibir as consequências advindas da
repercussão sensacionalista de casos criminais, onde muitas vezes os acusados tiveram a prisão
preventiva decretada, sobre o princípio de garantir a ordem social.
10
Ademais, ocorre que tais informações veiculadas nem sempre condizem com a
veracidade dos fatos, tal qual, em alguns casos, não apontam o conhecimento técnico
necessário, dando ensejo a possíveis interpretações equivocadas por parte do público ouvinte.
Por conseguinte, o estudo desta modalidade tem o intuito de averiguar se a
influência midiática pode vir a distorcer a opinião pública, demonstrada através de casos
concretos de grande notoriedade no pais.
11
AMECON – Associação metropolitana dos conselhos comunitários de segurança de
Florianópolis
CONSEGS – Conselhos comunitários de segurança de Florianópolis
CPP – Código de Processo Penal
CRFB – CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
HC – Habeas Corpus
MPSC – MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
PM – Policia Militar
LEP – Lei de Execuções Penais
12
2 CONCEITO DE PRISÃO
Conceitua-se prisão como a supressão da liberdade individual mediante a clausura,
decorrente de um flagrante delito ou então por ordem da autoridade judiciária competente.
Pode-se classificar, ainda, a prisão em penal ou extrapenal. A extrapenal trata-se de natureza
civil ou disciplinar. Já a prisão de natureza penal é aquela em que ocorrerá durante as fases de
investigação, ação penal é na fase de execução da pena. (FREITAS, 2013).
Ao lecionar sobre o tema, Lima nos traz a origem da palavra prisão, oriunda do
latim prensione, que vem de prehensione, definindo-a em suas palavras como:
No sentido que mais interessa ao direito processual penal, prisão deve ser
compreendida como a privação da liberdade de locomoção, com o recolhimento da
pessoa humana ao cárcere, seja em virtude de flagrante delito, ordem escrita e
fundamentada da autoridade judiciária competente, seja em face de transgressão
militar ou por força de crime propriamente militar, definidos em lei (CF, art. 5o, LXI).
(2019, p. 893).
Nucci também nos ensina que a prisão é “a privação da liberdade, tolhendo-se o
direito de ir e vir, através do recolhimento da pessoa humana ao cárcere.” (2016, p.483).
Deste modo, preceitua a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB)
em seu artigo 5° a respeito da prisão, deixando claro que ninguém será privado de sua liberdade
senão em ato de prisão em flagrante ou por decisão judicial devidamente fundamentada.
Art. 5º [...] LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão
militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; (BRASIL, 1998. Art. 5).
Deste modo, sempre que o indivíduo cometer um ato ilícito, o Estado terá o dever
de privar o cidadão de sua liberdade, desde que sejam observados os princípios legais que
fundamentem tais decisões.
Quanto ao tempo da prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal
condenatória, poderá ocorrer em dois momentos, sendo no ato de prisão em flagrante ou então
a prisão executada posteriormente, através de uma ordem judicial denominada em prisão
processual.
De acordo com Lima, quanto ao momento da prisão, fica esclarecido:
De acordo com o art. 283, § 2o, do CPP (antigo caput do art. 283), a prisão poderá ser
efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à
inviolabilidade do domicílio. Assim, ainda que a pessoa esteja durante o casamento,
em núpcias, durante festividades natalinas ou religiosas, final de semana, etc., não há
13
qualquer impedimento para o cumprimento da prisão, já que a regra é que a prisão
pode ser levada a efeito em qualquer dia e a qualquer hora. (2019, p. 906).
A seguir, faremos uma breve análise sobre as hipóteses de prisões processuais, bem
como as medidas cautelares diversas da prisão.
2.1 PRISÃO CAUTELAR E MEDIDAS CAUTELARES
Tanto as medidas cautelares diversas da prisão (art. 319 e art. 320, CPP) quanto a
decretação da prisão preventiva (art. 312, CPP) possuem as mesmas exigências quanto ao juízo
de necessidade da restrição de direitos, sempre visando garantir a aplicação da lei penal e a
eficiência da investigação e da instrução criminal, onde a regra deverá ser a imposição de
medidas cautelares, para que a prisão preventiva seja usada apenas em casos mais graves, onde
possuam maiores riscos à efetividade do processo. (LOPES JUNIOR, 2018).
A prisão cautelar tem por objetivo garantir a eficácia da investigação ou a instrução
criminal, assegurando a sua instrumentalidade. Trata-se de medida excepcional, com o intuito
de analisar a periculosidade do agente, sendo a prisão a última medida adotada. (FREITAS,
2013).
Dessa forma, como diz Lima no que tange à prisão cautelar, expõe da seguinte
maneira:
A prisão cautelar se caracteriza como uma providência urgente que objetiva uma
prestação jurisdicional mais justa em prol do estado no processo penal. A prisão
cautelar não pode ser decretada para dar satisfação à sociedade, à opinião pública ou
à mídia, sob pena de se desvirtuar da sua natureza instrumental. (LIMA, 2011, p.79).
Em um Estado que impera o princípio da presunção de não culpabilidade, seria ideal
que a privação de liberdade do agente só fosse possível após o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória. Todavia, entre o momento em que o delito é praticado e a obtenção do
provimento jurisdicional definitivo, há o risco de que, em algumas situações, a ação do agente
comprometa a atuação jurisdicional ou então afetem a eficácia de uma posterior decisão.
(LIMA, 2019).
Nesse contexto, de acordo com os ensinamentos de Nicolitt (2011), a prisão penal
refere-se ao exercício do direito de punir do Estado. De outro modo, a prisão cautelar é uma
forma de prevenir um possível direito de punir, visa eliminar os riscos à instrução do processo
ou então garantir a aplicação da lei.
14
Sob a ótica de Freitas (2013, p. 855-856), assim menciona: “As prisões cautelares
ficaram restritas à temporária, flagrante e preventiva. É que com o advento das Leis nº. 11.689/
2008 e 11.719/ 2008, foram revogadas as prisões por pronúncia e decorrente de sentença
condenatória recorrível”.
Em relação às medidas cautelares, trata-se de instrumentos judiciais usados para
restringir a liberdade, em caráter provisório e urgente, diverso da prisão, tendo como objetivos
controlar e acompanhar o acusado durante a fase de investigação, sempre que necessária e
adequada ao caso concreto. (NUCCI, 2016).
As medidas cautelares diversas da prisão estão presentes no Art. 319 do Código de
Processo Penal (CPP), seu cabimento deverá ser analisado anteriormente à decretação de prisão,
pois a segregação da liberdade será sempre a última medida cabível.
Quanto à adequação da medida cautelar, Capez estabelece o seguinte entendimento:
A medida deve ser a mais idônea a produzir seus efeitos garantidores do processo. Se
a mesma eficácia puder ser alcançada com menor gravame, o recolhimento à prisão
será abusivo. O ônus decorrente dessa grave restrição à liberdade deve ser
compensado pelos benefícios causados à prestação jurisdicional. Se o gravame for
mais rigoroso do que o necessário, se exceder o que era suficiente para a garantia da
persecução penal eficiente, haverá violação ao princípio da proporcionalidade. (2018,
p. 349).
Por conseguinte, demonstraremos os meios de prisões processuais cabíveis no
ordenamento jurídico brasileiro.
2.2 PRISÕES APLICÁVEIS DURANTE O PROCESSO
Popularmente conhecidas como prisões processuais, são aquelas aplicadas durante
o processo penal, tendo caráter cautelar, buscando resguardar o andamento processual para
garantir a eficácia da investigação criminal, podendo ser temporária, domiciliar ou preventiva.
Capez leciona sobre a prisão cautelar da seguinte forma:
[...] prisão de natureza puramente processual, imposta com finalidade cautelar,
destinada a assegurar o bom desempenho da investigação criminal, do processo penal
ou da futura execução da pena, ou ainda a impedir que, solto, o sujeito continue
praticando delitos. É imposta apenas para garantir que o processo atinja seus fins. Seu
caráter é auxiliar e sua razão de ser é viabilizar a correta e eficaz persecução penal.
Nada tem que ver com a gravidade da acusação por si só, tampouco com o clamor
popular, mas com a satisfação de necessidades acautelatórias da investigação criminal
e respectivo processo. (2018, p. 303).
15
Desta feita, a seguir, descreveremos brevemente os tipos de prisões processual e
suas características principais.
2.2.1 Prisão Processual Temporária
Devido à complexidade de algumas investigações de infrações penais, fora
elaborada pela Lei n° 7.960, de 21 de dezembro de 1989, a prisão temporária.
Segundo Capez (2018, p. 346), conceitua-se a prisão temporária como “prisão
cautelar de natureza processual destinada a possibilitar as investigações a respeito de crimes
graves, durante o inquérito policial”.
Conforme exemplifica Tourinho Filho em seus ensinamentos a respeito da
competência para decretar a prisão temporária:
[...] Somente o Juiz, mediante a representação da autoridade policial ou do ministério
público, poderá decretá-la. Seu prazo máximo de duração é de cinco dias, podendo
ser prorrogável, por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade.
Em se tratando de crimes hediondos, da pratica de tortura, do tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins e do terrorismo, o prazo de prisão temporária é de trinta
dias, prorrogável de mais trinta, nos termos do § 4° da lei n. 8.072/90, na redação da
Lei. 11.464/2007. (2010, p.511).
As hipóteses em que se admite a prisão temporária encontram-se em duas leis
específicas, sendo a Lei 7.960/89, bem como o artigo 1º da Lei nº. 8.072/90 dos Crimes
Hediondos.
Primeiramente, veremos a redação do artigo 1° da Lei 7.960/89 e suas
particularidades.
Art. 1° Caberá prisão temporária:
I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;
II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários
ao esclarecimento de sua identidade;
III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na
legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:
a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);
b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);
c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);
d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);
e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);
f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);
(Vide Decreto-Lei nº 2.848, de 1940)
g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput,
e parágrafo único); (Vide Decreto-Lei nº 2.848, de 1940)
h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único);
(Vide Decreto-Lei nº 2.848, de 1940)
i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);
16
j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado
pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);
l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;
m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer
de suas formas típicas;
n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976);
o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).
p) crimes previstos na Lei de Terrorismo.(Incluído pela Lei nº 13.260, de 2016).
(BRASIL, Lei nº. 7.960, 2019).
Nota-se que o inciso III do artigo supracitado traz, de forma exaustiva, todos os
crimes em que será cabível a decretação da prisão temporária, já os incisos I e II trazem os
meios processuais para tal cabimento.
Com fulcro na Lei 7.960/89, em seu artigo 2º, caput, está elencado o prazo em que
o agente poderá permanecer preso temporariamente.
Art. 2° A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da
autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5
(cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada
necessidade. (BRASIL, Lei nº. 7.960, 2019).
Já a Lei dos crimes hediondos, Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, atualizada pela
vigente Lei Nº 13.964, de 24 de Dezembro de 2019, em seu art. 5°, traz a relação de crimes nos
quais caberá a prisão temporária.
Art. 5º O art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com as
seguintes alterações:
“Art. 1o São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados
no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou
tentados: (Redação dada pela Lei nº 8.930, de 1994) (Vide Lei nº 7.210, de 1984)
I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio,
ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos
I, II, III, IV, V, VI, VII e VIII);
II - roubo:
a) circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima (art. 157, § 2º, inciso V);
b) circunstanciado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, inciso I) ou pelo
emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito (art. 157, § 2º-B);
c) qualificado pelo resultado lesão corporal grave ou morte (art. 157, § 3º);
III - extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, ocorrência de lesão
corporal ou morte (art. 158, § 3º);
IX - furto qualificado pelo emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause
perigo comum (art. 155, § 4º-A).
Parágrafo único. Consideram-se também hediondos, tentados ou consumados:
I - o crime de genocídio, previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro
de 1956;
II - o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, previsto no art.
16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
III - o crime de comércio ilegal de armas de fogo, previsto no art. 17 da Lei nº 10.826,
de 22 de dezembro de 2003;
IV - o crime de tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição, previsto
no art. 18 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
17
V - o crime de organização criminosa, quando direcionado à prática de crime hediondo
ou equiparado.” (BRASIL, Lei nº. 13.964, 2019).
