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Falando de aprendizagem

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Texto acadêmido da professora Aparecida Mamede sobre Aprendizagem.

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Page 1: Falando de aprendizagem

 

 

[1] 

Falando de Aprendizagem  

MARIA APPARECIDA MAMEDE‐NEVES 

A  compreensão  do  ato  de  aprender  tem  desafiado  muitos  estudiosos  do  campo  da 

Psicologia e da Pedagogia porque é um assunto complexo e central para quem se dedica 

ao  exame  crítico  do  ato  de  ensinar. Assim,  este  ensaio  não  tem  a marca  dos  grandes 

trabalhos, mas apenas se forjou no desejo de levantar algumas considerações sobre o ato 

de aprender e suas articulações com o ato de ensinar. 

Normalmente,  define  aprendizagem  como  um  processo  que  “pressupõe modificações 

mais  ou  menos  estáveis  de  linhas  de  conduta  entendendo‐se  por  conduta  todas  as 

modificações  do  ser  humano,  seja  qual  for  a  área  em  que  apareça.”(1)  Porém,  não  é 

incomum encontrarmos o mesmo termo aprendizagem tomado também como produto 

desse  processo  e,  nesse  caso,  estamos  nos  referindo  ao  saldo  que  ficou  do  ato  de 

aprender. Este  foi o caminho  trilhado por muitos daqueles que se dedicaram a estudar 

este  fenômeno,  sendo  que  a  prática  pedagógica  tem‐se  ocupado  muito  mais  dos 

resultados  (produto)  que  um  aprendiz  demonstra,  do  que  tentar  ver  que  caminhos  o 

sujeito tomou para chegar àquele resultado. 

Ainda dentro desta ótica, percebemos que geralmente a aprendizagem é concebido como 

tendo  a maturação  como  fio  condutor,  com  a  qual  forma  um  binômio;  na  verdade,  a 

maturação  e  a  aprendizagem  são  tomadas  como  sendo  as  duas  faces  do 

desenvolvimento,  ou  seja,  a maturação  seria  a  face  interna  e  a  aprendizagem  a  face 

externa  desse  processo;  a  maturidade  seria  conseqüência  da  maturação  e  a 

aprendizagem como resultado, o produto do processo de aprender. 

Entretanto,  independente de considerarem a aprendizagem como processo ou produto, 

os  estudiosos  que  se  debruçam  sobre  esse  campo  do  conhecimento  tomaram  a 

aprendizagem como modelo explicativo do comportamento humano cujos princípios eles 

consideravam  serem  universais  no  homem,  ou  seja,  eles  procuram  encontrar  os 

enunciados gerais que explicariam o comportamento de qualquer indivíduo, não importa 

em que contexto social ele estivesse ou em que época e que características pudesse ter. 

Vemos,  assim,  que  esses  estudiosos  dão  ênfase  à  generalização,  uma  vez  que  esses 

princípios podem ser encontrados,  inclusive, em qualquer etapa da vida do ser humano; 

por isso mesmo, procuraram encontrar as leis gerais que definiram a aprendizagem. 

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[2] 

Por  conseqüência,  durante  muitos  anos,  os  teóricos  de  aprendizagem  se  colocaram 

apartados  do  estudo  do  desenvolvimento,  considerando  a  aprendizagem  como  um 

conceito  único  e  definindo‐a  predominantemente  como  cognitiva,  ligada  apenas  ao 

conhecimento  racional.  Foi  exatamente  sob  esta  ótica  que  a  didática  se  desenvolveu, 

refinando métodos  que  garantissem  o melhor  desempenho  cognitivo  de  seus  alunos. 

Desejo, motivação, repulsa, medo, enfim, os sentimentos que qualquer pessoa pudesse 

apresentar durante esse processo eram  inevitavelmente associados aos  impulsos  inatos 

do  indivíduo  ligados,  portanto,  predominantemente  à  hereditariedade  e  ao 

temperamento específico que ele apresentava. 

Assim  caminhou  a  escola,  dividindo  os  profissionais  que  atendiam  os  alunos  em 

compartimentos estanques; se  ligados ao ato pedagógico, preocupados com o chamado 

rendimento  escolar;  se  ligados  à  conduta  sócio‐afetiva,  preocupados  então  com  seus 

desejos e motivações.  

É nesse cenário que surgem algumas idéias inovadoras em relação ao que efetivamente a 

aprendizagem  representa. Nesse  ponto,  um  artigo muito  importante  de  um  pensador 

alemão Kurt Lewin – balançou consideravelmente a  idéia de conceituação única para a 

aprendizagem (2). 

