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Charles Darwin - A origem das espécies - edição bela da itatiaia

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GRANDES OBRAS DA CULTURA TUNIVERSAL

VOL. 7

Rua Sio Geraldo, 53 - Floresta - Cep. 30150-070 Tel.: 3212-4600 -Fax: 3224-5151

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CHARLES DARWIN

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Titulo do Original Ingles ON THE ORIGIN OF SPECIES By Means of Natunl Selection

Primein. edis80 publicada por JOHN MURRAY Albemarle Skeet LCNDON 1859

CPI-Brasil. Catlloga&-na-Publicqiio C3maraBrasileiradoLivm. SP

Darwin, Charles, 1809-1882. ' D2480 Origem das espkics / Charles Darwin ; tradugHo Eugtninio Amado. - Bclo Hori- I zonte; Editara Itatiaia. 2002. 1 I (Grandes obras da cultura universal ; v. 7) I

Iaelui pagina dc mrto da cd. original. em inglts, p u b l i d cm Lon&$. 1859, da qua1 fai bdudda. e dois aertseior. Agndices : Es%o autobiogrSfico. - Esbogo hist6rico do progresso da opiniHo acena do problema da origem das espicies, at6 a publicagHo da primcira edigso deste uabalho.

1. Darwin. Charles, 1809.1882, 2. EvolugHo 3. Sele~Ho natural I

fndices para catilogo sistemitico:

1. Ddinirmo : EvolugHo : Cifndas bial6gicas 575.0162 2. EvolqHo : Teoria de Darwin : Cienciar biol6gicas 575.0162 3. Evolucionistas inglcses : Biagrafia 925.75-942 4. Origem das espicies : Teoria de Darwio : Ciincias biol6gicas 575.0162 5. SelqHo natural : Tearia de Danuin : Ciincias bial6gicas 575.0162

Direitos de Propriedade Litedria adquiridos pela EDITORA ITATIAIA

Belo Horizonte

Impresso no Brasil Printed in Brazil

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Nota dos Editores Esbogo autobiogrifico

Esbo~o hist6rico do progress0 da opiniiio acerca do problema da origem, das espkcies, at6 a publicag20 da primeira edigiio deste trabalho

Introdugiio Capitulo I - VariasZo no estado domistico

Capitulo 11 - Variagiio no estado nativo Capitulo 111 --A luta pela existcncia

Capitulo IV - Selegiio natural. Capitulo V - Leis da variagiio

Capitulo VI - Objegdes ti teoria Capitulo VII - Instintos

Capitulo VIII - Hibridismo Capitulo IX - Da imperfeigiio dos registros geol6gicos

Capitulo X - Sucessio geol6gica dos seres organizados Capitulo XI - Distribuigiio geogrifica

Capitulo XI1 - Distribuigio geogrifica - continuagiio Capitulo XIII - Afinidades mhtuas dos seres organizados -

morfologia - embriologia - orgos rudimentares Capitulo XIV - Recapitulagiio e conclusiio

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Carturn de Charles Danvin, ori@nalmenre publicado em Vanig Fairern 1871, em sua serie, "Hornern d o momento"

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i o logo tivemos em mente publicar a traduqio brasileira de 'X Origem das Y S P icies", deparamos corn urr. problema de mdtipla escolha: qual das edi-

gdes da obra deveriamos tomar como base para o nosso texto? Acontece que, durante os dtimos 23 anos de vida de Charles Xobert Danvin, foram publicadas seis edigdes da "Origem", todas revistas, anotadas e modificadas pelo autor, i me- dida que as novas descobertas cientificas iam ratificando ou contestando as idiias e concl~sdes expostas na ediq5o anterior. Por qud deveriamos optar?

E curioso observar que as conquistas cientificas do siculo XX vieram antes confirmar parte das idiias que Darwin algurna vez "corrigiu", espeualmente na 5' e na 6' ediqio, pressionado pelas cdricas e iludido por algwmas conclusdes errheas, i s quais, evenkalmente, chegou o mundo cientifico do terceiro quartel do siculo passado, auavis da en60 incipiente pesquisa biol6gica e paleontol6gica.

De mod0 geral, a ediqio sobre a qd recai a prefmgnda dos editores estrangeiros i a 4: cio tanto pelas corregaes que traz, pois neste particular as duas ediqbes poste- riores sZo mais sigdcatim, mas antes pelos adendos que nela se con th , no inido e no tkmino do volume: urn esbogo hist6dco e um glosskio de terxos ciendficos.

Qmto ao glossdrio, sua importincia i secundiiria, porquanto a terminologia dena'fica empregada por 3anvin - . e muito parcimoniosamente, diga-se de passa- gem - i hoje perfeitamente acessivel ao leigo, j i se tendo incorporado em boa parte ao vocabuliirio das pessoas de cultura geral mediana. Ademais, esse glossdrio nio foi preparado por Darwin, mas sim por seu colega X S. Dallas, que o elaborou a pedido dos editores, preocupados em possibiitar ao grande phblico uma compre- ensio mais completa das idgas expostas na obra.

0 mesmo nZo se pode dizer do Esbo~o Hist6ric0, brilhante ensaio escrito pel0 pr6prio 3arwin, e que, a par de confirmar sua erudi~io e sen talent0 de escritor e dentista, ainda nos clias.de hoje constitui uma excelente fonte de consul. +a q uanto aos estudos e trabalhos que versam sobre o tema da evolugio, editados anterior- mente i publicagio da "Origem das Espicies".

Apesar de todos esses argumentos em favor da 4' ediqio, nossa incliqagiio era a de tomar como base da traduqio o texto da la, por ser o mais autenticamente darwiniano, o de maior interesse hist6ric0, o que provocou a mais acerba e prolon- gada controvirsia ciendfica de que se tem noticia.

Como empreendimento editorial, essa primeira fornada foi urp tanto modesta, pois colocou i venda o niunero nada expressivo de 1.250 exemplares. 0 que nio se esperava, contudo, foi seu imediato e renunbante sucesso, j i que toda a ed i~ io se esgotou no mesmo dia do seu langarnento. Nio foram necessirios senZo 48 dias para que se publicasse a 2' ediqiio.

Como nio podia deixar de ser, prevaleceu o bom senso: opramos pela 1' e&qio, a de 24 de novembro de 1859, decidhdo enriquecbla com dois adendos: o Esbogo

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Hist6dco ji mencionado, e airda luna ccriosissima aztobiografia do autor, publicada originalmente na versio demi de 1882, ano da morte de Darwin, e posteriormente hcluida na edigio inglesa de suas obras completas.

Redigida em estilo coloquial e ameno, lembrando uma conversa sem compromis- so ao p6 da !areira, essa autobiogra5a 6 arrtes de e ~ d o sincera, relevando em toda a sua enorme dimensZo interior o Danviiq-pessoa, aquele que a leitura de seus limos cienti- ficos apenas pernite vislumbrar nas entrelinhas. Trata-se, portanto, de importante docm..er.to para todos aqueles que se interessem pela vida e pela obra do grande ciendsta hglis, donde nZo termos hesitado em in&-la no presente volrune.

Assim, acreditamos que a solu$Ho por n6s encontracia sadsfaga plenamecte os estudos e o pliblico em geral, a querr, orgulhosamente, dedicamos este livro.

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u-?le uma casa editora alemii qJe h e redigisse um artigo sobre a maneira pela qual se desenvolveu meu espirito e meu cariter, e que fosse ao mesmo Pedi tempo - um esbogo autobiogrifico. Creio que a tarefa poderi servix para dis-

trair .+-a mente, que ora se encontra um tanto ambulada, e talvez at& v i interessar a meus f&os e netos; eu, pelo menos, sentiria enorme prazer se pudesse ler um trabalho desse tipo, escrito por meu av6, retratando sua menralidade e relatando o que ele fez e como o fez, ainda que se tratasse de urn compkndio enfadonho e pesado.

Tentei redigir esta biografia como se j i estivesse morto, no outro mmdo, e del i se me houvesse vindo a idkia de fazer um apanhado geral do que teria sido &a existsncia. Isto niio me foi dificil, porque a vida j i esti em vias de me dizer adeus. (N. do 1: Danvii fa/eceu a&zins mese4 depois de ter e~mto esta autobiograja.)

Cumpre dizer que, ao redigir estas linhas, nZo tive a menor preocupagHo quanto ao estilo.

Nasa em Shrewsbuq a I2 de fevexeiro de 1809. Minhas pIlmeiras lembtltqps daque- les dias tZo longinquos datarn de quando, com 4 anos completoq .FA corn meus avbs, durante o v&o, a a l o d d a d e perto de Abergele, a fitn de tomar banhos de rnz

Minha mHe morreu em julho de 1817, quando eu contava pouco mais de 8 anos. Dela ficaram gravados em minha lembranga apenas seu leito mortuirio e a morta- h a negra com que h e cobriram o corpo. . - -

Na primavera daquele mesmo ano, meu pai, Robert Waxing Darwin, matricu- IOU-me numa escola de Shewsbury, que freqiientei d.xmte 12 meses. Disseraq-me que minha irmii mais nova, Katherine, era mais aplicada do que eu; acredito, pois lembro-me de ter sido urn menino irrequieto e pouco d6d . Aproveito para regis- trar que eve um irmiio e quaao irmiis.

Na kpoca em que estive naquela escola, j i demonstram icclinagiio natural para colecionar toda sorte de objetos: conchas, pedras, selos postais, lacres carimbados, moedas, timbres, etc, revelmdo interesse todo especial em conhecer o nome das p!*s. Essapaixiio por colecionar coisas, que leva o homem a ser naturalists siste- minco, ou antiquirio, ou 60-somente avarento, era em mim bastante forte e evi- dentemecte inata, porque meu irmiio Erasmus jamais demonstrou tal tendencia, assim como tambim zenhuma de minhas irmiis.

Niio posso esquecer m a conversa que tive naquele ano corn um de meus cole- gas, creio que Leighton, depois Reverend0 W A. Leighton, cklebre botinico que se ~specializok.no e&do dos-Kquens. curioso relataressa conversa, pois ela mostra que.ji naquela idade eu me interessava pel0 tema da variabilidade das plantas. Dis- si-&e naquela ocasiiio que era capaz decazer com que certas plantas d 6 f d a s do nardo e da pninula, c4as florei siio alvas, passassem a pr6duzir flores de cores variadas, basmdo para tanto banhi-las em detersinadas tinturas, o que era pura invengiio &a, visto que nunca me dera ao trabaiho de re&= tal experienda.

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Cumpre dizer que, nos dias de minha infhcia, sentia enorme prazer em simular fatos e situagGes, com o b i c o fit0 de inflamar a curiosidade das pessoas. Certa vez, por exemplo, coLbi uma grande quantidade de frutas do pomar de meu pai e corri a esconde--las no mato, voltando em seguida o mais ripido que pude, a &a de contar a toda a famiIia, esbaforido, que acabara de descobrir um esconderijo cheio de fru- tas roubad as...

Quando entrei para a escola, como era tolo! Certo dia, um colega de nome Garnett levou-me a uma confeitaria e pediu uns biscoitos, saindo sem pagar - o dono devia coxhec&-lo, sem dfivida. Ao sairmos, perguntei-lhe o porque daquilo, ao que ele respondeu: "Fique sabendo que meu tio, ao morrer, deixou toda a sua fortu-~ na para esa ddade, com a condigZo de que os comerdantes daqui fornecessem gratuitamente tudo o que fosse pedido pela pessoa que usasse o chap& que ele trazia em vida, e que os saudasse fazendo uma certa mesura". Em seguida, mos- trou-me como devia ser feita a taI mesura. Dali fomos a outro estabelecimento, onde ele.pediu um artigo qudquer, saudou o comerciante e de novo saiu sem pagar: sua f a d a devia ter cridito por 1i. Ele entiio prop6s: "Quer tentar fazer o mesmo naquela confeitaria do outro lado da rua? Pode usar meu chapiu. Pegue e leve o que quiser, mas nZo se esquega da mesura". Mais que depressa aceitei a generosa oferta, entrei na confeitaria e pedi um pacote de doces; em seguida, tirando o chapiu, curvei-me conforme o ensinado e j i ia saindo todo orgulhoso, quando ouvi os brados do confeiteiro, que vinha a& de mim exigindo seu pagamento. Tive de jogar no chiio o pacote e disparar pela porta afora, para escapar B ira do homem, sendo recebido com gargalhadas pelo fako amigo Garnett, que me esperava a dez ou doze passos do local, ansioso pelo resultado daquela aventura.

Tenho a alegar em meu favor que fui um garoto afivel e de born coragzo, con- diqGes que devo ter baurido do exemplo que via em minhas irmZs, pois niio sei se a bondade e a gentileza constituem qualidades inatas ou adquiridas. Apredava coled- onar ovos de pissaros, mas nunca drei mais de um de cada ninho, salvo numa ocasiZo em que apanhei todos, G o por ganhda ou descontrole, mas sim para responder a um desafio que me fora feito. 3 e outra feita, na escola, quermdo exibir minha coragem, enfrentei =a vira-lata, ahgentando-o a pontapb, mas acho que nZo o machuquei muito, porque ele sequer ganiu. Mesmo assim, senti tamanho remorso por esta atitude cruel, que daquele dia em diante passei a tratar todos os cZes com um c d o todo especial, que aos poucos se foi transformando na paixZo que hoje sinto por esses a k a i s . E parece que os cZes entendem isso, pois muitos preferem ser afagados por mim do que por seus pr6prios donos.

Lembro-me tambim de outro inddente que presenciei quando de meus tempos de escola: o enterro de um soldado de Cavalaria. Fiquei tiio impressionado com a visZo do c a d o seguindo o firetro trazendo pendentes da sela as botas e a carabina do morto, que ate me parece estar revendo a cena, neste momento em que a descre- vo. Toda a imaginagiio poitica que uma aianga daquela idade pudesse possuir deve ter vindo B tona naquele instante.

NO verZo de 1818, ainda de Shrewsbury, passei para uma escola mais adiantada, dirigida pelo Doutor Butler, na qua1 permaned por sete anos, at6 1825, quando j i contava 16 aqos de idade. Estive ali semi-interno, o que me proporcionou conciliar

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as vantagens da vida escolar integralcom,as denHo perder o contato com a f a d a . Ia em casa todos os &as, aproveitando o recreio, que era de uma hora. Minha casa distava cerca de uma milha da escola, distinda que nZo me causava qualquer preo- cupaqZo, bom andarilho que eu era. Por isso, e gragas ao a d o divino, ao qual sempre recorri para que me ajudasse na rapidez de minhas jornadas, jamais cheguei atrasado i escola, nem um minuto sequer. Diziam meu pai e minha irmH mais velha que os passeios solitirios C O ~ S U N ' ~ ~ uma de tninhas maiores divershes. NZo sei ate quanto isso kverdade. 0 fato i que, enquanto fazia o percaso de ida evolta, quase sempre deixava a mente divagar, pensando numa infinidade de coisas diferentes, o que vem contradizer a afirmaqZo dos fisi6logos de que cada pensamento requer uma apredivel quantidade de tempo para se formar.

Nada poderia ter sido pior para o desenvolvimento de minha intelighda do que a escola do Dr. Butler, diissica no exato sentido da palavra, visto que ali s6 nos ensinavam Latirn, Grego e .mas tinturas de Geografia e Hist6ria. Em todo o trans- correr de minha vida, de nada me serviu o tempo que passei naquele educandkio, pois nem mesmo aprendi a fazer versos, ensinamento ao qual ali se dava a maior imporeincia, uma vez que id nHo era a minha indinaqZo: ainda que fosse capaz de decorar, de uma sentada, longos trechos de Virgilio e Homero, com a maior facilidade os esqueda 48 horas depois. As hnicas poesias que me agradavam eram as odes de Horido, que eu achava verdadeiramente addve i s . Quanto L linguas estrangeiras, basta dizer que em toda a mirka vida jamais consegui dominaruma s6 que fosse.

Recordar-do agora aquele tempo, vejo que as hnicas caracteristicas que aperfei- qoei e que me capadtaram a enfrentar a luta pela sobrevivknda foram as de saber canalizar minhas forgas para uma determinada empresa, o meu enorme entusiasmo por tudo o que chegasse a me interessar, e a verdadeira insia que me domina quan- do me decido a deslindar algum problema intrincado. Tomei at6 aulas particulares para aprender os postulados de Euclides, e lembro-me da enorme satisfaqiio que me propordonavam aqueles ensinamentos de Geometria. Recordo tambim a ale- gria que senti no dia em que compreendi o prinupio do nbnio e pude fazer correta- mente a leitura de um barbmetro.

Cikncias i parte, apreciava bastante a leitura das pegas hist6ricas de Shakespeare, os poemas de Thomson e as poesias de Byron e de Scott, entHo reckm-publicadas.

Nessa ipoca, urn de meus colegas emprestou-me o limo "As Maravilhas do Mundo", que li e reli virias vezes, discudndo com os outros meninos sohre a vera- cidade de w a s de suas passagens. Esse livro despertou em mim o desejo de conhecer as terras longhquas, sonho concretizado anos mais tarde, quando tomei parte no cruzeiro do Beagle.

Nos 6ltimos tempos de pinha passagem pela escola tornei-me grande afidona- do da espingarda, e niio creio que pudesse alguim dedicar-se com maior afinco que eu a causa mais nobre que a da caqa aos pdssaros. Quando matei minha primeira ave, fiquei tiio trtm.do de excitaqHo que nem consegui recarregar a arma. Prossegui com entusiasmo a pritica desse esporte, chegando a ser excdente atirador.

Com rdagZo i Ciknda, condnuei coledonando pedras, mas sem qualquer orga- nizagHo, e insetos, estes com maior cuidado. Lembro-me de uma ocasiZo em que, com 10 anos, em 1819, passamos trks semanas em Plas Edwards, no litoral gales, e

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ali muito me interessou e sapreendeu descobrir virios insetos que nio existiam onde morivamos; entre eles, um hemiptero vermelho e preto, algumas mariposas (Zygoena) e um cincilldeo. Um dia, porim, desisti de coctinuar com meus prop6sitos de coledonador, porque, conversando sobre este passatempo com m i z a irmi, ela me reprovou por matar insetos pelo simples prazer de colecioni-10s.

Foi depois de ler o livro "Selborne", de White, que me habituei a observar os costumes das aves, anotando tudo o que via. Dediquei-me com tal empenho a esse novo interesse, que chegava a estranhar haver pessoas que nio fossem ornitdogas.

Na fase final de minha educagHo escolar, meu irmio, que se dedicava corn a h - co aos estudos de Quimica, instalou seu laborat6rio no barracZo em que se guarda- vam as ferramentas e apetrechos do jardim, e ali &egou a fazer gases e compostos. Eu costumava ajudi-lo; quando o souberam na escola, puseram-me o apelido de "Mister Gis". Dediquei-me o ler o "Catedsmo de Quimica", de Henry e Parkes, fivro que muito me interessou. Algu6m resolveu conti-lo ao Dr. Butler, que me repreendeu "por desperdigar o tempo em coisas tio inkis". Mas foi ali no labora- t6rio de meu irmHo que tive os ensinamentos mais proveitosos de todos aqueles anos, tomando conhecimento do significado da Cihda experimental.

Como nio experimentava progress0 algum na escola do Dr. Butler, meu pai resolveu tirar-me de M, em outubro de 1825, e, apesar de minha pouca idade, en- viou-me i Universidade de Edimburgo, onde permaned por dois anos. Meu irmZo E. estava, terminando seus estudos de Medicina, ao tempo em que os iniciei. Poucos meses depois, tive conhecimento, por fonte fidedigna, de que meu pai iria deixar- me rendimentos sufidentes para viver com certa tranqiiilidade. Mesmo nHo imagi- nando que chegasse a dispor de tanto quanto agora disponho, a confianga que me adveio acerca do futuro de meus meios de subsist2ncia foi grande o bastante para arrefecer os esforgos que teria podido dedicat aos estudos de Medicina.

0 ensino miniseado em Edimburgo era atravis de confertndas, que com o tempo se foram tornando intoleravelmente pesadas e enfadonhas. Um dos prejui- zos maiores que se refletiu em toda a minha vida foi o fato de nio me terem ensina- do Anatomia e DissecgZo, que me teriam sido de enorme valia para os trabalhos que postedormente realizei. Estes conhecimentos e minha incapaddade para o de- senho constimiram deficitnuas irremediiveis para mim. Assistia i s aulas priticas nas salas do hospital, muito me impressionando certos casos que presenciei, a l p s dos quais record0 neste instante como se estivesse vendo. NHo compreendo por que esta parte de meus estudos nio chegou a interessar-me, uma vez que, no verio anterior i rninha admissHo na Universidade, medicava meninos e mulheres pobres em Shrewsbury, havendo dias em que atendi at6 14 doentes - cheguei a curar toda uma f a d a corn tirtaro emitico. Dizia meu pai que eu seria um grande midico, querendo significar com isto que minha clientela seria bem grande.

Na sala de cirurgia da Universidade de Edimburgo assisti a duas opera~des hor- rendas, uma delas numa crianga, mas nZo esperei que nenhuma delas terminasse, e nunca mais voltei a freqiientar essas aulas priticas. Nessa $oca ainda nio haviamos alcangado os benditos dias do dorof6rmi0, e foi tal a 5npressZo de doc e afligio que me deixarm essas duas operagaes, que sua lembraqga me perseguiu depois por

. muitos anos seguidos.

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Quando completei um ano na Universidade, meu irmio terminou seu curso, o 'que de certa forma foi benifico para mim, j i que, a partix de enfio, d-urante o segundo de meus estudos, tive de a@ sem sua ajuda, e assim me vi obrigado a langar mio dertodas as rr2nhas energias para desenvolver-me. Fiz amizade com virios estudantes que se dedicavam is Cikndas Naturais. Um deles foi Ainsworth, que depois publicou o relato de suas viagens pela Assfria. Sabia de tudo um pouco, e erage6logo da Escola Werneriana. Outro, muito diskto, era o Doutor Coldstream, que faleceu err'. 1863: elegante, sbbrio, muito religiose e dono de um coragio bonissimo. Mais tarde publicaria alguns excelentes artigos sobre Zoologia. 0 tercei- ro era Hardie, q.ae se tornaria mais tarde urn famoso botinico. Morreu ainda jovem, na India. Conheci tm.bkm o Dr. Grant, que era alguns aces mais velho do que eu. NZo consigo lembrar como foi que comegamos nossa amizade. Ele chegou a publi- car uns artigos muito bons sobre Zoologia; todavia, depois que foi nomeado pro- fessordo London College, nunca mais deu a conhecer nenhum trabalho dentifico, e eu. jamais soube por qu;. Era discreto e seco de maneiras, escondendo debaixo dessa aparente rudeza externa um temperamento cheio de ternllra. Um dja, quando passeivamos juntos, irrompeu em comentkios elogiosos acerca de ~a&arck e de suas idiias sobre a revolu~io. Fiquei a ocvi-lo mudo e surpreso, sem que suas opini- . 6es produzissem efeito a l p sobre nim. J i havia !id0 a "Zoonomia" escrita por meu av6, que defendia idknticos cozceitos, e que tampouco.ne entusiasmara. E bem verdade que essa obra me havia causado grande admiragZo quando a li pela primeira vez; relendo-a 14 ou15 anos depois, fiquei bastante decepdonado com a enorme proporqio de idSas tebricai, em relaqio ao pequeno niunero de fatos pas- siveis de demonstri-las.

c. 0 s doutores Grant e Goldstream dedicavam-se bastante i Zoologia Marinha, e por diversas vezes acompanhd. o primeiro nas suas pesquisas i s lagoas e charcos litorineos, a fm de recolher e colecio~ar os =hais deixados pelas maris, os quais eu dissecava como podia. Tambkm fiz conhecimento com os pescadores de Newhaven, saindo com eles virias vezes, nas ocasi6es em que iam pescar ostras, das .quais consegui diversos exemplares. Entretanto, o n e u pequeno conhedmento de, Anatomia e o fato de dispor de cm microsc6pio bem defidente tornaram bastante precirios os resultados de rninhas pesquisas. Nio obstgte, realizei uma pequena descoberta e, em principios do ano de 1826, li um trabalho meu sobre esse assunto, ante a Plinian Society. Afirmei enfio que a q d o que se imaginava serem os ovos dos

t animais do gtnero Fhstra, um dos mais comuns entre os poliz6icos, na realidade eram lams, visto posscirem pPlos microsc6picos, deno.ninados cilios, sendo dota- dos, portanto, de movimentos independectes. Noutro trabalho demonstrei que os corphs&os globdares que ati entiio se supwha constituirem a fase inidal da vida do FUMLS lorezis outra coisa niio eram seniio as bainE.as dos ovos da PontobdeNa mun'cata vermicular. Infelizmente, os uabalhos lidos perante a Plinian Society nZo eram im- pressos, e por isso nio tive a satisfagio de ver os meus em letra de forma. Creio, porkm, que o Dr. Grant mencionou rrinha descoberta sobre a Flusta n u q excelen- te artigo que pcblicou o respeits desse animal.

Tornei-me s6cio rambim da Real Sodedade de Medicha, assistindo regular- menre suas sessties, ainda que e&as nio me despertassem graqde interesse, visto

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que os assuntos ali tratados eram exdusivamente de ordem midica. 0 Dr. Grant, levou-me i s reunides da Sodedade Werneriana, onde se discutiam temas relatives i Hist6ria Natural. Essas discussdes eram posteriormente publicadas. Tive ali a opor- tunidade de ouvir algumas interessantes conferhdas de Audubon sobre os costu- mes das aves norte-americanas. Numa destas, o conferendsta referiu-se ironica- mente a Waterton, de um modo que niio me pareceu justo.

Assisti tambim a uma sessiio da Real Sodedade de Edimburgo, onde ouvi Sir Walter Scott, presidente recim-escolhido, desculpar-se por suainaptidiio para aque- le cargo. Olhei-o e a toda aquela pliiadecom um sentimento de respeitoso temor. Creio que esta minha visita e o fato dehaver freqiientado as reunides da Real Sod- edade de Medicina influiram grandemente para que, anos mais tarde, tenha eu, sido eleito membro honoririo de ambas as instituigdes, honra que mais me envaidece dentre todas as outras que recebi desse ginero. Dedaro, com toda a sinceridade, que se ent%o me houvessem feito a previsiio de que iria merecer tal h o m i a , ti-la- ia colocado na conta de fato tiio impossivel de acontecer quanto o seria o de ser eu um dia eleito o rei da Inglaterra ...

Durante esse meu segundo ano em Edimburgo, assisti i s conferindas pronun- dadas por Jameson sobre Geologia e Zoologia, tendo-as achado Go enfadonhas que cheguei a determinar-me niio abrir um livro de Geologia em toda a minha vida e jamais dedicar-me ao estudo daquela cihda. Apesar disso, tinha certeza de que me encontrava preparado para um estudo filos6Eco do assunto, porquanto Mr. Cotton, de Shopshire, urn senhor entrado em anos que me distinguia com sua amizade e que era p d e conhecedor de rochas, mostrara-me h i dois anos certo rochedo isolado existente em Shrewbury, ao qual dio o nome de "Pedra do Smo", dizendo-me. que, para encontrar outro da mesma natureza, seria necessirio ir ati Cumberhd, ou mesmo i Esc6da, assegurando-me com toda a convicgiio ser bem possivel que chegasse o fim do mundo sem que se soubesse a explica@o de como pudera aquela rocha desprender-se de sua massa original e chegar at6 aquele lugar em que hoje se encontra. Essa conversa deixou-me profundamente impressionado, pois muitas vezes fiquei a dsmar sobre aquele maraviUloso fen6meno. Assim, quando li pela primeira vez alguma coisa acerca da agio das geleiras no transporte dos blocos de pedras desprendidos dos rochedos, apossou-se de mim a maior satisfa- gio, enchendo-me de jfib'io o progress0 que j i fora alcangado pela Geologia.

Devido a ter freqiientado as confehdas de Ja-eson, acabei por entrar em contato com o conservador do Museu, Mr. MacGilLivray, que mais tarde publicou um excelente livro sobre as aves da Esc6cia. Ouvi sempre com atengio suas expli- caqdes sobre Hist6ria Natural, e ele, ao saber q.Je eu coledonava moluscos mad- nhos, teve para comigo o gesto extremamente bondoso de me presentear com al- gumas conchas raras.

Uma de minhas visitas outonais a Maer, em 1827, foi para mim memorivel, porque tive entiio a oportunidade de conhecer SirJ. Maddntosh, o melhor conver- sador que jamais encontrei. Foi com orgulho que soube ter ele &to, referindo-se a mim: "Hi alguma coisa nesse jovem que me interessa". Talvez fosse devido a isso que eu me punha a escuti-lo com toda a aten~iio, pois na verdade ignorava hteira- mente tudo quanto ele dizia quanto B Hist6da Politica e i Filosofia Moral. Entre-

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tanto, egratificante ficar sabendo que uma pessoa eminente nos tenha elogiado, por isso, embora desperte a vaidade do jovem, serve-he por outro lado de estimulo para aprimorar o curso de suas agdes.

Depois de dois anos em Edimburgo, rneu pai compreendeu, ou rninhas urn2 o fizeram compreender, que eu 1150 tinha indina@o para a Medicina, tendo ent5.o sugerido que me tornasse clckigo. Causava-he grande desgosto imaginar que eu poderia tornar-me um homem ocioso, dedicado apenas aos prazeres da cap, con- forme pareda ser minha tendhda. Pedi-he algum tempo para pensar no assunto, pois embora iivesse li meus escnipulos em aceitar toda a doutrina da Igreja Anglicans, nZo me desagradava a id& de vir a ser cura de aldeia. %oje, considerando o quanto tenho sido virulentamente atacado pelos ortodoxos por causa de meus limos, pare- ce-me ridiculo que tenha um dia cogitadc da possibiidade de me tornar um sacer- dote. 0 pior 6 que esse desejo de rneu pai nHo desapareceu dele porque tivesse sido convenddo do ;ontririo, mas sim pelo fato de ter-me alistado como naturalists a bordo do Bede . A se levar em conta o que aiirmam os fienologistas, eu deveria ser dos mais indinados a ser dirigo, pois h i alguns anos um secretkio de determinada sodedade psicol6gica (ele nHo me conheda) pediu-me um retrato rneu e, poucos meses depois, recebi a c6pia da ata de uma sesszo na qua. se discutira a conforma- @o de rneu c&o, tendo-se ali chegado ii condusiio de que eu teria desenvolvido "um acentuado cariter de veneragZo e respeito, suficiente para dez sacerdotes".

0 fato i que rneu pai resolveu que eu devia ser clirigo, e para tanto seria neces- sirio, como condigZo privia, que colasse grau nalguma universidade inglesa. Man- daram-me en60 a Cambridge; porim, como eu nHo abrira urn limo de Humanida- des desde que saira da escola, tive de tomar aulas particutares com um professor de Shrewsbury, antes de ali ingressar. IRvei algum tempo para conduir esses estudos de.recordagZo e, em prindpios de 1828, mamculei-me naquele famoso estabeled- mento de ensino, no qud, durante os trts anos que ali perrnaned, per& lastimavel- mente rneu tempo no que concerne a estudos acadimicos, da mesma forma como o perdera em Edimburgo e na escola de Shrewsbury. Fiz minhas mam'culas, mas contentei-me em figurar no p p o dos "mais atrasados", ou seja, daqueles que nHo aspiravam a homas universitkias.

Havia confertndas phblicas na Universidade, sendo facultative o compared- mento. Escaldado com as que ouvira em Edimburgo, deixei de assistir a diversas das que se ministraram em Cambridge, e entre elas as proferidas por Sedgwick, que eram interessantes e muito animadas. Tivesse assistido a estas conferkndas e por certo teria sido ge6logo bem antes do tempo em que esse ramo da citnda desper- tou o rneu entusiasmo. Em compensagZo, assistia i s de Henslow sobre Botinica, mesmo nZo me teqdo mamculado nas aulas desta disciplina Iienslow levava-nos a excursdes pelo campo, ora a pt, ora de carruagem para os locais mais distantes, ou em barcas pelo rio, e nos dava explicagdes sobre o terreno, a flora e a fauna que j i haviam sido objeto de suas confertndas, donde serem as mesmas interessantissimas.

Repito, porim, que de nada me d e u o tempo que passei em Cambridge, por- que, alem do mais, enpreguei-o muito mal. 3evido a minha paixZo pelo tiro ao alvo, pelas cagadas e pela equitagzo, juntei-me a um grupo de rapazes, alyns dos quais nZo eram l i de costumes muito rigidos. Sstivamos sempre juntos durante as

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refeiq6es; bebiamos freqiientemente e, cHo raro, passivamos da conta; enGo, canti- vamos em altas vozes e depois jogivamos cartas. Sei que deveda envergonhar-me daqueles dias e noite empregados de mod0 60 fritil; entretanto, nHo posso evitar que sua lembrazqa me seja verdadeiramente agradivel, pois a l p s desses camara- das eram pessoas muito interessantes, e nosso grupo estava sempre dominado por .ma alegda e urna cordialidade constantes e imperturbiveis.

Apraz-me lembrar, p o r h , que tambim tive outro tip0 de amigos, de indole iqteiramente diversa. Fiq~ei intimo de Whitley (depois Reverend0 C. Whitley, C8- nego honoririo de Durhan e professor da Filosofia Natural), que me despertou o gosto pela Pintura e pelas gravuras. Com Herbert, mais tarde juiz em Cardiff, tor- nei-me urn apaixonado pela Mcsica. Tambim fiquei amigo de H. Thompsog que postenormente se tornou presidente de m a grande companhia de estradas de fer- ro e membro do parlamento. Devia haver alguma coisa em mim, nHo sei o qu2, que me fazia sobressairdentre os dermais estudantes, para que esses alunos tZo brilhan- tes, todos mais velho que eu, e tambim outras pessoas j i de certa posiqio social me honrassem com sua companhia. 0 Professor Henslow, por exemplo, profundo co- nhecedor de Botinica, 3ntomologia, Quimica, Mineralogia e Geologia, dispensa- va-me um %atamento afehloso e cordial. Dos que ali corhed, foi que-m maior influ- 2nua teve em minha vida. De m t o que andivamos juntos, os companheiros passa- ram a chamar-me de "o a c o m p ~ ~ a q t e de Henslow". Por diversas vezes aceitei seu convite para cear em sua casa, ao lado de slla familia e de amigos impormtes, como o Dr. Whewell, como Leonard Janys que pcblicou ensaios de Hist6da N a r d , como M. Dawes que chegou a ser Deio de Hereford e granjeou fama pelo sucesso que obteve na educaqzo de pessoas carentes.

Nada me proporcionava maior prazer em Caabridge do que colecionar esca- ravelhos. Pi-lo com tal empenho que cheguei a formar uma coleqZo excelente, devido i qual uve a oporemidade de experimentar a mesma satisfaqZo do poeta que v2 publicados seus versos; isto porque, nas "Ilustraq6es dos Insetos Britini- cos", de Stephens, vinham ao p& das reproduq6es de meus exemplares estas pala- vras, para mim miigicas: "Colecionados por C. Darwin". Quem me afeiqoou i Entomologia foi meu primo W. 3 m i n Fox, pessoa extremamente simpadca e por quem sempre nutri grande amizade, espedalmente enquanto fomos contem- oorineos em Cambridge. -

Durante met: dtimo ano universitirio, li com profundo in:eresse a "Narrauva Pessoal" de Humboldt. Estc livro e a "Introdu~io ao Esrudo d3. Filosofia Natural", de SirJ. Herschel, impregnaram-me do ardent; desejo de conmbuir, ainda que meio da mais modesta das colaboraq6es, para o progress0 das Cihcias hTa~ais . De todos os livros que li, nem mesmo uma dezena deles teda exerddo sobre mim tanta influencia quanto a que estes exerceram. Copiei de Humboldt longos trecbos de sua descriqzo de Tenedfe, lendo-os em voz alta nas excurs6es que faziamos corn o Prof. Henslow, e com isto despertando em todos o desejo de conhecer aquela ika privilegiada. NZo sei se alyns dos companheiros dessa ipoca chegou a concrehar esse sonho. Quanto a mh, posso dizer que meu entusiasmo chegou a tal ponto que, tendo ido a Londres, pus-me a izdagar sobre o assunto pelos escrit6rios das companhias de navegaqHo, mas nio consegui ievar 2. frente o prop6sit0, que s6 mais tarde realizei, quando tomei parte no cruzeiro do Beagle.