Quando o ato de prisão temporária for fundamentado conforme a Lei nº. 8.072/90,
o prazo passará a ser de trinta dias, também prorrogáveis por mais trinta, em conformidade com
o artigo 2°, § 4º.
Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e
drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: § 4o A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei no 7.960, de 21 de dezembro de
1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável
por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade. (BRASIL, Lei nº.
8.072, 1990).
Findados os prazos decorrentes da prisão temporária, o preso deverá ser colocado
em liberdade imediatamente. Porém, a prisão temporária, poderá ser convertida em prisão
preventiva sempre que estiverem presentes os requisitos do artigo 311 do CPP, em conjunto
com os pressupostos dos artigos 312 e 313 do CPP.
2.2.2 Prisão Processual Domiciliar
A prisão domiciliar encontra-se fundamentada no artigo 317 e 318 CPP, assim
como está prevista no art. 117 da LEP.
Como prevê o artigo 317, CPP, “A prisão domiciliar consiste no recolhimento do
indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial”.
(BRASIL, CPP, 2019).
Deste modo prisão domiciliar não se inclui como alternativa à prisão preventiva,
pois este meio de cerceamento de liberdade somente será aplicado como substitutivo da prisão
preventiva, desde que estejam presentes as hipóteses arroladas no art. 318 do CPP, como
veremos a diante. (OLIVEIRA, 2011).
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente
for: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - maior de 80 (oitenta) anos; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - extremamente debilitado por motivo de doença grave; (Incluído pela Lei nº 12.403,
de 2011).
III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade
ou com deficiência; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
IV - gestante a partir do 7o (sétimo) mês de gravidez ou sendo está de alto risco.
(Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
IV - gestante; (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)
V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; (Incluído pela Lei
nº 13.257, de 2016)
18
VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze)
anos de idade incompletos. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos
estabelecidos neste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). (
Em sequência, o CPP apresenta as hipóteses de substituição de prisão preventiva
por prisão domiciliar, quando se tratar de mulher gestante ou mãe responsável por crianças ou
pessoas com deficiência, no art. 318-A com a seguinte redação:
Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou
responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão
domiciliar, desde que: (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).
I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
(Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).
II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente. (Incluído pela Lei nº
13.769, de 2018).
Ao pontuar sobre o tema, Capez destaca a prisão domiciliar da seguinte maneira:
A prisão domiciliar, por sua vez, é prisão preventiva cumprida no domicílio do agente,
ou seja, o juiz verificou que nenhuma das medidas cautelares previstas no art. 319 do
Diploma Processual seria suficiente para garantir o juízo e decretou a medida
excepcional da prisão preventiva. Entretanto, dadas as características peculiares e
excepcionais do sujeito previstas nos quatro incisos do mencionado art. 318, a
restrição da liberdade poderá ser cumprida no próprio domicílio do agente. Aqui não
se trata de recolhimento somente durante o período noturno, mas em período integral,
já que se cuida de prisão preventiva e não de medida cautelar alternativa. (2018, p.
341)
Nesta ocorrência, a prisão domiciliar só será decretada por motivos pessoais do
agente ou então natureza humanitária, não devendo ser confundida com a medida cautelar de
recolhimento domiciliar, que está prevista no art., 319, V, CPP, esta, por sua vez, dá ao agente
a liberdade de exercer suas atividades profissionais durante o dia, devendo recolher-se ao
domicílio no período noturno e dias de folga. (LOPES JÚNIOR, 2018).
2.2.3 Prisão processual Preventiva
A prisão preventiva é, seguramente, a prisão processual de maior importância. As
circunstâncias que a autorizam constituem a pedra de toque de toda a prisão processual,
podendo ser decretada do inquérito policial ou da instrução criminal. (TOURINHO FILHO,
2011).
Assim como as demais prisões processuais, a preventiva valida-se sob o art. 5º,
inciso LXI, da Constituição Federal/88, e, da mesma maneira, possui medidas de restrição de
liberdade em caráter cautelar, que visa a garantia do processo penal, com o objetivo de impedir
19
possíveis condutas do autor ou terceiros. Tal prisão encontra-se normatizada nos arts. 311 e 312
do CPP.
Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a
prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do
querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. (BRASIL,
CPP, 2019).
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública,
da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a
aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente
de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. (BRASIL, CPP,
2019)
§ 1ºA prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de
qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, §
4o). (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em
receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que
justifiquem a aplicação da medida adotada. (BRASIL, CPP, 2019).
Nos dizeres de Capez (2018), entende-se por prisão preventiva a decisão judicial
que cercear a liberdade do acusado durante o processo, sempre com o intuito cautelar, poderá
ser decretada durante a investigação ou durante o processo antes do trânsito em julgado da
sentença, devendo sempre respeitar os requisitos fundamentais para sua aplicação.
Dessa forma, a partir dos preceitos de Capez sobre a prisão preventiva, compreende-
se que essa somente será decretada “por ordem escrita e fundamentada da autoridade judicial
competente”, conforme descreve o art. 5°, da Constituição Federativa do Brasil de 1988.
Soma-se a isso o seguinte esclarecimento de Nucci a respeito dos pressupostos que
compõem a prisão preventiva:
Uma medida cautelar de constrição à liberdade do indiciado ou réu, por razões de
necessidade, respeitados os requisitos estabelecidos em lei. No ensinamento de
Frederico Marques, possui quatro pressupostos: a) natureza da infração (alguns delitos
não a admitem, como ocorre com os delitos culposos), b) probabilidade de condenação
(fumus boni juris), c) perigo na demora (periculum in mora) e d) controle jurisdicional
prévio (Elementos de direito processual penal, v. IV, p. 58). (MARQUES, 1998, apud
NUCCI, 2016, p. 449) .
Isso posto, nota-se que a prisão preventiva respeitará sempre a necessidade
processual, pois trata-se de última medida cabível, devendo sempre haver fundamentação
judicial sobre a decisão.
Porém, não basta a fundamentação judicial da autoridade competente para a sua
decretação, sempre será necessário que a decretação esteja expressamente prevista em lei, nesta
oportunidade, não poderá o juiz afastar-se do princípio da legalidade, nem mesmo se entender
20
que estejam presentes outras circunstâncias que coloquem a efetividade do processo em risco.
(OLIVEIRA, 2011)
Novamente, retrata Oliveira (2011), com as mudanças decorrentes da lei 12.403/11,
a prisão preventiva passa a ter duas características definidas, nas quais ela será autônoma, sem
que haja a prévia necessidade de qualquer medida cautelar imposta anteriormente, bem como
ela passou a ser subsidiária, podendo ser decretada em razão do descumprimento de medida
cautelar anterior.
Quanto ao prazo para a duração, assim como as demais prisões cautelares, a prisão
preventiva também tem sua duração condicionada ao lapso temporal em que ela esteja
fundamentada, sendo revogada quando não estiverem mais presentes os motivos que a
fundamentem, assim como será renovada sempre que existirem razões. (BRASIL, CPP, 2019).
A prisão preventiva poderá ser decretada em três situações diferentes:
a) A qualquer fase da investigação ou do processo, de modo autônomo e
independente. (art. 311, CPP).
b) De modo a converter a prisão em flagrante, sempre que as medidas cautelares
não forem adequadas ao caso. (art. 310, II, CPP).
c) Substituindo a medida cautelar que for descumprida por parte do acusado. (art.,
282, § 4°, CPP).
Vale ressaltar que, para as hipóteses “a” e “b”, deverão estar presentes os requisitos
do art. 312 do CPP, assim como fará necessário a presença de alguma das hipóteses elencadas
no art. 313 CPP, pois sem esta conjunção será impossível efetuar o pedido de prisão.
Quanto à preventiva em substituição a medida cautelar, decorrente ao seu
descumprimento, como prevê o art. 282, § 4°, CPP, assim o juiz estará amparado por lei,
podendo decretar a prisão:
Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas
observando-se a: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
§ 4º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz,
mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante,
poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar
a prisão preventiva, nos termos do parágrafo único do art. 312 deste Código. (Redação
dada pela Lei nº 13.964, de 2019. (BRASIL, CPP, 2020).
Para que a prisão preventiva seja decretada, é necessário cumprir alguns requisitos
e pressupostos que estão previstos nos arts 312 e 313 do CPP, como será apresentado a seguir.
21
2.2.3.1 Requisitos e Pressupostos para a Decretação da Prisão Preventiva
Para que a prisão preventiva seja decretada de forma correta, é necessário a presença
dos requisitos objetivos elencados no artigo 313 do Código de Processo Penal, conjugados com
os requisitos subjetivos fumus commissi delicti (fumaça de que foi cometido o delito) e
periculum liberatis (risco de liberdade do investigado ou acusado), encontrados no artigo 312
do CPP , visto que a falta destes requisitos inviabilizará a prisão preventiva.
Assim, dispõe o art. 312 do CPP, no qual estabelece os pressupostos necessários
para a prisão preventiva:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública,
da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a
aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente
de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. (Redação dada
pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 1º A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de
qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, §
4o).
§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em
receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que
justifiquem a aplicação da medida adotada. (BRASIL, CPP, 2020).
Já o art. 313 do CPP estabelece os requisitos necessários para que a prisão
preventiva seja decretada:
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão
preventiva:
-nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4
(quatro) anos;
- se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado,
ressalvado o disposto no inciso caput do-
Lei no2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;
-se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança,
adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das
medidas protetivas de urgência;
Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida
sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes
para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a
identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida (BRASIL,
CPP, 2020).
Neste caso, o código de processo penal traz como pressupostos a decretação da
prisão preventiva a união dos artigos 312 e 313 do CPP, como descrito por Capez:
Somente poderá, no entanto, ser decretada quando preenchidos os requisitos da tutela
cautelar (fumus boni iuris e periculum in mora). Nesse sentido, dispõe o art. 312 do
CPP que a prisão preventiva poderá ser decretada: (i) para garantia da ordem pública,
da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a
22
aplicação da lei penal (periculum in mora) + (ii) quando houver prova da existência
do crime e indícios suficientes de autoria (fumus boni iuris). Não existe prisão
preventiva obrigatória, pois, nesse caso, haveria uma execução antecipada da pena
privativa de liberdade, violando o princípio do estado de inocência. (2018, p. 334).
Cabe ressaltar que a prisão preventiva é a última ratio, portanto, o magistrado
deverá avaliar todo o caso e apenas aplicar a prisão, e, se não for possível, a aplicação de outra
medida cautelar diversa à prisão. (JAYME, 2013).
No mesmo sentido, pode-se observar o que descreve Capez a respeito da
admissibilidade da prisão preventiva:
A prisão preventiva somente será admissível dentro de nosso panorama
constitucional, quando demonstrada a presença dos requisitos da tutela cautelar.
A medida é excepcional e mesmo justificando o periculum in mora, não será imposta,
contanto que possível outra medida menos invasiva ao direito de liberdade, dentre as
elencadas no rol do art. 319 do cpp. (2018, p, 334).
Esses pressupostos possuem grande importância para o referido trabalho, deste
modo, apresenta-se a seguir uma análise sobre cada elemento.
2.3 PRESSUPOSTOS PARA A PRISÃO PREVENTIVA: FUMUS COMMISSI DELICTI
A prova da existência do crime e indício suficiente de autoria trazidos pelo art. 312
do CPP constitui o que poderia ser chamado de fumus commissi delicti, o qual pode ser
traduzido como fumaça de que foi cometido o delito. Esse pressuposto não necessita de um
juízo de certeza, porém, faz-se necessária a presença de elementos que liguem o fato ao
suspeito, assim como exemplifica Oliveira:
Observa-se, primeiro, que os requisitos relativos à prova da existência do crime e
indicio suficiente de autoria o que se poderia chamar de fumus delicti, ou a aparência
do delito, equivalente ao fumus boni iuris de todo processo cautelar. A aparência do
delito deve estar presente em toda e qualquer prisão provisória (ou cautelar), como
verdadeiro pressuposto da decretação da medida acautelatória. (2011, p. 546) .
De acordo com a mesma linha de pensamento, exemplifica Capez:
O juiz somente poderá decretar a prisão preventiva se estiver demonstrada a
probabilidade de que o réu tenha sido o autor de um fato típico e ilícito.
