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Multiletramentos no Ensino de Língua Portuguesa: reflexões
sobre a prática docente
AUTORA: Rosirene de Freitas Campos
PROFESSORA ORIENTADORA: Cloris Porto Torquato
RESUMO
No presente artigo – elaborado a partir da implementação da Unidade Didática
“Multiletramentos no Ensino de Língua Portuguesa”, o qual mobilizou a leitura
de gêneros diversos em práticas de multiletramentos e propôs a produção de
minicontos multissemióticos –, busco refletir acerca da utilização de recursos
tecnológicos digitais e, portanto, dos multiletramentos nas aulas de Língua
Portuguesa. Para elaboração e realização das atividades, parti das práticas e
dos interesses dos/as alunos/as de um oitavo ano do Ensino Fundamental da
rede pública de ensino do Paraná. Como referencial teórico para elaboração e
implementação do projeto didático, sobre o qual aqui reflito, mobilizei os
trabalhos de Street (2014) e de Rojo (2009, 2012). À luz desse referencial
teórico, neste artigo relato as atividades desenvolvidas. Para além da leitura e
da produção de textos, essas atividades visavam contribuir para que os/as
estudantes refletissem sobre si mesmos, sobre suas práticas nas redes sociais
e sobre os usos que faziam da internet de modo mais geral, refletindo sobre as
linguagens nesses contextos. Os minicontos produzidos pelos/as estudantes,
alguns dos quais apresento aqui, apontam para seu protagonismo nas práticas
de multiletramentos nas aulas de língua portuguesa.
PALAVRAS-CHAVE: Gêneros discursivos; Recursos Tecnológicos;
Multiletramentos; Redes sociais; Ensino de Língua Portuguesa.
INTRODUÇÃO
Neste texto, reflito acerca da implementação de um projeto didático
voltado aos/às alunos/as da turma do oitavo ano “A”, do período matutino, do
Colégio Estadual “Presidente Costa e Silva” – EFMN, em Sengés (PR). Aponto
possibilidades de propostas pedagógicas de estímulo à formação leitores ativos
pautadas na utilização reflexiva de recursos tecnológicos e das redes sociais.
Embasado nas propostas e teorias que integram os Multiletramentos
no Ensino da Língua Portuguesa, nas metodologias e ações que fizeram parte
da produção didática (Unidade Didática) e, no processo de implementação
pedagógica (que resultou no relato de implementação que subsidiou diversas
discussões do GTR (Grupo de Trabalho em Rede- SEED), este artigo refere-se
à exploração das possibilidades de incentivo à leitura e à produção textual,
entendidas aqui como atividades dialógicas (PARANÁ, 2008), de gêneros
diversos que exploram aspectos da multiplicidade semiótica e da interatividade
por meio da utilização dos recursos linguístico-interativos próprios do uso dos
recursos tecnológicos.
O projeto implementado – acerca do qual reflito aqui – começou com
uma Intenção de Pesquisa em 2015, para ingresso no Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE1) 2016. Nesta intenção inicial, identifiquei
algumas problemáticas relacionadas à disciplina de Língua Portuguesa e ao dia
a dia do Colégio no qual trabalho a partir da observação e do incômodo que
determinados questionamentos relacionados ao meu fazer docente me
proporcionavam. Durante os meus quinze anos de trabalho na rede estadual de
educação do Paraná, tenho lecionado para crianças e jovens a disciplina de
Língua Portuguesa, acompanhando o processo de aprendizagem desta língua
por centenas de alunos/as, desde a segunda etapa do Ensino Fundamental até
a conclusão do Ensino Médio.
1 O site institucional da Secretaria de Educação do Estado do Paraná informa que o “PDE é uma política pública de Estado regulamentado pela Lei Complementar nº 130, de 14 de julho de 2010 que estabelece o diálogo entre os professores do ensino superior e os da educação básica, através de atividades teórico-práticas orientadas, tendo como resultado a produção de conhecimento e mudanças qualitativas na prática escolar da escola pública paranaense. O Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE, integrado às atividades da formação continuada em educação, disciplina a promoção do professor para o nível III da carreira, conforme previsto no "Plano de carreira do magistério estadual", Lei Complementar nº 103, de 15 de março de 2004.”
http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=56184&indice=1&totalRegistros=2http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=7470&indice=1&totalRegistros=1
Nesse percurso, constantemente tenho respondido à mesma
pergunta feita pelos alunos: “Por que devo estudar Língua Portuguesa se já
entrei na escola sabendo falar, me comunicar?”. A resposta pronta que
normalmente eu fornecia aos alunos era: “Precisamos aprimorar a linguagem,
dominar a norma culta para podermos interagir com nossos pares de maneira
satisfatória, utilizando a Língua padrão.”. No entanto, esta resposta pronta e
acabada me inquietava; e mesmo sendo a resposta que fui construindo ao
longo de minha formação e da minha própria prática docente, pela leitura de
textos, pelos discursos nos cursos de formação continuada e pelos materiais
didáticos, essa resposta foi se mostrando insuficiente.
