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Universidade do Minho 2009/2010 Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica – 3ºAno Maio 2010 ÓRGÃOS: D D a a D D o o a a ç ç ã ã o o à à T T r r a a n n s s p p l l a a n n t t a a ç ç ã ã o o Serviços de apoio Clínico Docente: Olívia Pereira Trabalho realizado Por: Diana Machado nº52550 Joana Castro nº52578 Marino Maciel nº52557 Paulo Silva nº52569 Sara Pimenta nº52567

BANCO DE ÓRGÃOS EM PORTUGAL - 2010

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Trabalho realizado por um grupo de alunos da Universidade do Minho do curso de Engenharia Biomédica e estamos a realizar um trabalho sobre Banco de Órgãos em Portugal. Gostaríamos de saber se tem disponibilidade para nos responder a algumas perguntas. Ficaríamos muito gratos. Muito obrigado pela atenção.

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Universidade do Minho 2009/2010

Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica – 3ºAno Maio 2010

ÓRGÃOS:

““DDaa DDooaaççããoo……

…… àà TTrraannssppllaannttaaççããoo””

Serviços de apoio Clínico Docente: Olívia Pereira

Trabalho realizado Por:

Diana Machado nº52550

Joana Castro nº52578

Marino Maciel nº52557

Paulo Silva nº52569

Sara Pimenta nº52567

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Agradecimentos

À professora Olívia Pereira, docente da unidade curricular Serviços de Apoio Clínico, pela

ajuda prestada na sugestão dos vários aspectos que deveriam ser abordados no presente

trabalho.

À senhora Sandra Campos, pelo seu testemunho e pela sua disponibilidade em responder a

algumas questões sobre o seu caso de transplantação bi-pulmonar.

Ao Doutor José Gerardo, Director de Transplantação do Hospital S. João, pelo esclarecimento

de dúvidas relativas à realização do trabalho.

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

Sumário O presente trabalho tem como principal objectivo abordar a temática da

transplantação de órgãos, nomeadamente, de definir os seus tipos, transplantação

autoplástica e heteroplástica, indicar quais os principais problemas éticos e jurídicos

relacionados, fazer uma análise estatística acerca da doação e transplantação de órgãos

em Portugal, e perceber quais os principais mecanismos envolvidos na preservação e

transporte de órgãos.

Para além disso, ao longo da realização deste trabalho procedeu-se ao contacto

com uma pessoa que realizou um transplante bi-pulmonar, sendo que a entrevista

realizada encontra-se na totalidade em anexos, e no corpo do trabalho encontra-se um

pequeno comentário a essa entrevista, realizado pelo grupo. O principal objectivo foi

comparar a informação recolhida na literatura com uma situação real.

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

Serviços de Apoio Clínico Página 1

Índice 1.Introdução.................................................................................................................. 3

2.Transplante de órgãos ................................................................................................ 4

3.Princípios éticos e perspectiva jurídica da transplantação em Portugal........................ 5

4.Rede nacional de coordenação de colheita e transplantação........................................ 8

4.1 Coordenadores hospitalares de doação................................................................. 8

4.2 Gabinetes Coordenadores de Colheita e Transplantação....................................... 9

4.3 Rede Nacional de Colheita – Unidades Autorizadas para a Colheita de Órgãos.. 10

5.Análise estatística relativa à doação de órgãos em Portugal ...................................... 12

6.Preservação de órgãos .............................................................................................. 16

6.1 Fisiopatologia da Preservação de órgãos............................................................ 17

6.1.1 Integridade da estrutura celular.................................................................... 17

6.1.2 Composição iónica da célula ....................................................................... 18

6.1.3 Lesão por reperfusão ................................................................................... 18

6.2 Soluções para preservação ................................................................................. 18

6.2.1 Solução Euro-Collins .................................................................................. 19

6.2.2 Solução HTK Bretschneider ........................................................................ 19

6.2.3 Solução University of Wisconsin (UW)....................................................... 19

6.2.4 Solução Celsior ........................................................................................... 19

6.3 Técnicas de preservação de órgãos..................................................................... 20

6.4 Princípio de preservação de órgãos .................................................................... 20

6.4.1 Manutenção do doador ................................................................................ 21

6.4.2 Remoção de múltiplos órgãos...................................................................... 21

6.4.3 Soluções de preservação.............................................................................. 21

6.5 Técnicas de preservação correntes ..................................................................... 22

6.5.1 Rim, Fígado e Pâncreas ............................................................................... 22

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

Serviços de Apoio Clínico Página 2

6.5.2 Coração e pulmões ...................................................................................... 22

6.5.3 Intestino delgado ......................................................................................... 23

6.6 Órgãos cuja viabilidade foi comprometida ......................................................... 23

7.Transporte de órgãos................................................................................................ 23

8.Comentário .............................................................................................................. 25

9. Conclusão ............................................................................................................... 26

10.Bibliografia ............................................................................................................ 27

11.Anexos................................................................................................................... 30

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

Serviços de Apoio Clínico Página 3

1.Introdução

A doação de órgãos é uma forma peculiar de testemunho da caridade. Numa

época como a nossa, com frequência marcada por diversas formas de egoísmo, torna-

se cada vez mais urgente compreender quanto é determinante para uma correcta

concepção da vida entrar na lógica da gratuidade. De facto, existe uma

responsabilidade do amor e da caridade que compromete a fazer da própria vida uma

doação aos outros, se quisermos verdadeiramente realizar-nos a nós próprios.

Bento XVI, Novembro 2008

A doação de órgãos possibilita a luta pela vida. É um gesto que reflecte o amor

ao próximo. É necessária, porque a cada dia que passa as listas de espera por um

transplante aumentam. Se um dia se tiver a possibilidade de doar um órgão, porque não

o fazer!? Isto contribui para devolver a felicidade a uma pessoa que sofre pela espera de

um órgão compatível. O acto de doação conduz a uma grande lição de vida.

É de salientar que nem todas as pessoas que morrem podem ser doadores, mas

apenas uma percentagem muito pequena. Isto porque, as pessoas vivem toda uma vida

em que o organismo é sujeito a sucessivas agressões, e como consequência estas levam

a alterações nos seus órgãos, impossibilitando assim a transplantação.

O transporte e a preservação de órgãos é um serviço de saúde de extrema

importância, que permitem manter a viabilidade do órgão doado. Assim, é um serviço

que necessita de uma organização cuidada e especializada.

No âmbito da unidade curricular Serviços de Apoio Clínico decidiu-se abordar a

temática da transplantação de órgãos, uma vez que esta suscitou um interesse peculiar,

pelo facto de ser um tema actual e de interesse para a sociedade global e,

simultaneamente, por fornecer conceitos mais técnicos, nomeadamente no que se refere

à preservação e transporte dos órgãos, à coordenação da colheita e transplantação de

órgãos, problemas éticos e políticos associados à transplantação, etc. Para além disso,

esta área poderá ser um campo de trabalho para um Engenheiro Biomédico,

nomeadamente na organização da base de dados das listas de espera, no controlo

estatístico dos dados da transplantação, etc. Neste sentido o presente trabalho constitui

uma mais-valia para o futuro.

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

Serviços de Apoio Clínico Página 4

2.Transplante de órgãos

Um transplante (ou transplantação) consiste na transferência de células, tecidos

ou órgãos vivos de uma pessoa (o doador) para outra (o receptor) ou de uma parte do

corpo para outra, com o objectivo de restabelecer uma função perdida. Existem dois

subtipos de transplantação, e estes podem ser: [1]

1. Transplantação autoplástica, que é a transplantação de tecidos do

mesmo organismo, de um lugar para o outro (como por exemplo, os excertos de pele)[2];

2. Transplantação heteroplástica, que ocorre quando se transplantam

órgãos ou tecidos de um organismo para o outro. E esta pode ser homóloga, se a

transplantação ocorrer entre indivíduos da mesma espécie. Se a transplantação se der

entre indivíduos de espécies diferentes designa-se por heteróloga ou

xenotransplantação. A transplantação heteróloga encontra-se actualmente pouco

desenvolvida tendo, portanto, um longo caminho a percorrer no mundo da investigação

científica. Além disso, abarca consigo um conjunto de problemas, entre os quais pode-

se destacar os de natureza:

a) Clínica, rejeição por parte do hospedeiro dos órgãos ou tecidos do

doador, que neste caso será um animal; aparecimento de doenças de origem não

humana, em que o surgimento de vírus letais poderá ser catastrófico.

b) Ética, em que, se por um lado há quem veja o xenotransplante como meio

para prolongar a vida e melhorar a qualidade da mesma, por outro há quem pense que o

homem não possui o direito de utilizar os animais em seu próprio benefício.

c) Económica, como é uma área em desenvolvimento, implica grandes

investimentos. [3][4][5]

Os transplantes acarretam grandes benefícios às pessoas afectadas por

determinadas doenças que, de outra maneira, seriam incuráveis.