São pressupostos para a decretação:
prova da existência do crime (prova da materialidade delitiva);
(ii) indícios suficientes da autoria.
Trata-se da conhecida expressão fumus boni iuris, sendo imprescindível a
demonstração da viabilidade da acusação. Não se admite a prisão preventiva quando
improvável, à luz do in dubio pro societate, a existência do crime ou a autoria
imputada ao agente.
23
Note-se que, nessa fase, não se exige prova plena, sendo suficiente a existência de
meros indícios. Basta a probabilidade de o réu ou indiciado ter sido o autor do fato
delituoso [...]. (2018, p. 335).
Desta forma, para que a prisão preventiva seja decretada, é imprescindível a prova
da materialidade do crime, assim como os indícios suficientes que liguem a autoria do crime ao
agente, como podemos observar nas palavras de Lima:
No tocante à materialidade, como denota a expressão prova da existência do crime
constante do art. 312 do CPP, exige-se um juízo de certeza quando da decretação da
prisão preventiva. No caso de crimes que deixam vestígios, não há falar em
indispensabilidade do exame de corpo de delito para a decretação da prisão
preventiva. Na verdade, como é cediço, o laudo pericial pode ser juntado durante o
curso do processo, salvo nas hipóteses de drogas (laudo de constatação da natureza da
droga - art. 50, § Io, da Lei n° 11.343/06) e crimes contra a propriedade imaterial
(CPP, art. 525), em que o exame de corpo de delito assume condição de verdadeira
condição específica de procedibilidade. (2019, p. 989).
Todavia, concomitantemente ao Fumus commissi delicti, é essencial a
demonstração do periculum libertatis.
2.3.1 Pressupostos Para a Prisão Preventiva: Periculum Liberatis
O direito processual penal, em seu art. 312, também apresenta o pressuposto
denominado pela doutrina como periculum liberatis, isto é, quando a liberdade do acusado põe
em risco o processo ou a sociedade:
ART. 312. a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública,
da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a
aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente
de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. (BRASIL, CPP,
2019).
Melhor dizendo, caberá à prisão preventiva sempre que a liberdade do agente
oferecer risco à garantia da ordem econômica, da ordem pública, por conveniência da instrução
criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.
Nos dizeres de Capez, podemos observar sobre a finalidade da decisão que optar
por segregar o acusado através da prisão cautelar, pois:
[...] A prisão cautelar é decretada com a finalidade de impedir que o agente, solto,
continue a delinquir, não se podendo aguardar o término do processo para, somente
então, retirá-lo do convívio social. Nesse caso, a natural demora da persecução penal
põe em risco a sociedade. É caso típico de periculum in mora. (2018, p. 335).
24
Em outras palavras, o periculum liberatis diz respeito à necessidade que o Estado
tem de isolar o acusado antes que ocorra a condenação, pois a permanência em liberdade trará
o risco iminente à efetividade do processo penal ou à segurança social, aqui, o fator
determinante não é o tempo, mas sim a situação de perigo criada pelo imputado. (LOPES
JÚNIOR, 2018).
Desse modo, comprovada a existência do ilícito e havendo indícios de autoria, bem
como o risco pertinente à liberdade do acusado, deverá o juiz fundamentar a decisão sobre a
medida cautelar tomada, de acordo com os dispositivos do artigo 312 do CPP.
2.3.1.1 Conveniência da Instrução Criminal
A conveniência da instrução criminal será empregada quando a prisão preventiva
buscar o devido andamento do processo legal, ou seja, tende a impedir que o agente perturbe a
produção de provas, ameace testemunhas ou destrua documentos que possam comprovar o
crime, etc.
Assim conceitua Lopes Júnior:
A prisão preventiva para tutela da prova é uma medida tipicamente cautelar,
instrumental em relação ao (instrumento) processo. Aqui, o estado de liberdade do
imputado coloca em risco a coleta da prova ou o normal desenvolvimento do processo,
seja porque ele está destruindo documentos ou alterando o local do crime, seja porque
está ameaçando, constrangendo ou subornando testemunhas, vítimas ou peritos.
(2018, p. 402).
Todavia, a clausura é pautada, pela excepcionalidade, como o último instrumento
cabível ao caso, sendo aplicável apenas se não houver outra medida cautelar admissível.
Muito embora a lei utilize o termo “conveniência”, esse é incompatível com o
instituto da prisão preventiva, devendo ser interpretada como uma necessidade ao processo e
jamais mera conveniência. (CAPEZ, 2018).
2.3.1.2 Garantia da Aplicação da Lei Penal
A prisão preventiva será decretada com base na garantia da ordem pública sempre
que houver o risco iminente de fuga do agente, tornando a execução da pena imposta por uma
eventual sentença condenatória. (AVENA, 2019).
25
Todavia, como exemplificado por Lopes Júnior (2018), ao dizer que o risco de fuga
não pode ser presumido, faz referência à necessidade de fundamentações reais que levem a essa
medida cautelar.
Por fim, sempre, qualquer que seja o fundamento da prisão, é imprescindível a
existência de prova razoável do alegado periculum libertatis, ou seja, não bastam
presunções ou ilações para a decretação da prisão preventiva. O perigo gerado pelo
estado de liberdade do imputado deve ser real, com um suporte fático e probatório
suficiente para legitimar tão gravosa medida. Toda decisão determinando a prisão do
sujeito passivo deve estar calcada em um fundado temor, jamais fruto de ilações ou
criações fantasmagóricas de fuga (ou de qualquer dos outros perigos). Deve se
apresentar um fato claro, determinado, que justifique o periculum libertatis. (2018, p.
403).
E de igual forma complementa Lima sobre a decretação da prisão preventiva e da
presunção de fuga:
Sob pena de evidente violação ao princípio da presunção de inocência, não se pode
presumir a fuga do agente simplesmente em virtude de sua condição socioeconômica
favorável. Meras ilações ou conjecturas desprovidas de base empírica concreta não
autorizam a decretação da prisão do agente com base nesse pressuposto. O juiz só está
autorizado a decretar a prisão preventiva com base em elementos concretos constantes
dos autos que confirmem, de maneira insofismável, que o agente pretende se subtrair
à ação da justiça. (2019, p. 997).
Seguindo a mesma linha de pensamento, ensina Capez (2018): quando o agente der
indícios que levem a crer em sua fuga, ou se não possuir residência fixa, ocupação lícita ou
qualquer elemento que o ligue ao distrito da culpa, haverá o risco para a eficácia processual
caso ele permaneça em liberdade.
Para que ocorra a prisão sob este fundamento, torna-se imprescindível a presença
do real periculum libertatis, não podendo fundar-se em meras suposições.
2.3.1.3 Descumprimento das Medidas Cautelares Impostas
Sempre que for possível, o juiz deverá optar por medida cautelar diversa da prisão,
amparado pelo art. 319 do CPP, pondo o agente em liberdade.
No entanto, havendo o descumprimento da medida cautelar imposta, o juiz poderá
substituir a medida por outra mais rigorosa, cumular a mais uma, e, em últimos casos, decretar
a prisão preventiva. (CAPEZ, 2018).
Pois verificado o descumprimento injustificado das medidas cautelares diversas da
prisão, ficará evidente que o acusado não fez por merecer o benefício da medida menos gravoso,
26
assim o juiz poderá optar por substituir a medida cautelar ou então a impor outra medida
cumulativa, em última hipótese, a própria prisão. (LIMA, 2019).
Todavia, como exemplificado por Lima, algumas medidas precisam ser observadas,
senão vejamos:
Para tanto, e em fiel observância ao disposto no art. 282, § 3o, deve ser assegurado ao
acusado o contraditório prévio, ressalvados os casos de urgência ou de perigo de
ineficácia da medida, apontando o magistrado, fundamentadamente, as razões pelas
quais entendeu necessária a substituição da medida, a imposição de outra em
cumulação, ou a imposição da prisão preventiva. Portanto, o descumprimento a que
se refere o art. 282, § 4o, do CPP, além de injustificado, deve ser comprovado
mediante o devido processo legal, assegurados ao investigado ou acusado o direito ao
contraditório e à ampla defesa, salvo na hipótese de urgência ou de perigo de
ineficácia da medida. A decisão judicial determinando a substituição da medida
cautelar descumprida, imposição de outra em cumulação, ou até mesmo a prisão
preventiva, deve ser devidamente fundamentada, bem como lastreada em critérios de
legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, ex vi do art. 282, incisos I e II, do CPP.
(2019, p. 882).
Para que essas medidas sejam tomadas, é necessário observar o dispositivo do art.
282, § 3 e § 4, para que a decisão judicial seja devidamente justificada.
2.3.1.4 Garantia da Ordem Econômica
A garantia da ordem econômica encontra-se prevista no art. 312 do CPP, segundo
Capez, “o art. 86 da Lei n. 8.884/94 (Lei Antitruste), incluiu no art. 312 do CPP está hipótese
de prisão preventiva. Trata-se de uma repetição do requisito “garantia da ordem pública”.
Lima pondera a respeito da medida, nas seguintes palavras:
O conceito de garantia da ordem econômica assemelha-se ao de garantia da ordem
pública, porém relacionado a crimes contra a ordem econômica, ou seja, possibilita a
prisão do agente caso haja risco de reiteração delituosa em relação a infrações penais
que perturbem o livre exercício de qualquer atividade econômica, com abuso do poder
econômico, objetivando a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e
o aumento arbitrário dos lucros (CF, art. 173, § 4o). Na mesma linha, de acordo com
o art. 36 da Lei n° 12.529/11, constituem infração da ordem econômica,
independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham
por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre
iniciativa; II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar
arbitrariamente os lucros; e IV - exercer de forma abusiva posição dominante. (2019,
p. 995–996)
Nos dizeres de Lopes Júnior, o autor se opõe ao fundamento de prisão preventiva
para a garantia da ordem pública:
27
Quanto à prisão para garantia da ordem econômica, igualmente criticável o
fundamento. Se o objetivo é perseguir a especulação financeira, as transações
fraudulentas, e coisas do gênero, o caminho passa pelas sanções à pessoa jurídica, o
direito administrativo sancionador, as restrições comerciais, mas jamais pela
intervenção penal, muito menos de uma prisão preventiva. É manifesta a inadequação
da prisão para garantia da ordem econômica, pois já havia, no art. 30 da Lei n. 7.492,
a previsão de decretação de prisão preventiva em “razão da magnitude da lesão
causada”. Mas, para além disso, em nada serviria a prisão para remediar ou diminuir
a lesão econômica. (2018, p. 410).
Por consequência, tal fundamento é pouco utilizado no âmbito jurídico, visto que é
citado por doutrinadores como desnecessário, e muitas vezes comparado à prisão preventiva
fundamentada como garantia da ordem pública.
2.3.1.5 Garantia da Ordem Pública
Entende justificável a prisão preventiva como garantia da ordem pública sempre
que a permanência do acusado em liberdade causar a insegurança social, em razão do receio de
que o agente volte a delinquir. (AVENA, 2019). Contudo, esta razão não é suficiente para que
a prisão seja decretada, dito isto, vejamos o que diz o autor a respeito:
Não bastam, para que seja decretada a preventiva com base neste motivo, ilações
abstratas sobre a possibilidade de que venha o agente a delinquir, isto é, sem a
indicação concreta e atual da existência do periculum in mora. É preciso, pois, que
sejam apresentados fundamentos que demonstrem a efetiva necessidade da restrição
cautelar para evitar a reiteração na prática delitiva. (AVENA, 2019, p. 1814).
Nesse sentido, Capez concluiu que este fundamento de prisão preventiva busca
impedir que o agente, solto, volte a cometer algum ato ilícito, não se podendo aguardar ao
julgamento do processo penal, pois a liberdade do agente põe em risco a sociedade. (CAPEZ,
2018).
