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Publicado in A diversidade da Geografia Brasileira. Escalas e dimensões da
análise e da Ação.
Organizadores: Eliseu S. Spósito; Charlei A da Silva;João Lima S. Neto; Everaldo Santos Melazzo. Rio de Janeiro, 1.Ed. Editora Consequência, 2016, 2016- 546p.
CAPITULO 10 Pg.233 a 253
Ponderações sobre ausências e presenças em Estudos de Urbana.
Arlete Moysés Rodrigues 1
Apresentação
Este texto pondera sobre alguns conteúdos propostos para a mesa redonda: “A cidade e
o Campo. Ambiente e Sociedade”, na XI ANPEGE. O ponto de partida é o de uma
geografia urbana crítica radical, essencialmente comprometida com a práxis, ou seja,
com a teoria e a prática. Objetiva contribuir para os debates sobre a temática urbana,
tendo o ponto de observação o de quem procura entender a produção e a reprodução do
espaço urbano numa visão em paralaxe. Como diz Zizek, tal visão compreende “o
deslocamento aparente de um objeto (mudança de sua posição em relação ao fundo)
causado pela mudança do ponto de observação que permite uma nova visão. (...) Sujeito
e objeto são inerentemente ‘mediados’ de modo que uma mudança ‘epistemológica’ do
ponto de vista do sujeito sempre reflete a mudança ‘ontológica’ do próprio objeto”
(ZIZEK, 2008 p.32).
Do ponto de vista do urbano, estamos longe de entender a complexidade do modo de
produção capitalista, como proposto na Economia Política do Espaço (LEFEBVRE,
Henri, 2008), na Economia Política da Urbanização (SINGER, 2002) e na Economia
Política da Cidade (SANTOS, 1994), autores que se referenciam na Crítica da
Economia Política (MARX, 1974), para compreender o concreto como a síntese das
múltiplas determinações. Quando se analisam pesquisas atuais, o visível é que buscam
entender os problemas em lugares específicos, sem que, pelo menos aparentemente, a
totalidade esteja presente. É evidente que entender a complexidade do tempo presente
não é tarefa fácil. Não há, aqui, a pretensão de esgotar o tema, mas de apresentar
1 - Universidade Estadual de Campinas- UNICAMP
presenças e ausências em estudos sobre a temática urbana.2 São ponderações que, junto
com as análises de todas as mesas e Grupos de Trabalho da XI ANANPEGE, têm a
intenção de problematizar e auxiliar na reflexão sobre o urbano.3
Agendas de pesquisas e agenda de políticas públicas.
Observa-se que há uma agenda de pesquisas que parece seguir a agenda governamental
de políticas públicas urbanas. Para analisar a produção e reprodução do espaço urbano é
fundamental averiguar a acumulação de capital, ou seja, seguir o dinheiro (HARVEY,
2014). Onde há dinheiro, intensifica-se a transformação da forma e conteúdo do urbano.
O Estado investe em diversos programas e projetos, o que talvez explique a tendência
em seguir a agenda governamental, na medida em que, de modo geral, há divulgação
dos recursos aplicados em programas. Por outro lado, o levantamento de dados sobre
investimentos do setor privado, além de fragmentado por empresas e por tipo de setor, é
de difícil acesso.
É evidente que o Estado capitalista induz transformações no e do espaço,
propiciando que o capital interfira diretamente na dinâmica da vida cotidiana. O
estabelecimento de uma política do Estado, entretanto, só pode ser compreendido como
resultante de contradições que o atravessam, uma vez que “o Estado não é apenas
aparelho de força, pois nele expressa-se ao mesmo tempo a comunidade política da
sociedade capitalista –, embora de modo fetichizado e coisificado, uma vez que se
apresenta como Estado neutro, garantidor e defensor do bem-comum, do interesse
geral” (HIRSCH, 2010: 32 – grifos do autor). Desse modo, pesquisas científicas têm
necessidade de analisar os aparelhos, as formas e os conteúdos do Estado, bem como as
fontes de recursos financeiros investidos na produção e reprodução do espaço. Quando
o Estado não aplica diretamente recursos em políticas públicas, o espaço também é
2 - A ideia de presenças implica a ênfase em algumas temáticas e a de ausências a não explicitação de algumas questões correlatas às presenças, ou mesmo ausência da temática. 3 - As ponderações, aqui realizadas, não se baseiam na totalidade de pesquisas realizadas na pós em Geografia. Objetiva provocar reflexões sobre a tendência de pesquisas. O levantamento foi baseado em apresentações em congressos, encontros, seminários, colóquios. Propositalmente não cito nenhum grupo de pesquisa ou pesquisas específicas por visar a uma análise crítica de tendências observadas ao longo dos 15 últimos anos.
transformado, porém observa-se ausência de estudos sobre as transformações
socioespaciais4 decorrentes do capital em geral.