A transplantação de um órgão tem como pressuposto encontrar um doador que

seja compatível, assim como aceitar os riscos que uma intervenção cirúrgica dessa

escala pode trazer, quer para o beneficiário como para um doador vivo. Implica também

aceitar a utilização de fármacos imunossupressores, como também, encarar a possível

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

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rejeição do órgão transplantado e ultrapassar complicações graves que poderão levar à

morte.

Os órgãos doados podem ter origem numa pessoa viva ou então em alguém que

acabou de falecer. A probabilidade de sucesso na transplantação será maior quando se

trata de um doador vivo. Porém, órgãos como o coração, os pulmões e os componentes

do olho (a córnea e o cristalino) só podem provir de alguém que tenha morrido

recentemente. [1] [6]

Depois de cumpridas todas as formalidades e realizada a colheita, os órgãos são

conduzidos para as unidades de transplantação que contêm o receptor. A complexidade

da cirurgia do transplante e a impossibilidade da sua programação, visto estar sempre

dependente da ocorrência de um doador, torna imperioso manter as equipas com o nível

de preparação técnica necessário. [7]

3.Princípios éticos e perspectiva jurídica da transplantação

em Portugal

A intervenção das ciências médicas e de técnicas cirúrgicas na área dos

transplantes têm tido um progresso rápido e contínuo nos últimos tempos. Porém, com o

progresso das técnicas, com o aumento dos pedidos de dádiva, com a escassez de

doadores e com questões sobre a qualidade dos órgãos susceptíveis de transplante, os

problemas éticos relacionados com o transplante de órgãos têm vindo a tornar-se cada

vez mais complexos. [8]

A transplantação reflecte questões éticas relativas à experimentação no corpo

humano, decisões políticas relacionadas com a saúde e, num sentido mais lato,

questionam os limites do conceito de dignidade humana.

A ética da transplantação agrega três princípios gerais, que abordam a

legitimidade do transplante:

1. O princípio da intangibilidade corporal, ou seja, o corpo pertence à

entidade pessoal, e como tal merece tanta dignidade como a pessoa humana. Deste

modo, qualquer intervenção na integridade corporal é ao mesmo tempo uma intervenção

na dignidade pessoal.

2. O princípio da solidariedade, que defende que o homem é um ser social

e capaz de fazer variados sacrifícios em prol do bem da comunidade. Assim, a doação

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de órgãos deverá ser uma iniciativa pessoal, mas nunca poderá comprometer a

integridade vital.

3. O princípio da totalidade, estipula que o corpo é visto como um todo,

então cada parte do mesmo deve ser avaliada de acordo com o todo. Deste modo,

qualquer operação com um órgão, se for proveitosa para o corpo humano, torna-se

legítima a intervenção médica.

A dignidade da pessoa humana potencia a criação de um conjunto de princípios

específicos pelos quais a transplantação se rege:

1. O principio da autonomia, que estabelece que a colheita de tecidos ou

órgãos tem de passar pelo consentimento do doador vivo e do receptor. O

consentimento destes deve ser livre, informado e inequívoco. [11]

2. O princípio da confidencialidade defende que o indivíduo tem a

capacidade de decidir se pretende o anonimato em todo o processo. [11]

3. O princípio da gratuidade defende que o órgão ou tecido, por possuir

individualidade própria nunca poderá ser vendido. A comercialização de órgãos seria

um acto contra a integridade humana, uma vez que o órgão passaria a ser tratado como

um mero objecto, com valor monetário, não humano. [11]

Os estabelecimentos autorizados a realizar transplantes de órgãos, de tecidos e

células podem receber uma remuneração, única e exclusivamente pelo serviço prestado,

não podendo o cálculo desta remuneração atribuir qualquer valor aos órgãos, tecidos ou

células, colhidos ou transplantados (art. 5º/3). [11] Todavia, existem países que devido à

falta de condições de vida, assentam em critérios de ética diferentes, permitindo

situações de transplantação remunerada, como é o caso da Índia.

4. O princípio da não discriminação, em que a selecção dos receptores

apenas é realizada mediante critérios médicos.

A transplantação do encéfalo bem como de órgãos sexuais não existe, porque

violaria o conceito de dignidade humana. Isto porque, estas duas situações pisam a

fronteira da identidade humana. Sobretudo no que diz respeito ao cérebro, porque este

preserva a memória da vida. [9] [10][12]

Existem critérios que estabelecem a legitimidade da doação de órgãos e eles são:

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

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1. Doação voluntária, que possibilita ao indivíduo vivo manifestar

livremente a sua opção em aceitar doar os seus órgãos. Esta opção é sempre confirmada

por escrito, sendo livremente revogável. [9]

2. Consentimento presumido, no qual por definição todo o indivíduo post

mortem é potencial doador de órgãos. Este princípio, que é o usado em Portugal, torna o

processo de doação mais eficaz, uma vez que os médicos podem retirar os órgãos de um

cadáver imediatamente após a sua morte. O consentimento presumido divide-se em duas

componentes: a forte, que permite ao médico retirar os órgãos de todo e qualquer

cadáver, e a fraca, que exclui do conjunto de doadores, todos os cidadãos que, em vida,

tenham declarado objecção ao procedimento. [9]

Numa perspectiva jurídica, salientam-se os seguintes direitos do paciente:

a) Direito ao consentimento informado e ao sigilo médico.

b) Direito do homem sobre o poder do seu corpo.

c) Direito do receptor negar o tratamento, mesmo que isso implique a sua

morte.

Em Portugal, a 22 de Abril de 1993 foi publicada a Lei 12/93, lei que

regulamenta a Colheita e Transplante de órgãos e tecidos de Origem Humana.

Algumas considerações sobre a lei:

Relativamente à colheita em vida, a lei refere-se à admissibilidade dos doadores,

ao consentimento e ao direito à assistência e à indemnização. Os doadores vivos

possuem um seguro (art.9º/2), que lhes reserva uma indemnização no caso de ocorrer

qualquer dano.

Em relação à colheita de órgãos ou tecidos em cadáveres, a legislação considera

potenciais doadores quem não tenha manifestado ao Ministério da Saúde a sua

qualidade de não doador. Para esse efeito, existe o RENNDA (Registo Nacional de Não

Doadores), trata-se de um sistema informatizado onde constam todos os que

manifestaram junto do Ministério a sua total ou parcial indisponibilidade em doar post

mortem órgãos/tecidos.

A legislação portuguesa normalmente autoriza apenas a colheita em vida de

órgãos regeneráveis (art.6º). Contudo, para menores e outros incapazes a proibição é

absoluta. Nos casos em que existe uma relação de parentesco até ao terceiro grau é

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permitida a dádiva de órgãos e substâncias não regeneráveis. No caso de dádiva e

colheita de órgãos ou tecidos não regeneráveis, a respectiva admissibilidade fica

dependente de parecer favorável, emitido pela Entidade de Verificação da

Admissibilidade da Colheita para Transplante (EVA) (art.6º/3).

Em relação aos dadores incapazes, está presente a distinção entre menores e os

que possuem qualquer anomalia psíquica. As doações de substâncias regeneráveis nos

maiores, incapazes por anomalia psíquica, só podem ser feitas mediante autorização

judicial (art. 8º/5). Qualquer menor pode doar um órgão através do consentimento dos

pais. Quando não existe poder paternal, recorre-se ao tribunal (art. 8º/3), sem ser

necessária uma autorização judicial.

