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Universidade de So Paulo
Faculdade de Sade Pblica
Sobrevida de pacientes com HIV e AIDS nas eras pr e ps terapia antirretroviral de alta potncia
Mariza Vono Tancredi
Tese apresentada ao Programa de
Ps-Graduao em Sade Pblica
para obteno de ttulo de Doutor em
Sade Pblica
rea de Concentrao: Epidemiologia
Orientador: Prof. Dr. Eliseu Alves Waldman
So Paulo 2010
Sobrevida de pacientes com HIV e AIDS nas eras pr e ps terapia antirretroviral de alta potncia
Mariza Vono Tancredi
Tese apresentada ao Programa de
Ps-Graduao em Sade Pblica da
Faculdade de Sade Pblica da Universidade
de So Paulo para obteno de ttulo de Doutor
em Sade Pblica
rea de Concentrao: Epidemiologia
Orientador: Prof. Dr. Eliseu Alves Waldman
So Paulo 2010
Dedico este estudo e este poema, ao meu irmo Mauricio.
Presena
preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frmito em teus cabelos...
preciso que a tua ausncia trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde h muito guardadas
no se sabe por quem nalgum mvel antigo...
Mas preciso, tambm, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminoso, no ar.
preciso a saudade para eu sentir
como sinto - em mim - a presena misteriosa da vida...
Mas quando surges s to outro e mltiplo e imprevisto
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.
Mario Quintana
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Eliseu Alves Waldman, meu orientador pela segunda vez, que agrega um profundo domnio do conhecimento cientfico. Agradeo pelo estmulo, dedicao, competncia e, pela forma to respeitosa e brilhante de elaborar questionamentos e fomentar profundas reflexes a luz do pensamento epidemiolgico. Ao Prof. Dr. Jos Maria Pacheco, pelas suas aulas fantsticas de anlise de sobrevida, pelas sugestes to precisas da tcnica estatstica na metodologia deste estudo. Pela indicao do livro da Prof. Dra. Marlia S Carvalho, onde pude de fato constatar na leitura, a veracidade de suas palavras: As tcnicas mais recentes e complexas aparecem como conseqncia natural das mais antigas e simples, em um crescendo suave e encorajador. Ao Prof. Dr. Paulo Rossi Menezes, Prof. Dr. Ivan Frana Junior e Prof. Dra Naila Janilde Seabra Santos pelo entusiasmo e preciso com que apontaram importantes sugestes para a anlise, discusso e aprimoramento deste estudo. Ao Dr. Antonio Tancredi Neto, mdico cardiologista e meu marido. Pela participao ativa em todas as fases desse estudo e, pela tenacidade com que apontou sugestes e permaneceu ao meu lado, motivando-me em todas as horas...principalmente nas mais difceis. As minhas queridas amigas quero agradecer pela torcida e reviso deste estudo: Prof. Ione Aquemi Guibu, Prof. Dra. Leda Ftima Jamal, Prof. Dra. Cristiane Murta Ramalho Nascimento, Prof. Dra. Emily Anna Catapano Ruiz que tambm fez a traduo para a lngua inglesa do resumo deste estudo e a Prof. Dra. Marcia Moreira Holcman, tambm pelo atendimento a todas as consultas de emergncia sobre os comandos de sobrevida do pacote STATA. A Grande chefe e amiga ngela Tayra, que me abriu portas, incentivou-me e deu-me muitas oportunidades de crescimento e aprendizado em epidemiologia. Ao Dr. Artur Kalichman e a Dra. Maria Clara Gianna pelo apoio e incentivo, a toda a equipe da Epidemiologia e amigos do CRT-DST/AIDS... profissionais que caminham numa estrada de luta e esperana na felicidade de todos que vivem com HIV/Aids. A enfermeira e querida amiga Ana Lcia Carvalho Monteiro pela sua dedicao e empenho no trabalho to qualificado de levantamento de dados em pronturios.
Ao Alex dos Santos Cardoso, pela colaborao na converso do formato de algumas figuras e por sua solicitude. A Sonia Regina e Patricia da biblioteca do CRT-DST/AIDS pela prontido e auxilio nos levantamentos bibliogrficos. Ao analista de sistemas Glauber Ferreira Cardoso, pelo seu jeito to amigo de ser, por sua competncia, exatido e dedicao ao trabalho de linkage dos bancos de dados, o que permitiu o aprimoramento das informaes deste estudo. Prof. Naira Jalile Seabra Santos, pela reviso gramatical deste estudo e por sua disponibilidade. Ao meu pai, Walter, pelos exemplos de amor a vida, seriedade, disciplina para alcanar objetivos e por sua msica... sempre em meus ouvidos. A minha me Marina e meus irmos Walter Silvio e Mauricio, pelos laos de ternura e a sintonia de carinho de uma vida inteira... Quantas saudades!!! E finalmente, quero agradecer aos meus filhos Vinicius e Livia, pela cumplicidade e por suas sublimes lies de amor... perfeitas como as ptalas na flor.
RESUMO
Introduo: A Aids uma pandemia que representa um grave problema de sade
pblica e o efeito das terapias antirretrovirais tem sido objeto de estudos. Objetivos:
Estimar a mediana do tempo livre de Aids (MTLA) e o tempo mediano de sobrevida
(TMS) entre pacientes HIV positivos sem e com Aids, respectivamente, e investigar
os preditores de Aids e bito, em duas coortes selecionadas entre 1988 a 2003.
Mtodo: Estudo de coorte retrospectivo de pacientes adultos de um Centro de
Referncia de Aids em So Paulo. As variveis estudadas foram: caractersticas
sociodemogrficas, categorias de transmisso, ano do diagnstico, nveis de
linfcitos T CD4+ e esquemas teraputicos. Utilizou-se o estimador produto limite
de Kaplan-Meier, o modelo de riscos proporcionais de Cox e as estimativas das
razes de hazard (HR), com respectivos intervalos de confiana de 95% (IC=95%).
Resultados: A incidncia mdia de Aids foi de 11,6 e de 7,1/1000 pessoas-ano, para
os perodos de 1988 a 1996 e de 1997 a 2003. A MTLA sem uso de tratamento
antirretroviral (TARV) foi de 53,7 meses, com TARV sem HAART foi de 90,0
meses e com HAART mais de 50% dos pacientes permaneceram livres de Aids at
108 meses. Mostraram-se associados evoluo para Aids independente das demais
exposies: receber TARV sem HAART (HR= 2,1, IC 95% 1,6 2,8); no ser
tratado (HR= 3,0; IC 95% 2,5 3,6); pertencer ao grupo etrio de 30 a 49 anos (HR=
1,2 ; IC 95% 1,1 1,3); possuir 50 anos ou mais (HR= 2,9; IC 95% 2,3 5,2);
pertencer raa/etnia negra e parda (HR= 1,4; IC 95% 1,1 1,7); pertencer
categoria de exposio HSH (HR= 1,4; IC 95% 1,1 1,6); e UDI (HR= 1,7; IC 95%
1,3 2,2); ter at oito anos de estudo (HR=1,3; IC 95% 1,1 1,5); no ter nenhuma
escolaridade (HR=2,0; IC 95% 1,4 5,6); ter CD4+ entre 350 e 500 cel/mm
(HR=1,6; IC 95% 1,3 1,9). As taxas mdias de mortalidade foram de 17,6/1000
pessoas-ano, 23,2 e 7,8, respectivamente, entre 1988 e 1993, de 1994 a 1996 e de
1997 a 2003. O TMS foi de 13,4 meses entre 1988 e 1993, 22,3 meses entre 1994 e
1996 e, de 1997 a 2003 mais de 50% dos pacientes sobreviveram at 108 meses.
Mostraram-se associados ao bito por Aids independente das demais exposies:
diagnstico de Aids entre 1994 e 1996 (HR= 2,0; IC 95% 1,8 2,2); diagnstico de
Aids entre 1988 e 1993 (HR= 3,2; IC 95% 2,8 3,5); pertencer ao grupo etrio de 30
a 49 anos (HR= 1,4 ; IC 95% 1,2 1,5); possuir 50 anos ou mais (HR= 2,0; IC 95%
1,7 2,3); pertencer categoria de exposio HSH (HR= 1,1; IC 95% 1,1 1,2); e
UDI (HR= 1,5; IC 95% 1,3 1,6); ter at 8 anos de estudo (HR= 1,4; IC 95% 1,3
1,5); no ter estudado(HR= 2,1; IC 95% 1,6 2,8); ter CD4+ entre 350 a 500
cel/mm (HR=1,2; IC 95% 1,1 1,2); e abaixo de 350 cel/mm(HR=1,3; IC 95% 1,2
1,3). Concluses: Nas Coortes So Paulo de HIV e Aids, a mediana do tempo livre
de Aids e a sobrevida com Aids foram ampliados com a introduo de diferentes
esquemas teraputicos antirretrovirais e observou-se queda nas taxas de incidncia e
de mortalidade.
Palavras chave: HIV/Aids, incubao, anlise de sobrevida, antirretrovirais, estudos
de coorte, Brasil.
ABSTRACT
Background: AIDS is a pandemic which represents a serious public health problem
and the effect of antiretroviral therapy has been the object of studies. Objective: To
estimate median AIDS-free-time and median survival time, among HIV positive
patients without AIDS and with AIDS, respectively, and to investigate predictor
factors of AIDS and death in two cohorts of patients selected between 1988 and 2003
and followed until the end of 2005. Methods: Retrospective cohort study,
encompassing adult patients of the Centro de Referncia e Treinamento DST/AIDS-
SP. Variables studied were: socio-demographic characteristics, transmission
categories, calendar periods, year of diagnosis, levels of CD4+ and treatment
regimens. The Kaplan-Meier product limit estimator, the Cox proportional risk
model and hazard ratios (HR) estimates, with 95% (CI=95%) confidence intervals,
were used. Results: AIDS incidence rates were 11.6 and 7.1 person-years in the
1988-1996 and 1997-2003 periods, respectively. The median time of progression
from HIV infection to AIDS without treatment was 53.7 months; with ART without
HAART, 90.0 months; and with HAART, over 50% of patients followed did not
progress to AIDS until 108 months. Independent prognostic factors for AIDS-free-
time were: treatment with ART without HAART (HR=2.1; CI 95% 1.6-2.8), no
treatment regimen (HR=3.0; CI 95% 2.5-3.6); age at HIV infection diagnosis
between 30 and 49 years (HR=1.2; CI 95% 1.1-1.3), age over 50 years (HR=2.9; CI
95% 2.3-5.2); black race/color (HR=1.4; CI 95% 1.1-1.7); MSM (HR=1.4; CI 95%
1.1-1.6) and IDU (HR=1.7; CI 95% 1.3-2.2) exposure categories; up to 8 years of
schooling (HR=1.3; CI 95% 1.1-1.5) and no schooling (HR=2.0; CI 95% 1.4-5.6);
and CD4+ count between 350-500 cells/mm (HR=1.6; CI 95% 1.3-1.9). AIDS
mortality rates were 17.6, 23.2, and 7.8 person-years in the 1988-1993, 1994-1996
and 1997-2003 periods, respectively. Median progression time from AIDS to death
was 13.4 months in the 1988-1993 period; 22.3 months, between 1994 and 1996, and
in the 1997-2003 period, over 50% of patients followed survived. Independent
predictor factors for death were: AIDS diagnosis period 1994-1996 (HR=2.0; CI
95% 1.8-2.2) and 1988-1993 (HR=3.2; CI 95% 2.8-3.5); AIDS diagnosis age
between 30-49 years (HR=1.4; CI 95% 1.2-1.5), age over 50 (HR=2.0; CI 95% 1.7-
2.3); MSM (HR=1.1; CI 95% 1.1-1.2) and IDU (HR=1.5; CI 95% 1.3-1.6) exposure
categories; up to 8 years of schooling (HR=1.4; CI 95% 1.3-1.5) and no schooling
(HR=2.1; CI 95% 1.6-2.8); and CD4+ count between 350-500 cells/mm (HR=1.2;
CI 95% 1.1-1.2) and less than 350cels/mm (HR=1.3; CI 95% 1.2-1.3). Conclusions:
Results found in the HIV / AIDS Sao Paulo Cohort point toward a heterogeneous
increase in AIDS-free-time and AIDS survival with different antiretroviral treatment
regimens. Decrease in the incidence and mortality rates were observed.