Todavia, restam inúmeras dúvidas doutrinárias quanto a essa fundamentação, pois
a garantia da ordem pública está diretamente associada ao clamor social, vejamos novamente
sob a perspectiva de Capez:
O clamor popular não autoriza, por si só, a custódia cautelar. Sem periculum in mora
não há prisão preventiva. O clamor popular nada mais é do que uma alteração
emocional coletiva provocada pela repercussão de um crime. Sob tal pálio, muita
injustiça pode ser feita, até linchamentos (físicos ou morais). Por essa razão, a
gravidade da imputação, isto é, a brutalidade de um delito que provoca comoção no
meio social, gerando sensação de impunidade e descrédito pela demora na prestação
jurisdicional, não pode por si só justificar a prisão preventiva. Garantir a ordem
pública significa impedir novos crimes durante o processo. Nesse sentido: “A
repercussão do crime ou clamor social não são justificativas legais para a prisão
preventiva” (STF, RT, 549/417). (STF, 2012 apud CAPEZ, 2018, p. 335).
28
Ordem pública é expressão de conceito indeterminado, gerando divergências entre
os doutrinadores e a jurisprudência, deixando margem para que os magistrados utilizem de
forma abstrata. Normalmente, esse conceito está ligado à paz e tranquilidade social, porém a
prisão preventiva só é fundamentada pela ordem pública quando a imprensa falada, escrita ou
televisiva faz alarde. (TOURINHO FILHO, 2011).
A discussão aumenta ainda mais quando a prisão preventiva fundada na garantia da
ordem pública baseia-se na comoção social. O clamor público está diretamente ligado à
influência exercida pelos meios de comunicação, trazendo incertezas ao processo.
(TOURINHO FILHO, 2011).
Sendo este o tema principal do trabalho, dedicaremos o próximo capítulo ao estudo
da garantia da ordem pública à luz do ordenamento jurídico brasileiro, bem como a influência
exercida pelos meios de comunicação que norteiam o referido fundamento da prisão preventiva.
29
3 CONCEITO DE ORDEM PÚBLICA ÀLUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO
A expressão “garantia da ordem pública” foi introduzida no ordenamento jurídico
brasileiro como fundamento da prisão preventiva, no ano de 1941, através do decreto Lei nº
3.689, de 3 de outubro, no artigo 312 do CPP, e, desde então, surgem dúvidas doutrinárias
quanto ao seu conceito.
De acordo com Lopes Júnior (2018, p. 408), a criação do termo ordem pública
remete a tempos antigos, na década de 30, na qual imperava o nazifascismo, mesmo período
em que o CPP foi criado, tratando-se de uma autorização geral e aberta para prender, pois como
cita o autor, o termo ordem pública é um conceito vago, impreciso e indeterminado, utilizado
até os dias atuais, pois tem servido a diferentes senhores, adeptos dos discursos autoritários e
utilitaristas, que tão “bem” sabem utilizar dessas cláusulas genéricas e indeterminadas do
Direito para fazer valer seus atos prepotentes.
Em adição, nas palavras de Greco Filho (2012), a ordem pública não remete ao
interesse de muitas pessoas, mas sim ao interesse da segurança dos bens juridicamente
protegidos, podendo atender a um único indivíduo. Em vista disso, o autor aduz também que a
ordem pública não se relaciona ao clamor social, pois, apesar de o clamor social ser revelador
de uma repulsa social, pode facilmente significar vingança ou revolta da população por
interesses ilegítimos.
Portanto, a ordem pública deve se estender à paz e tranquilidade, diante disso, a
permanência do acusado em liberdade desrespeita a vida em sociedade, uma vez que o mesmo
continuará a delinquir segundo. (RANGEL, 2005).
Soma-se a isso os dizeres de Pancelli (2017), em que a prisão preventiva
fundamentada na garantia da ordem pública não se destina a proteger o processo penal como
fazem outras prisões cautelares. Ao contrário, esse fundamento dirige-se a proteger a própria
comunidade coletiva, considerando que ela seria atingida severamente pela intranquilidade
social.
Outrossim, a garantia da ordem pública está definida como um instrumento
processual voltado à sociedade, com o intuito de que essa não sofra um dano concreto e
iminente. Desta forma, ao fazê-lo, o processo penal está buscando a proteção da sociedade
contra as ameaças concretas. (MENDONÇA, 2011).
Em conjunto aos doutrinadores citados acima, pela lição de Avena (2019), entende-
se justificável fundamentar a prisão preventiva sob a garantia da ordem pública, desde que a
30
permanência do acusado em liberdade possa causar a intranquilidade social, todavia, é
necessária a existência concreta do periculum in mora.
Em consequência aos ensinamentos expostos acima, é notório o manifesto
favorável ao termo “ordem pública” para fundamentar a prisão preventiva em prol do bem estar
coletivo, preservando a harmonia social.
Contudo, não existe definição jurídica a esse termo, muito menos determinação
quanto à sua aplicação processual. A menção à “ordem pública” é encontrada uma única vez
sob o Decreto 88.777 de 1983, regulamento para as Polícias Militares e o Corpo de Bombeiros
Militares, expresso em seu art. 21.
Ordem Pública -. Conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico
da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse
público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado
pelo poder de polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem
comum. (BRASIL, 1983).
Embora o Decreto Lei remeta a garantia da ordem pública a um termo policial,
ainda não há definição jurídica que qualifique o seu devido cabimento processual no âmbito
penal, deixando assim uma brecha jurídica para que os magistrados a empreguem da melhor
maneira que convier ao processo. Nos dizeres de Lima (2019, p. 991), “a expressão ‘garantia
da ordem pública’ é extremamente vaga e indeterminada, gerando controvérsias na doutrina e
na jurisprudência quanto ao seu real significado”.
Na tentativa de definir a “ordem pública”, muitos autores apontam um conceito
negativo, devido à lacuna processual quanto ao seu cabimento, evidenciando a obscuridade e
abrangência do termo, provocando a insegurança jurídica.
Na boa lição de Tourinho Filho (2011, p. 506), “ordem pública é fundamento
geralmente invocável, sob diversos pretextos, para se decretar a preventiva, fazendo-se total
abstração de que esta é uma coação cautelar e, sem cautelaridade, não se admite, à luz da
constituição, prisão provisória”.
Consequentemente, Lopes Júnior (2018, p. 401) pondera sobre obscuridade deste
fundamento, que, por ser tão abrangente, tornou-se o mais utilizado pelos magistrados “[...] por
sua vagueza e abertura, é o fundamento preferido, até porque ninguém sabe ao certo o que quer
dizer[...]”. Muito se confunde o termo garantia da ordem pública ao clamor público, fazendo
assim uma confusão de conceitos.
Dadas as considerações do autor, percebe-se a extrema gama de situações em que a
ordem pública pode ser invocada para a fundamentação da prisão preventiva, sendo utilizado
31
frequentemente por magistrados de todo o país, à vista disso, os maiores problemas iniciam
quando a garantia da ordem pública passa a ser confundida com o clamor público, por isso, faz-
se necessário analisar o que a doutrina tem a dizer sobre esse conceito.
3.1 CLAMOR PÚBLICO COMO FUNDAMENTO DA PRISÃO PREVENTIVA
Dentre os fundamentos embasados para a segregação cautelar sob a garantia da
ordem pública, o mais retratado pela doutrina é o clamor público, pois é excessivamente
suscitado pelos magistrados, seja por sua vasta abrangência ou então pela indignação popular
quanto ao crime praticado, que é excessivamente divulgado pelos meios de comunicação,
podendo levar risco à decisão judicial.
Nos ensinamentos de Capez (2018, p. 335), “o clamor popular nada mais é do que
uma alteração emocional coletiva provocada pela repercussão de um crime. assim, ressalta o
autor que este elemento não autoriza de forma alguma a custódia cautelar”.
Embora o clamor público não esteja presente no CPP como referência a prisões
cautelares, ainda assim esse termo está presente na grande maioria dos casos de prisão cautelar.
Essa expressão pode ser definida como um profundo descontentamento ou revolta social, ante
a crimes repulsivos.
Ponderando sobre a prisão preventiva fundamentada sob o clamor público, o
Ministro Paulo Medina, em julgamento de Habeas Corpus n. 34.673 - RS, citou o clamor
público nas seguintes palavras:
“Preocupo-me muito quando as prisões são decretadas sob o enfoque do clamor
público, especialmente, no sentido diverso dos argumentados expostos nas cidades
pequenas. Qualquer fato grave, ou não, repercute de forma intensa numa cidade
menor. Não é o crime de maior gravidade o fato de um grave crime ter sido cometido
em uma cidade pequena. Claro que a repercussão é maior, mas, nem por isso, exige-
se a custódia preventiva, pois o que a exige, por exemplo, o enfoque da aplicação da
Lei Penal. Portanto o argumento de que o clamor público ocorreu – facilmente
ocorreria em cidade pequena – não autoriza a custódia preventiva. É um risco muito
grande estarmos a decidir imbuídos, de certo modo, pelo clamor público. O clamor
público é um vento que sopra mais forte de um lado ou mais forte de lado diverso,
apesar do vento ser sempre forte contra crimes graves. Mas não é ele que autoriza a
custódia preventiva; é ele, sim, e mais a instrução criminal; é ele, sim, e mais o risco
da aplicação da Lei Penal [...]” (RIO GRANDE DO SUL, 2004).
Deste modo, é extremamente importante que cada caso seja analisado
minunciosamente antes que a decisão de prisão cautelar fundada no clamor público seja
deferida, pensando unicamente na excepcionalidade do ato.
32
Em conformidade, o Ministro Celso de Mello julgou de forma semelhante o Habeas
Corpus n° 80/397/SP, ao citar as seguintes palavras:
A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º,
LXI e LXV) - não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo
que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que
sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela
possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração
penal que lhe tenha sido imputada. O CLAMOR PÚBLICO NÃO CONSTITUI
FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE. - O
estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela
repercussão da prática da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação
da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa
e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade. [...]
Assim, é imprescindível destacar o entendimento de Odone Sanguiné quanto à
inconstitucionalidade do termo clamor público:
[...] os fundamentos apócrifos da preventiva além de supor uma vulneração do
princípio constitucional da legalidade da repressão, permitem que a prisão preventiva
cumpra funções encobertas, não declaradas, mas que desempenham um papel mais
importante na práxis processual do que as funções oficiais propriamente ditas. (2003,
p. 113).
Nos ensinamentos do autor, ainda é possível compreender que a prisão preventiva
fundada na garantia da ordem pública, ou então “clamor público”, acaba por ser utilizada de
modo a prevenir e contribuir com a segurança social. Todavia, descaracteriza o legítimo sentido
da prisão provisória ao atribuir-lhe uma função preventiva que não está fadada a cumprir, sendo,
na verdade, um termo inconstitucional, pois a prisão preventiva não está concebida como pena
antecipada que possa cumprir fins de prevenção, tal ideia iria contra a presunção de inocência
do ordenamento jurídico brasileiro. (SANGUINÉ, 2003).
Numa definição mais aclarada, Lopes Júnior (2018, p. 401) entende que:
[...] é recorrente a definição de risco para ordem pública como sinônimo de “clamor
público”, de crime que gera um abalo social, uma comoção na comunidade, que
perturba a sua “tranquilidade”. Alguns, fazendo uma confusão de conceitos ainda mais
grosseira, invocam a “gravidade” ou “brutalidade” do delito como fundamento da
prisão preventiva. Também há quem recorra à “credibilidade das instituições” como
fundamento legitimante da segregação, no sentido de que se não houver a prisão, o
sistema de administração de justiça perderá credibilidade. A prisão seria um antídoto
para a omissão do Poder Judiciário, Polícia e Ministério Público. É prender para
reafirmar a “crença” no aparelho estatal repressor.
O autor menciona também que muitas vezes a prisão preventiva vem fundamentada
na cláusula genérica do clamor público, com o intuito de restabelecer a credibilidade das
instituições, o que certamente é uma falácia, pois as instituições não são frágeis ao ponto de
33
serem ameaçadas por um crime, e nem a prisão cautelar é o instrumento apto para buscar a
credibilidade das instituições.
