1 CHARLES DARWIN A Origem das Espécies Aos Leitores Decorridos quase dois séculos desde a primeira vez que esta obra foi publicada, ela continua sólida e robusta como uma montanha. E é isso que ela é: uma das monta- nhas mais altas que se ergueram na história da investigação científica do mundo em que vivemos, assim como é o seu próprio autor, o inglês Charles Darwin. Não se trata de uma obra surgida ao acaso, ao sabor da especulação filosófica, do pensamento mágico. Ela é o resultado de toda uma vida dedicada ao esforço humano de entender o funcionamento da Natureza com base nos fatos e evidências apresentados pela própria Natureza. Darwin reúne aqui o resultado do seu trabalho pessoal de muitas décadas, viajan- do incansavelmente pelos lugares mais recônditos do planeta em que vivemos, observan- do, medindo, testando, analisando e sintetizando coisas, até o momento em que se sentiu capacitado a concluir sua teoria de evolução das espécies. Apesar de solidamente ancorado em fatos e análises suas e de seus contemporâ- neos mais ilustres, desde a sua primeira edição esta obra tem sido vítima de desmoraliza- ção pública e difamação por parte daqueles que, de tão pequenos e insignificantes, se julgam acima das evidências dos fatos e evidências do mundo real. Gente cuja mente preguiçosa prefere ancorar-se em crenças vazias e despropositadas a respeito da Natu- reza, em vez de se dar ao trabalho de por em teste falsas verdades consideradas como intocáveis e definitivas. * * * * * * * * Ano 2003 E-book baseado na tradução de Joaquim da Mesquita Paul, médico e professor. publicada por LELLO & IRMÃO – EDITORES. 144, Rua das Carmelitas -PORTO
1. 1 CHARLES DARWIN A Origem das Espcies Aos Leitores
Decorridos quase dois sculos desde a primeira vez que esta obra foi
publicada, ela continua slida e robusta como uma montanha. E isso
que ela : uma das monta- nhas mais altas que se ergueram na histria
da investigao cientfica do mundo em que vivemos, assim como o seu
prprio autor, o ingls Charles Darwin. No se trata de uma obra
surgida ao acaso, ao sabor da especulao filosfica, do pensamento
mgico. Ela o resultado de toda uma vida dedicada ao esforo humano
de entender o funcionamento da Natureza com base nos fatos e
evidncias apresentados pela prpria Natureza. Darwin rene aqui o
resultado do seu trabalho pessoal de muitas dcadas, viajan- do
incansavelmente pelos lugares mais recnditos do planeta em que
vivemos, observan- do, medindo, testando, analisando e sintetizando
coisas, at o momento em que se sentiu capacitado a concluir sua
teoria de evoluo das espcies. Apesar de solidamente ancorado em
fatos e anlises suas e de seus contempor- neos mais ilustres, desde
a sua primeira edio esta obra tem sido vtima de desmoraliza- o
pblica e difamao por parte daqueles que, de to pequenos e
insignificantes, se julgam acima das evidncias dos fatos e
evidncias do mundo real. Gente cuja mente preguiosa prefere
ancorar-se em crenas vazias e despropositadas a respeito da Natu-
reza, em vez de se dar ao trabalho de por em teste falsas verdades
consideradas como intocveis e definitivas. * * * * * * * * Ano 2003
E-book baseado na traduo de Joaquim da Mesquita Paul, mdico e
professor. publicada por LELLO & IRMO EDITORES. 144, Rua das
Carmelitas -PORTO
2. 2 DARWIN, Charles. A Origem das Espcies, no meio da seleo
natural ou a luta pela existncia na natureza, 1 vol., traduo do
doutor Mesquita Paul. Quanto ao mundo material, podemos pelo menos
ir at concluso de que os fatos se no produzem em conseqncia da
interveno isolada do poder divino, manifestando-se em cada caso
particular, mas antes pela ao das leis gerais. WHEWELL, Bridgewater
Treatises. O nico sentido preciso da palavra natural a qualidade de
ser estabele- cido, fixo ou estvel; por isso tudo o que natural
exige e supe qualquer fator inteligente para o tornar tal, Isto ,
para o produzir continuamente ou em intervalos determinados,
enquanto que tudo o que sobrenatural ou mi- raculoso produzido uma
s vez, e de um s golpe. BUTLER, Analogy of Revealed Religion. Para
concluir, no deixeis crer ou sustentar, devido a uma idia muito
acen- tuada da fraqueza humana ou a uma moderao mal entendida, que
o ho- mem pode ir longe ou ser instrudo com a palavra de Deus, ou
com a do livro das obras de Deus, isto , em religio ou em
filosofia; mas que todo o ho- mem se esforce por progredir cada vez
mais numa e noutra, e tirando disto vantagem sem jamais Parar.
BACON, Advancement of Learning.
3. 3 SUMRIO Notcia Histrica
..................................................................................................
04 Introduo
...........................................................................................................
14 Captulo I Variao das espcies no estado domstico
........................................... 19 Captulo II Variao no
estado selvagem
..................................................................
55 Captulo III Luta pela sobrevivncia
...........................................................................
75 Captulo IV A seleo natural ou a perseverana do mais capaz
.............................. 93 Captulo V Leis da variao
......................................................................................
149 Captulo VI Dificuldades surgidas contra a hiptese de
descendncia com modificaes
...................................................................................
184 Captulo VII Contestaes diversas feitas teoria da seleo natural
...................... 228 Captulo VIII Instinto
....................................................................................................
273 Captulo IX Hibridez
..................................................................................................
311 Captulo X Insuficincia dos documentos geolgicos
.............................................. 348 Captulo XI Da
sucesso geolgica dos seres organizados
..................................... 381 Captulo XII Distribuio
geogrfica
...........................................................................
413 Captulo XIII Distribuio geogrfica (continuao)
.................................................... 447 Captulo
XIV Afinidades mtuas dos seres organizados; morfologia;
embriologia;rgos rudimentares
........................................................... 472
Captulo XV Recapitulaes e concluses
.................................................................
523 Glossrio dos principais termos cientficos empregados nesta obra
................ 555 Diagrama das Geraes
...................................................................................
572
4. 4 NOTCIA HISTRICA COM RESPEITO AOS PROGRESSOS DA OPINIO
RELATIVA ORIGEM DAS ESPCIES ANTES DA PUBLICAO DA PRIMEIRA EDIO
INGLESA DA PRESENTE OBRA Proponho-me noticiar a largos traos o
progresso da opinio relativamente origem das espcies. At h bem
pouco tempo, a maior parte dos naturalistas supunha que as espcies
eram produes imutveis criadas separadamente. Nu- merosos sbios
defenderam habilmente esta hiptese. Outros, pelo contrrio, ad-
mitiam que as espcies provinham de formas preexistentes por
intermdio de ge- rao regular. Pondo de lado as aluses que, a tal
respeito, se encontram nos au- tores antigos, 1 Buffon foi o
primeiro que, nos tempos modernos, tratou este as- sunto de um modo
essencialmente cientfico. Todavia, como as suas opinies va- riavam
muito de poca para poca, e no trata nem das causas, nem dos meios
de transformao da espcie, intil entrar aqui em maiores minudncias a
res- peito dos seus trabalhos. Lamark foi o primeiro que despertou
pelas suas concluses, um estudo s- rio sobre tal assunto. Este
sbio, justamente clebre, publicou as suas opinies, pela vez
primeira, em 1801; desenvolveu-as consideravelmente em 1809, na sua
1 Aristteles. nas suas Physicae Auscultationes (lib. II, cap. VIII,
2), depois de ter notado que a chuva no cai para fazer crescer o
trigo como no cai para o deteriorar quando o rendeiro o bate nas
eiras, aplica o mesmo argumento aos organismos e acrescenta (foi M.
Clair Grece que me notou esta passagem): Qual a razo por que as
diferentes partes (do corpo) no teriam na natu- reza estas relaes
puramente acidentais? Os dentes, por exemplo, crescem
necessariamente incisivos na parte anterior da boca, para dividir
os alimentos; os maiores, planos, servem para mas- tigar; portanto
no foram feitos para este fim, e esta forma o resultado de um
acidente. O mesmo se diz para os outros rgos que parecem adaptados
a determinado ato. Por toda a parte, pois, todas as coisas reunidas
(isto , o conjunto das partes de um todo) so constitudas como se
tives- sem sido feitas com vista em algum desiderato; estas formas
de uma maneira apropriada, por uma espontaneidade interna, so
conservadas, enquanto que, no caso contrrio, tm desaparecido e
desaparecem ainda. Encontra-se aqui um esboo dos princpios da seleo
natural; mas as ob- servaes sobre a conformao dos dentes indicam
quo pouco Aristteles compreendia estes princpios.
5. 5 Philosophie Zoologique, e subseqentemente em 1815, na
introduo sua His- toire Naturelle des Animaux sans Vertbres.
Sustenta nas suas obras a doutrina de que todas as espcies,
compreendendo o prprio homem, derivam de outras espcies. Foi ele o
primeiro que prestou cincia o grande servio de declarar que toda a
alterao no mundo orgnico, bem como no mundo inorgnico, o re-
sultado de uma lei, e no uma interveno miraculosa. A
impossibilidade de esta- belecer uma distino entre as espcies e as
variedades, a gradao to perfeita em certos grupos, e a analogia das
produes domsticas, parece terem conduzi- do Lamark s suas concluses
a respeito das transformaes graduais das esp- cies. Quanto s causas
da modificao, procurou-as ele em parte na ao direta das condies
fsicas da existncia, no cruzamento das formas j existentes, e
sobretudo no uso e no uso, isto , nos efeitos do hbito. a esta
ltima causa que parece ligar todas as admirveis adaptaes da
natureza, tais como o longo pescoo da girafa, que lhe permite
pascer as folhas das rvores. Admite igualmen- te uma lei de
desenvolvimento progressivo; ora, como todas as formas da vida
tendem tambm ao aperfeioamento, ele explica a existncia atual dos
organis- mos muito simples pela gerao espontnea.2 Geoffroy
Saint-Hilaire, como pode ver-se na sua biografia, escrita por seu
fi- lho, j em 1795, tinha suposto que o que chamamos espcies no so
mais que desvios variados do mesmo tipo. Foi somente em 1828 que se
declarou convenci- do que as mesmas formas se no perpetuam desde a
origem de todas as coisas; parece ter considerado as condies de
existncia ou meio ambiente como a cau- sa primordial de cada
transformao, 2 na excelente histria de Isidore Geoffroy
Saint-Hilaire (Hist. Nat. Gnrale, 1859, t. II, p. 405) que
encontrei a data da primeira publicao de Lamarck; esta obra contm
tambm um resumo das concluses de Buffon sobre o mesmo assunto.
curioso ver quanto o Dr. Erasmo Darwin, meu av, na sua Zoonomia
(vol. I, p. 500-510), publicada em 1794, antecedeu Lamark nas suas
idias e seus erros. Segundo Isidore Geoffroy, Goethe partilhava
completamente as mesmas idias, como prova a introduo de uma obra
escrita em 1794 e 1795, mas publicada muito mais tarde. Insistiu
sobre este ponto (Goethe als Naturforscher, Peio Dr. Karl meding,
p. 34), que os naturalistas tero de procurar, por exemplo, como os
bois e carneiros adquiriram os cornos, e no para que servem, um
caso bastante singular a apario quase simultnea de opinies
semelhantes, por- que se v que Goethe na Alemanha, o Dr. Darwin na
Inglaterra, e Geoffroy Saint-Hilaire em Fran- a, chegam, nos anos
de 1794-1795 mesma concluso sobre a origem das espcies.
6. 6 Um pouco tmido nas suas concluses, no acreditava que as
espcies e- xistentes estivessem em via de modificao; e, como seu
filho diz, pois um problema reservado inteiramente ao futuro,
supondo mesmo que o futuro pode tomar conta dele. O Dr. W. C.
