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A qs e a perda do poder familiar fávero

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QUESTÃO SOCIAL E A PERDA DO PODER FAMILIAR

Bruna SOARES¹ - RGM

Josuel Rodrigues de LIMA¹ - RGM

Maria Isabel de Araujo SANTOS¹ - RGM 072570

Rosana Ap. de OLIVEIRA1 - RGM

Profª. Ms.Marisa Antônia de SOUSA2

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo propor uma reflexão a respeito da questão social e a perda do poder

familiar e como os fatores sociais, econômicos, culturais e emocionais se relacionam no contexto sócio

familiar, diante das modificações nos padrões familiares estabelecidos como estruturais pelo sistema

capitalista, oriundas das inovações tecnológicas e as mudanças no âmbito cultural.

Palavras-chave: Questão social, família, perda do poder familiar.

INTRODUÇÃO

O texto nos leva a refletir sobre as mudanças ocorridas no pós-guerra e o

impacto causado no contexto sócio familiar, diante de um processo de industrialização,

onde milhares de famílias deixaram o campo em busca de melhores condições de

trabalho nas cidades, o que ocasionou aglomeração sem planejamento e aumento

significativo nas expressões da questão social.

Neste contexto, famílias inteiras não conseguem mais oferecer a seus membros a

proteção e o amparo de que necessitam, não por incapacidade ou negligência, mas pela

desresponsabilização do Estado que atende majoritariamente aos interesses do capital.

Levando a famílias a adotar mecanismos de sobrevivência, uma delas é o abandono ou a

entrega de um filho que consequentemente ocasionará a perda do poder familiar.

1 Alunos do Sexto Semestre do Curso de Serviço Social da Faculdade de Gestão e Negócios do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio. E-mail: [email protected] 2 Orientadora da Disciplina Núcleos de Estudos Temáticos II

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A QUESTÃO SOCIAL E A PERDA DO PODER FAMILIAR

O término da Segunda Guerra Mundial (1945) representou significativas

transformações econômicas, sociais e políticas ao cenário mundial e principalmente nos

países periféricos do Terceiro Mundo que segundo Carvalho (in Guerra3, 1998) é onde:

(...) a pobreza assume características dramáticas. Não só pela sua presença massiva, mas também pelos limites a sua erradicação colocados pela transnacionalização da economia capitalista que acaba por circunscrever esses países à periferia da produção, mercado e consumo (p. 24).

Todas essas mudanças passam a refletir no Brasil, até então de base agrícola

começa a dar espaço a uma sociedade urbano-industrial. Esse processo trouxe alterações

ao mundo do trabalho e nas relações sociais, com o êxodo rural, o aumento da

exploração de mão-de-obra e a elevada desigualdade da distribuição de renda,

ocasionou um aumento no número de famílias pobre na cidade e também no campo.

Os padrões estabelecidos à família pelo sistema capitalista ao longo da historia

vem sofrendo modificações relevantes, oriundas da inovação tecnológica e mudanças no

âmbito cultural, como por exemplo, a inserção da mulher no mercado de trabalho, o

crescimento da demanda por educação que até então era desconhecida e a substituição

do trabalhador no mercado de trabalho por maquinários (Fávero4, 2007).

Diante dessa realidade, famílias inteiras sobrevivem em condições precárias de

saúde, habitação, educação entre outros. Com o intuito de aumentar a renda familiar

mulheres, crianças e adolescente têm sua força de trabalho explorada, exercem seus

trabalhos em ocupações insalubres, perigosas, as quais podem lhes ocasionar acidentes

com sequelas temporárias ou até mesmo permanentes.

A família passa a não garantir de forma segura a vida material de seus membros, não consegue protegê-los do mundo exterior. A função formativa da família esta sendo cada vez mais apropriada pelo Estado, pelo sistema escolar e meios de comunicação (Guerra, 1998, p.90).

3 Mestre e Doutora em Serviço Social - Pesquisadora do Laboratório de Estudos da Criança/IPUSP. 4 Eunice Teresinha Fávero possui graduação em Serviço Social pela PUC/Campinas , Mestrado em Serviço Social pela PUC/SP e doutorado em Serviço Social pela PUC/SP.

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O “modelo burguês familiar” teve alterações em várias partes do mundo, uma

das alterações é o aumento das famílias chefiadas por mulher, sendo essas viúvas ou

solteiras, também se modificaram as leis de proteção à família e a mulher, como o

direito ao divórcio, a venda de anticoncepcionais e o direito ao aborto legalizado em

alguns países.