Keywords: HIV/AIDS, incubation, survival, antiretroviral, cohort studies, Brazil
NDICE
1 INTRODUO 17
1.1 HISTRIA NATURAL DA INFECO PELO HIV/AIDS 19
1.2 ASPECTOS EPIDEMIOLGICOS 22
1.3 IMPACTO DA INTRODUO DOS ANTIRETROVIRAIS 25
1.4 FATORES ASSOCIADOS SOBREVIDA 28
1.4.1 Fatores sociodemogrficos e comportamentais 29
1.4.2 Condio clnica ao diagnstico e doena indicativa de Aids 30
1.5 PERODO DE INCUBAO DA AIDS 31
1.6 O MOMENTO IDEAL PARA O INCIO DA HAART 34
2 HIPTESES 38
3 OBJETIVOS 39
4 MATERIAL E MTODOS 41
4.1 TIPO DE ESTUDO 41
4.2 REA E LOCAL DE ESTUDO 41
4.3 POPULAO DE ESTUDO 43
4.3.1 Origem da coorte de pacientes estudada 43
4.4 CONCEITOS E DEFINIES 45
4.4.1 Definio de infeco pelo HIV 45
4.4.2 Definio de caso de Aids em adulto 46
4.4.3 Conceito de categorias de exposio 47
4.4.4 Esquemas de tratamento 47
4.5 CRITRIOS DE INCLUSO 48
4.6 CRITRIOS DE EXCLUSO 49
4.7 CRITRIOS DE PERDA DE SEGUIMENTO 49
4.8 FONTES DE DADOS 50
4.9 PREPARAO DO BANCO DE DADOS 51
4.10 VARIVEIS DE ESTUDO 52
4.11 ANLISE DOS DADOS 53
4.11.1 Anlise do tempo at o evento 54
4.12 PROGRAMAS UTILIZADOS 56
4.13 CONSIDERAES TICAS A RESPEITO DO PROJETO 57
5 RESULTADOS 58
5.1 FORMAO DAS COORTES ESTUDADAS 58
5.2 DESENHOS DO ESTUDO 60
5.3 RESULTADOS DA COORTE SO PAULO-HIV 62
5.3.1 Descrio das caractersticas dos indivduos infectados pelo HIV sem Aids 62
5.3.2 Incidncia de Aids 65
5.3.3 Estimativa do tempo livre de Aids 67
5.3.4 Anlise bivariada 75
5.3.5 Anlise multivariada 77
5.4 RESULTADOS DA COORTE SO PAULO-Aids 80
5.4.1 Descrio dos indivduos com Aids entrada no estudo 80
5.4.2 Mortalidade por Aids 85
5.4.3 Estimativa da probabilidade acumulada de sobrevida com Aids 88
5.4.4 Anlise bivariada 96
5.4.5 Anlise multivariada 98
6 DISCUSSO 100
6.1 COORTE SO PAULO DE HIV - INCIDNCIA DE AIDS 100
6.2 COORTE SO PAULO DE AIDS - MORTALIDADE POR AIDS 106
7 CONCLUSES 114
8 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 116
APNDICES E ANEXOS
Apndice 1 Termo de compromisso 125
Apndice 2 Formulrio de dados 126
Apndice 3: Anlise bivariada 131
Apndice 4: Modelo final da anlise multivariada 132
Apndice 5: Resduos das variveis preditoras para Aids 133
Apndice 6: Resduos das variveis preditoras para bito 135
Anexo 1 Parecer do Comit de tica em Pesquisa COEP/FSP 137
Anexo 2 Parecer do Comit de tica em Pesquisa CRT-DST/AIDS-SES 138
Anexo 3 Curriculo Lattes 139
11
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AIDS Sndrome da Imunodeficincia Adquirida
ARC Complexo Relacionado Aids
ARV Antirretrovirais
ATV Atazanavir
ATV/r Atazanavir potencializado com Ritonavir
AZT Zidovudina
3TC Lamivudina
BIP-AIDS Base Integrada Paulista de Aids
CDC Centers for Diseases Control and Prevention ( Atlanta, EUA)
CONEP Comisso Nacional de tica em Pesquisas
CRT-DST/AIDS Centro de Referncia e Treinamento DST/AIDS
CSP-HIV/Aids Coorte So Paulo de HIV/Aids
CSP-HIV Coorte So Paulo de HIV
CSP-Aids Coorte So Paulo de Aids
CVE Centro de Vigilncia Epidemiolgica
DIR Direo Regional de Sade
DST Doenas Sexualmente Transmissveis
EFZ Efavirenz
ELISA Enzyme-linked Immunosorbent Assay
ESP Estado de So Paulo
EUA Estados Unidos da Amrica
FDA Food and Drug Administration
HAART Hight-Active Anti Retroviral Theraphy
HR Hazard Ratio
HIV Vrus da Imunodeficincia Humana
HSH Homens que fazem sexo com homens
IC Intervalo de Confiana
IDH ndice de Desenvolvimento Humano
12
IP Inibidores de Protease
ITRN Inibidores da Transcriptase Reversa anlogos de nucleosdios
ITRNN Inibidores da Transcriptase Reversa no anlogos nucleosdios
LPV Lopinavir
LPV/r Lopinavir potencializado com Ritonavirv
MS Ministrio da Sade do Brasil
MSP Municpio de So Paulo
MTLA Mediana do Tempo Livre de Aids
OMS Organizao Mundial da Sade
PCR Polymerase Chain Reaction
PE DST/AIDS Programa Estadual de DST/AIDS
PPJ Pneumonia por P. jiroveci / pneumocistose pulmonar
RNA Ribonucleic acid
SAME Servio de Arquivo Mdico
SES Secretaria do Estado da Sade
SEADE Fundao Sistema Estadual de Anlise de Dados
SINAN-AIDS Sistema de Informao de Agravos de Notificao
SICLOM Sistema de Controle Logstico de Medicamentos
SISCEL Sistema de Controle de Exames Laboratoriais
Sistema FAA Ficha de Acompanhamento Ambulatorial
SMS Secretaria Municipal da Sade
SK Sarcoma de Kaposi
SUS Sistema nico de Sade
TARV Tratamento antirretroviral
TMS Tempo Mediano de Sobrevida
TRV Teste da Razo de Verossimilhana
UDI Usurios de Drogas Injetveis
VE Diviso de Vigilncia Epidemiolgica
WHO Word Health Organization
13
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Caractersticas sociodemogrficas, comportamentais e marcadores laboratoriais dos pacientes sem Aids poca da seleo da coorte, CSP-HIV, CRT-DST/AIDS, 1988 a 2003
64
Tabela 2 - Distribuio dos casos HIV positivos, pessoas-ano e taxa de incidncia de Aids, CSP-HIV, CRT- DST/AIDS, 1988 a 1996
65
Tabela 3 - Distribuio dos casos HIV positivos, pessoas-ano e taxa de incidncia de Aids, CSP-HIV, CRT- DST/AIDS, 1997 a 2003
66
Tabela 4 - Mediana do tempo livre de Aids (MTLA) e probabilidade acumulada livre de Aids segundo o esquema teraputico, CSP-HIV, CRT-CST/AIDS, 1988 a 2003
68
Tabela 5 - Mediana de tempo livre de Aids (MTLA) em meses, segundo algumas caractersticas dos pacientes, CSP-HIV, CRT-DST/AIDS, 1988 a 2003
70
Tabela 6 - Anlise bivariada, pelo modelo de Cox, dos fatores associados evoluo para Aids dos pacientes da CSP-HIV, CRT-DST/AIDS, 1988 a 2003
76
Tabela 7 - Modelo final da anlise multivariada de riscos proporcionais de Cox segundo fatores associados evoluo para Aids dos pacientes da CSP-HIV, CRT-DST/AIDS, 1988 a 2003
79
Tabela 8 - Caractersticas sociodemogrficas, comportamentais e marcadores laboratoriais dos pacientes com Aids poca da seleo da coorte, CSP-Aids, CRT-DST/AIDS, 1988 a 2003
Tabela 9 - Distribuio dos sinais, sintomas e doenas segundo os critrios de definio de caso Rio de Janeiro, CSP-Aids, CRT-DST/AIDS, 1988 a 2003
83
Tabela 10 - Distribuio das doenas indicativas de Aids segundo os critrios de definio de caso CDC Adaptado, CSP-Aids, CRT-DST/AIDS, 1988 a 2003
84
82
14
Tabela 11 - Distribuio dos casos de Aids e taxa de mortalidade de Aids por 1000 pessoas-ano, CSP-Aids, CRT-DST/AIDS, 1988 a 1993
86
Tabela 12 - Distribuio dos casos de Aids e taxa de mortalidade de Aids por 1000 pessoas-ano, CSP-Aids, CRT-DST/AIDS, 1994 a 1996
86
Tabela 13 - Distribuio dos casos de Aids e taxa de mortalidade de Aids por 1000 pessoas-ano, CSP-Aids, CRT-DST/AIDS, 1997 a 2003
86
Tabela 14 - Tempo mediano de sobrevida e probabilidade acumulada de bito segundo perodo de diagnstico de Aids, CSP-Aids, CRT-DST/AIDS, 1988 a 2003
88
Tabela 15 - Tempo mediano de sobrevida com Aids (TMS) em meses, de pacientes segundo algumas caractersticas, 1988 a 2003, CSP-Aids, CRT-DST/AIDS
91
Tabela 16 - Anlise bivariada, pelo modelo de Cox, dos fatores associados sobrevida entre os pacientes com Aids da CSP-Aids, CRT-DST/AIDS, 1988 a 2003
97
Tabela 17 - Modelo final da anlise multivariada de riscos proporcionais de Cox, para fatores associados sobrevida entre os pacientes com Aids da CSP-Aids, CRT-DST/AIDS, 1988 a 2003
99
15
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Evoluo da doena pelo HIV 21
Figura 2 - Tendncia dos casos, bitos e prevalncia de Aids, EUA, 1985 a 2006 23
Figura 3 - Tendncia dos casos, bitos e estimativa de pessoas vivendo com Aids, Municpio de So Paulo, 1988 a 2005
24
Figura 4 - Diagrama da formao da coorte 45
Figura 5 - Diagrama da formao dos dois grupos includos no estudo 59
Figura 6 - Diagrama do desenho do estudo para pacientes HIV positivos, sem Aids 60
Figura 7 - Diagrama do desenho do estudo para pacientes com Aids 61
Figura 8 - Taxa de incidncia de Aids por pessoas-tempo e proporo de tratamentos indicados aos pacientes HIV positivos, segundo ano de diagnstico de infeco pelo HIV, CSP-HIV, CRT-DST/AIDS,1988 a 2003
Figura 9 - Probabilidade acumulada livre de Aids a partir do diagnstico de infeco pelo HIV, segundo esquema teraputico, no perodo de 1988 a 2003, CSP-HIV, CRT-DST/AIDS
68
Figura 10 - Probabilidade acumulada livre de Aids a partir do diagnstico de infeco pelo HIV segundo sexo, entre os no tratados (A), os TARV sem HAART (B) e com HAART (C), CSP-HIV, CRT-DST/AIDS
71
Figura 11 - Probabilidade acumulada livre de Aids a partir do diagnstico de infeco pelo HIV segundo faixa etria, entre os no tratados (A), os TARV sem HAART (B) e com HAART (C), CSP-HIV, CRT-DST/AIDS
71
Figura 12 - Probabilidade acumulada livre de Aids a partir do diagnstico de infeco pelo HIV segundo raa / cor, entre os no tratados (A), os TARV sem HAART (B) e com HAART (C), CSP-HIV, CRT-DST/AIDS
72
Figura 13 - Probabilidade acumulada livre de Aids a partir do diagnstico de infeco pelo HIV segundo categoria de exposio, entre os no tratados (A), os TARV sem HAART (B) e com HAART (C), CSP-HIV, CRT-DST/AIDS
72
67
16