O capital precisa do Estado para ampliar sua acumulação em todos os setores da
economia. Como diz Hirsch (2010): “O Estado é uma totalidade necessária à
reprodução capitalista, entretanto, essa totalidade é composta por partes contraditórias
que conformam o todo social. Ou seja, as contradições que existem na sociedade se
condensam nele”. A importância do Estado para a contínua reprodução das condições
gerais de produção e reprodução não corre apenas no Brasil e nem apenas em políticas
públicas, como aponta Mariana Mazzucato, (MAZZUCATO, 2014) ao mostrar como o
Estado Norte Americano financiou inovações tecnológicas5. No Brasil, pode-se citar
pesquisas como as de lavra, exploração e atividades correlatas, relacionadas ao petróleo
e outras fontes de energia. No urbano, há pesquisas subsidiadas pelo Estado para avaliar
a aplicação do Estatuto da Cidade (BRASIL, Lei 10.257/01), especialmente em relação
aos planos diretores6, pesquisas sobre o Programa Minha Casa Minha Vida- PMCMV 7,
sobre as condições de vida nas metrópoles, entre outras. Em síntese, pesquisas são
financiadas pelo Estado com o objetivo de avaliar e propor novos formatos, mas, ao ler
vários desses estudos, averiguamos que as análises críticas sobre a atuação do Estado,
não são utilizadas para alterar a dinâmica ou melhorar a aplicação dos recursos, a
localização das unidades do PMCMV(BRASIL, Lei 11.977/2009), ou a elaboração de
planos diretores 8.
4 - Como ocorreu especialmente em relação às políticas habitacionais, no período do fim do BNH ao início do Programa MCMV, em 2009. 5 A autora centra sua análise nas indústrias químicas e em empresas como Microsoft, Nokia, Aplle, Sansung, desmistificando a ideia de que o Estado é incapaz e que o mercado é o grande investidor, ver Mazzucato, 2014. 6 Ver entre outros: Santos Júnior, Orlando e Montandon, Daniel, 2011; De Cesare e Cunha, 2007; Cardoso, 2015. Citamos apenas estes, mas há várias outras publicações resultado de pesquisas com apoio financeiro do Ministério das Cidades, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico-CNPq, do Ministério da Ciência e Tecnologia-MCTI. 7 Entre outras, destacamos a chamada pública para pesquisas MCTI/CNPq/MCIDADES Nº 11/2012 http://www.cnpq.br. “tem por objetivo selecionar propostas para apoio financeiro a projetos que visem contribuir significativamente para o desenvolvimento científico e tecnológico e inovação do País, em qualquer área do conhecimento, estimulando e fortalecendo a produção de pesquisas e estudos para o monitoramento, a avaliação e o aprimoramento do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) e do eixo de Urbanização de Assentamentos Precários do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC-Urbanização de Assentamentos Precários), vinculados à Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades”. (grifos nossos). 8 Fica a indagação se o fato de financiamento para grupos e redes favorece a que a agenda de pesquisa da academia siga a agenda estatal.
Ao enfatizar apenas a atuação do Estado, a lógica do capital parece ficar escondida. Será
que ao centrar as análises apenas no Estado não se reafirma a ideia dominante de que o
Estado é a causa de todos os males, enquanto que o “mercado” é bom, ou seja, se
reverencia, mesmo que não seja a intenção, que o neoliberalismo é correto do ponto de
vista de retirar do Estado o domínio sobre inúmeras atividades? Quando se aponta que o
Estado brasileiro é apropriado pelo capital, ter-se-ia a “crença infantil de que existem
Estados que não seriam apropriados privadamente em qualquer lugar do Planeta”?
(SOUZA, 2015:67) Será que não se dissocia o Estado capitalista do capitalismo ao se
considerar que, em outros países, o Estado é bom e centra-se a análise mais em
governos do que nos aparelhos de Estado? 9 Para que este viés não ocorra é fundamentar
ter em conta a dinâmica espacial da produção do espaço. Uma chave importante é
apontar a relação entre passado e presente e o processo de atuação do Estado10. Ou seja,
é necessário compreender a forma e o conteúdo do Estado a fim de entender o processo
da lógica capitalista, para não nos centramos apenas em governos, mas na compreensão
do Estado capitalista, pois o Estado não é autônomo, ele condensa específicas dinâmicas
sociais (MASCARO, 2013).
Retomando a ideia de que boa parte das pesquisas segue a agenda estatal, apontamos
que, durante o período da vigência do Banco Nacional de Habitação-BNH, quando as
mudanças nas relações de trabalho, com a criação do Fundo de Garantia de Tempo de
Serviço-FGTS, propiciaram um grande volume de recursos para investir no urbano
(RODRIGUES, 2012). Pesquisas, desse período, registraram, então, questões sobre a
habitação popular, a implantação da ideologia da casa própria, a localização e a
dimensão de conjuntos habitacionais e suas mazelas para os moradores.