Lewin, apesar de não abandonar o propósito de buscar os universais e a generalização 

para  o  conceito  de  aprendizagem,  aponta,  neste  texto,  como  a  aprendizagem  é  um 

conceito complexo e que, na verdade, se traduz em diferentes tipos de comportamento. 

Através de  Lewin, percebemos que, no bojo da palavra aprendizagem, estão  implícitas 

várias significações distintas, tais como: 

• aprendizagem como mudança na estrutura cognitiva; 

• aprendizagem como mudança de motivação; 

• aprendizagem como modificação no grupo a que pertencem os indivíduos; 

• aprendizagem como mudança de valores e ideologias; 

• aprendizagem como mudança de necessidade e de significado. 

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[3] 

É  claro  que,  além  das  acima  apontadas,  Lewin  previa  também  a  aprendizagem  como 

mudanças na área  físico‐biológica de uma pessoa, mudanças estas que estariam  ligadas 

predominantemente  à  maturidade  biológica  e  muito  importante  na  aquisição  de 

habilidades específicas em que a área motora é a principal. Logo, estamos diante de um 

conceito complexo que precisa ser bem distinguido em sua trama. 

Tendo  no  conceito  de  estrutura  seu  referencial  básico  para  explicar  a  aprendizagem, 

posto  que  K.  Lewin  era  um  teórico  estruturalista  e  não  elementarista,  a  sua  teoria, 

chamada  Teoria  de  Campo,  caminhou  no  sentido  de  adotar  a  percepção  (e,  não  as 

sensações,  como  faziam  outros  autores)  como  a  estrutura  básica  do  ato  de  aprender, 

entendendo percepção como sendo o conhecimento que promove, com base nos dados 

recolhidos, a coordenação da conduta.  

Para Lewin e seu colegas representantes da chamada escola gestaltista, perceber é, antes 

de  tudo, relacionar os elementos que  formam o  todo de uma situação, de  forma a que 

possa  adquirir  significado  para  o  percebedor.  Dada  uma  situação  concreta,  o  ato  de 

perceber  absorve  não  só  as  unidades  concretas  –  as  partes  da  situação  –  que  as 

compõem, mas  também,  e  em  condições  prioritárias,  as  relações  que  se  estabelecem 

entre essas partes. Dizemos que percebemos quando o que estamos  tomando  contato 

adquire algum sentido, alguma significação para nós. 

Anteriormente, os teóricos achavam que o ato de estabelecer relações era um fenômeno 

considerado acessível somente aos processos de pensamento. Devemos, pois, à corrente 

gestaltista a redução das diferenças entre o ato de perceber e o de pensar. Para eles, o 

pensamento  se distingue da percepção apenas pela  sua maior  flexibilidade, ou  seja, as 

estruturas mentais se apresentam mais reversíveis do que as estruturas perceptuais (3). 

Mas,  o  pensamento  vai  precisar  sempre  desse  processo  importantíssimo  que  é  a 

percepção. 

Perceber não é, portanto, apenas perceber objetos concretos. Percebemos, além desses 

objetos  concretos,  objetos  ideais,  fruto  de  nossa  construção  imaginária  e,  sobretudo, 

percebemos relações. Foram, mais uma vez, Lewin e seus colegas que  insistiram no fato 

de que aprender é estabelecer e compreender relações. 

A importância da percepção para a aprendizagem humana pode ser resumida na seguinte 

máxima: o comportamento humano é o resultado de como o homem percebe o mundo e 

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[4] 

de  como  ele  se  percebe  no  mundo.  Esse  é  um  ponto  fundamental  para  o  campo 

pedagógico porque, antes de mais nada, o professor deveria  levar o aluno a perceber, a 

propor possíveis relações entre os fenômenos, mais do que apenas ensiná‐los a enunciá‐

los. 

É importante que se frise que a percepção pode exercer também uma função defensiva, 

que  protege  a  estrutura  psíquica  contra  eventuais  estímulos  que  venham  a  ser 

significados como ameaçadores ao sujeito. A percepção é assim o seu guardião atento, 

que vai lutar pela sua integridade e nunca a serviço de sua destruição. 