Mudanças no ensino da Língua Portuguesa aconteceram durante os
anos de experiência profissional que tenho. Neste período, vi meus/minhas
alunos/as se inserindo no mundo tecnológico, com o qual muitas vezes tentei
competir, em vão, pois certamente as mídias das quais eles/elas dispunham
eram muito mais atrativas que os recursos que eu utilizava (voz, lousa, giz, livro
didático, revistas, jornais, TV pendive... dois ou três de cada vez) para tentar
chamar a atenção deles. E eles/elas, cada vez mais, utilizavam em suas
práticas diárias, fora do contexto escolar, computadores, celulares, tablets, com
acesso à internet, visitando mundos incríveis, conversando com pessoas de
diferentes lugares, interagindo, colaborando, traçando estratégias, adaptando e
variando a linguagem. No entanto, apresentavam modos de leitura e de
produção diferentes dos que os desejados pela escola, tanto na minha
disciplina como nas demais, pois frequentemente ouvia reclamações de
colegas como: “Esses/essas alunos/as não lêem nada, não interpretam, não
escrevem...”. Esse contexto/cenário me deixou sempre com o desejo de fazer
algo que pudesse amenizar, alterar essa realidade, ao menos dos/das
alunos/as do Colégio onde leciono, pois sei que este é um problema nacional,
mas que precisa ser trabalhado nas diversas realidades particulares do Brasil,
em nossas escolas.
Aproveitando-me desta oportunidade de estudo que o Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE) da rede pública do Estado do Paraná
proporciona (ou proporcionava até então2), optei por pesquisar novas práticas
2 As atividades do PDE têm sido cada vez mais escassas e tendem a ser encerradas, embora tenham sido definidas como política de formação docente.
que pudessem me auxiliar na sala de aula a conciliar o letramento escolar ao
letramento digital, uma vez que a Língua Portuguesa é dinâmica e seu ensino
não pode ficar focado no ensino e aprendizagem de regras desvinculadas das
diversas realidades, principalmente tendo em vista as mudanças que a
tecnologia nos oferece, proporcionando outros modos de leitura e produção
textual, que certamente poderão ser mais eficientes na formação comunicativa
dos/as nossos/as jovens estudantes.
De modo geral, vivemos num mundo textualizado, letrado (STREET,
2014), em que diferentes modos de leitura e escrita estão por toda parte. Todos
os textos que circulam, nos diferentes ambientes comunitários, são
organizados de modos específicos (BAKTHIN, 1997), de forma que exercem
grande influência comunicativa e, portanto, merecem nossa atenção.
E pensando no ensino de Língua Portuguesa que deve possibilitar
ao/à aluno/a o desenvolvimento de uma postura crítica diante dos fatos do
cotidiano, das interações, dos textos que circulam na sociedade complexa e
heterogênea em que vivemos, entendi que havia a necessidade de considerar
no ambiente escolar diferentes práticas de letramento, mudando as formas de
interagir com a leitura e a escrita em práticas sociais de acordo com o contexto
em que a linguagem é utilizada (família, igreja, escola) pelos/as estudantes,
considerando que cada prática social configura práticas de letramento
específicas, com formas específicas para fazer uso dos textos em seus
gêneros discursivos (BAKHTIN, 1997; STREET, 2014; ROJO, 2009; 2012).
Mediante ao acesso facilitado às ferramentas de comunicação e à
informação, característica de um mundo globalizado, práticas de leitura e
escrita descontextualizadas na escola não atendem ao perfil conectado em que
os alunos se encontram. Não apenas o uso destas ferramentas no processo de
produção escrita foi facilitado, mas também a própria produção textual.
Nossos/as estudantes têm cada vez mais espaços de protagonismo na
produção de textos de diferentes gêneros nas redes sociais.
Desta forma, minhas expectativas quanto à produção escrita já não
podiam negligenciar o uso das tecnologias como objeto indispensável no
processo de ensino, pois o texto ganha possibilidades multissemióticas,
podendo integrar diferentes linguagens: verbal, visual, sonora, dependendo do
gênero discursivo e da funcionalidade da tecnologia (ROJO, 2012; MELO;
ROJO, 2014). Cada contexto pode restringir ou requerer o uso de acesso a
determinados sites e instalação de softwares que permitam uma produção
graficamente mais criativa e garantam novas formas de interação, superando
limites de tempo e espaço, mudando, assim, também a aprendizagem que
passa a ser um processo coletivo.
Percebendo o quadro desenhado diante de mudanças tão
repentinas e intensas no campo tecnológico, entendi que algumas práticas
metodológicas que não consideravam essas mudanças já não alcançam os
objetivos traçados para o processo ensino/aprendizagem da Língua
Portuguesa aos/às alunos/as do Colégio Estadual “Presidente Costa e Silva” –
EFMN; percebi a necessidade de uso e da reflexão sobre metodologias de
ensino que atendessem as demandas postas pelo contexto atual.
Senti a necessidade de ver meus/minhas alunos/as inseridos/as
numa prática social de produção em que fossem protagonistas na construção
do conhecimento, deixando de serem apenas consumidores/as dos bens
culturais midiáticos, passando a participantes/agentes envolvidos/as em
práticas letradas, participantes ativos/as que vão além das redes sociais,
atuando em culturas locais e globais por meio da produção escrita.
Sendo os alunos protagonistas nesse processo, o ensino já não
seria orientado apenas pelas listas de conteúdos de documentos oficiais ou
livros didáticos. Entendi que o ponto de partida precisava ser as práticas
desse/as estudantes no que se refere às mídias digitais. Sendo assim, decidi
identificar as práticas em que mais estavam engajados, fazendo um estudo
exploratório. A partir daí, elaborei uma unidade didática que visava contribuir
para que os/as alunos/as refletissem sobre si próprios/as, sobre suas práticas
nas redes sociais e sobre os usos que faziam da internet de modo mais geral,
refletindo sobre as linguagens nesses contextos. Retomarei o percurso de
elaboração e implementação do projeto.