Wells, em 1813, dirigiu Sociedade Real uma memria sobre uma mulher
branca, cuja pele, em certos pontos, se assemelha de um negro,
memria que s foi publicada em 1818 com os seus famosos Two Essays
upon Dew and Single Vision. Admite distintamente nesta memria o
prin- cpio da seleo natural, e foi a primeira vez que publicamente
a sustentou; mas aplica-a apenas s raas humanas e a certos
caracteres particulares. Depois de ter notado que os negros e os
mulatos escapam a certas doenas tropicais, verifi- ca primeiramente
que todos os animais tendem a variar num certo grau, e secun-
dariamente que os agricultores aperfeioam os animais domsticos pela
seleo. Em seguida acrescenta que o que, neste ltimo caso, efetuado
pela arte, pa- rece s-lo igualmente, mas mais lentamente, pela
natureza, para a produo de variedades humanas adaptadas s regies
que habitam; assim, em meio das vari- edades acidentais que puderam
surgir entre alguns habitantes disseminados nas partes centrais da
frica, algumas eram sem dvida mais aptas que outras para suportar
as doenas do pas. Esta raa devia, por conseguinte, multiplicar-se,
en- quanto que as outras desapareceriam, no s porque no podiam
resistir s do- enas, mas ainda porque lhes era impossvel lutar
contra os seus vigorosos vizi- nhos. Depois das minhas notas
precedentes, no se pode duvidar que esta raa enrgica no fosse uma
raa escura. Ora, persistindo sempre a mesma tendncia para a formao
de variedades, deviam surgir, no decorrer do tempo, raas cada vez
mais negras; e a raa mais negra, sendo a mais prpria para
adaptar-se ao clima, devia tornar-se a raa predominante, seno a
nica, no pas particular onde tomou origem. O autor estende em
seguida estas mesmas consideraes aos habitantes brancos dos climas
mais frios. Devo agradecer a M. Rowley, dos Estados Unidos, ter
chamado, por intermdio de M. Brace, a minha ateno para esta
passagem da memria do Dr. Wells. O venervel e reverendo W. Herbert,
mais tarde deo de Manchester, es-
7. 7 crevia em 1822, no 4., volume das Horticultural
Transactions, e na sua obra as Amaryllidaces (1837, p. 19, 339),
que as experincias de horticultura tm esta- belecido, sem refutao
possvel, que as espcies botnicas no so mais que uma classe superior
de variedades mais permanentes. Aplica a mesma opinio aos animais e
v que as espcies nicas de cada gnero foram criadas num esta- do
primitivo muito plstico, e que estes tipos produziram
ulteriormente, principal- mente pelo cruzamento e tambm por variao,
todas as nossas espcies existen- tes. Em 1826, o professor Grant,
no ltimo pargrafo da sua memria sobre as espongilas (Edinburgh
Philos. Journal, 1826, t. xiv, p. 283), declara nitidamente que
acredita que as espcies derivam de outras espcies, e que se
aperfeioam no correr das modificaes que vo sofrendo. Apoiou-se
nesta mesma opinio na sua 55. conferncia, publicada em 1834 no
jornal The Lancet. Em 1831, M. Patrick Matthew publicou um tratado
com o ttulo Naval Timber and Arboriculture, no qual emite
exatamente a mesma opinio que M. Wallace e eu expusemos no Linnean
Journal, e que vou desenvolver na presente obra. Infe- lizmente M.
Matthew enunciou as suas opinies laconicamente e em passagens
disseminadas num apndice a uma obra tratando de assunto muito
diverso; pas- sariam at despercebidas se M. Matthew no chamasse a
ateno para elas no Guardeners Chronicle (7 Abril 1860). As
diferenas em os nossos modos de ver no tm grande importncia. Parece
crer que o mundo foi quase despovoado em perodos sucessivos e
povoado de novo em seguida; admite, a ttulo de alternati- va, que
novas formas podem produzir-se sem auxlio de molde ou germe anteri-
or. Julgo no compreender bem algumas passagens; parece-me, todavia,
que d muita importncia ao direta das condies da existncia. Contudo,
estabele- ceu claramente todo o poder do princpio da seleo natural.
Na sua Description Physique des Iles Canaries (1836, p. 147), o
clebre gelogo e naturalista Von Buch exprime nitidamente a opinio
de que as varieda- des se modificam pouco a pouco e se tornam
espcies permanentes que no mais so capazes de cruzar-se. Na
Nouvelle Flore de lAmrique du Nord (1836, p. 6), Rafinesque
exprimia-
8. 8 se assim: Todas as espcies podiam ser outrora variedades,
e muitas variedades tornaram-se gradualmente espcies, adquirindo
caracteres permanentes e particu- lares; e um pouco mais adiante
(pg. 18) acrescenta: excetuando os tipos primi- tivos ou ancestrais
do gnero. De 1843 a 44, no Boston Journal of Nat. Cet. U. S. (t.
IV, pg. 468), o pro- fessor Algemam exps com talento os argumentos
pr e contra a hiptese do de- senvolvimento e da modificao da
espcie; parecia pender para o lado da variabi- lidade. Os Vestiges
of Creation apareceram em 1844. Na 10 edio, muito melho- rada
(1853), o autor annimo diz (p. 155): A proposio na qual se pode
parar aps numerosas consideraes, que as diversas sries de seres
animados, desde os mais simples e mais antigos at aos mais elevados
e mais recentes, so, pela providncia de Deus, o resultado de duas
causas: primeiramente, de uma impulso comunicada s formas da vida;
impulso esta que as arremessa num tempo dado, por via de gerao
regular, atravs de todos os graus de organi- zao, at s
Dicotiledneas e Vertebrados superiores; estes graus so, alm dis-
so, pouco numerosos e geralmente marcados por intervalos no seu
carter org- nico, o que torna muito difcil na prtica a apreciao das
afinidades; secundaria- mente, de uma outra impulso respeitante s
foras vitais, tendendo, na srie das geraes, a apropriar,
modificando-as, as conformaes orgnicas s circunstn- cias
exteriores, como a nutrio, a localidade e as influncias metericas;
so es- sas as Adaptaes do telogo natural. O autor parece acreditar
que a organiza- o progride por saltos, mas que os efeitos
produzidos pelas condies de exis- tncia so graduais. Sustenta com
bastante fora, baseando-se sobre razes ge- rais, que as espcies no
so produes imutveis, mas no vejo como as duas supostas impulses
possam explicar cientificamente as numerosas e admir- veis
co-adaptaes que se notam na natureza; como, por exemplo, podemos
to- mar nota da marcha que devia seguir o picano para se adaptar
aos seus hbitos particulares. O estilo brilhante e enrgico deste
livro, ainda que apresentando nas primeiras edies poucos
conhecimentos exatos e uma grande falta de prudncia cientfica,
assegurou-lhe logo um grande xito; e, em minha opinio, prestou
servi-
9. 9 os chamando a ateno para o assunto, combatendo os prejuzos
e preparando os espritos para a adoo de idias anlogas. Em 1846, o
veterano da zoologia, M. J. dOmalius dHalloy, publicou (Bull. de
lAcad. roy. de Bruxelles, vol. XIII, p. 581) uma excelente memria,
ainda que breve, na qual emite a opinio de que mais provvel que as
espcies novas te- nham sido produzidas por descendncia com
modificao do que criadas separa- damente; o autor tinha j exprimido
esta opinio em 1831. Na sua obra Nature of Limbs, p. 86, o
professor Owen escrevia em 1849: A idia arqutipo est encarnada no
nosso planeta por manifestaes diversas, muito tempo antes da
existncia das espcies animais de que so atualmente a expresso. Mas,
at agora, ignoramos inteiramente a que leis naturais ou a que
causas secundrias tm sido submetidas a sucesso regular e a
progresso des- tes fenmenos orgnicos. No seu discurso na Associao
Britnica, em 1858, fala (p. 51) do axioma da contnua potncia
criadora, ou do destino preordenado das coisas vivas. Mais adiante,
a propsito da distribuio geogrfica, acrescen- ta: Estes fenmenos
abalam a crena em que estvamos de que o aptrix da Nova Zelndia e o
tetras urogallus L. da Inglaterra tenham sido criaes distintas
feitas numa ilha e s para ela. til, alm disso, lembrar sempre que o
zologo atribui o nome de criao ao processo sobre o qual nada se
conhece. Desenvol- ve esta idia acrescentando que todas as vezes
que um zologo cita exemplos, como o precedente, para provar uma
criao distinta numa ilha e para ela, quer dizer somente que no sabe
como o tetras urogallus L. se encontra exclusivamen- te neste
lugar, e que esta maneira de exprimir a sua ignorncia implica ao
mesmo tempo a crena numa grande causa criadora primitiva, qual a
ave, assim como as ilhas, devem a sua origem. Se ns relacionarmos
as frases pronunciadas no seu discurso umas com as outras, parece
que em 1858 o clebre naturalista no estava convencido que o aptrix
e o tetras urogallus L. tenham aparecido pela primeira vez nos seus
pases respectivos, sem que se possa explicar como e por- qu. Este
discurso foi pronunciado aps a leitura da memria de M. Wallace e
minha, sobre a origem das espcies da Sociedade Lineana. Quando da
publica-
10. 10 o da primeira edio da presente obra, fui, como muitos
outros, to completa- mente enganado por expresses como a ao contnua
do poder criador, que coloquei o professor Owen, com outros
paleontlogos, entre os partidrios convic- tos da imutabilidade da
espcie; mas parecia-me que foi um grave erro da minha parte
(Anatomy of Vertebrates, vol. iii, p. 796). Nas precedentes edies
da minha obra conclu e mantenho ainda a minha concluso, segundo uma
passagem que comea (ibid., vol. i, p. 35), por estas palavras: Sem
dvida a forma-tipo, etc., que o professor Owen admitia a seleo
natural como podendo ter contribudo em alguma coisa para a formao
de novas espcies; mas parece-me, segundo uma outra passagem (ibid.,
vol. iii, p. 798), que isto inexato e no demonstrado. Dei tambm
alguns extratos de uma correspondncia entre o professor Owen e o
re- dator principal da London Review, que pareciam provar a este
ltimo como a mim mesmo, que o professor Owen pretendia ter emitido
antes de mim a teoria da se- leo natural. Tive uma grande surpresa
e grande satisfao com esta notcia; mas, tanto quanto possvel
compreender certas passagens recentemente publi- cadas (Anat. of
Vertebrates, in, p. 798), estou cado ainda no erro total ou
parcial- mente. Mas tranqilizo-me, vendo que outros, como eu, acham
tambm difceis de compreender e conciliar entre si os trabalhos de
controvrsia do professor Owen. Quanto ao simples enunciado do
princpio da seleo natural, inteiramente indi- ferente que o
professor Owen o tenha apresentado primeiro do que eu ou no, porque
os dois, como prova este esboo histrico, temos, desde h muito, como
predecessores o Dr. Wells e M. Matthew. M. Isidore Geoffroy
Saint-Hilaire, nas conferncias feitas em 1850 (resumi- das na Revue
et Mag. de Zoologie, Janeiro 1851), expe, em breves termos, as
razes que lhe fizeram crer que os caracteres especficos so fixados
para cada espcie, enquanto se perpetuar no meio das mesmas
circunstncias; e modificam- se se as condies ambientes tendem a
mudar. Em resumo, a observao dos animais selvagens mostra j a
variabilidade limitada das espcies. As experincias sobre os animais
selvagens tornados domsticos, e sobre os animais domsticos que
voltaram ao estado selvagem, demonstram-na mais claramente ainda.
Estas mesmas experincias provam, alm disso, que as diferenas
produzidas podem
11. 11 ser de valor genrico. Na sua Histoire Naturelle Gnrale
(vol. 11, 1859, p. 430), desenvolve concluses anlogas. Uma circular
recente afirma que desde 1851 (Dublin Medical Press, p. 322), o Dr.