Em contraposição, no período de 1985 (fim do BNH) a 2009, implantação do PMCMV
- quando não houve programa habitacional massivo voltado para as classes
trabalhadoras -, encontramos poucos estudos assinalando a ausência do Estado na
promoção de um bem indispensável para a vida, a moradia, e como estavam sendo
utilizados os recursos do FGTS (RODRIGUES, 2015). As causas da ausência de
produção habitacional massiva para as classes trabalhadoras são conhecidas:
desemprego elevado e baixos salários, diminuindo a arrecadação do FGTS. Escasseiam
recursos advindos do mundo do trabalho para aplicar em política urbana. É evidente que
9 Ver, em especial, Poulantzas, 1986; Gramsci, 1988; Mascaro, 2013; Hirsch, 2010, Carnoy, 1986. 10 - Para criar um programa como o MCMV era necessário ter recursos financeiros. Ver Rodrigues, 2015.
houve recursos públicos aplicados em políticas econômicas no período assinalado,
porém a ausência de políticas públicas massivas no urbano se explicita como ausência
em pesquisas acadêmicas. Há também ausência de análises para explicitar como a
política econômica, voltada para a implantação do neoliberalismo, imprimiu um
processo de valorização imobiliária,11 sem políticas públicas correlatas, ou seja,
dissociou-se, ainda mais, a política econômica da política social.12
Nas avaliações de como o aumento da precariedade no urbano está relacionado ao
avanço do capital nas áreas urbanas, provocando intensificação do processo de
urbanização desigual e combinado, está ausente a análise da atuação do Estado. As
análises do capital, do setor da incorporação imobiliária e sua interação com o setor
financeiro parecem ser autônomas em relação ao Estado. Como entender a ausência de
estudos sobre o aumento do déficit habitacional13, o crescimento elevado de favelas e de
favelados, de cortiços, de loteamentos precários e também de remoções forçadas, sem
relacionar com a ausência de políticas públicas urbanas?14
Com a promulgação da Constituição Brasileira de 1988, principalmente após 2001, com
o Estatuto da Cidade (e até recentemente), pesquisas são dirigidas para analisar a
aplicação dos instrumentos do Estatuto na elaboração de planos diretores15 e de leis
complementares, como as relacionadas a operações urbanas consorciadas16, Como a
atribuição de elaborar os planos diretores é do poder público municipal, a ênfase desses
estudos recai na atuação do governo do município. Enfim, os estudos centram-se na
análise do planejamento urbano na escala municipal. Embora a maior parte dos planos
diretores não fosse mais do que uma lei aprovada sem relação com a realidade, o
planejamento passa a ser considerado a política urbana por excelência (RODRIGUES,
2012).
11 - Por exemplo, a Lei sobre o Sistema Financeiro Imobiliário - Lei nº 9.514 de 20/22/1997 e da Lei 10.931 de 2 de agosto de 2004. 12 - Sobre a dissociação entre políticas econômicas e políticas públicas e/ou sociais ver Pereira, Luiz, 1978. 13 - Os dados de déficit não tem concretude espacial (ver Buonfiglio, 2015), mas representam uma forma de medir a falta de habitação para a classe trabalhadora. 14 - Claro que houve pesquisas relacionadas à temática. Estou assinalando é o fato de havendo recursos públicos, há maior número de estudos. 15 - Em especial no período de 2001 a 2008, há muitas pesquisas que analisam os problemas, as normas, a participação social na elaboração de planos diretores municipais. 16 - As pesquisas sobre operações urbanas consorciadas colocam, em geral, o Estado como único ou o maior responsável pelas transformações urbanas.
A ausência do Estado nas políticas públicas urbanas, no período de 1985 a 2001 carece
de análises críticas sobre o que esta ausência provocou na produção e reprodução do
espaço urbano. Há trabalhos que ressaltam o aumento do déficit, relacionando-o à
migração rural/urbana motivado sobretudo pelo processo de expulsão do campo, à
ausência de políticas públicas, sem que dialeticamente as contradições e conflitos sejam
explicitadas. Especialmente fora da Geografia, verifica-se que o rural aparece como um
celeiro de mão de obra, um lugar de saída da população na busca de melhores condições
de vida. Faltam, no geral, análises que relacionem as condições gerais no campo que
provocam a expulsão de trabalhadores e pequenos produtores rurais. Fala-se, inclusive,
em “êxodo rural”17 e nos últimos anos em “déficit de cidade”.
O termo “déficit de cidade” tem sido utilizado para apontar a carência de infraestrutura
e de padrões urbanos modernos nas cidades, em especial, nas áreas de expansão
periférica. O “déficit de cidade” é atribuído à precariedade de políticas estatais e
decorrente, sobretudo, da produção do PMCMV. Amplia-se a noção de déficit
habitacional para uma questão mais ampla que é o da ausência de infraestrutura urbana.
O Estado reaparece como único responsável pelas mazelas. Há poucas referências à
propriedade fundiária urbana e a ação do setor imobiliário, ou seja, se atribui, de forma
genérica, os problemas pelo tipo de políticas públicas no consenso forjado dentro da
hegemonia neoliberal de que o Estado é, no Brasil, incompetente.
Destaque-se que várias pesquisas, no período que compreende a década de 1980 e
primeira década do século XXI, procuraram compreender o movimento popular urbano,
as ocupações coletivas de terra, as características e condições de vida da população
favelada, as lutas pelo direito à moradia como direito humano, a função social da cidade
e da propriedade que procuravam impor limites à especulação imobiliária. Também
foram analisadas algumas das características do avanço da incorporação imobiliária
facilitadas, no Brasil, pela Lei do Sistema Financeiro Imobiliário de 1997 e suas
modificações em 2004, sem vincular com as transformações mais gerais do capital do
capital financeiro mundial. São pesquisas importantes para entender a produção e
reprodução do espaço urbano na lógica do mercado. Tem-se a impressão que faltou
vincular a política econômica, o avanço do neoliberalismo e a ausência de política
pública urbana. Aliás, a análise sobre o significado de políticas econômicas e políticas
17 - O que demonstra a importância do entendimento do rural/urbano, tema desta mesa redonda.
públicas e/ou sociais parece ter estacionado na década de 70/80, quando autores como
Luiz Pereira (PEREIRA, 1978) apontaram questões cruciais sobre o sentido e o
significado da separação entre elas18.