Figura 14 - Probabilidade acumulada livre de Aids a partir do diagnstico de infeco pelo HIV segundo escolaridade, entre os no tratados (A), os TARV sem HAART (B) e com HAART (C), CSP-HIV, CRT-DST/AIDS
73
Figura 15 - Probabilidade acumulada livre de Aids a partir do diagnstico de infeco pelo HIV segundo IDH do distrito de residncia, entre os no tratados (A), os TARV sem HAART (B) e com HAART (C), CSP-HIV, CRT-DST/AIDS
73
Figura 16 - Probabilidade acumulada livre de Aids a partir do diagnstico de infeco pelo HIV segundo a primeira contagem de CD4+, entre os no tratados (A), os TARV sem HAART (B) e com HAART (C), CSP-HIV, CRT-DST/AIDS
74
Figura 17 - Taxa de mortalidade por Aids (por 1000 pessoas-ano) e proporo de tratamentos indicados aos pacientes, segundo ano de diagnstico de aids, CSP-Aids, CRT-DST/AIDS, 1988 a 2003
87
Figura 18 - Probabilidade acumulada de sobrevida a partir do diagnstico de Aids, segundo osperodos de diagnstico de Aids, CSP-Aids, CRT-DST/AIDS
89
Figura 19 - Probabilidade acumulada de sobrevida a partir do diagnstico de Aids segundo sexo, no perodo de 1988 a 1993 ( A ), de 1994 a 1996 ( B ) e de 1997 a 2003 ( C ), CSP-Aids, CRT-DST/AIDS
92
Figura 20 - Probabilidade acumulada de sobrevida a partir do diagnstico de Aids segundo faixa etria, no perodo de 1988 a 1993 (A), de 1994 a 1996 ( B ) e de 1997 a 2003 ( C ), CSP-Aids, CRT-DST/AIDS
92
Figura 21 - Probabilidade acumulada de sobrevida a partir do diagnstico de Aids segundo raa / cor, no perodo de 1988 a 1993 (A), de 1994 a 1996 ( B ) e de 1997 a 2003 ( C ), CSP-Aids, CRT-DST/AIDS
93
Figura 22 - Probabilidade acumulada de sobrevida a partir do diagnstico de Aids segundocategoria de exposio, no perodo de 1988 a 1993 ( A ), de 1994 a 1996 ( B ) e de 1997 a2003 ( C ), CSP-Aids, CRT-DST/AIDS
93
Figura 23 - Probabilidade acumulada de sobrevida a partir do diagnstico de Aids segundoescolaridade, no perodo de 1988 a 1993 ( A ), de 1994 a 1996 ( B ) e de 1997 a 2003 ( C ),CSP-Aids, CRT-DST/AIDS
94
Figura 24 - Probabilidade acumulada de sobrevida a partir do diagnstico de Aids segundo IDHdo distrito de residncia, no perodo de 1988 a 1993 ( A ), de 1994 a 1996 ( B ) e de 1997 a2003 ( C ), CSP-Aids, CRT-DST/AIDS
94
Figura 25 - Probabilidade acumulada de sobrevida a partir do diagnstico de Aids segundoprimeira contagem de CD4+, no perodo de 1988 a 1993 ( A ), de 1994 a 1996 ( B ) e de 1997a 2003 ( C ), CSP-Aids, CRT-DST/AIDS
95
17
1 INTRODUO
____________________________________________________
O Brasil tem liderado o caminho entre os pases em desenvolvimento desde
que sua populao inteira tem acesso a medicamentos antirretrovirais atravs do
Sistema nico de Sade (SUS).
A rpida ampliao dos conhecimentos a respeito da infeco pelo vrus da
imunodeficincia humana (HIV), da sndrome da imunodeficincia adquirida (Aids)
e, particularmente, o desenvolvimento de eficiente arsenal diagnstico e teraputico
tem permitido o aprimoramento constante dos programas voltados para o seu
controle e tem propiciado condies para uma queda expressiva da mortalidade.
Para fortalecer a construo de polticas pblicas de sade, o Brasil necessita
de estudos que estimem a mediana do tempo livre de Aids, a incidncia de Aids, bem
como a sobrevida esperada e a proporo dessa populao que faz uso da terapia
antirretroviral de alta potncia (HAART) (BARBOSA e STRUCHINER, 2003).
Em nosso pas so raros os estudos de coorte de indivduos infectados pelo
HIV, antes de desenvolverem a Aids (FONSECA, 1999; BARBOSA e
STRUCHINER 2003; BRAGA, 2005). Este estudo de coorte tem como aspecto
inovador, em nosso meio, avaliar o efeito da introduo de diferentes esquemas
teraputicos no perodo de incubao da infeco pelo HIV e da incidncia da Aids.
A anlise dos fatores preditores do tempo livre de Aids, da sobrevida com Aids, das
taxas de incidncia e de mortalidade, em nosso meio, permitiu a comparao com
18
aqueles j identificados na literatura (EGGER, 2002; MOCROFT, 2004; WOOD,
2005; STERNE, 2007, STERNE, 2009; LEWTHWAITE e WILKINS 2009).
Alm disso, tambm pode auxiliar na discusso a respeito dos recursos
necessrios para garantir que a maior parte dos infectados pelo HIV tenha acesso e
boa adeso aos tratamentos disponveis, de forma a prolongar ao mximo o perodo
de incubao e a sobrevida com Aids (BARBOSA e STRUCHINER, 2003).
A existncia no Centro de Referncia e Treinamento DST/AIDS SES
(CRT-DST/AIDS) de dados relativos a uma coorte de 7.590 indivduos infectados
pelo HIV com e sem Aids, durante 15 anos, constitui uma oportunidade de:
estudarmos a histria natural da Aids em nosso meio, de observarmos a influncia da
HAART sobre este agravo e de contribuirmos para o planejamento dos programas de
controle do HIV/Aids.
Este estudo tambm analisa o impacto da poltica brasileira de controle da
Aids, atravs do SUS a partir de 1996, de acesso gratuito e universal ao tratamento
antirretroviral na promoo da equidade em sade. A hiptese da equidade inversa
aponta que as intervenes de sade pblica inicialmente ampliam as desigualdades,
por alcanar, em primeiro lugar, os indivduos de nvel socioeconmico mais elevado
e, s posteriormente, alcanam os de nvel socioeconmico mais baixo (VICTORA,
2000).
Em suma, observou-se, neste estudo, de forma semelhante ao que ocorreu no
Brasil, uma transformao profunda no perodo ps-HAART, com aumento
significativo da sobrevida e reduo expressiva das taxas de incidncia e
mortalidade.
19
1.1 HISTRIA NATURAL DA INFECO PELO HIV
As primeiras descries, no incio da dcada de 80, de casos de pneumonia
por Pneumocystis jiroveci e de sarcoma de Kaposi entre homossexuais jovens at
ento saudveis, permitiram caracterizar a Aids. O carter infeccioso foi a seguir
confirmado pelo isolamento do agente etiolgico, classificado no gnero retrovrus e
que recebeu a denominao de vrus da imunodeficincia humana (HIV) (GALLO e
MONTAGNNIER, 2006).
A histria natural da infeco humana pelo HIV se inicia pela transmisso do
vrus atravs, principalmente, de trs vias: sexual, contato com sangue por
transfuses ou uso de drogas injetveis e via materno-infantil. Aps o contgio,
ocorre a transposio das barreiras formadas pelas mucosas do hospedeiro e de seus
mecanismos de defesa, que combatem a propagao viral aps breve perodo de
tempo, ainda no bem estabelecido. A seguir ocorre a interao entre estruturas do
HIV e diversos receptores dos linfcitos T CD4+ que pode resultar em invaso de
rgos linfides e de outros rgos do indivduo infectado. Esta a fase aguda da
infeco e nela se observa alta carga viral circulante plasmtica e sbita reduo nos
nveis dos linfcitos T CD4+. Aproximadamente um ms aps a infeco, passa a
ocorrer produo de anticorpos anti-HIV. A partir desse momento, seu diagnstico
torna-se possvel por meio do isolamento do vrus ou de ensaios biolgicos como o
ELISA (enzyme-linked immunosorbent assay), testes rpidos ou pela tcnica de
Western-Blot e por meio do diagnstico de uma das infeces oportunistas
caractersticas da infeco pelo HIV (BARTLETT, 2002).
20
O perodo de incubao definido como o tempo decorrido entre a infeco e o
incio dos sinais e/ou sintomas clnicos de difcil determinao por desconhecermos
o momento exato do contgio (TAYLOR, 1990) e porque neste perodo da histria
natural da infeco HIV/Aids poucas pessoas procuram assistncia sade.
Embora as taxas de progresso para a Aids apresentem ampla variao entre
os indivduos infectados pelo HIV, o tempo mdio entre a infeco e o
desenvolvimento da Aids era de aproximadamente 10 anos, na era pr-interveno
(MANDELL, 2005).
Na fase aguda da infeco, que dura semanas, ocorre uma queda inicial nos
nveis de linfcitos T CD4+ e aumento da viremia. A seguir, h recuperao dos
nveis de linfcitos T CD4+, que posteriormente voltam a diminuir gradualmente ao
longo de vrios anos, com queda mais acelerada um ano e meio a dois anos antes do
evento definidor de Aids (BARTLETT, 2002) (Figura 1).
Na fase aguda os anticorpos ainda esto ausentes, limitando a realizao de
testes sorolgicos e permitindo confirmao de infeco apenas por pesquisa direta
atravs da quantificao do RNA viral. Logo aps a infeco, a populao viral
mais homognea, mas logo surgem vrus mutantes no vulnerveis ao dos
anticorpos neutralizantes e demais mecanismos celulares de defesa, como as clulas
T citotxicas. O processo de replicao viral muito dinmico e intenso, o que
permite que metade da populao viral circulante no plasma seja reposta em menos
de 30 minutos, apesar de cada partcula viral (virion) possuir meia-vida muito curta
(SIMON, 2006).
Devemos considerar a possibilidade de infeco por mais de uma cepa viral,
visto que a primo infeco no induz imunidade protetora. Infeces por vrus
21
geneticamente distintos podem produzir vrus recombinantes, ainda que as infeces
ocorram aps amplos intervalos de tempo. Mltiplas infeces podem estar
associadas progresso mais rpida para Aids, constituindo tambm obstculo para a
produo de vacinas (SIMON, 2006).