É de salientar que tudo o que foi referido até então não se aplica a transfusões de

sangue, à dádiva de óvulos e esperma, à transferência e manipulação de embriões, assim

como à colheita de órgãos para fins de investigação científica, existindo para cada caso

uma legislação específica. [9] [11]

4.Rede nacional de coordenação de colheita e transplantação

A rede nacional de coordenação de colheita e transplantação é constituída pelos

coordenadores hospitalares de doação e por gabinetes coordenados de colheita e

transplantação (GCCT). [13]

4.1 Coordenadores hospitalares de doação

Os cargos associados aos coordenadores hospitalares de doação (CHD) são

desempenhados por licenciados em medicina com formação específica para a detecção e

avaliação completa de potenciais doadores de órgãos para transplantação. São

preferencialmente médicos das áreas de urgência, cuidados intensivos, emergência ou

anestesia. O coordenador hospitalar de doação é nomeado pelo conselho de

administração do hospital, sob a proposta do coordenador nacional das unidades de

colheita. [14]

São apresentadas de seguida um conjunto de funções do CHD: [13]

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1. Identificar e avaliar todos os potenciais doadores através de visitas

diárias às unidades de cuidados intensivos ou outros serviços hospitalares onde se

prestem cuidados de suporte ventilatório, usando de todos os conhecimentos científicos

disponíveis.

2. Obter a história clínica do potencial doador e todos os doados necessários

para a sua correcta avaliação e proceder, posteriormente, à sua validação.

3. Assegurar a qualidade, segurança e transparência de todos os

procedimentos.

4. Disponibilizar a informação adequada à família dos potenciais doadores.

5. Proceder aos contactos com o GCCT para obtenção do apoio logístico

necessário à realização da colheita de órgãos para efeitos de transplantação.

6. Proceder aos registos necessários relacionados com a actividade

definidos pela ASST (Autoridade para Serviços de Sangue e Transplantação).

7. Promover e divulgar a actividade da colheita e transplantação de órgãos,

bem como participar em acções de sensibilização para a doação na área de influência do

respectivo hospital e do GCCT.

8. Reunir periodicamente com o director do GCCT para avaliação de

resultados obtidos e concertação de acções, e sempre que necessário com o coordenador

nacional das unidades de colheita.

9. Dar parecer sobre medidas propostas no âmbito hospitalar que possam,

de algum modo, interferir na actividade de colheita de órgãos.

10. Elaborar anualmente um relatório da actividade desenvolvida e

apresentá-lo ao conselho de administração do respectivo hospital e à ASST.

4.2 Gabinetes Coordenadores de Colheita e Transplantação

Os Gabinetes Coordenadores de Colheita e Transplantação (GCCT) são sistemas

autónomos dotados de recursos humanos com especializações na área da coordenação

de colheita e transplantação. São compostos por equipas pluridisciplinares para a

realização da colheita de órgãos, tecidos e células nos doadores identificados para esse

efeito (pelo CHD) e por outros profissionais indispensáveis à actividade. Funcionam

permanentemente, dispondo, para esse efeito, de uma escala de coordenadores de

colheita e transplantação e de um sistema de contacto que garante uma resposta eficaz à

referenciação de um potencial doador em qualquer hospital do país. [13] Cada gabinete é

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

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dirigido por um director, elegido pelo conselho administrativo do respectivo hospital e

sob a proposta da ASST com competência na área da saúde e transplantação e com

formação preferencial na área da coordenação de colheita de órgãos, para

transplantação.

Os GCCT encontram-se localizados no:

a. Hospital de São João;

b. Centro Hospitalar do Porto - Unidade de Santo António;

c. Hospitais da Universidade de Coimbra;

d. Centro Hospitalar de Lisboa Central - Hospital São José;

e. Centro Hospitalar de Lisboa Norte - Hospital de Santa Maria.

4.3 Rede Nacional de Colheita – Unidades Autorizadas para a

Colheita de Órgãos

Na tabela seguinte apresentam-se as unidades a nível nacional autorizadas para a

colheita de órgãos em pareceria com o respectivo GCCT.

Tabela 1 - Unidades Autorizadas para Colheita de Órgãos [15]

Zona Norte Em articulação com o GCCT do Hospital de Santo António

Em articulação com o GCCT do Hospital de S. João

Grupo Hospitalar Hospital Grupo Hospitalar Hospital Centro Hospitalar

do Porto Unidade de Santo

António Hospital São João -

Porto Hospital São João –

Porto

Centro Hospitalar Alto Ave

Hospital Sra. Oliveira – Guimarães

Unidade Local de Saúde de

Matosinhos

Hospital Pedro Hispano

(Matosinhos)

Hospital S. Marcos de Braga

Hospital S. Marcos de Braga

Unidade Local Saúde Alto Minho

Hospital Santa Luzia - Viana do

Castelo Centro Hospitalar de Trás-os-Montes

e Alto Douro

C. H. de Vila Real -Peso da Régua

Centro Hospitalar de Vila Nova de

Gaia/Espinho

C. H. Vila Nova de Gaia/Espinho

Centro Hospitalar Tâmega e Sousa

Hospital Padre Américo - Vale do

Sousa

Zona Centro Em articulação com o GCCT dos Hospitais da Universidade Coimbra

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

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Grupo Hospitalar Hospital Grupo Hospitalar Hospital Centro Hospitalar de Lisboa Central

HUC Hospital Santo André - Leiria

Hospital Santo André – Leiria

Centro Hospitalar de Coimbra Centro Hospitalar

de Coimbra Hospital Pediátrico de Coimbra

Hospital Infante D. Pedro - Aveiro

Hospital Infante D. Pedro – Aveiro

Hospital de S. Teotónio - Viseu

Hospital S. Teotónio – Viseu

Centro Hospitalar Cova da Beira

C.H. Cova da Beira – Covilhã

Centro Hospitalar Entre-o-Douro e

Vouga

C.H. Entre-o-Douro e Vouga (H. S.

Sebastião - Stª Mª Feira)

Unidade Local de Saúde Guarda

ULS Guarda (H. Sousa Martins)

Hospital Amato Lusitano- Castelo

Branco

Hospital Amato Lusitano- Castelo

Branco

Hospital Ponta Delgada

Hospital Ponta Delgada

Zona Sul Em articulação com o GCCT do Hospital de S. José

Grupo Hospitalar Hospital Grupo Hospitalar Hospital C.H.L.C. (São José) Hospital Santarém Hospital Santarém

C.H.L.C. (Capuchos)

Unidade Local de Saúde Baixo

Alentejo

ULS Baixo Alentejo (H Beja)

C.H.L.C (Estefânia) Hospital Espírito

Santo - Évora Hospital Espírito

Santo – Évora

Centro Hospitalar de Lisboa Central

C.H.L.C. (Marta) Hospital Distrital

Faro Hospital Faro

Hospital Curry Cabral

H. Curry Cabral Hospital Barlavento

Algarvio Hospital Barlavento

Algarvio Hospital Fernando

Fonseca -Amadora/Sintra

Hospital Fernando Fonseca -

Amadora/Sintra

Centro Hospitalar Funchal

C. H. Funchal

Hospital Garcia de Orta

Hospital Garcia de Orta

Unidade Local de Saúde Norte Alentejano)

ULS Norte Alentejano (H.

Portalegre Centro Hospitalar Barreiro Montijo,

EPE

Hospital N. Srª do Rosário – Barreiro

Centro Hospitalar de Setúbal

Hospital São Bernardo (Setúbal)

Hospital Litoral Alentejano

Hospital Litoral Alentejano (H.

Santiago Cacém)

Em articulação com o GCCT do Hospital de Santa Maria Grupo

Hospitalar Hospital Grupo Hospitalar Hospital

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

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Hospital de Santa Maria

Hospital São Francisco Xavier Centro Hospitalar

Lisboa Norte Hospital Pulido Valente

Hospital Egas Moniz

Centro Hospitalar Médio Tejo

Hospital Abrantes

Centro Hospital Ocidental Lisboa

Hospital Santa Cruz

Hospital Reynaldods Santos - Vila Franca Xira

Hospital Reynaldods Santos - Vila Franca Xira

Hospital Cascais (HPP)

Hospital Cascais

5.Análise estatística relativa à doação de órgãos em Portugal

Abaixo encontram-se os dados apresentados pela ASST relativamente à

evolução da doação de órgãos em Portugal e as principais conclusões.