A família nuclear monogâmica se estrutura através do pai enquanto provedor do

lar, a mãe como principal responsável pela proteção do lar e da família, ocupando

apenas esse espaço. Pressupondo um contexto harmonioso, para o desenvolvimento dos

seus membros, a família nuclear se tornou para a sociedade um modelo “correto”. As

famílias que não segue esse padrão estabelecido como o correto pelo sistema capitalista

são consideradas famílias desestruturadas ou desorganizadas, que necessitam de um

enquadramento e um ordenamento legal.

Apesar da hegemonia do padrão familiar nuclear na sociedade, as alterações nas

famílias não se interrompem pelo contrário, se amplificam e efetivam cada vez mais.

Com seus arranjos diversificados, as famílias estão cotidianamente enfrentando

preconceitos e descriminalização por não se enquadrarem nos padrões idealizados pelo

poder vigente.

Baseada em pesquisas sobre a temática, Fávero (2007) afirma que existe uma

pluralidade na forma de organização e de estabelecimento dos laços familiares, esta

pluralidade se dá através da família vivida no cotidiano, que recebe refrações da

sociedade, e da realidade do contexto social a qual esta inserida, que se mantém através

de laços efetivos e de convivência. Pensar em família é considerar a família na realidade

social, na que está presente os vínculos de sobrevivência e de convivência, para além

dos vínculos consanguíneos.

Desse modo, o ato de entregar, abandonar ou retirar uma criança da mãe e do pai

tem determinações interligadas à sobrevivência e ao não acesso aos direitos

historicamente conquistados.

De acordo com a autora Fávero (2007), a perda do poder familiar não é fato

novo e nem sendo um fenômeno apenas do sistema econômico capitalista, ocorrendo

também em outros momentos históricos. No entanto, em consequência do desemprego,

a exposição constante a ambientes de alta violência urbana e a falta de recursos próprios

e públicos para atender necessidades básicas, como alimentação, saúde, educação e

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moradia, fazem com que muitas famílias que vivenciam cotidianamente com as

manifestações da questão social, tenham determinadas atitudes de proteção para os

filhos5.

A falta de recursos econômicos é o maior motivo para um pai ou uma mãe

entregar ou abandonar a criança. Segundo Fávero, durante a sua pesquisa não foi

verificado nenhuma suspensão de poder familiar por pessoas que tivesse condição

socioeconômica confortável e segura. No entanto, as relações de violência onde há

histórico de pobreza6 são fatores decisivos para uma suspensão de poder familiar. A

exposição dos meios de comunicação em massa, dando a impressão que tal situação só

ocorre nas famílias em situação de vulnerabilidade social e econômica decorrentes da

pobreza e privações do modo de produção capitalista, viabiliza a criminalização dessas

famílias.

Na luta pela sobrevivência a população em situação de pobreza utiliza-se de

estratégias para continuar fazendo parte da vida dos filhos, portanto é aceitável a entrega

dos filhos para outros criarem, o que não significa falta de afeto. Para Sarti (in Fávero,

2007), esse é

(...) um patrão cultural que permite uma solução conciliatória entre o valor da maternidade e as dificuldades concretas de criar os filhos, levando as mães a não se desligarem deles, mas manterem o vínculo através de uma circulação temporária (p.70).

Essas “adoções temporárias”7, geralmente ocorrem dentro da rede de

parentescos ou de vizinhos criando formas distintas de afetividade e uma alternativa de

prestar cuidados e de não romper definitivamente os vínculos familiares. De acordo com

o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e

Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC)8 “as redes sociais de

5 A autora descreve no livro diversos relatos em que mães afirmam “que a criança será melhor cuidada por pessoas que usufruem melhores condições de vida” (Fávero, 2007, p. 64). 6 Também foi constatado na pesquisa da autora que a violência física e psicológica por parte dos pais em relação aos filhos é uma evidência cada vez mais presente e estes independem da situação econômica ou social da família 7 Conforme o original (Fávero, 2007, p.70). 8 O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária é um marco nas políticas públicas no Brasil, que rompe com a cultura da institucionalização de crianças e adolescentes e fortalece o paradigma da proteção integral e da

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apoio são uma frente importante para o trabalho (...) de proteção, defesa e garantia dos

direitos das crianças e adolescentes á convivencia familiar e comunitária” (2006, p. 25).