A carga viral e os nveis de clulas T CD4+ refletem, respectivamente, danos
ao sistema imunolgico e o grau de imunodeficincia. Em conjunto com as
manifestaes clnicas, as determinaes desses indicadores permitem identificar o
estgio da infeco (SIMON, 2006).
Em casos com data de infeco conhecida, por terem ocorrido em decorrncia
de acidentes ocupacionais, verificou-se que a longa durao da fase aguda da
infeco um preditor para rpida progresso para Aids (VANHEMS, 2004). O
tempo de incubao pode ser prolongado com a ao dos antirretrovirais no perodo
pr-Aids, porm existe o risco de aparecimento de resistncia s drogas utilizadas
(HOOVER, 1994).
Figura 1 - Evoluo da doena pelo HIV
Lin
fci
tos
T C
D4+
( c
el./m
m)
RN
A viral p
or m
l de p
lasma
bito
Doenas Oportunistas
Sintomas
Fonte: Adaptado de http://encyclopedia.quickseek.com/
22
1.2 ASPECTOS EPIDEMIOLGICOS
A epidemia da infeco pelo HIV/Aids um fenmeno dinmico que envolve
progressivamente mais segmentos da populao e sua forma de ocorrncia nas
diferentes regies do mundo depende do comportamento humano, individual e
coletivo (WOOD, 2002). Devido s desigualdades sociais e regionais no Brasil, a
propagao da infeco pelo HIV apresenta dimenses que ocasionam
transformaes significativas em seu perfil epidemiolgico (BRITO, 2001).
Estimou-se que ao final de 2008 existiam cerca de 33,4 milhes de indivduos
vivendo com HIV/Aids em todo o mundo, sendo a regio mais atingida a frica,
com 67% do total, seguida pela sia, com 14%. Nas Amricas, os pases mais
atingidos pela epidemia so os Estados Unidos da Amrica (EUA) e o Brasil. De
acordo com essas estimativas, a Aids situava-se como a quarta principal causa de
bito em todo o mundo (UNAIDS, 2009).
No Ocidente, o grupo inicialmente mais atingido foi o dos homens, homo ou
bissexuais, na faixa etria de 20 a 49 anos. No entanto, a partir dos anos 90, houve
aumento expressivo de casos entre mulheres. Na Europa Ocidental, ao final de 2006,
35% de casos novos atingiam mulheres e no Leste Europeu 41% (EUROHIV, 2006).
Nos EUA, entre 1981 e 2007, foram estimados mais de um milho de casos
de Aids e 583.298 bitos por Aids. De 1993 a 1997 houve expressiva queda na
incidncia e de 1995 a 1998 verificou-se rpido declnio da mortalidade,
provavelmente em decorrncia da introduo de novos esquemas teraputicos
23
antirretrovirais (Figura 2). Aps 1996, o grande aumento na sobrevida elevou o
nmero estimado de pessoas vivendo com HIV/Aids para 1,0 1,2 milho, dos quais
a quarta parte desconhece seu status sorolgico (CDC, 2006).
Figura 2 - Tendncia dos casos, bitos e prevalncia de Aids, EUA, 1985 a 2006
Fonte: CDC 2006.
No Brasil foram notificados, desde o incio da epidemia, 506.499 casos de
Aids e 205.409 bitos, at junho de 2008. A taxa de incidncia teve crescimento
acelerado at 1998, alcanando a taxa mxima de incidncia de 20,7/100.000
habitantes em 2003, com posterior reduo. Do total de casos notificados, at junho
de 2008, 66% foram do sexo masculino e, em 2003, 84% dos casos concentravam-se
na faixa etria de 20 a 49 anos; a razo homens/mulheres reduziu-se de 15,0/1 em
1986 para 1,5/1 em 2006. A taxa de mortalidade declinou de 9,7 em 1995 para
6,0/100.000 hab em 2006. Estimou-se que, em 2004, a prevalncia da infeco pelo
HIV/Aids fosse 0,6 % entre a populao de 15 a 49 anos e que entre 300 e 400 mil
pessoas no saberiam de sua condio de infectadas pelo HIV. Existem significativas
24
diferenas no perfil da epidemia nas diversas regies do pas (MINISTRIO DA
SADE, 2008).
Os primeiros casos notificados de Aids no pas foram de homens adultos
residentes nas regies Central e Norte do municpio de So Paulo. No perodo de
1986 a 1989, a epidemia disseminou-se para todas as regies do Municpio. Entre
1990 e 1992, houve um aumento progressivo do nmero de casos em todos os
Distritos Administrativos. A taxa de incidncia de Aids no municpio apresentou
tendncia de queda de 1998 a 2005 e a taxa de mortalidade da Aids vem
apresentando queda a partir do ano de 1996, em virtude do incio da terapia
antirretroviral de alta potncia. A estimativa do nmero de pessoas vivendo com
Aids foi de 27.000 ao final do ano 2005, cuja tendncia revelou aumento constante
em todo o perodo (TANCREDI, 2003) (Figura 3).
Figura 3 - Tendncia dos casos, bitos e estimativa de pessoas vivendo com Aids,
municpio de So Paulo, 1988 a 2005
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
4500
5000
1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Est
ima
tiv
a d
e P
rev
al
nci
a
N
de
ca
sos
e
bit
os
ano de ocorrncia
Casos Novos
bitos
Nmero estimado de pessoas vivendo com Aids
25
A distribuio espacial dos casos, segundo categoria de exposio, se faz de
modo desigual nas diversas regies do municpio. Nos ltimos anos, a categoria de
exposio heterossexual passou a ser a mais importante, seguida das categorias
homossexual masculino e usurios de drogas injetveis.
1.3 IMPACTO DA INTRODUO DOS ANTIRRETROVIRAIS
O primeiro medicamento a apresentar efetividade no tratamento da Aids foi a
Zidovudina (AZT), aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA), em maro
de 1987, e introduzido pelo Programa de Controle da Aids no estado de So Paulo,
em 1990. Esquemas teraputicos mais eficazes surgiram no correr dos anos 90 e, at
o ano 2000, foram aprovados mais de 15 agentes teraputicos nos EUA, classificados
em trs categorias: inibidores da transcriptase reversa anlogos de nucleosdeos, no-
anlogos de nucleosdeos e os inibidores de protease. Entre as classes de drogas
disponveis, mais recentemente, temos o inibidor de fuso T20, que veio reforar o
arsenal teraputico para situaes de resgate em falhas teraputicas (MINISTRIO
DA SADE, 2008).
O advento dos antirretrovirais (ARV) trouxe significativas mudanas na
histria da epidemia de HIV/Aids, criando condies para a reduo no s da
incidncia de infeces oportunistas, como tambm da incidncia da Aids e, ainda,
do nmero de internaes e da mortalidade dela decorrente, assim como para o
aumento da prevalncia do HIV/Aids. Ainda como consequncia da introduo dos
26
ARV, houve aumento da sobrevida, melhora da qualidade de vida e o fato de ter
mudado a percepo a respeito desse agravo, que tende a apresentar caractersticas de
uma doena infecciosa de carter crnico (PALELLA, 1998; SEPKOVITZ, 2001).
Estudo realizado na Itlia mostrou menor risco de morrer para pacientes
diagnosticados aps 1995, fato atribuvel ao uso dos novos agentes ARV,
especialmente, introduo da terapia dupla, em 1996, e dos inibidores de protease,
em 1997 (PORTA, 1999). Outro estudo de 1987 a 1995 apontou quedas progressivas
do risco de bito por Aids ao comparar pessoas sem tratamento com aqueles
submetidos terapia dupla e terapia tripla, mostrando, tambm, para o perodo, uma
elevao de 2,9 para 17,6 meses, no tempo mediano de sobrevida (TMS) aps o
diagnstico (PEZZOTTI, 1999). Outra investigao realizada nos EUA, com os
mesmos objetivos, mostrou que iniciar tratamento antirretroviral nos primeiros trs
meses aps o diagnstico eleva o TMS de 1,18 anos para 1,75 anos (SAAH, 1994).
Na Europa e Austrlia, entre 1983 e 1998, em 20 coortes estudadas, verificou-
se uma reduo de risco para a maioria das doenas definidoras de Aids comparando
os perodos de 1994-1996 e 1997-2001. A pneumonia por P. jiroveci, o sarcoma de
Kaposi e a candidase apresentaram reduo de risco de 78%, 77% e 70%,
respectivamente. A cryptosporidase e a citomegalovirose tiveram reduo do risco
de 96% e 90%, respectivamente, enquanto a tuberculose apresentou 59% de reduo,
com a adoo de quimioprofilaxia das doenas oportunistas e introduo da HAART
(BABIKER, 2002).
Se, por um lado, a introduo dos ARV trouxe um impacto favorvel na
perspectiva de controle do HIV/Aids, o seu uso contnuo associa-se a efeitos
adversos, alguns deles graves. Alm disso, a maior sobrevida torna mais frequente o
27
aparecimento de manifestaes decorrentes de coinfeces como as hepatites B e C
(GONZALES, 2003).
A introduo da HAART gerou tanto benefcios individuais medida que
aumenta a sobrevida e melhora a qualidade de vida, como coletivos, ao diminuir a
disseminao do vrus medida que reduz a carga viral das pessoas vivendo com
HIV (LAMPTEY, 2006).
No Brasil, a introduo dos ARV tambm apresentou grande impacto. Um
estudo referente ao perodo de diagnstico de Aids entre 1982 e 1989, em pacientes
adultos, estimou a sobrevida em 5,1 meses (CHEQUER, 1992). Outro estudo
analisou os casos de Aids diagnosticados nos anos de 1995 e 1996 e estimou a
sobrevida em 16 e 58 meses, respectivamente. Esse aumento de sobrevida foi
atribudo ao acesso universal ao tratamento antirretroviral (MARINS, 2003).
Estudo brasileiro mais recente, realizado nas regies Sul e Sudeste, entre
pacientes adultos com Aids, diagnosticados em 1998 e 1999, revelou que 59% deles
sobreviveram 108 meses. As caractersticas associadas ao aumento da sobrevida
foram: ser do sexo feminino, ter menos de 30 anos, e cor da pele branca. Os UDI
atingiram TMS de 72 a 84 meses e aos 108 meses a probabilidade acumulada de
sobrevida foi de 45%. Quando o diagnstico de Aids foi realizado pelo critrio
CD4 o paciente sobreviveu mais (71% em 108 meses) do que aqueles
diagnosticados com os critrios CDC modificado (44% em 108 meses) ou Rio de
Janeiro/Caracas (50% em 108 meses) (GUIBU, 2008).
O impacto da introduo dos ARV em So Paulo pode ser avaliado pela
queda de 23,0 para 8,0/100.000 hab. (65%) na taxa de mortalidade entre 1995 e
2007. Tambm se verificou queda na taxa de incidncia de 34,2 para 12,0/100.000
28
hab. (65%), entre 1998 e 2007. A queda na mortalidade ocorreu desde o incio da
terapia combinada, enquanto que na queda na incidncia, somente a partir de 1998,
um ano aps a introduo do esquema HAART (SES, 2008).
Outra pesquisa, focalizando o Estado de So Paulo, mostrou que a
probabilidade de sobrevida de dois anos passou de 11,5%, para indivduos com
diagnstico entre 1985 e 1990, para 66,5% para aqueles com diagnstico em 1997
(ANJOS, 2000). Estudo mais recente, abrangendo o perodo de 1998 a 2002, estimou
o tempo de progresso para Aids, entre infectados, em 10,3 anos e apontou, como
preditor desse desfecho o tipo de tratamento antirretroviral recebido, observando-se
menor probabilidade de progresso para Aids entre os pacientes que receberam
HAART por perodo igual ou superior a 50% do tempo de tratamento (BRAGA,
2006).