Na ausência de políticas públicas massivas no urbano, ficamos órfãos de temas? Será
que só é possível analisar contradições e conflitos quanto há políticas públicas
relevantes? 19 Será que temos instrumentais analíticos para empreender uma crítica da
econômica política do espaço, da cidade e da urbanização?
Após 2009, com a implantação do PMCMV, as pesquisas voltam a se concentrar na
política habitacional do governo federal, muito embora a aprovação dos conjuntos do
PMCMV seja de atribuição municipal e deveria, segundo a lei, ser adequada e
articulada ao plano diretor municipal. Destaca-se a localização do programa em áreas
sem infraestrutura, o número de unidades, a faixa de renda de atendimento e as
características gerais dos conjuntos. Poucos trabalhos apontam a questão da
propriedade da terra e o estoque de terras realizado pelo setor imobiliário, como
explicação para a localização dos conjuntos. Demonstra-se, também, a distribuição dos
recursos federais diferenciados pelas faixas de renda, com pouca menção dos subsídios
às famílias, exceto quando se analisa o PMCMV- Entidades. Afirma-se, em vários
estudos, que o PMCMV não atende o maior déficit - até três salários mínimos - sem
mencionara propriedade e o preço da terra de cada lugar. Coloca-se em destaque o
valor total destinado a cada faixa, sem ponderar que a faixa I corresponde a pequenas
unidades e, portanto, o valor total é menor pelo preço diferente para as faixas I e II e
mesmo porque na faixa I o subsídio é quase total20.
Questões cruciais específicas do capitalismo brasileiro como, a propriedade fundiária
urbana, os interesses para a acumulação ampliada do capital no urbano, típica do
período atual, ficam apenas, quando aparecem, como pano de fundo.
18 O enquadramento das políticas urbanas nas políticas sociais provoca um desvio nas análises, pois o urbano, como força produtiva, não é apenas o lugar das chamadas políticas sociais, mas é também o lugar, pelo menos desde o final do século XX, da aplicação de excedentes de capitais (Rodrigues, 2015). 19 Faço a ressalta em relação ao mundo rural. Conheço várias pesquisas que apontam exatamente a falta de recursos para a produção rural não vinculada à produção oligopolista. Como a minha visão em paralaxe parte do urbano, volto a falar da cidade.
20 Silva, Patrícia Cesário (SILVA, 2015 - FAU-USP) aponta que o atendimento é elevado na faixa I em termos numéricos. Ao ler tantas teses e dissertações sobre o tema, fica a indagação se perdemos a capacidade de analisar e repetimos frases de efeito de matérias jornalísticas.
A separação entre a política econômica e a política pública de habitação é um
demonstrativo de ausência da totalidade. Não se explicita porque foi possível, em 2009,
lançar-se um programa massivo de habitação, considerando inclusive a crise financeira
internacional que se explicita no urbano com a bolha imobiliária. A possibilidade desse
programa se vincula ao aumento geral do emprego, ao aumento real, ainda que
insuficiente do salário mínimo, ou seja, ao aumento de recursos do FGTS, a aprovação
da lei que criou o Fundo e o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social-
SNHIS21. A ênfase nas pesquisas é em relação ao uso do espaço para as políticas
habitacionais como se fossem desligadas da política econômica e da política em geral.
Ao mesmo tempo em que se explicita a crise financeira internacional 2008 e o estouro
da bolha imobiliária, com despejos que se aceleram nos países do centro do sistema, é
lançado no Brasil, como forma de contornar (e não resolver porque a crise extrapola os
limites de um Estado nação), o PMCM. Antes disso, com a crise se avizinhando, lança-
se o Programa de Aceleração de Crescimento-PAC - de várias políticas setoriais que
provocam transformações socioespaciais com implicações macroeconômicas22. A crise
internacional e a forma, no Brasil, de contornar alguns de seus problemas são pouco
referenciadas em estudos de urbana que se centram nos infortúnios causados pelos
PAC-Moradia, PAC-Saneamento e PAC-Mobilidade (depois PAC-Copa) e
principalmente pelo PMCMV. Estes estudos indicam que a ênfase é no uso do espaço
urbano, sem correlacionar com a política econômica e com as políticas públicas que
tentam amenizar a crise internacional.
A análise crítica está centrada no nível federal em função dos recursos e das normas
federais, embora a aplicação dos recursos seja municipal, assim como a aprovação da
edificação. A escala municipal deixou de ser importante desde que saiu de cena o Plano
Diretor Municipal e fica complicado entender porque os planos diretores raramente são
mencionados quando se analisa o PMCMV. Talvez esteja relacionado a seguir o
dinheiro e, como os recursos são federais, as pesquisas se centram nas normas e
recursos do governo federal. Em resumo, chama a atenção que, desde o lançamento do
PMCMV, as pesquisas se centram nas características do programa, sem, porém, explicar
21 - Lei nº 11.124, de 16 de junho de 2005 com recursos do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social-FAS e dotações orçamentárias próprias. Esta foi a 1ª. Lei de Iniciativa Popular que começou a tramitar em 1992. Uma vitória dos movimentos populares urbanos, pouco considerada nas análises, como se as vitórias não fossem importantes para serem divulgadas. 22 -Não foram analisadas as pesquisas centralizadas no PAC.
porque é possível a retomada de programa habitacional massivo no período da crise
financeira internacional.