O gráfico da Figura 1 evidencia a evolução no número de dadores de órgãos de

cadáver, por milhão de habitantes (p.m.h.), nos últimos quatro anos. Desde 2006 até

2009, o número de doadores cadáveres aumentou cerca de 64%.

Para se conhecer a situação da colheita de órgãos de cadáveres, tendo em conta a

posição demográfica, é possível verificar, através dos gráficos da Figura 2, que nos

últimos dois anos, na região Sul ocorreu maior número de colheitas. O Norte

contabilizou um menor número de colheitas realizadas.

Figura 1 – Representação do número de dadores cadáveres de órgãos, por milhão de habitantes

(p.m.h.), em Portugal, nos últimos quatro anos (cálculo efectuado por 10,62 milhões de habitantes). [16]

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

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É possível concluir que, de 2008 para 2009, o aumento de número de colheitas

foi mais significativo na região Sul, tendo registado 26% desse aumento, ao passo que a

região Norte registou o menor aumento (apenas 3,2%).

Para este estudo, é preciso ter em conta que os resultados obtidos nos

arquipélagos da Madeira e dos Açores estão inseridos nas regiões Sul e Centro,

respectivamente. Também é importante deter que o número de habitantes por região é

diferente. [16]

Em 2008, registou-se 3.745.439 habitantes na região Norte, havendo 25,6

dadores/p.m.h., 2.628.064 habitantes na região Centro e Açores, contabilizando 42,7

dadores/p.m.h., e 4.253.747 habitantes na região Sul e Madeira, havendo 28,4

dadores/p.m.h. Assim sendo, para o mesmo número de habitantes (um milhão), a região

Centro e Açores tiveram maior número de colheitas de órgãos de cadáveres nestes

últimos dois anos. [16]

Analisando a evolução no número de colheitas de um determinado órgão, é

possível verificar, através dos gráficos da Figura 3, que de 2008 para 2009 houve um

aumento de 13,3% no número de colheitas de órgãos de cadáveres em Portugal, sendo

que o maior aumento ocorreu no número de rins disponíveis para transplantação. Este

facto foi importante na medida em que se pode reduzir o número de utentes em lista de

espera para transplante de órgãos.

Figura 2 – Representação do número de colheitas de órgãos efectuadas em dadores cadáveres por

região, nos últimos dois anos. [16]

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

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Através dos gráficos da Figura 4, pode-se concluir que, no ano de 2009, 71% das

dádivas em vivo ocorre em casos em que o doador e o receptor apresentam um grau de

parentesco muito próximo. Essa dádiva verificou-se com maior frequência nos casos em

que os dois implicados são irmãos. Tal facto deve-se à maior compatibilidade genética

entre indivíduos que partilham este grau de parentesco.

Apenas 29% das dádivas em vivo implica indivíduos que não estão unidos por

um grau de parentesco, mas apresentam uma relação conjugal ou então uma união de

facto.

Comparando o número de colheitas em vivo realizadas em 2008 com o número

de colheitas realizadas em 2009, verifica-se que houve um aumento de cerca de 25%.

Figura 3 – Representação do número de colheitas de órgãos em cadáveres, nos anos de 2008 e 2009,

em Portugal. [16]

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Para além do estudo estatístico relativo à colheita de órgãos, torna-se

importante ter conhecimento quanto à quantidade desses órgãos que foram utilizados

para transplante. Segundo os gráficos da Figura 5, é possível concluir que o transplante

de córneas foi o mais efectuado em Portugal, nos últimos três anos, seguido dos

transplantes da medula e renal. Verifica-se que número de transplantes para um

determinado órgão aumentou, à excepção do número de transplantes hepáticos, em que

no último ano ocorreu um decréscimo de cerca de 6,9%. É também importante referir

que o transplante pulmonar e pancreático em Portugal é praticamente residual.

Figura 4 - Representação do número de colheitas de órgãos em vivo (rim e fígado) em Portugal,

em 2008 e 2009, segundo a Lei nº12/1993 e a Lei nº 22/2007. [16]

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

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Perante estes resultados, como consequência da reorganização das unidades de

colheita, Portugal poder-se-á orgulhar por se encontrar no pelotão da frente da União

Europeia na área da doação de órgãos. Das 20 colheitas realizadas por milhão de

habitante na Europa, Portugal registou 27 colheitas para o mesmo número de habitantes,

em 2009. [17]

A coordenadora nacional das unidades de colheita da ASST, Maria João

Aguiar, congratula-se, imputando a boa prestação do país; “Somos hoje uma história de

sucesso única na Europa”; e lança novo objectivo: alcançar os 30 dadores por milhão de

habitantes, em 2010. [17]

6.Preservação de órgãos

O primeiro transplante foi realizado na década de 1950, e tratou-se na

transplantação de um rim. Desde então, a melhoria das técnicas cirúrgicas e resultados

após transplantação renal e de outros órgãos, como o fígado, o pâncreas, o coração, os

pulmões, contribuíram para um crescente número de transplantes realizados no mundo

Figura 5 – Dados relativos à transplantação de órgãos efectuada em Portugal, nos anos de 2007, 2008 e 2009. [16]

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inteiro. A grande parte dos órgãos doados são de doadores post mortem e por essa razão,

a conservação de órgãos para a realização do seu transporte entre os locais de recolha e

de transplantação é um factor de extrema importância, de forma a garantir a viabilidade

destes. As tecnologias de preservação de órgãos têm melhorado ao longo dos anos.

Existem actualmente, várias soluções de conservação de órgãos e estas estão a ser

constantemente modificadas a fim de se alcançar uma melhoria de resultados na

preservação de um órgão. Seguidamente irão ser abordadas a fisiopatologia, técnicas e

princípios de preservação de órgãos, e apresentadas várias soluções de preservação

actualmente utilizadas para transplantes do rim, fígado, pâncreas, intestino delgado,

pulmão e coração.

6.1 Fisiopatologia da Preservação de órgãos

A homeostase de um órgão é profundamente afectada pela sua recolha,

preservação e transplantação. A lesão que um órgão sustenta durante essas fases ocorre

essencialmente como resultado da isquemia e hipotermia. As técnicas de preservação

existentes pretendem minimizar estas lesões a fim de manter a sobrevivência do órgão e

da sua função.

Os danos causados aos órgãos durante as fases já referidas, ocorrem

essencialmente em duas etapas: a primeira é a fase isquémica quente, que envolve o

tempo desde a interrupção da circulação no órgão doador até ao primeiro contacto do

órgão como a solução de preservação hipotérmica; a segunda é a fase isquémica fria que

ocorre quando o órgão é conservado num estado de hipotermia antes do transplante. [18]

Existem três mecanismos de lesões nos órgãos:

Integridade da estrutura celular

Composição iónica da célula

Lesão por reperfusão

6.1.1 Integridade da estrutura celular A membrana celular desempenha um papel de extrema importância para a célula

pois funciona como uma barreira activa com o meio extracelular. A permeabilidade da

membrana à água e a certos iões depende da integridade da bicamada lipídica, a qual é

fortemente afectada pela temperatura. A hipotermia induz uma transição de fase nos

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

Serviços de Apoio Clínico Página 18

lípidos, provocando assim profundas alterações na permeabilidade, nomeadamente o

aumento da permeabilidade da membrana que resulta no aumento do volume celular.

Assim, as soluções de preservação são hipertónicas a fim de minimizar estas

alterações.[18]

6.1.2 Composição iónica da célula A bomba sódio-potássio tem como principal função manter a composição iónica

da célula. Contudo, esta bomba só funciona na presença de adenosina trifosfato (ATP) e

numa situação de isquemia, onde não há produção de ATP, a bomba encontra-se

inactiva. Assim, o potássio sai do interior da célula para o espaço extracelular e o sódio

tende a entrar para dentro da célula, onde a sua concentração é normalmente pequena. A

entrada de sódio para o interior da célula, aumenta a permeabilidade da membrana à

água, havendo assim um grande aumento do volume celular. Este efeito, se não

controlado, pode provocar lise celular. Por esta razão, as soluções de preservação têm

composições de eletrólitos semelhantes ao ambiente intracelular, ou seja, com

concentrações elevadas de potássio e baixas de sódio, para minimizar os efeitos

enunciados.