É importante ressaltar que existem situações que a permanência da criança ou do

adolescente na família de origem ou substituta, é questionável considerando o fato que

existem mães, pais e familiares que não desejam efetivamente cuidar dos filhos, desta

forma os submetem a negligência, abuso sexual, maus tratos físicos e psicológicos,

deixando sequelas que os marcaram por toda a vida. Fávero (2007) afirma que não

foram encontrados fatos que possibilitassem comprovar “que todos os sujeitos

cuidariam de seus filhos ou ficariam com eles se contassem com uma estrutura familiar,

habitacional, comunitária e de trabalho estável” (p. 73).

Para a autora, a falta de um conhecimento aprofundado sobre o contexto sócio-

familiar e comunitário das famílias que enfrentaram ou vivenciam o processo de

destituição do poder familiar contribui para a existência de preconceitos e conceitos

equivocados, pois “(...) sobre as mulheres que entregam seus filhos e acerca de suas

famílias, se conhecem pouco porque as escutam pouco e lhes perguntam mal” (Gilberti

in Fávero, 2007, p. 32).

Em relação ao descuido e abandono dos pais para com os filhos, as medidas

protetivas9 depois de esgotadas todas as demais possibilidade e “analisadas as condições

das famílias para a superação das violações e o provimento de proteção e cuidados”

(PNCFC, 2006, p.39) é a colocação da criança em família substituta10 após a destituição

do poder familiar, e, nos casos em que somente envolvem situação econômica,

primeiramente se aciona o Poder Executivo:

(...) o Estado é responsável pela proteção das crianças e adolescentes, incluindo o desenvolvimento de programas e projetos e estratégias que possam levar à constituição de novos vínculos familiares e comunitários (PNCFC, 2006, p.16).

preservação dos vínculos familiares e comunitários preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Aprovado em assembléia pelo Conanda e CNAS em dezembro de 2006. (MDS) 9As medidas de proteção, segundo o artigo 98 do ECA, devem ser aplicadas quando os direitos estiverem ameaçados ou violados “ por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsavéis (...)”. 10O ECA assegura ato da criança e adolescente o direito de ser cria do no seio de sua família (art.19). Quando não há possibilidade de permanência em sua família de origem, a família substituta é o caminho para garantir à criança uma família (art.39).

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E para que crie, segundo o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA)11,

(...) programas de auxílio, de forma que a criança não seja retirada da família e da comunidade de origem em razão da falta de condições materiais que lhe possibilitem crescer e se desenvolver com dignidade (art.23).

Neste caso, ressaltamos a importância da rede socioassistencial e de serviços

públicos, como escolas, serviços de saúde, CRAS, CREAS e dos Conselhos Tutelares,

os responsáveis por verificar, avaliar e fazer o encaminhamento se necessário ao

Ministério Público e Varas da Infância e da Juventude. E a participação da sociedade

nos Conselhos, Conferências e fóruns de discussão, a fim de controlar, propor e

denunciar a não materialização do ECA e demais mecanismos de proteção à família.

As Varas da Infância e Juventude são de natureza Jurídica com a função de

aplicar a lei, só que cotidianamente acabam tendo que lidar com questões de ordem

estrutural, compensando a ausência de políticas públicas e programas de auxílio para as

famílias. E por não se tratar de uma política ou programa que faça parte da assistência

social12, os serviços prestados acabam tendo um caráter assistencialista.

Na busca pela verdade, o Judicário procura ter discrição nas ações que envolvem

a destituição da perda familiar, assim para atingir tal objetivo e legitimar alguma

decisão, as Varas da Infância e Juventude contam com diversos especialistas, como por

exemplo, o profissionail do Serviço Social. Que ao longo dos tempos vem auxiliando as

decisões judiciais, pelo seu conhecimento das particularidades da questão social.

Os sujeitos encaminhados aos “serviços” das Varas da Infância e Juventude

majoritariamente são migrantes, residem em lugares de grande precariedade, pessoas

solteiras de recorte feminino, ou com arranjos familiares instáveis e diversificados. Sem

acesso aos direitos humanos essa população sofre as sequelas consequentes da

reestruturação imposta pelo ajuste neoliberal, desde a década de 1990, não que esta

população já não era excluída, significa que com a reestruturação produtiva aumenta-se

o desemprego e a precarização ainda maior das condições de trabalho.