Atribui-se o aumento do preço dos terrenos em geral à implantação do PMCMV.
Evidentemente qualquer atuação do Estado provoca alteração do preço da terra e das
edificações, não só pelos investimentos diretos, mas também pelo aumento dos créditos,
pelos subsídios que estimulam a produção imobiliária. Não é, entretanto, possível
atribuir apenas a um programa, como tem sido feito, o aumento do preço da terra em
geral. Foi averiguado que o preço da terra subiu quando as taxas de juros (SELIC) e as
taxas de juros bancárias de bancos oficiais foram rebaixadas 23. É fundamental para
compreender o processo relacionar o preço da terra com a taxa de juros. No geral,
quando aumenta a taxa de juros, há tendência de menor aumento de preço da terra dado
que capitais fictícios passam a investir em terras o que mostra a importância da
propriedade para obtenção da renda24.
Em síntese, as análises realizadas são fundamentais para entender o uso do espaço, mas
fica a inquietação do porquê as pesquisas sobre o PMVMV proliferam, enquanto
durante a ausência de plano habitacional de larga escala para a classe trabalhadora, não
houve pesquisas relacionadas a esta ausência. Claro, repetindo, onde há dinheiro, a
intervenção no espaço é mais acelerada. É óbvio também que quando se trata de
financiamento e de crédito concedidos pelo Estado, torna-se fundamental analisar as
transformações que provocam. Não se pode, porém, deixar de indagar os motivos da
inexistência de pesquisas que apontassem o que a ausência de política pública urbana
ocasionava para a maioria da classe trabalhadora. Será que pareceu mais coerente
relacionar o aumento da precariedade no urbano com a migração? Faltou método de
análise para compreender a realidade? Faltaram instrumentais analíticos para pensar a
crítica da economia da cidade, do processo de urbanização e do espaço?
Se de um lado, há poucas pesquisas do que significou o aumento do déficit quando não
havia políticas públicas massivas ligadas á habitação de interesse social, de outro lado,
há muitas quando existem políticas públicas no espaço. Isto pode ser um demonstrativo
de que não apenas o capital segue o dinheiro, mas também as pesquisas?25 Claro que
23 - Ver artigos sobre o tema em Palhares, org. (2014) 24 - Não é possível falar em queda do preço da terra, mas há uma tendência de que o preço se mantenha em níveis anteriores ou mesmo que os “negócios” realizados coloquem o preço em menor valor. 25 - É apenas uma indagação e não uma afirmação de que há correlação entre os dois aspectos.
quando há dinheiro público, a aceleração da produção do espaço é maior, o que pode
explicar, como já dito, a tendência de centralização de muitos estudos nas políticas
públicas urbanas. Observa-se, porém, que a ênfase é a do uso do espaço, sem destaque
para as condições gerais da produção capitalista do espaço urbano e as determinações
econômicas e políticas do período histórico. Isto nos remete a pensar se estamos
analisando a crítica da economia política do espaço, da cidade e da urbanização.
Por outro lado, enquanto o PMCMV é muito criticado pela academia, os Movimentos
Populares Urbanos, em 5 de outubro de 2015, na programação do Dia Mundial dos
Sem Teto, colocaram, como um dos pontos prioritários, o lançamento e início imediato
do Programa Minha Casa, Minha Vida III (Fórum Nacional da Reforma Urbana)
prometido para 2016. Além disto, ocupações recentes destacam a necessidade de
maiores recursos para o PMCMV-Entidades. É importante que os que se dedicam a
analisar os movimentos populares, na sua luta pelo direito à moradia, compreendam o
processo para não repetir que os movimentos, ao se dirigirem aos governos para ter
atendida sua reivindicação, estão se institucionalizando, mesmo porque a agenda de
pesquisa, como apontado, também segue a agenda institucional. Cabe lembrar que,
enquanto a relação do Estado com a classe dominante ocorre na chave da dependência
recíproca - na medida em que o Estado depende de informações econômicas e “é
obrigado a demonstrar certa disposição de cooperação com as empresas para ter êxito
nas suas estratégias políticas, com as classes dominadas não há essa dependência
imediata, elas se colocam como “clientes” atendidas pelo Estado” (HIRSCH, 2010:57).
É exatamente o que observamos nas relações entre os movimentos populares urbanos,
em relação às suas reivindicações pelo direito à moradia.
Uma questão relacionada quase diretamente ao PMCMV é que, tal como os programas
estatais anteriores, prioriza a casa própria, o que tem sido também objeto de análises
contundentes. A luta pelo direito à moradia não tem como oposição ser, casa própria. A
casa própria é uma propriedade pessoal e não propriedade dos meios de produção,
mesmo porque acaba sendo, para os que têm a moradia como valor de uso, uma forma
de sobrevivência em períodos de desemprego ou mesmo aposentadoria, ou seja, a
propriedade da casa própria tem a primazia do valor de uso e não do valor de troca.