Um outro efeito da isquemia é o aumento da permeabilidade da membrana ao

cálcio. O aumento do cálcio intracelular promove a contracção do músculo liso

vascular, podendo causar vasoespasmo e danos isquémicos. [18]

6.1.3 Lesão por reperfusão A constatação de que uma grande parte das lesões dos órgãos era provocada pela

reperfusão levou a alguns desenvolvimentos na preservação de órgãos, de forma a evitar

tais lesões. Durante a reperfusão, o oxigénio torna-se subitamente disponível na célula,

e o metabolismo prossegue rapidamente, resultando numa produção repentina de

intermediários de oxigénio reactivo. As vias celulares são sobrecarregadas destes

radicais livres de oxigénio e ocorre a lesão celular. [18]

6.2 Soluções para preservação

Existem actualmente diversas soluções de lavagem utilizadas para a preservação

de órgãos. De seguida apresentam-se algumas delas, sendo que apesar de diferirem um

pouco na sua composição, todas têm três principais efeitos: evitar o aumento do volume

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Serviços de Apoio Clínico Página 19

celular, retardar a destruição das células, e maximizar a função do órgão, após a

perfusão ser restabelecida.

6.2.1 Solução Euro-Collins As soluções iniciais utilizadas na preservação de órgãos, designadas soluções

Collins, eram constituídas por elevadas concentrações de potássio, magnésio, fosfato,

sulfato e glicose. Mais tarde como uma modificação das soluções Collins, sugiram as

soluções Euro-Collins, com elevadas concentrações de potássio, fosfato e glicose. Estas

permitiram uma melhoria da preservação de órgãos, em especial do rim, coração, fígado

e pulmão. [18]

6.2.2 Solução HTK Bretschneider Constituída por histidina, triptofano e ácido alfa-cetoglutárico. Contém ainda

baixas concentrações de sódio, potássio e magnésio. Pode ser utilizada para a

preservação do rim, fígado e coração. Ao longo dos anos foi-se tornando cada vez mais

popular, pois melhora a função renal após transplante, em comparação com a solução

Euro-Collins. [18]

6.2.3 Solução University of Wisconsin (UW) A solução UW foi desenvolvida para a preservação do fígado, rim e pâncreas. A

sua composição é complexa, sendo que alguns elementos que a constituem são:

lactobionato, potássio, sódio, magnésio, fosfato, insulina, adenosina, etc. O principal

elemento eficaz da solução é o lactobionato, pois é o responsável por retardar o aumento

do volume celular. Foi considerada a solução padrão para a preservação do fígado, pois

permite o aumento dos seus tempos de isquemia, permitindo assim que sejam

transportados por distâncias mais longas até aos seus receptores. [18]

6.2.4 Solução Celsior

Solução especialmente desenvolvida para a preservação do coração, sendo que é,

actualmente, também utilizada para o rim, pulmão e fígado. Para além disso, está a ser

investigada para a preservação do pâncreas. Na sua constituição constam os seguintes

elementos: sódio, potássio, magnésio, cálcio, lactobionato, histidina, glutamato, etc. [18]

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

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Todas as soluções acima apresentadas representam uma parcela daquelas que

existem hoje em dia e ainda as que se encontram em fase de investigação.

6.3 Técnicas de preservação de órgãos

Como já foi referido anteriormente, a grande parte dos órgãos transplantados são

de doadores mortos, e por vezes doador e receptor estão distantes um do outro. Torna-se

então necessário existir métodos seguros para garantir a preservação dos órgãos durante

o tempo de transporte destes até aos seus beneficiários.

O tempo de preservação aceitável varia de acordo com o órgão. O transplante do

coração é normalmente realizado dentro de 5 horas após a sua recolha, o rim pode ser

armazenado com segurança por 40-50 horas, os transplantes de pâncreas são realizados

após 5-15 horas de conservação e os de fígado dentro de 6-12 horas. [18]

A principal técnica de preservação de órgãos é a preservação hipotérmica,

devido à sua simplicidade, facilidade de transporte e de não necessitar de equipamento

caro e sofisticado. São utilizadas duas técnicas de preservação hipotérmica:

armazenamento a frio simples e perfusão hipotérmica contínua.

No armazenamento a frio simples, o órgão é inicialmente lavado com uma

solução de preservação fria e posteriormente colocado numa bolsa estéril imerso na

solução. A bolsa estéril é ainda colocada no interior de um saco que contém gelo

triturado. As principais vantagens associadas a esta técnica são: a facilidade de

transporte e a disponibilidade. [18]

Na perfusão hipotérmica contínua, é utilizada uma máquina que vai

continuamente bombear fluidos de perfusão através do órgão. As principais vantagens

associadas são: a garantia de que o oxigénio e outros substratos são entregues ao órgão,

mantendo o metabolismo celular, incluindo a síntese de ATP e outras moléculas. [18]

6.4 Princípio de preservação de órgãos

Existem essencialmente três princípios associados à preservação de órgãos. São

eles: [18]

Manutenção do doador

Remoção de múltiplos órgãos

Soluções de preservação

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Serviços de Apoio Clínico Página 21

6.4.1 Manutenção do doador O estado hemodinâmico de um potencial doador é um factor de extrema

importância para a viabilidade de um órgão. Para tal, este deve ser mantido de forma

adequada para evitar lesões dos órgãos antes da sua recolha e preservação, ou seja,

deve-se manter a perfusão dos tecidos, oxigenação e ventilação até se verificar a morte

cerebral do doador e assim se proceder à recolha dos órgãos. Durante a operação para a

recolha do órgão, o tempo de isquemia quente deve ser minimizado, e o órgão deve ser

arrefecido rapidamente no local. Depois, o órgão é mantido num estado de hipotermia

até que se proceda à sua transplantação. Para cada órgão em causa, o tempo de isquemia

fria deve ser mantido dentro dos limites estabelecidos. [18][19]

6.4.2 Remoção de múltiplos órgãos Caso estejamos a falar de um doador post mortem, podem ser retirados múltiplos

órgãos de um só doador, que servirão para vários receptores. A recolha de órgãos

envolve as seguintes etapas:

1. Incisão

2. Exploração e inspecção

3. Remoção de órgãos

4. Encerramento da incisão

(1)(2) incisão, exploração e inspecção

Após uma incisão abdominal e toráxica, é feita uma exploração geral

para verificar se não existem condições que impeçam a doação, como tumores,

infecções ou lesões dos órgãos.

(3)(4) remoção de órgãos e encerramento da incisão

Após os órgãos abdominais e toráxicos serem recolhidos, o tórax e o abdómen

são fechados e os cuidados padrões pós-morte são dados.

6.4.3 Soluções de preservação Uma solução ideal de preservação é dotada de dois principais requisitos. O

primeiro é ser constituída por um conjunto de moléculas que permaneçam fora da célula

e que sejam activas para impedir o aumento do volume celular. O segundo é

proporcionar um ambiente bioquímico apropriado para as células. Os diversos tipos de

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

Serviços de Apoio Clínico Página 22

soluções com as suas constituições e funcionalidades foram já apresentados

anteriormente. [18]

6.5 Técnicas de preservação correntes

De seguida são apresentadas quais as principais formas de preservação de cada

órgão actualmente transplantado, caso este tenha origem num doador post mortem.