1. A educação na contemporaneidade, Os multiletramentos e o projeto
didático- pedagógico no C.E. Presidente Costa e Silva
O avanço crescente das tecnologias digitais, bem como sua
aproximação dos setores educacionais, tem requerido da escola revisão e
adequação de suas práticas, de modo a incorporá-las. Diante da chamada
“nova lógica tecnológica” (KENSKI, 2012), cabe à escola o desafio de adaptar-
se às contingências de seu tempo, educando para o domínio e apropriação
crítica dessas novas formas de interação que, sabe-se, não cessarão de
evoluir.
Assim, a leitura e a produção textual na era digital produzem
demandas para a escola, tanto para docentes quanto para estudantes. Uma
das demandas – talvez a mais importante delas – é a formação de leitores/as
proficientes nas mais diversas esferas de circulação social, compreendendo
que a leitura digital pode influenciar também nas práticas de leitura de textos
impressos, uma vez que os textos de diferentes esferas podem se relacionar
em cadeias enunciativas (BAKHTIN, 1997).
As mídias digitais se configuram como importantes veículos
carregados e difusores de ideologias, uma vez que nelas se propagam, de
forma ininterrupta e maciça, textos dos mais diversos temas e gêneros,
carregados ideologicamente, alterando, por vezes, contextos de interação
vigentes; ou seja, a circulação de textos na internet pode alterar relações
políticas, econômicas, financeiras e educacionais. As possibilidades de leitura e
escrita nas mídias digitais, principalmente aquelas relativas às redes sociais,
diversificam o campo de interação e de produção de identidade.
Enquanto as comunicações continuam nas redes sociais, elas formam ciclos múltiplos de retroalimentação que finalmente produzem um sistema compartilhado de crenças, explicações e valores – um contexto comum de sentido, também conhecido como cultura, que é continuamente apoiada em comunicações seguintes. Por meio dessa cultura, os indivíduos adquirem identidade como membros da rede social e, nesse sentido, a rede gere seu próprio limite. Não é um limite físico, mas um limite de expectativas, de confiança e lealdade, o qual é permanentemente mantido e renegociado pela rede de comunicações (CAPRA, 1996, p.30)
As redes sociais se configuram, portanto, como espaço ideológico a
ser focalizado no ensino de Língua Portuguesa pela sua relevância na
circulação de discursos, na negociação dos valores e dos sentidos nos textos
em diferentes linguagens.
Essa relevância se confirmou quando realizei a pesquisa inicial com
os/as alunos/as para elaboração do projeto. Dentre os usos da internet que
eles/elas mais destacaram, os do Facebook foram indicados como principal
recurso comunicativo para realização das interações com colegas, familiares,
pretendentes, grupos de interesses. Para esses/as alunos/as, na rede, são
revelados todo tipo de sentimentos das mais variadas formas e formatos
possíveis, indo desde fotos, vídeos, textos verbais, emoticons etc. A leitura
desses textos, que são produzidos em diferentes linguagens, configura uma
prática de letramento (STREET, 2014).
Os letramentos referem-se às atividades sociais que envolvem
leitura e escrita, considerando as identidades dos sujeitos participantes.
Embora extrapolem o contexto escolar, as diferentes práticas de letramento
destas atividades configuram-se como elementos estruturadores das atividades
escolares. Nesse sentido, Kleiman (1995) afirma que “o ensino da leitura e da
produção textual pode ser ampliado com vistas a incluir as leituras passageiras
da passagem urbana”. As Diretrizes Curriculares Nacionais de Língua
Portuguesa também apontam os letramentos como foco do ensino e salientam
que
Ao considerar o conceito de letramento, também é necessário ampliar o conceito de texto, o qual envolve não apenas a formalização do discurso verbal ou não-verbal, mas o evento que abrange o antes, isto é, as condições de produção e articulação e elaboração; e o depois, ou seja, a leitura ou a resposta ativa. Todo texto é, assim, articulação de discursos, vozes que se materializam, ato humano, é linguagem em uso efetivo. (PARANÁ, 2008, p.51)
Neste documento oficial, o olhar ainda não está voltado para o
multiletramentos, que se incluem também aos diferentes gêneros nas mídias
digitais. Segundo Rojo (2012, p.13),
Diferentemente do conceito de letramentos (múltiplos), que não faz senão apontar para a multiplicidade e variedade das práticas letradas, valorizadas ou não nas sociedades em geral, o conceito de multiletramentos – é bom enfatizar – aponta para dois tipos específicos e importantes de multiplicidade presentes em nossas sociedades, principalmente urbanas, na contemporaneidade: a multiplicidade cultural das populações e a multiplicidade semiótica de constituição dos textos por meio dos quais ela se informa e se comunica.
Essa multiplicidade cultural e semiótica, por vezes, é silenciada no
contexto escolar. No entanto, é em meio a ela que muitos de nossos/as
alunos/as têm circulado. Nesse contexto urbano contemporâneo, sobre o qual
fala Rojo (2012), as diferentes maneiras de organização e elaboração dos
textos/discursos nas diversas mídias, os usos das tecnologias, da internet e
seus recursos de caráter híbrido reconfiguram o papel da escola e a sua
maneira de ensinar a Língua Portuguesa.