Em conformidade com as palavras de Sanguiné quanto a inconstitucionalidade da
norma, Lopes Júnior (2018, p. 410) também aduz que a prisão preventiva fundada na garantia
da ordem pública fere os princípios constitucionais:
É inconstitucional atribuir à prisão cautelar a função de controlar o alarma social, e,
por mais respeitáveis que sejam os sentimentos de vingança, nem a prisão preventiva
pode servir como pena antecipada e fins de prevenção, nem o Estado, enquanto
reserva ética, pode assumir esse papel vingativo [...] Obviamente que a prisão
preventiva para garantia da ordem pública não é cautelar, pois não tutela o processo,
sendo, portanto, flagrantemente inconstitucional, até porque, nessa matéria, é
imprescindível a estrita observância ao princípio da legalidade e da taxatividade.
Considerando a natureza dos direitos limitados (liberdade e presunção de inocência),
é absolutamente inadmissível uma interpretação extensiva (in Malan partem) que
amplie o conceito de cautelar até o ponto de transformá-la em medida de segurança
pública.
Em síntese, percebe-se que a prisão preventiva fundamentada sobre a égide do
clamor público demonstra a ineficácia do Estado, buscando uma resposta imediata em prol da
sociedade, faz-se necessário analisar o caso de forma racional, para que, independente do delito
praticado, a prisão preventiva esteja sempre fundamentada de forma legal e devidamente
justificada.
Contudo, maiores problemas rodeiam a medida cautelar justificada sob o clamor
público, pois torna-se praticamente impossível avaliar o contexto sem perceber e enfatizar a
influência midiática exercida pelos meios de comunicação social, que, de forma direta, acaba
por potencializar o delito elevando suas consequências no âmbito judicial.
Por conseguinte, torna-se necessário analisar o que a doutrina tem a ensinar quanto
ao princípio da presunção de inocência, e, posteriormente, sua relação com a influência
midiática e o clamor social, como será exposto a seguir.
3.1.1 Princípio da Presunção de inocência
Dentre os princípios e garantias constitucionais que norteiam o Direito Penal
brasileiro, encontra-se o princípio da presunção de inocência, assegurado a todos os cidadãos,
por consequência, ao réu, tratando-o como inocente até que o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória declare o contrário.
Este princípio encontra-se previsto no art. 5°, LVII, da CFRB com a seguinte
redação:
34
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória; (BRASIL, 1988).
Deste modo, a constituição garantiu a todos os cidadãos que sejam considerados
inocentes perante qualquer acusação, não recaindo sobre o réu o dever de provar sua inocência,
mas sim ao Estado-acusação o dever de evidenciar com provas suficientes a culpa do réu.
(NUCCI, 2017).
O conceito de presunção de inocência é tão antigo quanto se possa imaginar, pois
em 1764, na obra “Dos Delitos e das Penas”, Cesare Beccaria, em suas palavras, alegava que
“um homem não pode ser chamado de réu antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe pode
retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe
foi outorgada”. (BECCARIA ,1997, p. 69).
O princípio da presunção de inocência deverá ser considerado em três momentos
distintos: sendo na instrução processual, como presunção legal relativa de não culpabilidade,
invertendo-se o ônus da prova; na avaliação da prova, onde será favorável ao acusado sempre
que pairar dúvida quanto a ela; e, por fim, no curso do processo penal, como paradigma de
tratamento, analisando a verdadeira necessidade da prisão provisória. (CAPEZ , 2018).
Ao mesmo tempo, Lima (2019) destaca sobre este princípio norteador do
ordenamento jurídico brasileiro, do qual derivam duas regras fundamentais, sendo a regra
probatória conhecida como in dubio pro reo, assim como a regra de tratamento.
Nas palavras do autor, entende-se por regra probatória ou in dubio pro reo a
definição de que compete a acusação sanar todas as dúvidas, bem como demonstrar que o
acusado cometeu o fato delituoso, pois a dúvida deverá ser benéfica ao acusado. Já quanto à
regra de tratamento, remete à segregação de liberdade do acusado, pois a privação cautelar da
liberdade sempre estará caracterizada por sua excepcionalidade, ou seja, a regra é responder ao
processo penal em liberdade, a exceção é estar preso.
Destarte a isso, o mesmo autor esclarece que o princípio de tratamento jamais
proibirá a prisão cautelar, segundo seus ensinamentos:
O princípio da presunção de inocência não proíbe, todavia, a prisão cautelar ditada
por razões excepcionais e tendente a garantir a efetividade do processo. Como bem
assevera Canotilho, se o princípio for visto de uma forma radical, nenhuma medida
cautelar poderá ser aplicada ao acusado, o que, sem dúvida, acabará por inviabilizar o
processo penal.24 Em outras palavras, o inciso LVII do art. 5o da Carta Magna não
impede a decretação de medidas cautelares de natureza pessoal durante o processo,
35
cujo permissivo decorre inclusive da própria Constituição (art. 5o, LXI), sendo
possível se conciliar os dois dispositivos constitucionais desde que a medida cautelar
não perca seu caráter excepcional, sua qualidade instrumental, e se mostre necessária
à luz do caso concreto. (LIMA, 2019, p. 47).
Ao adentrar nas percepções quanto ao princípio da presunção de inocência, é
necessário a este trabalho analisar as consequências exercidas pela mídia sobre o clamor
público, e em quais pontos esse instrumento veicular de informação se contrapõe aos princípios
da presunção de inocência, como veremos no tópico a seguir.
3.2 CLAMOR PÚBLICO E A MÍDIA
Vive-se hoje em uma sociedade moderna, na qual os meios de comunicação estão
presentes como jamais visto antes, levando lazer, conhecimento e informação às pessoas,
interligando ideias entre todos os continentes. Contudo, estão presentes as situações de estresse
e violência, repercutindo diariamente nos meios de comunicação.
Concomitantemente a isso, a informação que se propaga de forma deliberada
também leva insegurança a uma população carente de proteção, fazendo com que o Estado
utilize a punição como forma de responder pelos anseios da sociedade por segurança. Muitas
vezes valendo-se da prisão preventiva, geralmente associada ao clamor público, por exemplo,
como um meio capaz de tranquilizar a sociedade.
Todavia, é necessário selecionar o que realmente expõe a realidade dos fatos, para
que as notícias tenham sempre o cunho informativo e jamais criem opinião pública com base
em dados distorcidos, especialmente na esfera penal, na qual a atenção dada pela sociedade é
ainda maior, gerando grande ibope, o que certamente pesará sobre a decisão proferida, levando
mais discórdia a população.
Lopes Júnior (2018, p. 409) reflete sobre o tema nas seguintes palavras:
O “clamor público”, tão usado para fundamentar a prisão preventiva, acaba se
confundindo com a opinião pública, ou melhor, com a opinião “publicada”. Há que se
atentar para uma interessante manobra feita rotineiramente: explora-se,
mídiaticamente, um determinado fato (uma das muitas “operações” com nomes
sedutores, o que não deixa de ser uma interessante manobra de marketing policial),
muitas vezes com proposital vazamento de informações, gravações telefônicas e
outras provas colhidas, para colocar o fato na pauta pública de discussão (a conhecida
teoria do agendamento). Explorado mídiaticamente, o pedido de prisão vem na
continuação, sob o argumento da necessidade de tutela da ordem pública, pois existe
um “clamor social” diante dos fatos... Ou seja, constrói-se mídiaticamente o
pressuposto da posterior prisão cautelar. Na verdade, a situação fática apontada nunca
existiu; trata-se de argumento forjado.
36
Nessa perspectiva, nota-se que muitas das convicções sociais sofrem influências
externas dos meios de comunicação, nos quais um fato é explorado como forma de manobra
proposital para ensejar o pedido de prisão preventiva, fazendo com que a ordem pública não
passe de mera opinião publicada. (LOPES JÚNIOR, 2018).
Do mesmo modo afirma Cesar de Souza (2010, p. 120), nas seguintes palavras:
Uma vez consolidada a opinião pública sobre as causas, os efeitos e a forma de
combate à criminalidade, verifica-se uma forte influência da comunicação mediata em
todos os seus níveis (rádio, televisão, internet, etc.) seja no processo de decisão
(racionalização primária), seja nos fundamentos da decisão (racionalização
secundária).
Isso evidencia, através das palavras do autor, que os meios de comunicação são os
verdadeiros formadores de opinião, direta ou indiretamente.
Quanto ao clamor público, é necessário, contudo, destacar que a repercussão intensa
decorrente da gravidade da infração penal não autoriza a privação cautelar da liberdade, pois
não se pode admitir que, sempre que a população se revoltar, seja decretada a prisão do acusado,
não apenas por tirar a posição superior do Estado-juiz, como também por fazer com que o
Estado valesse da perfectibilização da vingança privada. (AVENA, 2019).
Nesse sentido, Avena também esclarece quanto à orientação do STF, com a seguinte
narrativa:
a orientação do STF, decidindo que a mera afirmação de gravidade do crime e de
clamor social, de per si, não são suficientes para fundamentar a constrição cautelar,
sob pena de transformar o acusado em instrumento para a satisfação do anseio coletivo
pela resposta penal. (2019, p. 1814).
Pontuando sobre o tema, Oliveira (2011, p. 553) se posiciona de forma
extremamente contrária à prisão preventiva fundada na “esdrúxula expressão” garantia da
ordem pública, salientando a influência externa exercida, nas seguintes palavras:
Por fim, e já assentado que o clamor público não seria suficiente para decretação da
prisão cautelar, mas apenas um referencial a mais para o seu exame, observa-se que,
para sua efetiva aferição, o julgador deverá levar em consideração os deletérios efeitos
da manipulação da opinião pública, normalmente frequente em tais situações, quando
o assunto diz respeito aos males (que são muitos) da criminalidade, cujas razoes nunca
são tratadas seriamente em tais “reportagens”.
Convém destacar ainda que os meios de comunicação tem o interesse em informar
o fato de forma massiva e persistente, muitas vezes determinando o fato criminoso ao
mencioná-lo de tal maneira e com tamanha veemência, dando a entender que aquele que
37
praticou a infração seja visto perante a sociedade como um traidor, um não cidadão,
desmerecedor dos direitos e garantias constitucionais pertinentes a ele. (SOUZA, 2010).
Pontuando sobre o tema, Tourinho Filho (2010, p. 503) expressa sua
inconformidade com o fundamento dado à prisão preventiva, em suas seguintes palavras:
Ademais, esta é a verdade: só se decreta a prisão preventiva para preservar a ordem
pública quando a imprensa falada, escrita ou televisiva faz estardalhaço...
Infelizmente é assim. Outras vezes é a opinião pública, a demência da canalha, como
dizia Voltaire, ou “a prostituta que puxa o juiz pela manga”, no dizer de Moro Giaferri.
A ordem pública é fruto da mídia. Onde, pois, a cautelaridade? Se a prisão cautelar é
instrumento de realização do processo e para garantir a eficácia da decisão, não faz
sentido decretar a prisão de alguém para a garantia da ordem pública, tanto mais
quanto a expressão “ordem pública” é de uma vagueza a toda prova. É como a
salsaparrilha... remédio para todos os males.
Não há novidade ao destacar que os meios de comunicação midiáticos escolhem e
exploram questões que possam gerar maior abalo social, buscando maior ibope. Todavia,
quanto a isso, torna-se necessário refletir, pois muitas vezes a notícia veiculada à população não
possui o devido olhar clínico, e, em tantas outras, não possui o caráter informativo, apenas gera
opiniões distorcidas valendo-se do pré-julgamento prematuro sobre o caso concreto.
A ausência de cautela da mídia muitas vezes acaba expondo o acusado de forma
pejorativa, ameaçando os preceitos constitucionais da presunção de inocência, bem como
prejudicando a própria segurança jurídica, podendo levar o Estado-juiz a segregar o acusado de
forma equivocada. Por mais imparcial que seja o magistrado julgador, dificilmente não sofrerá
influência, pois é também um cidadão suscetível a todas as informações, mesmo que de forma
singela e branda, é utópico pretender-se que o juiz não seja cidadão. (ZAFFARONI, 1978).