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NZo tinham fin 3s gendczas de I-Iecslow par3 comigo. Quando dc minha saida da Universidade, no inkio dc 1831, persuadiu-me 3 csr~dar Geoloxia, c foi o qur fiz. Ao regressar a Shrewsbury, pus-he a exarninar a regiHo, tendo-elaborado &I mapa a cores dos arredores cia cidade, de acordo com minhas observaqdes. Como o Prof. Sedgwick prerendia visitar o norte do pais de Gales em agosto daquele ano, a fun de prosseguir suas cklebres irvestigagdes geolbgicas sobre as rochas antigas, pediu-lhe IIenslow que me levasse, tendo ele. aquiesddo, mas corn a condiqHo de obter previarnente o consentimento de meu pai. E naquele verio, efetivame~te, ele esteve em mhha casa, onde passou a noite, e assim conseguiu a permissHo para leva-me em sua companhia.

Partimos na manhii seguinte. Para P I , essa excxsio fo! de grande utilidade, servindo para que eu me inidasse na tkcnica de pesquisar a geologia de um determi- nado local. Sedgwick determinava que seyissemos em rumos paralelos, encarre- gando-me de colher exemplares de rochas e de assinalar cam mapa a estratificaqHo e a disposiqiio das camadas no terreno. Tive entHo um surpreendente exemplo de como 6 ficil deixar de perceber os fen8menos quando se 6 o primeiro geblogo que examina o local. Passamos virias horas em Cwm Idwal, examinando atentamente todas as rochas, uma vez que Sedgwick tinha esperanga de encontra fbsseis, e se- quer percebemos as evidindas de um maravilhoso fen8meno gladal que nos rode- ava, deixando de ver as rochas niddamente raiadas, os rochedos desprendidos, os detri:os depositados em montdes ao pk das geleiras; entretanto, tais vestigios eram claramente visiveis, revelando a ocorrincia do fen6mer.o de maneira tio evidente quanto seria a fornedda pelos restos de uma casa incecdiada, atestando cabalmente que ela rn dia ali existiu.

Em Capel Curig, outro local que pesquisivamos, despedi-me de Sedwick e re- gressei para Shrewsblxy, de onde segS para Maer. Acontece que estivamos no inicio da tenporada de caga i per&, e esse esporte exercia em mim tal fascinio, qtte eu teria entio considerado uma verdadeira loucura abandoni-lo pela Geologia ou por qualquer outra ciinda.

Chegando em casa encoctrei uma carta de Henslow, informando-me que o Ca- pitio Fitz-Roy, cornandante do veleiro Beagle, p n h a parte de seu camarote i dispo- sigZo de run jovem interessado em embarcar como naturalism, sem perceber remu- neraqHo, na locga viagem que o navio iria realizar. Nem k predso dizer que meu desejo foi aceitar imediatamente a oferta. Meu pai, todavia, se op8s, dizendo-me: ' 6 Se voce conseguir que uma pessoa sensata lhe recomer.de fazer esta viagem, entio conte corn o meu consentimento". Naquele isstante - era de noite - desanimei, chegando a desisri: de tal viagem. No dia se@te, porkm, meu tio Josiah Wedgwood ofereceu-se espontaneamente para di2er.a meu pai que achava muito vmtajoso para mim empreender o crczeiro conforme me fora proposto. Meu pai considerava Wedgwood um dos homens mais sensatos que conheda, e assim me dex imediata- mente seu consentimento.

Pouco depois, &rig',-me a Cambridge, a fun de me avistar com Henslow. De 1i fui para Londres, onde entrei em contato corn Fia-Roy e acertamos tudo o que era necessirio. Antes da partida, voltei a Shrewsbury, a fim de passar algm tempo em companhia de meu pai e rninhas irmb. Em fins de outubro fixei residincia em Plymouth, em cujo ancoradouro estava fundeado o Beagle. Tentamos por duas ve-

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zes fazer-nos ao largo sendo impedidos pox temporais. Assim permanecemos ati 27 de dezembro daquele ano (1831), quando por fim conseguimos deixar a Inglaterra.

NZo vou relatar as ocorr&das dessa viagem - - ondeestivemos e o que fizemos - de vez que j i o fiz mkudosamente na "Viagem de urn Naturalists ao redor do Mundo". Vkm-me agora B lembranqa a luxuriosa vegetaqiio dos tr6picos, e de for- ma ainda mais viva do que quando a contemplei, e tambim a graqdiosidade dos extensos desertos da Patag6nia e das monranhas revestidas de vegetaqzo da Terra do Fogo, que tanto me encantaram, deixando em mim uma impressiio indelkvel. A presenqa de urn selvagem despido, em sen ambiente nativo, i uma coisa da qua1 nunca se esquece. Muitas de nossas excursdes a cavaio pelas selvas e em canoas pelos nos, algumas das quais duraram semanas, foram deveras curiosas, mormente quando complementadas pelos n a ~ a i s desconfortos e perigos que mais lhes au- mentavam o interesse.

Lembro-me tambim com prazer de deterrninados mbalhos dentificos que le- vei a cabo, como por exemplo a soluqiio do problema das ilhas de coral e o tragado da esuutura geol6gica de certas ilhas - a de Santa Helena i .ma que posso d*ar. Tdo de mendonar aqui a descoberta que fiz do estranho parentesco existente entre os animais e vegetais de deterrninadas ilhas do arqu!p&go dos Galipagos, e o do conjunto dos seres vivos deste arquipilago com a flora e a fauna do continente sul-americmo.

A viagem do Beagle, niio resta d&vida, foi o acontecimento mais importante de minha vida, pois deddiu todo o meu desenvolvimento ulterior. Devo-lhe a pr6pria educagiio do meu cariter, sua efetiva formaqiio, m a vez que, tendo de dividir rri- nha atenqZo pelos diversos ramos da Hist6ria Natural, isso me obrigou a desenvol- verminhas faculdades de observaqiio.

A pesquisa geol6gica de todos os lugares quevisitei teve tambkm grande impor- &cia em mixha formaiiio, porquanto nessa investigagZo o radocinio k bastante solicitado. Ao se examinar pe!a primeira vez uma nova regiiio, nada mais desencorajador e desesperador que deparar com um caos de rochas; enretanto, i medida que vamos examinar.do e registzando a estratifkaqiio e a natureza das ro- chas e dosf6sseis em diversos pontos, seapre pro-do estabelecer correlaq6es

. entre as ireas j i pes+sadas e as ?or pesquisar, extraindo dai as necessirias ilag6es, mais e mais daro se vai tornando o terreno que estamos estudando, e toda a sua estrutura passa a ass& luna feiqZo cada vez mais compreensivel.

Estudei e consultei por diversas vezes os "Pdncipios de Geologia" de Lyell, que me foram de suma udidade. 0 pnmeiro sitio que pesquisei, Santiago, nas &as de Cabo Verde, provou-me patentemente a supedoridade do sistema geol6gico de Lyell quanto aos preconizados por outros autores, cujos livros tambim trouxera comigo e que eventualmenre consultava. A geologia de Santiago 6 Go surpreendente como simples. No passado, estendeu-se sobre o fundo do mar m a camada de lava con- tendo conchas e corais uirurados, a quai se solidificou posteriormente, rorcando-se uma rocha branca e resistente. Dai em diante, a ilha passou a soerguer-se, mas a &a da rocha brwca revelou-me um dado novo e importa~te: apesar de nio terem as crateras cessado sua a5vidade e deixado de expelir lava, p6de-se constatar a ocor- r h d a de subsid&ncia em seu redor.

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Outra de minhas ocupaq6es foi a de colecionar toda sorte de animais, descre- vendo-os sudntamente e dissecando diversos espicimes marinhos. Todavia, a pre- cariedade de meus conhecirnentos tie Anatomia e &ha incapacidade quanto ao desenho fizeram com que de nada servisse boa parte dessas minhas tarefas, salvo no que se refere ao tempo dispecdido no estudo dos crusticeos, que me foi muito Jd anos mais tarde, quando redigi monografia sobre os chripedes.

Dedicava sempre uma parte do dia para redigir rneu diirio, descrevendo com minfida tudo o que me era dado observar. Esse relato sexvia-me tambim como materialpara a correspondhda familiar, pois sempre enviava os manuscritos para casa, desde que houvesse oporcxidade. Fitt-Roy pedia-me i s vezes que b e lesse minhas narrativas, sempre comentando que meredam ser ptublicadas um dia.

Recuando no tempo o rneu pensazento, percebo agora como se foi.entBo cris- talizando em mim o amor pela Cihda. Durante os,meus dois primeiros anos ao lado dos companheiros do Beagle, continuei sendo inteiramente dominado pela pai- xzo cinegitica, tendo matado eu mesmo todas as aves e outros animais que at6 en60 figuraram em mhha coleqHo. Com o passar do tempo, porim, fui,aos poucos deixando de lado a carabina, ati que acabei por presentei-la a urn marinheiro que me acompanhava, porque o exerddo de tiro ao alvo estava estorvando rneu traba- lho, especialmente quando me ocupava do levantamento geol6gico de uma regiHo. Sem sentir, ia aos poucos tomando consd6ncia de que a satisfaqBo alcanqada corn o exerdcio da observaqzo e do radodnio era muito superior i que se obtinha com os exerddos de tiro ao alvo. NBo resta dfivida de que rneu intelecto se desenvolveu durante a viagem, porque rneu pai, lun dos observadores mais adados que conheci, mesmo sendo inteiramente descrente quanto aos priicipios da Frenologia, comen- tou corn minhas irmb, apenas me viu chegar do Beaglc "Veja s6 como se modificou o formato de sua cabeqal"

Em Ascenszo, quando nossa viagem j i ia chegando ao fin&, recebi uma carta de minhas irmzs, na qual elas me con'dvam que Sedgwick visitara nossa casa, e que en60 declarara a rneu pai que eu estava destinado a ocupar um hgar de destaque entre os mais eminentes homens de Cihda. A prindpio, niio pude compreender como poderia Sedgwick ter tomado conhecimento dos meus trabalhos, mas depois soube que Henslow havia lido perante a Sodedade Filos6fica de Cambridge a l p - mas dai cartas que h e dirigira, ; que posteriormente as hprimira, remet&do-is a diversas pessoas. Tambim atraira a atenqiio dos paleont6logos a coleqBo de f6sseis que eu Fnviara a Hmslow Quando li a~carta q ie me rela& tudo isso, send-me transportado aos pincaros das montanhas de Ascensiio, e pareceu-me que as rochas ressoavam aos golpes de meu martelete. Essa reaqio evidenda a ambig50 que entiio me dominava. Tenho de dizer, porim, que dai a alguns anos, embora me envaide- cesse sobremaneira o conceit0 que de mim faziam personalidades como Lyell e Hooker, pouco se me dava o que de mim pensasse o pJblico em geral. Isso nHo significava que nBo me causasse orgulho urn juizo favorivel acerca de meus livros ou o sucesso das suas vendas, mas sim que eu nBo fazia o minim0 esforqo no senti- do de granjear notoriedade, bastando-me a consideraqiio da qual meus trabalhos porventura me tornassem merecedor.

Termhado o cruzeiro do Beagle, chegamos i Inglaterra e= 2 de outubro de 1836. Pus-me a trabalhar diligentemente, preparando a narrativa de minha viagem e

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um resumo de rninhas observagces quwto i s montanhas costeiras do Chile, que enviei h Sociedade Geol6giu, apedido deLyell. Dividiameus tempos em Shrewsbury, junto a meu pai ermnhas irmZs, e em Cambridge e Londres, at6 que, em principios de 1837,bei residkncia na Capital, onde trabAei bastante, terminando d . a s "Obser- vag6es Geol6gicas" e acertando com um editor a publicagHo da "Zoologia daViagem do Beagli'. Ali pude ler muita poesia, espedalmente Woodsworth e Coleridge, e tam- bim reler nZo sei quantas vezes o lidsmo sem-pat de "0 Paraiso Perdido", de Miltor, que foi meu livro favorito enquanta skgrava os mares a bordo do Beagle.

A 29 de janeiro de 1839 casei-me em Londres - tenho sido muito feliz. Vivemos na Capital at6 setembro de 1842, qumdo nos mvdamos para Down, onde estou es- crevendo esta autobiografia. Vieram-nos deste casamento dois flhos e duas !Ahas.

No que se refere h parte intuna de meu ser, creio ter agido berc empenhado- me constante e decididamente no estudo da Ci&da, ao quai dediquei toda a minha vida. NZo sinto remorso de haver cometido pecado grave algum, mas sim o pesar de nZo ter feito maior bem ao pr6ximo.

Quanto aos meus sentimentos religiosos, acerca dos quais tantas vezes me tkm perguntado, considero-os como assunto que a n inguh possa interessar senZo a mim mesmo. Posso adiantar, porim, que nHo me parece haver qualquer incompati- biidade entre a aceitagHo da teoria. evoludonista e a crenGa em Deus.

Ao final, gostaria de encerrar com esta a&magZo: Sistemadcamente, evito colo- car meu pensamento na ReligiZo quando trato de Cikncia, assim como o faso em relagHo i moral, quando trato de assuntos referentes i Sodedade.

C.D. Down, G. B., 1881.

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"No que se refere ao mundo material, C possivel pelo menos atirmar, por aquilo que nos t dado perceber, qVne 0s fatos nZo se produzem por meio de interven+es isoladas do Poder Divino, manifeseando-se particuiarmente para cada caso, mas sim em obedihcia a leis gezais."

"Portanto, para concluir, que ninguh ueia ou sustente, esuibado n u n con- ceito ermine0 do que seda sefisato, ou num excess0 de moderaq50, que uma pessoa jamais poderia esmdar a fundo ou alcanpr um vasto conhedmento sen50 ou do livro da Palavra de Deus, ou do liwo de Suas obras - isto 6, ou quanto i Teologia,.ou quanto i Filosotia; ao contririo, que todos se empe- nhem em alcanqar o mixino de profundidade e sabedoda *anto n m como noutro desses Lvros".

"BACON: Aduoncemerrt of homing

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ESBOCO HISTORICO DO PROGRESSO DA OPINIAO ACERCA DO PROBLEMA DA O R I G E ~ ~ DAS ESPECIES, A* A PUBLICA@O DA PRIMFJRA EDI@O DESTE TRABALHO

p a r e i a seguir um breve relato do progress0 da opiniiio acerca do problema da ongem das espides. At6 recentemente, agrande maioria dos naturalistas acre- L9 ditava que as espides sedam produgdes imu6veis, cada qua1 &da separada-

mente. Esse ponto de vista foi habilmente sustentado por diversos autores. Por outro lado, uns poucos naturalistas acreditavam que as espides seriam suscedveis de modifi- q d e s , e que as a& formas de vida constituiram os descendentes diretos de outas formas pri-existentes Deixando de lado as alusdes dos autores dksicos a prop6sito desse assuntdo primeiro que dele tratou nos tempos modernos com espirito uendfico foi Buffon; todavia, como suas opinides variaram enormemente de uma ipoca para outra, e como ele G o aborda a fundo as causas ou os meios referentes h transformagio das espides, G o predsarei de entrar aqui em pormenores a seu respeita

Lamar& foi a primeira pessoa cujas condusdes sobre o assunto despertaram grande atengio. Esse naturalista Go mereddamente celebrado publicou suas opini- des pelaprimeira vez em 1891; posteriormente ampliou-as bastante- em 1809, na sua Philosophie Zoolgiq~~< em 1815, na introdugiio da sua HisfoireNature/le desAnin~am sans Verte'brer. Nesses trabalhos, defendea tese de que todas as espides, inclusive a humana. descende de outras. Deve-se a ele. em ~rimeiro luw. o eminente servico , . " ,

de haver despertado a atengo para a probabilidade de que as modificaqdes, tanto do mundo inorgirico como do orgirico, fossem o resultado de leis, e niio de inter- vengdes miracuiosas Larnarck parice ter sido levado a essa conclusiio a respeito da modifica~io gradual, mormente em razio da dificuldade de se estabelecer a distin- gio entre es$des evariedades, dada a quase perfeita gradagiio de formas que se verifica em determinados grupos, e tambim por analogia corn o caso das varieda- des domisticas. Com respeito ao mod0 pelo qua1 se operam essas modificagdes, atribui alguma importincia h agiio direta das condigdes de vida, tambim alguma ao entrecruzamento das formas j i exissntes, e grande importincia ao fator uso-e- desuso, ou seja aos efeitos do hibito. E este fator que ele parece considerar como a

1. Adst6teles,nas suasP~n'~(~cAui~/l~~tiont~~~*ica,livroII, cap 8), ap6s obrcrvarque a chuvanZo csi corn a halidade de farer uescer os cereais, e tampouco com a de apodrecer or e o s debulhados pelo fzzendeira e deixados expostos ao temp, aplicao mesmo argumento aos organismos, acrescentando (conforme a aadugZo de hlr. Wair Greece, a %"em devo aindicagZo ddapassagem): a port an to,^ que impcdina que fosrem meramente acidentais as relag6es entce as diversas par= do corpo? 0 s dentes, por exemplo, uesccm de acordo corn as norsas necessidades: os incisivos sZo cOctmtes e pr6Gdos para dividk or alim&tas cnquanto que os molares sZo chator e adequados i masugaqia Todavia, nio foram elcs feitos paratais halidades, sendo assim como s b por mcro 3ddunir 0 mema podc srr diro q w r u is uu- par& do c o q q qur m>bem puccrm porruir d lpw@o a um dcrerrninado im. L'or con,eghtc,ondc querquc to& as parts Jc urn csrro conjunrc pare- cerem con~tituidar como sr r " ~ nlra i ~ m a hndi&dccrnecif.a. oouc form t orcrcrvadas Ern constimi- cZo adeauada na realidadc decor; t ; ? ~ ~ m e n t e d E ~ m ~ c s o o n & d h a d e intern: I i as aue nZo forem assun . * , cunrotuidls, crras dc~aplreccm e inda eat30 derapar&endon:

\'cmr,s -qui d&cado a pnncipio daSdcgio 1:arurd )far qucrki,r6rdcr nio chcgou a comprcsndi.-lo ru aua rouldadc, isro podc r u Gsro em s w s abservagdcr a rcspuro da formaeo dos dentcr (X. do I\.)

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causa de todas as adaptagdes espetaculares criadas pela Natureza, rais como o pes- cogo comprido da girafa, que seria assim devido i necessidade desse animal de alcangar as folhinhas terns nos altos galhos das irvores. Mas ele acreditava igual-. mente numa lei de desenvolvimer.to progressive. Ora, como tal coisa redundaria forgosamente numa tendencia evolutiva constante de todos os organismo, Lamarck, a fun de justificar a existkncia ati hoje em dia de organismos simples, teve de sus- tentar a trse dc que tais organismos se originariam por gcmgiio esponthea2.

Geofkoy Saint-Hilaire, conformc consta da biocrafia escrita por scu fho , ii rm - -, 1795 suspei&va que as espicies, como as denominamos, n5o passariam de varia- ;ties em torno de um mesmo tipo origizal. NZo foi sen50 em 1828 que exp8s por escrito sua convicgiio de que as mesmas formas nZo se teriam perpe&ado desde a origem de todas as coisas. FJe parece ter levado em consideragzo principalmente as condigties de vida -. o monde ambiant -- como a causa dessas modificagdes. Suas conclusdes, porim, szo cautelosas, e ele nZo acreditava que as espicies existentes estivessem hoje em dia sofrendo novas modificagdes. Expondo tais idiias, seu filho remata: "Tram-se, pois, de um problema a ser resolvido no futuro, se O que o futuro teri condigdes de resolvk-10"~.

' Em 1813, o Dr. W C. Wells leu perante a Real Sociedade seu artigo intitulado 'Xelato do Caso de uma Mulher 3ranca cuja Pele Apresenta Semelhanga Pardal corn a de um Negro", mas esse uabalho nzo foi publicado senzo quando surgiu seu famoso livro "Dois Ensaios sobre o Sentido Rudimentas da VisZo", no ano de 1818. Nesse artigo ele admite daramente o prinupio da Selegiio Natural, e foi esta a primeira vez que se mencionou tal reccnhedmento; entretanto, o autor s6 o aplica no tocante i s ragas humanas, e apenas quanto a determinadas caractensticas. Ap6s observar que os negros e mulatos desfrutam de imunidade quanto a determinadas doengas uopicais, efe observa, primeiramente, que todos os animais tendem a vari- ar em grau maior ou menor; em segundo lugar, que os criadores aperfeiqoam suas criagdes atravis do process0 de selegzo; em seguida condui, referindo-se a este dtimo caso, que aquilo que.0 homem realiza "atravis da ticnica, parece ser tam- b6m realizado pela Natureza com igual efidkncia, conquanto mais lentamente, no que se refere i formagiio das variedades humanas, tornando-as adaptadas i s regities que elas habitam. Denue as variedades humanas que devem ter surgido de maneira audental entre os primeiros habitantes raros e disperses das regides cenuo-africanas, umas porventura teriam sido mais bem adaptadas que outras no que se refere i resis- tincia is doenps locais. Conseqiientemente, estas variedades deveriam multiplicar-se,

2. P m " L ~ a daw da primeir~ publicagio de Lvnarck b~rcci-mc na tlirt'h Sar&nUt Ginir~lt, dc lridore Ckoifroy S l i n r - W c (185% romoII,pi& bS~escxcel~nrehisdncodoprogcaau daopmiiopccrc~dcssc t e r n :Ics,e r r ~ l ~ ~ o hi um complcro relato &w conclusOcr dc Buffon sobre o mermo asrunto. E cudoro o b s e n u como meu av6, o Dr. Erasr&s Darwin, aproximou-se das condusBes d e l m m d q antecipando-as e wmetendo os mesmos enganos daquelenaturalista, wnforme sepodevedficarna suaZoonomio(m1. I,pp 5W-10),publicada em 1795. De acardo corn IsidorcGeoFfray, MO resta dtividade quc rambim Goethe tenha sido adepto radical depntosdevistasen~te$conformeodmonstra~introdu&deumadesw obras esmtascm 1794-95,- s6publicadamuitosano~maiscardeAlieledestuain~mte(u Goetholrv.Yoh,$mh,doDr.KadM~p41) queaEu~~ilindaga~do~~~td~~aia,pze~emp~adecomofoiq~eo~bvino tedamadquLidoseuschi&es, e & o p q u e de sua u t i h + E bastante singular que essas opinik I% asmelhadas vnham svrgido quasem mesma +a, rendo Gaethe, naAl&a; oDr.DanuL5 na hghmra, e Gwffcoy Saint-hi lake,^ Fm-chegado aidhucas wndus6es sobre ao- das espmer,nos anos dc 1794e 1795. (N, do A,)

3. Todo este necho foi dtado em franc& no original. (N. do E.)

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Prancha 11. Jaguar

Rafinesque, em sua "Nova Flora da America do Norte", publicada em 1836, escreveu (p.6) o seguinte: "Todas as espicies foram, M dia, variedades, e muitas variedades estZo-se t r a n s f ~ r m ~ d o graduahente em espides, atravis da aquisi~zo de caracteres constantes e peculiares". Mais B frente (p. 18). porim, acrescenta: "exceto os tipos originais, ou prot6tipos, do ghero".

Em 1843-44, o Professor Haldeman (Boston J o m ~ ~ a l o f Nat. Hist. vol. IV, p. 468) apresectou urn inteligente apanhado dos argumeztos contlirios e a favor da h ip6 tese do desenvolvinento e da modifica$Ho das espides, parecendo indinar-se para o lado dos que defendem esta teoria.

A obra anhima 'Vestigios da Cria~zo" apareceu em 1844. Na sua dicima edi- FZO, bastante ampliada, de 1853, assirn se expressa o autor, B pigina 155: 'a teoria

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que se pode aceitar, ap6s longa ponderagio, 6 a de que as diversas s S e s de seres vivos, desde os mais simples e mais antigos at5 os mais complexos e mais recentes, sio, sob a providinda de Deus, o resultado - a) de um impulso que tem sido aansmitido i s formas de vida, fazendo-as evoluir, em determinadas ipocas, por geragPo regular, aaavb de gnus de organizagio que tim sua mais alta expressZo nas dicotiled6neas e nos vertebrados, sendo tais p u s em pequeno n h e r o , geral- m a t e marcados por intervalos de c&ter or@co, coisa que acreditamos dever-se i dificuldade pritica de se determinarem as afhidades; - b) de ouno impulso liga- do is forqas vitais, cuja tendincia, no decurso das geragdes, i a de modificar as esauturas orginicas de acordo com as circunsthdas externas, quais sejam a ali- mentagio, a natureza do habitat e os fitores dimiticos, sendo estas as adaptafter i s quais se referem os te6logos naturais". 0 autor aparentemente acredita que os or- ganismos evoluarn atravis de saltos bruscos, embora sejamgraduais os efeitos pro- duzidos pelas condig6es de vida. Ele explora habitualmente os argumentos do born senso, a fim de demonswar que as espides G o d o produgdes imutiveis. Mas nHo consigo compreender como poderiam esses dois supostos "impulsos" explicar d- entificamente as inheras e belas co-adaptagdes que se veem por toda a Natureza, nem consigo enxergar o que se poderia ganhar em termos de compreensio de certos fatos, como por exemplo o porqui de ter-se adaptado o pica-pau aos seus singdares hibitos de vida. Essa obra, em viaude de seu estilo objetivo e bdhmte, mesmo tendo revelado nas primeiras edig6es uma certa deficikda de conhedmentos exatos e uma grande falta de prudkcia dentifica de seu autor, teve uma difusio ampla e imediata. Em minha opGo , prestou excelente servigo ao nosso pais, uma vez que despertou a aten~iio para esse assunto, combateu os preconceitos existentes e, destarte, preparou o terreno para a aceitagHo de oums pontos de vista anilogos.

Em 1846, o experiente ge6logo M. J, d'omalius d'Halloy publicou um artigo excelente, embora resumido, nos bulletin^ de 1Xcad. Roy. de Bn~xeIles (tomo XIII, p. 581), no qual exp6e sua opiniio de que i mais provivel que as novas espides se tenham produzido por descendkda corn modificagdes do que tenham sido criadas isoladamente. Este autor j i expressara a mesma opiniio em 1831.

0 Professor Owen, em 1849 (h%ture of Limbr, p. 86), escreveu o seguinte: "0 modelo do arquitipo foi-se diluindo neste planeta atravis de enorme diversidade de modificagdes, inidadas tempos antes da existincia das espides anhais que hoje o exemplificam. A que leis naturais ou causas secundsldas estariam submetidas a progressio e a sucessio regular de tais fen6menos i assunto que ati enGo ignora- mos". Na sua "Mensagem i AssociagHo Brihica", escdta em 1858, na pigina 51, ele dude "ao axioma da atuagio continua da Forga Criadora, ou da transformagio ordenada dos seres vivos". Mais adiante, i psigina 90, depols de se refedr i disuibui- $50 geogrifica, acrescenta: "Esses fedmenos abalarn nossa confimga na conclu- sio de que o Aptenkda Nova Zehdia e o galo-silvesne da Inglaterra sejam formas distintas criadas nessas &as e s6 para elas. Ademais, i born lembrar que o termo m;IfZo, para o zo61og0, significa umprocesso que eb nrio sabe como t?'. Ele desenvolve essa idiia acrescentando que, quando casos como o do galo-silvestre sHo "dtados pelos zo6logos como evidknda de criagPo distinta de uma ave numa ilha e para essa ilha, isso significa, em principio, que eles desconhecem como teria chegado aquela ave ati li, e por que nio seria encontrada senHo naquele local, querendo ainda expressar, escqdados nessa ignohda, sua crenga em que tanto a ave como a ilha

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deveram sua origem uma grande e primeira Causa Criadora". Se interpretarmos e inter-reladonarmos as duas frases escritas naquele mesmo artigo, parecer-nos-i que o eminente fd6sof0, em 1858, tivera abalada sua certeza de que o Aptevx e o galo- silvestre teriam surgido originariamente em suas respectivas Hreas de ocorr6ncia atuais, mas "sem que ele soubesse como", ou atravb de algum process0 "que ele nZo sabia qual fosse".

Essa Mensagem foi publicada depois da leitura, perante a Linnean Sociefy, dos artigos sobre a origem das espides, escritos por Mr. Wallace e por mim, aos quais irei referir-me dentro em pouco. Quando se publicou a primeira ediqzo da presente obra, estava ou (assim como diversas outras pessoas) 60 completamente enganado por certas expressdes como "a atuaqZo continua da Foqa Criadora", que inclui o Professor Owen, juntamente com ouuos paleont6logos, no grupo dos que se en- contravam firmemente convencidos da imutabiidade das espides. Todavia, parece que incorri num lamentivel engano, conforme tive a, oportunidade de afirmar na terceira edisZo deste limo. De fato, lendo-se a "Anatomia dos Vertebrados" (vol. 111, p. 796), chega-se B condus20, e t d idiia ainda me parece absolutamente correta, de que o Prof. Owen, pelo que afirma na passagem que comeqa com as palavras "1120 resta dfivida de que o prot6tipo (...)", admite que a seleqZo natural possa ter conuibuido de certa forma para a formaqZo de novas espides (ib, vol. I, p. 35). NZo

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obstante, a condcslio tambim poderia iqverter-se, em raz5o do q.le se pode ler mais i frente, na mesma obra (vo;. 111, p. 798). Citei tambim alalyns trechos da correspondkncia mansda entre o Prof, Owen e o editor da London Review, com base nos quais pareceu a este, como tambim a -nim pareceu, que o Professor reivindica- va ter-se antecipado a mim na didgagio da teoria da Selegio Naturd. Manifestei enGo .&a surpresa e satisfag50 ante &s dedaragdes; entretacto, pel0 que se pode desprender de certas passagens recectemente pcblicadas (ib., vol. 111, p. 798), kcor- I! novameate em erro, total ou parcialmente. Serve-me de consolo haver verificado que ouyas pessoas d im de mim acham muito Mdl compreender os controvertidos escdtos do Professor Owen e conciliar uns com os ou%os. E no que se refere i mera enunciagZo do prinupio de Selegio Naraal, 6 absolutamente krelevante que o Prof. Owen me tenba ou G o precedido, uma vez que, conforme mostrei neste esbogo hist6ric0, ambos b i d t o fomos precedidos pelo Dr. Wells e por Mr. Matthew.

M. Isidore Geoffroy Sainswaire, em suas conferhcias pronunuadas em 1850 (das qcais se p~blicou um resmo ea Revue etMag. de Zoolog., jar.., ?85?), apresenta scdntamente suas razdes para acreditar que os caracteres espeuficos "slio fixos para cada espicie, uma vez que elas se perpetcam quando sob as mesmas circuns- tbcias, embora se modifiquem quaqdo as circunsthclas ambientais sofrem nodi- ficagdes". E condui: "Em resumo, a obsewafZo dos arha is selvagens permite de- monstrar a variabsdade limitada das espicies. As eqeriinn'as com animais selvagens o demonstram ainda mais claramente. Essas mesmas experikncias, ademais, pro- vam que as diferengas produzidas podem ser de valor geniri~o"~. Em sua "Hist. Nut. Giiiirale" (vol. 11, p. 430; 1859) ele desenvolveu conclus6es ani!ogas.

Com base numa circular recim-publicada, parece que o Dr. Freke, em 1851 (Dublin Medicalpress, p. 322), prop6s a hip6tese de que todos os seres vivos descen- dam de - m a forma pnmitiva. As bases de sua teoria e o tratamento qce d i ao assunto s5o inteiramente diferectes dos meus; coctudo, luna vez que o Dr. Freke h i pouco publicou seu ensaio '!A Origem das Espicies por meio da AEnidade Or&i- ca" (1861), seria supQfluo de &ha parte empreender a diEcil tectativa de apresen- tar acid uma noglio reunida de seus pontos de vista.

Mr. Herbert Speccer redigiu um ens20, publicado origiialmente no Leader de narqo de 1852 e inserido posteriormente nos seus "Ensaios" (1858), no qual com- parou as teorias da Criagio e do Desenvo!vimento dos seres vivos, com notivel talento e objetividade. Com base na analogia entre as produgdes domist: 'cas, nas tracsformagdes sofridas pe!os embri6es de diferentes espiues, na dificddade de se disdr.yirem espicies de variedades e no principio de gradaglio geral, chega i con- dxslio de que as espicies sofreram modificaglio, atlibuindo tal fato i alteraglio das circunstkcias fisicas. 0 mesmo autor tambim fez uma anilise da Psicologia, par- tindo do prindpio da aquisigzo gradual, em funglio da cecessidade, de cada faculda- de mental e das capacidades individuais.

Em 1852, o ilustre bo*&?ico M. Naudin declarou, num admirivel artigo sobre a orIgem das espicies (Revi$e Horticole, p. 102; parcialmente republicado nas ~Tou~elles Archives du Musium, vol. I, p. 171), sua crenga em qze as espicies se formem de maneka aniloga i da formagio de variedades pelo cultivo. Atdbui este 6 k h o pro- cesso i capacidade selecioeadora do homem, mas n5o explica como se processa a

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selegio na Natureza. Zle acredita, como o Ceio Herbert, que as espides, quando de seu surgimento, eram mais suscedveis de modificaqio do que o sio presente- mente. 0 peso de sua argumentagio recai no que ele chama de "Prinupio de ?ha- lidade", detinindo-o como sendo um "poder mistedoso, indeterminado; para uns, fatalidade; para outros, determinagio providendal, cuja amagio incessarte sobre os seres vivos determina, seja qual for a ipoca da existencia do mundo, a forma, o volume e a duragio de cada qual, ern funqio de sua destinagzo na ordem das coisas da qua1 faz parte. E esse poder que entrosa cada um dos membros ao meio ambien- te, adaptando-o h fungi0 que deveri desempenhar na organizaqio geral da Nature- za, fungio esta que constitui, para cada organism0 vivo, sua pr6pria razio de ~ e r " . ~

Fm 1853, o Conde Keyserling, renomado ge6logo (Bulletin de /a Sac. Gedlog., 2" sirie, vol. X, p. 357), sugedu, que, do mesmo modo que surgiram e se espalharam pelo mundo certas doengas novas supostamente provocadas por miasmas, assim, em determinados pedodos, os germes das espides atuais podem ter sido quimica- mente afetados pcr moliculas circum-ambientais de natureza particular, originan- do novas formas.

Nesse mesmo ano de 1853, o Dr. Schaafhausen publicou um excelente panfleto (Verband, des Naturhist. Vereins der Prerrss Rheinlands, etc.) no qual sustenta a id& da evolucio das formas or&cas no mundo. Ele acredita aue muitas esoides se te- a

nham consenado imutiveis durante longos periodos, enquanto que ouaas poucas se modificavam. Explica a distincio das espides pela destruicio das formas inter- * - mediirias: 'lssim, os vegetais e anirais existentes nio estZo separados do extintos por novos atos de criagio, devendo ser considerados como seus descendentes, atra- vis de reprodugzo ininterrupta".

0 conheddo botinico francb M. Lecoq escreveu em 1854, nos seus 'g t~~dessur Geograph, Bat" (vol I , p. 250): 'W-se que nossas pesquisas sobre a fkidez ou a variaqio das espides nos conduem diretamente i s idiias defendidas por dois ho- mens justamente caebres: Geoffroy Saint-Hilaire e Goethe3'.Todavia, alymas pas-. sagens esparsas existentes aqui e ali na vasta obra de M. Lecoq trazem algmas dfividas sobre at& que ponto chegariam seus pontos de vista sobre a modificaqio das espides.

A "Filosofia da Criagio" foi tratada de maneira magistral pelo Rev: Baden Powell, em seus "Ensaios sobre a Znidade do Mundo", escritos em 1855. Nada pode ser mais notivel que a maneira atravis da qual ele mostra que o surgimento de novas espicies constitui "urn fen8meno regular, e nio casual", ou, como diz Sir John Herschel, "um process0 natural em contraposig50 ao miraculoso".

4. Cum base em dpun,u rci.dncll\ cxirrenrcr na ubrade Bronn "Ununurb~ngenirbnhtEnmrMur~:~t~tq/', puccc qur o cblcbrc borinico c pdeunrologirr3 Unger red3 publicado, m 1852, ,ua idtia de quc as crpider roircriun dercnrol\irnenro e modi6c~qZo. Ue mod" scmebm~c, Dalton, confurrnc sc \.i. m,rw "bra rscd~ l ern parccna com Pmdcr a rcspcita dub mcg31bdos, expresrou c r c n p idintic=, em 1821. I'on!os dc \I>u plreci- dos corn c s r q coniurme C dc conhscmicnrogcnl, u m b h ioram rusrtnudor por Okcn cm rua mistir* ".Yol~r- Pbilwopbid'.

Por outras referkdas enconvadas no "Dc I'Erp>d', de Godron, parece qEe Bory S t Vincent, Burdach, Poiret e Fdes ipdmente tedam admitido que as novas espbdes escuhm sendo produzidas continuamenre

Posso acrescentar, por fim, que dos 34 autores citldor neste Esbogo Hirtbdco e que a c r e d i m na rnodificqk das espides, ou que pelo menos d o aceitawn a aplicq3o de atos edadores isolados, 27 red$- ram trabalhos sobrc ramos espeaficos de Geologia ou de Hist6ria Namal. (N. do A,) Acrescenterse que todo este rrecho foi d d o m franc& no odginal. (N, do E.)