6.5.1 Rim, Fígado e Pâncreas A solução utilizada para a preservação de armazenamento a frio dos rins é

actualmente a solução Euro-Collins. A sua composição proporciona um ambiente

hiperosmolar a fim de reduzir o volume celular, e a sua utilização juntamente com a

hipotermia, como técnica de preservação de órgãos, permite que os rins sejam

armazenados até 36-48 horas, mantendo a sua viabilidade. [18]

Relativamente à preservação do fígado e pâncreas, a solução actualmente mais

utilizada é a solução University of Wisconsin (UW), uma vez que esta tem mostrado

vantagens associadas à sua utilização relativamente à solução Euro-Collins. Diversos

estudos, têm comprovado que a necessidade de diálise do receptor após transplante é

reduzida quando utilizada a solução UW. Com a solução UW, juntamente com a

hipotermia, tanto o fígado como o pâncreas podem ser armazenados com segurança de

12-18 horas. [18]

6.5.2 Coração e pulmões Uma das soluções que pode ser utilizada para a preservação do coração,

juntamente com a hipotermia, é a solução HTK Bretschneider. O limite para o tempo de

isquemia fria do coração é normalmente 4 horas. Por esta razão, os procedimentos

realizados entre doador e receptor têm de ser bem coordenados de forma a limitar o

tempo de isquemia, visto este ser um factor de extrema importância para a

funcionalidade do órgão no beneficiário. [18]

Relativamente aos pulmões, o limite de tempo para a isquemia fria não foi ainda

bem definido. Pensa-se apenas que 6 horas é o limite, com base em observações

empíricas. Esta limitação é importante no sentido que representa um entrave para a

distância entre o doador e receptor. Uma outra limitação é o facto de um dos pulmões

permanecer em isquemia mais tempo que outro, pois no caso de transplante dos dois

pulmões, estes não podem ser colocados em simultâneo. Para além disso a solução de

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

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preservação ideal para os pulmões não é ainda conhecida, sendo que a solução Celsior

tem sido a mais utilizada, pois permite um rápido estabelecimento da função pulmonar.

Para respeitar o tempo limite de isquemia fria do pulmão e, este possa ser transplantado

com segurança, é utilizado, normalmente, uma equipa de recolha e uma de

transplantação a funcionar em simultâneo, ao contrário dos outros órgãos. Devido a

todas as restrições enunciadas, nomeadamente as carências na qualidade e duração de

preservação, os resultados de transplante de pulmões são ainda muito limitados. [18]

Talvez por estas razões, é que o número de transplantes pulmonares realizados em

Portugal seja muito reduzido, tal como verificamos na análise estatística apresentada

anteriormente.

6.5.3 Intestino delgado Como resposta à síndrome do intestino curto, a transplantação de

segmentos do intestino delgado, tem sido largamente utilizada. O limite de tempo de

isquemia fria para o intestino é 12 horas. A solução utilizada actualmente para a

preservação do intestino é a solução UW. Pensa-se também que a aplicação de

monóxido de carbono à solução pode impedir a lesão por reperfusão.

6.6 Órgãos cuja viabilidade foi comprometida

Os órgãos cuja preservação não correu da melhor forma ou caso não seja

possível a sua transplantação são entregues ao serviço de anatomia patológica e,

segundo o despacho nº 242 de 1996, constituem resíduos hospitalares do tipo IV,

nomeadamente peças anatómicas identificáveis, pelo que têm de ser incinerados

obrigatoriamente. [20]

7.Transporte de órgãos

Após as fases importantíssimas de colheita e preservação dos órgãos, segue-se

uma não menos importante, o seu transporte.

Derivado a vários factores esta etapa pode mesmo ser considerada como crítica,

visto a dificuldade de encontrar doadores compatíveis e órgãos em bom estado, é

dramático “perder-se” um órgão na etapa de transporte.

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

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Por isso, tudo é preparado, desde logo com a colocação do órgão em caixas

térmicas para a sua conservação e transporte. Estas caixas têm uma refrigeração

adequada e gelo a rodear o saco que contém a solução de preservação onde está imerso

o órgão. [20]

Quando o doador está num local diferente do receptor, é necessário realizar o

transporte inter-hospitalar, que logicamente é muito mais demorado sendo que, em

casos que estas duas entidades estejam a muitos quilómetros de distância, a situação

torna-se ainda mais desesperante.

Para fazer face a essas distâncias, normalmente o órgão doado deve ser

transportado por uma brigada de trânsito da GNR, ou em casos muito específicos, como

o transporte de um rim entre dois hospitais da mesma cidade, pode ser assegurado pela

ambulância do hospital que colheu o órgão. [20]

Em situações urgentes ou para longas distancias, para além de se utilizarem

helicópteros, pode também ser pedido auxílio à Força Aérea Portuguesa, que

disponibiliza os seus Aviocar, e desde 2004, os seus rápidos e estáveis Falcon 50, para

esta nobre tarefa [21], contando já com muitas horas de voo efectuadas. [22]

Para além de garantirem rapidez, estes elementos também são responsáveis pela

segurança do transporte, sendo esta parte da tarefa também essencial, quando no mundo

acontecem cada vez mais casos de tráfico de órgãos.

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

Serviços de Apoio Clínico Página 25

8.Comentário à entrevista a Sandra Campos

Após a leitura e análise da entrevista, ficou-se com a ideia que os transplantes

pulmonares são aqueles que Portugal menos arrisca, pelo facto de ser um órgão pouco

rentável, que exige elevados custos de transplantação e elevada experiência de pessoal

médico. Apesar de não se ter literatura que corrobore esta afirmação, notou-se, pela

análise estatística realizada, que os transplantes pulmonares em Portugal são

praticamente inexistentes. Para além disso, no estudo da preservação de órgãos, ficou-se

consciente das dificuldades inerentes à transplantação pulmonar. Por tudo isto e apesar

de não se ter certezas das razões do pequeno número do transplantes pulmonares em

Portugal, este pode estar de facto associado a razões económicas e técnicas, pois o

problema não estará na doação, uma vez que todas as pessoas falecidas são potenciais

doadores, excepto as registadas na RENNDA.

Um outro ponto importante é o facto de por vezes a transplantação ser o único

meio de sobrevivência de uma pessoa, mas esta traz consigo inúmeros efeitos

secundários, pelo facto de se ter necessidade da administrar medicamentos

imunossupressores a fim de aumentar as probabilidades de sucesso do transplante que

irão provocar um défice do sistema imunitário, logo um maior risco de infecções, como

no caso da pessoa entrevistada.

A entrevista completa encontra-se em anexos.

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

Serviços de Apoio Clínico Página 26

9. Conclusão

Os constantes avanços nas áreas da medicina e da biotecnologia derivaram

novos métodos de combate a inúmeras doenças e de “devolução de uma nova vida”.

Entre esses métodos, encontra-se o processo de transplantação de órgãos.

Trata-se de um processo de extrema responsabilidade, uma vez que todos os

envolvidos terão de efectuar as suas funções, desde a doação até à transplantação,

passando pela preservação e transporte de órgãos, o mais eficaz, célere e seguro

possível, utilizando as várias técnicas disponíveis e respeitando todos os requisitos e

cuidados a ter com um determinado órgão, como, por exemplo, o seu prazo de validade.

Daí procede a necessidade da existência de um sistema de gestão, capaz de

garantir que todo o processo decorra dentro da legislação, sem a ocorrência de não

conformidades.

Devido aos inúmeros entraves relacionados com a clonagem de órgãos, é de

salientar a grande importância do dever de cada um de nós em cooperar para uma causa

tão nobre, como a de salvar a vida de um outro cidadão, cuja sobrevivência está

dependente da transplantação de um órgão compatível.

Torna-se, por isso, indispensável informar e instruir a população para esta

máxima, de modo a que os resultados que se têm verificado até então possam ser cada

vez mais positivos, permitindo corresponder às necessidades de um maior número de

doentes e, quiçá, diminuir as listas de espera e o número de mortes associadas ao tipo de

doenças que requer transplante.