De igual forma, menciona Tourinho Filho (2010, p. 507):
E como sabe o Juiz que a ordem pública está perturbada, a não ser pelo noticiário? Os
jornais, sempre que ocorre um crime, o noticiam. E não é pelo fato de a notícia ser
mais ou menos extensa que pode caracterizar a perturbação da ordem pública, sob
pena de essa circunstância ficar a critério da mídia. Na maior parte das vezes, é o
próprio Juiz ou órgão do Ministério Público que, com verdadeiros sismógrafos,
mensuram e valoram a conduta criminosa proclamando a necessidade de garantir a
ordem pública, sem nenhum, absolutamente nenhum, elemento de fato, tudo ao sabor
de preconceitos e da maior ou menor sensibilidade desses operadores da justiça. E a
prisão preventiva, nesses casos, não passará de uma execução sumária. Decisão dessa
natureza é eminentemente bastarda, malferindo a Constituição da República.
Muito embora a liberdade de informação seja um direito importantíssimo ao
cotidiano e ao bom funcionamento do estado democrático de direito, é necessário que se
analise-a com cautela, para que o princípio da liberdade de expressão não venha a ferir outros
princípios constitucionais.
38
Porquanto, torna-se nítido que os autores vinculam a exposição midiática como um
fator negativo ao devido processo legal, pois, como muito mencionado, a mídia está diretamente
associando à manipulação social, o que acaba por ferir rigorosamente o princípio constitucional
da presunção de inocência, levando a prisão preventiva de caráter cautelar a uma antecipação
de pena.
Em conclusão, é de suma importância verificar os reflexos da liberdade de imprensa
e sua relação com o processo penal, como veremos no tópico a seguir.
3.2.1 A Liberdade de Imprensa e o judiciário
A liberdade de imprensa é um marco extremamente importante ao direito brasileiro,
assegurando aos indivíduos o conhecimento dos fatos, proporcionando a ampliação da notícia
e veiculando a informação por todo o mundo. A mesma é garantida pela CRFB, através do art
5° nos incisos IV e XIV, assim como no art. 220, com a seguinte redação:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte,
quando necessário ao exercício profissional. ( BRASIL 1988, Art. 5).
Já o artigo 220 esclarece que:
Art. 220 A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob
qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o
disposto nesta Constituição. § 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa
constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo
de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. § 2º - É
vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. ( BRASIL
1988, Art. 220).
O direito à livre comunicação está intrínseco ao ser humano, devendo ser respeitado
e garantido, pois muito se deve à liberdade de imprensa nos dias atuais, a qual é responsável
por transmitir conhecimento e informação a toda população, valendo-se de todos os meios
midiáticos presentes na atualidade.
Acrescentando a isso, pode-se compreender por mídia todas as estruturas
responsáveis por estabelecer um canal comunicativo impessoal com seus telespectadores.
Utilizado por emissoras de rádios, televisões, jornais, cinemas e redes sociais, com uma gama
imensurável de possibilidades.
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Dessa forma, é evidente o grande número de informações veiculadas diariamente
pelos meios de comunicação, contudo, grandes discussões tomam conta deste cenário frenético
quando a liberdade de imprensa, de algum modo, se conecta ao processo penal ou decisão
proferida pelo juiz, pois é indispensável que os canais que conduzem a notícia atuem com
extrema cautela, resguardando o princípio da imparcialidade, devido a tamanha influência
exercida sob os ouvintes.
Alguns casos de maior importância são veiculados com mais frequência devido ao
maior abalo social, ou até mesmo pela importância de quem supostamente cometeu o ato, por
consequência, atingindo maior número de receptores, que muitas vezes trazem consigo “pré-
conceitos”, o que frequentemente afeta o sistema judiciário.
Assim, Freitas (2016) explica que a mídia exerce um papel importante ao dinamizar
o sistema penal. Porém, parte do papel exercido pela mídia, de forma sensacionalista, consiste
em propagar a insegurança, levando a população a temer por um crime que, muitas vezes, não
corresponde com a violência cometida, explorando e dramatizando os fatos, para que o cidadão
se veja inserido ao ambiente inóspito dos dias atuais.
Conjunto a isso, Vieira (2003, p. 56) esclarece sobre o jornalismo sensacionalista
da seguinte forma:
Utiliza-se de formas sádicas, calunia e ridiculariza as pessoas. Explora os temas
agressivos, dos submundos da sociedade hierarquizada onde o crime se integra em
condições de normalidade. É o jornalismo de escândalo que tem por fim agredir com
o que é proibido, obsceno, temido, criando uma ficção que seduz.
Não obstante a isso, o sensacionalismo exercido pela mídia de forma deliberada por
certo leva prejuízos ao acusado tanto quanto ao devido processo legal, e impede que a
informação seja veiculada de forma transparente, pois não tem como único objetivo levar a
informação ao ouvinte, mas sim transformar a opinião pública, como esclarece a autora Ana
Lucia Menezes Vieira quanto ao tema: “Não se presta a informar, e sim a vender aparência,
entretenimento barato que consiste no lado atraente dos escândalos envolvendo crimes”.
(VIEIRA, 2003, p. 56).
Nesse segmento, Souza (2010) leciona sobre os grandes meios de comunicação em
massa, alegando que esses exercem uma influência direta entre a justiça e a opinião popular,
pois a publicidade processual deixou de ser crítica, perdendo sua real função, e se tornando um
mecanismo de controle da aplicação da lei.
40
Associar a mídia ao judiciário é algo comum nos dias atuais, assim como afirmar
que uma notícia tantas vezes veiculada poderá levar prejuízos ao processo e ao acusado,
especialmente quando se fala em clamor público.
Não obstante a isso, é inegável que tamanha influência acabe atingindo os
operadores do direito, pois não se pode fugir daquilo intrínseco ao ser humano, como citado
outrora, já que também são cidadãos suscetíveis a todas as mazelas sociais.
O jornalismo não apenas observa e narra os fatos de forma passiva, mas participa
diretamente no processo de construção da realidade, gerando abalo emocional aos ouvintes, o
que posteriormente torna-se boato, pois do mesmo modo que o acontecimento gera uma notícia,
consequentemente a notícia também gera o acontecimento. (TRAQUINA, 1988).
Logo, destinaremos o próximo capítulo desse trabalho à árdua análise das
consequências advindas da influência midiática na vida social do acusado, bem como os
momentos em que a imprensa se contrapõe ao devido processo legal, incentivando ao clamor
público.
41
4 A MÍDIA E OS CONFLITOS AO DEVIDO PROCESSO LEGAL
No decorrer deste trabalho, tornou-se possível compreender alguns princípios
responsáveis por regular os procedimentos inerentes a prisão processual preventiva, no qual o
cidadão acusado poderá ter sua liberdade cerceada devido aos prejuízos causados pela má
repercussão dos fatos, no momento em que a mídia atua de forma irresponsável, violando sua
função social de informar, pois, todos os casos são indenizáveis, porem nem todos são
irreparáveis. (RANCHEL NACIF, 2016).
Assim, imprescindível se faz destacar o princípio do devido processo legal, o qual
é ameaçado quando a mídia o repercute de forma incessante, a ponto de transformar casos
específicos em um verdadeiro espetáculo, mesmo que fatos semelhantes ocorram diariamente
em diversas situações, independente da classe social, cor, raça ou gênero.
Ocorre que a infindável repercussão dos fatos, não influencia somente o público,
como também afeta a decisão do julgador, o qual, muitas vezes comovido pelo abalo social
gerado, acaba por decretar a prisão preventiva do acusado, apenas com o propósito de suavizar
o desejo social por justiça imediata.
Destarte a isso, serão analisados casos de grande notoriedade, nos quais o pré-
julgamento influenciado pela mídia feriu o princípio constitucional da presunção de inocência
e ao devido processo legal. Além disso, também serão analisados alguns casos em que tal
repercussão midiática fez com que o julgador decretasse a prisão preventiva dos acusados sob
a premissa de resguardar a paz social.
4.1 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
Consagrado pela CRFB de 1988, em seu art. 5° e incisos LIV e LV, estabeleceu-se
a todos os cidadãos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a garantia de que ninguém
será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Já no âmbito
processual, garante aos litigantes e aos acusados em geral o contraditório e ampla defesa, com
todos os meios e recursos cabíveis. (BRASIL, 1988).
Além desses incisos citados, o princípio do devido processo legal está presente em
vários outros pontos referentes às garantias constitucionais, como, por exemplo, o direito ao
silêncio, inadmissibilidade de provas ilícitas, nenhuma pena passará da pessoa do acusado,
presunção de inocência, dignidade da pessoa humana, integridade física, entre as tantas outras
garantias processuais encontradas na CRFB.
42
Em vista disso, torna-se imprescindível observar o princípio do devido processo
legal sempre que da decisão, recaírem ao acusado, algumas das espécies de prisões provisórias,
pois deverá atender aos seus próprios requisitos, nesse sentido cita Machado:
Em tema de cautelaridade penal restritiva da liberdade do indivíduo – por- tanto, em
qualquer uma das quatro modalidades de prisões provisórias previstas na
processualística brasileira, a observância do devido processo legal é uma exigência
indeclinável. Mesmo considerando-se que as prisões cautelares nem sempre se
enquadram rigorosamente nos esquemas teóricos da ciência processual observe-se que
muitas vezes não se pode falar em ação e processo cautelares porque tais medidas
podem ser decretadas de ofício e sem a oitiva das partes, é indispensável que os
princípios constitucionais, especialmente o devido processo legal, sejam inteiramente
observados quando da imposição de custodias provisórias. (2014, p. 677).
Conforme o acervado acima, pode-se vislumbrar que a decretação da prisão
provisória, de qualquer espécie e independentemente do momento em que seja decretada,
sempre deverá atender aos próprios pressupostos legais, assim como aos requisitos que
compõem o devido processo legal. (MACHADO, 2014).
Do mesmo modo, com relação ao devido processo legal, Mougenot elucida que:
É um princípio de conceituação aberta, porque implica o fato de que seu conteúdo não
é definido “a priori”. Assim, a aplicação do princípio do devido processo legal
material refere-se à apreciação de cada caso, avaliando-se, diante das peculiaridades
de cada situação individualmente considerada, se houve, pela atuação do Estado,
afronta a direito do particular. (2019, p. 98).
Em linhas gerais, sendo a liberdade um direito inerente ao cidadão, sabe-se que este
não é o direito de fazer o que bem entender, mas sim a liberdade para fazer tudo aquilo que não
esteja proibido em lei. Todavia, sem as limitações impostas em lei, a liberdade desenfreada
levaria à desordem e ao caos, dado a isto, a CRFB permitiu restringir a liberdade do cidadão,
contanto que tal restrição se limite tão somente ao indispensável, para que não haja
extrapolações por parte do poder público. (TOURINHO FILHO).
Contudo, faz-se necessário destacar que, em qualquer momento cuja prisão de um
indivíduo seja decretada, deverão estar presentes seus requisitos prévios, respeitando sempre o
devido processo legal, não existindo a menor falha ou divergência possível, pois trata-se de um
direito primordial ao cidadão.
43
4.1.1 O discurso de criminalização, do jornalismo ao espetáculo
Com o passar dos anos, junto ao desenvolvimento global, o capitalismo e o aumento
exponencial da população, as mazelas e desigualdades sociais tornam-se cada dia mais
evidentes, e, decorrente disso, a marginalização apodera-se das grandes cidades brasileiras.
Contudo, o frequente discurso midiático de criminalização instiga a sociedade ao medo
e ao sentimento de impunidade por parte do Estado, muitas vezes motivados por meras opiniões
sem embasamento, pois são frequentes os casos de julgamentos antecipados pela mídia, nos
quais, muito embora exista o devido processo legal, este é frequentemente esquecido pelos
canais comunicativos, que buscam apenas a repercussão dos fatos, através do impacto
decorrente dos acontecimentos, pois a gravidade e violência tendem a despertar curiosidade
pública. (VIEIRA, 2003).
Em consonância com o exposto por Vieira, Alexandre Moraes da Rosa também expõe
que:
A força da mídia promove a vivacidade do espetáculo “violência”, capaz de instalar a
“cultura do pânico”, fomentador do discurso da “Defesa Social” e combustível
inflamável para aferrolhar o desalento constitutivo do sujeito clivado com a “promessa
de segurança”, enfim, de alimentar os “estereótipos” do crime e criminoso. (2016, p.
214).
Isto é, ao mesmo tempo em que a mídia gera conteúdo e leva informação, também é
responsável por tentar controlar a opinião pública, pois valorizam de forma demasiada os casos
criminais, gerando inverdades e divulgando perspectivas precipitadas sobre os fatos. Com
relação ao pertinente assunto, nos ensina Mascarenhas:
[...] É insofismável o papel preponderante da Mídia como formadora de opinião.