Um outro ponto  igualmente  importante  levantado,  também a partir da contribuição de 

Lewin  como  teórico  de  aprendizagem,  foi  considerar  a  organização  psíquica  como  o 

verdadeiro cenário do processo de aprender. Ora, a organização psíquica pressupõe um 

sistema de  informações armazenadas como  imagens ou “representações” dos  impulsos, 

objetos,  vínculos,  momentos  vivenciais  e  ações  de  uma  pessoa.  Esse  sistema  tem, 

portanto, a  seu encargo a  realização de um duplo  trabalho:  transforma percepções em 

imagens  mentais  e  operações,  integrando‐as  ao  conjunto  já  estruturado,  ao  mesmo 

tempo  em  que  modifica  seus  próprios  esquemas  de  operação,  pela  oposição  que  a 

realidade externa lhe oferece. O resultado de todo esse processo é, por conseqüência, a 

ação do sujeito no mundo, transformando o meio externo, ao mesmo tempo em que se 

dá  a  adaptação  da  organização  psíquica  às mudanças  experimentais,  a  partir  da  sua 

própria transformação. 

Deste modo,  através  dos  processos  de  pensamento,  é  possível  ao  homem  realizar  a 

diferença dos elementos que  integram a realidade e das relações por ele reconhecidas, 

bem  como  a  seleção  dos  elementos  e  das  relações  que  serão  retidas,  permitindo‐lhe 

construir mecanismos mentais de antecipação. Aprender é, portanto e sobretudo, poder 

antecipar  situações que ainda não aconteceram no  campo  real; poder  ter expectativas 

sobre  um  fenômeno  antes  que  ele  se  realize  e  poder  formular  hipóteses  sobre  os 

possíveis  caminhos  que  tomará  este  fenômeno.  Assume‐se,  assim,  a  idéia  que  a 

aprendizagem  pressupõe  que  o  sujeito  dê  um  passo  além  da  mera  aquisição  da 

informação,  incorporando e manipulando os  instrumentos de  indagação. Nesse sentido, 

aprender é, muito mais, poder indagar. 

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[5] 

Por conseguinte, o eixo principal do ato de aprender é o pensar, concebido não apenas 

como um conjunto de processos mentais, mediados entre as necessidades humanas e os 

instrumentos utilizados, ou a mobilização de meios adequados de que o homem  lança 

mão  para  alcançar  seus  objetivos.  As  significações,  sejam  símbolos  ou  signos,  são 

fundamentais  para  o  homem  organizar  e  compreender  o  mundo.  Aliás,  a  escola 

gestaltista faz o estudioso em Psicologia  levar em conta qualidades de pensamento que 

representam  muito  mais  do  que  simples  registros  de  elementos  físicos  que  foram 

captados  pelos  sentidos.  Esses  elementos  do  pensamento  constituem  a  realidade 

psíquica,  nem  sempre,  portanto,  correspondente  à  realidade  física.  Essa  “realidade 

virtual” vai dar ensejo a que se defina o espaço (ou campo) psíquico como um espaço de 

representações, reais ou não, no ponto de vista físico, mas certamente reais no ponto de 

vista  psicológico.  Ligadas  a  essas  realidades  estão  as  valências,  as  significações  que 

aquelas  representações  têm  para  o  sujeito.  Como  se  vê,  a  partir  da  teoria  de 

aprendizagem,  principalmente  desenvolvida  por  K.  Lewin,  foi  conferida  uma  grande 

importância à motivação no ato de aprender, dando, portanto, às  intenções  (vontades) 

uma função estrutural na aprendizagem. Desejar aprender passou a ser fundamental. 

Em relação à evolução do pensamento, o ponto de partida é a ação sensório‐motora que, 

se  no  início  tem  que  ser  realizada  concretamente,  aos  poucos  vai‐se  estruturando  de 

forma  representativa  no  espaço  psíquico,  permitindo  que  o  sujeito  se  organize  e 

(re)organize  o  meio  ao  seu  redor,  sem  que  necessariamente  produza  alterações  na 

realidade externa. No curso do desenvolvimento, o pensamento vai progressivamente se 

“desprendendo”  desse  “patamar”  e  as  ações  virtuais  do  pensamento  vão 

progressivamente tomando lugar, buscando o porquê e o como das relações percebidas. 

Finalmente,  é  importante  lembrarmos  que  há  diferentes  modos  de  aprender, 

independente do momento do desenvolvimento em que esteja: pela apreensão direta da 

realidade e pela apreensão indireta da realidade. 