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

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10.Bibliografia [1] Portal da Saúde - O que é um transplante?,disponível em:

http://www.portaldasaude.pt/portal/conteudos/informacoes+uteis/doacao+de+orgaos+e+

transplantes/transplante.htm (consultado a: 29-03-2010)

[2]Autotransplante, disponível em:

http://medicosdeportugal.saude.sapo.pt/action/10/glo_id/1374/menu/2/ (consultado a:

29-03-2010)

[3] Heterotransplante, disponível em:

http://medicosdeportugal.saude.sapo.pt/action/10/glo_id/6271/menu/2/ (consultado a:

29-03-2010)

[4] Xenotransplante, disponível em:

http://paginas.fe.up.pt/~jamc/xenotransplante/conclusao.html (consultado a: 29-03-

2010)

[5] Xenotransplante, disponível em:

http://medicosdeportugal.saude.sapo.pt/action/10/glo_id/2914/menu/2/ (consultado a:

29-03-2010)

[6] Documento relativo à colheita e transplante de Tecidos e Órgãos de Origem

Humana, disponível em:

http://www.srsdocs.com/parcerias/publicacoes/diversos/documento_transplantes.pdf

(consultado a: 29-03-2010)

[7] Como se colhem e transplantam órgãos em Portugal?, disponível em:

http://www.asst.minsaude.pt/transplantacao/perguntasfrequentes/Paginas/Comocolheme

transplantamorgaosemPortugal.aspx (consultado a: 29-03-2010)

[8] Transplante de Órgãos, disponível em:

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

Serviços de Apoio Clínico Página 28

http://www.almedina.net/catalog/product_info.php? Products_id=9381 (Consultado a:

30-03-2010)

[9] Transplantação, disponível em:

http://aptransplantacao.no.sapo.pt/Perspec.html (consultado a: 30-03-2010)

[10] Parecer n.º p/05/apb/06 sobre directivas antecipadas de vontade,

disponível em:

http://www.sbem-fmup.org/fotos/gca/1148471346directivas_medicas.pdf (consultado

a: 30-03-2010)

[11] http://dre.pt/pdf1sdip/2007/06/12400/41464150.PDF

Lei n.º22/2007 de 29 de Junho, Assembleia da República (consultado a:30-03-2010)

[12] PRICE, David, Legal and ethical aspects of organ transplantation,

Cambridge University Press, 2000 (págs. 23 a 121 e 217 a 314)

[13] Decreto de Lei, 1ª série, nº90 de 9 de Maio de 2008

[14] Rede de colheita, disponível em:

http://www.asst.min-saude.pt/transplantacao/servicos/Paginas/redenacional.aspx#a1

(consultado a: 26-03-2010)

[15] Rede nacional de colheita - Unidades Autorizadas para Colheita de

Órgãos, disponível em:

http://www.asst.minsaude.pt/SiteCollectionDocuments/RedeNacColheita_CHD_Fev_20

10_Portal.pdf (consultado a: 27-03-2010)

[16] http://www.asst.min-saude.pt (consultado a: 28-03-2010);

[17] Portugal na liderança da colheita e transplante de órgãos, disponível em:

http://www.tribunamedicapress.pt/nacional-1/25513-portugal-na-lideranca-da-colheita-

e-transplante-de-orgaos (consultado a: 28-03-2010);

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

Serviços de Apoio Clínico Página 29

[18] MUKHERJEE, Sandeep , Organ Preservation, Mar 17, 2010 , disponível

em: http://emedicine.medscape.com/article/431140-overview (consultado a: 25-03-

2010);

[19] Transplantes: A vida de quem salva vidas: disponível em:

http://aeiou.expresso.pt/transplantes-a-vida-de-quem-salva-vidas=f571235 (consultado a

03-04-2010)

[20] Mensagem de correio electrónico do doutor José Gerardo, Director de

Transplantação do Hospital S. João (vide anexo);

[21] Força Aérea Portuguesa, http://www.emfa.pt/ (consultado a: 25-03-2010)

[22] Os anjos dos órgãos, disponível em:

http://clix.visaojunior.visao.pt/default.asp?CpContentId=330488 (consultado a 07-04-

2010)

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

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11.Anexos

Situação Real

Boa tarde a todos,

Obrigada pelo vosso e-mail. Sim sou uma grande defensora especialmente pela verdade neste tema.

Aqui vão as respostas: Relacionado com o meu caso,

1- Há quantos anos fez o seu transplante?

Dia 5 de Maio de 2010 faz 5 anos.

2- Acha que esta questão dos transplantes evoluiu muito desde essa altura?

Os Transplantes Pulmonares ainda não são uma realidade em Portugal e

infelizmente há muita gente que morre à espera em listas de espera que na realidade não

existem. Luto para que todas estas pessoas que sofrem consigam ter uma oportunidade -

uma 2ª vida, pois é isso que significa o Transplante - uma Nova oportunidade a agarrar

de corpo e alma. Espero que as minhas repostas vos sejam úteis para o vosso trabalho e

que também fiquem a perceber a triste realidade dos Transplantes em Portugal. Há

muito a melhorar mas primeiro que tudo é necessário que os actuais médicos tenham a

consciência e a humildade que não têm a experiência necessária para levar em frente um

programa de transplantação pulmonar. Falo dos Transplantes Pulmonares pois são eles a

"ovelha negra" da transplantação em Portugal. Para que tenham uma ideia - Num

programa de 10 anos - Corunha fez 250 transplantes pulmonares, Barcelona 500

transplantes pulmonares e Portugal 12 transplantes pulmonares. Foi muito bom

denunciar este problema em 2007 com a Grande Reportagem da Sic, pois hoje em dia já

se fala abertamente sobre a questão da transplantação em Portugal, no entanto, cada vez

que algo é denunciado, de imediato, surge outro programa (na TV ou revistas) onde os

responsáveis da transplantação em Portugal se defendem com números um pouco longe

da realidade ou dizendo que está tudo bem com a transplantação, pois falam da

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

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transplantação em geral e não da transplantação para cada órgão em especifico. Por tudo

isto, resumindo, acho que a transplantação não teve uma grande evolução.

É uma pena as pessoas que passaram por um Transplante terem medo de

denunciar tudo aquilo que passaram, pois há muitas situações a denunciar.

3- Quanto tempo esperou pelo transplante?

Fiquei a oxigénio em 2002 e esperei até 2004. Fui para a Corunha em Novembro

de 2004 apenas, porque no meio do azar, tive a sorte do tecto da sala de cirurgias do

Hospital de Santa Marta ter caído e na altura os médicos avisaram-me que iam para

obras. Foi esse o argumento que consegui para sair de Portugal.

Esperei imenso tempo em Portugal e foi uma luta com os médicos que queriam

convencer-me a não fazer o transplante porque "tinham remédios para não me fazer

sofrer no momento em que não houvesse mais remédio que ser entubada numa unidade

de cuidados intensivos".

Quando finalmente consegui ir para a Corunha entrei na lista de espera e ainda

estive 8 meses à espera de um órgão compatível, no meu caso, por ser Fibrose Quística,

teve que ser um transplante Bi-Pulmonar pois ambos os pulmões estavam totalmente

destruídos.

4- Neste momento acha que é mais fácil encontrar dadores compatíveis?

A facilidade de encontrar órgãos compatíveis sempre foi a mesma, ou seja, a

nossa lei até permite que a recolha e transplantes sejam feitos com alguma facilidade

pois segundo a nossa lei - "Todos somos automaticamente dadores desde que não

estejamos inscritos na RENNDA (não dadores). Ao contrário de Espanha onde é

necessário pedir autorização à família para doar os órgãos. Com dizia o problema é que

alguns órgãos como os pulmões não são rentáveis pois são aqueles que menos aguentam

fora do corpo humano, são aqueles onde é obrigatório uma equipa de recolha e uma de

transplantação a funcionar em simultâneo, ao contrario dos outros órgãos. Portanto, a

questão não está na dificuldade mas na vontade ou falta de vontade económica dos

responsáveis na área da transplantação em Portugal. Existe ainda o facto do nosso

INEM não estar preparado para "recolher".

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

Serviços de Apoio Clínico Página 32

5- Quais foram as complicações existentes, se existiram, depois do transplante?

A cirurgia demorou mais ou menos 8 horas e acordei já desentubada o que

significa que correu bastante bem. Estive 1 semana nos cuidados intensivos e depois

levaram-me para o isolamento na toráxica onde fiquei 1 mês. Durante o isolamento

aperceberam-se que estava com uma obstrução intestinal (que pode acontecer bastante

em casos de fibrose quística). No meu caso só tive 2 obstruções - uma antes do

transplante quando estava a oxigénio e esta durante o isolamento. O que acontece é que

os intestinos não trabalham e não se pode comer a não ser por veia. Tudo isso fez que

ficasse 1 mês no isolamento em vez dos 15 dias que estavam previstos. Outras

complicações surgiram por causa de bactérias que me começaram a dar febre e

expectoração. Tive que ser internada por 3 vezes para fazer antibiótico endovenoso. As

bactérias que surgem podem ser pela imunossupressão (os medicamentos que tomamos

por não haver rejeição e que nos colocam as defesas mais baixas) ou porque já existiam

e ficaram dentro (por exemplo no esófago ou nas fossas nasais que ainda não podem ser

transplantadas) e com a imunossupressão "despertam". Foi o que aconteceu. De resto

não tenho complicações e tenho uma vida muito normal.