A efetividade dos antirretrovirais depende de uma infraestrutura tecnolgica
adequada e de uma rotina no atendimento de sade pautada no permanente
aprimoramento do conhecimento tcnico, para garantir melhor qualidade dos
servios prestados aos pacientes com HIV/Aids pela Sade Pblica (NEMES, 2004).
1.4. FATORES ASSOCIADOS SOBREVIDA
Os fatores mais frequentemente apontados como associados sobrevida entre
pacientes com Aids so: idade ao diagnstico, sexo, evento definidor do diagnstico,
condio socioeconmica, categoria de exposio, nveis de linfcitos T CD4+ e
29
carga viral poca do diagnstico, ano do diagnstico, esquema teraputico, acesso a
servios, teraputica e adeso ao tratamento (EGGER, 2002; PORTER, 2003;
SCHNEIDER, 2005; HAAL, 2006; STERNE, 2007).
1.4.1 Fatores sociodemogrficos e comportamentais
Alguns estudos, do perodo pr-HAART, apontam diferenas nas
manifestaes da infeco pelo HIV entre homens e mulheres, verificando-se entre
elas menor sobrevida, a maior incidncia de esofagite por Candida e menor
incidncia de sarcoma de Kaposi (ROTHENBERG, 1987; LEMP, 1992; COTON,
1998).
A menor sobrevida entre as mulheres foi atribuda a fatores como a idade e os
nveis de linfcitos T CD4+ poca do diagnstico inicial e o menor acesso aos
servios de sade, especialmente, teraputica especfica (LEMP, 1992;
CHAISSON, 1995). Deve-se considerar, tambm, a existncia de diferenas como
menor renda e grau de escolaridade do que os homens (COTON, 1998).
Estudos tm apontado que aumentaram as taxas de mortalidade, medida que
aumentou a idade na poca da soroconverso, correspondendo a acrscimos de 20%
a 45% a cada 10 anos de aumento na idade, tanto no perodo pr como ps-HAART,
(BABIKER, 2001).
As condies socioeconmicas tambm podem influenciar a sobrevida,
principalmente pela diferena ao acesso e/ou adeso ao tratamento com ARV, que
seria menor entre os segmentos mais pobres da populao, especialmente em relao
HAART (RAPITI, 2000; FORDYCE, 2002; WOOD, 2002; MCFARLAND, 2003).
30
No entanto, existe alguma controvrsia a respeito, medida que alguns autores
mostraram que elevada proporo de moradores de rua apresentava boa adeso
terapia ARV (BANGSBERG, 2000).
1.4.2 Condio clnica na poca do diagnstico e doena indicativa de
Aids
A melhora da sobrevida com a introduo dos ARV foi especfica por
infeco oportunista. O declnio do risco de bitos por pneumonia por P.jiroveci,
aps a introduo da zidovudina (AZT), situou-se em torno de 90%, enquanto que,
para bitos associados ao sarcoma de Kaposi, foi de 40%. O nvel de linfcitos T
CD4+ no momento do diagnstico foi outro fator que influenciou a sobrevida, o qual
foi duas vezes maior entre aqueles que apresentaram nveis de 200 cel/mm
comparados queles com 50 cel/mm. O tempo de sobrevida aps a introduo da
referida droga aumentou aproximadamente 40% (JACOBSON, 1993).
Estudo realizado nos EUA, entre 1989 e 1995, acompanhando pacientes com
Aids por tempo mdio de 30 meses, verificou que 35% deles evoluram para bito e,
dessa parcela, 21% no apresentaram nenhuma doena oportunista. O TMS geral foi
de 1.100 dias e as infeces mais comuns foram esofagite por Candida e pneumonia
por P.jiroveci. Aps ajuste pelo nvel dos linfcitos T CD4+, verificou-se que todas
as doenas oportunistas estavam associadas, independentemente ao risco de morrer
(CHAISSON, 1998).
31
1.5 PERODO DE INCUBAO DA AIDS
A mensurao do perodo de incubao da Aids, que expressa o intervalo de
tempo entre o momento da infeco e o desenvolvimento dos sintomas clnicos,
constitui tarefa rdua, mas relevante para a perfeita descrio da doena, e
fundamental para estimar a magnitude e durao da epidemia (MUOZ, 1989).
Os estudos de coorte, que em seu incio selecionam indivduos no infectados
pelo HIV, permitem identificar as pocas da soroconverso e do evento definidor da
Aids. Esses estudos so tambm conhecidos como estudos de soroconversores e so
os que permitem melhor estimar a durao do perodo de incubao. Tais estimativas
apresentam maiores limitaes quando efetuadas em estudos que incluem indivduos
j infectados, mas sem a doena, ou seja, os estudos com soroprevalentes (PORTER,
2000).
Estudo longitudinal, em perodo anterior introduo dos ARV, utilizando
dados de 233 pacientes soroconversores e de 1.628 soroprevalentes, da mesma
coorte, estimou que o perodo de incubao foi de 11 anos para homens que fazem
sexo com homens (HSH) (MUOZ, 1989). Outras estimativas efetuadas entre HSH,
antes da introduo dos ARV, indicaram que o perodo de incubao variava de 9,5 a
10,7 anos (TAYLOR, 1990).
Devido ao efeito da idade poca da soroconverso e s diferenas entre as
doenas definidoras de Aids em grupos distintos, o perodo de incubao pode diferir
em cada um desses grupos. Dados de literatura apontam variao de 8,3 a 10,7 anos
entre HSH, de 10,2 a 11,6 anos entre UDI e de 12,6 a 16,5 anos entre hemoflicos. A
32
idade poca da soroconverso um dos nicos fatores fortemente associados
durao do perodo de incubao. possvel que os indivduos mais jovens
apresentem perodos de incubao mais longos (MUOZ, 1997).
Embora o ensaio clnico aleatorizado seja o padro ouro entre os tipos de
estudo para comparar esquemas teraputicos, estes no fornecem estimativas do
impacto do tratamento na populao infectada, pelo fato de seus resultados se
aplicarem apenas populao participante do ensaio. Os estudos observacionais,
tanto com soroconversores quanto com soroprevalentes podem estimar indiretamente
para a populao a durao do perodo de incubao e a sobrevida com Aids, bem
como suas mudanas ao longo do tempo e associ-las com mudanas nos esquemas
teraputicos. A melhora da sobrevida pode, entretanto, ser superestimada, embora
geralmente se realize um ajuste para marcadores biolgicos (nveis de linfcitos T
CD4+ e carga viral) no momento de entrada no estudo. Coortes de soroprevalentes
possuem um nmero maior de indivduos e podem detectar mudanas at em
perodos mais recentes, mas os achados devem ser relacionados com a poca da
soroconverso (PORTER, 2000).
Antes da introduo da HAART a idade na poca da soroconverso e o tempo
decorrido desde a infeco eram considerados como os principais fatores associados
progresso para Aids e bito (BABIKER, 2000). Aps o advento da HAART,
Porter et al. (2003) observaram associao entre categoria de exposio e perodo
calendrio da infeco pelo HIV. Neste estudo, os riscos foram cada vez menores em
trs perodos calendrios (pr-HAART, incio de uso da HAART e uso difundido de
HAART) sendo que o risco foi maior entre UDI. Entretanto, a importncia da idade e
33
da categoria de exposio como determinantes de progresso para Aids ou bito
parecem ter mudado ao longo dos perodos calendrio.
Um estudo realizado nos EUA, entre 1996 e 2001, identificou como fatores
relacionados progresso para Aids e bito, a raa, a idade ao diagnstico e a
categoria de exposio (HAAL, 2006).
Outro estudo realizado na mesma poca encontrou diferenas de mortalidade
segundo a raa/etnia e tambm entre os nveis socioeconmicos dos locais de
residncia. Os indivduos negros e de renda inferior tiveram menor sobrevida
(ARNOLD, 2009).
Mtodos para estimar a durao do perodo de incubao, atravs das
estimativas das datas individuais de soroconverso, baseada em marcadores (clulas
T CD4+ e carga viral) na poca de entrada no estudo, aprimoram a qualidade dos
dados de coortes de soroprevalentes. Esse mtodo foi utilizado em um estudo de
coorte de soroprevalentes, em Amsterdam, focalizou indivduos HSH e mostrou que
a idade na poca da soroconverso um cofator significante para a durao do
perodo de incubao; tal resultado no foi encontrado nos estudos que incluem
somente os soroconversores (GESKUS, 2000).
Os estudos de soroconversores, onde os indivduos so acompanhados at
desenvolverem Aids e deste evento at o bito, podem identificar os efeitos de
diferentes tipos de tratamento no perodo de incubao e na sobrevida com Aids, em
diferentes perodos calendrio. Comparando o perodo em que o HAART era
disponvel com aquele em que se usava a monoterapia, observou-se queda expressiva
da incidncia de Aids e bitos entre pessoas da mesma idade e infectadas mesma
poca (DETELS, 1998). No mesmo estudo observou-se, fazendo comparao
34
semelhante, reduo de 81% no risco de ocorrncia de infeco oportunista
definidora de Aids (DETELS, 2001).
O impacto da introduo da HAART em diferentes grupos da mesma
populao no homogneo ao longo do tempo, sendo necessrio comparar a
progresso da doena em pessoas infectadas durante o mesmo perodo de tempo em
diferentes perodos do calendrio. A efetividade do tratamento na populao fornece
uma medida indireta da acessibilidade, utilizao dos servios e adeso aos
tratamentos. Na Espanha, um estudo com soroconversores, acompanhados por vinte
anos, mostrou que o impacto da HAART foi menor em UDI do que em HSH e maior
em mulheres (PREZ-HOYOS, 2003).
1.6 O MOMENTO IDEAL PARA O INCIO DA HAART
O melhor momento para iniciar a HAART ainda no est bem estabelecido,
contudo estudos sugerem benefcios mais duradouros quando a terapia iniciada
bem antes dos nveis de linfcitos T CD4+ atingirem 200 cel/mm, isto , com menor
comprometimento da funo imunolgica. Wood et al. (2005) verificaram um risco
menor de evoluo para Aids entre pessoas cuja terapia foi iniciada com nveis de
linfcitos T CD4+ entre 350 e 500 cel/mm do que entre pessoas que iniciaram a
terapia com nveis abaixo de 200 cel/mm.
Pacientes, cujo tratamento antirretroviral foi iniciado quando os nveis de
linfcitos T CD4+ encontrados eram menores, podem apresentar posteriormente
35
dficits persistentes na funo imunolgica, apesar da restaurao substancial de seus
nveis de linfcitos T CD4+, e esta nunca foi comparvel restaurao dos que
receberam tratamento em fase mais precoce da doena. Alm disso, outros benefcios
do incio precoce do tratamento foram verificados, como a reduo da incidncia e
da transmissibilidade do HIV (WANG, 2007; KITAHATA, 2009; STERNE, 2009).
O momento ideal de iniciar terapia antirretroviral para pessoas infectadas pelo
HIV de grande importncia tanto para a clnica como para a sade pblica. Os
benefcios potenciais da terapia antirretroviral devem ser comparados com possveis
efeitos adversos destas drogas, decorrentes da introduo precoce do tratamento,
incluindo o desenvolvimento de distrbios metablicos, cardiovasculares e
emergncia de vrus resistentes s drogas, com consequente exausto das terapias
efetivas remanescentes. As pessoas que iniciaram a terapia durante o perodo de
incubao, com nveis de linfcitos T CD4+ mais elevados, apresentaram maior
probabilidade de alcanar carga viral indetectvel (PALELLA, 2003).