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Prancha N. Elefante

0 terceiro volume do JournaI of the Linnean Sodeg contim os artigos redigidos por Mr. Wallace e por mim, lidos perante aquela assembl6ia em lo de jdho de 1858, nos quais, conforme assinalo na inuoduqio deste volume, Mr. Wallace enunda a teoria da SeleqZo Natural com objetividade e dareza admiriveis.

Von B a q por quem todos os zo6logos sentem profundo respeito, por volta de 1859, (v. a Zoologirc-Antbmpologische Untersucbungen, 1861, p. 51, de autoria do Prof. Rudolph Wagner) expressou sua convicqio, baseada prindpalmente nas leis da dis- mbuiqio geogrifica, de que virias formas hoje inteiramente distintas se tenham originado de um h i c o ancestral comum.

Em junho de 1859, o Professor Huxley pronundou uma conferknda perante o Instituto Real, versando sobre o tema "0s Tipos Persistentes de Vida Animal". Referindo-se a tais casos, observou que "6 difidl compreender o significado de fatos como esses, na suposiqio de que cada espide animal e vegetal, ou cada gran- de tip0 de organizaqio, foi formado e instaiado na superfie do globo de tempos em tempos, atravb de um ato distinto da forqa criadora; 6 bom lembrar que tal suposiqio G o encontra respaldo na tradiqio ou na revelaqZo, e ainda por dma se op6e h analogia geral da Natureza Por outro lado, se consideramos os bipospersistentes i luz da hip6tese que sup6e serem as espides vivaq em qualquer ipoca, o resultado da modificaqio gradual de outras espides pri-existentes, hip6tese esta que, embora

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ainda sem comprovaqio e mstemente prejudicada por alguns dos seus partiditios, ainda i a h ica i qua1 a Fisiologia concede algum apoio, sua exist2ncia pareceria mos- war que a soma d; modificaqd~s sofridas p&s sexes vivos durante oskmpos geol6- gicos 6 diminuta em relaqZo i s&e completa de mudanqas que eles sofreram".

Em dezembro de 1859, o Dr. Hookerpublicou sua "Introduqiio i Flora Austra- liana". Na primeira parte dessa grande obra, o autor admite a verdade da descen- dkncia e a modificaqiio das espides, sustentando sua teoriH atravis de diversas ob- semqdes muito originais.

A primeira ediqio da presente obra foi publicada em 24 de novembro de 1859, e a segunda em 7 de janeiro de 1860.

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Q uando a bordo do H. M. S. Beag/e, no qaal semi como naturalism., fiquei muito impressionado com certos fatos referentes i distribuiqiio dos seres vivos existentes na America do Sul e i s relaqdes geol6gicas entle a fauna e

flora atual e extinta daquele continente. Esses fatos a mim me pareceram hqar alguma luz sobre a origm das ege'cies- . "misterio dos mistkrios", conforme a defin- qZo de um dos nossos maiores fil6sofos. Logo ap6s meu regress0 ao lar, em 1837, ocorreu-me que talvez pudesse ajudar a esdarecer essa quesfio, atravis da padente acumulagiio e do estudo de toda sorte de fatos porvenma ligados ao tema. Assim, depois de dnco anos de trabalho, julguei-me em condiqdes de especular sobre o assunto e redigi m a s breves notas, ampliadas em 1844, quando esbocei algumas conclusdes sobre o que me pareda en60 suscetivel de verificaqiio. De 1i para ci, venho-me empenhando sem cessar neste prop6sito. Espero que me perdoem o fato de dtar esses pormenores de cariter pessoal; faqo-o apenas para mostrar que minhas condusdes niio sZo fruto de uma atitude precipitada.

Atualmente, meu trabalho se enconira pr6xirno de seu final; contudo, como seriam necessirios mais dois ou trts anos para completi-lo, e como minha salide estli longe de ser considerada boa, algumas pessoas me solicitaram que escrevesse este resumo. Houve tambim uma raziio especial que me induziu a redigi-lo: Mr. Wallace, que atualmente se encontra no Arquipelago Malaio estudando sua hist6ria natural, chegou, a conclusdes gerais acerca da origem das espides que sZo quase exatamente identicas is minllas. No ano passado, eie me enviou uma mem6ria so- hre o assunto, solidtando-me que a remetesse a SirChales Lyell. Este a apresentou na Linnean Son'eo, e ela foi publicada no terceiro volume do Jortrna/ editado por aquela Sociedade. Sir C. Lyell e o Dr. Hooker, que j i c o ~ e c i a m meu trabalho (sendo que o dtimo chegara a!er o esboqo que redigi em 1844), honraram-me com seu conselho, dizendo-me que seria oportuno pubicar, juntamente com a excelente mem6ria de autoria de Mr. Wallace. um resumo de meus manuscritos.

A sintese que ora dou a pliblico teria de ser necessariamente imperfeita. NZo tenho condifdes de dtar as fontes e autorias de diversas afirmacdes, mas espero que o leitor confie no cuidado que tive a este respeito. NZo resta dfivida de &e al&s erros hZo de me escapar, apesar de sempre ter tido a precauqiio de me esmbar usicamente em autoridades de peso. 0uka alternativa nZo me resta seniio a de apresentar as condusdes gerais is quais cheyei, exemplificando-as corn uns pou- cos fatos que, espero, sejam suficientes na maior parte dos casos. Mais do que nh- ykm, estou dente da necessidade de 6~turamente publicar um estudo mais porme- norizado de todos os fatos em que se apoiaram as minhas condusdes, com as devi- das refertndas que, espero, sejam sufidentes na maior parte dos casos - . espero poder fazblo um dia. Estou bem a par do fato de existirem neste volume pouquissimas ahmativas acerca das quais nZo se possam invocar diversos fatos

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passiveis de levar a condusdes diametralmente opostas iquelas is quais cheguei. Uma condusio satisfat6ria s6 poderi ser alcangada atravis do exame e confront0 dos fatos e argumentos em pro1 deste ou daquele ponto de vista, e tal coisa sena impossivel de se fazer na presente obra.

Lamento bastante que a premhcia de tempo me impega de ter a satisfagio de agradecer a generosa assisthcia que recebi por parte deinheros naturalistas, a l p s dos quais sequer conhego pessoalmente. Todavia, 60 posso deixat passar a opor&- dade de expressar meu profundo reconhecimento ao Dr. Hooker, que nos d h o s quinze anos me tem ajudado de todas as maneiras possiveis, pondo i minha disposi- gio seu vasto arsenal de conhecimentos e seu excelente critkio de julgamento. '

Analisando-.se o problema da origem das espideq i perfeitamente concebivel que o naturalists, refletindo sobre as afinidades mmituas dos seres vivos, suas rela- gdes embriol6gicas, sua dismbuigio geogrifica, a sucessio geol6gica e outros fatos que tais, chegue i condusio de que as espicies 115.0 devam ter sido criadas indepen- dentemente, mas que, assim como as variedades, descendam de outras espicies. Nio obstante, tal condusio, mesmo que bem fundamentada, seria insatisfatbria, a nio ser que se pudesse mosttar como teriam sido modificadas as incontheis espi- ues existentes neste mundo, ati chegarem a alcangar a perfeigio estrutural e de co- adaptagio que Go efetivamente excita a nossa admiragio. 0 s naturalistas esGo con- tinuamente referindo-se is condigdes externas, tais como o c h a , a alimentagio, etc, como sendo as hicas causas possiveis dessa variagio. Num sentido muito limitado, conforme posteriormente veremos, isso pode ser verdade, mas seria ab- surdo ambuir h mera atuagio das condigdes exteriores a l p s fatos, como por exem-. plo o da conformagio estrutural do pica-pau, cujas patas, cauda, bico e lingua Qo fio admiravelmente adaptados i fungio de apanhar os insetos que se abrigam sob as cascas das kvores. No caso da erva-de-.pasiarinho, que tirade certas kvores seu alimento, cujas sementes sio transportadas por determinados pissaros e cujas flo- res unissexuadas exigem a partiupagio de determinados insetos para levat o p6len de uma para a outra, seria igualmente absurdo ambuir toda a estrutura desse parasi- ta, assim como suas inter-relagdes com diversos seres vivos distintos, aos efeitos das condigdes externas, ou aos efeitos do hibito, ou a uma possivel reagio volitiva da pr6pria planta.

0 autos de 'Vestigios da Criagio", ao que presumo, iria dizer que, ap6s um certo n h e r o de geragdes, algum pissaro teda dado origem ao pica-pau, e alguma plama h erva-de-passarinho, e que tais seres jB se apresentaram en60 dootads de toda a perfeigio que hoje em dia ostentam. A mim, porim, tal suposigio nio me parece uma explicagio, uma vez que deixa sem anilise ou condusio os fatos das co- adaptagdes dos seres organizados, tanto entre si, como em relagio i s suas condi- gees naturais de vida.

Por conseguinte, i da maior importincia adquirir uma compreensio completa dos meios de modificagio e co-adaptagio. No inido de minhas observagdes, pare- ceu-me provivel que o estudo minucioso dos animais dombticos e das plantas cultivadas forneceria as chaves da explicagio desse obscuro problema. Minha ex- pectativa nio se fiustrou: tanto nesse como em todos os outros casos complexes, cheguei invariavelmente h condusio de que nosso conhecimento, por imperfeito

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que seja da variagzo no estado dombdco pode fornecer-nos sempre a pista melhor e mais segura pan a sua soluqio. Portanto, posso aventurar-me a expressar minha convicgZo quanto ao alto grau de importincia de tais estudos, ainda que os mesmos sejam de or-o descurados pelos naturalistas.

Em vista destas consideraqdes, destinei o primeiro capitulo deste estudo i s va- riagdes no estado dombdco. Nele iremos ver que diversas modificaqdes hereditiiri- as sio pel0 menos possiveis, e, o que C tanto ou mais importante ainda, como 6 grande a capaddade do homemde ir acumulando, atravCs do process0 de sele~io, variaqdes sucessivas e ligeiras.

Passaremos em seguida ao estudo davadabilidade das espCdes no estado selvagem, assunto que, infelizmente, serei obrigado a tram de modo muito superficial, uma vez que um estudo mais p r o b d o exi+ longa enumera@o de fatos N h obstante, seri possivel discutir quais sedam as circuns&& mais favoriveis i vada@o.

No capitulo seguinte trataremos da luta pela existincia que se trava entre todos os seres vivos espalhados pelo mundo, a qual resulta inevitavelrnente de sua alta taxa de crescimento, que se verifica em progressio geomCmca. Trata-se da doutrina de Malthus aplicada a todo o reino animal e vegetal. Como, de cada espCde, nascem muito mais individuos do que o nhnero capaz desobreviver, e como, consequente- mente, ocorre uma frequente retomada da luta pela existencia, segue-se dai que qualquer ser que sofra uma variaqio, minima que seja, capaz de h e conferir alguma vantagem sobre os demais, dentro das complexas e eventualmentevariiveis condi- g6es de vida, teri maior condig50 de sobreviver, tirando proveito da seleqio natural. E, em virtude do poderoso prinupio de hereditariedade, qualquer variedade que tenha sido selecionada tenderi a propagar sua nova forma modificada.

Esse tema fundamental dos estudos de seleqio nahval seri tratado de mod0 mais extenso no quarto capitulo, quando entiio veremos como esse tip0 de selegio acarreta quase inevitavelmente uma considerivel extingio das formas de vida me- nos bem-dotadas, conduzindo iquilo que charno de diveqtncia dor caracterer.

No capitulo seguinte discutiremos as complexas e pouco conheddas leis da variagio e da correlaqio de crescimento. Nos 4 capitulos posteriores ser5o apresen- tadas as dificuldades mais sCrias que aparectemente seop6em i aceitagio da teoria:

-no primeiro, as dificuldades quanto i s transiqdes,'ou seja, quanto i compre- ensio de como poderia um organismo simples owurn 6rgZo rudimentax modificar- se e se aperfeigoar at6 se transformar nllm organismo altamente complexo ounum 6r@o de, constituiqio elaborada;

-no segundo, o instinto, isto 6, as capaddades mentais dos animais; -no terceiro, o hibridjsmo, ou seja, da esterilidade das espides e da fecundidade

das variedades, quando de seu cruzamento; - por fm, no quarto, a imperfeiqio dos registros geol6gicos. No capitulo seguintevamos exarninar a sucessio geol6gica dos seres organiza-

dos atravis dos tempos. Nos capitulos 11 e 12 veremos sua dismbuigio geogrifica. No capitulo 13, sua dassScagHo, isto 6, suas afddades mfituas durante as fases embrioniria e adulta. No ddmo capitulo faremos uma breve recapitulaqio de toda a obra, conduindo-o com algumas observaqdes finais.

N i g u h deve sxpreender-se com o fato de permanecerem obscuros tantos pontos reladocados com a origem das espicies e variedades, desde que se dO o

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devido desconto a nossa profucda ignorincia quanto i s inter-rdagdes existentes entre todos os seres vivos que nos drcw.dam. Quem poderia explicar por que de.. terminada espide tern habitat amplo e i muito numerosa, enquanto que outra es- picie afim 6 mais rara e vive em habitat resmto? Entretanto, iais relagdes sZo da mais alta importincia, pois determinam nossa situagZo atual e, conforme acredito, as futuras modifica~des e adaptagdes positivas de todo habitante deste mundo. Sa- bemos ainda menos sobre as kter-relagdes dos incontiveis habirantes deste planeta atravis das numerosas ipocas geol6gicas de sua hist6ria. Embora muita coisa ainda permaneFa obscura, j i nZo mais nutro y~alquer dlivida, depois dos esmdos mais diligentes e do pdgamento mais impardal de que sou capaz, de que o ponto de vista sustentado pelo maiorparte do naniralista, e que outrora eu pr6prio defendi -isto i, que cada espide teria sido criada independentemente, - i errbneo. Estou ple- namente convenddo de que as espides 60 sZo imutiveis, e que aquelas pertencentes ao que chamamos de "mesmo gnero" sZo descendentes &etas de uma outra espB cie, via de regra extinta; da mesma maneira que as variedades constatadas de &ma espicie descendem de urn dos tipos daqueh espide. ?or fkm, estou t a b & conven- ddo de que a selegZo natural foi o principal rneio de modificagZo, mas nZo o o c o .

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Causnr du uotiabilidude - E$iios do hibito - CorreIug20 de mcimento - Herediia- n'edade- Curacfenitirnr dnr uoriedodcr domisticas- - D$u/dudes dc re distinguir entre uuriedodcr e cspiies- On* & uyoriedudes domdsticfu apnriir de uma on m a i ~ espicies - Pombos domirtios: diirenfas e on* - 0 pnnFipio de selef20, h i Iongo tempo "pficado, e e m efeiios- Se/e#o ~Ltemiticu e aleufdn'u - On& derronberida de nossnr prnduf6es domisticas - Cirun~fdnir?~ fauori~is d cquidadt seletiuo do homem.

Q uando examinamos os individuos da mesma variedade ou subvariedade de nossos vegetais e animais cultivados e criados desde os te.mpos m&s remo- tos, um dos primeiros aspectos que nos chama a aten~io i qce eles geral-

mente diferem m5to mais entre si do que o que se observa entre os individuos de qualquer especie ou variedade e n estado selvagem. Quando consideramos a ampla diversidade de plantas e animais cultivadas e criados pelo homem, lernhrando que esses seres t&n sofrido um sem-niunero de variagdes atraves dos tempos e sob os mais diversos dimas e tipos de tratamento, somos levados a conduir, segundo pen- so, que estava variabilidade maior se deve Go-somente ao fato de que nossas produ- qdes domesticas se teriam desenvolvido sob condigdes de vida menos uniformes e algo diferentes daquelas i s quais t h sido expostos seus ancestlais selvagens. Penso tambim haver alguma probabilidade na idiia proposta por Andrew Knight, isto i, de que essavariab'idade possa estar em parte reladonada com o excesso de alimen- tagio. Parece evidente que os seres orginicos devm. ser expostos durante muitas geragdes a novas condigdes de vida para que neles se produza uma soma apredivel de modificagdes, e que o organismo, desde que iniciou seu process0 de variagio, geralmente continua a variar duraqte muitas geragdes seguidas. Nio h i registro de qualquer caso de espicie variante que tenha perdido essa condigZo sob cultivo ou criagzo. Nossas plantas cdtivadas desde tempos imemoriais, como o &go, eventu- almente ainda produzem novas variedades; nossos animais de mais remota domesticagzo ainda sio suscetiveis de modificagio e aperfei~oamento ripidos.

Tem-se discutido sobre a questiio do periodo da vida durante o qual agiriam as causas da variabilidade, quaisquer que fossem: se durante o esrigio iniual ou final do desenvolvimento embrionirio, ou se no pr6prio hstante da concepgio. As ex- perisnuas de Geoffroy Saint-Hilaire demonstram que um tlatamento anormal apli- cad0 ao embrizo produz mocstruosidades, e estas nZo podem ser separadas das meras variagces por m a lids divis6ria nitida. Todavia, estou fortemente inclinado a suspeitar que a causa mais freqiiente da variab'idade possa ser atrihuida ao fato de terem sido afetados antes do ato da concepgZo os elementos reprodutores masculi- no ou feminine. Diversas razdes levam-me a crer nisso, mas a principal i o notivel

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efeito produzido sobre as fungks do sistema reprodutor pelo cativeito ou pelas ticnicas de cultiva De fato, o sisteaa reprodutor parece ser bem mais suscedvel i agHo de dguma mudanga nas condiq6es de vida que qudquer outra parte do orga- nism~. Nada mais f i d que domesticar um animal; ennetanto, poucas coisas sZo mais dificeis do que levi-lo a se reproduzir voluntariamente sob cariveiro, mesmo nas vhias ocasides em que o macho e a f h e a tim rdagZo. Quantos animais exis- tem que nHo se reproduzem, mesmo vivendo h i tempos sob confinamento apenas relativo em sua pr6pria terra natal! Tal fato i geralmente atribuido i corrupgHo dos instintos, mas quantas plantas cultivadas ostentam excepdonal vigor e, indepen- dente disso, raramente ou nunca dZo sementesl Para uns poucos casos desses, des- cobriu-se que bastariam algumas mudangas insignificantes - - maior ou menor for- necimento de igua num momento espedfico do crescimento, por exemplo, - para determinar se a planta iri ou nHo produzir sementes. NZo posso entrar aqui nos incontiveis pormenores que reuni acerca desse assunto Go curioso; todavia, para demonsttar como sHo singulares as leis que determinam a reproduqZo dos animais mantidos em cativeiro, posso mendonar que os carnivores aqui confinados, mes- mo os tropicais, se reproduzem f a h e n t e , excegio feita aos plantigrades, que sHo da mesma familia do urso. T i as aves de ra~ina. com radssimas excecbes. dificilmen-

d . , . , te botam ovos firteis. Diversas plantas ex65cas prod~zem um tipo de p61en com- pletamente infid, em condiqbes exatamente idhticas i s dos hibridos inteiramente - estireis. Por um lado, temos vegetais e animais dombticos que, embora por vezes raquidcos e fracos, se reproduzem com a maior facilidade quando confhados; por outro lado, temos individuos que, embora tuados de seu habitat natural no estigio inidal de seu desenvolvimento, e entendo sido perfeitamente domesticados, osten- tando aspecto robusto e saudivd (e poden'amos dtar aqui um sem-niunero de exem- plos), apesar disso possuem um sistema reprodutor 60 seriamente afetados por causas desconheddas, que seu fundonamento simplesmente cessa por completo. Assim, n3io podemos ficar surpresos quando observamos alguma kegularidade no sistema reprodutor de u- organism0 confinado, manifestada pela produgZo de des- cendentes algo diferentes da espide-mHe ou de suas vadantes mais comuns.

Costuma-se afirmar que a esterilidade constitui a maior praga da horticultura; todavia, h i que se ter em conta que a variabiidade se deve i mesma causa da este- didade - - e a variabilidade i a fonte das mais excelentes arodzcdes da iardinazem. " E posso acrcscmtar: do mesmo modo que alyns organismos aumentam sua capa- cidade rcprodutom sob condi~bes inteiramrnte artificiais (como no caso de coelhos e doninhas presos em gai~las), demonstrando que seu sistema de reproduqHo nZo foi afetado por isso, assim h i vhios vegetais e animais que suportam o culnvo e a domesticagZo, sofrendo um minimo de variagHo - talvez pouca coisa mais do que geralmente sofreriam se vivessem em estado sdvagem.

Poderiamos fornecer uma longa lista de "plantas bdncalhonas"' - . por essa expressZo 0s jardineiros designam um rebento ou broto simples que eventualmente adquire luna caracteristica nova e por vezes bastante diferente das que se v6em no

I. A expressio ipotiin8pbnIr foi aqui uadluida em sua acepgio original. Corn o passar do tempo, adquidu form de expressPo timica, devendo-re traduzi-la a&entc por "phtas muwtes". (N. do T.)

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resto da planta. Esses rebentos podem ser propagados por enxertadura, etc., e i s vezes por, semeadura. Tais "brincadeiras" d o extremamente raras na natueza, mas nada tkm de excepdonal em estado de rultivo. Pode-se ver, nesse caso, que o trata- mento dispensado iplanta-mie teria afetado um broto, e xGo os 6vulos ou o p6len. P o r h , segundo a opiniZo da maior parte dos fisiologistas, nZo existe diferenga essendal entre urn rebento e um 6 d o durante seu estigio in ida l de formaqZo; sendo assim, essas "brincadeiras" deverzo, na realidade, apoiar meu ponto de vista de que a variabiidade pode ser em grande pate ambuida ao fato de-que os 6vulos e/ou o p6len teriam sido afetados pel0 tratamento dispensado i planta-mZe antes de se consumar o ato da concepqio. Dequalquer maneira, esses casos mostram que a variaqio nio esd necessariamente ligada ao ato da geragio, conforme diversos autores supdem que esteja.

Sementes do mesmo fiuto e filhotes da mesma ninhada eventualmente diferem consideravelmente erne si, ainda que, conforme observou Mulher, tanto pais como filhos tenham sido aparhtemente expostos h mesmas condigdes devida. Isso mosm a pouca importincia que tedam os efeitos diretos das condigdes de vida em comparagZo corn os das leis de reproduqh, de desenvolvimento e de hereditariedade, j i que, se fosse &eta a a$o das condigdes e se qualquer dos filhos tivesse sofrido alguma vada*, todos deveriam ter variado da mesma man& provavelmente E extremamente dificil estimar-se o valor que se poderia ambuir i a@o direta do calor, da umidade, da luz, da alimenta~Zo, etc., quanb a qdquer tipo d e d q i a Quero cret que tais fatores, no que se refere aos animais, produziriam pouquissimo efeito direto, embora tal efeito fosse anarentemente rnais evidenciado no caso das olantas Dentro date Donto de vista. as L . 1

recentes experiincias de Mr;Budcamn COD 0s vegetais parecem extremamente impor- tantes Quando todos ou quase todos os individuos expostos a determinadas condicdes inteiramente opostas so& produzirmudan5as semzlh&tes de e s t r u m Seja como for, penso que pel0 menos a1gu.m~ modificagdes ligeiras podem set ambuidas i a@o &eta das condigBes de vida, como, em certos casos, maior tamanho, em fun@o de aliments- g o melhot; mudangas de cbr, em fur,~Zo do tipo de alimento e daluz; talvcz at6 mesmo a espessura da pele, em fun$o do clima.

0 hibito tambim ten uma influhda dedsiva, como no pedodo da floraqio, quando as plantas siio transportadas de um clima para outro. Nos anirnais, seu efei- to i mais notivel. J i observei no pato domistico, por exemplo, que os ossos da asa pesam menos e os ossos da perna pesam mais que os do pato selvagem, em relaqio ao peso total de seus esqueletos - acho que tal modificaqio poderia seguramente ser ambuida ao fato de que o pato domistico voa menos e anda muito mais que seu antepassado selvagem. 0 considerivel desenvolvibnento heredir;irio dos liberes das vacas e cabras nas ireas onde tais animais sio ordenhados regularmente, em com- parag20 com o tamanho dos fibexes dos mesmos animais nos locais onde nZo se verifica tal pritica, 6 outro exemplo do efeito do uso. NZo se poderia dtar sequer um animal domistico que nio apresente, nesta ou naquela regio, uma raqa com orelhas pendentes, e tal caracteristica, segundo certos autores, seria devida ao desu- so dos mlisculos das orelhas, pel0 fato de que tais animais nZo mais vivem em estado de alerta ao perigo, o que me parece razoivel.

H i muitas leis que regulzm a variagio, mas somente algumas sio conheddas, e mesmo assirn obscuramente. Dentro em pouco vamos mencionklas por alto. Nes- te momento, gostaria de me referir ao fato que se poderia denominar "correlaqio

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de crescimento". Qualquer mudanqa no embriZo ou na larva deveri quase certa- mente acarretar modificaq6es no animal adulto. No caso das monstruosidades, as correlaq6es entre partes inteiramente distintas sZo bastante curiosas, e muitos exem- plos nos sZo apresentados por Geoffroy Saint-Hilaire na sua grande obra sobre este assunto. 0 s criadores acreditam que membros compridos sZo quase sempre acom- panhados por cabeqa de formato alongado. Alguns exemplos de correlagZo sZo deveras pitorescos: gatos de ohos azuis sio invariavelmente surdos; coloraqZo e determinadas peculiaridades de constituiqZo sempre se correlacionam - muitos casos notiveis podem ser encontrados entre plantas e animais. Com base nos fatos coletados por Heusinger, parece que os carneiros e os porcos sio afetados por certas plaqtas venenosas de maneira diferente da de seus sirnilares nZo-brancos. CZes pelados t h dentiqZo imperfeita; animais de pao comprido e grosso tendem a possuir chifres compridos, conforme se assevera; pombos de pis emplumados tsm os dedos da frente ligados por membraqas; pombos de pis emplumados tem 0s dedos da frente ligados por membranas; pombos de bico curto t2m pis pequenos, e os de bico comprido titr. pis grandes.' Portanto, se o homem prosseguir suas experihdas de seleqZo visado a desenvolver determhada particularidade, i quase certo que modifique involuntadamente outras partes daquela estrutura, em decor- rhcia das misteriosas leis de correlaqZo de crescimento.

3 infhitamente complexo e diversificado o resultado dessas numerosas leis de variaqZo, dentre as quais a l p a s sZo imperfeitamente compreendidas, e outras sio inteiramente desconhecidas. Vale a pena estudar cuidadosamente os diversos trata- dos publicados acerca de certas plantas cultivadas, como o jacinto, a batata, mesmo a dilia, etc... E deveras surpreendente observar os incontiveis detalhes de'esautu- ras e constituiqZo que constitwan as diferenqas I i g h das variedades e subvariedades entre si. Toda a organizaqZo da planta parece ter-se tornado maleivel, sempre ten- dendo a desviar-se do tipo ancestral, ainda que em grau muito reduzido.

As variaq6es 60-hereditirias nada interessam ao presente estudo; aliis, o n6- mero $ a diversidade dos desvios estruturais hereditirios, tanto os jnsignificar.tes como os de importincia fisio1,gica considdvel, s5o infinitos. 0 tratado escrito pelo Dr. Prosper Lucas, constitufdo de dois alentados volumes, i o melhor e mais completo sobre o assunto. Nenhum cdador duvida da forqa que tem a tendsncia Zi hereditariedade -. sua crenqa fundamental i esta: cada qd produz seu semelhan- te. As dhvidas surgidas sobre este principio partem apenas dos te6ricos. Quando um determinado desvio aparece com nZo pequena freqii?ncia, sendo observado no pai e no f&o, n5o poderiamos afirmar que ele nZo seria devido i mesma causa original, agindo sobre ambos. Mas quando, entre diversos kdividuos expostos apa- rentemente b mesmas condiq6es, surge algum desvio muito raro, devido a alguma extraordiqiria combiiagZo de circunstincias, n m a Geqii2nua minima - digaxnos: m caso em virios rnilh6es - . e esse mesmo desvio vai reaparecer no descendente, a simples aplicaqZo da teoria das probabilidades pra5camente nos obriga a atribuir esse reaparecimento i hereditariedade. Todo o mundo deve ter ocvido refer2ndas a casos de albiismo, pele espinhosa, coqos !hutos, etc., ocorrendo em diversos membros da mesma familia. Se tais desvios estrumrais estrarhos e raros forem efetivamente hereditirios, pode-se admitir tranqiiilamente que t a m b h o devem

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ser os desvios menos esaanhos e mais comuns. Talvez a maneka correta de encarar esse assunto seja a de se considerar como regra geral a hereditariedade dos caracteres, quaisquer que sejam, e a n2o-hereditariedade como a excegio.

As leis que regulam a hereditariedade sHo inteiramentedesconhecidas. Niiguim sabe explicar por que m a determinada peculiaridade surgida em diversos individo- os da nesma espicie ou de espides diferentes seja ora hereditiria, ora nio; ou por que s6i reaparecer numa crianga certas caractensticas do av6 ou da av6, senio mes- mo de un ancestral bastante remoto; ou por que Lma pecdaridade se transmitia de um sex0 para ambos, ou entHo para um s6 sexo, geralmente o mesmo do ancestral, se bem que haja excegdes a talrespeito2. Trata-se de um fato de relativaimporhcia para n6s que certas peculiaridades surgidas nos machos de nossas ragas dombticas, quando hereditinas, sejam transmitidas exdasivamente, ou en60 com frequincia bem mais aka, apenas aos descendentes do sexo mascho. Uma regra muito nais importante, que acredito possa ser considerada como m a regra geral, refere-se ao fato de que a peculiaridade, qualquer que seja a ipoca do seu surgimento, tende a reaparecer no descendente no seu periodo de vida correspondente, quando nio mais cedo. Em certos casos, nio poderia ocorrer de outra maneira: as caractensticas hereditsirias refe~entes aos chifres dos bovinos s6 poderiam surgir nos descenden- tes quando estes se. tornassem adultos; as peculiaridades do bicho-da-seda ou apa- recerio na lagarta, ou irHo aparecer na larva. Mas as doengas hereditkias, d i m de diversos outros fatos, me levam a.crer que essa regra seja ainda mais abrangente, e que mesmo nZo havendo razz0 aparente para que certa peculiaridade tenha de apa- recer nesta ou naquela idade, ainda assim seu surgimento no descendente tende a se dar no mesmo periodo de sua aparigio no accestral. Acredito que essa r e p seja da maior impor+hcia para se explicarem is leis da Zmbriologia. 3videntementq isso que digo se refere apenas ao surgimento da peculiaridade, e nio a sua causa pdmkia, que pode ser agido nos 6 d o s ou no elemento masculino, quase de maneira idktica i que ocorre com o descendente do crnzamento de m a vaca mocha e de um touro de chifres compridos: o comprimento dos chifres do mestigo, embora s6 se manifeste em idade madura, i obviamente devido ao elemento masculino.

Ji que tocamos nesse assunto de atavismo, gostaria de tecer algumas considera- gdes a respeito de uma afirmativa por vezes feita pelos naturalistas - a de que nossas variedades domisticas, quando retornam ao estado selvagem, aos poucos iriam readquirindo inexoravelmente as caractensticas de seus antepassados aborighes. Com base nisto, tern-se afirmado que nedluma dedugHo extraida dos estudos de nossas ragas domisticas poderia ser extrapolada para as espicies selvagens. Em vio tenho tentado descobrir em que fatos decisivos se apoiaria essa afirmativa 60 auda- cjosa e repetida com tamanha frequinda. Seria dificilimo provi-la, especialmente porque se pode afumar com seguranga que inheras de nossas variedades mais tipicamente dombticas provavelmente nHo poderiam viver em estado selvagem. A l h disso, 9uantos casos existem sobre os quais ignoramos quais teriam sido os ancesaais nativos; deste modo, como seria possivel afirmar se a revers20 resultante

2 Charles D-h jamais teveconhedmento das Leis de hlendelrelatins A hereditariedade,publicadas em 1865, mas que pemaneceram ignomdas pelo mmdo ciendfico at6 o %do do siculo XX. (N. do T.)

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teria sido mais ou menos perfeita? Ademaiq seria absolutamente necessirio, a fim de impedir os efeitos do cruzamento, que apenas uma h i c a variedade fosse deixa- da em liberdade no seu novo lar. Nio obstante, como nossas variedades por certo readquirem ocasionalmente algumas de suas caractedsticas ancestrais, nio me pare- ce improvivel que, se consegu'ssemos adimatar ou cultivar durante muitas gera- gees as diversas variedades de repolhos, por exemplo, numa regiio de solo muito pobre (e nesse caso, p o r k , alyn efeito teria de ser aaibuido B pr6pria influhcia direta do solo), elas acabariam por readquirir quase todas, senZo todas, as caracteris- ticas do seu tipo aborigine. 0 sucesso ou nZo dessa experihda nZo 6 muito rele- vante para a nossa linha de argumentagio, uma vez que as condigdes de vida foram alteradas, em razZo das pr6prias drcunshdas que cercaram a experitncia. Se fosse possivel demonstrar que nossas variedades dombdcas manifestassem uma forte tendtnda B reversio . - isto i, a perder seus caracteres adquiridos, - ainda que mantidas em condigdes inalteradas, e formando uma col6nia considerivel, de mod0 que o livre entrecruzamento e a conseqiiente mistura dos caracteres impedisse o surgimento de desvios de estrutura; neste caso, admito que nada podedamos dedu- zir a partir de nossas variedades dombticas e em relagio a toda a espide. Todavia, nio h i sequer uma sombra de evidtnda em favor dessa idsa, pois seria oposto a toda a experitncia afirmar-se a incapacidade humana de seledonar nossos cavalos de tko e de corrida, nossos bovhos de chifres longos ou curtos, nossos diversos tipos de galiniceos, nossos vegetais comestiveis, reproduzindo-os atravis de um n6mero quase infinito de geragdes. ?osso acrescentar que, na natureza, quando se modificam as condigdes de vida, provavelmente ocorrem variagdes e reversdes de caracteres, mas a selegio n a n d , conforme dentro em pouco sera explicado, deter- minari por quanto tempo serio preservadas essas novas caractensticas adquiridas.

Quando examinamos as variedades ou ragas heredithrias de nossas plantas e animais domisticos e as comparamos com as esptdes nativas que lhes sio mais pr6ximas, geralmente percebemos que as espicies domtsticas, como j i assinalei, apresentam u m cariter menos uniforme que as nativas. As ragas das esptcies do- mbticas, ademais, b vezes apresentam alguma caractedstica que antes se dida mons- truosa. Em outras palavras: embora diferindo entre si e entre as outras espides do mesmo gtnero por virios pormenores insignificantes, algumas eventualmente pos- suem uma certa caracteristica que as torna extremamente diferentes das demais, quer se aate das pr6prias espides domisticas, quer se trate das espides nativas que lhes sio mais pr6ximas - - espedalmente neste admo caso. Tirante essas distingdes (e mais a da fecundidade mais ou menos perfeita das variedades quando cruzadas - - assunto qJe em breve discutiremos), as ragas domtsticas da mesma espicie dife- rem umas das outras do mesmo mod0 que as espides nativas daquele mesmo gne - ro difercn entre si - - se bem que, na maior pa t e das vezes, as diferengas entre as primeiras sejarn menos marcantes. Acho que isto deve ser admitido, levando-se em conta que sio mas as ragas domisticas de anirnais e de vegetais que nio tenham sido classificadas por determinadas autoridades competentes como meras varieda- des, e por outras iutoridades tambim competentes como os descendentes de espi- des aboriginalnente distintas. Se existisse uma diferendaqio nitida entre as raGas e as esptdei domisticas, esse tipo de dhvida nio ocorreria~~o freqiientemente. Por vezes j i se tem afirmado que as ragas domkicas nZo diferem en%e si por caracte- risticas de valor gensco. Acho que seria possivei demonstrar que tal afirmativa

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difichente seria correta, mas ocorre qJe h i grmde diverghda entre os naturalis- tas quanto is caracten'sticas que seriarn de valor genirico, e todas as determinaqdes a esse respeito sHo, presentemente, empiricas. Alim do mais, dentro da teoria que defend0 quanto i origem dos gneros, nZo temos por onde esperar que se encon- uem eventuais diferenqas geniricas em nossas produgdes domisticas.

Quando tentamos estimar quantitativamente a diferenga estrutural enue as ra- qas domisticas da mesma espide, logo ficarnos tornados de drividas, por nHo saber- mos se elas seriam descendentes de uma ou vkias espides originkias. Seria bem interessante se pudissemos eluddar esta questgo. Se se pudesse mostrar, por exem- plo, que o galgo, o sabujo, o tem'er, o qaniele o buldogue, que como todos sabemos, propagam Go efetivamente seu tipo, descendem todos de uma h i c a espide, isso seria sufidentemente ponderivel para langar drivida quanto B imutabilidade das diversas espides nativas de canideos - raposas, por exemplo - que vivem em diferentes partes do mundo. Niio acredito, pelos motivos que em breve exporei, que todos os nossos cHes descendam de uma .hica espide selvagem; entretanto, no caso de ouuas ragas domisticas, existem evidencias mais ou menos ponderiveis em favor dessa hip6tese.