Freke emitiu a opinio de que todos os seres organizados derivam de
uma nica forma primitiva. As bases e o tratamento do assunto
diferem totalmente das minhas, e, como o Dr. Freke publicou em 1861
o seu ensaio sobre a Origem das espcies por via de afinidade
orgnica, seria SuPrfluo da minha parte dar um resumo qualquer do
seu sistema. M. Herbert Spencer, numa memria (publicada pela vez
primeira no Leader, Maro de 1852, e reproduzida nos seus Essays em
1858), estabeleceu, com um talento e uma habilidade notveis, a
comparao entre a teoria da criao e o de- senvolvimento dos seres
orgnicos. Tira os argumentos da analogia das produ- es domsticas,
das transformaes que sofrem os embries de muitas esp- cies, da
dificuldade de distinguir espcies e variedades, e do princpio de
gradao geral; conclui que as espcies tm sofrido modificaes que
atribui mudana de condies. O autor (1855) estudou tambm a
psicologia partindo do princpio da aquisio gradual de cada aptido e
de cada faculdade mental. Em 1852, M. Naudin, botnico distinto, num
trabalho notvel sobre a origem das espcies (Revue Horticole, p.
102, reproduzido em parte nos Nouvelles Archi- ves du Musum, vol.
1, pg. 171), declara que as espcies se formam do mesmo modo que as
variedades cultivadas, o que atribui seleo exercida pelo homem. Mas
no explica como atua a seleo no estado selvagem. Admite, como o deo
Herbert, que as espcies na poca da sua apario eram mais plsticas do
que hoje. Apia-se sobre o que ele chamava o princpio de finalidade,
potncia miste- riosa, indeterminada, fatalidade para uns, para
outros vontade providencial, de que a ao incessante sobre os seres
vivos determina, em todas as pocas da exis- tncia do mundo, a
forma, o volume e a durao de cada um deles, em razo do seu destino,
na ordem das coisas de que faz parte. esta potncia que harmoniza
cada membro no conjunto apropriando-o funo que deve desempenhar no
organismo geral da natureza, funo que tem
12. 12 para ele a sua razo de ser.3 Um gelogo clebre, o conde
Keyserling, em 1853 (Bull. de Ia Soc. Geolg., 2.1 srie, vol. x, pg.
357), sugeriu que, do mesmo modo que as novas doenas, causadas
talvez por algum miasma, tm aparecido e se tm espalhado no mundo,
da mesma forma grmenes de espcies existentes puderam ser, em certos
pero- dos, quimicamente afetados por molculas ambientes de natureza
particular, e dar origem a novas formas. No mesmo ano de 1853, o
Dr. Schaaffhausen publicou uma excelente bro- chura (Verhandt. des
Naturhist. Vereirs der Preuss. Rhein Lands, etc.), na qual explica
o desenvolvimento progressivo das formas orgnicas sobre a Terra.
Julga que numerosas espcies persistem h muito tempo, sendo
modificadas algumas somente, e explica as diferenas atuais pela
destruio das formas intermedirias. Assim as plantas e os animais
vivos no esto separados das espcies atingidas por novas criaes, mas
devem considerar-se como seus descendentes por via de gerao
regular. M. Lecoq, botnico francs muito conhecido, nos seus tudes
sur la Go- graphie Botanique, vol. i, p. 250, escreveu em 1854:
V-se que os nossos estu- dos sobre a fixao ou variao da espcie nos
conduzem diretamente s idias emitidas por dois homens justamente
clebres, Geoffroy Saint-Hilaire e Goethe. Vrias outras passagens
esparsas na obra de M. Lecoq deixam algumas dvidas sobre os limites
que assinala s suas opinies sobre as modificaes das esp- cies. Nos
seus Essays on the Unity of Worlds, 1855, o reverendo Baden Powell
tratou magistralmente a filosofia da criao. No se pode demonstrar
de uma ma- neira mais marcante como a apario de uma espcie nova um
fenmeno re- 3 Parece resultar das citaes feitas em Untersuchungen
ber die Entwickelungs-Geselze, de Bronn, que Unger, botnico e
paleontlogo distinto, tornou pblica, em 1852, a opinio de que as
espcies sofreram um desenvolvimento e modificaes. DAlton exprimiu a
mesma opinio em 1821, na obra sobre os fsseis, na qual colaborou
com Pander. Oken, na sua obra mstica Natur- Philosophie, sustentou
opinies anlogas. Parece resultar dos ensinamentos contidos na obra
Sur lEspce, de Godron, que Bory Saint-Vicent, Burdach, Poiret et
Pries admitiram todos a con- tinuidade da produo de novas espcies.
Devo juntar que em 34 autores citados nesta notcia histrica, que
admitem a modificao das espcies, e rejeitam os atos da criao
isolados, h 27 que escreveram sobre ramos especiais de histria
natural e geologia.
13. 13 gular e no casual, ou, segundo a expresso de sir John
Herschell, um proces- so natural por oposio ao processo miraculoso.
O terceiro volume do Journal of the Linnean Society, publicado em 1
de Ju- lho de 1858, contm algumas memrias de M. Wallace e minhas,
nas quais, como eu constato na introduo do presente volume, M.
Wallace enuncia com muita cla- reza e preciso a teoria da seleo
natural. Von Baer, to respeitado entre os zologos, exprimiu em 1859
(ver Prof. Rud. Wagner, Zoologisch-Anthropologische Untersuchungen,
p. 51, 1861), a sua convico, fundada sobretudo nas leis da
distribuio geogrfica, que formas atu- almente distintas no mais
alto grau so descendentes de um progenitor nico. Em Junho de 1859,
o professor Huxley, numa conferncia perante a institu- io real
sobre os tipos persistentes da vida animal, fez os seguintes
reparos: difcil compreender a significao dos fatos desta natureza,
se supusermos que cada espcie de animais, ou de plantas, ou cada
tipo de organizao, foi formado e colocado na Terra, a longos
intervalos, por um ato distinto do poder criador; e necessrio tambm
lembrar que uma suposio tal tambm pouco apoiada pela tradio ou
revelao, que muitssimo oposta analogia geral da natureza. Se, por
outra parte, ns considerarmos os Tipos persistentes do ponto de
vista da hi- ptese de as espcies, em cada poca, serem o resultado
da modificao gradual das espcies preexistentes, hiptese que, posto
que no provada, e tristemente comprometida por alguns dos seus
aderentes, ainda a nica a que a fisiologia presta um apoio
favorvel, a existncia destes tipos persistentes pareceria de-
monstrar que a extenso das modificaes que os seres vivos devem ter
durante os tempos geolgicos fraca relativamente srie total de
transformaes pelas quais tm passado. Em Dezembro de 1859, o Dr.
Hooker publicou a sua Introduction to the Australian Flora; na
primeira parte desta magnfica obra, admite a verdade da des-
cendncia e das modificaes das espcies, e apia esta doutrina com
grande nmero de observaes originais. A primeira edio inglesa da
presente obra foi publicada a 24 de Novembro de 1859, e a segunda a
7 de Janeiro de 1860.
14. 14 INTRODUO As relaes geolgicas que existem entre a fauna
atual e a fauna extinta da Amrica meridional, assim como certos
fatos relativos distribuio dos seres or- ganizados que povoam este
continente, impressionaram-me profundamente quando da minha viagem
a bordo do navio Beagle,4 na qualidade de naturalista. Estes fatos,
como se ver nos captulos subseqentes deste volume, pare- cem lanar
alguma luz sobre a origem das espcies - mistrio dos mistrios - para
empregar a expresso de um dos maiores filsofos. Na minha volta a
Inglaterra, em 1837, julguei eu que acumulando pacientemente todos
os fatos relativos a este assunto, e examinando-os sob todos os
pontos de vista, poderia talvez chegar a elucidar esta questo.
Depois de cinco anos de um trabalho pertinaz, redigi algu- mas
notas; em seguida, em 1844, resumi estas notas em forma de memria,
onde indicava os resultados que me pareciam oferecer algum grau de
probabilidade; depois desta poca, tenho constantemente trabalhado
para o mesmo fim. Escu- sar-me- o leitor, assim o espero, de entrar
nestas mincias pessoais; e se o fao, para provar que no tomei
deciso alguma menos pensada. A minha obra est atualmente (1859)
quase completa. Ser-me-o, contudo, necessrios alguns anos ainda
para a terminar, e, como a minha sade est longe de ser boa, os meus
amigos tm-me aconselhado a publicar o resumo que faz o objeto deste
volume. Uma outra razo me tem decidido por completo: M. Wallace,
que estuda atualmente a histria natural no arquiplago malaio,
chegou a conclu- ses quase idnticas s minhas sobre a origem das
espcies. Em 1858, este s- bio naturalista enviou-me uma memria a
este respeito, pedindo-me para a comu- nicar a sir Charles Lyell,
que a enviou Sociedade Lineana; a memria de M. Wal- lace apareceu
no III volume do jornal desta sociedade. Sir Charles Lyell e o Dr.
Hooker, que esto ao corrente dos meus trabalhos - o Dr. Hooker leu
o extrato do meu manuscrito feito em 1844-aconselharam-me a
publicar, ao mesmo tempo em que a memria de M. Wallace, alguns
extratos das minhas notas manuscritas. 4 A relao da viagem de M.
Darwin foi recentemente publicada em francs com o titulo de: Via-
gem de um naturalista volta da Terra, 1 vol. in-8., Paris,
Reinwald.
15. 15 A memria que faz o objeto do presente volume
necessariamente imper- feita. Ser-me- impossvel referir-me a todas
as autoridades a quem atribuo certos fatos, mas espero que o leitor
confiar na minha exatido. Alguns erros podero passar, sem dvida, no
meu trabalho, posto que eu tenha tido o mximo cuidado em apoiar-me
somente em trabalhos de primeira ordem. Demais, eu deveria limi-
tar-me a indicar as concluses gerais a que cheguei, citando apenas
alguns e- xemplos, que, julgo eu, bastariam na maior parte dos
casos. Ningum, melhor do que eu, compreende a necessidade de
publicar mais tarde minuciosamente todos os fatos que servem de
base s minhas concluses; ser este o objeto de uma outra obra. Isto
tanto mais necessrio quanto, sobre quase todos os pontos, po- dem
invocar-se fatos, que, primeira vista, parecem tender para
concluses abso- lutamente contrrias quelas que defendo. Ora, no se
pode chegar a um resulta- do satisfatrio a no ser pelo exame dos
dois lados da questo e pela discusso dos fatos e dos argumentos;
isto coisa impossvel nesta obra. Lamento muito que a falta de espao
me impea de reconhecer o auxlio generoso que me prestaram muitos
naturalistas, dos quais alguns me so pesso- almente desconhecidos.
No posso, contudo, deixar passar esta ocasio sem ex- primir o meu
profundo reconhecimento ao Dr. Hooker, que, durante estes quinze
ltimos anos, ps minha inteira disposio os seus tesouros de cincia e
o seu excelente critrio. Compreende-se facilmente que o naturalista
que se entrega ao estudo da origem das espcies e que observa as
afinidades mtuas dos seres organizados, as suas relaes
embriolgicas, a sua distribuio geogrfica, a sua sucesso geolgica e
outros fatos anlogos, chegue concluso de que as esp- cies no foram
criadas independentemente umas das outras, mas que, como as
variedades, derivam de outras espcies. Todavia, admitindo mesmo que
esta con- cluso seja bem estabelecida, seria pouco satisfatria at
que se pudesse provar como as inumerveis espcies, habitando a
Terra, foram modificadas de maneira a adquirir esta perfeio de
forma e co-adaptao que excita por to justo ttulo a nossa admirao.