Emissoras de rádio, jornais e, mormente os veículos televisivos, bombardeiam
notícias e informações diuturnamente com o pseudo-escopo de (de)formar cidadãos.
Não foi por acaso que há muito tempo a Mídia foi alcunhada de “QUARTO PODER”.
Ela realmente exerce poderes “supra-constitucionais”. Investiga, denuncia, acusa,
condena e executa! Sua inegável força dentro das instituições e o seu poderio
econômico e ideológico transformaram-na em uma espécie de condutora das massas
e ditadora de regras. (MASCARENHAS, 2010).
Contudo, não obstante ao fato de que a imprensa denuncia, acusa e condena o
cidadão, a mídia ainda manipula a figura do acusado perante a sociedade, exibindo um sujeito
desumano, cruel, perverso que, portanto, não merece um julgamento digno e tampouco tenha
seus direitos garantidos. Tal situação não somente fere ao devido processo legal, como também
44
fere a imagem do próprio advogado de defesa, que passa a figurar como um criminoso. (NACIF,
2016).
Em outras palavras, Souza corrobora a informação em uma definição aclarada,
quanto à imagem caracterizada do acusado, retratada pelos canais de comunicações:
[...] os meios de comunicação em massa havendo interesse em informar
massificadamente e persistentemente determinado fato criminoso fa-lo-á-lo de tal
maneira que aquele que praticou a infração seja caracterizado como um não cidadão,
como um inimigo interno, traidor que abandona as regras da comunidade. Trata-se de
um estranho à comunidade. (2010, p. 125).
Consequentemente, a função social da imprensa junto a seus princípios éticos vem
sendo corriqueiramente deixados de lado, pois não se busca essência dos fatos, mas sim maiores
índices de visibilidades, maior lucro com propagandas, e, nesse contexto, tem-se a mídia,
elegendo determinados cidadãos com potencial extensivo a maior repercussão dos fatos, e, num
instante, transfere para si o poder de acusar, julgar e condenar de imediato o cidadão, que,
muitas vezes, sequer tornou-se réu no processo penal. (NACIF, 2010).
Logo, a informação deixa de ser o ponto central da notícia sempre que a publicidade
passa a explorar a curiosidade e o espetáculo envolvente por trás de um crime, no qual o suspeito
passa a figurar como réu, sem qualquer direito ao contraditório e ampla defesa.
Em vista disso, retrata a autora Vieira, ao citar sobre a irresponsabilidade por parte
da mídia sensacionalista, nas seguintes palavras:
[...] essa maneira sensacionalista, e muitas vezes irresponsável, de atuação da mídia
em relação aos fatos criminais, mais propriamente em relação àqueles que estão sendo
investigados, é a realidade que vivenciamos no dia-a-dia – reputações, imagens,
dignidade pessoais são destruídas, irreversivelmente, pelo estrépito público da crônica
policial. (2003, p. 192)
Uma vez que as notícias sensacionalistas sejam veiculadas ao público, suas
consequências jamais serão reparadas, sendo praticamente impossível desvincular o acusado do
crime praticado. Assim, torna-se ingênuo acreditar que a mídia seja neutra perante a notícia que
expõe o indivíduo como o verdadeiro criminoso, formando, assim, o processo de condenação a
qualquer custo.
Dessa forma, a opinião pública passa a ser forjada de acordo com as notícias para
que qualquer decisão que não siga a opinião publicada, seja considerada injusta, mesmo que
respeitadas as regras pertinentes ao processo. Dito isto, faz-se oportuno exibir algumas
reportagens em que os meios comunicativos tomaram para si o poder de condenar alguém.
45
4.2 CASOS DE REPERCUSSAO MÍDIATICA QUE INCITARAM AO CLAMOR
PÚBLICO
Em adição aos devidos esclarecimentos quanto a importância referente a liberdade
de imprensa, bem como as conflitantes exposições midiáticas e o processo penal, vistos no
decorrer do trabalho, torna-se conveniente apresentar alguns casos em que a mídia ágil de forma
antecipada, extrapolando o direito ao devido processo legal, condenando o acusado, antes
mesmo da sentença penal transitada em julgado, sobre a premissa de garantir a ordem pública,
decretando a prisão preventiva do suspeito.
Contudo, importante mencionar que torna-se impossível determinar o impacto
negativo gerado pela exposição midiática, a qual afeta não só a vida dos acusados como também
traz consequências ao processo penal.
Embora exista uma extrema gama de casos intrigantes e passíveis de análise, o
presente trabalho irá ater-se a detalhar alguns casos específicos de grande notoriedade, como
o caso de Elisa Samudio e ex-goleiro Bruno Fernandes, o intrigante caso da Escola base, a
triste narrativa de Fabiane Maria de Jesus e por fim o relato de Elian Lucas Ferreira Dias.
4.2.1 Caso Eliza Samudio e goleiro Bruno Fernandes
Em maio de 2009, tornava-se público o fatídico caso de Eliza Samudio e do ex-
goleiro Bruno Fernandes, o qual atuava como jogador de um grande clube de futebol brasileiro.
Segundo relatos, Elisa Samudio seria vista pela última vez em junho de 2010, época
em que buscava judicialmente o reconhecimento de paternidade do filho a Bruno Fernandez.
(COMPROMISSO E ATITUDE, 2017).
Em resumo, o crime passou a ser investigado após a polícia receber uma denúncia
anônima, através do disque-denúncia, alegando que Eliza teria sido espancada e morta no sítio
de Bruno, em Esmeraldas, região metropolitana de Belo Horizonte. Após esse fato, a situação
passou a ser diretamente vinculada a imagem de Bruno. (JORNAL NACIONAL, 2010).
Consequentemente, iniciaram-se as especulações referentes ao caso, como pode ser
observado na ilustração, na qual a capa da revista Época, publicada em 10 de julho de 2010,
retrata Bruno, em letras garrafais, como indefensável:
46
Figura 1 - Capa da revista Época
Fonte: Revista Época, edição 634, 10/07/2010.
Contudo, a precipitação por parte da revista Época tornou-se indubitável, ferindo
severamente os princípios básicos do direito penal brasileiro, como o devido processo legal,
contraditório e ampla defesa bem como o indispensável princípio da presunção de inocência,
pois a imagem ilustrada fora divulgada em julho de 2010, momento em que não havia se quer
inquérito policial instaurado. (NACIF, 2016).
Independentemente do resultado final, tornou-se evidente o quão afoito foi o
julgamento midiático, em sua campanha pela condenação do acusado. Pois Em agosto de 2010,
o ex-goleiro teve sua prisão preventiva decretada, considerando a gravidade da imputação e a
premissa em preservar o clamor social gerado a época dos fatos. (NOTÍCIAS STF, 2017).
Apesar do ex-goleiro Bruno ter sido condenado a prisão por homicídio e ocultação
de cadáver, apenas em 4 de março de 2013, sua narrativa poderia ocorrer de forma diferente,
como no emblemático caso da Escola Base, exposto a seguir.
47
4.2.2 Caso escola base
Em meados de março de 1994, iniciava-se o caso envolvendo os proprietários e
funcionários da Escola de Educação Infantil Base, o qual posteriormente ficaria conhecido
como um dos maiores erros jornalísticos da história do país, repercutindo em canais da Europa,
Canadá, Japão e Estados Unidos. (VEJA, 2014).
O triste caso teve início quando Lúcia Eiko Tanouse, mãe do jovem Fábio, de
apenas quatro anos de idade, notou movimentos estranhos no garoto, alusivos a atos sexuais.
Lúcia presumiu que seu filho teria sofrido abusos, o que, posteriormente, seria confessado pelo
garoto, o qual relatou ter acessos a conteúdos pornográficos, dentre os detalhes, estavam o local
em que os atos libidinosos teriam ocorrido, referindo-se a um ambiente com vários quartos,
cama redonda, jardim verde e televisões no quarto. O garoto ainda relatara que outras crianças
haviam participado dos atos. Prontamente, Lúcia relatou os fatos a Cléa Parente de Carvalho,
mãe de Cibele, que, supostamente, teria participado dos atos descritos por Fábio. (BAYER,
AQUINO, 2014).
Em 28 de março de 1994, Lúcia e Cléa compareceram a 6ª Delegacia de Polícia
para apresentar a notícia-crime contra os proprietários e funcionários da Escola Base. Nesse
momento, o delegado Edélcio Lemos encaminhou as crianças ao Instituto Médico Legal, bem
como obteve mandado de busca e apreensão à Escola e ao local onde supostamente os atos
teriam ocorrido, o qual não constatou qualquer semelhança com o descrito. Insatisfeitas, Lúcia
e Cléa acionaram a Rede Globo, momento em que o caso tomou repercussões catastróficas.
(BAYER, AQUINO, 2014).
Consequentemente, desencadeou-se uma série de erros, dando ensejo a inúmeras
acusações, como a manchete de jornal ilustrada abaixo.
48
Figura 2 - Jornal Noticias Populares
Fonte: Manchete do jornal Noticias Populares.
Entretanto, sem maiores provas quanto às acusações, e com a frequente cobertura
por parte da imprensa, junto aos inúmeros erros policiais, o caso tomou proporções absurdas,
gerando um enorme clamor público de uma população enfurecida que clamava por justiça,
embora não houvesse qualquer vestígio comprovado de abuso sexual, a mera denúncia foi
suficiente para ruir a credibilidade da Escola Base. (SILVA, 2018).
Figura 3- Escola Base depredada.
Fonte: Domínio público
49
No dia 31 de março, iniciaram as especulações de que além dos abusos sexuais
sofridos, as crianças eram drogadas. Além disso, mais manchetes pejorativas estampavam os
jornais, e o próprio Jornal Nacional chegou a sugerir a suspeita de que as crianças haviam
contraído AIDS, causando ainda mais revolta na população. (SILVA, 2018).
No dia 5 de abril de 1994, a prisão dos envolvidos é decretada, mesmo dia em que
o laudo do Instituto Médico Legal foi divulgado como inconclusivo, alegando que as lesões
encontradas em Fábio poderiam ser causadas tanto por coito anal, quanto por problemas
intestinais, fato que mais tarde foi confirmado pela própria mãe do garoto. (BAYER, AQUINO,
2014).
Devido a tamanhas incongruências, começaram a surgir provas favoráveis aos
acusados. Em 22 de junho, o delegado Gerson de Carvalho declarou a inocência dos acusados,
momento em que os jornais iniciaram suas retratações, focando nas verdadeiras vítimas do caso.
(BAYER, AQUINO, 2014).
Após o fim das investigações, as empresas responsáveis foram condenadas
judicialmente a indenizar todos os envolvidos, porém, as consequências causadas foram
avassaladoras.
Ainda que todo caso seja passível de indenização judicial, alguns danos jamais
podem ser reparados, pois as consequências advindas da exposição são irreversíveis, tanto aos
envolvidos no caso Escola Base, como ao trágico caso de Fabiane Maria De Jesus, que teve sua
vida ceifada devido ao clamor público gerado pela desinformação midiática, inflamando a
população a buscar justiça com as próprias mãos.
4.2.3 Caso Fabiane Maria de Jesus
Até os dias atuais, a força das multidões está presente em atos políticos, protestos,
buscas por direitos essenciais aos cidadãos, como também faz valer sua presença em atos de
extrema violência, muitas vezes motivadas por intolerância, preconceito e até mesmo ao clamor
público, como na deplorável narrativa dos fatos ocorridos à Fabiane Maria de Jesus.
Ainda que a prisão preventiva não tenha ocorrido neste caso, o imensurável clamor
social se fez presente na deplorável narrativa dos fatos acontecidos à Fabiane Maria de Jesus.
Em 03 de maio de 2014, o que seria mais um dia normal para a dona de casa Fabiane
Maria de Jesus, tornou-se um episódio trágico que marcaria para sempre sua vida, assim como
a vida de seus familiares.