H i pessoas que acham que o homem teria escolhido para criar e cultivar ani- mais e vegetais dotados de uma tendhda inata extraordinkia i variagHo e uma enorme capaddade de suportar os dimas mais diversos. NHo contest0 que tais ca- paddades tenham aumentado bastante o valor da maior parte de nossas produgdes dombticas; independente disso, como poderia urn selvagem saber, na sua primeira tentativa de domesticar um animal, se este seria capaz de variar nas geragdes subse- qiientes e se teria condigdes de suportar outros clirnas? Por acaso a pequena varia- bilidade do asno ou da galinha-d'angola, ou a pequena tolerhda da rena ao calor, e do camelo ao frio, teriam impedido sua domesticagiio? NHo tenho drividas de que se outcos animais e vegetais em nlimero identico ao das nossas produqi5es domisti- cas, igualmente pertencentes a diversas classes e oriundos de diversas regides, fos- sem tirados da natureza e domesticados, conseguindo-se faze-10s reproduzir pelo mesmo nlimero de geragdes que as nossas atuais produgdes dombticas, sua varia- bilidade media seria equivalente i das espides orighais destas hltimas.

iSo caso da maior parte de nossos animais e vegetais h i muito domesticados,' 60 creio ser possivel chegar-se a qualquer conclusHo definida quanto a se descen- dem de uma ou de muitas espides. 0 principal argument0 dos que defendem a origem mdtipla de nossos animais domisticos i que existem regisuos remodssimos, especialmente os monumentos do Egito, mostrando grande diversidade de espici- mes, e que alguns desses espicimes siio muito pareddos comos atuais, sen50 mes- mo idhticos. Mesmo que esta hltima afirmativa seja mais esmta e, amplamente vilida do que acredito que seja, que poderia demonstrar senHo que algumas de nossas criagdes se origin- naquele pals, hi quatro ou cinco mil anos atris? Aconte- ce que as pesquisas de Mr. Horner mostraram ser bastante provivel que homens civilizados o sufidente para fabricarem vasos de cerimica tivessem vivido no vale do Xilo h i cerca de treze ou quatorze mil anos; assim, quem poderia dizer h i quan- to tempo nHo teria o Egito sido habitado por selvagens tHo primitives como os da Terra do Fogo ou da Austrilia, que criam um cZo semidomesticado?

Penso que todo esse tema deveri permanecer incerto; apesar de tudo, posso afirmar, sem entrar aqui em detdhes, que baseado em consideragdes de ordem

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Prancha V. Gado

geogrifica, etc, creio ser altamente provivel que nossos caes domksticos descen- dam de vhias espkcies selvagens. Com relag20 aos carneiros e cabras, 40 tenho opinino formada. Em vista dos fatos que me foram comunicados por Mr. Blyth acerca dos hibitos, da voz, da constituigHo, etc., do touo indiano de corcova, sou levado a crer que esse animal descende de urn ancesd.diferente do que teria ongi-

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Prancha VI. Equidna

nado o bovino europeu, a respeito do qual diversas autoridades competentes acre- ditam que tenham mais de run antepassado selvagem. Com respeito aos cavalos, devido a razdes que nZo posso expor neste trabalho, estou um tanto hesitante em acreditar, indo de encontro ao ponto de vista de &versos autores, que todas as raqas descendem de um S c o tipo ancestral. Mr. Blyth, cuja opiniHo, em virtude de seu amplo e diverso arsenal de conhecimentos, tenho mais em conta do que a de quase todas as outras pessoas, acredita que todas as ragas de galiniceos procedam de m a espicie indiana selvagem (Galbus bank&). Corn relagZo a patos e coelhos, cujas variedades diferem consideravelmente entre si no que concerne i estrutura, nZo duvido de que todas descendam do pato e do coelho selvagens.

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A teoria da origem matipla de nossas diversas ragas domisticas tem sido levada a extremos verdadeiramente absurdos por alguns autores. Eles acreditam que toda vadedade que produza descendincia fecunda, mesmo que seus caracteres distinti- vos sejam insignificantes, teve seu prot6tipo selvagem. Com base nesse raciocinio, deve ter existido pelo menos uma vintena de espicies de bovinos selvagens, assim como muitas de ovinos e virias de caprinos s6 na Europa, algumas delas aqui na pr6pria GG-Bretanha. Certo autor acredita que outrora tenham existido na Gri- Bretanha onze espicies tipicas de carneiros selvagens! Se considerarmos que hoje em dia temos quando muito um mamifero tipico, e a Franga somente uns poucos diferentes dos da Alemanha, e que o mesmo se d i na Hungria, na Espanha, etc, mas que cada uma dessas nag6es possui diversas ragas locais de bovinos, ovinos; etc, teremos de admitir que muitas criag6es domisticas se originaram na Europa; se nio, de ondc poderiam ter-se derivado, j i que esses diversos paises nZo possuem urn climero de especies tipicas capazes de constit& linhagcns originais distintas? 0 mesmo ocorre na India. Mesmino caso dos cZes dom&icos de todo o mundo, que admito provirem provavelmente de v h s espicies selvagens, nio posso duvi- dar de que esses animais tenham acumulado uma enorme soma de variagZo heredi- tiria. Quem pode acreditar que animais Go semelhantes como o galgo italiano, o sabujo, o bddogue ou o rpanidblenhein, etc. - Go diferentes de todos os caddeos selvagens - teriam existido livremente em estado selvagem? Tem-se dito i s vezes, mas sern proms, que todas as nossas ragas caninas teriam sido originadas do cruza- mento de umas poucas espicies aborigines; todavia, por meio de cruzamentos, G o conseguimos obter senio tipos mais ou menos intermediirios entre seus pais; se atribuirmos o surgimento de nossas diversas ragas domisticas por esse processo, teremos de admitir a existbcia pretirita dos tipos mais extremos, como o galgo italiano, o sabujo, o buldogue, etc., em estado selvagem. A l h do mais, a possibili- dade de formar ragas distintas pelos cruzamentos tem sido grandemente ixagerada. Nio h i dJvida de que uma raga pode ser modificada por cruzamentos ocasionais, se a isso se somar a cuidadosa selegiio dos mestigos que apresentarem qualquer caracteristica desejada; entretanto, que se possa produzu uma raga virtualmente intermediiria entre duas ragas ou especies extremamente diferentes, isso i coisa que acho muito difidl de acreditar. SirJ. Sebright fez muitas experiencias visando expressamente a este objetivo, e nZo foi bem sucedido. Cs descendentes do primei- ro cmamento entre duas ragas puras sZo sofrivelmente uniformes, senio inteira- mente, conforme verifiquei com os pombos, e tudo parece estar resolvido da ma- neira mais simples. Mas quando se entrecruzam esses mestigos d~urante diversas gerag6es seguidas, difidlmente encontraremos dois que sejam semelhantes; 6 entio que se torna manifesta a extrema dificuldade dessa tarefa, seniio mesmo sua com- pleta inutilirla.de. 0 certo 6 que m a raga intermediiria entre d m rafas muito distintas nio poderia ser produzida sem maiores cuidados e sem um longo processo de sele- gio; de minha parte, ainda S o deparei com o registro de um s6 caso de raga perma- nente que se tenha formado deste jeito.

Quanto 2s Rufus dos Pombos Domisticos

Por acreditar que i sempre melhor estudar urn determinado grupo de d a i s , resolvi dedicar-me, depois de longa reflexio, i criagio de pombos dombticos. Tra-

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tei de pombos de todas as ragas que pude comprar ou ganhar, e fui gentilmente obsequiado com peles provenientes de diversas partes do mundo, espedalmente as que me foram enviadas pel0 HonorableW mot, da hdia, e pel0 Honorabb C. Murray, da Pirsia. Existem inheros tratados sobre pombos escritos em diversas linguas, alguns muito importantes, dada a sua considerid antigiiidade. Assodei-me a di- versos columb6filos e fui admitido em duas assodagdes londrinas de criadores de pombos. A diversidade das ragas & algo espantosol Compare-se o pombo-correio inglb e o "cambalhota-de-cam-comprida" - logo se nota a ina'vel diferenga entre seus bicos e suas consequentes diferengas cranianas. 0 correio, e mais especialmen- te 9 macho, i tambim notivel pel0 curioso desenvolvimento da pele carunculax que lhe envolve a cabega, peculiaridade B qual se somam as pilpebras muito com- pridas, os amplos orificios nasais e o bico muito largo. !i o cambalhota-de-cara- curta apresenta um bico de formato quase idffltico ao do tentilhio, enquanto que o cambalhota comum possui o hibito singular e inteiramente hereditirio de voar a grandes alturas em bandos compactos, dando eventualmente uma cambalhota com- pleta em pleno v8o. 0 pombo-galinha i m a ave de tarnanho grande, dotada de um bico muito grosso e grandes patas. Algumas de suas variedades apresentam pesco- go comprido; outras, asas e caudas muito longas; j& outras t&m as caudas estranhamente curtas. 0 barbado i aparentado com o correio; porim, ao invis de bico longo, tem o seu w t o e muito largo. 0 papo-de-vento possui corpo, asas e pernas muito compridos, alh do pap0 anormalmente desenvolvido, que ele apre- da.fazer Lqchar, exibindo-o orgulhosamente, produzindo em quem o v& um grande espanto, e i s vezes o riso. 0 gravatinha possui um bico muito curto, de formato c6nic0, e m a faixa de penas erigadas no peito, tendo o hibito de dilatar ligeira e continuamente a parte superior do edfago. 0 fradinho tern umas penas tZo e+a- das na parte anterior do pescogo que, d5o a id3a de um capuz, enquanto que as penas das asas e da cauda, propordonalmente a seu tamanho, sio muito alongadas. 0 corneteiro e o gargalhada, como seus nomes indicam, arrulham de maneira bas- tante singular. O' rabo-de-leque possui umas ttinta ou quarenta penas na cauda, ao invb de doze ou quatorze que sHo o niunero normal de todos os membros da grande familia dos pombos. A l h disso, essas penas estZo sempre eri~adas, a tal ponto que, nos espkcimes puros, a cauda chega a tocar na cabega. J B sua ghdula oleifera i inteiramente atrofiada. Diversas outras ragas menos distintas tamb&m possuem suas particularidades pr6prias.

Verificando-se os esqueletos das diversas ragas, nota-se que h i uma enorme diferenga de desenvolvimento entre seus ossos fadais, no que se refere a compri- .. mento, largura e curvatura. A parte anterior da man&%ula inferior, por exemplo, varia de maneira extremamente notivel, tanto no quese refere ao formato, quando no que toca B largura e ao comprimento. Tambim varia o niunero das virtebras caudais e sacras, assim como o das costelas, que tambim vadam no que se refere i largura reladva e i presenga ou nio de ap6fises. 0 tamanho e o formato das abertu- ras do esterno sio altamente variiveis, as~im como o grau de divergincia e as di- mensdes relativas das duas ramificagces da fkcula. A largura propordonal da aber- tura do bico; o comprimento propordonal das pilpebras, dos orifidos nasais, da lingua (que nem sempre apresenta esuita correlagio corn o comprimento do bico); as dimensdes do pap0 e daparte superior do es8fago; o desenvolvimento (ou atrofia)

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da glhdula oleifera; o n h e r o de penas primhias das asas e da cauda; as relag6es entre os comprimentos da cauda, das asas e do corpo; a relag50 entre os compri- mentos da perna e da pata; o niunero de escimulas entre os dedos; o desenv'ol- vimrnto da membmni interdigital: eis alguns pormenorcs estruturais susceti- vris dc variagio. Tambim varia o penodo de aquisi~io da plumapem definiuva, bem como o aspect0 da penugem que reveste os ftlhotes re-cim-sados dos ovosl Variam o tamanho e a forma dos ovos. A maneira de voar difere notavelmente de uma raga para outra, assim como a voz e o temperamento dos indidduos de cada uma. Por fim, em certas ragas, machos e ftmeas chegam a apresentar pe- quenas diferengas entre si.

Z'odedamos tranqShmente seledonar uns vinte espicimes de pombos diferen- tes, que, se mostrados a um ornitologista que imaginasse tratar-se de espicimes selvagens, por certo os dassificaria come pertencentes a espides bem definidas. Chego a acreditar ati que certos ornitologistas hesitariam em colocar no mesmo &nero o pombo-correio inglEs, o camhalhota-de-cara-curta, o pombo-galinha, o barbado, o papa-de-cento e o rabo-de-leque, espedalmente se lhes fossem mostra- das as diversas variedades de cada uma dessas ragas, is quais eles por certo iriam auibuir a dassificagio de espides.

Por maiores que sejam as diferengas entre as raps de pombos, estou plenamen- te convenddo da veracidade da opiniio consensual dos naturalistas, ou seja, de que todas elas descendem da pomba-das-rochas (Columba liva), induindo nessa deno.. minagHo diversas ragas ou subespides geogrificas, que diferem entre si com rela- gHo a aspectos extremamenteinsignificantes. Como muitas das razdes que me leva- ram a essa crenga sHo em maior on menor grau apliciveis aoutros casos, irei apresenti. las aqui sucintamente. Se as diversas ragas nHo fossem variedades propriamente dims e nHo descendessem da pomba-das-rochas, teriam de provit de pel0 menos sete ou oito ancestrais aborigines, porquanto seria impossivel produzir as atuais ragas domisticas pel0 entrecmamento de um n h e r o menor de tipos de pombos. Por exemplo: como poderia um papo-de-vento ser produzido pelo cruzamento de apenas duas ragas, sem que urn desses ancestrais j i nHo fosse previamente dotado do enorme pap0 queo caracteriza? Esses presumiveis ancestrais devem todos eles ter sido do tip0 da pomba-das-rochas, ou seja, sem o hibito de nidificarem em &ores ou de se empoleirarem nelas voluntariamente. Todavia, alim da C o h b a Ltia e suas subespides geogrificas, conhecem-se apenas duas ou tres outras espici- es de pombos selvagens desse ghero, e nenhuma delas possui qualquer uma das caractedsticas das ragas dombticas. Assim sendo, os supostos ancestrais abodgines deveriam existir ainda nos paises em que tivessem sido domesticados originalmen- te, e mesmo assim serem desconhecidos dos ornitologistas, o que parece bastante improvivel, levando-se em conta o 'tamanho, os hibitos e outras caractedsticas notiveis dessa ave. Ou en60 esses ancestrais se teriam tornado extintos ainda em estado selvagem, o que i igualmente improvivel: pombas que nidificam junto aos abismos, dotadas de grande habilidade de v60,i bem pouco provivel que se; *am um dia exterminadas. Ademais, a pomba-das-rochas, que tem os mesmos hibitos da pomba domistica, ainda nHo foi exterminada nem mesmo em diversas ilhotas do Arquipilago Britinico ou nas encostas litorheas do Mediterrineo ... Portanto, a suposta extingHo de tantas espides possuidoras de hibitos identicos aos da pomba- das-rochas a mim me parece uma hip6tese muito apressada. Alim do mais, as diver-

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sas raqas domesticas ji foram levadas para as mais diferentes pates do mundo; por conseguinte, algumas delas forqosamente teriam retomado ao que seria sua terra na- tiva, e nem por isso se deu o caso de que tivessem readquirido modos de vida selva- gem, fato que, ennetanto, costuma acoctecer i s pombas comuns criadas nos pom- bais, que nZo passam de pombas-das;rochas com ligeiras alteraqties, e que em diver- sos lugares retornarm ao seu estado selvagem original. Acrescente-se que todas as experikncias levadas a cab0 recentemente demonstram ser extremamente difldl que anirnais selvagens nazidos para o estado domestico se reproduzam normalmente; portanto, para se aceitar a hip6tese da origem matipla de nossos pombos domesticos, seria necessirio presumir-se que as sete ou oito espkdes ancestrais teriam sido domes- ticadas inteiramente num passado relatiweme remoto, por homens semicivilizados, a !%XI de se expllcar sua atual capaddade de ieproduqZo em estado de cativeiro.

Prancha VII. Ratazana

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Prancha VIII. Morcego

3 m argument0 que para mim i muito pondehvd e que pode ser aplicado a diversos outros casos i o de que essas raps de pombos, embora se assemelhem bastante h espide sdvagem no que se refere h constituigiio, aos hLbitos, h voz, h cor e A maior parte de suas caracteristicas estruturais, todavia apresentam peculiarida- des extremamente anormais quanto a certos pormenores de sua estrutura: pode- mos procurar em vZo por toda a familia dos Columbfdeos e nio iremos encontrar um bico como o do correio-inglis, ou o do cambalhota-de-cara-curta ou o do barbado, nem penas erigadas como as do fradinho, ou uma dilatagZo do esBfago como a do papo-de-cento, ou uma cauda erigada como a do rabo-de-leque. Dai ser . tambim necessirio aceitar-se que os supostos semicivilizados nZo s6 teriarn domes- ticado completamente aquelas diversas espicies abor&hes, como t a m b h teriam conseguido seledonar, intencionalrnente ou n50, diversas espicies extraordinaria- mente anormais. E mais: que tais espides originais, hoje em dia, estivessem extin- tas, ou que fossem inteiramente desconhecidas de n6s. A mim me parece improbabiissima essa seqiisnda de circunstincias tio estranhas.

Alguns fatos com respeito h coloragZo dos pombos merecem ser aqui mendo- nados. A pomba-das-rochas i de cot azul-acinzentada, tendo dorso branco (o da sub-espide indiana C. infermedia de Strickland, i azulado); a cauda apresenta uma

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faixa terminal escura, tendo uma orla branca superficial nas bases das penas exter- nas. As asas possuem duas listras negras; algumas ragas semidomCsticadas, e mesmo algumas aparentemente selvagens, ostentam nessas asas, ladeando as listras, faixas axadrezadas de preto. Todas essas peculiaridades nio ocorrem simultaneamente em qualquer outra espCde de toda a f d a dos columbideos. Todavia, em toda as ragas dombticas, espedalmente nas puras, nota-se a ocorrencia de alguma dessas carac- tedsticas perfeitamente desenvolvidas, at2 mesmo a da ourela branca das penas caudais externas. Ademais, quando se cruzam duas aves pertencentes a duas raqas distintas que nio tenham coloragio azul ou possuam outras daquelas caractedsticas supracitadas, os descendentes mestigos tendem a adquirk subitamente tais caracteres. Veja-se. este exemplo: cruzei alguns rabos-de-leque inteiramente brancos com barbados inteiramente negros, e os mestigos resultantes eram mosqueados de mar- rom e preto. Cruzei os mestiqos entre si e eis que um dos netos de uma pomba rabo-de-leque branca e um pombo barbado negro nasceu com uma bela coloragHo azul, dorso branco, duas faixas pretas nas asas e penas da cauda escuras orladas d e ~ branco - assim como qualquer pomba-das-rochas selvageml Podemos entender esses fatos apelando para o conhecido prindpio do reaparehento das caractedsti- cas ancestrais - pressupondo-se que as ragas domisticas descendam efetivamente da pomba-das-rocbas. Se negarmos esta hipbtese, porCm, ai teremos de aceitar uma das duas suposiqdes que se seguem, ambas altamente improviveis: primeiro, que todas as presumiveis espides originais apresentassem coloragio e caractedsticas identicas h da pomba-das.rochas, embora nenhuma espCde existente seja assim. Desse modo, poderia haver em todas as raqas domisticas uma tendencia ativica de readquirk as mesmas cores e sinais comuns a todos os seus ancestrais. Segundo, que todas as raGas, mesmo as mais puras, j i se tenham cruzado, h i cerca de m a s doze geragdes (no m h o m a s vinte), com a da pomba-das-rochas. Estabeled urn miximo de vinte geraqdes, porquanto nZo temos conhecimento de quaisquer exem- plos em favor da idea de que o atavism0 se manifeste num descendente afastado mais de uma vhtena de geragdes de seu antepassado. Numa linhagem pwa em que uma Gnica vez tenha havido cruzamento com outra distinta, a tendencia ao reaparehento de qualquer caractedstica decorrente desse cruzamento vai dimi- nuindo progressivamente B medida que se sucedem as geragdes e se reduz nos descendentes a proporgZo do sangue da segunda raga. Entretanto, quando se cru- zam dois espkcimes de mesma linhagem na qua1 nio se tenha noticia de qualquer cruzamento com outras ragas, e mesmo assim persista a tendkcia de reaparecer em seus descendentes alguma caractedstica perdida h i muitas geraqdes, essa tendencia poderi continuar a se transmitir por um n h e r o indefinido de geragdes, muito embora nada nos indique que ela exista. Esses dois casos distintos soem ser confun- didos nos trarados que versam sobre a hereditariedade.

Resta dizer que os hbridos ou mestigos oriundos dos cruzamentos de quais- quer ragas de pombos domCsticos s b perfeitamente fecundos. Posso afjrmi-lo com base em &!as prbprias observagdes, tiradas das experiencias que empreendi, exa- tamente com esse propbsito, entre espidmes de raqas as mais distintas. Contudo, sabe-se que 6 bastante dificil, senio mesmo impossivel, csnseguir-se mencionar a l y m caso de hibridos descendentes de dois animaispeIfeitamente d'stintos, que sejam

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inteiramente fecundos entre si. Alguns autores acreditam que a prolongada domesticagiio elimina essa forte tendhcia $ estedlidade. Por analogia com o caso dos ciies, penso que h i alguha probabilidade nessa hipbtese, desde qxe aplicada a espicies bastante afins, e mesmo que niio se possa comprovi-la por meio de qual- quer experienda. Mas dai a estender-se a hipp6tese a ponto de se supor que as presumiveis espides ancestrais de animais hoje Go diferentes como o siio os pom- bos-correios, os cambalhotas, os papo-de-vento e os rabos-de-leque pudessem pr9- d& descendentes perfeitamente fecundos inter se, isso j i me parece uma id& extremamente predpitada.

Por essas diversas raz6es - ou seja, a pequena probabilidade de que o homem tivesse outrora desenvolvido sete ou oito supostas espides de pombas capazes de se entrecruzar em estado dombtico; o fato de que tais espides siio inreiramente desconheddas em estado selvagem, e que nenhuma delas tenha voltado aos seus hibitos primitives; as anormalidades que essas espicies apresentam, em relagiio a certas caracteristicas particulares, quando comparadas com os demais columbideos, embora tambim apresentem semelhangas com respeito i maior parte de seus ou- tros caracteres, quando comparados com os da pomba-das-rochas; a coloraqiio azulada e diversos outros sinais que ocasionalmente reaparecem nos descendentes das diversas raps, seja nos puros, seja nos mestisos; o fato de que esses mesti~os sejam perfeitamente fecundos - por todas estas diversas razdes, consideradas em conjunto, ngo me resta a minima dfivida de que todas as nossas raqas de pombos domksticos descendam da Columba his e de suas subespides geogrificas.

Em apoio deste ponto de vista, posso acrescentar, em pdmeiro lugar, que a Columba L a , isto 6, a pomba-das-rochas, j i se revelou suscetivel de domesticagiio ca Europa e na india, combinando em hibitos e emvirios outros aspectos estrutu- rais com todas as ragas domisticas. Em segundo lugar, que de fato se verificam enormes diferengas entre o pombo-correio e o cambalhota-de-cara-curta em rela- gZo i pomba-das-rochas, no que se refere a determinadas caracteristicas; entretan- to, cornparando-se as diversas variedades dessas raps, espedalmente aquelas que foram trazidas de paises distantes, podemos estabdecer uma seqiienda quase per- feita entre os seus tipos estruturais extremos. Em terceiro lugar, que as caracteristi- cas mais dstintivas de cada raga, como por exemplo a carnosidade sobre o bico, e o seu prbprio comprimento, no caso do pombo-correio, contrastando com o bico curto do cambahota, ou en60 o maior n h e r o de penas caudais do rabo-de-leque, siio enormemente variiveis em cada raga, e a explicagiio desse fato seri inteiramen- te compreendida quando viermos a tratar da selegiio. Em quartc lugar, que os pom- bos siio animais que tern sido observados, estudados com o mMmo cuidado e apredados por inheras pessoas. Como animais domisticos, j i siio conhecidos h i milhares de anos em diversas partes do mundo. 0 registro mais antigo que se tem noticia acerca dessas aves data de aproximadamente 3000 A.C., por ocasiiio da quinta dinastia egipda, conforme me foi mostrado pelo Prof. Lepsius. Todavia, fui infor- mado por Mr. Birch que se faz mengiio a pombas nos cardipios de dinastias anteri- ores. Na ipoca dos romanos, de icordo com Plinio, pagavam-se vultosas somas pelos pombos: "...tendo 3 inreresse @elos pombos) chegado a tal ponto, que as pessoas at6 deivam registrada a relaggo dos antepassados e a raga desses animais".

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0 pombos foram muito apredados na hdia por Akber-Cii, por volta do ano de 1600: nada menos que 20.000 pombos eram uiados em seu palicio! Assim escre- veu o 'cronista real: "0s monarcas do IrZ e do T&Z enviaram aves rarissimas a Sua Majestade, e essas aves, atravis de cruzamentos realizados com critirios nunca dm-. tes empregados, vieram a se tornar espantosamente mais belas". Por essa ocasizo, os holandeses, do mesmo mod0 que os antigos romanos, tambim se tornaram grandes aficionados da columbofdia. A enorme importhda dessas consideragdes para explicar a considerivel variagZo sofdda pelos pornbos h i de ficar bem dara quando tratarmos da selegiio. Veremos tambim o porque de serem as ragas dotadas de alguma caractedstica mais ou menos monstruosa. Outra circuns&da extrema- mente fav0rivel.i produgiio de ragas 6 que, entre os pombos, o macho e a fimea podem formar casais monogimicos; com isso, ragas diferentes podem coexistir no mesmo viveiro.

Embora tenha dispendido muito tempo discutindo a origem provivel dos pom- bos domisticos, creio que ainda deveria prosseguir nesse assunto, pois eu prbprio, tZo logo comecei a criar e a observar os diversos tipos de pombos, mesmo sabendo de sua facilidade de entrecruzamento, muito custei a acreditar que tais aves pudes- sem descender todas elas de um ancestral comum, do mesmo mod0 como prova-. velmente pensaria o naturalism que se dedicasse a estudar as diversas espicies de tentilhbes ou de outros graEdes grupos e f d a s de animais em estado selvagem. Uma drcunstinda que muito me tem impressionado 6 a de que os criadores de diversos animais domisticos e os culdvadores de numerosas plantas com os quais j i conversei ou cujos tratados j i li es&o firmemente convenddos de que as diversas ragas das quais cada qual se occpa descendam de.espides abodgines distintas, uma para cada raga. Perguntei certa vez a um famoso criador de gado da raga Hereford se suas reses descenderiam ou nZo do to.lro selvagem de cornos compridos, e ele achou muita graga daquela id3a. Faga a mesma pergunta a outro criador e veri se sua reagiio nZo seri identica. Nunca encontrei um criador de pombos, ou de fran- gos, ou de patos, ou de coelhos, que niio estivesse plenamente convenddo de que cada uma de suas ragas prindpais descendesse de alguma espicie distinta. Van Mom, no seu tratado sobre as peras e magiis, recusa-se categoricamente a aceitar que as diversas variedades dessas frutas, como por exemplo a ribston ou a cod& possam descender das sementes de uma mesma bore original. A esse respeito podedamos acrescentar uma i n f ~ d a d e de outros exemplos. A explicagiio para esse fato creio que i bem simples: devido i longa observagiio das ragas e das variedades, essas pessoas acabam por ficar bastante impressionadas com as diferengas existentes en-. tre elas; assim, mesmo que saibam muito bem que cada raga apresente pequenas variagbes, pois i atravis da selegZo dessas diferengas quase imperceptiveis que lo- gram ganhar seus prtmios nas exposigbes, elas todavia ignoram as leis eprincipios de cariter geral acerca das espides, e se recusam a levar em conta que essas peque- nas diferengas se viio acumulando p o ~ c o a pouco atravis das sucessivas geragdes. Aqueles naturalistas cpe conhecem nenos que os uiadores e cultivadores as leis da hereditariedade, e sabem tanto quanto eles acerca dos elos intermediirios das anti- gas linhagens, e mesmo assim admitem que muitas de nossas ragas domisticas des- cendam de ancestrais comuns, bem que poderiam ser mais cautelosos antes de ridi-

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culari~ar a id&a de que as espicies em estado selvagem sejam descendentes diretas de outras espicies.

Vamos agora tecer umas breves consideraqdes acerca dos processos utilizados para obter raqas dombticas, derivando-as de uma ou de diversas espicies a h s . Parte dessas transformaqbes talvez possa ser atdbuida i aqHo direta das condiqdes externas de vida, e parte ao hibito; entretanto, seria muita ousadia tentar explicar apenas por tais fatores o surgimento das diferenqas existentes entre os cavalos de tiro e os de corrida, entre o galgo e o sabujo, entreo pombo-correio e o cambalho- ta. Uma das caractedsticas mais notiveis de nossas raqas dom~sticas i. que nelas podemos observar uma adaptas50 que nHo visa ao pr6prio bem-estar da planta ou do animal, mas sim ao caprichd ou h necessidade do homem. I?, verdade que algu- mas adaptaqbes liteis para o homem podem ter surgido antes de se caracterizar a necessidade. ou de mod0 slibito e ines~erado. Um exem~lo: muitos botinicos acre- . ditamque opente-de;bisoeim, urn cardo dotado de espinhos em gancho e at6 hoje nHo superado por qualquer instrumento mechico similar para os trabalhos de pisoaria, - - n<o passe-de uma variedade do Dipsacu~ selvagem. A variaqHo caractedtada pela formapeculiar de seus espinhos poderia ter surgido subitamente numa determina- da brotadura. 0 mesmo ocorreu provavelmente com o cHo da raqa turnpit - e certamente, conforme 6 sabido, com o carneiro da raqa ancon. Mas quando compa- ramos o cavalo de tiro e o de corridas, o dromedirio e o camelo, as diversas raqas de ovinos adaptadas i vida nas planides cultivadas ou nas pastagens das ireas monta- nhosas, cujas 1% sHo udizadas para diferentes hnalidades; quando comparamos as inheras raqas de cHes, cada qual litil para o homem comvistas a diversos prop6si- tos; quando comparamos o galo-de-briga, Go obstinadamente belicoso, com os exemplares de outras ragas Go pouco agressivas, como uma daquelas "poedeiras incanshveis", que nunca esGo dispostas a para para chocar seus ovos, ou com o pequenino e elegante garnise quando comparamos o sem-nhero de raqas e vari- edades vegetais destinadas ao cultivo agricola, ao uso culinirio, i formaqHo de po- mares e jardins, utiksimas para o homem nas diversas ipocas do ano e para as hdi- dades mais diferentes, ou apreciadas pela sua extrema beleza, penso que devemos procurar, para tal diversifica@o, uma euplca@o que v i a l h da mera variabiidade addental. Niio poderiamos supor que todas essas variedades e raqas jh se tenham formado de uma s6 vez 60 perfeitas e liteis como hoje as temos. Em muitos casos, efetivamente, sabemos que sua hist6ria 60 foi assim Go simples. A explicaqiio reside na capacidade humana de seleqHo acumulativa: a nameza fomeceas variaqdes suces- sivas; o homem sabe como led-las para deterrninadas direqdes 6teis para ele. Nesse sentido pode-se at6 dizer que o homem uiou raqas 6teis para si pr6prio.

NHo 6 hipotitica a grande forqa desse principio de seleqHo. E fato incontestivel qie virios de nossos criadores mais eminentes conseguiram, dentro do pedodo de tempo de sua existcncia, introduzir grandes modificaqdes em certas raqas de bovi- nos e ovinos. Para consfatar-se.0 que efetivamente chegaram a conseguir, bastaria i leitura dos numerosos tratados existentes sobre o assunto, oumesmo averificaqZo

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pessoal. 0 s criadores geralmente falam da e s t r u m or@ca de um animal como se se tratasse de algo inteiramente maleivel que poderiam moldar quase que a seu inteiro talante. Houvesse espago para isto e eu poderia citar inheras passagens a eise respeito, extlaidas de autoridades competentes. Youatt, que f ~ i certamente uma das pessoas mais familiarizadas com os trabalhos dos agricultores, a par de ter sido um excelente perito em animais, fala do principio de selegio como sendo "aquele que possibilita o agricultor a nio somente alterar em parte as caracteristicas de seu rebanho, mas a nodifici-las completamente. Trata-se da vara de condzo com a qual ele i capaz de trazer i vida quaisquer formas e tipos que assim deseje". Lord Somerville, referindo-se aos sucessos alcangados pelos criadores de carneiros, es- creveu: "Dir-se-ia que poderiam rabiscar num muro uma forma que fosse em si a mais perfeita, e depois h e dariam exist&ndal'. J i SirJohn Sebright, o grande expetf em criagio de pombos, costumava dizer, com respeito a essa ave, que "seria capaz de obter qualquer tipo de pena em tres anos, mas nio qualquer tipo de Sico ou de cabega - para esses eu teria de gastar uns seis anos". Na SaxBnia, a imporkincia do principio de selegio com respeito ao carneiro da raga merino i aceita de maneira Go cabal que as pessoas sequer cogitam de contesti-la: os carneiros sio postos sobre uma mesa e examinados minudosamente pelos peritos, cada um dos quais se porta como um connoi~~e~rfrente a uma obra de arte; esse exame se repete por mais duas vezes, com um interval0 de alguns meses entre cada verificagzo; de cada vez, os carneiros sio marcados e dassificados, de maneira que, halmente, seja selecio- nado para a reprodugio o espicime mais perfeito de todos.

0 que os criadores ingleses efetivamente conseguiram alcangar pode ser com- provado pelos pregos fabulosos pagos por animais de bompedkree, e esGo sendo exportados hoje em dia para quase todos os cantos do globo. 0 aptimoramento das ragas nio pode de mod0 a l p ser ambuido ao cruzamento das mesmas - todos os uiadores opdem-se fortemente a essa pritica, exceto no que se refere is sub- ragas muito pr6ximas. E quando se faz um cruzamento, ai i que se torna ainda mais indispensivel a selegzo mais acurada. Se a selegio consistisse meramente em sepa- rar a lpnas variedades bastante distintas e faze-hs reproduzir-se, o principio seria t20 6bvio que sequer mereceria ser dtado. Ao contliirio, sua imporkincia consiste no efeito significative produzido pela acumula#o de caracteres orientados numa determinada diregio, durante sucessivas geragdes, valorizando-se diferenps que, aos olhos inexperientes do leitor, pareceriam absolutamente insignificantes - -- eu mesmo, 2s vezes, j i tentei em vzo apredi-las. Em cada grupo de mil pessoas, talvez se possa tirar uma, dotada de acuidade visual e critirio sufidentes para que se torne um exce- lente criador. E nZo basta ser dotado dessas qualidades; para que se alcance tal condi- ~ Z O , set6 necesshio ainda empenhar-se com perseveranga indBrnita no estudo do assunto por anos a fio, durante toda uma existkncia, ou do contliirio o fracasso seri certo. Poucas pessoas timid& das qualidades inatas e dos anos de prsidca necesshios para que alguim chegue urn dia a se tornar um excelente d o r de pombos ...

0 s mesmos pdncipios sio seyidos pelos horticulwres;na sua pdtic*, contudo, as variagdes soem ser mais repentinas Niguim seria capaz de supor que nossas produgdes mais seletas teriam um dia surgido subitamente, atravis de apenas uma variagiio sofrida pela espide primitiva. 0 s registros permitem-nos apresentar viri-

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os exemplos que corroboram a suposiqio inversa; a titulo de ilustraqZo, poderiamos lembrar o crescimento das groselhas, que tem sido constante ZI medida que o tempo vai passando. Compmdo-se as gravuras de flores ornamentais feitas h i apenas uns trinta ou quarenta anos com essas mesmas flores conforme as podemos ver hoje em dia, podemos constatar o impressionante desenvolvimento que elas sofre- ram nesse pequeno interval0 de tempo. Uma vez bem estabelecida uma determina.. da raqa de plantas, os cultivadores j i nio sepreocupam em cam os melhores espb cimes, mas Go-somente em arrancar as "desgarradas", como sio chamadas aquelas que se desviam do padriio convendonado. Tambim com os animais 6 observado esse mesmo tip0 de seleqiio, uma vez que dificilmente algum criador seria Go negti- gente a ponto de permitit que seus piores exemplares se reprodmissem.