Os naturalistas assinalam, como nicas causas possveis s variaes, as
condies exteriores, tais como o clima, a alimentao, etc. Pode isto
ser verdade, num sentido muito limitado, como ns veremos mais
tarde; mas
16. 16 seria absurdo atribuir a simples causas exteriores a
conformao do picano5 , por exemplo, de que as patas, a cauda, o
bico e a lngua esto admiravelmente adap- tadas para ir agarrar os
insetos debaixo da casca das rvores. Seria igualmente absurdo
explicar a conformao do visco e as suas relaes com muitos seres
organizados distintos pelos nicos efeitos das condies exteriores,
do hbito, ou da vontade da prpria planta, quando se pensa que este
parasita tira a sua nutri- o de certas rvores, que produzem gros
que certas aves devem transportar, e que d flores unissexuadas, o
que necessita a interveno de certos insetos para conduzir o plen de
uma flor a outra. , pois, da mais alta importncia elucidar quais so
os meios de modifica- o e de co-adaptao. A princpio, pareceu-me
provvel que o exame atento dos animais domsticos e das plantas
cultivadas devia oferecer o campo mais propcio a estudos que
explicassem este obscuro problema. No me enganei; reconheci logo,
com efeito, que os nossos conhecimentos, por mais imperfeitos que
sejam sobre as variaes no estado domstico, nos fornecem sempre a
explicao mais simples e menos sujeita a erro. Seja-me pois
permitido juntar que, na minha con- vico, estes estudos tm a mxima
importncia e que so ordinariamente muito desprezados pelos
naturalistas. Estas consideraes levam-me a consagrar o primeiro
captulo desta obra ao es- tudo das variaes no estado domstico. A
veremos que muitas das modificaes hereditrias so pelo menos
possveis; e, o que igualmente importante, ou mesmo mais importante
ainda, veremos que influncia o homem exerce acumu- lando, por
seleo, ligeiras variaes sucessivas. Estudarei em seguida a variabi-
lidade das espcies no estado selvagem, mas ver-me-ei naturalmente
forado a tratar este assunto a largos traos; no se poderia, com
efeito, trat-lo completa- mente a no ser citando longa srie de
fatos. Em todo o caso, discutiremos ainda assim quais so as
circunstncias mais favorveis variao. No captulo seguin- te
consideraremos a luta pela existncia entre os seres organizados em
todo o 5 designao comum a diversas pequenas aves passeriformes, da
famlia dos lanideos, de plu- magem geralmente pouco vistosa, bico
forte e adunco e cauda longa (alimentam-se de insetos e pequenos
vertebrados e podem usar pequenos espinhos na captura das
presas).
17. 17 mundo, luta que deve inevitavelmente fluir da progresso
geomtrica do seu au- mento em nmero. a doutrina de Malthus aplicada
a todo o reino animal e a todo o reino vegetal. Como nascem muitos
mais indivduos de cada espcie, que no podem subsistir; como, por
conseqncia, a luta pela existncia se renova a cada instante,
segue-se que todo o ser que varia, ainda que pouco, de maneira a
tornar- se-lhe aproveitvel tal variao, tem maior probabilidade de
sobreviver, este ser tambm objeto de uma seleo natural. Em virtude
do princpio to poderoso da hereditariedade, toda a variedade objeto
da seleo tender a propagar a sua no- va forma modificada. Tratarei
com mais mincias, no quarto captulo, este ponto fundamental da
seleo natural. Veremos ento que a seleo natural causa quase
inevitavelmen- te uma extino considervel das formas menos bem
organizadas e conduz ao que se chama a divergncia dos caracteres.
No captulo seguinte, indicarei as leis complexas e pouco conhecidas
da variao. Nos cinco captulos subseqentes, discutirei as
dificuldades mais srias que parecem opor-se adoo desta teoria; isto
, primeiramente, as dificuldades de transio, ou, por outros termos,
como um ser simples, ou um simples organismo, pode modificar-se e
aperfeioar-se, para tornar-se um ser altamente desenvolvido, ou um
organismo altamente consti- tudo; em segundo lugar, o instinto, ou
o poder intelectual dos animais; terceiro, a hibridade, ou a
esterilidade das espcies e a fecundidade das variedades quando se
cruzam; e, em quarto lugar, a imperfeio dos documentos geolgicos.
No ca- ptulo seguinte examinarei a sucesso geolgica dos seres
atravs dos tempos; no duodcimo e dcimo terceiro captulos, a sua
distribuio geogrfica atravs do espao; no dcimo quarto, a sua
classificao ou afinidades mtuas, quer no es- tado de completo
desenvolvimento, quer no estado embrionrio. Consagrarei o ltimo
captulo a uma breve recapitulao da obra inteira e a algumas notas
finais. Ningum se pode admirar que haja ainda tantos pontos
obscuros relativa- mente origem das espcies e das variedades, se
refletirmos na nossa profunda ignorncia sobre tudo o que se prende
com as relaes recprocas dos inmeros seres que vivem em redor de ns.
Quem pode dizer a razo por que tal espcie
18. 18 mais numerosa e mais espalhada, quando outra espcie
vizinha muito rara e tem um habitat muito restrito? Estas relaes
tm, contudo, a mais alta importn- cia, porque delas que dependem a
prosperidade atual e, creio firmemente, os futuros progressos e a
modificao de todos os habitantes da Terra. Conhecemos ainda bem
pouco das relaes recprocas dos inmeros habitantes da Terra du-
rante os longos perodos geolgicos passados. Ora, posto que
numerosos pontos sejam ainda muito obscuros, se bem que devem
ficar, sem dvida, inexplicveis por bastante tempo ainda, vejo-me,
contu- do, aps os estudos mais profundos e uma apreciao fria e
imparcial, forado a sustentar que a opinio defendida at a pouco
pela maior parte dos naturalistas, opinio que eu prprio partilhei,
isto , que cada espcie foi objeto de uma criao independente,
absolutamente errnea. Estou plenamente convencido que as espcies no
so imutveis; estou convencido que as espcies que pertencem ao que
chamamos o mesmo gnero derivam diretamente de qualquer outra espcie
ordinariamente distinta, do mesmo modo que as variedades
reconhecidas de uma espcie, seja qual for, derivam diretamente
desta espcie; estou convencido, en- fim, que a seleo natural tem
desempenhado o principal papel na modificao das espcies, posto que
outros agentes tenham nela partilhado igualmente. * * * * * * * * *
* *
19. 19 CAPITULO I Variao das espcies no estado domstico -
Causas da variabilidade. - Efeitos do hbito. - Efeito do uso ou no
uso dos rgos. - Variao por correlao. - Hereditariedade. -
Caracteres das variedades domsticas. - Dificuldade em distinguir as
variedades e as espcies. - As nossas variedades domsticas derivam
de uma ou muitas espcies. - Pombos domsticos, suas diferenas e
origem. - A seleo aplicada desde h muito, seus efeitos. - Seleo
metdica e inconsciente. - Origem desconhecida dos nossos animais
domsticos. - Circunstncias favorveis ao exerccio da seleo pelo
homem. CAUSAS DA VARIABILIDADE Quando se comparam os indivduos
pertencentes mesma variedade ou subvariedade das nossas plantas j
de h muito cultivadas e dos nossos animais domsticos mais antigos,
logo se nota que ordinariamente diferem mais uns dos outros que os
indivduos pertencentes a uma espcie ou a uma variedade qual- quer
no estado selvagem. Ora, se pensarmos na imensa diversidade das
nossas plantas cultivadas e dos animais domsticos, que tm variado
em todos os tem- pos, logo que sejam expostos a climas e
tratamentos os mais diversos, chegamos a concluir que esta grande
variabilidade provm de que as nossas produes do- msticas foram
produzidas em condies de vida menos uniformes, ou mesmo um tanto
diferentes daquelas a que a espcie-me foi submetida no estado
selvagem. H tambm algum tanto de exato na opinio sustentada por
Andrew Kniglit, isto , que a variabilidade pode em parte ter origem
no excesso de nutrio. Parece evi- dente que os seres organizados
devem, durante muitas geraes, ser expostos a novas condies de
existncia, para que se produza neles qualquer variao a- precivel;
mas tambm evidente, que, desde que um organismo comeou a va-
20. 20 riar, continua ordinariamente a faz-lo durante numerosas
geraes. No se pode- ria citar exemplo algum de um organismo varivel
que tenha cessado de variar no estado domstico. As nossas plantas h
longo tempo cultivadas, tais como o trigo, ainda produzem novas
variedades; os animais reduzidos de h muito ao estado domstico so
ainda susceptveis de modificaes ou aperfeioamentos muito rpidos. De
modo que posso julgar, depois de ter por muito tempo estudado este
assunto, que as condies de vida parecem atuar de duas maneiras
distintas: dire- tamente sobre o organismo inteiro, ou sobre certas
partes somente, e indiretamen- te afetando o sistema reprodutor.
Quanto ao direta, devemos lembrar-nos que, em todos os casos, como
o fez ultimamente notar o professor Weismann, e como eu
incidentalmente demonstrei na minha obra sobre a Variation ltat
Domesti- que,6 devemos lembrarmos, disse eu, que essa ao est
sujeita a dois fatores: natureza do organismo e natureza das
condies. O primeiro destes fatores parece ser muito mais
importante, porque, tanto quanto o podemos julgar, variaes quase
semelhantes se produzem algumas vezes em condies diferentes, e, por
outro lado, variaes diferentes se produ- zem em condies que parecem
quase uniformes. Os efeitos sobre a descendn- cia so definidos ou
indefinidos. Podem considerar-se como definidos quando to- dos, ou
quase todos os descendentes de indivduos submetidos a certas condi-
es de existncia durante muitas geraes, se modificam da mesma
maneira. extremamente difcil especificar a extenso das alteraes que
tm sido definiti- vamente produzidas deste modo. Todavia, no se
pode ter dvida relativamente s numerosas modificaes muito ligeiras,
tais como: modificaes no talhe pro- venientes da quantidade de
nutrio; modificaes na cor provenientes da nature- za da alimentao,
modificaes na espessura da pele e suas produes proveni- entes da
natureza do clima, etc. Cada uma das variaes indefinidas que
encontramos na plumagem das aves das nossas capoeiras deve ser o
resultado de uma causa eficaz; portanto, se a mesma causa atuasse
uniformemente, durante uma longa srie de geraes, 6 De la Variation
des Animaux et des Plantes ltat Domestique. Paris, Reinwald.
21. 21 sobre um grande nmero de indivduos, todos se modificavam
provavelmente da mesma maneira. Fatos tais como as excrescncias
extraordinrias e complicadas, conseqncia invarivel do depsito de
uma gota microscpica de veneno forne- cida pelo cnipe7 , provam-nos
que modificaes singulares podem, entre as plan- tas, resultar de
uma alterao qumica na natureza da seiva. A mudana das condies
produz muito mais vezes uma variabilidade inde- finida do que
definida, e a primeira goza provavelmente de um papel muito mais
importante que a segunda na formao das nossas raas domsticas. Esta
varia- bilidade indefinida traduz-se por inmeras pequenas
particularidades que se no podem atribuir, em virtude da
hereditariedade, nem ao pai, nem me, nem a ou- tro parente
afastado. Diferenas considerveis aparecem mesmo por vezes nos
filhos da mesma ninhada, ou em plantas nascidas de gros
provenientes da mes- ma cpsula. A longos intervalos, vem-se surgir
desvios de formao fortemente pronunciados para merecer a qualificao
de monstruosidades; estes desvios afe- tam alguns indivduos, em
meio de milhes de outros nascidos no mesmo pas e alimentados quase
da mesma maneira; todavia, no pode estabelecer-se uma linha
absoluta de limite entre as monstruosidades e as simples variaes.