Reflexão sobre a propriedade da terra, a economia relativa à produção e reprodução do
espaço urbano também precisa ser articulada com a compreensão de lutas dos
movimentos populares para compreender a questão da necessidade da moradia para
além da mercadoria cidade, casa26.
O maior programa habitacional que o Brasil já teve precisa também ser analisado de
forma a entender a totalidade da produção e reprodução do urbano, a relação entre o
passado, o presente e o devir para a concretização do direito à moradia. Daí, a
necessidade de se inserirem, nas pesquisas, a compreensão de classes e frações de
classes sociais, a questão da propriedade da terra, o significado do Estado capitalista, a
necessidade da moradia como vital e as formas pelas quais os movimentos populares
urbanos reivindicam o direito à moradia, para tentar compreender a totalidade. O Estado
capitalista é efetivamente o indutor de políticas de ocupação do solo e é importante
analisar sua presença, mas é fundamental analisar o que representa sua ausência e
compreender a ação na dinâmica econômica, política e social.
Precisamos, também, averiguar se o paradigma científico ou as matrizes discursivas
incorporam novos temas, ou até mesmo, mudam de tema, sem romper com o paradigma
anterior. No pensamento ainda em elaboração, entendemos que utilizamos matrizes
discursivas, sem métodos de análise que nos permitem entender a produção capitalista
do espaço, em todas as suas dimensões, e elaborar uma crítica da economia política do
espaço, da cidade e da urbanização.
A propriedade fundiária urbana e as rendas.
Entre os temas ausentes na maioria das pesquisas, como destacado, está a questão da
propriedade e da renda da terra urbana, essencial para entender a produção e reprodução
do urbano.
26 Numa agenda de pesquisa mais geral são necessárias pesquisas com aqueles que adquiriram, com subsídios, casas do PMCMV para compreender as alterações de suas vidas cotidianas para além de uma perspectiva que observa apenas a localização.
No rural, parece que há mais estudos e compreensão da propriedade da terra e da renda
obtida27, talvez porque a concentração de terras, em poucos proprietários, permita uma
apreensão da realidade, sobretudo porque a terra, aí, é meio de produção e, na cidade,
em sua maior parte, suporte de atividades (moradia, indústria, comércio, serviços,
espaços públicos etc.). Além disto, no urbano, o fracionamento da terra em glebas e
lotes torna a propriedade difusa, ou seja, há um grande número de pequenos
proprietários. Quanto se trata da casa para moradia própria, predomina o valor de uso. O
valor de troca, quando se consubstancia a renda, aparece no momento de compra e
venda com a ideia de valorização do imóvel. Como a maior parte do espaço urbano, na
maioria das cidades, é utilizado para moradia - contrapondo-se à produção e reprodução
com predomínio do valor de troca - as análises demonstram é como se dá o processo de
incorporação imobiliária, bem como as relações entre proprietários, capital financeiro,
indústria de edificação e a de insumos. Nestes casos, ressaltam-se tanto as questões
relativas ao Estado, como ao capital.
Há ausência de análises de relações de trabalho para que ocorra essa produção e
reprodução do espaço urbano. No rural, pesquisas indicam as relações de trabalho e de
produção, inclusive pontuando a questão do tamanho da propriedade e das formas de
trabalho. Já no urbano, a apreensão das relações de trabalho relacionadas à produção
ocorre num período do tempo, o da implantação e construção. Destaque-se que há
estudos que analisam canteiros de obras e, portanto, as relações de trabalho, em
especial, nas grandes obras, sobressaindo a exploração absoluta e relativa da mais valia
e de relações assemelhadas à escravidão. Há também expressiva produção estudando as
remoções forçadas relativas às grandes obras. Entretanto quando do término das obras,
as relações de trabalho desaparecem das pesquisas e centra-se a análise no uso do
espaço produzido. As relações de trabalho (salário, renda) são demonstradas para
averiguar se propiciam o uso (acesso) em áreas com infraestrutura (moradia, transportes
coletivos) e equipamentos de uso coletivo.
A terra urbana precisa ser melhor analisada para se entender a renda de monopólio,
absoluta e diferencial e compreender a cidade como força produtiva e o que ela
27 - Ver, entre outros, Nardoque (2007); Costa, 2012; Castilho, 2012. Nardoque (2007) apresenta uma reflexão sobre a transferência da renda da terra rural para a urbana.
representa, hoje, para a acumulação ampliada do capital. Tendo como premissa que, no
âmbito do método do materialismo histórico dialético, as categorias de análise estão
sempre em movimento, para analisar a propriedade da terra e suas rendas, é preciso
considerar que o “dinheiro” (e, nas últimas décadas, o crédito) está imbricado com a
propriedade (troca da mercadoria terra no mercado). Também deve-se levar em conta
que as formas e conteúdo variam de país para pais, de região para região e de um lugar
na cidade para outro. A renda, como categoria de análise, é decorrente da propriedade
fundiária e, repetimos, é fundamental o seu entendimento para explicar a relevância
assumida pela produção e reprodução do espaço urbano, na atualidade. O preço da terra
e suas rendas não apresentam tendência de queda, contrastando com a de lucros28.