Com relaqiic is plantas, existe outra maneira de se observarem os efeitos acu- mulados da seleqio: comparando-se a diversidade de flores das diferentes varieda- des de uma espkcie cultivada em jardim, a diversidade de folhas, vagens, rizomas ou seja qual for o item mais imporfante das variedades de uma espicie cultivada em hortas, e cotejando-as comas flores dessas mesmas variedades; e t a m b h a diversi- dade dos hutos de irvores de alguma espkcie cultivada em pomares, e comparan- do-as corn as folhas e flores daquele mesmo conjunto de variedades. As folhas do repolho, por exemplo: veja-se como sio diferentes de uma variedade para outra - j i as flores sZo quase idtnticas. Ou enGo o amor-perfeito: qGo dessemelhantes sio suas flores, e qGo semelhantes siio as folhas.:i nas groselheiras, o huto, conforme o tip0 da planta, difere enormemente em tamanho, coloraqio, formato e pilosidade; entretanto, suas folhas nio apresentam senio ligeiras diferenqas de uma variedade para a outra. Isso nio quer dizer que as variedades que apresentem grandes diferen- qas quanto a determinada parte de sua estrutura nio vio apresenrar nenhuna dife- renqa quanto a outras partes - tal coisa dificilmente ocorreri, se & que ocorre. As leis de correlaqio de crescimento, cuja impor&& nunca poderi set negligenciada, sempre haverZo de acarretar algumas diferenqas paralelas. Como regra geral, po- rim, nio tenho dLvida de que a seleqiio continua de ligeiras variaqGes, seja nas folhas, seja nas flores ou nos frutos, haveri de produzir raqas que se distingam das outras especialmente quanto a uma dessas partes de sua estrutura.

Poder-se-ia objetar que o principio de seleqio s6 foi reduzido a uma pritica met6dica h i pouco mais de t r b quartos de sicdo, tendo sido mais pesquisado apenas nos anos mais recentes, quando muitos tratados foram escritos sobre o as- sunto. S6 ultimamente se alcanqariio resultados ripidos e significativos nesse cam- po. At& d, tudo certo. Mas que t a l prinupio se mate de uma descoberta moderna, nada mais longe da verdade. Eu poderia dm diversas referhcias ao completo reco- nhecimento desse prindpio em obras da mais remota antigiiidade. Mesmo nos pe- riodos mais primitives e bhbaros da Hist6da inglesa h i menqGes a eventuais im- portaqdes de animais de rap, e a leis que foram baixadas para que se evitasse a sua exportaqiio. Em certa ocasiio, ordenou-se que se sacrificassem tsdos os cavalos de um determinado tamanho para baixo - esse procedimento pode bem ser compa- rado corn a "limpeza" das plantas, ou seja, a eliminaq20 das "desgarradas", pelos nossos cultivadores modernos. Numa antiga encidopidia chinesa deparei com o prinupio de seleqZo claramente enunciado. Regras explicitas a esse respeito foram

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formdadas por alguns dos autores cbssicos romanos. Por algumas passagens do Genesis fica-se sabendo que jd naquele tempo havia preocupagio quanto i cor dos animais domisticos. Tribcs primitivas a ~ ~ a i s eventualmente cruzam seus cZes com canideos selvagens, a fim de lhes aprimorar a raga, e tal procedimento 6 antigo, conforme se verifica em certas passagens de Plinio. 0 s selvagens sul-africanos apa- relham suas juntas de bois segundo a cor dos animais; fazem o mesmo os esquim6s com suas matilhas de cHes. Livingstone conta como sZo apreciadas as boas ragas dombticas pelos negros do interior da Africa, mesmo por aqueles que ainda G o tiveram contato corn os europeus. Alguns destes fatos, ainda que nio comprovem a selegHo propriamente dim, pelo menos mostram o cuidado que se tinha com a cri- agHo de animais dom&sticos, tanto no passado remoto, como hoje'em dia at& entre os selvagens mais primitivos. Alih, teria sido muito estranho se nio houvesse essa preocupagZo com o raceamento, sendo 60 evidente o cariter hereditirio das boas e mis qualidades.

Presentemente, os criadores mais importantes es&o tentando, atravis da sele- 520 praticada com mitodo, alcangar o objetivo perspicuo de formar novas linha.. gens superiores i s j i existentes no local. ?ara nosso interesse, contudo, i mais im- portante analisar um tip0 de selegio que poderiamos chamar de a/eafdria: a que resdta do m&todo simples de fazer procriar apenas os melhores exemplares de urn rebanho. Um criador de cZes da ragapointer, por exemplo, naturalmente tenta obter para si os melhores cies dessa raga e faze-10s reproduzir, mas sem aquela intengzo consciente de melhorar a raga, produzindo alteragdes nos descendentes. Indepen-. dente disso, d o te&o dhvida que esse procedimento, mantendo-se inalterivel sB culo ap6s siculo acabari por trazer alteragties e melhoramentos nesses cZes, assim como o conseguiram Bakewell, Collins e outros com seus bovinos, atrav6s desse mesmo processo, apenas realizado mais sistematicamente - estes criadores conse- guiram modificar consideravelmente, dentro do period0 de tempo de sua vida, o talhe e as qualidades de seus rebanhos. Mudangas desse tipo, lentas e impercepti- veis, apenas poderiam ser constatadas atravis de medigdes predsas ou de minudo- sas gravuras de exemplares, feitas desde muito tempo auk, para que se pudessem estabelecer comparagdes. Em a l p s casos, p o r h , podem ser encontrados, esped- almente nas regides menos civilizadas, remanescentes primitivos da raga original, nada ou quase nada modificados e melhorados. H i razio para se acreditar que o cio Eng-char/es, cujo nome prov6m do monarca espanhol Carlos V, da ipoca desse rei at6 os dias atuais tenha sido bastante modificado aleatoriamente. Algunas autorida- des altamente competentes es&o convencidas de que o perdigueiro descende dire- tamente do spaniel, do qual se foi disdnguindo pouco a pouco, atravis de lentas alteragdes. E fato bem sabido que opointer-in& sofreu consideriveis modificagdes durante o s6culo passado, principalmente, segundo se acredita, em conseqiikncia de cruzamentos com o cio que se usa para cagar raposas. No caso dopointer-espanhol, porim, essa mudanga deve ter-se procedido de maneira 60 aleat6ria e gradual - e contudo &o efetiva, - . que essa raga, embora seja certamente proveniente da Espanha, em nada lembra o aspect0 dos cies nativos daquele pais, conforme me asseverou Mr. Sarrow

Atravis de um processo de selegZo semelhante, e mediante um treinamento cuidadoso, todo o plantel de cavalos de corrida da Inglaterra acabou por suplantar

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em veloddade e porte seus ancestrais da raga &be, de maneira que estes, segundo os regulamentos estabeleddos para as Corridas de Goodewood, sZo beneficiados com a perrnissiio de puxar carros mais leves durante aquelas disputas. LordSpencer e outros demonsaaram como o rebanho bovino inglis dos tempos modernos au- mentou em peso e rapidez de desenvolvimento quando comparado com o rebanho pdmidvo do pais. Cotejando-se os dados contidos nos antigos tratados sobre cria- gHo de pombos com os atuais, espedalmente no que se refere aos correios e aos cambalhotas primitives e aos que atualmente se criam na G6-Bretanha, nahdia e na

penso que se podem trapr nitidamente os estigios por que pass- essas aves, numa evolu@o quase imperceptivel, mas que por fim resdtou nas enormes diferengas que hoje em dia apresentam em relagHo 3. pomba-das-rochas original.

Tomamos de Youatt um excelente exemplo dos efeitos deuma seqiikcia de selegZo que pode ser considerada como absoluwente aleatbria, uma vez que os criadores jamais poderiam esperar, ou at6 mesmo imaginar, que iriam obter os re- sultados que obtivelam: a produg20 de duas linhagens distintas. Trata-se de dois rebanhos de ovinos, pertencentes a Mr. Buddey e a Mr. Burgess, os quais, segundo notaYouatt, "descendiam diretamente de um h i c o rebanho, que outrora pertence- ra a Mr. Blakewell pot mais de 50 anos. Entre todas as pessoas ligadas a esse caso nZo existe a minima suspeita de que algum dos rebanhos adquiridos se houvesse desviado da linhagem pura do rebanho de Mr. Blakewell; 60 obstante, as diferen- gas enae ambos era Go flagrante que se diria aa-ar-se de dois plantiis de animais de variedades inteiramente diversas".

Mesmo que haja selvagens Go bkbaros aponto de jamais se terempreocupado com o aprimoramente racial de seus animais domisticos, & daro que todo animal que h e seja particularmente ittil por esta ou aquela razz0 seria cuidadosamente preservado durante os periodos de fome ou de crise, aos quais os selvagens esGo tantas vezes expostos. Esses exemplares assim selecionados deixariam, evidente- mente, uma descendkcia maior que a dos animais menos bem dotados, o que caracteha a existinda de um tipo de selegZo aleat6ria reahada inconsdentemente. 0 s selvagens da Terra do Fogo, durante as ipocas de escassez, matam e devoram as mulheres velhas - por ai vemos o valor que atribuem a seus animais, pois nessas ocasides eles nHo matam seus cZes, mostrando a quem ambuem maior valor.

Entre os vegetais tambim i praticado o mesmo process0 de aprimoramento gradual, atraves da preservagZo addental dos melhores exemplares, sejam ou niio sufidentemente caractedsticos para que se possa consideri-10s como variedades distintas quando de sua primeh aparigiio, e sejam ou nHo o resultado dos cruza- mentos entre duas ou mais espides ou ragas. Pode-se verificar perfeitamente esse fato comparando-se as atuais variedades de amor-perfeito, rosas, d&s, gerhios e outras plantas, com as variedades mais antigas, ou com as plantas silvesaes que as origin-. N inguh esperaria que um amor-perfeito ou uma diZa iguais aos de um jardim brotassem da semente de uma planta silvestre. Igualmente nZo se pode- ria obter uma bela pira suculenta da semente de uma pereira silvestre, a nZo ser que se tenha a sorte de encontrar no campo alguma pereira cuja semente tenha provin- do de uma pira cultivada. Embora j6 plantada na 6poca dissica, a pka, pel0 que se deduz dos escritos de Plinio, seria enGo m a fruta de qualidade bem inferior. 0 s

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estudiosos de horticultura mostram-se bastante surpresos quando constatam a ex: traordiniria habilidade dos horticultores, que conseguiram resultados tZo esplindi- dos partindo de materiais t5o pobre como esse. Seu mitodo, p o r h , nZo tenho a menor drivida de que tenha sido bemsimples e, no que concerne ao produto final, que este se renha alcangado de maneira quase aleatbria. Consistiu o mitodo em sempre cultivar a melhor variedade conhedda, disseminando suas sementes e, t5o logo o acaso hesse surgir alguma variedade algo melhor, selecioni-la - e assim se foi fazendo. 0 s plantadores da ipoca dhsica, embora se empenhassem em seled- onar e cultivar seus melhores exemplares, jamais poderiam supor como se tornaria excelente o furto que hoje degustamos. Quanto a n6s, devemos nossas excelentes pEras modernas h sua padencia em escolher e preservar as melhores variedades que porventura encontrassem.

As enormes modificagdes sofridas por nossas plantas cultivadas, as quais se foram nelas acumulando de maneira lenta e aleatbria, creio que explicam o bem conheddo fato de que, num amplo niunero de casos, nZo saibamos reconhecer - ou, em outras palavras, desconhegamos quais sejam - os ancestrais silvestres das plantas h i longo tempo cultivadas em nossos pomares, hortas e jardins. E se foram necessirios siculos, ou mesmo mil$nios, para que essas plantas se modificassem e fossem sendo aperfeigoadas at6 alcangar seu atual p a w 0 de utilidade para o ho- mem, isso nos faz compreender por que certas regides como a Austrilia, o Cabo da Boa Esperanga ou outras, habitadas por mbos afastadas da dviliza~Zo, nZo nos tenham forneddo sequer um vegetal digno de ser cultivado. NZo que essas regides, embora t5o ricas em espicies, nZo disponham de possiveis ancestrais de plantas liteis para o homem, em razZo de algum infeliz acaso - o que acontece 6 que suas plantas nativas ainda nZo foram aperfeigoadas, atravb da selegZo metbdica, a ponto de alcangar um estigio de perfeigZo comparivel ao antigo pelas plantas evistentes nos paises de civilizagZo antiga.

Com respeito aos animais dombticos criados por homens nZo civilizados, nZo se deve esquecer o fato de terem quase sempre de lutar para conseguir seus prbprios alimentos, pel0 menos durante determinadas estagdes. E, em dois locais de ambientes bem distintos, os individuos da mesma espide que porventura apresentem ligeiras alteragdes em sua constituigZo ou estrutura eventualmente poderZo adaptar-se me- lhor a este ou iquele local; assim, por um process0 de "selegZo natural", que dentro em pouco explicaremos mais completamente, pode ser que se formem duas sub- ragas. Isso talvez explique em parte algo que tem sido observado por diversos autores, isto 6, que as variedades dos animais uiados porpovos selvagens guardam mais suas caracteristicas espedcas do que as variedades criadas nos paises dvilizados.

Dentro do nosso ponto de vista sobre o papel fundamental exercido pela sele- gHo realizada pel0 homem, torna-se entZo evidente o porque de nossas ragas do- misticas apresentarem adaptagdes estruturais ou comportamentais condidonadas aos nossos desejos ou caprichos. Creio que corn isso podemos compreender me- lhor o cariter freqiientemente anormal de nossas ragas domisticas, e entender por que tais diferengas sZo t50 consideriveis quanto aos aspectos internos e tZo pouco significativos quanto h estrutura interna. E muito dificil para o homem, quase im- possivel, seledonar qualquer desvio estrntural que nZo 0s externos, porquanto visi-

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veis, donde nossos raros cuidados com o que se rehra i parteinterna do animal ou da planta. Ademais, o homem nZo possui o poder de selecionar senZo aquelas vari- ag6es que h e sZo fornecidas incipientemente pela natureza. Niguim poderia se- quer tentar "cria? um rabo-de-leque antes de ver um pombo que apresentasse a cauda levemente desenvolvida de maneira incomum, nem "inventar" um papo-de- vento antes de ver um pornbo com o edfago ligeiramente dilatado. Quanto mais anormal ou incomum for a caractedstica observada pela primeira vez, mais essa caractedsticairi chamar-nos a atenPo. Por isso, empregar-se a expressio "vou ten- tar criar um rabo-de-leque" parece-me, na maior parte das vezes, indubitivel e ab- solutamente incotreto. A pessoa que selecionou pela primeira vez um pombo dota- do de cauda ligeiramente maior jamais teria sonhado no que se tornariam os des- cendentes daquela ave, atravis do prosseguimento daquela selegHo, conseguida par- te de maneira aleatdria, parte de maneira metddica. Pode ser que o ancestral de todos os rabos-de-leque possuisse apenas quatorze penas caudais algo maiores, como o atuai rabo-de-leque-javanis, ou como os individuos de ouaas ragas distintas de pombos, nos quais se podem contar dezessete penas caudais. Talvez o primeiro papo-de-vento nHo fosse capaz de inchar senio a parte superior do esbfago, assim como o faz o gravaiinha - . e esse hibito, nesta liltima variedade, constimi apenas . , uma peculiaridade sua, nio recebendo maior atengHo por parte dos columbdiilos, ;a que nHo se trata de um de seus tragos marcantes.

NZo se v i pensar, p o r h , que somente um desvio estrutural considerive1 seria capaz de atrair a atengZo de um criador de pombos: ele percebe as diferengas mais insignificantes, e esti na prdpria nameza humana apreciar qualquet novidade, por menor que seja, nas coisas que h e pertencem. Igualmente nZo se v i imaginar que o valor ambuido i s diferengas surgidas outrora nos individuos da esp6cie fosse o mesmo que hoje se lhes ambui, agora que as diversas ragas j6 foram daramente estabeleddas. Muitas diferengas ainda soem surgir entre os pombos, mas tim sido rejeitadas como falhas ou desvios do padrZo de perfei@o convendonado para cada raqa. ji o ganso comum nZo tem dado origem a qualquer variedade bem distinta, e 6 por isso que ele tem sido apresentado em nossas exposiq6es de aves juntamente com o touLouse, como se se tratasse de variedades propriamente ditas, quando a diferenga entre ambos reside apenas na cor, que 6 o mais e fhe ro dos caracteres.

Creio que esses exemplos t a m b h confirmam algo que se costuma dizer: nada sabemos sobre a origem ou o desenvolvimento histdrico de nossas ragas animais domisticas. Efetivamente, uma raga, do mesmo mod0 que um dideto, muito difi- dlmente possui uma origem definida bem conhecida. 0 homem preserva e faz multiplicar os descendentes de urn individuo que possua algum desvio estrueaal ligeiro, assim como toma .um cuidado maior que o habitual em cruzar seus melho- res exemplares, fazmdo com que estes apurem sua raga Esses exemplares melho- res vio-se espalhando aos poucos pelos arredores de sua origem. Nesse estigio, porim, dificilmente se lhes teria sido ambuido alpn nome que os distinga dentro do conjunto. Sendo assim 60 poucovalotizados, sua histdrialogo seri esquecida. A medida que esse tipo se vai aprimorando por meio desse process0 lento e gradual, seus descendentes se espalham numa irea cadavez mais ampla, e aquele tipo come- gari a ser considerado distinto e valioso, podendo en60 receber pela primeira vez

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uma denominagio ligada i sua irea de ocorr2nda. Nos paises semidvilizados, onde as comunicagdes sHo precirias, a difusiio e c conhecimento de qualquer sub-raga nova constitu$i urn processo muito lento. Tio logo sejam completamente conhed- das as caractensticas mais estimadas da nova sub-raga, dai em diante comegari a a& o prinupio que denominei "selegHo aieat6ria9', aeandc de maneira mais efetiva em determinados periodos, conforme aquele tip0 de animal esteja ou xGo em moda, e talvez mais nesta ou naquela regiHo, conforme o estigio de dvilizagiio de seus moradores, mas sempre lentamente, fazendo com que se acentuem pouco a pouco as caracteristicas peculiares daquela raga, quaisquer q.Je sejam elas. Desse modo, i sempre minima a possibilidade de que se preserve a l p registro dessas alteragdes 60 lentas, 60 diversas e 60 imperceptiveis.

Agora dirernos algumas palavras a respeito das drcunstincias suscetiveis de fa- vorecer ou estorvar a capacidade humana de selegio. iJm alto grau de variabilidade consdtui uma drcunstinda obviamente favorivel, j i que propicia o surgimento dos elementos necessslrios ao prosseguimento da selegHo. Isso nHo quer dizer que as meras diferengas individuais nHo sejam amplamente sufidentes para inidar o pro- cesso, desde que se aja com extremo cuidado, a fim de dirigir a acumulagio de determinados tipos de modificagdes para onde cper que se queira. Todavia, como as variagdes indubitavelmente riteis ou estiticas s6 aparegam ocasionalmente, a pro- babilidade de seu surgimento seri tanto maior quanto mais numerosos forem os individuos da espicie criada. Portanto, o fator nrimero de individuos 6da maior impor- &cia para que esse processo seja bem sucedido. Foi baseado nesse prinupioque Marshal fez a seguinte observa~Zo a respeito dos carneiros criados em certos locais de Yorkshire: ''Eomo esses &mais g~ralmente pertencem a individuos pobres, constimindo na maior pa te das vezes rebanhospequenos, nunca podem ser melhora- dos". ?or outro lado, os edtivadores profissionais, pelo fato de lidarem com grande n h e r o de exemplares da mesma planta, sHo via de regra mais bem sucedidos que os amadores em obter variedades novas e valiosas. A uiagio de grande n h e r o de indidduos num determhado local exige que sejam colocados sob condigdes de vida favoriveis, de mod0 a sc reproduzirem livremente. Quando sio raros os indi- dduos de uma espide, todos, quaisquer que sejam suas qualidades, serZo lwados a reproduzkse, o que impediri efetivamente a selegHo. 0 item mais importante de todos, certamente, i que o animal ou planta possua grande udidade para o homem, ou que, por alguma razio, seja grandemente apredado, de maneira que o minimo desvio nas qualidades ou e s t r u m de cada indidduo receba a mais acurada atengHo. Nada se alcangar; se tal atengHo nHo for dispensada. Quantas vezes escutei comen- tar que foi uma coincidenda muito feliz que o morango tivesse comegado a variar justamente quando os cultivadores comegaram a tratar corn maior cuidado dessa planta ... Nio h i drivida de que os morangos sempre variaram desde que foram cultivados, mas ninguim dava atengHo is pequenas variagdes que eles por certo apresentavam. Contudo, Go logo os cultivadores passaram a escolher os melhores exemplares,,dotados de frutos maiores, rr.elhores e de desenvolvimento mais pre- coce, cultivando apenas suas sementes, e repetindo esses procedimentos a cada nova geragio de plantas, en&o comegaram a surgir (contando ainda corn a ajuda de eventuais cruzamentos com espides diferentes) aquelas admiriveis variedades de morangos que se desenvolveram durante os ~ 3 ~ 0 s trinta ou quarenta anos.

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Prancha K Foca

No caso de animais que sio separados por sexo por seus criadores, a facilidade de se impedirem os cruzamentos 6 ponderivel fator de sucesso para a formagio de novas ragas - pelo menos numa regiHo que j i dispde de ouuas. Nesse particular, o maior ou menor isolamento do local representa urn papel importante. 0 s selvagens nBmades ou os habitantes-das plm'des abertas raramente possuem mais do que uma raga de cada espide. 0 s pombos podem formar casais fixos, e isso i altamente conveniente para o criador, pois assim muitas ragas podem ser preservadas puras, embora coabitando no mesmo pombal. Essa drcunstinda deve ter favoreddo enor- memente o aprimoramento e a formagio de novas ragas. Devo acrescentar que os pombos se multiplicam em grande niunero e muito rapidamente, e que os exempla- res inferiores podem ser sacrificados sem problemas, de vez que podem servir de alimento. Por outro lado, os gatos, em razio de seus hibitos noturnos perambulantes, nio podem formar casais fixos. Assim, embora esses animais sejam tZo apredados pelas mulheres e pelas criangas, 6 difid veri6car a formagio de uma raga distinta. As ragas felinas que vemos sio quase sempre impor&das de outros paises - e, muitas vezes, de paises insulares. Embora eu nio duvide de que alguns animais dombticos variem menos do que os ouuos, contudo a raridade ou a ausenda de ragas distintas de gatos, asnos, pavGes, gansos, etc possa sex ambuida ao fato de nio se ter procedido i sua selegio; no caso dos gatos, pela dificuldade de manter os casais fixos; no dos asnos, pel0 seu pequeno niunero, pois trata-se de um animal criado geralmente por pessoas pobres, que pouca atengo dispensam ao raceamento desses animais; no dos pavdes, pela dificuldade de se &em tais aves em niunero consideriwel; no dos gansos, por s4 haver duas motivagdes para a sua criagio: a came e as penas - e, mais espedalmente, peio desinteresse em se desenvolver - . alguma nova raga dessa vez.

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Resz~mo do que se disse sobre a origm das raps domhstrcas de nossos animais e uegetais

Acredito que as condiq6es de vida, em razHo de sua influencia sobre o sistema reprodutor, sejam de fato altamente importantes quanto i produqio de variabilida- de. Quanto a esta, nio creio que constima uma contingincia necessiria e inata, que ocorra em qualq~er drcunsthcia em todos os seres organizados, conforme ahrma- ram alguns autores. Seus efeitos sio alterados pelos diversos graus de hereditarieda- de e regresszo. Alim do mais, a variabiidade i dirigida por diversas leis desconheci- das, especialmente pela de "correlaqzo de cresdmento". Pode-se ambuir alguma influincia i aqzo direta das condi~des de vida. Alguma tambim ao fator uso-e- desuso. Assim, o resultado final6 infinitamente complexo. Em a l p s casos, 40 duvido de que o entrecruzamento.de espicies originariamente distintas tenha de-

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sempenhado importante papel na formagiio de nossas produg6es dombticas. 3ma vez que em algum local jB se. tenham estabeleddo diversas ragas dombticas, seu entrecruzamento ocasional, com a ajuda da selegiio, sem dirvida deve ter contribu- ido bastante para a formaqiio de novas sub-raps. Acredito, p o r h , que a impor&- da do cruzamento de variedades tenha sido grandemente exagerado, no que se concerne tanto aos animais, quanto is plantas propagadas por sementes Nas plantas que se reproduzem por meio de mudas, brotos, etc, a impombaa dos cruzamentos entre espides e enue variedades i enorme, pois neste caso o cultivador despreza inteiramente a extrema variab'idade dos vegetais h%ridos e dos emertados, assim como a fieqiiente esterilidade dos h%ridos Todavia, os casos de plantas &o propaga- das por sementes pouco nos importam, j i que sua duragZo i mmeramente temporsiria. Acima de todas essas causas devariagZo, estou convenddo de que a a@o acumulativa da Selegiio, seja aplicada metodicamente, com resultados ripidos; seja aleatoriamente, com resultados mais lentos, constirua efetivamente o Fator predominante.

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Vhiabibdade - . Difanfiu individuou - Espdies duyidosas - As espdies gue ttim maior hbito, d$usdo e freguinia 120 as gue mais wnam - . Em gualguer brad as espdies dosgZneros mais ncos uatiom mais que as dasginems maispabra - - M u i h dm espies dorge neros mais ricosparecem wriedade~ por se inter-re&onarem intimumente, ainda que de modo dengua4 eporpossuirem bobitat reshita

ntes de aplicarmos aos seres organizados que vivem em estado nativo os A principios aos quais chegamos no capitulo precedente, vainos discutir bre- vemente se esses seres estariiam o- nZo sujeitos a algum tip0 de variagZo. Se

quisessemos tratar esse assunto de maneira cabal, teriamos de fornecer aqui um extenso catilogo de fatos iridos e cansativos, que prefedmos deixar para a obra que pretendernos um dia publicar. T a m b h nZo pretendemos discutir aqui as diversas detinigdes que j i foram dadas quanto ao term0 "espicie". Nduma satisfaz a to- dos os naturalistas, embora todos saibam vagamente o que querem dizer quando se referem a uma espCcie em particular. De mod0 geral, o termo traz dentro de si o conceito desconhecido de um ato criador distinto. ;3e mod0 quase idhtico, tam- bkm o termo "variedade" 6 bem dificil de se de6nir, mas neste j i se subentende quase universalmente a id&a de descendencia comum, embora tal conceito rara- mente possa ser comprovado. Temos t a m b h as chamadas "monstruosidades", mas essas nHo passam de gradagdes das variedades. Presumo que as rnonstruosida- des se referiam a desvios consideriveis de conformaqZo desta ou daquela parte de um organismo, que seja ou nociva, ou pelo menos inritil para a espCcie, e que, de mod0 geral, nZo 6 propagada. A l p s autores empregam o termo "variagZoio" em sentido ticnico, implicando numa modificagZo devida diretamente i s condigdes fisicas de vida. Nesse sentido, i de se supor que as "variagdes" nZo sejam heredithi- as. Todavia; quem pod& ahmar que em certos casos nZo seriam hereditirk, pelo menos durante umas poucas geragdes, certas caractedsticas, como o nanismo, peculi- ar is plantas dos cumes aloinos. ou as dimensdes menores das conchas existentes nas - . Bguas salobras do Biltic9, ou as pdes mais espessas dos anirnais das regides &ticas? E presumo que, nesses casos, tais formas sejam chamadas de "variedades".

H i ta&bim diversas diferenqas pouco expressivas quepodem ser denominadas "diferengas kdividuais", quais sejam aquelas que costumam aparecer com certa freqii&ncia nos descendentes de um mesmo casal, cu aquelas presumivelmente ad- $ridas, visto serem freqiientemente observadas nos individuos da mesma espicie que vivem em determinada kea isolada Ningub iria supor que os individuos de uma determinada espCde fossem absolutamente id&ticos, como se tivessem sido fundidos num h i c o molde. Essas diferenqas individuais sHo muito importantes paran6s, umavez que fornecem "sugestdes" do q'ae poderia ser acumulado atravis

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da selegiio natural, de maneira idintica i que i feita pelo homem, que pode acumu- lar em qualquer diregiio as diferengas individuais de suas produgaes domisticas. Essas diferengas individuais geralmente afetam aquelas partes que os naturalistas consideram secundsldas: nio obstante. eu ode ria demonstrar. atravb de um exten- , . so catdogo de fatos, que ccrtas partes do organismo rfetivamente importantes, sejn do ponto de vista fisiol6gico. seia do ponto de vista da classificaqiio, eventualmentc . . podem variar em indivi&~os d; uma-determinada espide. Estou certo de que os naturalistas mais experientes ficariam surpresos com o niunero de casos de variabi- lidade ati mesmo em partes estruturais importantes. Tais dados poderiam ser colhi- dos de fontes fidedignas, pois foi assim que os consegui, pesquisando durante um bom niunero de anos. Ressalte-se que os espeualistas em taxionomia estZo lcnge de admitir a ocorrhda de variabiidade quanto is caracteristicas efetivamente impor- tantes, e que nio existem muitaspessoas dispostas a se empenhar diligentemente em examinaros 6rgios internos mais importantes de muitos exemplares de mesma espide, e depois compaxi-10s entre.si. Eu nunca poderia imaginar que as ramifica- @es dos nervos principais situados junto do grande ginglio central de um.inseto fossem variiveis dentro de uma ~ c a espide; o miximo que eu poderia esperar i aue as modificacaes dessa natureza se efetuassem lenta e cradativamente. Recente- " mmte, contudo, 1Ir. Lubbock demonsuou a ocorrinda de urn certo gnu de varia- biidade ncsses nervos principais em individuos do ~Pnero C o c ~ s , produzindo difc- rengas quase compaxiieis que se podem obse- nas ramific~g~es irregulares dum tronco de b o r e . Devo acrescentar que esse naturalism-fil6sofo t a m b h de- monstrou h i pouco que os mmisculos das larvas de certos insetos estZo longe de ser uniformes. 0 s autores is vezes caem num drculo vicioso ao sustentar que os 61- @os importantes jamais vadam, pois, por assim dkzer, praticamentedassificam como sendo importantes apenas os que 1120 sio suscetiveis de variagio - uns poucos naturalistas me confess- isto corn toda a honestidade. Dentro desse modo de pensat, jamais se poderi encontrar um exemplo de variagiio em a l y n a parte im- portante do organismo. Sob outros enfoques, p o r h , muitos exemplos certamente podefio ser apresentados.

H i um pormenor relacionado com as diferengas individuais que me parece ex- tremamente desconcertante: estou-me refedndo Zlqueles gheros eventualmente designados por "proteiformes" ou "polimorfos", nos quais as espides apresentam um desmesurado volume devariagio. No que se refere a esses gtneros, dificilmente se encontrariam dois naturalistas que concordassem quanto is formas que deveri- am ser classificadas como espides ou como variedades. Poderiamos dtar como exemplos os gtneros Rubur, Rosa e Hierahum, entre as plantas, d i m de diversos insetos e de braqui6podes dotados de conchas. Na maior pa te dos gineros polimorfos, algumas espides possuem caracteristicas fixas e bem de£inidas. Ghe- ros quc sio polimorfos num local t a m b h serio polimorfos em outros locais de ocorrhda, salvo uma ou ouua excegiia 0 mesmo se pode dizer quanto ao presen- te e ao passado, pelo que se deduz da comparagiio entre os braqui6podes atuais e fbsseis. Disse que se tratava de fatos desconcertantes porque parecem mostrar que td tipo de variabilidade independe das condig6es de vida. Estou inclinado a suspei- tar que tais variagaes afetam partes da estrutura que tanto faz para a espide se

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forem alteradas ou nio; por conseguinte, tais modificaq6es nZo foram ainda adotadas e confirmadas definitivamente pela SeleqZo Natural, conforme em breve explicaremos.

As formas mais importantes para n6s, sob diversos aspectos, siio aquelas que possuem em grau considerivd o cariter de espides, embora sejam 60 semelhantes a outras, ou 60 ligadas a elas por imperceptiveis gradas6es intermediirias, que os naturalistas preferem nZo classifici-las como espides distintas. Temos todo motivo para acreditar que muitas dessas formas duvidosas e &s tenham conservado per- manentemente seus caracteres em seus locais de ocorrinda. Assim sendo, nZo ve- mos por que nZo poderiam ser. consideradas como espicies ledtimas. Na pritica, quando um naturalists i capaz de interligar duas formas atraves de uma sucesdo de exemplares intermediirios, ele passa a considerar uma delas como sendo variedade da outra, dassificando como tipicas da espide as caracteristicas da forma que seja mais comum, ou enGo da primeira que ele descreveu - a outra, portanto, fica sendo a variedade. Mas h i casos - e prefiro nZo enumer;i-10s aqui - de grande dificuldade para se deddir qual das duas formas deveria ser considerada como vari- edade da outra, mesmo quando hi uma nitida corrente de elos intermediirios entre os dois casos extremes. E nem sempre a presumivel natureza hiirida desses elos intermedisirios irsi eliminar essa dificuldade Hi, todavia, numerosos casos nos quais uma forma i classificada como variedade da outra, niio porque tenham sido encon- trados seus dos intermediirios, mas porque a analogia leva o observador a supor que tais elos devam existir, seja onde for, ou ter existido outrora. Com isto se escancaram os portais da drivida e da suposi~iio.

Portanto, para se determinar se uma forma deve ser dassificada como espide ou como variedade, o h i c o critirio a se seguir parece ser o de se aceitar a opiniiio dos naturalistas mais experientes e sensatos. Em muitos casos, porim, teremos de saber o que pensa a maioria dos naturalistas, pois siio poucos os exemplos de vari-

' edades bem caracteristicas e conbecidas que nZo tenham algumavez sido classifica- das como espides legidmas por estes ou por aquele autor conceituado.

E fora de discussZo que tais variedades de natureza duvidosa estejam longe de serincomuns. Comparemos as floras 60 diversas da GrZ-Bretanha, da Franga e dos Estados Unidos, estudadas por diversos bothicos, e veremos como i surpreenden- te o niunero de formas que foram classificadas por um deles como sendo espides propriamente ditas, e por outro como meras variedades. Mr. H. C. Watson, a quem devo gratidzo pprfunda por todo dpo de ajuda, relacionou para mim 182 vegetais que ocorrem na GrZ-Bretanha e que sZo de mod0 geral considerados como varie- dades, mas que certos bothicos preferiam dassificar como espides. Ao elaborar tal lista, ele omitiu diversas variedades insignificantes, mas que tambim se enqua- dram no mesmo'caso, d i m de deixar inteiramente de lado diversos gineros alta- mente polimorfos. Quanto aos gineros, incluindo entre estes as formas mais polimorfas, Mr. Babington relacionou 251 espicies, enquanto que Mr. Bentham s6 reladona 112 - uma diferenqa de 139 espides duvidosasl Entre os animais que nZo formam casais has, dotados de alta mobilidade, raramente se podem encon- ear, dentro de uma determinada regiZo, formas duvidosas, ou seja, que tenham sido classificadas por um zo6logo como espide e por outro como variedade; todavia, tal

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fato i comum quando se trata de L-eas separadas. Quantas aves e insetos que ocor- rem tanto na Amirica do Norte como na Europa, diferindo ligeiramente entre si, j i nio foram dassificadas por a l p eminente naturalists como espides incontesti- veis, e por outro como variedades, ou, csmo sio muitas vezes chamadas, "ragas geo@casl" H i muitos anos ahs , comparando e vendo outros compararem as aves das Ilhas Galipagos, qJer as existentes em duas ilhas bem distantes, quer as dos conjuntos do arquipilago e as dc continente sul-americano, fiquei surpreso ao ve&car como i vaga e arbitriria a distingio entre espides e variedades. Nas illlotas do pequeno arquipaago da Madeira h i vbios insetos que foram dassificados como variedades na admirivelobra de Mr. Wollaston, mas que indubitavelmente seriam considerados como espides por muitos entomologistas. At6 mesmo a Irlanda pos- sui alguns animais que hoje sio considerados como vadedades, mas que h i a l p tempo foram dassificados como espides por muitos zo6logos. Diversos ornitolo- gistas altamente experientes consideram o galo-silvestre vermelho da Gri-Bretanha apenas como uma raga muito caractedstica da espide norueguesa, enquanto que a maior parte dassifica essa ave como uma espide britinica peculiar. Uma grande disthda entre os habitats de duas formas duvidosas leva muitos naturalistas a dassifici-las como espides distintas; mas eu pergunto: que disthcia seri necessiiria para que assim se proceda? A disthda entre a Amzca e a Europa i sufidente, mas que dizer da disthcia entre o ~ 0 n ~ e n t e e certas ilhas come os Agores, a Madeira, as Canbias ou a Irlanda? Temos de admitir que diversas formas consideradas como variedades por j h e s altamente competentes possuem caractedsticas especificas tZo cabais que sio dassificadas como espides legidmas e hcontesdveis por outros jllizes igualrnente competentes. Mas seria trabalho perdido discutir a validade des- ses julgamentos antes de se chegar a um consenso quanto is definigdes dos termos "espide" e 'bariedade".