Podem considerar-se como efeitos indefinidos das condies de
existncia, sobre cada organismo individualmente, todas estas
alteraes de conformao, quer sejam pouco, quer muito pronunciadas,
que se manifestam num grande nmero de indi- vduos vivendo em
conjunto. Poderiam comparar-se estes efeitos indefinidos aos
efeitos de um resfriamento, que afeta diferentes pessoas de modos
indefinidos, segundo o seu estado de sade ou a sua constituio,
traduzindo-se nuns por bronquite, noutros por coriza, neste pelo
reumatismo, naquele pela inflamao de diversos rgos. Passemos agora
ao que eu chamei ao indireta da alterao das condi- es de existncia,
isto , as alteraes provenientes de modificaes que afetem o sistema
reprodutor. Duas causas principais nos autorizam a admitir a
existncia destas variaes: a extrema sensibilidade do sistema
reprodutor para toda a alte- 7 casta de moscas que constituiu a
quarta praga bblica do Egito
22. 22 rao nas condies exteriores; a grande analogia, provada
por Klreuter e outros naturalistas, entre a variabilidade
resultante do cruzamento de espcies distintas e a que se pode
observar nas plantas e nos animais criados em condies novas ou
artificiais. Um grande nmero de fatos testemunham a excessiva
sensibilidade do sistema reprodutor para esta alterao, mesmo
insignificante, nas condies am- bientes. Nada mais fcil que
domesticar um animal; nada, porm, mais difcil que lev-lo a
reproduzir-se no cativeiro, mesmo que a unio dos dois sexos se
efetue facilmente. Quantos animais se no reproduzem, posto que
deixados quase em liberdade no seu pas natal! Atribui-se
ordinariamente este fato, ainda que sem razo, a uma corrupo dos
instintos. Muitas plantas cultivadas rebentam com todo o vigor, e,
contudo, produzem raramente gros, ou at nada produzem. Tem- se
descoberto, em alguns casos, que uma alterao insignificante, um
pouco de gua a mais ou a menos por exemplo, numa poca particular do
crescimento, ar- rasta ou no na planta a produo de gros. No posso
entrar aqui nas mincias dos fatos que recolhi e publiquei noutra
parte a respeito deste curioso assunto; todavia, para mostrar como
so singulares as leis que regem a reproduo dos animais cativos,
posso verificar que os animais carnvoros, mesmo os provenien- tes
dos pases tropicais, se reproduzem com bastante facilidade nos
nossos pa- ses, salvo, contudo, os animais pertencentes famlia dos
plantgrados; assim como tambm posso notar que as aves carnvoras no
pem quase sempre ovos fecundos. Muitas plantas exticas produzem
apenas um plen sem valor como o das hbridas mais estreis. Vemos,
pois, de um lado, animais e plantas reduzidas ao estado domstico
reproduzirem-se facilmente no estado de cativeiro, posto que sejam
muitas vezes raquticas e doentes; e por outro lado, indivduos,
tirados mui- to novos s suas florestas e suportando perfeitamente o
cativeiro, admiravelmente domesticados, na fora da idade, e sadios
(eu poderia citar numerosos exemplos), de que o sistema reprodutor,
sendo seriamente comprometido por causas desco- nhecidas, cessou de
funcionar. Em presena destas duas ordens de fatos, para estranhar
que o sistema reprodutor atue to irregularmente quando funciona no
cativeiro, e que os descendentes sejam um pouco diferentes dos
pais? Posso a- crescentar que, da mesma forma que certos animais se
reproduzem facilmente
23. 23 nas condies menos naturais (por exemplo, os coelhos e os
fures encerrados em gaiolas), o que prova que o seu sistema
reprodutor no foi afetado pelo cativei- ro; assim, tambm, certos
animais e certas plantas suportam a domesticidade ou a cultura sem
variar muito. Alguns naturalistas sustentam que todas as variaes
esto ligadas ao ato da reproduo sexual; certamente um erro. Citei,
com efeito, noutra obra, uma extensa lista de plantas que os
jardineiros chamam plantas loucas, isto , plantas nas quais se v
surgir de repente um rebento apresentando qualquer carter novo, e
por vezes diferente por completo dos outros rebentos da mesma
planta. Estas variaes dos gomos, se pode empregar-se esta expresso,
podem propagar-se por seu turno por enxerto ou mergulhia, etc, ou
algumas vezes mesmo por semen- teira. Tais variaes se reproduzem
raras vezes no estado selvagem; so, porm, bastante freqentes nas
plantas cultivadas. Podemos concluir, pois, que a nature- za do
organismo desempenha o papel principal na produo da forma
particular de cada variao, e que a natureza das condies lhe est
subordinada; com efei- to, vemos muitas vezes na mesma rvore,
submetida a condies uniformes, um s gomo, entre milhares de outros
produzidos anualmente, apresentar de improvi- so caracteres novos;
vemos, demais, renovos pertencendo a rvores distintas, colocadas em
condies diferentes, produzirem quase a mesma variedade - rebentos
de pessegueiros, por exemplo, produzirem pssegos vermelhos, e re-
bentos de roseira comum produzirem rosas de musgo. A natureza das
condies no tem, pois, talvez mais importncia neste ca- so do que a
natureza da fasca, comunicando o fogo a uma massa de combust- vel,
para determinar a natureza da chama. EFEITOS DOS HBITOS E DO USO OU
NO USO DAS PARTES; VARIAO POR CORRELAO; HEREDITARIEDADE A mudana
dos hbitos produz efeitos hereditrios; poderia citar-se, por
exemplo, a poca da florao das plantas transportadas de um clima
para outro.
24. 24 Nos animais, o uso ou no uso das partes tem uma
influncia mais considervel ainda. Assim, proporcionalmente ao resto
do esqueleto, os ossos da asa pesam menos e os ossos da coxa pesam
mais no canrio domstico que no canrio sel- vagem. Ora, pode
incontestavelmente atribuir-se esta alterao a que o canrio domstico
voa menos e marcha mais que o canrio selvagem. Podemos ainda citar,
como um dos efeitos do uso das partes, o desenvolvimento
considervel, transmissvel por hereditariedade, das mamas das vacas
e das cabras nos pases em que h o hbito de ordenhar estes animais,
comparativamente ao estado des- ses rgos nos outros pases. Todos os
animais domsticos tm, em alguns pa- ses, as orelhas pendentes;
atribui-se esta particularidade ao fato de estes animais, tendo
menos causas de alarme, acabarem por se no servir dos msculos da
ore- lha, e esta opinio parece bem fundada. A variabilidade est
submetida a muitas leis; conhecem-se imperfeitamente algumas, que
em breve discutirei. Desejo ocupar-me somente aqui da variao por
correlao. Alteraes importantes que se produzem no embrio, ou na
larva, trazem quase sempre alteraes anlogas no animal adulto. Nas
monstruosida- des, os efeitos de correlao entre as partes
completamente distintas so muito curiosos; Isidore Geoffroy de
Saint-Hilaire cita exemplos numerosos na sua grande obra sobre este
assunto. Os tratadores admitem que, quando os membros so compridos,
a cabea o tambm quase sempre. Alguns casos de correlao so
extremamente singulares: assim, os gatos completamente brancos, e
que tm os olhos azuis, so ordinariamente surdos; todavia, M. Talt
provou recentemente que o fato limitado aos machos. Certas cores e
certas particularidades constitucionais vo ordinariamente em
conjunto; eu poderia citar muitos exemplos notveis a este respeito
nos animais e nas plantas. Segundo um grande nmero de fatos
recolhidos por Heusinger, parece que certas plantas incomodam os
carneiros e os porcos brancos, enquanto que os indivduos de cor
carregada delas se nutrem impunemente. O professor Wyman comunicou-
me recentemente uma excelente prova do que digo. Perguntou a alguns
lavrado- res da Virgnia a razo por que s tinham porcos de cor
negra; e eles responde- ram que os porcos comiam a raiz do
lachnanthes, que cora os ossos de rosa e
25. 25 que lhes faz cair os cascos; isto produz-se em todas as
variedades, exceto na variedade negra. Um deles ajuntou:
Escolhemos, para os tratar, todos os indiv- duos negros de uma
ninhada, porque so os nicos que tm condies para vi- ver. Os ces
desprovidos de plos tm a dentio imperfeita; diz-se que os ani- mais
de pelo longo e spero so predispostos a ter os cornos longos e
numero- sos; os pombos de patas emplumadas tm membranas entre os
dedos anteriores; os pombos de bico curto tm os ps pequenos; os
pombos de bico longo tm os ps grandes. Resulta, pois, que o homem,
continuando sempre a escolher, e, por conseguinte, a desenvolver
uma particularidade qualquer, modifica, sem inteno, outras partes
do organismo, em virtude das leis misteriosas da correlao. As leis
diversas, absolutamente ignoradas ou imperfeitamente compreendi-
das, que regem a variao, tm efeitos extremamente complexos.
interessante estudar os diferentes tratados, relativos a algumas
das nossas plantas cultivadas de h muito, tais como o jacinto, a
batata, ou mesmo a dlia, etc.; realmente pa- ra admirar ver por que
inmeros pontos de conformao e de constituio as vari- edades e
subvariedades diferem ligeiramente entre si. A sua organizao parece
tornar-se plstica por completo e afastar-se ligeiramente da do tipo
original. Toda a variao no hereditria sem interesse para ns, mas o
nmero e a diversidade dos desvios de conformao transmissveis por
hereditariedade, quer sejam insignificantes, quer tenham uma
importncia fisiolgica considervel, so quase infinitos. A melhor
obra e mais completa que temos sobre o assunto a do Dr. Prosper
Lucas. Nenhum tratador ps em dvida a grande energia das ten- dncias
hereditrias; todos tm por axioma fundamental que o semelhante
produz o semelhante, e apenas alguns tericos pem em dvida o valor
deste princpio. Quando uma diviso de estrutura se reproduz muitas
vezes, quando a procuramos no pai e no filho, muito difcil dizer se
este desvio provm ou no de alguma coi- sa que atuou tanto num como
noutro. Mas, por outra parte, quando entre indiv- duos,
evidentemente expostos s mesmas condies, qualquer desvio muito
raro, devido a algum concurso extraordinrio de circunstncias,
aparece num s indiv- duo, em meio de milhes de outros que no so
afetados, e vemos aparecer este desvio no descendente, a simples
teoria das probabilidades fora-nos quase a
26. 26 atribuir esta apario hereditariedade. Quem no tem ouvido
falar dos casos de albinismo, de pele espinhosa, de pele felpuda,
etc, hereditrios em muitos mem- bros de uma mesma famlia? Ora, se
os desvios raros e extraordinrios podem realmente transmitir-se por
hereditariedade, com mais forte razo se pode susten- tar que
desvios menos extraordinrios e mais comuns podem igualmente
transmi- tir-se. A melhor maneira de resumir a questo seria talvez
considerar que, em re- gra geral, todo o carter, qualquer que seja,
se transmite por hereditariedade e que a no transmisso exceo. As
leis que regulam a hereditariedade so pela maior parte
desconhecidas. Qual a razo porque, por exemplo, uma mesma
particularidade, aparecendo em diversos indivduos da mesma espcie
ou espcies diferentes, se transmite algu- mas vezes e outras se no
transmite por hereditariedade? Porque que certos caracteres do av
ou da av, ou de antepassados mais distantes, reaparecem no
indivduo? Porque que uma particularidade se transmite muitas vezes
de um sexo, quer aos dois sexos, quer a um s, mas mais comumente a
um s, ainda que no exclusivamente ao sexo semelhante? As
particularidades que aparecem nos machos das nossas espcies
domsticas transmitem-se muitas vezes, quer exclusivamente, quer num
grau muito mais considervel no macho s; ora, isto um fato que tem
extraordinria importncia para ns. Uma regra muito mais impor- tante
e que sofre, creio eu, poucas excees, que em qualquer perodo da
vida que uma particularidade aparea de princpio, tende a reaparecer
nos descenden- tes numa idade correspondente, algumas vezes mesmo,
um pouco mais cedo. Em muitos casos, no pode ser de outra maneira;
com efeito, as particularidades he- reditrias que apresentam os
cornos do grande touro s podem manifestar-se nos seus descendentes
na idade adulta pouco mais ou menos; as particularidades que
apresentam os bichos-da-seda no aparecem tambm a no ser na idade
corres- pondente em que o bicho existe sob a forma de larva ou
crislida. Mas as doenas hereditrias e alguns outros fatos levam-me
a crer que esta regra suscetvel de maior extenso; com efeito, ainda
que no haja razo aparente para que uma par- ticularidade reaparea
numa idade determinada, tende contudo a representar-se no
descendente da mesma idade que o antepassado. Esta regra parece-me
ter
27. 27 um alto valor para explicar as leis da embriologia. As
presentes notas s se apli- cam, naturalmente, primeira apario da
particularidade, e no causa primria que pode ter atuado sobre os
vulos ou sobre o elemento macho; assim, no des- cendente de uma
vaca desarmada e de um touro de longos cornos, o desenvolvi- mento
dos mesmos, posto que se manifeste somente muito tarde,
evidentemen- te devido influncia do elemento macho. Visto que aludi
ao regresso dos caracteres primitivos, posso agora tratar de uma
observao feita muitas vezes pelos naturalistas; isto , que as
nossas varie- dades domsticas, voltando vida selvagem, retomam
gradualmente, mas invari- avelmente, os caracteres do tipo
original. Tem-se concludo deste fato que se no pode tirar do estudo
das raas domsticas qualquer deduo aplicvel ao conhe- cimento das
espcies selvagens. Em vo procuro descobrir em que fatos decisi- vos
se pode apoiar esta assero to freqentemente e to ardilosamente
reno- vada; seria muito difcil, com efeito, provar-lhe a exatido,
porque podemos afir- mar, sem receio de nos enganarmos, que a maior
parte das nossas variedades domsticas, as mais fortemente
caracterizadas, no poderiam viver no estado sel- vagem. Em muitos
casos, no sabemos mesmo qual a sua origem primitiva; - nos, pois,
quase impossvel dizer se o regresso a esta origem mais ou menos
perfeito. Alm disso, seria indispensvel, para impedir os efeitos do
cruzamento, que uma nica variedade fosse posta em liberdade.