No Brasil, existem poucos estudos com infectados pelo HIV, sem Aids, ou
seja, no perodo de incubao, que revelem o possvel impacto do incio do
tratamento com ARV na dinmica da epidemia (FONSECA, 1999; BARBOSA e
STRUCHINER, 2003; BRAGA, 2005).
O Ministrio da Sade do Brasil recomenda o incio da terapia antirretroviral
associada quimioprofilaxia para infeces oportunistas, para todos os pacientes
com manifestaes clnicas de Aids, independentemente da contagem de linfcitos T
CD4+ e da carga viral plasmtica, e para aqueles com contagem de linfcitos T
CD4+ abaixo de 200 clulas/mm, independentemente da presena de sintomas ou da
magnitude da carga viral (MINISTRIO DA SADE, 2008).
36
Para indivduos assintomticos com contagem de linfcitos T CD4+ entre 200
e 350 cel/mm3, o tratamento passou a ser recomendado em 2009 e, tambm,
indicado nas situaes onde no for possvel o acompanhamento laboratorial
frequente (contagens de linfcitos T CD4+ e da carga viral no mnimo trs vezes ao
ano). O tratamento deve ser institudo caso a contagem de linfcitos T CD4+
apresente queda significativa (maior que 25%) ou se prxima a 200 clulas/mm,
especialmente se associada carga viral plasmtica elevada (maior que 100.000
cpias/mm), idealmente antes que ocorram manifestaes clnicas (MINISTRIO
DA SADE, 2008).
Para indivduos assintomticos com contagem de linfcitos T CD4+ acima de
350 cel/mm, o incio da terapia no recomendado porque os benefcios no esto
suficientemente claros para contrabalanar potenciais riscos da terapia
(MINISTRIO DA SADE, 2008).
Quanto ao tipo de drogas a utilizar, o consenso recomenda que a terapia
inicial sempre deva incluir trs drogas: dois inibidores da transcriptase reversa
anlogos de nucleosdeo (ITRN) associados a um inibidor de transcriptase reversa
no-anlogo de nucleosdeo (ITRNN) (primeira opo) ou a um inibidor da protease
(IP). Esquemas duplos (apenas com dois ITRN) so contra-indicados.
Quanto s drogas de escolha, para incio de tratamento, esto a associao
Zidovudina (AZT) e Lamivudina (3TC) entre os anlogos nucleosdeos (ITRN), o
Efavirenz (EFZ) entre os inibidores no anlogos (ITRNN) e o Atazanavir (ATV) e o
Lopinavir (LPV), potencializados com Ritonavir (ATV/r e LPV/r) entre os inibidores
de protease (IP). As drogas que compem o esquema antirretroviral escolhido devem
ser iniciadas ao mesmo tempo e em doses completas.
37
Para os pacientes que j estejam utilizando terapia dupla, mesmo aqueles que
se encontram estveis, sob o ponto de vista clnico, imunolgico e virolgico,
recomenda-se modificar o esquema duplo para triplo, pois a terapia dupla no ideal
em termos de supresso viral e evolui mais rapidamente para falha teraputica
(MINISTRIO DA SADE, 2008).
38
2 HIPTESES
2.1 O tempo de progresso da infeco pelo HIV at a Aids foi ampliado
com a introduo de diferentes esquemas teraputicos com antirretrovirais, sendo que
essa ampliao mostrou-se heterognea segundo o sexo, idade, ano calendrio e
categorias de exposio.
2.2 O tempo de progresso da Aids at o bito foi ampliado com a
introduo de diferentes esquemas teraputicos com antirretrovirais, de forma
heterognea segundo o sexo, idade, ano calendrio e categorias de exposio.
39
3 OBJETIVOS
3.1 Objetivo geral
Analisar o impacto da introduo das terapias antirretrovirais na
progresso para Aids e bito.
3.2 Objetivos especficos
3.2.1 Estimar a mediana do tempo de progresso da infeco pelo HIV at a
Aids segundo os tipos de esquemas teraputicos, em pacientes com 13
anos ou mais, residentes no municpio de So Paulo e pertencentes a
uma coorte de pacientes infectados pelo HIV sem Aids, selecionada
entre 1988 e 2003 e seguida at 2005.
3.2.2 Estimar a mediana do tempo de progresso da Aids at o bito,
segundo o perodo do diagnstico de Aids (de 1988 a 1993; de 1994 a
1996 e de 1997 a 2003), em pacientes com 13 anos ou mais, residentes
no municpio de So Paulo e pertencentes a uma coorte de pacientes
com Aids, selecionada entre 1988 e 2003 e seguida at 2005.
40
3.2.3 Investigar fatores associados ao tempo de progresso da infeco pelo
HIV at a Aids e desta at o bito, tomando como exposies de
interesse os tipos de esquemas teraputicos disponveis por perodo
calendrio, categorias de transmisso, sexo, idade, primeira contagem
de linfcitos T CD4+ realizada durante o acompanhamento.
3.2.4 Estimar as taxas de incidncia de Aids e de mortalidade, ano a ano,
durante o perodo de interesse.
41
4 MATERIAL E MTODOS
4.1 TIPO DE ESTUDO
Trata-se de um estudo de coorte retrospectivo de indivduos portadores de
infeco pelo HIV com e sem Aids, matriculados e acompanhados no CRT-
DST/AIDS-SES, no perodo de 1988 a 2005.
4.2 REA E LOCAL DE ESTUDO
A rea de estudo o municpio de So Paulo, maior centro urbano brasileiro,
com cerca de 10 milhes de habitantes, constituindo uma das reas mais
desenvolvidas do pas, de elevada renda per capita, mas com disparidades sociais
que podem ser identificadas pela ampla variao do ndice de Desenvolvimento
Humano (IDH) dos seus distritos (DRUMOND, 1996; FARIAS, 2002). Dispe de
ampla rede bsica de servios de sade articulada com centros de atendimento de
mdia e elevada complexidade.
Foi no municpio de So Paulo que, em meados dos anos 80, se identificaram
os primeiros casos de Aids registrados no pas e onde, at hoje, se concentra parte
significativa dos casos notificados em todo o territrio nacional (17%) e no estado de
So Paulo (39%) (MINISTRIO DA SADE, 2008; SES, 2008). O Programa
42
Estadual de AIDS (PE/AIDS) de So Paulo foi criado em 1983, tendo sido pioneiro
na Amrica Latina e em 1993 ocorreu a juno dos programas estaduais de Doenas
sexualmente transmissveis (DST) e de Aids, o que deu origem ao Programa Estadual
de DST/AIDS (PE-DST/Aids).
No municpio de So Paulo, como em todo territrio nacional, o acesso ao
diagnstico e tratamento da Aids universal e gratuito. Os polos de atendimento
mdico de Aids especializados, no municpio, so: o Centro de Referncia e
Treinamento DST/AIDS-SES, o Instituto de Infectologia Emilio Ribas, a Casa da
AIDS do Hospital das Clnicas da FMUSP e o Hospital So Paulo da UNIFESP.
Alm deles, existem dois ambulatrios de especialidades, nove Centros de Testagem
e Aconselhamento, dez Servios de Assistncia Especializada e trs Centros de
Referncia de AIDS da Secretaria Municipal de Sade.
O local de estudo foi o CRT-DST/AIDS-SES, rgo criado em 1988,
vinculado Secretaria de Estado da Sade de So Paulo com a atribuio de sediar a
coordenao do Programa Estadual de DST/AIDS. Alm disso, desenvolve aes de
preveno e assistncia s DST/AIDS e de monitoramento da epidemia no mbito
estadual.
Por ser um Centro de Referncia, atende pacientes residentes no municpio de
So Paulo e adjacentes e desde o incio da formao da clientela a populao
atendida era predominantemente do sexo masculino, situados na faixa etria de 30 a
49 anos de idade, sendo a maioria homens que faziam sexo com homens (HSH), com
alta escolaridade. At o final de 2005, houve reduo proporcional dos casos entre
HSH e UDI e aumento dos casos de heterossexuais, embora os HSH tenham
permanecido como a maior parcela neste Centro de Referncia.
43
4.3 POPULAO DE ESTUDO
A populao de estudo abrangeu uma coorte de pacientes de ambos os sexos,
com 13 anos ou mais de idade, residentes no municpio de So Paulo, portadores de
infeco pelo HIV com e sem Aids e primeira sorologia positiva realizada entre
01/01/1988 e 31/12/2003. Todos eram matriculados no ambulatrio do Centro de
Referncia e Treinamento DST/AIDS-SES e parte deles era tambm atendida no
Hospital-Dia ou internao da mesma instituio.
4.3.1 Origem da coorte de pacientes estudada
A coorte estudada na presente pesquisa foi formada pelos pacientes
matriculados no ambulatrio do Centro de Referncia e Treinamento DST/AIDS-
SES cuja primeira sorologia positiva para HIV foi realizada a partir de 1988. Em
1990, foi criada, por iniciativa da equipe da Diviso de Vigilncia Epidemiolgica
(VE) do CRT-DST/AIDS-SES, uma base de dados que incluiu informaes obtidas
desde 1988. Foi dessa base de dados que se extraiu a maior parte das informaes
utilizadas nesta investigao.
A formao da referida base de dados se deu com informaes levantadas a
partir de consultas regulares a pronturios dos pacientes em acompanhamento no
Ambulatrio, Hospital-Dia e Internao do CRT com a finalidade de identificar
aqueles com diagnstico de infeco pelo HIV com ou sem Aids. Originalmente os
44
objetivos eram os de identificar casos no notificados e o de criar uma base
informatizada com dados sociodemogrficos, comportamentais, clnicos,
laboratoriais, teraputicos e epidemiolgicos no disponveis na ficha de notificao
do SINAN-AIDS e de fornecer dados para estudos epidemiolgicos. Essa base de
dados foi armazenada eletronicamente utilizando o software EPI INFO, recebendo a
denominao de Sistema Informatizado de Controle de Notificao de Casos Ficha
de Acompanhamento Ambulatorial (Sistema-FAA). Em 1998, a mesma foi
convertida de EPI INFO para o software Borland-Delphi.
No perodo de 1988 a 2000, foram includas no Sistema-FAA informaes
referentes a todos pacientes atendidos no CRT-DST/AIDS-SES, desde 1980, com
diagnstico de infeco pelo HIV com ou sem Aids, atravs de digitao rotineira e
sistemtica, realizada por equipe tcnica treinada pela VE, composta por mdicos e
enfermeiros.
A partir do ano 2000, em virtude da elevada demanda, passaram a ser
includos no Sistema FAA somente 50% dos pacientes atendidos no ambulatrio do
CRT com diagnstico de infeco pelo HIV. O critrio seguido foi o de incluir
somente pacientes cujos pronturios tivessem numerao mpar para os meses
mpares e numerao par para os meses pares. Essa base de dados inclua ao final de
2003, 15.663 pacientes com infeco pelo HIV, com ou sem Aids, correspondendo a
85,7% do total de 18.272 atendidos entre 1988 a 2003 (figura 4).