Numerosos casos de variedades bem-definidas ou de espides duvidosas por certo merecem nossa atengio, uma vez que vbias linhas de argurnentaqio muito interessantes, referentes i distribuiqio geogrhfica, i s variagdes de analogia, ao hidridismo, etc., t&n sido desenvolvidas no intuit0 de se determinar sua dassifica- $20. A esse respeito, quero apresentar um h i c o exemplo bem conheddo: o de dois tipos de primulas, a PdmuJaveris e a Pninukz elatior. Essas plantas diferem considera- velmente em aspecto, possuem sabor e aroma inteiramente &versos, florescem em ipocas ligeiramente diferentes, crescem em ipocas do ano algo distintas, e cada qual tem seu nivel aldmimco de sobreviv&ncia e seu imbito geogrifico pr6prio; para encerrar, Gartner, um dos mais meticulosos pesquisadores dessas plantas, ob- servou, ap6s numerosissimas experiindas levadas a cabo durante um bom niunero de anos, que 6 bastante dim entrecruzi-las. Teriamos de ser muito exigentes para querer urn melhor exemplo de duas formas tZo espedicamente dishtas. Ressalte- se, p o r h , que elas sio interligadas por diversas formas intermediirias, sendo de se duvidar que tais elos sejam hidridos. A l h disso, tenho conhecimento de evid2ndas esmagadoras demonstrando que ambas descendern de ancestrais comuns, devendo por isso ser consideradas como variedades.

A hvestigagio cuidadosa, via de regra, leva os naturalistas a um consenso quan- to i classificagio das formas duvidosas. Devo confessar, contudo, que 6 nos paises

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mais estudados que encontramos o maior n h e r o de formas de dassificag50 duvi-. dosa. Uma coisa que me inmga bastante i o fato de que qualquer animal ou vegetal silvestre que apresente grande udidade para o homem, ou que h e atraia a ateng5o por qualquer motivo, possua variedades espalhadas por quase todo o mundo. Tais variedades, por sua vez, s5o frequentemente dassificadas por certos autores como espicies. 0 carvalho comum, por exemplo, como j i foi estudado! N5.o obstante, h i um autor alem5.0 que distingue doze espicies dessa &ore, as quais s5o geralrnente consideradas por outros como sendo variedades. Nesse mesmo pais h i grande di- vergknda entre os mais eminentes estudiosos de Bothica e os entendidos priticos quanto a esse assunto, a respeito de se os carvakos sbseis e os pedicelados seriam espicies distintas ou meras variedades.

Quando um naturalists novato inida o estudo de umgrupo de organismos que at6 enGo h e era inteiramente desconheddo, a prinupio fica bastante emharagado para determinar as diferengas que caracterizariam. as espides ou as variedades, j i que desconhece inteiramente os valores quantitativos e. qualitativos das variagdes que ocorrem dentro daquele grupo. Isso serve pdo menos para mostrar como 6 generalizada a ocorrtnda de variagdes. Mas se suas obsemagdes se lirnitarem a uma certa dasse existente dentro de determinada irea, ele logo chegari a uma condus5.0 acerca de como dassificar a maioria das formas duvidosas. Atendenda normal sed a de distinguir muitas espides, pois a pessoa ficari impressionada, da mesma ma- neira que os criadores de pombos ou de frangos dos quais h i pouco falamos, com o volume de diferengas existentes em outras ireas; se soubesse disso, teria condigHo de corrigir sua impress50 inidal. A medida que esse observador for ampliando o alcance de suas pesquisas, iri deparando com novos casos de dificuldade, pois cada vez encontrari mais e mais formas afins. Depois de algum tempo, ele por fim estari capahtado a chegar a suas pr6prias condusdes quanto &.formas que deveri consi- derar espides ou variedades -mas isso s6 depois de admitir muita variag5.o para cada espide, fazendo com que suas condusdes sejam muitas vezes contestadas por outros naturalistas. Se ele, d i m disso, tambim chegar a estudar as formas afins oriundas de ireas hoje descontinuas, e nesse caso h e seri bastante dim encontrar os elos intermediirios entre as formas duvidosas, seu critirio de classificaq5.0 teri de se esmbar qcase inteiramente na analogia entre essas formas, e ai suas dificulda- des h5o de chegar ao auge.

Certamente ainda n5o se estabeieceu uma linha de demarcag50 dtida entre as espides e as subespicies - isso i, aquelas Kormas que, na opini5o de a l p s natu- ralistas, estariam perto de se algar i categoria de espides, - assim como n5.0 se estabeleceu o limite predso entre as subespicies e as variedades bem caractedsticas, ou entre as variedades menos pronundadas e as diferengas individuais Essas dife- rengas se interpeneuam em gradagdes imperceptiveis, podendo levar-nos a imagi- nar que se trate de genuinas transig6es.

E por essa raz5o que as diferengas individuais, no meu mod0 de pensar, embora apresentem pequeno interesse para os taxonomistas, s5.o para n6s altamente impor- tantes, uma vez que constituem o primeiro passo para a formag50 de variedades indpientes, passo este fio curto que sua meng5.o n5.o i considerada necessiria se.. n5o nos trabalhos de -%st6ria Natural. E quanto is variedades dotadas de caracte-

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dsticas mais distintas e permanentes, encaro estas como os passos que levarzo is variedades mais marcadas e &as, e estas, por sua vez, como gradagdes para as subespicies e para as espicies. A transigio de um certo estigio para outro superior pode em certos casoq dever-se meramente i a@o condnua e prolongada de dife- rentes condigdes fisicas em dvas regides distintas. 3 e minha parte, contudo, nZo creio muito nessa id&, ambuindo antes a transigiio de uma variedade, do est5gio inicial, em que apresenta diferengas muito pequenas em relagio ao seu ancestral, para um estigio em que essas diferengas estruturais orientadas em determinadas diregdes, conforme explicaremos melhor dentro em pouco. Por isso, acredito que m a variedade. bem caractedstica possa ser corretamente considerada como uma espide indpiente, mas a validade dessa idiia seri julgada corn base na maior ou menor ponderabilidade dos argumentos e fatos apresentados nestaobra.

Nio hi necessidade de se supor que todas as variedades ou espicies incipientes forgosamente haverlio um dia de algar-se i categoria de espicies. Elas poderlio tor- nar-se extintas enquanto ainda estiverem nesse estigio indpiente, bem como poderzo manta-se como variedades durante longo espago de tempo, conforme o demonstrou Mr. Wollaston no caso das variedades se certos moluscos terrestres f6sseis da Ilha da Madeira. Se m a variedade se desenvolvesse a ponto de superar em quantidade a esoicie ~dmitiva. assa aria en60 a sex considerada como es~ide . e sua ancesd como

L .. . . variedade dela Tanto pode acontecer que a variedade suplante e extermine a espide original, como que ambas venham a coexistir, sendo en60 dassificadas como espiu- es &dependentis. Mais tarde teremos de retirnar a esse assunto.

- Pelo exposto, ve-se que consider0 o termo "espide" como uma palavra muito

conveniente, aplicada arbitrariamente a um grupo de individuos bastante parecidos entre si. "Espicie" nio difere essencialmente de "variedade", palavra aplicada is formas menos distintas e mais instiveis. Tambim esse dtimo termo, em relagio das meras diferengas individuais, i aplicado arbitrariamente, em mi0 de simples con- veniencia pritica.

Levado por consideragbes tebricas, julguei que se pudessem obter resultados interessantes corn respeito i natureza e i s inter-relagbes das espides que apresen- tam maior variagio, elaborando tabelas de todas as variedades encontradas nas di- versas floras muito pesquisadas. A tarefa pareceu-me fidl, a pdncipio, mas Mr. H. C. Watson, a quem tanto devo pelos preciosos consehos e pela assistencia que me prestou a este respeito, logo me convenceu de que tal trabalho encontraria pela frente diversas dificuldades, o que me foi confirmado posteriormente pelo Dr. Hooker, em termos ainda mais enirgicos. Deixo a discussio dessas dificuldades e as tabelas dos n h e r o s proporcionais das espides variantes para minha futura obra. 0 Dr. Hooker deu-me licenga de acrescentar que, ap6s ter lido cuidadosamente meus manuscritos e examinado as tabelas que preparei, considerou que as afirma- gdes que se seguem es6o corretamente estabelecidas. Este assunto, que aqui somos obrigados a tram com grande concisio, i algo complicado, e nio pudemos deixar de fazer mengiio a certas questdes como a "luta pela exist6ncia", a "divergincia dos caracteres" e outras que em breve serio discutidas.

Alphonse de Candolle e outros demonstraram que as plantas possuidoras de habitat amplo geralmente apresentam variedades, e isso 6 bastante compreensivel,

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j i que elas esGo expostas a uma diversidade de condig6es Bsicas, tendo de competir (circunsthcia ainda mais importante, conforme em seguida veremos) com diferen- tes grupos de seres organizados. Meus quadros mostram, d i m disso, que, em qual- quer regiiio isolada, as espides mais comuns, ou.seja, as que possuem maior nhne- ro de individuos, e as espides mais amplamente difundidas em suas ireas de ocor- rinda, devendo-se distingui-la at6 mesmo da simples freqiitncia), i s vezes diio ori- gem a variedades sufidentemente caractedsticas para serem mendonadas nos tra- balhos de Botinica. Portanto, as espides que mais freqiientemente produzem vari- edades bem caracteristicas, variedades que consider0 antes como espides indpientes, sZo exatamente as mais florescentes, as espicis dominantes, conforme t a m b h se pode chami-las - ou seja, as de ireas de ocorrincia mais amplas, as mais difundidas dentro de seu pr6prio habitat, as de maior niunero de individuos. Talvez isso j i fosse de se esperar, uma vez que as variedades, a fim de se torprem permanentes,' teriio necessariamente de competir com os outros habitantes do local, e desse mod0 as espides que j i siio dominantes tenderiio mais a produzir descendentes que, em- bora modificados ligeiramente, ainda hiio de herdar as caracteristicas positivas que capacitaram seus ancestrais a predominar sobre seus conterheos.

Se as plantas que constituem a flora de urn lugar forem divididas em dois con- juntos iguais, colocando-se de um lado as pertencentes aos gtneros mais ricos em espides, e do outro as mais pobres, um n h e r o algo maior das espides dominan- tes mais comuns e mais difundidas seri encontradc no conjunto dos gneros mais ricos. Isso tambim j i era de se esperar, pois o mero fato de que muitas espides do mesmo ginero habitem o mesmo local mostm que existe alga, nas condiqdes or@- nicas ou inorginicas daquele lugar, favorivel iquele ghero; conseqiientemente, i de se esperar que se encontrem nos gheros mais ricos, que incluem muitas espid- es, um nhnero t a m b h propordonal de espkies dominantes. Mas h i tantas causas capazes de se contrapor a esses resultados, que me surpreende o fato de meus quadros ainda mostrarem uma pequena maioria para o conjunto dos gineros mais ricos. Citarei aqui apenas duas dessas causas. As plantas hidr6filas e hal6filas geral- mente possuem ireas de ocorrindas muito amplas e siio muito difundidas, mas isso parece estar ligado i natureza de seus habitats, tendo pouca ou nenhuma relagiio com a abranghda dos gheros aos quais pertencem tais vegetais. Outrossim, as plantas situadas na parte inferior da escala de organizaqiio geralmente siio muito mais amplamente difundidas que as colocadas no top0 dessa escala. Neste caso, mais uma vez niio existe relagiio htima com a abranginda dos gheros. A causa dessa ampla dispersiio das plantas de organizagiio menos complexa seri discutida em nosso capitulo sobre dismbuiqiio ggeorifica.

Considerando-se as espides como variedades muito caracteristicas e bem-defi- nidas, somos levados a presumir que aquelas pertencentes aos gtneros mais ricos tendem mais, em cada local, a apresentar um nhnero maior de variedades que as espides dos gheros mais pobres, pois, onde quer muitas espides congkneres (i. e., do mesmo ghero) foram formadas, muitas variedades - ou espides de um deter- minado ghero, atravis da variaqzo, as circunsthcias foram favoriveis a essa varia- qiio, sendo de se esperar que tal situagiio niio se tenba alterado. Por outro lado, se considerarmos cada espide como o resultado de um ato criador especial, niio h i

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qualquer razio aparente para que devam ocorrer mais variedades num grupo de muitas espides do que num de poucas espides.

A fun de verificar a verdade dessa teoria, separei em dois grupos quase iguais as plantas de doze locais e os cole6pteros de duas ireas, colocando de um lado as espides dos gheros mais ricos, e do outro as dos gheros mais pobres. Invariavel- mente ficou provado que as espides pertencentes ao grupo do gineros mais ricos apresentam vkedades em proporgZo bem maior que as do outro grupo. Alim do mais, o niunero midio de variedades apresentadas pelas espicies do primeiro grupo i invariavelmente maior que o das espides do segundo grupo. 0 s resultados se repetem quando se exduem dos quadros todos os gineros que possuem apenas de uma a quatro espides. Esses fatos sHo evidentemente significativos quando se acei- ta a idiia de que as espides nada mais sHo que variedades caractedsticas e perma- nentes, pois onde quer que se formarammuitas espides do mesmo ginero (ou, se se pode empregar a expressio, onde esteve em fundonamento a "fibrica de espici- es"), deve-se geralmente esperar que essa "fabricagio" continue ocorrendo, mais espedalmente pelo fato de que temos toda razio de acreditar que seja muito lenta a formag50 de novas espides. 9 certamente i isso mesmo que ocorre, ainda que as variedades sejam consideradas como espicies indpientes, pois meus quadros mos- tram claramente como regra geral que, onde quer que se formaram muitas espides de um determinado ghero, suas variedades - isso i, espides indpientes -. apre- sentam um niunero superior i midia. NZo que todos os.gineros mais ricos em espides estejam atualmente variando muito, e que o niunero dessas espides esteja wntinuamente aumenmdo, pois, se assim fosse, minha teoria iria por igua abaixo. De fam, conforme nos mosaa daramente a Geologia, os gheros mais pobres do passado porvezes se tomaram, wm o correr do tempo, muito riws em espides, enquanto que certos gheros outrorariquissimos em espides atingiram seu desenvolvimento &o e depois foram decaindo ati desaparecer. Tudo o que quermos mostrar i que, onde se ' formaram muitas espides de um determinado ghero, ordinariamente muitas inda se estiio formando, e assim por certo bh de wntinuar ocorrendo.

H i outras relagaes entre as espides dos gkeros mais ricos e suas variedades que merecem ser dtadas. Vimos nHo haver critirio infalivel atravb dc qual se pos-. sam distinguir as espides das variedades muito pronunciadas. Nesses casos em que nZo se encontraram os elos intermediirios que ligam as formas duvidosas, os natu- ralistas se viem compelidos a determinar, pela soma das diferenqas existentes entre elas, e langando mZo da analogia, se esta ou aquela diferenga seria suficiente para alqar uma forma i categoria de espide. Assim, a diferenga maior ou menor consa- tui um critirio impormtissimo para se determinar a dassificagZo de duas formas como espicies diferentes ou como variedades de uma mesma espide. Ora, Fries observou, com relagZo is plantas, e Westwood, com relagHo aos insetos, que a soma de diferenga entre as espides dos gineros mais abrangentes 6 is vezes insignifican- te. Empenhei-me em veri6car esse fato numericamente, por meio de midias, e, mesmo dando-se o devido desconto is imperfeigaes dos resultados que alcancei, eles sempre confirmaram essa idiia. Tambim consultei diversos obsekadores ex- perientes e sagazes, e eles, depois de meditarem sobre o assunto, acabaram por concordar com este ponto de vista. A esse respeito, por conseguinte, as espides

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dos gneros abrangentes assemelham-se mais a variedades do que as espides dos gtneros mais resuitos. Pode-se tambim radoumx de outra maneira, considerando- se que, nos gheros abrangentes, nos quais se es5o formando mais variedades ou espides indpientes que na media geral, muitas das espicies j i formadas ainda se parecem at& certo ponto com variedades, pois a diferenga que apresentamentre si i menor do que a normalrnente verificada entre duas espicies distintas.

Ademais, as espicies dos gcneros abrangentes se inter-relacionam da mesma maneira que as variedades de uma determinada espkde. Nenhum namalista id imaginar que todas as espides de um certo gcnero sejam igualmente distintas umas das outras. Elas geralmente podem ser divididas em.sub@neros, ou segdes, ou gru- pos menores. Conforme bem observon Fries, pequenos grupos de espides costu- mam estar "gravitando" como satstes em redor de outras espides. E que sio .as variedades senio grupos de formas desigualmente reladonadas entre si e agrupadas em torno de outras formas - isto i, em torno de suas espides ancestclis? Existe indubitavelmente um item diferendal mais importante para se distingukem as espB des das variedades: trata-se da soma de diferengas entre as variedades, que, compa- rada entre uma e outra, ou entre elas e sua espicie ancestral, i menor que a existente entre duas espicies daquele mesmo gtnero. Todavia, quando discutirmos o prinu- pio que denomino "Divergtnda dos Caracteres", verkmos como se pode explicar esse fato, e como as pequenas diferengas entre as variedades tendem a se tornar maiores, ati se igualar i s grandes diferengas existentes entre as espides.

H i tambim outra coisa que me parece digna de mencio: as variedades, geral- mente, ttm habitat bastante resmto. Esta afirmativa 6, de fato, pouco mais que um truismo, pois se se descobrisse uma variedade ccja irea de ocorrtnda fosse mais extensa que a da espide tipica, que i teoricamente sua ancestral, suas denomina- g6es seriam invertidas. Mas tambim h i razio para se acreditar que as espides mui- to pr6ximas de outras, e que por isso parecem variedades, por vezes tenham imbi- tos muito resmtos. Mr. H. C. Watson, por exemplo, assinalou para mim, no porme- norizado "Catilogo Londrino de Plams" (4" ed.), 64 vegetais ali dassificados como espides, mas que ele considera Go pdximas de outras espicies que essa classifica- gHo corre o risco de estar errada. Essa 63 prerensas espicies ocorrem em midia sobre 6,9 das provindas nas quais Mr. Watson dividiu a G&-Bretanha. Ora, nesse mesmo catilogo esGo registradas 53 variedades reconheddas, que ocorrem em 7,7 provindas, enquanto que as espicies is quais essas variedades pertencem ocorrem sobre 14,3 provindas. Tor cocseguinte, as variedades indiscutiveis tcm um alcance quase Go resttito quanto o das formas muito prbximas, que me foram reladonadas por Mr. Watson como espicies duvidosas, mas que sio quase universalmente dassi- ficadas pelos bot&nicos da GrZ..Sretanha como espides ledtimas.

Para conduir, portanto, as variedades apresentam as mesmas caracteristicas ge- rais das espides, uma vez que nZo se pode distinguir umas das outras, a nio ser nos seguintes casos: primeiro, pela descoberta de formas afins intermedifuias - e a. ocorrhcia de tais elos nio poderia afetar as caractedsticas efetivas das formas que eles interligam; segundo, pela maior soma de diferengas qEe exisre entre as espides. De fato, se duas formas diferem ?ouco entre si, uma seri, via de regra, dassificada como variedade da outra, sem embargo de nio terem sido descobertos elos inter-

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mediirios entre ambas. Todavia, 6 inteiramente indehnida a soma de diferenqas considerada necessiria para caracterizar como espides duas formas muito pr6xi- mas. Nos gcneros cujas espides totalizam niunero superior ao da midia de um local, essas espides siio mais numerosas que a midia das variedades. Nos gneros mais ricos em espides, esm tendem a ser bastante pr6ximas umas das outras, se bem que de mod0 desigual, formando agrupamentos, pequenos conjuntos de for- mas semelhantes em torno de deterrninadas espides principais. Espides muito prbximas, evidentemente, apresentam hb i tos resmtos. Sob todos esses diversos aspectos, as espides dos gheros mais ricos apresentam marcante analogia com as variedades. Podemos compreender daramente essas analogias, desde que aceite- mos.que as espides alguma vez existiram como vadedades, das quais mais tarde se originaram. Por outro lado, essas analogias se tornam inteiramente inexpliciveii se se admitir que as espedes teriam sido criadas independentemente.

Vimos t a m b h que as espides que geralmente variam mais siio as mais nume- rosas e dominantes dos gcneros mais ricos, cujas vadedades, conforme mais tarde veremos, tendem a se mansformar em espides novas e distintas. Desse modo, esses gheros tendem a se tomar cada vez maiores, assim como as formas de vida atual- mente dominantes tendem a acentuar cada vez mais essa caractenstica, uma vez que produzem descendentes modificados e aperfeiqoados. Por outro lado, os ghe- ros mais ricos, atraves de etapas que em breve seGo explicadas, tendem a dividir-se em gneros menores. Desse modo, as formas de vida existentes em todo o mundo vZo-se dividindo em grupos que por sua vez, estZo subordinados a outros grupos.

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sejam de alguma forma liteis para o individuo desra ou daquela espicie, no que se refere i s suas relagdes infinitamente complexas para com os outros seres vivos e o meio ambiente, conmbuirHo para a sua preservagHo, sendo geralmente herdadas por seus descendentes. Estes, por suavez, terHo uma oportunidade ainda maior de sobreviver, uma vez que, dos numerosos individuos que sHo periodicamente dados i luz, s6 uns poucos conseguem ser preservados. A esses prinupios atraves do qua1 toda vadagHo, por menor que seja, deve preservar-se, desde que apresente utilidade para o individuo, denominei "Prinupio de Selegio Natural", a &I de frisar sua relagIio com a capacidade humana de selegio. Vimos que o ser humano, atravis da selegzo, pode efetivamente alcangar grandes resultados, adaptando determinados setes vivos aos interesses do homem por meio da acumulagHo de variagdes Gteis, ainda que ligeiras, as quais h e sHo fornecidas pela agHo da natureza. A selegHo natu- ral, por&m, conforme em breve teremos oportunidade de ver, i urna forga que se encontra incessantemente pronta a atuar, sendo incomensuravelmente superior aos frigeis esforgos do homen nesse mesmo sentido, do mesmo mod0 como as obras da natureza sHo superiores is obras de arte.

Vamos agora discstir mais pormenorizadamente a luta pela existincia. Na obra que ainda planejo escrever, esse assunto seri tratado ainda mais minudosamente, como de fato o merece. De Candolle (sOnior) e LyeU demonstraram ampla e filoso- ficarnente que todos os seres vivos es6o expostos a uma rigorosa competigHo. Com respeito aos vegetais, n inguh tratou de tal assunto com maior empen". e habii- dade que W Herbert, DeHo de Manchester, evidentemente como resultado de seu grande conhecimento de Horticultura. Nada mais f6cil do que admitir a verdade da luta universal pela existhcia; por outro lado, nada mais diBd - pelo menos para mim - do que trazer em mente, o tempo todo, esta condusHo. Contudo, se assim nHo se fizer, ou seja, se nHo se cogitat tanto dessa id& at& que ela fique por assim h e r arraigada em nossa mente, esrou convenddo de que nos parecefio obscuros ou serHo inteiramente mal interpretados todos os fatos reiadonadss com a econo- mia da natureza, com a dismbuigHo, com a raridade, a abundincia, a extingHo e a variagxo. A natureza nos parece brilhante e jubilosa quando em situagHo de supera- bundincia de alimentos; enfio G o vemos, ou G o nos passa pela idiia, que as aves cantando alegremente ao nosso redor vivem geralmente de insetos ou de sementes, e que assim es6o constantemente destruindo a vida; ou comurnente nos esquece- mos de como i freqiiente serem esses pbsaros canoros, e tambim seus ovos e motes, destruidos pelos adunais predadores; tampouco m e m o s continuamente na mente a lembranga de que, embora o aliment0 esteja en60 abundante, nem sempre tal circunstincia ocorre durante as sucessivas estagdes do ano.

Devo estabelecer como premissa que emprego a expressHo "luta pela existen- cia" em sentido amplo e metafbrico, incluindo nesse conceit0 a idiia de interdependencia dos seres vivos, e rambim - - o que'i mais impcrtante - nHo ss6 a vida de um individuo, mas sua capacidade de deixar descendknda. Dois canideos, num period0 de escassez de alimentos, literalmente hHo de lutar entre si a fm de assegurar sua sobrevivencia; todavia, ao invis de dizermos que m a planta que vive nas bordas do desert0 enfrenta a seca lutando pela sobrevivincia, melhor seria se dississemos que ela depende da umidade para sobreviver. Um vegetal que produz

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Acerca desse assunto, entretanto, temos evidinda melhor que meros cdculos te6ricos: os numerosos casos registrados do aumento espantosamente ripido de diversos animais em estado selvagem, quando as circunsthdas lhes foram favori- veis durante duas ou trks estag6es seguidas. Mais nodvel iinda 6 a evidhda que temos de diversos tipos de animais domesticos que retornaram i vida selvagem em virios lugares do mundo: se nHo estivessem bem autenticados os dados quanto i veiocidade de multiplicagio das reses e dos cavalos criados i solta na Amirica do Sul, e mais recentemente naAusustr;ilia, seria difidl acreditar neles. 0 mesmo se pode dizet das plantas: h i numerosos casos de vegetais adimatados nas Ilhas Brihicas que, num periodo de menos de dez anos, se tornaram plantas comuns em certas regi6es. Nas vastas planuras do Prata, vbias plantas europiias disseminaram-se pel0 espago de muitas liguas quadradas, tornando-se ali mais comuns que as plantas nativas, a ponto de muiias destas estarem em vias de extingiio. Do mesmo modo, na bdia, conforme fui informado pel0 Dr. Falconer, existem plantas que hoje se espa- lham desde o Cabo Comorim ati as encostas do Fhalaia, e que foram levadas da Amiica, logo ap6s o descobrimento deste condnente. Em casos sirnilares - - e poderiamos citarumahhida.de de exemplos-ningubirsi supor que a fecundidade desses seres vivos tenha sido subitamente aumentada, ainda que temporadamente, de maneira sensivel. A expiicagio 6bvia i que as condig6es de vida encontradas pelo ser tenham sido extremamente favoriveis, e que conseqiientemente tenha di- minuido a destruigZo dos rebentos e dos individuos mais velhos, e que quase todos os jovens em idade de acasalamento tenham polido reproduzir-se. Nesse caso, a espide se multiplica em proporgio geom&mca, aumentando seu niunero de manei- ra verdadeiramente surpreendente, o que explica cabalmente a rapidez de cresci- ' mento e a difusio espadal das produg6es adimatadas em seus novos habitats.

Em estado selvagem, quase toda planta produz sementes, e poucos animais nZo se acasalam todos os anos. Dai poder-se ahtmar sem receio que todas as plantas e animais tendem a aumentar em proporgio geomiaica, desse mod0 povoando rapi- damente seus locais de ocorrbcia. Entretanto, a tendincia de aumento em propor- gio geomiaica deve ser contrabalangada pela destruigiio em determinado periodo da vida. 0 fato de estarmos mais familiarizados com o que ocorre com os animais domisticos de maior porte tende ainduzir-nos em erro, uma vez que G o observa- mos nenhuma grande destruigZo se abatendo sobre eles, esquecendo-nos de que muitos sHo sauificados anualmente em razz0 de nossas necessidades alimentares. Em estado selvagem, um n h e r o correspondente de espicimes provavelmente i tambt5m liquidado todos os anos.

A ~ c a diferenga entre os seres vivos que anualmente produzem ovos ou se- mentes aos milhares e os que os produzem em quantidades diminutas 6 que estes dtimos necessitam de uns poucos anos a mais que os primeiros para povoar uma regiZo, por maior que ela seja, desde que haja condig6es favoriveis para tanto. A fcmea do condor bota um par de ovos, enquant~ que a avestruz bota uma vintena; nio obstante, na mesma regiio, 0s condores podem superar em niunero as avesuu- zes. Jd o petrel-do-irtico, cuja f h e a bota scmente um ovo, t5 considerado a ave mais numerosa do mundo. Certa mosca deposita centenas de ovos, enquanto que outra, conio a H&bobosca, p6e apenas um. Essa diferenga, contudo, nZo deterrnina

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ouantos individuos de cada esaicie aodem sobreviver numa reeiio. Em erande I L L " "

niungo de ovos i importante para as espicies que dependem de alimentos cuja produgio i muito variivel, pois lhes permit% aumentar numericamente de manei- ra bem ripida. A verdadeira importincia do grande niunero de ovos ou de semen- tes, porim, i a de compensar a grande destruigio que se abate sobre a espide em algum periodo da vida de seus individuos, e esse periodo, na grande maioria das vezes, ocorre cedo. Se o animal 6 de algum mod0 capaz de proteger seu ovo ou se mote, sua reprodugio poderi caracterizar-se pel0 pequeno niunero, e mesmo as- sim a populagig midia da espicie seri mantida sem alterasio. Por outro lado, se muitos ovos ou motes estiverem sujeitos B destruigio em massa, sera necessirio produzir-se um grande niunero deles, para que a espicie nZo chegue B extingio. Seria suficiente manter-se uma hica h o r e de determinada espide, que vivesse cerca de mil anos, se durante esse tempo uma hica semente fosseproduzida, asse- gwaria a circunstincia de que essa semente nio seria destruida jamais e tivesse a possibilidade de germinar num local adequado B sua sobrevivhcia. Nesses casos, por conseguinte, o niunero midio de qualquer espicie vegetal ou animal depende apenas indiretamente do niunero de suas sementes ou de seus ovos.

Em relagio ao que ocorre na natureza, i absolutamente necessirio termos em mente as seguintes consideragdes: nunca nos esquecermos de que todo ser organi- zado que vive em torno de n6s se esforga ao m h o , por assim dizer, para crescer e multiplicar-se; que cada um, pelo menos em determinados pedodos de sua vida, tem de lutar para sobreviver; que uma desuuigk consider;ivelinevitavelmente incide sobre os mais jovens ou sobre os mais vehos, seja em cada geragio, seja a intervalos peri6dicos. Reduzam-se os obsticulos B sobreviv6ncia, dirninua-se a destruigio, ainda que esta redugio seja minima, e o niunero daquela espicie aumentari quase que instantaneamente, por pouco que seja. A face da natureta pode ser comparada a uma superficie macia, na qual haja dez mil cunhas agudas cravadas umas ao lado das outras, eque vio sendo continuamente enfiadas para o interior da superfkie por meio de golpes incessantes, ora numa cunha, ora noutra, cada vez com mais forga.'

E quase impossivel saber o que poderia reduzir a tendhcia natural da espicie de se multiplicar. Consideremos as espicies mais resistentes: quanto mais numero- sas, maior seri sua tendhcia a proliferar. 0 que impede tal coisa, exatamente, i algo que na realidade desconhecemos, seja qual for a espicie considerada. E isso nio deve causar surpresa a quem quer que se lembre de nossa ignoriincia acerca desse tema, mesmo com respeito ao homem;sobre quem sabemos incomparavelmente maii d o que com relagio a qualquer outro animal. 0 assunto tem sido tratado inteligentemente por diversos autores, e eu mesmo deverei, na obra que pretend0 escrever futuramente, discutix mais longamente acerca desses irnpedimentos, de maneira especial com relagio B fauna silvestre da AmOdca do Sul. Aqui farei apenas m a s poucas observagdes, destinadas a deixar o leitor a par de alguns t6picos mais importantes. 0 s ovos ou os motes em idade mais tenm parecem ser as vitimas principaisdessa destruigio, mas nem sempre i assim. Corn respeito i s plantas, exis- te uma vasta destruigio das sementes; p o r h , com base em w a s observagdes que eu mesmo ftz, acredito que sio os renovos os que mais sofrem essa destruigio,

1. Nas edi~6es ultedores desm obra, Darwin ehinou d o texto cssa estranha cornpara+, (N. do T.)

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quando germinam em solo j i densamente recoberto por outras plantas. 0 s renovos tambim s5o desrmidos em grande niunero por diversos inimigos. TJrn exemplo: numa pequena &rea de trts pis de comprimento por dois de largura, revolvida e limpa, e livre da presenqa de outras plantas que pudessem estorvar seu desenvolvi- mento, anotei o niunero de renovos de nossas ervas nativas assim que eles brota- ram, e o niunero total foi de 357. Destes, nHo menos de 295 foram desrmidos, principalmente por lesmas e insetos. Se a relva que i habitualmente cortida - . e o mesmo se pode h e r da que serve de pastagem para os quadnipedes - pudesse crescer normalmente, as piantas mais vigorosas destruiriam gradualmente as ou- was, ainda que estas estivessem plenamente desenvolvidas. Assim, num pequeno canteiro quq separei, medindo 3 pis por 4, e no qua1 cresciam vinte espicies, nove desapareceram Go logo permiti o livre desenvolvimento de todas as espicies.

A quantidade de alimentos para.cada espicie, evidentemente, indica o limite extremo de seu aumento. Muito freqiientemente, porim, nio 6 a obtenqzo de ali- mento, mas o fato de servir de presa para outros animais, que condiciona o niunero

Prancha XI. Cobra

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midio de individuos de uma espkcie. Assim parece haver pequena dfivida quanto ao fato de que o niunero de perdizes, galos-silvestres e lebres existentes numa am- pla regiiio dependa principalmente da destruigiio que esses animais sofrem por par- te de seus predadores. Se niio for abatida nenhuma caga durante os pr6ximos 20 anos na Inglaterra, e, ao mesmo tempo, nenhum predador for destruido, corn toda a probsbilidade teremos, ao final desse tempo, menos caga do que temos presente- mente, embora em nossos dias se matem centenas de milhares de animais por ano. Por outro lado, em diversos casos, como nos dos elefantes e rinocerontes, por exem- plo, nenhum individuo k destruido pelos animais de rapina. Mesmo o tigre indiano s6 muito raramente se atreve a atacar um filhote de elefante que esteja protegido por sua miie.

0 dima desempenha importante papelna determinagiio dos totais midios das espicies. Acredito que, dentre os obsticulos livre proliferaqHo, os penodos inter- mitentes de extremo frio ou seca sejam os de efeito mais marcante. Pelos meus cdculos, o inverno de 1854.55 destruiu quatro quintos das aves que viviam nas minhas terms, o que corresponde a uma verdadeira devastaqiio, uma vez que, no caso do homem, uma taxa de mortalidade de dez por cento, verificada por ocasiiio de alguma epidemia, ji k extraordinadamente grave. A primeira vista, a asiio do dima parece ser inteiramente independente.da luta pela existcncia; todavia, dada a circunsthcia de ser o clima o principal fator na redugiio dos alimentos, por causa dele pode-se agravar consideravelmente a luta entre os individuos,,quer da mesma espicie, quer de espicies diferentes, desde que necessitem do mesmo tip0 de ali- mento. Mesmo quando aqiio do &a k direta, como no caso das regiaes muito

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frias, os que mais vHo sofrer seGo os individuos menos vigorosos, ou aqueles que armazenaram menos alimentos durante a ipoca que precedeu o auge do inverno. Quando nos deslocamos de sul para norte, ou de uma regiio iunida para uma seca, verificamos invariavelmente a gradual rarefagio de determinadas espicies, at6 seu completo desaparecimento na paisagem. Quando se trata de contraste dimitico notivel, somos tentados a atribuir i agHo &eta do dima toda a responsabilidade por esse desaparecimento. Todavia, isto seria uma id&a errhea, pois nos esquece- mos de que as espicies, mesmo as mais abundantes, es&o sofrendo constantemen- te uma considerivel destruigHo nesse ou naquele period0 de sua vida, por parte de inimigos ou rivais que disputam o mesmo territ6rio ou os mesmos alimentos. Se esses inimigos ou rivais forem favorecidos, em minima escala que seja, por a l y n a ligeira alteragHo dimitica, hio de ter seus totais aumentados e, em contrapartida, a outra espicie teri seus totais reduzidos. Quando nos deslocamos para o sul, e veri- ficamos a diminuigio numirica de uma espicie, podemos estar certos de que a mesma causa que h e i prejudicial esti concorrendo em favor de outra espicie, cujo n h e r o deve estar aumentando. 0 mesmo se pode dizer quando viajamos para o norte, mas em grau menor, uma vez que os totais de todas as espicies - ou seja, os totais de todos os compeddores - . diminui de sul para norte. Por conseguinte, seguindo-se nessa diregio, ou subindo alguma montanha, muito frequentemente deparamos com a ocorrhcia de formas enfezadas, em consequtncia direta da agio nociva do dima, o que i mais raro de ocorrer quando nos deslocam6s para o sul ou estamos descend0 amontanha. Quando atingimos as regi6es ;irdcas, ou os cumes neva- dos das cordilheiras, ou ainda os desertos absolutos, vdcamos que a luta pela exist&- cia se tram quase que exdusivamente entre os seres viws e os elementos naturais

Evidencia-se daramente o fato de que o dima atua indiretamente, antes favore- cendo os rivais que prejudicando determinadas espicies, no prodigioso n h e r o de plantas cultivadas em nossos jardins, perfeitamente capazes de resistir ao nosso dima, mas n5o de se adimatar i s condig6es naturais do campo, visto nio poderem competir com nossas plantas nativas, nem resistir i destruigHo que lhes i movida por nossos animais silvestres.