Contudo, como certo que as nossas variedades podem acidentalmente
regressar ao tipo ancestral por alguns dos seus caracteres,
parece-me bastante provvel que, se consegussemos che- gar a
aclimatar, ou mesmo a cultivar durante muitas geraes, as diferentes
raas de couve, por exemplo, num solo muito pobre (neste caso,
todavia, seria necess- rio atribuir qualquer influncia ao definida
da pobreza do solo), voltariam, mais ou menos completamente, ao
tipo selvagem primitivo. Que a experincia desse resultado ou no,
isso pouca importncia tem do ponto de vista da nossa argu- mentao.
porque as condies de existncia seriam completamente modificadas
pela prpria experincia. Se pudesse demonstrar-se que as nossas
variedades domsticas apresentam uma grande tendncia ao regresso,
isto , se pudesse estabelecer-se que tendem a perder os caracteres
adquiridos, quando mesmo fi-
28. 28 quem submetidas s mesmas condies e sejam mantidas em
nmero consider- vel, de maneira tal que os cruzamentos pudessem
parar, confundindo-os, os pe- quenos desvios de conformao, reconheo
eu, neste caso, que no poderamos concluir das variedades domsticas
para as espcies. Mas esta maneira de ver no encontra prova alguma
em seu favor. Afirmar que no poderamos perpetuar os nossos cavalos
de tiro e os cavalos de corrida, o nosso boi de longos e de cur-
tos cornos, as nossas aves de capoeira de raas diversas, os nossos
legumes, durante um nmero infinito de geraes, seria contrrio ao que
nos ensina a expe- rincia de todos os dias. CARACTERES DAS
VARIEDADES DOMSTICAS; DIFICULDADE DE DISTINGUIR ENTRE AS VARIEDADES
E AS ESPCIES; ORIGEM DAS VARIEDADES DOMSTI- CAS ATRIBUIDA A UMA OU
A MUITAS ESPCIES Quando examinamos as variedades hereditrias ou as
raas dos nossos animais domsticos e plantas cultivadas e as
comparamos s espcies muito pr- ximas, notamos ordinariamente, como
j dissemos, em cada raa domstica, ca- racteres menos uniformes que
nas espcies verdadeiras. As raas domsticas apresentam freqentemente
um carter um tanto monstruoso; entendo por isso que, posto que
diferentes umas das outras e das espcies vizinhas do mesmo g- nero
por alguns leves caracteres, diferem muitas vezes em alto grau por
um ponto especial, quer as comparemos umas s outras, quer sobretudo
as comparemos espcie selvagem de que mais se aproximam. Alm disto
(e salvo a fecundidade perfeita das variedades cruzadas entre si,
assunto que discutiremos mais tarde), as raas domsticas da mesma
espcie diferem entre si da mesma maneira que as espcies vizinhas do
mesmo gnero no estado selvagem; mas as diferenas, na maior parte
dos casos, so menos considerveis. necessrio admitir que este ponto
est provado, porque julgadores competentes salientam que as raas
do- msticas de muitos animais e de muitas plantas derivam de
espcies originais dis- tintas, enquanto que outros, no menos
competentes, as consideram apenas co- mo simples variedades. Ora,
se existisse uma distino bem ntida entre as raas domsticas e as
espcies, esta dvida no se apresentaria to freqentemente.
29. 29 Tem-se repetido muitas vezes que as raas domsticas no
diferem umas das outras por caracteres de valor genrico. Pode
demonstrar-se que esta assero no exata; todavia, os naturalistas tm
opinies muito diferentes quanto ao que constitui um carter genrico,
e, por conseguinte, todas as apreciaes atuais so- bre este ponto so
puramente empricas. Quando eu explicar a origem do gnero natural,
ver-se- que no devemos de modo algum esperar encontrar nas raas
domsticas diferenas de ordem genrica. Estamos reduzidos a hipteses
desde que tentamos avaliar o valor das di- ferenas de conformao que
separam as nossas raas domsticas mais vizinhas; no sabemos, com
efeito, se elas derivam de uma ou muitas espcies mes. Seri- a,
portanto, um ponto muito interessante a elucidar. Se, por exemplo,
pudesse provar-se que o Galgo, o Sabujo, o Caador, o Espanhol e o
Buldogue, animais cuja raa, como sabemos, se propaga to puramente,
derivam todos de uma mesma espcie, eStvamos evidentemente
autorizados a duvidar da imutabilidade de grande nmero de espcies
selvagens estreitamente ligadas, a das raposas por exemplo, que
habitam as diversas partes do globo. No creio, como veremos em
breve, que a soma das diferenas, que constatamos entre as nossas
diversas raas de ces, se tenha produzido inteiramente no estado de
domesticidade; julgo, ao contrrio, que uma parte destas diferenas
provm da descendncia de esp- cies distintas. Apesar das raas muito
caractersticas de algumas outras espcies domsticas, h fortes
presunes, ou mesmo provas absolutas de que descendem todas de uma
origem selvagem comum. Tem-se pretendido muitas vezes que, para os
reduzir domesticidade, o homem escolheu animais e plantas que
apresentam uma tendncia inerente ex- cepcional variao, e que
possuam a faculdade de suportar os mais diferentes climas. No
contesto que estas aptides tenham aumentado muito o valor da mai-
or parte dos nossos produtos domsticos; mas como poderia um
selvagem saber, quando aprisionou um animal, se esse animal era
suscetvel de variar nas gera- es futuras e suportar as mudanas de
clima? Acaso a fraca variabilidade do ju- mento e do pato, a pouca
disposio da rena para o calor ou do camelo para o frio, impediram a
sua domesticao?
30. 30 Estou convencido de que, se se tomassem no estado
selvagem animais e plantas em nmero igual ao dos nossos produtos
domsticos e pertencendo a um grande nmero de classes e pases, e se
se fizessem reproduzir no estado do- mstico, durante um nmero igual
de geraes, variariam em mdia tanto como tm variado as espcies mes
das nossas raas domsticas atuais. impossvel decidir, com respeito
maior parte das nossas plantas h mais tempo cultivadas e dos
animais reduzidos h longos sculos domesticida- de, se derivam de
uma ou mais espcies selvagens. O argumento principal daque- les que
crem na origem mltipla dos animais domsticos repousa sobre o fato
de encontrarmos, desde os tempos mais remotos, nos monumentos do
Egito e nas habitaes lacustres da Sua, uma grande diversidade de
raas. Muitas delas tm uma semelhana marcante, ou so mesmo idnticas
com as que existem ho- je. Mas isto s faz recuar a origem da
civilizao, e prova que os animais foram reduzidos domesticidade num
perodo muito anterior ao que julgamos presente- mente. Os
habitantes das cidades lacustres da Sua cultivavam muitas espcies
de trigo e de aveia, as ervilhas e as papoulas para da extrarem leo
e o cnha- mo; possuam muitos animais domsticos e estavam em relaes
comerciais com as outras naes. Tudo isto prova, claramente, como
Heer o fez notar, que tinham progredido consideravelmente; isto,
porm, implica tambm um longo perodo an- tecedente de civilizao
menos avanada, durante o qual os animais domsticos, tratados em
diferentes regies, puderam, variando, dar origem a raas distintas.
Depois da descoberta dos instrumentos de slex nas camadas
superficiais de mui- tas partes do mundo, todos os gelogos
acreditaram que o homem brbaro existiu num perodo
extraordinariamente afastado, e sabemos hoje que no h tribo, por
mais brbara que seja, que no tenha domesticado o co. A origem da
maior parte dos animais domsticos ficar duvidosa para sem- pre. Mas
devo acrescentar que, depois de laboriosamente haver recolhido
todos os fatos conhecidos relativos aos ces domsticos de todo o
mundo, fui levado a concluir que muitas espcies selvagens de
candeos deviam ter sido aprisionadas, e que o seu sangue corre mais
ou menos misturado nas veias das nossas raas domsticas naturais. No
pude chegar a nenhuma concluso precisa relativamen-
31. 31 te aos carneiros e s cabras. Aps os fatos que M. Blyth
me comunicou sobre os hbitos, voz, constituio e formao do touro de
bossa indiano, quase certo que ele descende de uma origem primitiva
diferente da que produziu o nosso touro europeu. Alguns crticos
competentes crem que este ltimo deriva de duas ou trs origens
selvagens, sem pretender afirmar que tais origens sejam ou no con-
sideradas como espcies. Esta concluso, bem como a distino especfica
que existe entre o touro de bossa e o boi ordinrio, foi quase
definitivamente estabele- cida pelos admirveis estudos do professor
Rtimeyer. Quanto aos cavalos, hesito em crer, por motivos que no
posso desenvolver aqui, e demais contrrios opi- nio de muitos
sbios, que todas as raas derivam de uma s espcie. Tenho tra- tado
quase todas as raas inglesas das nossas aves de capoeira, tenho-as
cruza- do, tenho-lhe estudado o esqueleto, e cheguei concluso que
provm todas de uma espcie selvagem ndica, o Gallus bankiva; tambm a
opinio de M. Blyth e de outros naturalistas que estudaram esta ave
na ndia. Quanto aos patos e aos coelhos, de que algumas raas
diferem consideravelmente entre si, evidente que derivam todas do
pato comum selvagem e do coelho selvagem. Alguns autores tm levado
ao extremo a doutrina de as nossas raas do- msticas derivarem de
muitas origens selvagens. Julgam que toda a raa que se reproduz
puramente, por ligeiros que sejam os seus caracteres distintivos,
teve o seu prottipo selvagem. Sendo assim, deveriam existir pelo
menos uma vintena de espcies de touros selvagens, outras tantas de
carneiros, e muitas espcies de cabras da Europa, das quais muitas
na Gr-Bretanha somente. Um autor sustenta que deviam existir na
Gr-Bretanha onze espcies de carneiros selvagens que lhe eram
prprios! Quando nos lembrarmos que este pas no possui hoje um mam-
fero que lhe seja particular, que a Frana tem apenas alguns, muito
poucos, que sejam distintos dos da Alemanha, e que o mesmo se d na
Hungria e na Espanha, etc., mas que cada um destes pases possui
muitas espcies particulares de tou- ros, de carneiros, etc.,
necessrio ento admitir que um grande nmero de raas domsticas
tiveram origem na Europa, porque de onde poderiam elas vir? E o
mesmo se d na ndia. certo que as variaes hereditrias desempenharam
um papel importante na formao das raas to numerosas de ces
domsticos para
32. 32 os quais admito, contudo, muitas origens distintas. Quem
poderia acreditar, com efeito, que muitos animais assemelhando-se
ao Galgo italiano, ao Rafeiro8 , ao Buldogue, ao Fraldiqueiro9 e ao
Espanhol de Blenheim, tipos to diferentes dos tipos dos candeos
selvagens, tivessem existido no estado primitivo? Tem-se afir- mado
muitas vezes, sem prova segura, que todas as nossas raas de ces
pro- vm do cruzamento de um pequeno nmero de espcies primitivas.