6- Teve apoio hospitalar necessário co-financiado, ou teve de pagar do seu

bolso a maior parte dos tratamentos?

Segundo a lei quando um país não tem condições para tratar de uma pessoa, essa

pessoa tem o direito de escolher um país para a tratar. No caso dos transplantes

pulmonares existem convénios entre Portugal e Espanha (Hospital Juan Canalejo na

Corunha). Apenas porque, na verdade, Portugal não faz Transplantes Pulmonares. Se

for outros transplantes já é necessário esperar em Portugal.

Os pagamentos são feitos entre hospitais. Por lei não é possível fazer transplantes a

nível particular por causa do tráfico ilegal de órgãos. Portanto, Portugal (no meu caso,

Hospital de Santa Maria em Lisboa onde está a unidade de fibrose quística onde estava

internada) teve que pagar a Espanha toda a cirurgia, a estadia no Hotel de Pacientes e os

medicamentos enquanto estive em Espanha e uma parte da estadia e comida do

acompanhante (no meu caso, foi a minha mãe). Quando voltei para Portugal quem me

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fornece os medicamentos é o hospital de Santa Maria pois por lei quem tem fibrose

Quística tem direito aos medicamentos fornecidos pelo Hospital. Como transplantados

também temos direito aos imunossupressores fornecidos pelo hospital. Todas as

revisões médicas são feitas na Corunha onde vou mais ou menos de 2 em 2 meses. O

hospital de Santa Maria tem que me pagar a viagem e a estadia (mais ou menos de 3

dias) no Hotel de Pacientes para a revisão.

7- Sabe de quem era o seu órgão?

Não, não se pode saber. Apenas sei que é de uma rapariga de Vigo (Espanha) e que

tinha mais ou menos 30 anos.

8- Tem conhecimento de como ele chegou até a si?

Não, apenas sei que veio de um hospital de Vigo.

Questões mais gerais:

9- Muitos artigos dizem que existem alguns órgãos que não podem ser

utilizados pois existem demoras no seu transporte, o que pensa sobre isto?

Não é verdade. Os órgãos que não podem ser utilizados é porque por algum motivo

estão danificados e por isso não se pode realizar o transplante pois colocariam em risco

a vida do transplantado. Como disse, por exemplo, os pulmões só aguentam 4 horas fora

do corpo humano, sendo por isso necessárias 2 equipas em simultâneo - uma para a

recolha e outra para o transplante.

No caso de outros órgãos que aguentam mais tempo fora do corpo humano já é

possível usar químicos para os manter em bom estado até ao transplante. Se virem na

grande reportagem da Sic, a responsável de transplantação admite que o pulmão não é

um órgão "rentável" pois é um órgão muito caro de manter em químicos e implica a

existência das tais 2 equipas a funcionar em simultâneo. Por último se existe de facto

demoras nos transportes é porque o sistema não funciona a 100% pois por exemplo em

Espanha, falo da Corunha, que é caso que conheço melhor, o sistema funciona de tal

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forma bem que chegam a vir recolher órgãos a Portugal e voltam para a Corunha com

esses órgãos (que não são utilizados em Portugal) para salvar vidas na Corunha,

inclusivé vidas de portugueses.

10- O que pensa dos organismos competentes em Portugal responsáveis por esta

tarefa?

Penso que ainda há muito para melhorar. Para além do blog dos Transplantes

Pulmonares, tenho outro blog onde ainda tenho reportagens sobre os transplantes em

http://xanicatrabalhosmanuais.blogspot.com

Vejam por exemplo a reportagem da revista visão - "A roleta dos transplantes" e podem

ver como é a realidade em Portugal. Portugal não é um país que invista de verdade nos

transplantes e infelizmente quem trabalha nesta área não admite que necessitam de

alguém muito experiente para começar uma equipa do zero. Não basta alguns estágios

no estrangeiro para se dizer que já se é um médico toráxico experiente. Pois não falamos

de "números" mas de Vidas que têm que ser salvas.

O processo do transplante depois de muita experiencia acaba `por ser relativamente

fácil, o problema está em saber nivelar os imunossupressores para que não haja

possibilidade de rejeição nem que os outros órgãos estejam a ser sobrecarregados com

medicação, por exemplo, o rim é um dos órgãos que mais sofre com o excesso de

medicação.

Ainda há o problema de os médicos que estão â frente dos transplantes pulmonares

serem cardiologos e não verdadeiros médicos de toraxica.

11- Procuramos em muitos sites e não encontramos uma entidade coordenadora

de transplantação em Portugal, encontramos que existem alguns hospitais

que podem colher órgãos e cada um tem os seus directores, não acha que

uma entidade geral melhoraria a situação e evitaria erros de falta de

comunicação?

Sim, concordo mas como vos disse não existe uma vontade política e económica

em investir nesta área.

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

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Esperamos não a ter chateado muito

Não me chatearam, foi um prazer;) Se for necessário algo mais digam!

Até breve,

Sandra Campos

Muito obrigado pela atenção.

Mensagem de correio electrónico do Doutor José Gerardo, Director de

Transplantação do Hospital S. João

Bom dia,

Somos um grupo de alunos universitários e no âmbito da disciplina "Serviços de Apoio

Clínico" do curso de Engenharia Biomédica da Universidade do Minho, estamos a

realizar um trabalho sobre "Banco de órgãos" e agradecíamos se nos pudessem

responder às questões que em baixo seguem, desde já muito obrigado.

1) Há alguma entidade responsável por coordenar a recolha de órgãos a nível nacional,

ou estão divididas pelos centros de recolha de órgãos situados em diversos hospitais do

país?

2) Quem é o responsável pelo transporte dos órgãos?

3) Que requisitos têm de ser compridos para que o transporte de um órgão se dê?

4) Os órgãos têm um prazo de validade, certo? O que acontece aos que passam essa

data e não podem ser utilizados?

5) É verdade que o transporte de órgão pode ser efectuado por empresas privadas desde

que esse transporte seja acompanhado por um agente da autoridade?

6) Existe alguma legislação específica para o transporte de órgãos?

Muito obrigado pela ajuda,

Com os melhores cumprimentos,

Diana Machado

Joana Castro

Marino Maciel

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Órgãos: “Da Doação à Transplantação”

Serviços de Apoio Clínico Página 36

Paulo Silva

Sara Pimenta

Bom dia,

1. A ASST, ou seja, a "Alta Autoridade dos Serviços de Sangue e Transplantação"; mais

abaixo no organigrama estão os coordenadores hospitalares de doação e os gabinetes de

coordenação de colheitas e transplantação, há cinco gabinetes no país e cerca de 40

coordenadores hospitalares;

2. Os gabinetes de coordenação de colheita e transplantação são os responsáveis pelo

guarda e transporte de órgãos;

3. Conforme a resposta 2, o transporte pode ser feito pela brigada de trânsito ou pela

força aérea; se se tratar de um rim entre dois hospitais da mesma cidade, o transporte é

assegurado pela ambulância do hospital que colheu o órgão, dentro de um mala térmica

com gelo a rodear o saco que contém o líquido de preservação onde está imerso o órgão;

O rim tolera até 72 horas de preservação e transporte, mas deve ser colocado durante as

primeiras vinte horas depois da colheita; os outros órgãos, pâncreas, coração, pulmão e

fígado devem ser implantados nas seis horas seguintes à colheita; durante este período

os órgãos estão imersos num líquido especial de preservação e arrefecidos a cerca de 4-

8 graus C;

4. Ver respostas anteriores; caso não seja possível a colocação o órgão será entregue ao

serviço de anatomia patológica do hospital de colheita;

5. O transporte de órgãos está descrito acima; o transporte de tecidos é feito por

companhias privadas dado que alguns bancos de tecidos são também privados e aqui o

que se exige é uma rapidez relativa compatível com correio aéreo expresso;

7. Para órgãos não; para o transporte de tecidos existe uma norma europeia que foi

transcrita para a legislação nacional na lei 12/2009

Bom trabalho

José Gerardo, Director da Transplantação do Hospital S. João