Quando uma espicie, gragas a circunsthcias altamente favoriveis, se muldplica de maneira desordenada dentro de uma irea restrita, cosnuna acontecer de sobrevir algurna epidemia - pel0 menos 6 o que ocorre geralmente com relagio a nossos animais de caga. Temos ai um fator de IimitagHo que independe da luta pela exist&- cia. Todavia, mesmo algumas dessas ditas epidemias parecem ser devidas a vermes parasitkios que, por esta ou aquela raz5o - em parte, possivelmente, pela fadda- de de difusHo, causada pela promiscuidade em que passam a viver esses animais, - estariam sendo excepcionalmente favorecidos por algum fator. Passa en60 a ocor- rer uma espicie de disputa entre o parasita e o seu hospedeira

Por outro lado, h i numerosos casos em que i absolutamente necessirio para a presemgio de uma espicie a existhcia de grandes contingentes de individuos, a fim de que seu niunero faga face ao de seus inimigos. Assim 6 que podemos cultim amplos tratados de mgo e colza e outros cereais em nossos campos, j i que suas sementes sHo bem mais numerosas que as aves que as devoram. Estas, por sua vez, 1150 aumentam em niunero proporcionalmente i superabundbcia de alimentagHo

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de que en60 dispaem, porquanto seu efetivo seri reduzido por ocasilio do inverno. Entretanto, quem quer que tenha tentado cultivar alguns p b de mgo numa horta sabe quZo problemitico seria conseyi-lo. Eu j i tentei, e per& todos os @Zos que pl&tei. Esta idkia da necessidade de um grande niunero de individuos de uma espkcie para que ela seja preservada explica, s e p d o penso, alguns fatos singulares que ocorrem na natureza, tais como o de que certas plantas muito raras eventual- mente sejam abundantissimas nos seus poucos locais de ocorrinda; ou o de que algumas plantas greghias, mesmo nos confins de seu habitat, tambim ali se apre- sentem numerosamente. Em casos como estes, k de se presumir que a planta s6 poderia sobreviver naqueles locais onde as condig6es de vida fossem tZo favoriveis que permitissem a sua ocorrhcia em densas comunidades, o que lhes facultaria escapar da destruigZo total da espicie. Devo acrescentax que os bons efeitos do 'entrecruzamento constante, e os efeitos nocivos das uniBes consangiiineas, prova- velmente desempenhemum papel de relativa importincia nesses casos; porth, como se tram de assunto muito complexo, prefiro nZo me estender aqui sobre ele.

Hinumerosos registros de casos que mostram a complexidade eimprevisibiidade das inter-rela@es entre os seres vivos que tern de lutar entre si por sua sobrevivin- cia na mesma regiZo. Mencionarei apenas urn h ico exemplo, pois foi ele que des- pertou minha curiosidade sobre o assunto. Em Staffordshire, na propriedade de um parente, onde me foi permitido desfiutar de plenas condi@es de investiga60, ha- via uma charneca extremamente eseril, que nunca fora tocada pela mZo do ho- mem. Ao lado dela estendia-se uma irea de muitas centenas de acres, revestida da mesma vegetaGo original, mas que havia sido cercada vinte e cinco anos atris e cultivada com pinheiros. A modificagZo sofrida pela vegetagZo natural dessa irea plantada foi simplesmente extraordinhia, bem mais notivel do que a que se obser- va entre dois ternnos de natureza diferente - o que nZo era o caso de ambas. NZo s6 se haviam alterado completamente os niuneros proporcionais das urzes, como tambCm haviam surgido na irea cercada doze espkcies vegetais (sem contax as gramheas e cipericeas) que nZo eram encontradas na charneca em estado nativo. 0 s efeitos sobre os insetos devem ter sido ainda maiores, pois havia na irea cercada seis espicies de aves insetivoras que nZo eram encontradas na charneca, a qual, por sua vez, era freqiientada apenas pot duas ou trks aves insetivoras diferentes. Isso nos mostra o grau de influhcia causado pela simples introdugZo de uma h ica espkcie arb6rea, pois nada mais se fez naquela irea, salvo cerci-la, o que impediu o gad0 de penetrar no local.

Foi em Surrey, p o r h , nas proximidades de Farnham, que pude ver em toda a sua amplitude a influencia que exerce o fato de se cercar uma irea. Ali sZo comuns as charnecas extensas, nas quais se divisam aqui e ali, nos topos das colinas distan- tes, pequenos bosques de pinheiros. Durante os dtimos dez anos, cercaram-se am- plos tratos de terranessa regiZo. Nesses locais, comepram a brotar numerosissimos pinheiros nativos, em tal quantidade que muitos nHo conseguem sobrevivec Depois de me ~ertificar de que tais plantas nZo haviam sido semeadas, pel0 homem, fiquei tZo impressionado pela sua quantidade, que passei a investigax diversos pontos, tanto das ireas cercadas como das que permanedam em seu estado naturai. Nas centenas de acres nZo cercados que examinei pessoalmente, nzo veritiquei a presen-

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e animais que determinaram, no correr dos siculos, os niuneros propordonais e os tipos de irvores que hoje vicejam nas antigas ruinas indigenasl

A dependhcia de um ser organizado em relagio a outro, como a do parasita em relagHo a seu hospedeiro, ocorre geralmente entre os seres situados nos degraus infedores da escala natural. Isso tambim ocorre com certa frequhda entre os seres dos quais se pode dizer que lutam entre si pela pr6pria sobrevivinda, como no caso dos gafanhotos e dos quadnjpedes herbivores. Mas a luta quase invariavelmente seri mais severa quando travada entre individuos da mesma espide, uma vez que eles frequentam as mesmas regides, comem os mesmos ahen tos e esGo expostos aos mesmos perigos. No caso das variedades de uma espide, a luta, de rnodo geral, set4 quase igualmente renhida, havendo vezes em que se decide rapidamente. Um exemplo: se diversas variedades de trigo forem semeadas juntas, misturadas numa mesma irea, aquelas que se adaptarem melhor ao solo ou ao dima, ou que d o de per si as mais firteis, sobrepujariio as demais e produzi60 mais sementes; assim sendo, em alguns anos sefio as variedades predorninantes, destruindo completa- mente as outras. Para se conservar uma plantagHo cultivada com variedades muito pr6ximas - exemplo: ervilhas-de-cheiro de coloragHo diferente, - cada qua1 de- veri ser colhida separadamente todos os mos, misturando-se as sementes nas pro- porgdes devidas; caso contrkio, as variedades menos resistentes tefio seus niune- ros rapidamente dimjnuidos, acabando por desaparecer. 0 mesmo se pode dizer das variedades de carneiros: sabe-se que certas variedades de ovinos monteses aca- bam por m a w de fome outras menos Hgeis, de mod0 que elas nio podem ser criadas juntas. A mesma cois? ocorre quando se guardam juntas certas variedades de sanguessugas medicinais. E mesmo de se duvidar se as variedades de alguma de nossas plantas ou animais domisticos manteriam as mesmas caractensticas de for- Fa, hibitos e constituigio duante meia-dkia de gerasdes, caso fossem trasladadas para um local onde convivessem entre si lutando por sua sobrevivinda, como os individuos selvagens, e se suas sementes ou seus motes nZo fossem seledonados e arranjados todos os anos.

Como as espides do mesmo ginero apresentam usualmente - embora nio invariavelmente - alguma sirnilaridade de hibitos e constituisiio, e sejam sempre semelhantes estruturalmente, a luta entre elas seri geralmente mais renhida do que a que se observa entre espides de g2neros diferentes. Pode-se comprovar tal fato na recente expansHo da irea de ocorrhcia de certa. espide de andorinha norte- americana, que resultou na diminui~iio do niunero de outras espMes. Tambim a multiplicagio que se verificou h i pouco tempo com relaqiio ao tordo-visgueiro, em certas partes da Esc6da, acarretou areduqzo do niunero do tordo-cantador. Como i frequente ouvirmos falar de certas espides de ratos que tomaram o lugar de outras, e isso nos dimas mais diversos! Na Rhsia, a baratinha asiitdca, onde quer que cheye, acaba por expulsar para longe sua conghere de maior porte. AcolH, i uma espide de mostarda que suplanta outra e assim por diante. Podemos compre- ender, se bem que de mod0 vago, por que seria mais irdua a competigio enue formas afins, ocupando praticamente o mesmo lugar dentro da grande comunids.de natural; mas provavelmente seremos incapazes de explicar predsamente por que determinada espicie teria suplantado outra na grande batalha da vida.

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Prancha XLU. T w g a

Prancha IW. Sapo

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Pode-se deduzir um c o r o ~ o da mais alta importincia, a par& das observas6es precedentes: a estrutura de todo ser organizado esti relacionada de maneira essen- dal (ernbora por vezes desconheqamos como poderia ser tal coisa) corn a de todos os outros seres com os quais ele entre em competisHo visando obter alimento ou moradia, ou do qual ele tenha de escapar, ou sobre o qual ele se atire em busca de seu pr6prio alimento. Isso i evidente quando se examinam os dentes e as garras do tigre, e as pernas e patas do parasita que se prende em seus paos. Mas quanto i bela semente emplumada do dente-de-leio, ou i s pernas achatadas e franjadas da bara- ta-d'igua, a relag20 parece resumir-se, em prinupio, aos elementos fundamentais de ' sua existinda: o ar e a igua. Entretanto, a vantagem representada pelas plumas da semente sem dlivida se rev& maior quando se considera o fato de que o terreno possa j i estar recoberto por ouaas plantas, de maneira que a semente possa ser levada pel0 vento para locais mais afastados, caindo em terrenos desompados. No caso da barata-d'igua a estrutura de sua perna, tio bem adaptada ao mergulho, perrnite-lhe competir com outros insetos aquiticos, caqar suas presas e escapar, por sua vez, de servir de presa a outros animais.

A reserva numtiva existente dentro da semente de virias plantas parece, i pri- meira vista, nio apresentar qualquer relasHo com outros vegetais. Todavia, em razio da facilidade com que essas plantas (vagens e &as, por exemplo) brotam no meio da erva alta, presumo que a principal utilidade da reserva numtiva de suas sementes seja justamente favorecer o cresdmento i n i d da plantinha, que assim pode competir com as plantas j i desenvolvidas, que se erguem bem altas ao seu redor.

Examine-se uma planta no cora@o de seu habitat - por que seri que ela nHo duplica, ou mesmo quadruplica, o niunero dos seus individuos? Sabemos que ela pode perfeitamente bem suportar indices pouco maiores de calor ou de frio, de umidade ou de secura, pois em outras ireas onde ela se desenvolve, ocorrem efeti- vamente tais indices. Para casos assim, 6 6bvio que se quisermos imaginar como conferir a essa planta a capaddade de aumentar o niunero de seus individuos, teri- amos de providendar para ela alguma vantagem sobre seus competidores, ou algu- ma defesa contra os animais que dela se nutrem. Nos limites de sua irea de ocorrin- cia, alguma mudanqa de constituigHo relativa ao dima seria evidentemente vantajo- sa para essa planta; entretanto, temos raz6es para acreditarque apenas m a s poucas ~lantas ou animais estendem seu habitat Dara tiio lonee da irea central de ocorr6n- A A u

cia, a ponto de serem desauidos pelos rigores do &a, exdusivamente. Na realida- de, a competiqHo s6 cessa quando atingimos os confins extremos da vida, nas red- - - 6es irticas ou nas bordas de um desert0 absolute. Mesmo que a regiHo seja exae- mamente fria ou seca, sempre haverii alguma competisHo entre umas poucas espi- des, ou entre os individuos de uma mesma espide, todos procurando desenvolver- se nos locais menos frios ou menos secos daquela irea.

E i tambim por isso que podemos observar o desenvolvimento dos vegetais ou animais trasladados para outras regi6es: mesmo que o dima da nova irea seja id&- tico ao de seu habitat original, ali haveri competidores diferentes, e as condi~6es de vida, via de regra, serHo essendalmente diferentes das que ocorriam no seu antigo lar. Se quisermos que esse ser se prolifere nesse novo habitat, teremos de modifici- lo de maneira diferente da que tentadamos em relasHo ao seu habitat nativo, pois as

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vantagens que o ser teria de adquirk, agora, teriam rela~iio corn urn conjunto intei- ramente diverso de cornpetidores ou inimigos.

Conferit a um vegetal ou animal alguma vantagem em relaqiio .aos outros seres t muito fdcil - . em tese. Provavelmente nHo hi urn &co caso em que soubisse- mos de antemso o que fazer para sermos bem sucedidos em nossos prop6sitos. Isso deveria convencer-nos de nossa ignorhcia quanto i s inter-relagaes entre os seres organizados, e essa convicgZo t tanto necessiria quanto aparentemente d i H d de se adquirir. Tudo o que podemos fazer t ter sempre em mente a id2a de que todos os seres vivos pelejam por aumentar em proporqiio geomtmca, e que cada qual, pel0 menos em algum period0 de sua vida, ou durante alguma estaqio do ano, seja perrnanentemente, ou en&o de tempos em tempos, tern de lutar por sua sobre- vivencia e esti sujeito a sofrer considerive1 destruiqiio. Quando refletimos sobre essa luta vital, podemos consolai-nos corn a plena convicqiio de que a guerra que se trava na natureza nZo t incessante, nem produz pinico; que a morte geralmente sobrevh de maheira imediata, e que os mais resistentes, os mais fortes, os mais sauddveis e os mais felizes conseguem sobreviver e multiplicar-se.

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A Sckfdo.VaturaL sua rfrdn'a em nkapio d sek@opmwradaprlo bomem, sua influin'a sobre or rardrteres mais insign$rantes, sna atuafdo em to& as (boras da vidn e sobre mbos or s m s - Sele@o Swa l - Generalidnde do mzqnenfo enbe or indiuiduos a'a mesmierpicia- CimimtSm'nr fmrdwis edefawrdwisdsek@o nafumL enbemrmenfo, isohmento, nimem dcindiuiduos-Apia knta- Exiin~dopmwuahpeka sekfdo nafu- ral- Diyerg8n~ de Carncfrcr, relacion& mm a diumidde dos babitanfes de #ma irea resm5a 8 rom a arlimat~~fdo - A a@ a'a rekfdo natura4 atrauci ah diueginn'a do1 rnrnrrenr c a'a 3ahfd0, sobre or dexendentes de anrefhais romuns- Erp(ira@es guanto ao rardfergr~gdrio de todos os seres uiws.

omo seri que a luta pela existcncia, analisada muito superficialmente no capitulo anterior, age com respeito h variaqzo? Seri que o pdncipio de sele- gio, que vimos ser Go potente quando dirigido pela mZo do homem, pode-

ria ser aplicado na natureza? Tenmemos aqui demonstrat que, no estado natural, sua atuagio t2 ainda mais efetiva que no estado domistico. Tenbamos em mente o niunero incontivel de estranhas peculiaddades passiveis de variagio em nossas pro- duqdes domisticas --niunero este que'& menor nos seres em estado selvagem- e como t2 forte a tendhcia hereditziria. No que se refere h produgdes domisticas, pode-se afumar sem receio que todo o organism0 se toma, por assim dizer, maleivel. Tambim devemos ter em mente como sZo inhitamente complexas e estteitas as inter-relagdes entre todos os seres vivos, seja entre si, seja com relag20 is condigdes fisicas de vida. Portanto, considerando-se que diversas variagdes h i s para o ho- mem efetivamente ocorreram, acaso seria possivel julgar-se improvivel que tenham ocorrido outros tipos de variagdes, irteis para que o ser possa enfrenrar melhor a renhida e complexa batalha da vida, durante o curso de milhares de gera~des? E se tal fato efetivamente ocorreu, acaso poderiamos duvidar (sem esquecer que nascem muito mais indidduos do que o n h e r o dos que teriam condiqdes de sobreviver) de que os indidduos dotados de alguma vantagem, minima que seja, teriam maior probabilidade de sobrwiver e reproduzir seu tipo? Por outro lado, podemos estar certos de que qualquervariaqiio que se mostre nociva, por menor que seja, acarreta- ria inflexivehente a destruigio do indidduo. E a essa presemagH0 das variagdes favo6veis e eliminagZ0 das variagdes nocivas que dou o nome de Se/efZo Nutural. Quanto hs variagdes que nZo sio vantajosas nem nocivas, essas nZo sefio afetadas pela seleg2o natud, permanecendo como uma caracteristica oscilante, tais como as que talvez se possam verificar nas espides denominadas polimorfas.

Podemos compreender melhor o curso proviwel da selegio natural examinando o caso de uma regiao submetida a alguma mudanqa Esica - quanto ao clima, por exemplo. 0 s niuneros proporcionais de seus habimtes alterar-se-iam quase imedi-

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atamente, e algumas espicies a& poderiam vir a extinguir-se. Podemos conduir, pel0 que vimos acerca da maneira intima e complexa com que se inter-reladonam os habitantes de determinada regiio, que qualquer alteraqio nas proporgdes numi- ricas de alguns desses habitantes ida afetar os demais em grau muito mais conside- rive1 do que a prdpria mudanga dimitica em si. Se a regiio nio tiver limites intransponiveis, novas formas por certs haverio de imigrar para 16, e isso perturba- ria tambim seriamente as relagdes de a l p s de seus pdmidvos habitantes. Deve- mos lembrar-nos de como i poderosa a influencia de introduqio de uma linica &ore ou um linico mamifero num certo habitat Mas no caso de uma ilha, ou de uma regiio circundada em parte por barreiras intransponiveis, nas quais novas for- mas mais bem adaptadas nio pudessem penetm livremente, enfio haveria lacunas na economia da natureza' que seguramente seriam mais bem preenchidas, se alguns dos habitantes originais fossem de a l p modo modificados, uma vez que, se a irea fosse aberta i imigraqio, essas mesmas lacunas teriam sido preenchidas por intrusos. Em tais casos, cada modificaqio &&a que porventura tivesse surgido no correr dos tempos, e que de algum mado favorecesse os indidduos de cada espicie, adaptando- os melhor i s condiqdes naturais alteradas, tenderia a ser preservada, e a seleqio natu- ral teria assim campo aberto i sua obra de aperfeiqoamento das espicies.

Temos razio para acreditar, conforme afirmamos no primeiro capitdo, que uma mudanga nas condiqdes de vida, agindo de mod0 especial sobre o sistema reprodutor, provoca ou acelera a variabiidade. No caso h i pouco dtado, i de se presumir que as condigdes de vida tenham sofrido alguma alteragio, e isso seria manifestamente favorivel i seleqiio natural, criando condiqdes mais propicias para o surgimento de variaqdes vantajosas. Ora, a seleqio natural nio pode agir senio quando ocorrem variagdes proveitosas. Nio que seja necessZo soma assaz consi- derivel. de variabilidade - - nio acredito nisso. Da mesma maneira que o homem pode certamente obter resultados notiveis dirigindo meras diferengas individuais num deterrninado sentido, tambim a natureza pode agir assim, e com muito maior facilidade, uma vez que dispde de tempo incomparavelmente maior. Tambim nio acredito que qualquer mudanqa fkica considerivel, como a do dima, por exemplo, ou algum tipo de isolamento que impega efetivamente a imigragio, seja efetivamen- te necessZa para o surgimento de lacunas a serem preenchidas pela seleqiio natural, atravis da modificaqio e aperfeigoamento de alguns dos seus habitantes suscetiveis de variaqio. TJma vez que todos os habitantes de uma regiio es6o lutando entre si dentro de um jog0 de foqas muito bem equilibradas, modificag6es minimas na estrutura ou nos hibitos de um desses habitantes quigi lhe propidem alguma van- tagem sobre os demais; nesse caso, se a modificagiio aumentar, ou outras do mesmo tipo surgirem, a vantagem possivelmente se tornari maior. Nio h i regiio conheci- da na qua1 todos os habitantes nativos estejam 60 bem adaptados entre si e em relaqio i s condiqdes fisicas locais que nenhum deles pudesse sex de algum mod0 melhorado, j i que em todo lugar do mundo os habitantes originais h i muito t h sido sobrepujados pelas espicies adimatadas, permitindo que os invasores acabem

1. A pakvra "Ecologia", que tmduzida melhor para o leitor de nassos dias o que Chades Da& qvcda dizer corn a expressZo 'lkonomia da Naturua", s6 seria criada por h e s t Haediel d u anor ap6s a pdmeira publicag5o ddera obra (X. do T.)

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por apossar-se de sua terra. E como os inwsos tkm-se mostrado superiores aos nativos, s6 podemos conduir que esses necessitariam sofrer modificagdes vantajo- sas, pois s6 assim poderiam resistir a tais invasdes.

Se o homem 6 capaz de obter - como efetivamente tern obtido -- consider& veis resultados atraves de seus processos met6dicos, ainda que aleat6rios, de sele.. gio, que G o poderia a natureza realizar nesse campo? 0 homem pode agir apenas sobre os caracteres externos e visiveis, enquanto que a natureza nio cuida das apa- rkncias, salvo naqueles aspectos que se possam revelar fiteis a cada ser vivo. Ela pode agir sobre qualquer 6rgiio interno, modificando qualquer caracteristica estru- turd, por mais insignificante que seja, do complexo mecanismo vital do individuo. A selegio dirigida pelo homem visa apenas seu pr6prio bem; a da natureza se volta exdusivamente para o bem do indidduo modificado. Cada caracteristica seleciona- da por ela k antes completamente testada, e o indidduo se desenvolve em condi- gdes de vida adequadas i sua esuutura. Ji o homem uia, na mesma regiio, espici- mes orighirios de diversos dimas; raramente desenvolve, de maneira voltada para o interesse da especie, as caractedsticas por ele selecionadas; alimenta de maneira idkntica pombos de bico cwto e de bico comprido; 60 exercita os quadnipedes de dorso comprido ou de pernas longas de algum mod0 particular, cria no mesmo dima ovinos dotados de muita ou de pouca L Nio permite que os machos mais vigorosos lutem pela posse da fkea . Nio destrbi, sem contemplagio, todos os anirnais inferiores; ao contririo, durante as sucessivas estagdes do ano, protege-os ao m h o , no intuit0 de preservar todos os indidduos de sua criagEo. As vezes, inicia sua selegio por alguma forma sernimonstruosa, ou pel0 menos por alguma modificagiio suficientemente evidente para atrait sua atengio, ou que h e seja efeti- vamente rid. Sob o commdo da nanueza, a menor diferenga de estruma ou de constituigio pode efetivamente afetar o maravilhoso eqdffrio natural da luta pela vida, e provocar assim a sua presmgiio. Fugazes sio os desejos e esforgos do homem, e curto i seu tempo - e comol3a.i a pequenez de sua obra de selegiio, comparada ccm a que pode ser acumulada pela natureza durante periodos geol6gi- cos inteiros. Seria de se admirar, portanto, de que as obras da natureza fossem mais "genuinas" que as humanas? Ou que fossem mais bem adaptadas is mais comple- xas condiq6es de vida, ostentando claramente a marca de um acabamento indubitavelmente superior?

Pode-se dizer que a selegiio natural, onde quer que ocorra, esti passando pox seu ctivo, dia a dia e a cada hora que passa, toda variagio swgida, mesmo a mais insignificante, rejeitando a nouva, prese~ando e ampliando o que for hd, traba- h d o de maneira silenciosa e imperceptivel, quando e onde se.oferece a opormi- dade, no sentido de aprimorar os seres vivos no tocante i s suas condigdes de vida orghicas e inorghicas. Nio somos capazes de perceber essas modificagdes 60 lentas, ate que a mi0 do Tempo tenha marcado os longos lapsos das eras; e mesmo assim 6 Go impetfeita nossa visio daquilo que teria ocorrido nos antigos periodos geol6gicos, que nada mais conseguimos enxergar senio que as atuais formas de vida sio diferentes das que existiram no passado.

Embora a selegio natural s6 possa agir em fungi0 das vantagens adquiridas pelos seres vivos, o objeto de sua atengio alcanp tambim caracteres e estruturas

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Prancha XV. Beija-flor

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que tendemos a considerar como extremamente insignificantes. Ao obsenamos a cor verde dos insetos que se alimentam de folhas, ou o pardo-mosqu&do dos que comem as cascas das bores; o Lagopus #&no, que 6 branco no inverno; o galo-silvestre verme- lho, que tem a mesma cor das uaes, e a vaidade preta, cuja colora@o se assemelha ao solo tui-foso, onde vive, temos de admidr que essas coloraq6es sHo iiteis para essas aves e insetos, uma vez que os man& fora de muitos perigos. Se os galos-silvestres nZo fossem desauidos em algum periodo de sua vida, idam multiplicar-se hcrivelmente; sabe-se, podm, que sTio muito perseguidos pelas aves de rapina Jd os falc6es sZo dota- dos de excelentevisHo, o que lhes fadlita capturar suas presas. Por isto, em ceitas pmes do continent5 aconselba-se is pessoas G o uiarempombos, por serem os anirnais mais expostos i destruigo pelos ataques dos falc6es. Daf G o me sobrarem m6es para duvi- darde que a selepo naturalniiopossa serexextremamente e6aente em dotar cada tipo de galo-silvestre deuma cor adequadah suas necessidades, fazendo corn que essa cor, uma vez adquirida, se tome caracten'sticas e constante daquela vaciedade. E nZo varnos pen- sar que a desauiqZo ocasional de urn e s p h e animal dotado de m a determinada cor G o vsi acarretar efeitos pouco considdveis: lembremo-nos de como 6 essencial que, num reban!!~ de.o&as,.se sacrificassem aquelas que apresentam vestigios de colora- $0 negra, por minimos que sejam. No que se Kf& aos vegetais, os bothicos auedi- tam que a penugem do fruto e a colora@o da polpa sejam caracten'sticas inteiratnente irrelevantes. Todavia, wnforme nos informa o excelente horticultor Downing, com base em suas obsenaq6es feitas nos Estados Unidos, os frutos de pele lisa es6o muito mais sujeitos aos ataques do caruncbo que os h t o s dotados de penugem; que as amei- xas cor de pkpura sofrem, muito mais que as amatelas, os efeitos de certa doenqa, enquanto que outra ataca mais os pbsegos de polpa amarela que os de qualquer outra cor. Se, com mda a ajuda da tkcnica, essas pequenas diferenps sHo ponddveis no que se refere i escol! dessa ou daquela variedade quanto ao seu cultivo, por certo que na natureza, onde as b o r e s t&o de lutar por sui sobreviv&cia contkoutras b o r e s e mais uma 1egiHo de inimigos, tais diferenps S o efetivamente pesar na balanp na horn de se detern&aravacie&de que s d p r&mda , seleaonando~se o h t o de pele lisa ou o recoberto de penugem, o de polpa amarela ou o p u r p b , etc

Observando-se diversas caractedsticas diferenciais entre as espCcies, mormente as mais insignificantes, ou que pel0 menos assim nos parecem, dentro do nosso conhecimento 60 precdrio deste tema, nHo nos podemos esquecer de que o h a , a alinientaqio, etc, provavelmente produzem nelas algum efeito direto, ainda que discreto. Contudo, 6 mais necessirio ter-se em mente que existem muitas leis de correlaqiio de cresdmento que ainda nos sHo desconhecidas, segundo as quais, quando alguma parte do organism0 6 alterada atravis de variaqHo, com o subseqiiente animulo de modifica$6es proveitosas devido i seleqHo natural, tais modificaq6es podergo produzir outra eventualmente de natureza inteiramente inesperada.

Conforme vimos, h i certas variaqGes, nos seres em estado domtstico, surgidas em determinados pedodos da vida, que tendem a reaparecer nos descendentes na- quele mesmo periodo -- exemplos: nas sementes de muitas variedades de nossas plantas cultivadas; nas variedades do bicho-da-seda,.em suas fases de lagarta e de crisilida; nos ovos das aves de granja e na cor da penugem dos pintainhos; nos chifres dos bovinos e ovinos, quando prestes a atingirem o estado adulto. De modo identico, na vida selvagem, a seleqHo natural t a m b h seri capaz de agir sobre os seres vivos, modificando-os em qualquer est5gio de sua exist&nda, atrav6s da acu-

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mulaqio de variaq6es Gteis durante aquele estigio de sua existincia, e tornando hereditiria essa caracteristica. Se for proveitoso para um vegetal ter suas sementes cada vez mais disseminadas pelo vento, nio vejo como isso nHo possa ser resolvido pela seleqio natural, do mesmo mod0 que o i pel0 cotonicultor, que seledona e desenvolve os algodoeiros cujas sementes d o mais facilmente levadas pel0 vento. A seleqio natural pode modificar e adaptar a larva de um inseto em funqio de um erande niunero de drcuns&das. ainda aue estas seiam inteiramente diferentes das 0

que irio influendar a vida do inseto adulto. As modificaq6es na lama, porim, S o afetar indubitavelmente a estrutura do inseto adulto, em virtude das leis de correla- qio, e provavelrnente, de maneira especial no caso dos insetos quevivem apenas umas poucas horas e que nunca se alimentam, grande parte de sua conformaqio estrutural constitui meramente o resultado dessas sucessivas modificaq6es sofridas por eles quan- do estado larval. Do mesmo modo, p o k n em sentido inverso, as modificaq6es no estado adulto provavelmente acarretdo modificaq6es no estado 1-. Em todos os casos, porim, a seleqio natural haveri de assegurar que as modificaq6es subsequentes, resultantes daquelas ocorridas em outro estigio davida do ser, nio lhe sejam de modo algum nodvas, pois nesse caso %am causar a extinqio da espide.

A seleqio natural modifica a estrutura dos filhos em relaqio B dos pais, e vice- versa. Nos animais gregirios, adapta a estrutura de cada indidduo, em pro1 da co- munidade; cada qual, consequentemente, C benefidado pela modificaqio adqukida. 0 que a seleqzo natural nzo pode fazer i modificar a esttutura de uma espCde visando o benefido de uma outra, sem que o ser modificado tire qualquer vanta- gem dessa alteraqio.~ bem verdade que certas obras de Hist6ria Natural afirmam o contririo, mas ainda nio encontrei um s6 caso capaz de resistir B investigaqio. Cma caracteristica estrutural cuja utilidade s6 se verifica uma vez durante toda a vida do animal, desde que essa utilidade h e seja fundamental, poderi ser preserva- da e modificada pela seleqio natural. Podem-se dtar como exemplos as poderosas mandtulas de certos insetos, utilizadas por eles exclusivamente para romper o ca- sulo no aual estivam encerrados. ou as dun'ssimas extremidades dos bicos de certas aves, necesssirias para romperem as cascas dos ovos em que foram chocadas. Tem- se afirmado que muitos pombos-cambalhotas, da variedade de bico curto, morreri- - am antes de nascer, se os criadores nio os ajudassem a sair da casca do ovo, que- brando-as com as mios. Ora, sea natureza tivesse de encurtar o bico de um pombo, visando o proveito da ave quando adulta, essa modificaqio seria feita mcito.lenta- mente, ao mesmo tempo em que se faria uma seleqio rigorosa dos filhotes prestes a nascer: os de bicos mais fortes e mais duros sobreviveriam, enquanto que os de bicos mai$ fracos pereceriam inevitavelmente. Ou entio a natureza poderia seledo- nar ovos de cascas mais delgadas e fdgeis, porquanto a espessura e resistinda da casca do ovo constitui unia estrutura como outra qualquer, estando sujeita igual- mente b variaq6es que afetam as demais estruturas.

Uma vez que certas peculiaridades coshunarn aparecer, nos seres em estado domCstico, reladonadas a um dos dois sexos, tornando-se caracteristica hereditzkia

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somente daquele sexo, o mesmo fato provavelmente ocorre na natureza. Desse modo, a selegio natural seni capaz de modificar um dos sexos no que se refere is suas relaq6es fundonais com o sexo oposto, ou distinguindo inteiramente os hkbi- tos de vida dos dois sexos, como eventualmente se observa entre os insetos. Isso faz com que eu deva dizer dgumas palavras acerca do que chamo de SeleqZo Sexual. Esta nEo depende da luta pela existtnda, mas sim da luta travada pelos machos visando a posse das fheas . Para o derrotado, a conseqiitnda nZo 6.a morte, mas sim a reduqZo pardal ou total de seus descendentes. Por conseguinte, a selegZo sexual 6 menos rigorosa que a selegZo natural. De maneira geral, os machos mais vigorosos, que apresentam maior adaptagio ao iugar que ocupam na natureza, dei- xam maior n h e r o de descendentes. Em muitos casos, porim, a vit6ria id. depen- der nio do vigor em geral, mas do fato de se possuirem determinadas armas espe- dais, exdusivas do sexo masculine. Um veado sem chifres ou um gal0 sem esporas teriam pouca possibilidade de deixar descendhda. A seleqZo sexual, permitindo ao vencedor sempre multiplicar-se, certamente i capaz de conferir ao animal uma co- ragem indbmita, dotando-o de esporas maiores e asas mais fortes, a i5-n de que possa resistir is esporadas dos rivais, como bein o sabe o criador de galos de briga, que aprimora as qualidades de seus exemplares de raqa, seledonando cuidadosa- mente os melhores. Ati que ponto da escala da natureza se estende essa lei, 6 coisa que nlao sei. ji se disse que os jacaris machos lutam, urram e dangam em circulos, como os indigenas americanos, em h g Z o da posse de suas fkneas. Foram vistos salm6es machos batendo-se durante um dia inteiro. Certos escaravelhos por vezes trazem marcas dos ferimeatos causados pelas largas mandibulas de seus rivais da mesma espide. Talvez a guerra seja mais sem quartel entre os machos das espides poligimicas, donde serem estes dotados freqiientemente de armas espedais. 0 s animais cardvoros machos j i tZo naturalmente bem armados, embora a selegZo sexual lhes possa propidar meios espedais de defesa, como a juba do leZo, as "om- breiras" do javali e o maxilar recunro do sa!mZo macho. De fato, o escudo pode ser tZo importante para a vit6ria quanto a espada ou a lanqa.

.Entre os pissatps, a luta assume por vezes um cariter menos belicoso. Todos os que j i estudaran esse assunto acrediram que a disputa mais acirrada entre os ma- chos de muitas espides de aves se resume ad canto, capaz de atrair as ftmeas. Tordos-da-Guiana e aves-do-paraiso, a l h de alguns outros, refinem-se em bandos, sendo que os machos desfilam sucessivamente, exibindo suas espl6ndidas pluma- gens e exemtando exibiq6es bizarras perante as ftmeas. Rstas, por sua vez, ficam quietas contemplando o espeticulo e, ao final, cada quai escolhe para si o parceiro que lhe pareceu mais atraente. As pessoas que procederam a estudos padentes dos pbsaros.criados em cativeiro'bem sabem que estes por vezes demonstram certas prefertndas e antipatias. SirR Herom, pot exemplo, mencionou urn certo pavzo malhado pelo qual todas as suas frangas sentiam forte atraqio. Pode parecer infantilidade ambuir algum efeito a meios aparentemente tZo h c o s - nZo posso entrar aqui nos pormenores necessirios i sustentaqio dessa idsa: todavia, se o homern p6de, em curto espago de tempo, dotar os,garnisis de seE porte elegante e belo, de acordo com o pack50 de beleza criado por n6s, nZo vejo nenhuma boa razZo para duvidar de que as ftmeas aladas, seleuonando durante de gera-

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56es os machos mais belos e de canto mais melodioso, t a m b h nio pudessem produzir um efeito marcante sobre sua esptde. Tenho grande suspeita de que algu- mas leis bem conhecidas referentes i s plumagens dos phsaros de ambos os sexos, em comparagio corn a plumagem dos filhotes, podem ser explicadas com base nas modificagBes causadas prindpalrnente pela selegio sexual, agindo na ocasiio em que os machos atingem a idade de se reproduzirem, ou pot ocasiio da epoca de acasalamento. As modificag6es assim produddas seriam herdadas pelos descen- dentes naquelas mesmas idades ou ocasiees, seja pelos machos, seja pelos individu- os de ambos os sexos. Infelizmente, nio me sobra espago neste livro para desenvol- ver esse assunto.

Destatte, acredito que quando os machos e fkmeas de algum animal tenham os mesmos hibitos gerais de vida, mas diferem em estrutura, cor e ornamentos, tais diferengas tenharn sido produzida mormente pela selegZo sexual; ou seja, os indivi- duos do sexo masculine teriam adquirido, atravts de gerag6es sucessivas, alguma vantagem ainda que ligeira sobre os outros machos, no que se refere i suas armas, meios de defesa ou encantos particulares, transmitindo essa vantagem para seus descendentes do mesmo sexo. Entretanto, nio 15 rninha intengio atribuir todas as diferengas sexuais desse ginero a esta causa, pois estamos sempre observando o surgimento de peculiaridades que se tornam hereditkias em nossos animais domes- ticos (como o barbilhio nos pombos-correios machos, as protubehdas c6rneas em certas ragas de galos, etc) e que nio nos parecem riteis para eles, seja para fordeck-10s nos combates, seja para torni-10s mais atraentes. Casos anilogos po- dem ser observados na natureza, como por exemplo o tufo de p6los que certas variedades de perus trazem no peito, ou outras caracten'sticas que, como esta, difi- dlmente poderiam ser consideradas riteis ou ornamentais. Efetivamente, se esse tufo de paos aparecesse em dguma ave criada pelo homem, esta por certo seria considerada como algum tipo de monstruosidade.