A escola, em função das práticas de multiletramentos em que estão
inseridos muitos dos/as estudantes e docentes, passa a ser inserida em um
tempo-espaço amplo e múltiplo, que vai além dos muros escolares. Assim,
passa a integrar um tempo-espaço histórico e biográfico, individual e cíclico,
como espaço de multiletramentos, de práticas de diferentes linguagens e
funcionamentos dos discursos nas relações dialógicas e socioideológicas
concretas (ROJO, 2012; MELO; ROJO, 2014).
Desta forma, um ensino voltado para os multiletramentos implica
refletir com os/as alunos/as sobre os usos da internet e das redes sociais, as
quais possibilitam o compartilhamento de leituras com diferentes interpretações
e posicionamentos, observadas, por exemplo, nos comentários postados,
constituindo-se num espaço de troca de textos (e, portanto, valores, posições
ideológicas (BAKHTIN, 1997)) e de experiências leitoras de diversos gêneros e
assuntos (ROJO, 2012). Especialmente, implica repensar-se e repensar o
mundo, como assinalam Melo e Rojo (2014):
Essa presença ubíqua das tecnologias digitais de informação e comunicação – TDICs – coloca-nos diante do mundo e das diversas culturas e acontecimentos em apenas um clique ou um toque e em tempo real. Tudo isso tem revolucionado não só o acesso a informações, como também alterado nossa forma de pensar, ver o mundo, ler, escrever e nos relacionar. (p. 250)
A reflexão acima citada reforça a necessidade de repensarmos o
espaço escolar e o processo de aprendizagem dos/as nossos/as alunos/as,
pois as tecnologias digitais, vistas como espaços de interação (colaborativa),
têm possibilitado que crianças, adolescentes e jovens, de modo geral,
negociem suas identidades. É fundamental que uma escola voltada para
formação de leitores e produtores de textos para o exercício da cidadania se
volte para as culturas e as histórias nas quais nossos/as alunos/as estão
inseridos/as para um processo de ensino-aprendizagem significativo social e
culturalmente.
Nesse sentido, as tecnologias digitais e, especialmente, as redes
sociais podem ser mais que um passatempo virtual. Elas que já se tornaram
uma presença constante entre muitos/as adolescentes e jovens; elas/elas
transitam neste espaço diariamente em meio a dezenas ou centenas de
publicações. Encontramos produções que vão desde minitextos filosóficos até
comentários em blogs, frase de incentivo ou de reprovação, charges, vídeos,
orações, notícias (reais e falsas), uma gama de alusões aos temas do
momento.
As tantas observações textuais e comentários realizados por
nossos/as alunos/as, todos os dias, nas redes sociais, nos levam a refletir
sobre as negociações de identidades e de significados diante daquilo que
postam, uma vez que estas manifestações revelam algo sobre o/a seu/sua
autor/a. As produções postadas nas redes são sempre para o outro, ou seja, há
que se considerar o propósito dialógico da linguagem. É na relação com
esse(s) outro(s) que os(as) alunos(as) negociam suas identidades e os
significados e valores dos textos nas redes sociais.
Tendo em vista essa visão sobre as interações nas tecnologias
digitais, sobretudo nas redes sociais, e o papel da escola no ensino de Língua
Portuguesa, propus uma unidade didática que buscasse contemplar esse novo
contexto. Elegi os seguintes objetivos como norteadores do trabalho:
Mapear as diferentes culturas tecnológicas em que os/as alunos/as do 8º
ano do ensino fundamental estão inseridos;
Trabalhar com os multiletramentos a partir das culturas de referência dos
alunos;
Abordar o uso de tecnologia de comunicação e de informação no ensino da
Língua Portuguesa;
Buscar um enfoque crítico, pluralista, ético e democrático na produção de
textos/discurso que ampliem o repertório cultural dos alunos na direção de
outros letramentos;
Desenvolver práticas de produção textual/discursivas, utilizando-se das
diferentes variedades linguísticas em que os/as alunos/as sejam agentes no
processo, fazendo uso de instrumentos e recursos tecnológicos disponíveis.
Para reflexão do trabalho desenvolvido, adotei o método narrativo,
que contribuiu para o estudo da prática desenvolvida no decorrer da
implementação da unidade. Na análise, busco refletir sobre minha própria
prática e perceber as motivações, os valores e as ações dos/as alunos/as,
quando estes/as utilizam recursos tecnológicos e interagem nas redes sociais.
Sobre a dimensão da Pesquisa Narrativa, Souza (2006, p. 26) esclarece que:
Essa perspectiva de trabalho, [...] configura-se como investigação porque se vincula à produção de conhecimentos experienciais dos
sujeitos em formação. Por outro lado, é formação porque parte do princípio de que o sujeito toma consciência de si e de suas aprendizagens e experiências quando vive, simultaneamente, os papéis de ator e investigador da sua própria história.