Mas,apenas se obtm, pelo cruzamento, formas intermedirias entre aos
pais; ora, se quere- mos explicar assim a existncia das nossas
diferentes raas domsticas, necess- rio se torna admitir a existncia
anterior das formas mais extremas, tais como o Galgo italiano, o
Rafeiro, o Buldogue, etc., no estado selvagem. De resto, tem-se
exagerado muito a possibilidade de formar raas distintas pelo
cruzamento. Est provado que pode modificar-se uma raa pelos
cruzamentos acidentais, admitin- do, todavia, que se escolhem
cuidadosamente os indivduos que representam o tipo desejado: mas
seria muito difcil obter uma raa intermdia entre duas raas
completamente distintas. Sir J. Sebright tentou numerosas
experincias com este fim, mas no pde obter resultado algum. Os
produtos do primeiro cruzamento entre duas raas puras so bastante
uniformes, algumas vezes mesmo perfeita- mente idnticos, como tenho
constatado nos pombos. Nada parece, pois, mais simples; quando,
porm, se cruzam estes mestios entre si durante muitas gera- es, no
mais se obtm dois produtos semelhantes e as dificuldades de opera-
o tornam-se manifestas. RAAS DO POMBO DOMSTICO, SUAS DIFERENAS E
SUA ORIGEM Persuadido que vale sempre mais estudar um grupo
especial, decidi-me, aps madura reflexo, pelos pombos domsticos.
Tenho tratado todas as raas que pude obter por compra ou por outra
maneira; alm disso, tm-me sido envia- 8 diz-se de ou co de casta
que serve para guardar gado
33. 33 das peles provenientes de quase todas as partes do
mundo; estou principalmente agradecido por estas remessas ao
honorrio W. Elliot, que me fez aperceber de especmenes da ndia, e
ao honorrio C. Murray, que me expediu exemplares da Prsia. Em todas
as lnguas se tm publicado tratados sobre pombos; algumas destas
obras so muito importantes, pois que ascendem mais remota
antiguida- de. Associei-me a muitos criadores importantes e fao
parte dos dois Pigeons- clubs de Londres. A diversidade das raas de
pombos verdadeiramente admi- rvel. Se se compara o Correio ingls
com o Cambalhota de face curta, fica-se impressionado pela enorme
diferena do bico, condizendo com diferenas corres- pondentes no
crnio. O Correio, e mais particularmente o macho, apresenta um
desenvolvimento pronunciado da membrana carunculosa da cabea,
acompanha- do de grande alongamento das plpebras, de largos
orifcios nasais e grande a- bertura do bico. O bico do Cambalhota
de face curta parece-se com o de um par- dal; o Cambalhota ordinrio
possui o hbito singular de elevar-se a grande altura
desordenadamente, e depois fazer no ar uma cambalhota completa. O
Runt (pombo-galinha romano) uma ave grande, de bico longo e macio e
grandes ps; algumas sub-raas tm longo pescoo, outras longas asas e
longa cauda. O Barbado est aliado ao pombo-correio; mas o bico, em
lugar de ser longo, largo e muito curto. O Pombo de papo tem corpo,
asas e patas alongadas; o enorme papo, que tumefaz com orgulho,
d-lhe um aspecto bizarro e cmico. O pombo- gravata tem o bico curto
e cnico, e uma ordem de penas riadas sobre o peito; tem o hbito de
dilatar ligeiramente a parte superior do esfago. O Cabeleira tem as
penas de tal maneira erriadas na parte dorsal do pescoo, que formam
uma espcie de capucho; proporcionalmente ao tamanho, tem as penas
das asas e do pescoo muito alongadas. O Trombeta, ou Pombo tambor,
e o Pombo que ri, fazem ouvir, assim como indica o seu nome, um
arrulho muito diferente do das outras raas. O Pombo de leque tem
trinta ou mesmo quarenta penas na cauda, em vez de doze ou catorze,
nmero normal em todos os membros da famlia dos pombos; tem estas
penas to ostentadas e to erriadas, que, nas aves de raa pura, a
cabea e a cauda se 9 diz-se de ou co que gosta de estar no conchego
do colo das mulheres
34. 34 tocam; mas a glndula olefera completamente atrofiada.
Poderamos ainda indi- car algumas outras raas menos distintas. O
desenvolvimento dos ossos da face difere enormemente, tanto pelo
com- primento como pela largura e curvatura, no esqueleto das
diferentes raas. A for- ma, assim como as dimenses do maxilar
inferior variam de uma maneira muito acentuada. O nmero das
vrtebras caudais e das vrtebras sagradas varia tambm da mesma forma
que o nmero de costelas e das apfises, assim como a sua largura
relativa. A forma e a grandeza das aberturas do esterno, o grau de
divergncia e as dimenses dos ramos da forquilha, so igualmente
muito variados. A largura proporcional da abertura do bico; o
comprimento relativo das plpebras; as dimen- ses do orifcio das
narinas e as da lngua, que no esto sempre em correlao absolutamente
exata com o comprimento do bico; o desenvolvimento do papo e da
parte superior do esfago; o desenvolvimento ou atrofia da glndula
olefera; o nmero de penas primrias da asa e da cauda; o comprimento
relativo das asas e da cauda, quer entre si, quer com relao ao
corpo; o comprimento relativo da perna e do p; o nmero de escamas
dos dedos; o desenvolvimento da membra- na interdigital so outras
tantas partes essencialmente variveis. A poca em que as aves novas
adquirem a plumagem perfeita, bem como a natureza da plumagem de
que os filhotes so revestidos na sua ecloso, variam tambm; e
igualmente a forma e tamanho dos ovos. O vo e, em certas raas, a
voz e os instintos, apresentam diversidades notveis. Enfim, em
certas varieda- des, os machos e as fmeas chegam a diferir algum
tanto uns dos outros. Poder-se-ia facilmente reunir uma vintena de
pombos tais que, se se mos- trassem a um ornitlogo, e se lhe
dissessem que eram aves selvagens, ele os classificaria certamente
como outras tantas espcies distintas. No creio mesmo que qualquer
ornitlogo consentisse em colocar num mesmo gnero o Correio ingls, o
Cambalhota de face curta, o Runt, o Barbado, o Pombo de papo e o
Pombo de leque; ele o faria tanto menos que se lhe poderiam
mostrar, por cada uma destas raas, muitas subvariedades de
descendncia pura, isto , de esp- cies, como lhes chamaria
certamente.
35. 35 Por considervel que seja a diferena que se observa entre
as diversas ra- as de pombos, estou completamente da opinio comum
dos naturalistas que os fazem descendentes do Pombo torcaz
(Columbia livia), compreendendo debaixo deste termo muitas raas
geogrficas, ou subespcies, que s diferem umas das outras por pontos
insignificantes. Exporei sucintamente muitas das razes que me levam
a adotar esta opinio, porque so, at certo ponto, aplicveis a outros
ca- sos. Se as nossas diversas raas de pombos no so variedades, se,
numa pala- vra, no derivam do Torcaz, devem derivar de sete ou oito
tipos originais pelo me- nos, porque seria impossvel produzir as
nossas raas domsticas atuais por cru- zamentos recprocos de um
nmero menor. Como, por exemplo, produzir um Pombo de papo cruzando
duas raas, a no ser que uma das raas ascendentes possua o enorme
papo caracterstico? Os supostos tipos originais devem todos ter
sido habitantes dos rochedos como o Torcaz, isto , espcies que no
se empolei- ram nem fazem ninhos voluntariamente sobre as rvores.
Mas, alm da Columbia livia e as suas subespcies geogrficas, somente
se conhecem duas ou trs ou- tras espcies de pombos dos rochedos e
no apresentam qualquer dos caracteres prprios s raas domsticas. As
espcies primitivas devem, pois, ou existir ainda nos pases em que
tm sido originariamente reduzidas domesticidade, e neste caso
escapavam ateno dos ornitlogos, o que atendendo ao talhe, aos
hbitos e ao notvel carter, parece impossvel; ou foram extintas no
estado selvagem. , porm, difcil exterminar aves que fazem ninho
beira dos precipcios e dotadas de vo poderoso. Demais o Torcaz
comum, que tem os mesmos hbitos que as raas domsticas, no foi
exterminado nem nas pequenas ilhas que cercam a Gr-Bretanha, nem
nas costas do Mediterrneo. Seria pois fazer uma falsa supo- sio
admitir a extino de um to grande nmero de espcies tendo os mesmos
costumes que o Torcaz. Alm disso, as raas domsticas, de que temos
falado mais acima, foram transportadas para todas as partes do
mundo; algumas, por conseguinte, devem ter sido levadas ao seu pas
de origem; nenhuma, contudo, voltou ao estado selvagem, ainda que o
pombo comum, que no outro seno o Torcaz sob forma muito pouco
modificada, se tenha tornado selvagem em muitos lugares. Enfim, a
experincia prova-nos bem o quanto difcil obrigar um animal
36. 36 selvagem a reproduzir-se regularmente em cativeiro;
todavia, admitindo a origem mltipla dos nossos pombos, necessrio se
torna tambm admitir que sete ou oito espcies pelo menos foram
aprisionadas pelo homem num estado semi-selvagem para as tornar
perfeitamente fecundas no estado de cativas. H um outro argumento
que me parece ter um grande valor e que pode a- plicar-se a muitos
outros casos: que as raas de que temos falado, posto que
semelhando-se de uma maneira geral ao Torcaz selvagem pela
constituio, hbi- tos, voz, cor e pela maior parte da sua conformao,
diferenciam-se dele, todavia, por muitos outros pontos. Debalde se
procuraria, em toda a grande famlia das Columbdeas, um bico
semelhante ao do Correio ingls, ao do Cambalhota de fa- ce curta ou
ao do Barbado; penas erriadas anlogas s do Cabeleira; papo com-
parado ao do Pombo de papo; penas caudais comparveis s do
pombo-pavo. Seria necessrio, pois, admitir, no s que homens
semi-selvagens aprisionaram completamente muitas espcies, como
ainda, por acaso ou intencionalmente, es- colheram as espcies mais
extraordinrias e mais anormais; era necessrio admi- tir ainda que
todas estas espcies se extinguiram em seguida ou ficaram desco-
nhecidas. Um tal concurso de circunstncias improvvel no mais alto
grau. Merecem meno alguns fatos relativos cor dos pombos. O Torcaz
azul-ardsia com os flancos brancos; na subespcie ndica, a Columbia
intermedia de Strickland, os flancos so azulados; a cauda apresenta
uma orla carregada terminal e as penas dos lados so exteriormente
limitadas de branco na base; as asas tm duas barras negras. Em
algumas raas semidoms- ticas, bem como em algumas absolutamente
selvagens, as asas, alm das duas orlas negras, so pontilhadas de
negro. Estes diversos sinais no se encontram reunidos em qualquer
outra espcie da famlia. Ora, todos os sinais que acabamos de
indicar so por vezes e perfeitamente desenvolvidos at ao bordo
branco das penas exteriores da cauda, nas aves de raa pura
pertencendo a todas as nossas raas domsticas. Alm disso, quando se
cruzam os pombos, pertencentes a duas ou mais raas distintas, no
oferecendo nem a colorao azul, nem qualquer dos sinais que acabamos
de expor, os produtos destes cruzamentos mostram-se mui- to
dispostos a adquirir rapidamente estes caracteres. Limitar-me-ei a
citar um exemplo que entre tantos outros observei. Cruzei alguns
pombos-paves brancos
37. 37 xemplo que entre tantos outros observei. Cruzei alguns
pombos-paves brancos da raa mais pura com alguns Barbados negros -