11 Estatuto da Criança e do Adolescente, lei n° 8069 aprovado em 13 de julho de 1990. 12 Segundo Yasbek é um conjunto de ações extremamente diversificado que têm como alvo prioritário a situação de espoliação e pobreza de um segmento também diversificado e cada vez maior das classes subalternas que, em geral, situa-se na chamada linha de pobreza que alcança mais da metade das famílias brasileira (in Fávero, 2007, p.68)

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A pobreza está inserida num quadro de extrema violência social, pobreza aqui

entendida como um conjunto de ausências referente à renda, trabalho, saúde, moradia e

rede de apoio. Em condição de privação coletiva, essa população base da pirâmide

social brasileira esta inserida “num estado de não ter”, como pontua (Sposati, in Fávero,

2007). Em toda sua trajetória de vida essa população foi atingida pela precarização das

relações de não inserção a cidade, ao trabalho e até mesmo de relações com suas

próprias famílias, essa é uma realidade das formas de sobrevivência dos sujeitos que

perdem o poder familiar.

Conforme estudos realizados com as famílias em processo de destituição do

poder familiar, a autora Fávero constata que há baixo nível de escolaridades dos pais,

sendo o desemprego o maior indicador, sobretudo entre as mulheres, as que trabalham

em serviços com menores rendimentos, atuam majoritariamente no serviço doméstico.

As precárias condições de trabalho com baixa remuneração e a falta dele revela a

insuficiência das políticas sociais para compensar as necessidades humanas, o

“aviltamento do trabalho, o desemprego, a debilidade da saúde, o desconforto, a

moradia precária e insalubre, a alimentação insuficiente, a ignorância, a fadiga, a

resignação” (Yasbek in Fávero, 2007, p. 93) expressa às condições limites de exclusão

desta população. Esta situação é consequência direta das relações sociais vigente,

violência que percorre todo o cotidiano destes sujeitos.

Essa população em situação de vulnerabilidade social e econômica sem direito a

cidade abrigam-se em moradias precárias sem acesso aos seus direitos e a justiça, seus

filhos acabam abandonando a escola muito cedo, despossuída de qualificação

profissional. Essa segregação é consequente da privação dos espaços públicos que

bloqueia o acesso ao emprego, muito menos oportunidades educacionais e culturais, que

produz assim insegurança e espoliação social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, consideramos que a grande incidência da perda do poder

familiar está intrinsecamente ligada as precárias condições de saúde, habitação,

educação e de trabalho, reflexo das expressões da questão social oriundas da relação de

dominação capital x trabalho.

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Daí vem à necessidade de um conhecimento aprofundado sobre os contextos

familiares e comunitários das famílias que enfrentam cotidianamente uma sociedade

violadora de direitos que encontram na entrega do filho a única maneira de superar a

fome, o frio, o desespero.

A atuação profissional do assistente social está voltada na perspectiva de romper

com a visão focalista e fragmentada em relação a essas famílias e das situações que elas

vivenciam compreendendo que por detrás de cada vínculo rompido existe uma família

em situação de desproteção social. Compreendendo o contexto social, econômico,

político e cultural, a atuação profissional dever garantir os direitos de proteção familiar,

há essas famílias que sofrem os impactos do modo de (re)produção capitalista, da falta

de oportunidade, ausência do Estado, perda de proteção, diferentes formas de

abandonos, negligência e manifestação de violência que geram por sua vez

rompimentos de vínculos, a perda do poder familiar, violação de direitos e exclusão.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei Orgânica da Assistência Social. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 e alterada recentemente pela lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011. _______. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. Disponível em: http:<www.mds.gov.br>. Acesso em: 19 de outubro de 2011. _______. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Criança e Adolescente à Convivência Familiar e Comunitária. Brasília, 2006. _______. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal nº 8069 de 13 de julho de 1990. FÁVERO, Eunice Teresinha. Questão social e perda do poder familiar. Série: temas, 5. São Paulo: Veras Editora, 2007. GUERRA. Viviane Nogueira de Azevedo. Violência de pais contra filhos: a tragédia revisitada. 3. ed. ver. e ampl. São Paulo: Cortez, 1998.

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YASBEK, Maria Carmelita. Classes subalternas e assistência social. São Paulo: Cortez, 1996.