No decorrer da implementação, elaborei um diário de campo, no
qual relatava e refletia sobre as atividades e o percurso em desenvolvimento. A
partir desse diário, relato aqui sobre as etapas de implementação da Unidade
Didática “Multiletramentos no Ensino de Língua Portuguesa”, que foi dividida e
aplicada em cinco etapas: Apresentação Inicial – Ao aluno com Carinho;
Capítulo I – Produção Inicial – Oficina: Por falar em..., Capítulo II – Oficina: Do
livro impresso aos gêneros digitais e O Miniconto; Capítulo III – Oficina: Quem
conta um conto, aumenta um ponto e A fotografia e o miniconto; Capítulo IV –
Produção Final: Oficinas: Resumindo e Nós do conto.
2. Relato da implementação do projeto didático
2.1. Apresentação Inicial
Como já afirmei anteriormente, nesta primeira etapa, realizei uma
pesquisa com os/as alunos/as sobre os usos de recursos tecnológicos digitais
dentro e fora da sala de aula. Foi possível mapear quais alunos/as e quais
recursos eles/elas dispunham para utilização durante o desenvolvimento das
oficinas planejadas no Projeto Didático.
O resultado da pesquisa foi surpreendente, pois os/as trinta e oito
alunos/as responderam que faziam uso de celulares, tablets e computadores
com acesso à internet, mas assinalaram que muitas vezes não dispunham de
condições para acesso à rede de forma particular, fazendo-se necessário o uso
do laboratório de informática do Colégio ou a disponibilização da senha do Wi-
Fi para que pudessem fazer uso dos seus aparelhos em sala de aula. Além
disto, podiam fazer uso da internet em suas casas ou em casa de amigos cujos
pais tinham acesso à rede.
Outro dado importante levantado neste primeiro momento foi a
identificação das culturas digitais em que os/as alunos/as do oitavo ano
inseridos e quais eram suas percepções a respeito daquilo que liam, ouviam e
produziam nesta esfera de comunicação. Segundo os/as estudantes, o
Facebook é a principal rede social e o principal espaço virtual de que
participam. Suas produções nesta rede configuravam-se como um desabafo
numa espécie de consultório coletivo em que era possível tornar público seus
sentimentos e emoções por meio dos mais variados gêneros discursivos.
Também foram mencionados o Instagram e o WhatsApp em menor proporção
de uso. Compreender como acontecem as interações neste espaço virtual
tornou-se bastante importante para implementação do projeto e,
consequentemente, para que eu pudesse devolver minhas contribuições à
escola, campo desta pesquisa e de minha atuação docente.
As observações realizadas até aqui me encaminharam para a
realização de uma nova atividade, em que os/as alunos/as foram incentivados
a ouvir seus familiares e/ou responsáveis sobre como se dava o registro de
fatos e situações e a divulgação de acontecimentos antes do uso da internet.
Eles apresentaram oralmente as informações levantadas numa das aulas em
que problematizávamos o uso dos recursos tecnológicos e formas de
circulação de informações utilizadas anteriores ao acesso à internet.
Em seguida, no Capítulo I da Unidade didática, intitulado “Por falar
em...”, na implementação da oficina 1, intitulada “Pesquisando sobre o mundo
dos registros”, trabalhamos desde o uso da fotografia, das pinturas, das
esculturas até o surgimento dos diários digitais e blogs como forma de registro.
Neste momento, houve uma interação bastante positiva dos/as alunos/as, pois,
além de se perceberem dentro de uma cultura tecnológica, perceberam
também culturas diferentes, importantíssimas para o desenvolvimento e a
evolução da própria tecnologia atual.
Ainda nesta oficina, também fizemos leituras do gênero miniconto, o
qual foi apresentado aos/às alunos/as com a discussão relativa aos aspectos
que envolvem o gênero em questão, como: campo de circulação do gênero,
sua função social, suas principais características estilísticas e sua estrutura
composicional. Visava introduzir os/as estudantes na leitura desse gênero e
prepará-los para a última etapa do trabalho, a produção final no gênero
miniconto.
Junto às atividades realizadas em sala de aula, utilizamos outros
suportes para a realização das atividades próprios da natureza interacional,
como a rede Facebook e também o grupo de WhatsApp. Nesses espaços,
compartilhávamos as informações levantadas junto aos familiares e à própria
comunidade escolar a respeito do uso dos recursos tecnológicos.
Compartilhávamos também novas experiências leitoras de textos verbais e não
verbais, com publicações e comentários, direcionando para a efetivação de
leitura de textos de gêneros diversos.
2.2. Capítulo I – Produção Inicial
A segunda oficina era dedicada à leitura de imagens, focalizando as
práticas de ler e interpretar textos imagéticos, integrando linguagens
diferenciadas. Também nesta oficina, os/as alunos/as fizeram uso da câmera
de seus aparelhos celulares para fotografar cenas do dia a dia e me enviaram
as fotos pelo WhatsApp. Essas foram arquivadas para uso posterior, na
produção no miniconto multissemiótico. Na oportunidade, discutimos o conceito
de cenas corriqueiras e houve então a possibilidade de refletirmos sobre a
interação verbal, a escuta e a réplica ativa (BAKTHIN, 1997).
Alguns/as alunos/as deixaram de realizar esta atividade no tempo
previsto, em função, principalmente, de dificuldade de acesso à internet,
confirmando os dados iniciais da pesquisa. Mesmo tendo o tempo estendido
para o envio dos arquivos de foto e facilitado o uso dos computadores da
escola, nem todos os alunos realizaram a atividade, como acontece também
nas formas convencionais das tarefas.