50
Segundo os relatos, a narrativa iniciou-se após duas imagens circularem pelas redes
sociais em uma página local da região, denominada Guarujá Alerta, na qual foram publicados
os boatos de que uma suposta mulher estaria sequestrando crianças para rituais de magia negra,
como ilustra a imagem a seguir:
Figura 4 – Publicação da página Guarujá Alerta , sobre os rumores
Fonte: Domínio público
Segundo relatos, a comunidade já não falava sobre outro assunto que não fosse
sobre a “bruxa” sequestradora de crianças. O ápice do rumor ocorreu após o surgimento de um
suposto retrato falado da mulher que estaria cometendo atrocidades com as crianças da região.
(SILVA CASTRO, 2018).
Figura 5 - Retrato falado divulgado nas redes sociais
Fonte: Canal Ciências Criminais.
Porém, o retrato falado em questão não passava de um caso isolado ocorrido no
estado do Rio de Janeiro, em 2012. Percebendo o equívoco, a página Guarujá Alerta publicou
51
uma nota em sua rede social, alegando que o ocorrido não passaria de um boato. (R7
NOTÍCIAS, 2014).
Em 03 de maio de 2014, Fabiane decidiu visitar alguns parentes que residiam em
Morrinhos IV, seu antigo bairro. Chegando ao local, a dona de casa comoveu-se ao avistar um
jovem garoto morador de rua, oferecendo-lhe algumas frutas para que o garoto pudesse saciar
sua fome. (SILVA CASTRO, 2018).
Contudo, o que deveria ser visto com bom grado, foi tido como uma ameaça para
os moradores da região, os quais interpretaram o ato como uma aliciação para o sequestro. A
atitude de Fabiana, junto a uma bíblia que carregava consigo foram o suficiente para que os
moradores presumissem que ela seria a “bruxa que sequestrava crianças”. (SILVA CASTRO,
2018).
Após o alarde, a tragédia estava presumida, Fabiane foi brutalmente massacrada
pela população enfurecida, que acreditava estar fazendo justiça com as próprias mãos. Após a
chegada da polícia ao local, Fabiane foi levada com vida ao hospital, mas não resistiu aos
ferimentos, vindo a óbito em 05 de maio de 2014. (SILVA CASTRO, 2018).
Em síntese, mais uma vez é evidente como o clamor público somado a uma
população que não confia no sistema judiciário resultam em casos trágicos como o da Fabiane
Maria de Jesus, em que a vítima é acusada, julgada e condenada em questão de segundos por
cidadãos comovidos, sem ter a possibilidade de defesa. Infelizmente, o clamor social ainda
interfere em muitos processos penais e até mesmo dificulta julgamentos imparciais aos
acusados, como será visto a seguir, no caso de Elian Lucas Ferreira Dias, no qual a repercussão
dos fatos impediu que o acusado respondesse ao processo em liberdade.
4.2.4 Homem flagrado com fuzil em Florianópolis
Dentre os inúmeros relatos com notoriedade midiática, está o caso de Elian Lucas
Ferreira Dias, preso em flagrante, no dia 19 de janeiro de 2019, por possuir ilegalmente em sua
residência um Fuzil AR – 15, de uso restrito às forças armadas. Lavrado o termo de prisão em
flagrante, constatou-se a idoneidade moral do acusado, que, até o momento, não possuía
antecedentes criminais. (CLICRBS, 2019).
Ao mesmo dia, iniciou-se a audiência de custódia, conduzida pela Juíza Ana Luísa
Schmidt Ramos, a qual decidiu por relaxar da prisão em flagrante, concedendo ao acusado a
liberdade provisória, condicionada a substituição por outras medidas cautelares menos
gravosas, visto que o acusado não preenchia os pressupostos necessários para efetuar a prisão
52
preventiva. Ao concluir seu despacho, a juíza ainda determinou que o Coronel Araújo Gomes,
do Comando Geral da Policia Militar de Santa Catarina, justificasse em 48 horas. (CLICRBS,
2019).
O caso ganhou notoriedade após o comandante da PM queixar-se publicamente em
uma rede social, gerando uma grande instabilidade ao processo, segundo a imagem ilustrada a
seguir:
Figura 7 - Publicação de Araújo Gomes, Coronel da Policia Militar de Santa Catarina
Fonte: Domínio público
Tal episódio gerou uma série de críticas à juíza plantonista que entendeu por não
haver motivos para decretar a prisão preventiva do réu. Após a decisão, a Associação
Metropolitana dos Conselhos Comunitários de Segurança de Florianópolis (Amecon) e os
53
Conselhos Comunitários de Segurança de Florianópolis (Consegs) emitiram notas de repúdio à
decisão da magistrada, já a Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina (OAB-SC)
emitiu notas defendendo o judiciário. (NDMAIS, 2019).
Nesse momento, inúmeras publicações foram veiculadas, todavia, sem informar o
texto de lei utilizado para fundamentar a decisão da magistrada, apenas alegando que o réu foi
solto em menos de 24 horas, interpretando a liberdade provisória como impunidade, ilustrada
na figura abaixo, sobre a reportagem do site, De Olho na Ilha:
Figura 8 - Reportagem do jornal online De olho na ilha
Fonte: jornal online De olho na Ilha, publicado em 19/ 01/ 2019
Posteriormente, no mesmo dia em que ocorreu a decisão, o Ministério Público de
SC (MPSC) ofereceu recurso em sentido estrito, arguindo a gravidade do ato ocorrido,
enfatizando o elevado poder bélico referente à arma apreendida, alegando também os riscos
oferecidos à sociedade, citando a alta probabilidade de que o acusado voltaria a delinquir.
(TJSC, 2019).
54
Embora Elian possuísse residência fixa, fosse réu primário e sem antecedentes
criminais, esses fatos não seriam suficientes para manter a ordem pública, tal qual, não
afastariam a necessidade da decretação da prisão preventiva. (TJSC, 2019).
Em decisão interlocutória, a relatora em plantão, Bettina Maria Maresch de Moura,
conheceu do recurso e lhe deu provimento, alegando a presença de fumus comissi delicti e
relativamente ao periculum in liberatis, verificando-se a necessidade em garantir a ordem
pública, determinando a prisão preventiva do réu. (TJSC, 2019).
Ocorre que os advogados de defesa do réu impetraram um pedido de Habeas
Corpus (HC) junto ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), tratando-se de um HC substitutivo
de recurso próprio com pedido de liminar, buscando suspender a decisão proferida pelo
Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), alegando incongruências processuais, pois o MP
não poderia impetrar mandado de segurança para atribuir efeito suspensivo ao recurso criminal.
Devido a esse fato isolado, decidiu o Ministro João Otavio de Noronha, determinando a soltura
imediata do acusado, fazendo valer a primeira decisão proferida, seguindo os trâmites
processuais. (TJSC, 2019).
Dando prosseguimento ao processo judicial, o réu, Elias Lucas Ferreira Dias, tornou
a ser preso preventivamente, e, posteriormente, em decisão judicial, foi considerado culpado,
condenado à pena privativa de liberdade, com pena de três anos de reclusão, bem como
pagamento de dez dias de multa, tendo o réu o direito a recorrer em liberdade. (TJSC, 2019).
Já em sede recursal, interposta a apelação pelo MPSC, restou a condenação do réu,
majorando 0a pena para quatro anos, dois meses e dezoito dias de reclusão em regime fechado.
(TJSC, 2019).
De fato, não se pode mensurar as consequências causadas ao processo em questão,
como bem aduz Anylar (2002,p. 201): “ [...] os meios criam uma sensação de universalidade,
de um mundo sem lutas e expropriam do homem sua capacidade de intervir nos processos
sociais, interpretá-los”.
Como aduz Vieira, na seguinte narrativa:
A mídia que se utiliza da linguagem espetacular influência a opinião pública desde o
impacto inicial do processo informativo. Esse fator de influência se dá, não
necessariamente, com a informação do acontecimento transformada em notícia, mas
pela forma como ela é comunicada. A notícia que interfere na opinião pública é a
capaz de sensibilizar o leitor, ouvinte ou telespectador. Ela é intensa, ela produz
impacto que fortalece a informação. O redator da notícia transforma o ato comum em
sensacional, cria um clima de tensão por meio de títulos e imagens fortes,
contundentes, que atingem e condicionam a opinião pública. (2003, p. 54).
55
Em síntese, é nítido aos olhos, a influência midiática, capaz de converter a opinião
pública, em opinião publicada, fazendo com que o julgador, em meio a pressão social, venha a
decretar a prisão preventiva do acusado, com o intuito de mitigar o anseio da sociedade, sempre
que os meios de comunicação, veiculam de forma exagerada e com total aversão, a
possibilidade de que o magistrado garanta ao acusado, o direito inerente a liberdade provisória
enquanto responde ao processo.
Dessa forma a repercussão midiática leva ao público a sensação de que a liberdade
provisória, não passe de uma impunidade do sistema judiciário, de modo que somente a prisão
preventiva possa estancar a sangria gerada pelo abalo social.
56
5 CONCLUSÃO
O cerne principal para o desenvolvimento deste trabalho deu-se a partir do
questionamento quanto à influência exercida pela mídia sob o clamor social, utilizado como o
principal fundamento para decretar a prisão preventiva do indivíduo sob o argumento de
garantir a ordem pública.
Ocorre que, no decorrer dos anos, devido à globalização, a comunicação entre as
pessoas passou a ser rápida e acessível. Com isso, a sociedade passou a acompanhar os trâmites
processuais e as decisões proferidas no judiciário através de reportagens sobre os fatos.
Por óbvio, este cenário atual é de extrema valia, deixando a sociedade informada
quanto aos acontecimentos, garantindo assim o devido Estado Democrático de Direito.
Todavia, fez-se necessário indagar a qualidade das informações repassadas. Ocorre
que a opinião pública e a opinião publicada andam lado a lado, e muitas vezes os canais
midiáticos não se atentam à veracidade dos fatos, e, tampouco, preocupam-se em informar o
mínimo conhecimento técnico necessário para a interpretação do devido processo legal, uma
vez que a mídia visa apenas a comoção pública, alcançada através de reportagens tendenciosas
que choquem a população, desprezando um dos princípios fundamentais do jornalismo
A persuasão midiática torna-se ainda mais perceptível quando as reportagens
veiculadas incentivam a penalização do réu, noticiando incessantemente o suposto crime, e
repudiando o fato de que o acusado tenha garantido o seu direito à liberdade provisória.
Consequentemente, tamanha repercussão faz com que o cidadão leigo crie o sentimento de
impunidade judiciária sempre que a prisão preventiva é afastada.
Consequentemente, torna-se irrefutável a assertiva de que a mídia não só interfere
na opinião pública, mas também manipula a figura do acusado, exibindo um sujeito desumano,
considerando-o um verdadeiro inimigo do Estado, e a imprensa, sem o mínimo conhecimento
técnico, toma para si o poder de instruir, colher provas e condenar o acusado, como nos casos
da Escola Base, no qual a sentença midiática ocorreu antes mesmo do inquérito policial ser
instaurado, prejudicando todos os envolvidos no caso e trazendo consequências negativas em
suas vidas pessoais e profissionais.
Diante do que foi apresentado, percebe-se que a mídia exerce forte influência sobre
a população, criando um abalo social responsável por interferir nas decisões jurídicas. A partir
disso, é evidente a relação entre o clamor público, gerado pelas notícias sensacionalistas, com
a decretação das prisões preventivas, motivadas pelo anseio da população por justiça, e não
priorizando o devido cumprimento da lei.
57
Por fim, a mídia não deveria antepor o jornalismo sensacionalista em prol da
divulgação dos fatos, para, assim, evitar que a sociedade interfira negativamente na condenação
dos acusados, que acabam sendo presos preventivamente ou até mesmo sentenciados pela
própria população, sem direito à defesa, tal como no caso de Fabiane Maria de Jesus,
assassinada pela comunidade apenas para satisfazer a falsa sensação de justiça da população,
tornando necessário maiores estudos e debates acerca do tema.
58
REFERÊNCIAS
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de 2017. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=341516. Acesso em: 28
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AVENA, Norberto. Processo Penal: 11. ed. – Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO,
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BAYER, Diego; AQUINO, Bel. Da série “julgamentos históricos”: Escola Base, a condenação
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BECCARIA, Cesare Bonesana, Marchesi de. Dos delitos e das penas. Tradução: Lucia
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