Cabe destacar que a renda da terra urbana é de difícil mensuração na medida em que se
confunde, nas contas, com capital fixo e, além disso, a medida é o preço, dificultando
mais ainda o entendimento da renda. O relevante, porém, é considerar a sua existência
mais do que tentar, em cada lugar, demonstrar o quantum de sua apropriação. A
concretude da propriedade e da apropriação da renda ocorre no espaço, dando forma e
conteúdo à cidade como força produtiva. O capital se acumula ampliadamente pelas
aplicações em lugares diferenciados. O lugar é, assim, essencial para a valorização do
capital, o que coloca em destaque a renda diferencial.
Em estudos de urbana para entender a produção e reprodução do espaço, é fundamental
analisar, na sua essência, a questão da propriedade da terra e das rendas obtidas que -
simplificadamente - podem ser entendidas como: renda de monopólio, absoluta e
diferencial. A renda de monopólio é relacionada à propriedade que permite a obtenção
de uma renda não vinculada diretamente com a produção. A renda absoluta, produto da
produção coletiva da e na cidade, propicia aumento geral dos preços e pode ser obtida
por todos os proprietários. A renda diferencial, ou de localização, também se relaciona
diretamente com a produção coletiva da e na cidade e implica o fato de que a
propriedade pode estar localizada em áreas dotadas de infraestrutura ou ter amenidades
(voltada para o mar, ter o monopólio de exploração de um dado ponto para comércio,
indústria etc.), o que garante uma renda diferente aos seus proprietários 29.
28 Ver entre outros: Carcanholo (2015), Chesnais (2005) Harvey (2011). 29 - Ver entre outros, Harvey, 2014.
Os estudos, que afirmam que na cidade há apenas a renda de localização, desvinculam a
propriedade fundiária como um dos alicerces do sistema capitalista. Destacam a cidade
já produzida, ou seja, o seu uso, sem considerar a essência da produção e da reprodução
do espaço. Um dos artigos mais citados sobre o tema é o de Flávio Villaça (VILLAÇA,
2012) que debate o conceito de renda da terra, calcado em autores que explicitam a
socialização das condições gerais de produção e a questão do valor. Assevera o autor
que, no urbano, há o “desaparecimento” - melhor seria dizer o ocultamento - da classe
de proprietários sobressaindo a de indivíduos. Para Villaça o uso do espaço urbano é
dado pelos proprietários individuais. Ao colocar a questão no uso após a produção do
lugar, que permite preços diferenciados, oculta o processo de produção. Dificulta que se
analise a cidade como força produtiva e a terra e a cidade como mercadorias do modo
de produção capitalista e as relações sociais de produção30.
Como já dito, a pulverização da propriedade no urbano pode explicar as dificuldades
para se analisar a renda da terra, porém o fato de estar oculta não significa que
desapareceu e que não há rendas de monopólio, absoluta e diferencial. O que sobressai,
quando não se considera a renda como elemento explicativo para entender o espaço
urbano, é o uso do espaço, obscurecendo o processo produtivo. Para entender a fração
de classe de proprietários fundiários que tem como objetivo o valor de troca, é
necessário analisar o processo e não apenas o uso de um lugar.
Como diz Harvey (2013) “encaro a localização como um atributo fundamental do
espaço socialmente produzido e um atributo material de todos os valores de uso”
(p.479). A localização não produz renda na medida em que é a produção social que
propicia diferentes atributos ao lugar, portanto, é a produção social que confere aos
proprietários, rendas diferenciais. A integração espacial - o vínculo da produção da
mercadoria em diferentes localizações por meio da troca - é necessária para o valor se
tornar a forma social do trabalho abstrato. O fato de que, na cidade, o fracionamento da
terra oculta os proprietários, não quer dizer que, como classe, os proprietários que
priorizam o valor de troca possam ser ignorados. Também deve-se considerar que, ao
falar da produção capitalista do espaço urbano, estamos nos referindo à produção com
30 - O autor faz uma análise sintética. Trata-se de um artigo, apontando a pulverização da propriedade da terra urbana e das dificuldades de se analisar a renda em geral, porém muitos seguidores passam a falar apenas em renda de localização.
predomínio do valor de troca. Dada a importância atual do espaço urbano, ao tratar do
uso da cidade, torna-se relevante deixar evidente a produção e a reprodução na cidade.
No atual momento histórico, quando o capital portador de juros e o fictício estão
presentes na produção e reprodução do espaço31, é fundamental considerar o
proprietário, que tem como meta o valor de troca, como uma fração de classe que
interfere no processo de produção. Trata-se, no primeiro momento, do capital portador
de juros, envolvido na produção, que se amplia com o crédito e o financiamento como
capital fictício32.
O processo de urbanização sob o comando da industrialização tinha, como um dos
agentes financeiros, o capital portador de juros com empréstimos para a produção em
geral. Ao terminar o processo de produção, o dinheiro voltava ao emprestador acrescido
de juros (os juros entravam no preço final na circulação geral da mais valia),
aumentando o preço final da mercadoria terra e edificações. É consenso que a
financeirização da economia se evidencia e se viabiliza na produção do espaço urbano,
como demonstrado por vários autores, em especial quando se explica a bolha
imobiliária de 2008. Amplia-se o capital fictício especulativo, ou seja, um dinheiro que
se valoriza sem relação com a produção, mas que tem rebatimento no processo de
produção em geral 33 e se reproduz tão somente como um capital especulativo com
rebatimento no real. Carcanholo e Natakani (2015) explicam que a riqueza fictícia
resultante da especulação parasitária não tem qualquer relação com a mais valia
produzida, porém lhe é atribuído um valor. O valor converte-se, no capital, em
realidade social substantiva, em coisa social com vida e movimento próprio (p.38).