Concluindo as atividades da oficina 2, os/as alunos/as fizeram uma
produção inicial do gênero miniconto, segundo suas compreensões, a partir do
que foi explorado do gênero na apresentação do projeto. Essa produção inicial
configurou-se como atividade diagnóstica, permitindo identificar seus
desempenhos e suas principais dificuldades, guiando a elaboração e a
adequação das atividades propostas que seguiram.
Esta etapa foi bastante interessante, pois os/as alunos/as
demonstraram suas habilidades dentro do letramento digital e revelaram os
recursos tecnológicos de que realmente dispunham para a produção de textos
multissemióticos. Também foi possível identificar que muitos/as alunos /as não
utilizavam seus aparelhos em atividades escolares, reservando-os apenas para
conversas nas redes sociais, direcionando o acesso à internet apenas ao
entretenimento, como ouvir músicas e jogos eletrônicos. Assim, essas novas
práticas escolares propostas na implementação da produção didática
pedagógica os/as colocavam em alerta para as possibilidades que surgiam de
criar e produzir bons materiais utilizando-se apenas dos recursos que
dispunham naquele momento.
2.3. Capítulo II – “Do livro impresso aos gêneros digitais”
Na terceira oficina, lemos e interpretamos o conto “Para que
ninguém a quisesse”, da autora Marina Colasanti, o qual desencadeou
atividades extraclasse em que os alunos pesquisaram temas que evidenciaram
índices de violência contra a mulher. Houve uma participação relativamente
boa por parte dos/das alunos/as, que foram divididos/as em grupos. Além de
pesquisa na internet, fizeram entrevistas com pessoas da comunidade e
puderam refletir sobre suas realidades familiares, que consideravam dentro dos
padrões normais de relacionamento.
Nesta etapa, os/as alunos/as abordaram também a violência
ocorrida nos meios virtuais. Desenvolveram atividades sobre o ciberbulling e
posicionaram-se em suas redes sociais quanto a este tema, instigando outros
usuários da rede a participarem de um debate virtual. Essas atividades
resultaram inclusive na participação de autoridades locais em palestras
educativas sobre o tema.
No decorrer desta oficina, foi interessante notar que o tempo
consumido pelos/as alunos/as em práticas on line (como lazer, jogos e redes
sociais, e busca de informações aleatórias) acaba desgastando o interesse
pelos momentos realmente necessários para o desenvolvimento das atividades
do projeto. Além disto, revela a necessidade que eles têm de relações
comunicativas, ainda que virtuais, dispensando, muitas vezes, os ambientes
físicos de interação e comunicação. Suas postagens visam mostrar o que
fazem e pensam, os locais onde estão, desabafar suas conquistas, desilusões
e decepções. Essas ações, assim como as presenciais, visam provocar alguma
reação por parte do outro, de seu interlocutor. Nesse sentido, as escolhas de
textos multissemióticos postados nas redes sociais podem sofrer alterações
propositais, o que desencadeou o estudo da quarta oficina da unidade didática.
2.4. Capítulo III - Quem conta um conto aumenta um ponto
Na oficina 4, intitulada “A fotografia e o miniconto: concisão,
narratividade, efeito, abertura e exatidão”, os/as alunos/as tiveram, novamente,
a oportunidade de utilizar seus aparelhos celulares e outros dispositivos para
interpretar os minicontos, utilizando o recurso da fotografia e produção e edição
de vídeos. Foi uma das atividades em que a participação quase atingiu a
totalidade dos/as alunos/as, que outra vez, juntaram-se em pequenos grupos e
distribuíram as tarefas que culminaram na apresentação dos materiais
produzidos em forma de exposição no mural da escola, apresentações em
slides e projeção no datashow, em sala de aula.
Os/as alunos/as leram de modos diversos os minicontos sugeridos
para oficina, garantindo uma dinâmica de uso consciente dos recursos
tecnológicos, sem deixar de lado o caráter motivador da internet, aliás
apropriando-se de aspectos artísticos e lúdicos que a atividade requeria. As
atividades foram postadas na página do Facebook de um dos integrantes do
grupo, que marcou os demais alunos/as e dali surgiram os comentários, por
meio dos quais foi possível identificar os conteúdos de análise linguística que
requeriam, no momento, um maior aprofundamento.
A partir daí, também trabalhei as especificidades do gênero
miniconto, garantindo aos/às alunos/as um intenso contato com o gênero
estudado. Certamente esse trabalho garantiu que os objetivos da unidade
didática fossem alcançados. Uma vez feito, numa produção textual inicial, um
diagnóstico com os alunos sobre sua inserção na prática de leitura de
minicontos e sobre os conhecimentos que tinham desse gênero, pude melhor
definir os aspectos do gênero que mais precisavam ser trabalhados. Uma vez
que os gêneros discursivos envolvem tanto elementos externos (contexto
sócio-histórico de produção e circulação do gênero, as posições sociais dos
interlocutores dentro desse contexto, o projeto de dizer do locutor) quanto
elementos internos (estrutura composicional, tema e recursos linguísticos) de
texto (BAKHTIN, 1997), foram realizadas atividades voltadas aos elementos
extraverbais e outras que se referiam aos elementos internos do gênero.