Aprende‐se  pela  apreensão  direta  da  realidade,  quando  ela  é  realizada  através  das 

vivências concretas e pessoais de quem aprende. Foi este tipo de aprendizagem que os 

teóricos  preocupados  com  este  campo mais  freqüentemente  enfatizaram,  ou  seja,  o 

processo que se dá pela ação do indivíduo visto em sua singularidade. 

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[6] 

Porém, por outro  lado, outros autores, como Freud e Vygostsky, por exemplo, embora 

não tenham desenvolvido teorias específicas de aprendizagem e sim de desenvolvimento, 

pensaram um pouco além desta afirmativa e  trouxeram, para o cenário das discussões 

teóricas, o papel que desempenham aqueles que nos ensinam as coisas do mundo, seus 

valores,  suas  significações.  Eles  enfatizam  um  outro modo  de  se  aprender,  ou  seja,  a 

aprendizagem que se realiza pela apreensão indireta da realidade, conseguida através das 

informações fornecidas pelas pessoas que foram para nós modelos significativos na nossa 

compreensão do mundo, na construção do nosso conhecimento. Nesse grupo de pessoas, 

estão  incluídos os pais, os mestres, os  amigos  e  companheiros de  idade,  enfim,  todos 

aqueles  que  nos  permitem  apreender  o  legado  do  contexto  social  em  que  estamos 

inseridos.  Esses  mediadores  passam  para  nós  algo  de  que  já  é  deles,  tais  como 

conhecimentos, modos de viver, jeito de ser, etc. que deverão ser resignificados por nós a 

partir  do  que  eles  nos  deixaram.  Essas  figuras  são  responsáveis  principalmente  pela 

aprendizagem das motivações que regem nosso comportamento porque, ao realizarem a 

tarefa de nos ensinar, estão consciente ou inconsciente passando também seus valores e 

crenças. Assim, não é a toa que Freud afirma que “... Em seus semelhantes, o ser humano 

aprende a (re) colher (4).” 

Um  pouco  atrelada  a  essa  idéia  de  que  aprendizagem  é,  antes  de mais  nada,  um  ato 

social, está a preocupação de K. Lewin em estudar os constituintes históricos do sujeito 

que  continuam  determinantes  do  seu  comportamento,  conferindo‐lhes,  assim,  um 

caráter  de  concretude  e  atualidade,  apesar  de  cronologicamente  passados.  Esse  é 

também  um  ponto  altamente  interessante  e  que  nos  faz  refletir  sobre  a 

contemporaneidade  de  certas  aprendizagens,  que  não  perdem  o  seu  vigor  apesar  da 

passagem dos anos, e sobre os “esquecimentos motivados” ou “desatenções seletivas”, 

que não se inscrevem na ordem do esperado. 

Finalmente, parece  importante que seja enfatizado o  impacto que estas colocações aqui 

expostas  acarretam  para  o  fazer  pedagógico,  tanto  em  relação  à  importância  da 

percepção  como  processo  básico  para  a  aprendizagem,  quanto  da  importância  da 

motivação para aprender ou ainda da idéia de que o homem aprende principalmente com 

os seus companheiros no seio de seu contexto. Abre‐se, assim, um espaço para algumas 

reflexões: 

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[7] 

• O que realmente confere significância a uma aprendizagem? Será o conteúdo que 

o professor ensina, como ensina ou a paixão que ele coloca quando ensina? Qual 

o valor que tem para o próprio professor o que ele ensina? 

• Por que certos conhecimentos permanecem vivos no espaço psíquico,  sem que 

para  isso  tenha havido  repetições ou  treinamentos  intensos, que seriam a base 

da tradição pedagógica de alguns anos atrás? 

• E  por  que  certas  aprendizagens  não  se  realizam,  em  que  pesem  os métodos 

adotados ou a certeza da higidez do sujeito aprendente? 

Estas  questões  deveriam  estar  presentes  sempre  no  espaço  pedagógico,  quando  um 

mestre prepara suas aulas... 

Notas 

(1) BLEGER, J. Psicologia da conduta, Porto Alegre, Artes Médicas, 1984, p.61 

(2) LEWIN,  K.  Aprendizagem:  um  termo  com  várias  significados  e  uma  história 

confusa, Teoria de campo em ciência social, São Paulo: Pioneira, 1965, p. 68‐98. 

(3) PENNA,  A.  G.  Percepção  e  realidade  introdução  ao  estudo  da  atividade 

perceptiva, Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1968. 

(4) FREUD,  S.  Edição  standard  brasileira  das  obras  completas,  R.  Janeiro,  Imago, 

1969, v.3.