45
Figura 4 - Diagrama da formao da coorte
CRTDST/AIDSSES
Total de pacientes adultos atendidos no
Ambulatrio de HIV / AIDS, Internao e Hospitaldia
at final do ano 2003 = 18.272
Sistema FAA da Vigilncia Epidemiolgica
n = 15.663 pacientes
Formao do Sistema FAA:
Critrios:
a) todos os pacientes, at ano 2.000, n = 13.054
b) pronturios pares nos meses pares e
mpares nos meses mpares, aps ano 2000, n = 2609
4.4 CONCEITOS E DEFINIES
4.4.1 Definio de infeco pelo HIV
Adotou-se como definio de caso de soropositividade para HIV, a definio
vigente no Brasil na poca do estudo, isto , todo indivduo com 13 anos de idade ou
mais, com resultados positivos a dois testes de triagem (ELISA) e, sequencialmente
positivo a um terceiro teste confirmatrio (Western-Blot, Imunofluorescncia Indireta
46
ou PCR), de acordo com os critrios propostos pelo Ministrio da Sade
(MINISTRIO DA SADE, 1987).
O fluxograma de diagnstico laboratorial foi modificado em 2003, quando
passou a ser possvel determinar a soropositividade com apenas um teste ELISA e
um confirmatrio positivo (MINISTRIO DA SADE, 2003).
4.4.2 Definio de caso de Aids em adulto
Definiu-se como caso de Aids em adulto, todo indivduo com 13 anos de
idade ou mais, infectado pelo HIV e que apresente, pelo menos, uma doena
indicativa de Aids e/ou nveis de linfcitos T CD4+ abaixo de 350 clulas/mm3,
independentemente da presena de outras causas de imunodeficincia.
Durante o perodo de estudo houve vrias modificaes da definio de caso
de Aids propostas pelo Ministrio da Sade. Neste estudo seguimos cada uma delas
para os respectivos perodos de vigncia. De 1988 a 1992 adotou-se a definio de
caso de Aids proposta pelos Centers for Disease Control and Prevention (CDC),
Atlanta, EUA, modificada em 1986 para as condies diagnsticas, laboratoriais e
clnicas existentes no Brasil (MINISTRIO DA SADE, 2004). Em 1992, foi
introduzida a pontuao para sinais, sintomas e doenas, confirmando casos quando a
somatria perfazia no mnimo dez pontos (Critrio Rio de Janeiro/Caracas)
(MINISTRIO DA SADE, 2004).
A partir de 1996, os casos de Aids em adultos passaram a ser confirmados
mesmo na ausncia de comprovao laboratorial de infeco pelo HIV, incluindo
47
bitos mal definidos, com quadro clnico suspeito de Aids e tambm casos com
manifestao do Complexo Relacionado com Aids (ARC). Em 1998, pacientes com
nveis de linfcitos T CD4+ abaixo de 350 cel/mm e carcinoma cervical invasivo,
em indivduos do sexo feminino com 13 anos de idade ou mais, passam a ser
confirmados como caso Aids. Em 2004, houve a incluso da reativao da doena de
Chagas na lista de doenas indicativas de Aids (MINISTRIO DA SADE, 2004).
4.4.3 Conceito de categorias de exposio
As categorias de exposio para a transmisso do HIV foram hierarquizadas e
classificadas de acordo com os critrios do Ministrio da Sade (MINISTRIO DA
SADE, 2000; 2002) em: 1) Heterossexual: paciente cujo nico risco identificado de
exposio por meio de relaes sexuais com o sexo oposto; 2) HSH: incluem
homossexual, paciente do sexo masculino cujo nico risco identificado de exposio
por meio de relaes sexuais com homens e bissexual, cujo nico risco identificado
de exposio por meio de relaes sexuais com indivduos de ambos os sexos; 3)
UDI: categoria onde o maior risco identificado de infeco o decorrente do uso de
drogas injetveis, que sobrepuja os demais riscos.
4.4.4 Esquemas de tratamento
Os esquemas de tratamento foram classificados em trs categorias: 1)
Monoterapia exclusivamente, 2) Terapia combinada (dupla, ou trplice) constituda
48
por inibidor no nucleosdico da transcriptase reversa (ITRNN), precedida ou no de
monoterapia, 3) HAART, precedida ou no de outros esquemas. Foi considerada
HAART o tratamento com esquema trplice com um medicamento ITRNN ou com
um inibidor de protease, associado a, no mnimo, dois inibidores nucleosdicos da
transcriptase reversa (ITRN) (MINISTRIO DA SADE, 2006). Para as anlises,
agrupou-se a monoterapia e a combinada, denominando-as como terapia
antirretroviral sem HAART (TARV sem HAART).
Os indivduos que utilizaram diversos esquemas sucessivamente foram
classificados como usurios do esquema mais complexo. Os pacientes foram
categorizados em trs grupos: i) no tratados, ii) que utilizaram TARV e iii)
HAART, obedecendo a um perodo mnimo de 30 dias de uso consecutivo dos
esquemas. Esta classificao tambm foi utilizada por diversos autores (DETELS e
MUOZ, 1998; PALELLA, 2003; SCHNEIDER e MUOZ, 2005).
4.5 CRITRIOS DE INCLUSO
Foram includos no grupo de pacientes infectados pelo HIV, mas sem Aids,
somente aqueles que se mantiveram nessa condio pelo tempo mnimo de 12 meses,
a partir de sua incluso no estudo. Consideramos como data da incluso dessa
populao no estudo aquela em que ocorreu a confirmao do diagnstico mediante
sorologia positiva para o HIV.
Foram includos no grupo de pacientes infectados pelo HIV e com Aids,
aqueles que preenchiam os critrios de definio de caso de Aids adulto poca da
49
incluso no estudo ou, ainda, aqueles que poca da incluso no estudo mostravam-
se infectados pelo HIV sem Aids, mas que evoluram para a doena em at 12 meses,
aps o diagnstico da infeco pelo HIV. Consideramos como data da incluso dessa
populao no estudo aquela em que ocorreu a confirmao do diagnstico de Aids.
4.6 CRITRIOS DE EXCLUSO
Foram excludos do estudo os pacientes com as seguintes caractersticas: i) os
que foram infectados por transmisso materno-infantil notificados com 13 anos de
idade ou mais, ou atravs de transfuso sangunea; ii) aqueles cujo bito ocorreu at
trinta dias aps o diagnstico de Aids; iii) os que compareceram ao servio em
apenas uma ocasio, isto , com atendimento nico ou que foram acompanhados por
perodo inferior a 30 dias.
4.7 CRITRIO DE PERDA DE SEGUIMENTO
A censura ocorreu em trs situaes: i) pacientes que em 31/12/2005, data
de encerramento do estudo, estavam vivos e em seguimento (censura administrativa);
ii) pacientes que morreram por outra causa que no a Aids, neste caso a censura foi
registrada na data do bito; iii) pacientes que abandonaram o seguimento, isto ,
aqueles que no retornaram ao servio, quando decorrido um ano aps a ltima
consulta e, neste caso, a censura foi registrada na data do ltimo atendimento.
50
4.8 FONTES DE DADOS
A fonte de dados principal foi o Sistema Informatizado de Controle de
Notificao de Casos Ficha de Acompanhamento Ambulatorial (Sistema-FAA), do
CRT-DST/AIDS-SES.
As fontes de dados complementares foram:
i) Servio de Arquivo Mdico (SAME) do CRT-DST/AIDS-SES.
ii) Base Integrada Paulista de Aids (BIP-AIDS) criada a partir da base de
dados de bitos da Fundao Sistema Estadual de Anlise de Dados (SEADE) e do
Sistema de Informao de Agravos de Notificao (SINAN-AIDS) do Programa
Estadual de So Paulo (PE DST/AIDS), elaborado em conjunto pelas duas
instituies, com o propsito de melhorar a qualidade das informaes sobre a
epidemia da Aids no Estado de So Paulo (WALDVOGEL, 2006).
iii) Ministrio da Sade
Base de dados criada pelo Programa Nacional de Aids por meio do
relacionamento do Sistema de Controle de Exames Laboratoriais
(SISCEL) com o (SINAN-AIDS) da VE do PE DST/AIDS de So
Paulo.
Base de dados criada pelo Programa Nacional de Aids atravs do
relacionamento do Sistema de Controle Logstico de Medicamentos
(SICLOM) com o (SINAN-AIDS) da VE do PE DST/AIDS de So
Paulo.
51
4.9 PREPARAO DO BANCO DE DADOS E INSTRUMENTOS
DE COLETA DOS DADOS
A seleo dos indivduos que formaram o grupo estudado foi feita a partir dos
15.663 pacientes matriculados no ambulatrio do CRT e que compunham a base de
dados do Servio de Epidemiologia do CRT (Sistema-FAA) entre 01 de janeiro de
1988 e 31 de dezembro de 2003.
Para a criao do banco de dados analisado neste estudo, em uma primeira
etapa, relacionou-se a base de dados formada por 15.663 pacientes do Sistema-FAA
com a BIP-AIDS pelo mtodo de relacionamento (linkage) determinstico que faz a
identificao nominal em duas ou mais bases de dados (ALMEIDA, 2008).
Na segunda etapa, relacionou-se o Sistema-FAA com o produto do
relacionamento do SINAN-AIDS da VE do PE DST/AIDS de So Paulo com o
SISCEL pelo mtodo de relacionamento probabilstico com a finalidade de recuperar
registros de nveis de linfcitos T CD4+ e de cargas virais.
Na terceira etapa, relacionou-se o Sistema-FAA com o produto do SINAN-
AIDS da VE do PE DST/AIDS de So Paulo com o SICLOM pelo mtodo de
relacionamento probabilstico com a finalidade de recuperar registros de tratamentos
antirretrovirais com as respectivas datas de incio de uso.
Nestas trs etapas foram recuperadas, complementadas e validadas as
informaes neles existentes.
O banco resultante dessas trs etapas que constitui a base de dados da coorte,
objeto do presente estudo, foi submetido anlise de consistncia e completude,
52
confrontando-o com uma amostra aleatria de 100 pronturios. Selecionaram-se as
informaes relativas ao sexo, escolaridade e categoria de exposio, contidas nos
100 pronturios e compararam-se com os dados existentes nesse banco, aplicando-se
a estatstica Kappa, um teste de reprodutibilidade do banco de dados cuja medida de
concordncia encontrada foi valor igual a 1.
Na quarta etapa, formou-se uma equipe de mdicos e enfermeiros,
devidamente treinada, a qual recuperou, nos pronturios, informaes no
disponveis nas fontes que formaram o banco de dados deste estudo. Foram ento
completadas informaes referentes escolaridade (1.475 pacientes), categoria de
exposio (749 pacientes), alm da confirmao das datas de nascimento, matrcula e
datas de diagnstico de infeco pelo HIV, de Aids, datas de incio da terapia com
ARV, esquemas teraputicos e de infeces oportunistas (126 pacientes).
Foi utilizado um instrumento de coleta complementar de dados, quando o
banco apresentou valores ignorados ou inconsistentes, por exemplo, se havia alguma
informao sobre o paciente que o qualificava como vivo, mas que constava a data
de bito, ou se havia categoria de exposio HSH em paciente do sexo feminino
(Anexo 2). Foi tambm realizado um pr-teste, com o preenchimento de 20
questionrios, para avaliar esse instrumento em pacientes includos no estudo.
4.10 VARIVEIS DE ESTUDO
As variveis de estudo foram: caractersticas sociodemogrficas (sexo, idade
no diagnstico, escolaridade e local de residncia), comportamentais (categorias de
53
exposio para a transmisso do HIV); caractersticas relativas ao diagnstico (ano
calendrio da infeco pelo HIV ou do diagnstico de Aids, critrio de diagnstico,
primeira contagem de linfcitos T CD4+ e primeira dosagem de carga viral);
caractersticas relativas teraputica (uso de ARV e esquemas teraputicos);
incidncia de Aids, tempo de progresso da infeco pelo HIV at a Aids, tempo de
progresso a partir do diagnstico de Aids at o bito associado Aids.