Assim, os/as estudantes realizaram pesquisa nos meios virtuais sobre os locais
de circulação do gênero miniconto e observaram as diferentes linguagens que
podem constituir o gênero, configurando, frequentemente, um texto verbo-
visual3. Nessas atividades, os/as alunos/as buscavam desenvolver as
atividades da leitura como atividades dialógicas, em que assumiam perante os
textos posições responsivas ativas (BAKHTIN, 1997). Além disso, as
produções de sentido dos textos eram negociadas na sala de aula, em
interação entre os/as estudantes e também comigo. Assim, trabalhamos
aspectos dos multiletramentos (leitura de textos multissemióticos) e pude, em
alguns momentos, ensinar e, em muitos outros, aprender com eles/elas, pois
têm muita facilidade com a utilização de recursos tecnológicos.
Assistimos ao filme “A rede social” e lemos e discutimos textos em
que Mark Zuckerberg emitia sua opinião sobre o filme. Este afirmou, em
diversas entrevistas que, no filme, a história do Facebook foi muito maquiada.
Assistir ao filme configurava uma ponte com a oficina seguinte, intitulada “As
redes sociais e outras formas de comunicação”. Nesta, analisamos os papeis
das redes sociais, as quais ocupam posição de destaque na vida dos/as
alunos/as, relembrando que, a maioria dos/as alunos/as utilizava as redes
sociais como Facebook, Whatsapp, Instagram apenas para postar fotos
pessoais, comentar postagens de amigos/as, buscar relacionamentos virtuais
sem se preocupar com a exposição e com a falta de veracidade dos fatos
apresentados, como frequentemente pode acontecer nesse ambiente. Com
base na implementação desta oficina, os/as alunos/as viram-se
questionados/as a respeito do uso consciente das redes sociais.
No decorrer desta oficina, pudemos perceber juntos os espaços
utilizados para interação social e comunicação dos/as alunos/as como espaços
de re-construções de identidades. Assim, refletimos sobre o tornar públicas
opiniões, ações realizadas, um pouco ou muito do que são ou pretendem ser,
onde estão e onde gostariam de estar.
3 De acordo com Brait, os textos verbo-visuais são aqueles que têm em sua composição a articulação indissociável entre a linguagem verbal e a visual. A autora assinala a “dimensão verbo-visual de um enunciado”, que implica compreender que “tanto a linguagem verbal como a visual desempenham papel constitutivo na produção de sentidos, de efeitos de sentido, não podendo ser separadas, sob pena de amputarmos uma parte do plano de expressão e, consequentemente, a compreensão das formas de produção de sentido desse enunciado, uma vez que ele se dá a ver/ler, simultaneamente”. (BRAIT, 2013, p. 44). BRAIT, B. Olhar e ler: verbo-visualidade em perspectiva dialógica. In: Bakhtiniana, São Paulo, 8 (2): 43-66, Jul./Dez. 2013.
Com base na conclusão dos/as próprios/as alunos/as, re-pensamos
as redes sociais como espaço de busca de afeto, de aproximação com seus
interlocutores, provocando reações ao que foi postado. Os registros feitos por
meio da escrita ou de imagens, nas redes sociais, visam principalmente
chamar a atenção daqueles/as que por ali circulam e possivelmente
visualizarão o que foi postado.
A construção de um perfil virtual ajudou-os/as a entender a questão
da identidade construída por meio das redes sociais e nos levou à possibilidade
da criação de um blog da turma, que serviria de suporte para as postagens das
atividades e trabalhos produzidos no decorrer da implementação da proposta
didático pedagógica.
Além disso, elaboramos uma lista de elementos do gênero
miniconto, retomando o que fora estudado na oficina quatro, com a função de
auxiliar, tanto os/as alunos/as quanto a mim, na retomada e síntese dos
conhecimentos construídos nas oficinas trabalhadas.
2.5. Capítulo IV – Produção Final
Nesta etapa, os/as alunos/as produziram seus próprios minicontos
multissemióticos. Seus textos foram avaliados em relação a dois aspectos:
quanto aos elementos da estrutura composicional, no que se refere à dimensão
verbo-visual, multissemiótica, do gênero, e quanto aos elementos extraverbais.
Esta última produção foi socializada, a partir de um contexto real de produção,
no contexto da rede social definido pela turma em oficina anterior, pois tinha
um projeto de dizer definido em relação a destinatários definidos, o que
motivou uma avaliação social real por parte dos interlocutores. Os leitores
podiam fazer comentários aos textos postados, gerando respostas eefetivas
aos textos produzidos pelos/as alunos/as. Apresento aqui algumas produções
selecionadas que se destacaram nesta etapa do trabalho. Apresento-as sem a
análise individual de cada texto, apenas como ilustração dos trabalhos
produzidos.
Miniconto produzido por Emilly Gonçalves – 8º “A”
Miniconto produzido por Daniel dos Santos - 8º”A”
Miniconto produzido por Samuel Santos Fernandes – 8º “A”
Miniconto produzido por Ryan Lima da Silva – 8º “A”
A leitura desses textos multissemióticos, verbo-visuais, permite-nos
observar que os autores desses minicontos pensaram não apenas nos
recursos semióticos, nas diferentes linguagens, mas constituíram os textos
como espaços de negociação de suas identidades, uma vez que abordaram
aspectos da sua realidade, do seu cotidiano, do lugar social em que estão
inseridos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A implementação desta Unidade Didática buscou promover um
percurso de ensino-aprendizagem que, por sua vez, buscava responder às
perguntas: o que ensinar? como ensinar?, como avaliar?, pensando o fazer
docente no processo de organização e desenvolvimento do currículo;
demonstrou que a utilização de um elemento tecnológico integrador pode
beneficiar o processo ensino-aprendizagem, bem como valorizar os
conhecimentos dos/as alunos/as trazidos para a sala de aula, assim como a
capacidade que têm de construir conhecimentos, oportunizando a formação de
leitores/as/ e produtores/as de textos de diversos gêneros. Os gêneros e as
suas vivências em situações reais de comunicação promovem o
desenvolvimento de práticas de leitura e escrita significativas para os/as
alunos/as, tanto em sala de aula, como fora do contexto escolar.