as variedades azuis do Barbado so to raras que no conheo um s
exemplar em Inglaterra -: as aves que obti- ve eram negras,
cinzentas e manchadas. Cruzei igualmente um Barbado com um pombo
Spot, que uma ave branca com a cauda vermelha e uma mancha verme-
lha no alto da cabea, e que se reproduz fielmente; obtive mestios
acinzentados e manchados. Cruzei ento um dos mestios barbado-pavo
com um mestio barbado-spot, e obtive uma ave de um to belo azul
como nenhum pombo de raa selvagem, tendo os flancos brancos,
possuindo a dupla orla negra das asas e as penas externas da cauda
orladas de negro e limitadas de branco! Se todas as ra- as de
pombos domsticos derivam do Torcaz, estes fatos explicam-se
facilmente pelo princpio bem conhecido da reverso aos caracteres
dos antepassados; mas se se contesta esta origem, necessrio
forosamente admitir uma das duas hi- pteses seguintes, hipteses o
mais improvveis possvel: ou todos os diversos tipos originais eram
coloridos e marcados como o Torcaz, posto que nenhuma ou- tra
espcie existente apresente estes mesmos caracteres, de modo que, em
cada raa separada, exista uma tendncia reverso de cores e
caractersticas; ou en- to cada raa, mesmo a mais pura, foi cruzada
com o Torcaz num intervalo de uma dezena ou ainda mais de uma
vintena de geraes - digo uma vintena de geraes, porque no se
conhece exemplo algum de produtos de um cruzamento que tenham
voltado a um antepassado de sangue estranho afastado deles por um
nmero de geraes mais considervel. - Numa raa que foi cruzada apenas
uma vez, a tendncia reverso a um destes caracteres devidos a este
cruzamento diminui naturalmente, contendo cada gerao sucessiva uma
quantidade sempre menor de sangue estranho. Mas, quando no tem
havido cruzamento e existe numa raa a tendncia a regressar a um
carter perdido durante muitas geraes, esta tendncia, depois do que
fica dito, pode transmitir-se sem enfraquecimento durante um nmero
indefinido de geraes. Os autores que tm escrito sobre a
hereditariedade tm, muitas vezes, confundido estes dois casos assaz
distintos da reverso. Enfim, assim como pude constatar pelas
observaes que tenho feito ex-
38. 38 pressamente sobre as mais distintas raas, os hbridos ou
mestios provenientes de todas as raas domsticas do pombo so
perfeitamente fecundos. Ora difcil, seno impossvel, citar um caso
bem estabelecido tendente a provar que os des- cendentes hbridos
provindos de duas espcies de animais nitidamente distintos so
completamente fecundos. Alguns autores julgam que uma domesticidade
por muito tempo prolongada diminui esta grande tendncia
esterilidade. A histria do co e a de alguns outros animais
domsticos torna esta opinio muito provvel, se se aplicar s espcies
estreitamente aliadas; mas parece-me em extremo temer- rio
generalizar esta hiptese at supor que espcies primitivamente to
distintas, como so hoje os Correios, os Cambalhotas, os Papudos e
os Paves tenham podido produzir descendentes perfeitamente fecundos
inter se. Estas diferentes razes, que sempre bom recapitular, isto
, a improbabi- lidade de outrora o homem ter reduzido ao estado
domstico sete ou oito espcies de pombos, e sobretudo faz-los
reproduzir neste estado livremente; o fato de se- rem desconhecidas
por toda a parte estas supostas espcies no estado selvagem, e de as
espcies domsticas se no tornarem selvagens em parte alguma; o fato
de estas espcies apresentarem certos caracteres muito anormais,
comparando- as com todas as outras espcies de columbdeas, posto que
se assemelhem ao Torcaz sob quase todos os aspectos; o fato de a
cor azul e os diferentes estigmas negros reaparecerem em todas as
raas, quer se conservem puras, quer se cru- zem; enfim, o fato de
os mestios serem perfeitamente fecundos - este complexo de razes
leva-nos a concluir que todas as nossas raas domsticas derivam do
Torcaz ou Columbia livia e das suas subespcies geogrficas.
Juntarei, em apoio desta opinio: primeiro, que o Columbia tivia ou
Torcaz se mostra, na Europa e na ndia, suscetvel de uma
domesticidade fcil, e que h uma grande analogia entre os seus
hbitos e a conformao de todas as raas domsticas; segundo, que,
ainda que o Correio ingls ou o Cambalhota de face curta difiram
consideravelmente do Torcaz por certos caracteres, se pode, contu-
do, comparando as diversas subvariedades destas duas raas, e
principalmente as provenientes de pases afastados, estabelecer
entre o Torcaz e elas uma srie quase completa ligando os dois
extremos (podem estabelecer-se as mesmas s-
39. 39 ries em alguns outros casos, mas no com todas as raas);
terceiro, que os princi- pais caracteres de cada raa so, em cada
uma delas, essencialmente variveis, tais como, por exemplo, as
carnculas e o comprimento do bico no Correio ingls, o bico to curto
do Cambalhota, e o nmero de penas caudais no Pombo pavo (a explicao
evidente deste fato ressaltar quando tratarmos da seleo); quarto,
que os pombos tm sido objeto dos mais extremos cuidados da parte de
um gran- de nmero de amadores, e que foram reduzidos ao estado
domstico h milhares de anos nas diferentes partes do mundo. O
documento mais antigo que se encon- tra na histria relativamente
aos pombos ascende quinta dinastia egpcia, cerca de trs mil anos
antes da nossa era; este documento foi-me indicado pelo profes- sor
Lepsius; por outra parte, M. Birch ensina-me que o pombo est
mencionado num boletim de refeio da dinastia precedente. Plnio
diz-nos que os Romanos pagavam os pombos por um preo considervel:
Chegou-se, diz o naturalista lati- no, a tomar conta da sua
genealogia e da sua raa. Na ndia, pelo ano 1600, Ab- ker-Khan fazia
to grande caso dos pombos, que o seu pombal tinha pelo menos vinte
mil exemplares. Os monarcas do Iro e do Turo enviavam-lhe aves
muito raras; em seguida o cronista real acrescenta: Sua majestade,
cruzando as ra- as, o que ainda no tivera sido feito at ento,
melhorou-as extraordinariamen- te. Nesta mesma poca, os Holandeses
mostravam-se tambm amadores de pombos como o tinham sido os antigos
Romanos. Quando tratarmos da seleo, compreender-se- a grande
importncia destas consideraes para explicar a so- ma enorme de
variantes que os pombos apresentam. Veremos ento, tambm, como se
faz com que muitas vezes as diferentes raas ofeream caracteres
mons- truosos. necessrio, por fim, indicar uma circunstncia
extremamente favorvel para a produo de raas distintas, e que os
pombos machos e fmeas se unam de ordinrio para a vida, e que se
possam tratar muitas raas diferentes numa mesma gaiola. Acabo de
discutir muito largamente, e contudo de uma maneira insuficiente, a
origem provvel dos nossos pombos domsticos; se tal fiz, foi porque,
quando comecei a tratar dos pombos e a observar as diferentes
espcies, eu estava tam- bm pouco disposto a admitir (sabendo com
que fidelidade as diversas raas se
40. 40 reproduzem), que derivassem todas de uma nica espcie me,
e se tivessem formado desde o momento em que foram reduzidas ao
estado domstico, como o estaria qualquer naturalista em aceitar a
mesma concluso com respeito a nume- rosas espcies de pardais ou de
qualquer outro grupo natural de aves selvagens. Uma circunstncia me
feriu sobretudo, que a maior parte dos tratadores de ani- mais
domsticos, ou os cultivadores com os quais estou em contato, ou de
que tenho lido as obras, esto todos firmemente convencidos que as
diferentes raas de que cada um se tem ocupado em especial, derivam
de outras tantas espcies primitivamente distintas. Perguntai, assim
como eu o fiz, a um clebre tratador de bois de Hereford, se no
poderia fazer derivar o seu gado de uma raa de longos cornos, ou
que as duas raas derivassem de uma origem comum, e ele se rir de
vs. Nunca encontrei um tratador de pombos, de galinhas, de patos ou
de coe- lhos, que no estivesse inteiramente convencido que cada raa
principal derivasse de uma espcie distinta. Van Mons, no seu
tratado sobre peras e mas, recusa- se categoricamente a acreditar
que espcies diferentes, um pippin Ribsion e uma ma Codlin, por
exemplo, possam descender de sementes de uma mesma rvo- re.
Poder-se-iam citar uma infinidade de outros exemplos. A explicao
deste fato parece-me simples: fortemente impressionados, em razo
dos seus longos estu- dos, pelas diferenas que existem entre as
diversas raas, e ainda sabendo bem que cada uma delas varia
ligeiramente, pois que somente ganham prmios nos concursos
escolhendo com cuidado estas leves diferenas, os tratadores ignoram
contudo os princpios gerais, e recusam-se a tomar em linha de conta
as leves diferenas que se foram acumulando durante um grande nmero
de geraes su- cessivas. Os naturalistas, que sabem bem menos que os
tratadores sobre as leis da hereditariedade, que no sabem mais a
respeito dos elos intermedirios que ligam entre si longas sries
genealgicas, e que, contudo, admitem que a maior parte das nossas
raas domsticas derivam de um mesmo tipo, no poderiam tornar-se um
pouco mais prudentes, e no zombarem da opinio de que uma espcie, no
estado natural, pode ser a posteridade direta de outras
espcies?
41. 41 PRINCIPIOS DE SELEO ANTIGAMENTE APLICADOS E SEUS EFEITOS
Consideremos agora, em algumas linhas, a formao gradual das nossas
raas domsticas, quer derivem de uma espcie nica, quer derivem de
muitas espcies vizinhas. Podem atribuir-se alguns efeitos ao direta
e definida das condies exteriores de existncia, alguns outros aos
hbitos, mas necessrio seria ser bem ardiloso para explicar, por
tais causas, as diferenas que existem entre o Cavalo de tiro e o
Cavalo de corrida, entre o Perdigueiro e o Galgo, entre o Correio e
o Cambalhota. Um dos caracteres mais notveis das nossas raas do-
msticas, que vemos entre elas adaptaes que no contribuem em nada
para o bem-estar do animal ou da planta, mas simplesmente para
vantagem e capricho do homem. Determinadas variaes teis ao homem so
provavelmente produzi- das sucednea e gradualmente por outras;
alguns naturalistas, por exemplo, jul- gam que o Cardo penteador
armado de ganchos, que no pode substituir qualquer mquina, muito
simplesmente uma variedade do Dipsacus selvagem; ora, esta
transformao pode manifestar-se numa s semente. Igualmente provvel
que o tenha sido para o co Tournebroche, sabe-se, pelo menos, que o
carneiro Ancon surgiu de uma maneira sbita. Mas necessrio, se
compararmos o cavalo de tiro e o cavalo de corrida, o dromedrio e o
camelo, as diversas raas de carneiros adaptadas quer s plancies
cultivadas, quer s pastagens das montanhas, e de que a l, segundo a
raa, apropriada tanto a um como a outro uso; se compa- rarmos as
diferentes raas de ces, de que cada uma til ao homem sob pontos de
vista diversos; se compararmos o galo de combate, to inclinado
luta, com outras raas to pacficas, com as poedeiras perptuas sem
nunca chocarem, e com o galo Bantam, to pequeno e to elegante; se
considerarmos, enfim, essa legio de plantas agrcolas e culinrias,
as rvores que en