4.11 ANLISE DOS DADOS
Inicialmente foi realizada uma anlise descritiva da populao estudada no
perodo de interesse. Foram observadas as distribuies das variveis categricas e
contnuas, exame dos casos com ou sem desfecho e com verificao da consistncia
dos dados.
As incidncias de Aids e da mortalidade a ela associada, na populao
estudada, foram estimadas tomando-se como numerador, respectivamente, os casos
novos e os bitos e, como denominador, o total de pessoas-tempo em risco para o
evento em meses (SZKLO, 2004).
Na anlise da Coorte So Paulo-HIV considerou-se como varivel principal o
esquema teraputico.
Na anlise da Coorte So Paulo-Aids a varivel considerada como principal
foi o perodo calendrio, que foi utilizado como proxy dos esquemas teraputicos que
54
refletem as mudanas na disponibilidade de drogas ARV no servio, servindo como
parmetro de efetividade populacional (DETELS, 1998; MOCROFT, 2003; PREZ-
HOYOS, 2003; SCHNEIDER, 2005).
4.11.1 Anlise do tempo at o evento
Para a anlise do tempo at o evento (tempo livre de Aids e tempo de sobrevida
com Aids) foi utilizado, inicialmente, o estimador produto limite de Kaplan-
Meier (KAPLAN e MEIER, 1958). Para comparar o tempo at o evento entre
dois ou mais grupos, foi utilizado o teste log-rank (MANTEL, 1966). Quando a
varivel apresentou mais de duas categorias que permitiram ordenao foi
calculado o teste log-rank para tendncia (PETO, 1977).
O tempo livre de Aids foi determinado pelo intervalo, contado em meses, entre a
data de diagnstico da infeco pelo HIV e a data do diagnstico de Aids
(ocorrncia do evento de interesse) ou a censura, para os pacientes que poca
do ingresso no estudo apresentavam-se infectados pelo HIV, porm sem Aids. As
curvas de Kaplan-Meier foram apresentadas segundo os esquemas de tratamento
registrados nos pronturios.
O tempo de sobrevida com Aids foi determinado pelo intervalo, contado em
meses, entre a data de diagnstico de Aids e a data de bito (ocorrncia do evento
de interesse) ou a censura, para os pacientes que poca do ingresso no estudo
55
apresentavam-se com Aids ou ainda, para aqueles que ingressaram somente
infectados, mas que evoluram para doena durante o seguimento. As curvas de
Kaplan-Meier foram apresentadas segundo os perodos de diagnstico de Aids:
1988-1993; 1994-1996; 1997-2003. Esses intervalos correspondem,
respectivamente, aos perodos em que se iniciou a disponibilizao de
monoterapia, terapia combinada e HAART no CRT-DST/AIDS.
Posteriormente, para a investigao da associao entre as exposies de
interesse e os desfechos Aids e bito relacionado a Aids, foram aplicados o modelo
de riscos proporcionais de Cox (COX, 1972), utilizando a razo das funes de risco
hazard ratio (HR), com seus respectivos intervalos de confiana (IC= 95%). Os
testes de hiptese sobre os parmetros estimados foram realizados utilizando o teste
da razo de verossimilhanas likelihood ratio test (TRV) (MARUBINI e
VALSECCHI, 1995), e foi considerado o nvel de significncia para rejeio da
hiptese nula valores de p iguais ou menores que 5%.
A incluso da varivel no modelo multivariado final foi baseada na sua significncia
estatstica na anlise univariada da regresso de Cox (p< 0,25). Permaneceram no
modelo multivariado final as variveis principais, que para o desfecho Aids foi o
esquema teraputico e para o desfecho bito foi o perodo de diagnstico de Aids.
Tambm permaneceram no modelo final as covariveis estatisticamente significantes
e as que foram consideradas confundidoras para outras variveis includas no
modelo.
56
O modelo de Cox tem como pressuposto que os HR para uma varivel
independente sejam proporcionais no decorrer do tempo. Foi utilizado o mtodo
grfico do (-ln(-ln(S(t)))) em funo do logaritmo natural do tempo de observao
para cada uma das variveis do modelo final, como estratgia para avaliao da
proporcionalidade dos riscos, o qual pressupe o paralelismo das curvas
(KLEINBAUM, 1996).
Foi tambm utilizada para a verificao do ajuste, a anlise de resduos de
Schoenfeld, que utiliza uma estatstica qui-quadrado com um grau de liberdade (GL),
baseada nas proporcionalidades de sobrevida observadas e esperadas, estimadas sob
a hiptese de nulidade de proporcionalidade do modelo (MARUBINI e
VALSECCHI, 1995; KLEINBAUM, 1996).
4.12 PROGRAMAS UTILIZADOS
Foram utilizados os programas Epi Info TM verso 3.4.3 para digitao
complementar de dados e o STATA verso 10.0 para a anlise de sobrevida.
57
4.13 CONSIDERAES TICAS A RESPEITO DO PROJETO
A pesquisa observou as recomendaes da Resoluo CNS n 196/96
Conselho Nacional de Sade Comisso Nacional de tica em Pesquisas CONEP
e teve incio somente aps a aprovao do protocolo pelo Comit de tica em
Pesquisa do Centro de Referncia e Treinamento de DST/AIDS (Protocolo CEP N
211/06) e pelo Comit de tica da Faculdade de Sade Pblica da USP (Protocolo
CEP N 1612).
Os autores do estudo se comprometem a garantir o sigilo e a
confidencialidade dos dados obtidos durante a pesquisa e de utiliz-los
exclusivamente para os objetivos propostos pelo projeto. Os pesquisadores assumem,
tambm, a responsabilidade de divulgar os resultados da presente pesquisa aos
setores interessados, assim como em publicaes cientficas da rea.
58
5 RESULTADOS
__________________________________________________________________________
5.1 FORMAO DAS COORTES ESTUDADAS
Do total de 15.663 pacientes da base de dados Sistema-FAA, com base nos
critrios estabelecidos pela pesquisa, no cumpriram os critrios de incluso 4.398
indivduos cuja sorologia confirmatria revelou-se negativa e 634 pacientes que
apresentaram data de sorologia fora do perodo do estudo. Alem disso, foram
excludos 80 pacientes, cuja categoria de exposio era transmisso vertical ou
transfuso sangunea, 147 cujo bito ocorreu na data de diagnstico de Aids e 2.814
pacientes que possuam comparecimento nico ao servio (Figura 6). Com esses
procedimentos foram selecionados 7.590 pacientes infectados pelo HIV sem e com
Aids que passaram a formar a Coorte So Paulo de HIV/Aids (CSP-HIV/Aids).
Essa coorte era formada por dois grupos, o primeiro constitudo de 1.879
pacientes que no momento do ingresso no estudo estavam infectados pelo HIV, mas
sem Aids e assim permaneceram por ao menos 12 meses; o segundo grupo formado
poca da seleo por 5.711 pacientes infectados pelo HIV e com Aids. Dos 1879
pertencentes ao primeiro grupo, 981 evoluram para Aids durante o
acompanhamento. Destes ltimos, 883 passaram a ser seguidos como participantes
do segundo grupo, por terem evoludo para Aids antes de 31/12/2003. Portanto, ao
final do perodo de observao, este segundo grupo totalizava 6.594 pacientes, ou
seja, os 5.711 existentes poca da seleo, acrescido dos 883 (Figura 5).
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Figura 5 - Diagrama da formao dos dois grupos includos no estudo
Sistema FAA da Vigilncia Epidemiolgica
n = 15.663 pacientes
Excluso: a) 80
pacientes com
transmisso vertical
ou por transfuso
Base de dados aps critrios de incluso
n = 10.631 pacientes
Excluso: c) 2814
pacientes com
comparecimento nico,
ou acompanhados por
menos de 30 dias
Coorte So Paulo de HIV/Aids
(CSP HIV / Aids)
n = 7.590 pacientes
Coorte So PauloHIV (CSP HIV)
Total de pacientes que entraram sem aids
(desfecho aids) n = 1.879
Excluso: b) 147
pacientes com
diagnstico efetuado
na data do bito
No includos:
b) 634 pacientes fora do
perodo do estudo
No includos:
a) 4.398 pacientes com sorologia
confirmatria negativa
Pacientes que entraram com aids
n = 5.711
Linkage SINANSP/
SISCEL
Linkage SINANSP/
SICLOM
Linkage SINANSP/
SEADE
Pacientes que evoluram para aids,
durante o seguimento (n = 981)
Coorte So PauloAids (CSP Aids)
Total de pacientes com aids
(desfecho bito)
n = 5.711 + 883 = 6.594
Pacientes que evoluram para aids,
antes de 31/12/2003 (n = 883)
60
5.2 DESENHOS DO ESTUDO
O acompanhamento dos pacientes selecionados para o estudo infectados pelo
HIV e sem Aids est apresentado esquematicamente na Figura 6, onde se pode
observar a sua distribuio segundo a exposio ao uso de antirretrovirais e a
evoluo para o desfecho Aids.
Figura 6 - Diagrama do desenho do estudo para pacientes HIV positivos, sem Aids
.
61
A figura 7 apresenta esquematicamente o acompanhamento dos pacientes que
entraram no estudo com Aids onde se pode observar a sua distribuio segundo os
perodos calendrios e a evoluo para o desfecho bito.
Figura 7 - Diagrama do desenho do estudo para pacientes com Aids
62
5.3 RESULTADOS DA COORTE SO PAULO-HIV
5.3.1 Descrio das caractersticas dos indivduos infectados pelo HIV sem
Aids entrada no estudo.
As caractersticas dos 1.879 pacientes que formavam o grupo de infectados
pelo HIV, mas sem Aids poca do ingresso no estudo apresentada na Tabela 1.
Verificamos que 64,3% deles entraram nessa coorte entre 1988 a 1996, houve
predomnio do sexo masculino em ambos os perodos analisados, 73,4% e 69%,
respectivamente; de brancos (informao auto-referida), mas com um decrscimo do
primeiro para o segundo perodo de 81,9% para 69,3%; os pacientes includos no
primeiro perodo eram mais jovens, a mediana das idades foi de 29 anos (25%=24,
75%=35), enquanto no segundo perodo foi de 30 anos (25%=25, 75%=36);
verificou-se aumento da proporo de pacientes com mais de oito anos de
escolaridade entre o primeiro e o segundo perodo, de 51,7% para 68,2%,
respectivamente. A proporo de residentes em distritos com IDH acima de 0,610
elevou-se de 49,5% para 55,3% do primeiro para o segundo perodo.
Verificaram-se, tambm, diferenas quanto s categorias de exposio, com
predomnio de HSH em ambos os perodos, mas com queda importante da proporo
da categoria de UDI, de 20,9% para 7,9% e crescimento dos heterossexuais de 32,0%
para 43,6%, respectivamente.
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Entre os marcadores laboratoriais observou-se que no perodo de 1988 a 1996
os pacientes foram admitidos com nveis mais baixos de linfcitos T CD4+
(mediana=537 cl/mm, 25%=429, 75%=694) em relao ao segundo (mediana=574,
25%=462, 75%=755), respectivamente. Dos 1.879 pacientes desse grupo, 674
pacientes no realizaram a contagem de T CD4+, 52,4% deles pertenciam aos
pacientes matriculadas no ambulatrio no primeiro perodo.
A porcentagem de pacientes com a primeira carga viral realizada no servio
entre 400 a 100.000 cpias/ml elevou-se de 6,9% para 96,7% entre o primeiro e
segundo perodo, entretanto, houve queda considervel da proporo de carga viral
indetectvel de 93,1%
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