O trabalho com a leitura e a produção de textos literários, em
questão os minicontos, e o uso das redes sociais como espaço de circulação
de gênero possibilitaram atividades com intensas interpretações e (re)escritas,
mediadas pelas interações orais em sala de aula.
No decorrer da implementação deste projeto de formação de
leitores/as e produtores/as de textos, algumas atividades previstas foram
alteradas, outras modificadas por acréscimos ou cortes, o que culminou em
ações muitas vezes bem sucedidas, em outras nem tanto. No entanto, tais
encaminhamentos fizeram-se necessários para manter o objetivo principal do
trabalho: o trabalho com multiletramentos no ensino da Língua Portuguesa de
modo a partir das práticas sociais de usos de tecnologias pelos alunos fora do
contexto escolar.
Os múltiplos contextos de comunicação e de informação promovidos
pelo acesso à internet e a utilização dos inúmeros recursos tecnológicos que
desenham o cenário contemporâneo exigem novas posturas profissionais em
todos os setores a fim de atender às necessidades do público neles inseridos.
A escola não pode se isentar destas mudanças, pois espera-se que o ensino e
a aprendizagem sejam processos dinâmicos, voltados à realidade social na
qual a escola está inserida. Assim, a escola não pode permanecer presa à
tradicional fórmula de repasses de conteúdos curriculares clássicos, ignorando
o novo perfil dos/as alunos/as e os avanços tecnológicos atuais.
O presente artigo, através do relato da implementação da proposta
didático-pedagógica “Multiletramentos no ensino da Língua Portuguesa”,
buscou refletir sobre possibilidades da utilização pedagógica de recursos
tecnológicos e acesso às redes sociais no âmbito da formação de leitores/as
críticos/as e produtores/as de textos atuantes na realidade social.
Partindo do referencial teórico (especialmente BAKHTIN, 1997;
ROJO, 2009; 2012 e MELO; ROJO, 2014) que deu suporte à elaboração de
uma unidade didática que estruturou o trabalho em sala e, sobretudo, da
reflexão sobre as respostas obtidas dos/as alunos/as durante a implementação
das atividades em sala de aula, procurei compreender as relações entre o
trabalho didático-pedagógico desenvolvido e as possibilidades de ampliação
das práticas da leitura reflexiva e produção significativa no contexto das mídias
digitais, do uso das redes sociais por parte dos/as alunos/as do 8º ano “A” do
Colégio Estadual “Presidente Costa e Silva” EFMN, em Sengés (PR). Entendo
que resultados consideráveis e positivos foram alcançados, considerando o
engajamento de alunos e alunas nas atividades propostas e considerando a
produção final dos/as estudantes. Essas atividades partiram da observação das
práticas em que os/as alunos/as da turma estavam envolvidos.
Esses/as alunos/as, nas redes sociais e com o uso de recursos
tecnológicos, negociam suas identidades; manifestam a necessidade de serem
vistos/ouvidos e, em função do distanciamento físico que estes recursos
oferecem para falarem de si, por vezes não refletem sobre os efeitos de sentido
que podem provocar, embora tenham a expectativa da responsividade do
seu/sua interlocutor/a. A implementação da unidade didática buscava, ao
contrário, a formação de produtores/as de textos e leitores/as mais conscientes
desses efeitos, pois cabe à escola colaborar para essa formação, para o
autoconhecimento e a autocompreensão dos/as nossos/as alunos/as e para
compreensão do mundo em que está inserido. Nesse sentido, o trabalho com
os multiletramentos nas aulas de língua portuguesa abre-se como possibilidade
e como necessidade nesses novos contextos da leitura e produção textual nas
mídias sociais e volta-se para os usos linguístico-discursivos e multissemióticos
no exercício da cidadania, acompanhando a velocidade e a fluidez da
discursividade, culturas de multiletramentos e negociação de novas culturas e
novas identidades.
BIBLIOGRAFIA
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verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
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Nacionais: Língua Portuguesa/ Secretaria da Educação Fundamental –
Brasília: MEC/SEF, 1997.
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KLEIMAN, Angela B. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na
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nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado
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Curriculares da Educação Básica: Língua Portuguesa. 2008.
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multiletramentos. In: NASCIMENTO, Elvira Lopes; ROJO, Roxane Helena
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contemporaneidade. Campinas, SP : Pontes Editores, 2014.
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São Paulo: Parábola Editorial, 2009.
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STREET, Brian. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento
no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Brian V. Street;
tradução Marcos Bagno. 1ed. - São Paulo: Parábola Editorial, 2014.
Assistimos ao filme “A rede social” e lemos e discutimos textos em que Mark Zuckerberg emitia sua opinião sobre o filme. Este afirmou, em diversas entrevistas que, no filme, a história do Facebook foi muito maquiada. Assistir ao filme configurava uma ...
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