É necessário averiguar se esse processo de transformação do valor em realidade
substantiva não é inerente ao que ocorre com o processo de urbanização. Em especial,
quando se verifica que o capital fictício é implementado no Brasil, após 1997, com o
Sistema Financeiro Imobiliário, a partir do qual o setor imobiliário abre seu capital e
lança ações no mercado. As ações representam, segundo Carcanholo (op.cit.) , que se
amplia o capital (e/ou os ganhos do capital) com duas dimensões: a da produção em si e
a do capital fictício especulativo. Ou seja, há o capital físico (real) da incorporadora,
31 - Por exemplo, nas Sociedades de Propósitos Específicos, o proprietário de terras é coparticipante do processo de produção (junto com o incorporador imobiliário e o setor financeiro). Ver Rodrigues, 2014. 32 Ver Gomes, 2015. 33 Ver: Carcanholo (2015), Chesnais (2005) Harvey (2011). Gomes (2015), Palhares (2014).
mas também o valor das ações. É o capital fictício não dissociado e não ilusório do
capital - real e ao mesmo tempo fictício.
Nesse processo há também que considerar as diversas formas pelas quais o proprietário
de terra procura aumentar suas rendas, transformando (com a anuência ou não dos
legislativos municipais) terras rurais em urbanas. Ainda é importante lembrar como os
incorporadores imobiliários “criam” estoques de terras por meio de vários artifícios.
Dentre tais os incêndios em favelas, como foi apontado no mapa dos incêndios em
favelas. (http://www.pco.org.br/nacional/o-mapa-dos-incendios-nas-favelas-de-sao-
paulo/eboe,b.html).
Um outro aspecto correlacionado diz respeito às tais novas formas de viver na cidade
com os condomínios e loteamentos murados ampliando a escala da propriedade para
além dos lotes - incorporando áreas públicas (loteamentos murados) ou coletivas
(condomínios), áreas de circulação, praças, verdes e espaços institucionais -. O
“produto imobiliário” vendido no mercado, ao qual se acrescenta a “segurança”, altera a
escala da propriedade em cada um dos empreendimentos imobiliários. Antes era apenas
o lote, mas nesses “empreendimentos” se incorporam as áreas públicas e coletivas, 34 o
que demonstra a necessidade de compreender a propriedade da terra e as formas de
apropriação da renda.
Considerações finais
Quando se apresentam elementos para os debates, não há conclusões, mas apenas
indagações e inquietações. O texto apresentou algumas considerações sobre ausências e
presenças em estudos de Geografia urbana, colocando em destaque que há uma
tendência de a agenda de pesquisas seguir a agenda pública, em especial, quando se
trata de políticas públicas urbanas de grande dimensão. Há, ao mesmo tempo,
ausências nas análises sobre a dimensão econômica contidas nas políticas públicas, que,
no Estado capitalista, são usualmente políticas setoriais. A presença parece indicar mais
a crítica em relação ao uso do que a produção do espaço. Quando não há políticas
34 - ver Rodrigues, 2013.
públicas massivas, também não há análises sobre a ausência delas, ou seja, se há
ausência de políticas, há ausência de análises.
Observa-se também a ausência, em muitos estudos, de menção à propriedade fundiária
urbana e sua importância para compreender a dimensão das políticas públicas
empreendidas no urbano.
As ausências demonstram que as análises centram-se mais no uso do espaço urbano do
que nas relações sociais de produção. Ou seja, a totalidade da produção e reprodução do
espaço urbano está, pelo menos enquanto tendência, ausente. O usual é não incluir a
propriedade da terra como um determinante para a localização, por exemplo, unidades
habitacionais em áreas carentes de infraestrutura. Neste sentido, encontram-se os
estudos sobre localização dos conjuntos do PMCMV, sem explicitar a propriedade e da
terra e as condições gerais de produção. Fica evidente a ênfase em relação ao uso da
terra.
No geral, quando se observa o conjunto da produção em relação a atuação do Estado,
têm-se a impressão de que o Estado é o único responsável pelas mazelas da população
urbana. Esta impressão pode influenciar a ideia de que o Estado é ruim e o mercado é
bom, como apregoa a ideologia neoliberal.
De todo modo, é um desafio compreender a propriedade fundiária relacionada ao Estado
capitalista e ao processo de financeirização em especial quando a atenção é centrada no
uso da terra urbana. Não é tarefa de apenas um indivíduo, mas de uma ampla gama de
pesquisador desvendar a complexidade da produção e reprodução do espaço urbano. O
tema da mesa nos instigou a provocar reflexões sobre a temática para tentar
compreender a dimensão atual do mundo contemporâneo em sua totalidade e, assim,
contribuir para a crítica da economia política do espaço, da cidade e da urbanização.
Referências
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