No intuit0 de explicar melhor a maneira como acredito que a selegio natural aja, pego permissio para apresentar um ou dois exemplos imagin;idos. Tomemos o caso de um lob0 que ataque e mate diversos anirnais; uns, usando de astitcia; outros, de forga, outros mais, de agihdade. Suponhamos que sua presamais veloz - por exemplo, o cervo - se houvesse multiplicado bastante em seu habitat, em virtude de alguma alteragio local. Ou en& que as outras presas houvessem virtualmente desapareddo durante a estagio do ano em que os lobosmais penam para conseguir alimentos. Dentro de tais circunstindas, nio vejo razio para duvidar de que os lobos mais igeis e velozes nio t d a m mais oportunidade de sobreviver, sendo.as- sim presenados e seledonados - desde que sempre lhes tivesse sobrado forga sufidente para capturar sua presa, fosse naquela ocasiio, fosse em qualquer outra, qu.ando d v e z pudessem ser compelidos a capwar outras presas.'Nio vejo como duvidar disso, assim como nio vejo qualquer problema em acreditar que o homem possa melhorar a agilidade de seus galgos, atravts da selegio cuidadosa e met6dica, ou da selegio aleat6ria que resulta do fato de todo o mundo querer preservar seus melhores cZes, ainda que sem a intengio efetiva de modificar-lhes a raga.

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Mesmo que nZo houvesse qualquer modificaqZo nos n h e r o s propordonais dos animais capturados pelo nosso lobo, poderia nascer algum ftlhote de lobo que fosse portador da tendbua inata de capturar certos tip0 de presas. Isso nada tem de impossivel pois eventualmente constatamos profundas diferenqas quanto is ten- d b d a s naturais de nossos animais dombticos. Ei gatos quegostam de caqarratos; outros preferem camundongos. Mr. Saint John relata os casos de um gat0 que gos- tava de trazer presas aladas para casa; de outro que preferia trazer lebres e coelhos, e de um outro que se divertia caqando nos phtanos, e que quase toda noite voltava trazendo consigo galinholas ou narcejas que conseguira abater. Sabe-se que a ten- dinda de preferix ratos a camundongos i hereditiria. Ora, se qualquer modificaqZo ligeira de hibito ou de estruma trouxesse algum benefido para urn lobo, este teria melhor oportunidade de sobreviver e dekar descendincia. Dentre os hlhotes, al- guns provavelmente berdariam os mesmos hibitos ou caracten'sticas estruturais e, pela repetiqgo desse processo, poder-se-ia formar uma nova variedade, capaz de suplantar a espide ancestral, ou pelo menos de coexistir juntamente com ela.

Sem sair do exemplo dos lobos, h i aqueles que vivem nas montanhas e os que frequentam mais as plan'ues. Cada individuo, dependendo da alcatga a que perten- qa, 6 forqado, naturalmente, a alimentar-se de presas diferentes. Atravb da continua preservaqzo dos individuos mais bem adaptados a cada urn desses sitios, podem-se formar lentamente duas variedades distintas. Essas variedades eventualmente po- deriam encontrar-se e entrecruzar-se, mas nzo pretend0 voltar tZo cedo a esse as- sunto de cruzamentos. Posso acrescentar que, de acordo com Mr. Pierce, h i duas variedades de lobos que vivem nas Montanhas Catskill, nos Estados Unidos: uma se parece com urn galpo pequeno, gostando de atacar rebanhos de ovelhas, o que faz com relativa freqiibda.

.Agora, varnos exarninar urn caso mais complexo. Certas plantas segregam urn liquido doce, cuja finalidade aparente i a de eliminar alguma substincia nouva do seu alburno. A segregaqzo 6 realizada por uma glhdulas que, nas leguminosas, estio situadas na base das estipulas, e que, nos loureiros comuns, ficam no dorso de suas folhas. Apesar da pequena quantidade segregada, o liquido i sempre procura- do com avidez pelas insetos. Entio, vamos supor que haja um liquido qualquer, um . nictar, que seja segregado na parte dorsal inferior das pitalas de determinada flor. Nesse caso, os insetos, enquanto procuram o nictar,vZo ficando cobertos de pblen, e este p6len certamente seri transporedo para o estigma de outra flor. As flores de dois individuos distintos, da mesma espCde, poderiam entrecruzar-se, atravis desse processo, e temos boas raz6es para acreditar (dentro em pouco explicaremos me- lhor o porqu;) que esse cruzamento produziria renovos muitovigorosos e que por conseguinte, teriam melhores probabilidades de vicejar e sobreviver. A l p s desses renovos provavelmente herdariam a capacidade de segregar nictar. As flores dota- das de glbdulas ou necthios maiores, e que conseqiientemente segregassem mais nictar, seriam visitadas pelos insetos mais freqiientemente, o que lhes permitiria cruzar-se m2s que as outras. Assim, corn o passar do tempo, as pfieiras acabariam por tornar-se predominantes. Tambim as flores cujos estames e pistilos estivessem situados de tal mod0 que, conforme o tamanho e os hibitos dos insetos que costu- massem visiti-las, essa posiqzo viesse a favorecer de algum mod0 o transporte de

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seu p6len de uma flor para outra, tambim tenderiam a ser favorecidas e selecionadas dentre as demais. Poderiamos ainda mencionar o exemplo dos insetos que visitam as flores em bnsca de p6len, e niio de nictar; e como o p6len i formado com a finalidade Wca de se& B fecundaqiio, sua destruiqiio aparentemente constituiria uma perda para a planta. Entretanto, se uma pequena porqiio de p6len fosse tirada de uma flor, a principio, ocasionalmente, depois, habitualmente, pelos insetos que deles se alimentassem; e estes, pot sua vez, pousando em mais de uma dessas flores, acabassem promovendo o seu entrecruzamento; mesmo que se perdessem nove dicimos do p6len ainda assim a vantagem seria da planta. 0 s individuos que produ- zissem mais p6len e fossem dotados de anteras maiores seriam, enfio, os seleciona- dos dentre os demais.

Quando nossa planta, atravis desse processo de preservaqTio continua (ou sele- qTio natural), desenvolvesse flores cada vez mais atraentes para os insetos, estes, ainda que de modo casual, transportariam habitualmente o p6len de uma flor para oxtta, coisa que realmente ocorre, conforme fadlmente poden'amos provar atravis de exemplos numerosos e extraordinirios. Citarei apenas um, nHo pel0 fato de se tratar de .m caso muito notivel, mas porque tambim serve para ilustrar a separa- giio gradual dos sexos entre as pla~tas, assunto do qual trataremos em breve. Alguns azevinhos .s6 possuem flores masculinas, dotadas de quatro estames que prod.azem pequena quantidade de p6len, e de um pistilo rudirnentar. J i outros azevinhos s6 possuem flores femininas, sendo dotados de um pistilo inteiramente desenvolvido e de quatro estames com anteras atrofiadas, dentro das quais niio se encontra sequer urn grzozinho de p6len. Tendo encontrado uma imore feminina a exatamente 60 jardas de uma &ore masculina, coloquei sob o microsc6pio os est ipas de vinte flores, tiradas de ramos diferentes, e em todos eles, sem exceqiio, .havia grios de p6len, i s vezes ati em profusiio. Como h i virios dias vinha o vento soprando cons- tantemente da b o r e feminina para a masculina, era 6bvio que esse p6len niio poderia ter sido transportado pel0 ar. 0 tempo havia estado frio e tempestuoso, nada favorivel i s abelhas; sem embargo disto, todas as flores femininas que exami- nei haviam sido efetivamente fertilizadas por intermidio das abelhas, que involuntariamente se sujavam de p6len enquanto voavam de &ore em &ore em busca de ntctar. Mas voltemos ao nosso exemplo imaginirio. Logo que a planta se tornou tiio aaaente aos insetos que seu p6len passou a ser transportado regular- mente de flor para flor, outro processo pode ter-se iniciado. Kenhum naturalism duvida da vantagem do sistema designado pel0 nome de "divisiio fisiol6gica do trabalho". Dai decorre o fato de podermos aceitar sem contestaqiio que seria vanta- joso para uma planta produzir estames apenas numa flor, ou nas flores de apenas .ma planta, e pistilos em crltra flor ou em outra planta. Nos vegetais cultivados e adimados em habitats diferentes, costuma ocorrer o aumento ou a diminuiqiio cia potencia de um dos 6rgiios sexuais. Supondo-se que o mesmo fato, ainda que em escala ligeiramente menor, t a m b h ocorra na natureza, i medida que o p61en se tornasse mais redarmente trans~ortado de urna flor Dara outra. e aue se vedficas-

'3 . a

se em nossa planta uma scparag5o mais complct~ dos sexos, o que lhc scria vantajo- so, com basc no principio da divide de tmbalho, os individuos dotados dcssa ten- dencia se multip~cari& cada vez mais, sendo continuamente favoreddos e selecio-

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nados, at6 que por fim se concretizasse de umavez por todas a completa separaqHo dos sexos daquela planta.

Retomemos agora o caso dos insetos que se alimentam de p61en, dos quais falivamos em nosso exemplo imagkirio. Suponhamos que aquela planta cuja pro- duqHo de nCctar estaria aurnentando atraves da seleqHo continuada fosse um vegetal relativamente comum, e que determinados insetos dependessem efetivamente des- se nCctar para sua sobrevivincia. Eu poderia apresentar aqui diversas evidbcias de como as abelhas agem sempre voltadas para economizar tempo, como o prova seu hibito de furar um buraquinho na base de certas flores para sugar seu nectar, o que poderiam faz6-lo penetrando pela ahertura superior da flor, embora isto efetiva- mente iria tomar-lhes tempo. Tendo tais fatos em mente, nHo vejo razHo para duvi- dar de que um desvio acidental no tamanho ou na conformaqZo de seu corpo, ou na curvatura e comprirnento de sua tromba, ainda que tHo pequenos que nHo nos fosse possivel constati-lo, poderia ser proveitoso, seja para a abelha, seja para a l p ou- tro inseto, de mane& que o individuo dotado dessa vantagem fosse capaz de colher seu aliment0 mais rapidamente, tendo assim melhor probabiidade de sobreviver e multiplicar-se. Seus descendentes provavelmente herdariam a tend6ncia de possuir aquele impercepthel desvio estrutural. 0 s tubos das corolas do trevo-vermelho c o r n (Trifofitlmpratense) e do trevo-encarnado (T. incarmf~(m), a um exame super- ficial, nHo parecem diferir em comprimento: todavia, a abelha-domCstica pode fa- cilmente colher o nectar do .atitno, mas nHo consegue colher o do trevo-vermelho, que s6 C visitado pelos abelhdes. ?or causa disso, sHo comuns os vastos campos revestidos de trevos-vermelhos, oferecendo em vHo abundante suprimento de pre.. cioso nCctar que.as abelhas nZo podem aproveitat Portanto, poderia ser muito van- tajoso para uma abelha possuir uma tromba ligeiramente rnais comprida, ou com um formato diferente. ?or outro lado, descobri, atravis de experi6ncias que proce- di, que a ferdlidade dos trevos depende em grande parte do fato de que as abelhas, ao visiti-los, tiram de seu'lugar original certas partes da sua corola, a fim de empur- rar o p6len para superfie do estigma. Disto decorre que se os abelhdes se torna- rem raros numa determinada regiHo, seria bastante vantajoso para o trevo-vermelho possuit um tubo de corola mais curto ou com outro tipo de divisHo, uma vez que isso permitiria i s abelhas-domisticasvisitar suas flores. I3 isso me faz compreender como podem as flores e as abelhas.tornar.se pouco a pouco, seja de maneira simul thea, seja de maneira subseqiiente, modificadas e adaptadas umas i s outras do mod0 mais perfeito, atravis da preservaqzo continuada dos individuos portadores de desvios estruturais favoriveis i sua sobreviv~ncia mlitua, ainda que se trate de desvios quase imperceptiveis.

Tenho inteira consubcia de que esta teoria da seleqHo natural, aqui ilustrada com os exemplos imaginkios que acabamos de citar, esti sujeita a soher as mesmas objeqBes que foram inicialmente assacadas contra as magn'ficas idkias defendidas por Sir Charles Lyell a respeito "de como as rnodificaqBes atualmente sofddas pela terra serviriam como exemplo do que ocorreu nos tempos geol6gicos". Entretanto, hoje em dia poucos se atreveriam a qualificar como sendo insignificante ou inexpressiva a aqHo abrasiva das ondas costeiras, tendo em mente a escavaqHo dos gigantescos vales litorineos ou a formaqHo dos extensos alinhamentos de rochedos

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i beira-mat A seleqio natural s6 pode agir atravis da preservaqio e acumulaqio de modificagBes hereditkias infinitesimalmente pequenas, desde que hteis ao ser mo- dificado. Do mesmo mods que a Geologia moderna praticamente liquidou com certas idsas como a de que a escavaqio de um vale l i toheo tenha sido causada por uma h i c a vaga diluviana, assirn t a m b h haveremos de ver que a seleqio natural, se se comprovar a sua veraddade, haveri de liquidar com certas crenqas, como a da criaqio continua de novos seres vivos, ou a do surgimento shbito de modificaq6es estruturais considericveis.

A Pmpisito do Cm~amento dos Indiyiduos

Creio ier importante dizer algumas palavras sobre este assunto. No caso de animais evegetais dotados de sexos separados, i 6bvio que dois indidduos sempre terio de copular para que ocorra a fecundagio. No caso dos hermafroditas, porim, essa necessidade est& longe de ser 6bvia. Nio obstante, estou fortemente indinado a acreditar que, entre todos os hermafroditas, pel0 menos ocasionalmente, senio babitualmente, dois indidduos se unam para reproduzir sua espide. Devo acres- centar que esta idiia foi sugerida primeiramente por Andrew Knight Ainda neste capitulo teremos a opbrtunidade de ver a importincia deste fato; agora, porim, vamos abordi-lo de maneira extremamente sucinta, embora eu disponha de mate- rial sufidente para uma discussio mais ampla. Todos os animais vertebrados, todos os insetos e virios outros grandes grupos de animais se acasalam com a hnalidade de se reproduzicem. A pesquisa moderna reduziu grandemente o niunero dos seres outrora considerados como hermafroditas. Quanto aos hermafroditas genuhos, muitos deles costurnam copular, ou seja, juntar-se dois a dois regularmente, com o objetivo de se reproduzir. Sio estes que nos interessam. Todavia, ainda h i um gran- de niunero de animais hermafroditas que pot certo nio copulam habitualmente. E a grande maioria dos vegetais i hermafrodita. EnGo, petgunta-se: que razio existe para se supor que, neste 6ltirno caso, haja necessidade de dois individuos para se chegar i reproduqio da espicie? Como seria.impossive1 entrar aqui em pormeno- res, teremos de nos contentar com algumas considerag6es de cariter geral.

Devo dizer, primeiramente, que coletei numerosissimos fatos que comprovam a crenga quase universal dos criadores e cultivadores, de que, tanto para os vegetais como para os animais, um cruzamento, seja entre individuos de diferentes varieda- des, seja entle espidmes da mesma variedade, mas de linhagens distintas, confere vigor e fecundidade aos descendentes; por outro lado, o cruzamento entre indid- duos que sejam parentes pr6ximos - cruzamentos consangiiheos - diminui o vigor e a fertilidade. Apenas por este fatos, sinto-me indinado a acreditar na exis- t h d a de uma lei geral da natureza (cujo enunciado, porkm, ignoramos inteiramen- te) segundo a qual nenhum set vivo se auto-fertilizaxia por uma eternidade de gera- q6es, sendo indispensivel para a permanknda da espide que haja um ou dois cru- zamentos, ainda que ocasionalmente - e talvcz a intervalos bem longos.

Partindo do principio de que tal exiginda constitua de fato uma lei da natureza, acredito que podemos compreender diversas e amplas sines de fatos que, de outra maneira, seriam inexpliciveis: ei-10s a seguir. Todo horticultor que se dedica a culti-

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var hiiridos sabe como 6 desfavorivel i fertilizaqio de uma flor sua exposiqZo B urnidade, mesmo havendo uma enorme quantidade de flores que t&n suas anteras e seus estigmas inteiramente expostos ao tempo! No entanto, se urn cruzamento ocasional for indispensivel para elas, tal estado de exposiqio seria explicado pela necessidade de se oferecer uma enaada livre para o p6len proveniente de outro individuo. A explicaqZo i ainda mais razoivel quando ocorre de ficarem 60 pr6xi- mos as anteras e o pistilo - e isso C quase geral - que a auto-fecundaqlio parece quase inevitivel. Muitas flores, por outro lado, possuem seus 6rgZos de frutificaqZo encerrados e escondidos, como no caso da grande familia das papilioniceas leguminosas. Nesse caso, porim, em quase todas, senZo todas as flores, existe uma adaptaqZo-muito curiosa entre a estrutura floral e a maneira pela qual as abelhas sugam o nictar, pois, quando o fazem, elas ou empurram o p6len da pr6pna flor para o estigma, ou trazem o p6len de uma outra flor. SZo tZo necessirias as visitas das abelhas para as flores das papilioniceas, que descobri, atravCs de experitnuas que certa vez publiquei, que sua fertilidade se reduz hastante quando se impedem tais visitas. Ora, C quase impossfvel que as abelhas voem de uma flor para a outra sem transpottar o p6len desta para aquela, o que s6 pode revertex em beneficio para a planta, segundo penso. A aqZo das abelhas 15 semelhante i de um pincel, desses de paos de camelo; assim, basta que uma delas encoste nas anteras de uma flor, depois no estigma de outra, para que se consuma a fecundaqZo. Mas dai nZo se v i imaginar que elas desse mod0 produziriam uma infjnidade de hifridos entre espides distin- tas, pois se no mesmo "pincel" houver p6len da pr6pria planta e de outra diferente, o primeiro teri um efeito 60 predominante que invariavelmente anulai4 por com- pleto a aqio 'do outro, conforme o demonstrou Gartner.

Quando os estames de uma flor se lanqam subitamente na direqzo do pistilo, ou se movem lentamente um ap6s o outro naquela mesma direqio, tal expediente pa- rece ser adotado unicamente em funqZo de se consumar a auto-fertilizaqZo, e nZo h i dlivida de que seja &til para esse fim. Entretanto, a participaqio dos insetos i eventualmente necesskia para que os estames se expandam para frente, conforme foi demonstrado por Kolreuter no caso da uva-espim. Curiosamente, neste mesmo geneto, que parece ter.uma tendencia espedal B auto-fecundaqio, i sabido que se formas ou variedades muito pr6ximas forem plantadas umas perto das outras, seri bastante disc3 obter descendentes puros, tala facilidade de cruzamento destas plan- tas.'Em muitos outros casos, ao invis de se notar um fator favorivel i auto-fecun- daqZo, o que se observa i a existhda de algum dispositivo espedal que vutualmen- te impede o estigma de receber o p6len da pr6pria flor, conforme o comprovam os escntos de C. C. Sprengel, que pude confirmar atravis da observaqio pessoal. Na L.obe/iaj~/gens, por exemplo, existe um dispositivo realmente belo e bem-elaborado, por meio do qual cada granulo do p6len i praticamente "varrido" das anteras conjugadas da flor, antes que seu estigma esteja pronto para recebe-lo. E como esta flornunca 6 visitada pelos insetos belo menos i o que verifiquei no meu jardim), ela nunca praduz sementes, embora eu tenha obtido, tirando o p6len de uma flor e colocando-o no estigma de outra, boa quantidade de sementeiras; nesse meio tem- po, outra espide de Lobelia que cresda nas proximidades da primeira, e que era visitada pelas abelhas, produzia sementes em abundhda. Em diversos outros ca-

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At& hoje, ainda nio encoctrei sequer um b a l terrestre que se auto-fecundasse. Um fato 60 notivel como esse. em flamante conaaste com o a~resentado ~ d a s

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plantas terrestres, pode ser compreendido com base na id&a de que seja indispensi- vel um cruzamento ocasional, tendo em vista o meio ambiente no qual vivem os anirnais terrestres e a natureza do elemento fertilizador. Efetivamente, desconhece- mos a l p meio cuja agio seja aniloga B dos insetos ou B do vento para as plantas, que possa propiciar aos animais terrestres um uuzamento ocasional. isso s6 se pode conseguir atraves do concurso de dois individuos. Entre os animais aquiticos. h i numerosos hermafroditas auto-fecundantes, mas as correntes que se formam no seio das imas oferecem uma condicio 6bvia aos cruzamentos ocasionais. Ademais.

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at& hoje ainda nio consegui enc0ntrar.m M c o animal hermafrodita que, como no caso das flores, possuisse 6rgios reprodutores perfeitamente encerrados dentro do corpo, emboi ;enha consztado a tal respei& uma das maiores autoridades no assunto, o Professor Euxley. Portanto, nZo creio que haja algum animal cujos 6r- gZos reprodutores sejam inacessiveis a outro individuo pertencente B sua mesma espCde. Por muito tempo me pareceu que os drripedes,neste particular, forneces- sem um bom exemplo de inexistsncia de entrecruzamento; todavia, um feliz acaso me permitiu comprovar que dois individuos, embora fossem hermafroditas capa- zes de se autofecundar, eventualrnente se cruzavam.

Muitos naturalistas devem ter ficado impressionados com uma estranha ano- malia que ocorre tanto entre vegetais como entre animais: algumas espkcies da mesma familia, i s vezes cio mesmo gsnero, embora assemelhando-se bastante umas com as ouaas em quase todo o set organismo, nio raramente apresentam o contraste de serem umas hermafroditas e outras unissexuadas. NZo obstante, se de fato todos os hermafroditas se cruzam eventualmente, as diferengas entre eles e as espkcies unissexuadas, pel0 menos no que se refere B funqio sexual, fica consideravelmente reduzida.

Esmbado nestas virias consideragBes e em diversos fatos que recolhi, mas que no momento nio tenho condigBes de apresentar, estou fortemente indinado a sus- peitar que, seja no reino animal, seja no vegetal, ocasionais cruzamentos entre in&.- viduos distintos constituam efetivamente uma lei natural. Estou bem a par de que, dentro deste ponto de vista, existem muitas dificuldades a serem superadas. Estou tentando investigar algumas delas. Portanto, pode-se conduir, para finalizar, que, para muitos seres vivos, o cruzamento entre dois individuos constitui uma necessi- dade 6bvia para qualquer fecundaqZo; para muitos ouaos, esses cruzamentos talvez ocorram apenas a longos intervalos de tempo; mas para nenhum, segundo imagino, pode a auto-fecundaqio perpetuar-se como a M c a forma de reprodugZo.

Cimnsfdflias Fauoriveis d Se/efiZo Natural

Trataremos agora de um assunto extcemamente complexo. Um alto grau de variabiidade hereditiria e diversificada & favorivd atuaqio da selegZo natural, mas acredito que, para que tal se d?, sejam sufidentes as meras diferengas individuais. Um grande n6mero de individuos, propiciando maior probabilidade para o surgimento de variaqees proveitosas num determinado espaqo de tempo, compen-

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sari um menor grau devariabiidade individual, constituindo, segundo meu mod0 de pensar, um fator extremamente importante para o sucesso dessa atuaqZo. Embo- ra a natureza dispenda longos pegodos de tempo para o trabalho da seleqio natural, esse tempo nZo 6 indefinido, pois como todos os seres vivos estZo lutando, por assim dizer, para se apoderar de cada lugar na economia da natureza, se alguma esp6de nZo se tornar modificada e nZo alcanpr um grau de aperfeiqoamento cor- respondente ao dos seus competidores, ela logo sei-i exterminada.

Quando da seleqzo met6dica empreendida pelo homem, o criador escolhe aqui- lo que quer preservar, tendo em vista objetivos bem definidos, e o livre entrecruzamento podei-i p8r a perder todo o seu trabalho. Mas quando diversas pessoas, mesmo sem intenqZo de alterar uma determinada raqa, t6m em mente um padrZo quase comum de perfeiqZo, com todos tentando possuir e fazendo procriar os melhores exemplares, diversas alteraqdes e melhoramentos hZo de redundar, cer- tamente, embora de maneira lenta, desse process0 inconsdente de seleqZo, a des- peito dos numerosos cruzamentos que ocorre60 entre os individuos de qualidade superior e inferior. 0 mesmo se veri6ca na natureza: dentro de uma kea resmta cujo potendal de ocupaq%o ainda apresente lacunas por preencher, a seleqZo natural sempre tenderia a preservar todos os individuos que estivessem adquirindo varia- qdes numa determinada direq%o, ainda que em graus diferentes, a fun de ocupar os lugares vagos de maneira mais efetiva. Mas se a irea for extensa, suas diversas regi- des quase certamente apresentaGo diferentes condiqdes de vida; assim sendo, se a seleqio natural modificar e aperfeiqoar uma esp6de existente em diversas regides, irh ocorrer o cruzamento entre os individuos daquela esp6cie nos trechos limitrofes entre essas regides. Neste caso, os efeitos desses cruzamentos difidlmente poderi- am ser contrabalanqados pela seleqio n a t d , uma vez que esta tende a modificar todos os individuos de uma regizo, de maneira a adapti-10s i s condiqdes daquele local. De fato, numa kea continua, as condiq6es vZo-se alterando de maneira gra- dual e insensivel, de uma regiio para a outra. Tais cruzamentos hio de afetar pdn- cipalmente os animais que sempre copulam, que vagueiam muito e cuja reproduqzo nZo 6 muito ripida. Assim, nos animais que se comportam desse modo, como 6 o caso das aves, as variedades geralmente estaGo restritas b regiBes isoladas entre si, segundo penso. Nos organismos hermafroditas que se cruzam .apenas ocasional- mente, assim como nos animais que necessariamente copulam para procriar, mas que vagueiam pouco e sereproduzem em curto espaqo de tempo, uma nova d e - dade pode format-se rapidamente num determinado local, podendo manter-se ali como um conjunto separado, de maneira que, mesmo ocorrendo cruzamentos, se- jam estes prindpalmedte entre os individuos da mesma d e d a d e nova. Uma vez formada, a nova variedade poderi, subsequentemente, espalhat-se de mod0 lento e progressive, at6 alcanqar outras regiaes. Com base neste pdncipio, os horticultores t& sempre prefetido cultivaras sementes recolhidas numgrande conjunto de plantas da mesma variedade, pois a probabiidade de cruzarnento destas com os individuos de outras variedades fica assim bastante reduzida.

Mesmo no caso dos animais de reprodugio lenta, que t& de copular para se fecundar, nZo devemos superestbar os efeitos dos ctuzamentos quanto i redugo da capaddade seletiva da natureza, pois eu seria capaz de exibii um elenco considersivel

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de fatos compmvando que, dentro de uma h a , as vaxiedades de um determinado animal podem permanecer distintas por longo tempo, seja porque freqiientem locais diferentes, seja porque se reproduzam em ipocas ligeiramente distintas, ou seja por- que os individuos de cada v,atiedade preferem acasalar-se com seus semelhantes.

0 cruzamento desempenha importantissimo papel na natureza, uma vez que conserva, uniformes e genuinos, os caracteres dos individuos da mesma espicie ou da mesma variedade. Sua agio seri obviamente mais efetiva no que se refere aos animais que necessariamente copulam para procriar; todavia, segundo tentei de- monstrar, temos razdes para acreditar que ocorram cruzamentos ocasionais entre todos os anirnais e todas as plantas. Mesmo que tais cmzamentos ocorrarn apenas a longos intervalos de tempo, estou convenddo de que os descendentes assim pro- duzidos muito IucrarZo, em termos de vigor e fertilidade, comparados com os fru- tos de uma continuada autofecundaqio.Desse modo, os ptimeiros terZo maior pro- babiidade de sobreviver e propagar seu tipo, e assim, com o correr dos tempos, a influ2ncia dos cruzamentos, mesmo que a longos intervalos, sen5 marcante. Se de fato existirem seres organizados que jatpais se cruzam, a uniformidade de seus caracteres seria preservada, na medida em que nEo se alterarem suas condiqdes de vida, devido ao principio de hereditariedade e ao fato de que a sdeqEo natural des- truiri qnalquer descendente que se afaste do tip0 normal. Todavia, se suas condi- qdes de vida se alterarem e eles comeqarem a sofrer modificaqdes, a uniformidade dos caracteres passari a vigorar apenas para os descendentes modificados, pelo simples fato de que a sdeqiio natural iri preservar apenas as mesmas variaqdes favo- riveis aos individuos.

Tambim o isolamento 6 importante fator no process0 de sdeqiio natural. Numa irea confinada, isolada e nio muito vasta, as condiqdes orghicas e inorghicas de vida, de mod0 geral, se6o bastante uniformes; desse modo, a seleqio natural tende- rd a modificar todos osindividuos de uma espide variivel existente naquela irea, e de uma s6 maneira, adaptada iquelas mesmas condiqdes que ali prevalecem. Ade- mais, os cruzamentos com os individuos da mesma espide que porventura vivam nas ireas adjacentes, sujeitas a diferentes condiqdes devida, niio poderiio ocorrer, j i que se trata de uma irea isolada. Mas o isolamento provavelmente age niais efiden- temente no que se refere a constituir um obsticulo i imigraqio de organismos mais bem adaptados, em razio de suas ireas terem sofrido alguma modificaqio de cari- ter fisiogriftco - nltera~lio dimitica, soerguimento das terras, etc. Assim, novos lugares na economia natural daquela regiio estafio abertos para que os antigos habitantes passem a lutar por eles e a se adaptar is suas condiqdes, atraves de modi- ficaqaes na sua estrutura e constituiqHo fisica. 0 isolamento, por fim, uma vez que impede a imigraqio e a conseqiiente competiqio, fornecersi ocasiiio e tempo para que uma variedade nova possa ser lentamente aperfeiqoada, e isso eventualmente poderia ser importante para a formaqiio de uma nova espide. Entretanto, se uma &tea isolada for muito pequena, seja por possuir barreiras que a circundem, sejam pelas condiqGes'fisicas muito peculiares que ali existam, o niunero total de individuos que eh pode sustentar h i de ser necessariamente muito p e F o , e isso retard& grandemente a produqio de novas espides atravis da sdeqio natural, j i que se redu- zem as probabiidades do surgimento de variaqdes favorsiveis entre seus moradores.

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Buscando na natureia as evidhcias comprobat6rias dessas observaqBes, pode- mos escoiher como exemplo uma pequena irea isolada, tal como alguma ilhota oceinica. Embora o nfimero total de espicies que ali vivem seja muito pequeno, conforme iremos ver em nosso capitulo sobre dismbuiqio geogrifica, grande parte dessas espkcies C endemica - ou seja, trata-se de espicies produzidas ali, e em nenhuma outra parte. Assim, o fato de set uma &a ocebica parece, i primeira vista, ter sido altamente favorivel para a produqio de novas espicies. Mas pode set que estejamos errados. Para se determinar qual seria o local mais favorivel i produ- qio de novas formas orginicas - - se uma pequena irea isolada, ou se .uma vasta iirea aberta, como um continente- teriamos de comparar o que ocorreu em ambas dentro de pedodos de tempo iguais, e isso nio temos condiqio de fazer.

'Embora eu nio duvide de que o isolamento seja importana'ssimo para a produ- qio de novas espicies, no cbmputo geral estou indinado a acreditar que a vastidio da irea seja de maior irnporthcia, especialmente no que se refere i produqio de espicies capazes de perdurar por longos periodos de tempo e de se espalhar por diversas regi8es. Dentro de uma irea ampla e aberta, nio s6 haveri maior probabi- lidade de que surjam variaqBes favoriveis, dado o grande n h e r o de indidduos de cada espicie ali existente, como tambim as condiq6es de vida sio infinitamente mais complexas. Se alg~mas espicies forem modificadas e aperfeiqoadas, outras tambim terio de se aperfeiqoar em grau correspondente, pois do contririo se6o exterminadas. Alim do mais, cada nova forma, tio logo esteja aperfeiqoada, estari em condiq6es de se espalhar por toda aquela irea continua e aberta, entrando em seguida em competiqZo com as demais. 0 s lugarcs a serem dispntados, sendo mais numerosos numa ires extensa, tornario essa disputa ainda mais acirrada do que o seria numa pequena irea isolada. Acrescente-se que as ireas que hoje sio extensas e continuas nem sempre se apresentaram as'sim: devido i s oscilaqBes do dvel do mar, pode ser que algumas delas tenham sido descontinuas h i nio muito tempo, de maneira que os efeitos do isolamento possam ali ter atuado at6 certo ponto. Con- duindo, podemos dizer que as pequenas ireas isoladas, embora sob determinados pontos de vista possam ter sido altamente favoriveis i forma~io de novas espicies, mesmo assim o curso das modificaqBes, de mod0 geral, dwe ter sido mais ripido nas ireas extensas, e, o que 6 ainda mais importante, as novas formas produzidas nessas ireas extensas, uma vez que j i tenham sobrepujado numerosos competido- res, serio as que $0 apresentar maior dispetsio, as que irio produzir a maioria das novas variedades e espicies, e as que irio desempenhar papel mais importante na 5ist6ria evolutiva do mundo orginico.

E possivel que, com base nestas id&as, cheguemos a compreender alguns fatos que de novo sei+o mencionados em nosso capitulo sobre dismbuiqio geogrifica, como por exemplo o de que as produqaes do menor dos continentes, a Austdia, tenham sido sobrepujadas -- e o process0 aparentemente ainda nio cessou - pelas oriundas do continente maior, a Eurisia. A mesma explicaqio serviria para o fato de que as produq6es continentais se tenham adimatado tio bem em tantas ilhas ocehicas. Numa ilhota, a corrida pela vida deve ter sido bem menos irdua, alim do que deve ter havido menos modi&aqio e menos extinqio entre as espici- es. Talvez seja por isso que a flora da Ilha da Madeira, de acordo com Oswald Heer,

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lembre a extinta flora terciiria da Europa. Todas as badas de iigua doce, somadas, formam uma irea diminuta, em comparaqio com a do max ou das terras emersas. Consequentemente, a competiqio entre as formas de vida existentes na @a doce deve ter sido menos acirrada quenesses outros lugares; as formas novas devem ter sido formadas com a maior lentidio, a mesma que deve ter caracterizado a extinqio das formas antigas. E na igua doce que encontramos sete gheros de peixes gandides, remanescentes de uma ordem outrora predominante, sem falar em algumas das formas mais anBmalas que conhecemos, como os ornitorrincos e as piramb6ias, os quais, i semelhanga de fbsseis, constituem elos que at6 certo ponto ligam ordens atualmente bastante separadas na escala natural. Essas formas an6malas quase po- deriam ser chamadas de "f6sseis vivos", tendo perdurado at6 os dias de boje pelo fato de habitarem em ireas confmadas, e assim terem sido expostas a uma compe- tiqio menos severa.

Resumindo as circunstindas favoriveis e desfavoriv'eis i seleqHo natural, tanto quanto o permite a complexidade do assunto, posso conduir, em relaqio ao futuro, que uma extensa kea continental, snscetivel de sofrermuitas oscilaq6es do dvel do mar, e que consequentemente deveri existir por longos periodos em condiq6es descontinuas, constituiri por certo o habitat mais favorivel para a reproduqHo.de muitas novas formas de vida, que aJi poderHo perdurar por longo tempo e se difun- dir amplamente. isso porque a iirea teria existido antes sob a forma de continente, e os habitantes, entHo numerosos e variados, teriam estado sujeitos i mais acirrada competiqio. Se essa irea porventura converter-se, em decorr2nda de afundamen- tos, em grandes &as separadas, cada ilha ficari possuindo muitos individuos da mesma espide; os cruzamentos nos limites de seus habitat jii nHo mais ocorreri; a imigraqHo, em decorrenda da modificaqio das condiq6es Ksicas, cessarii, de manei- ra que as lacunas na organizaqzo da flora e da fauna serio preenchidas pelos andgos habitantes, i medida que forem sofrendo variaq6es. Caberi ao tempo fazer com que cada variedade se torne bem adaptada e aperfeiqoada. Se posteriormente ocor- rer novo soerguirnento das ilhas e estas reassumirem sua condiqio de irea conti- nental, de novo h i de se instalar a competiqio sem tripas. As vatiedades mais favoreddas ou mais aperfeiqoadas se6o mais capazes de se espalhar, enquanto que as meno\ favorecidas ou pouco aperfeiqoadas serio exterminadas em grande nfi- mero. Modificar-se-8 o niunero propordonal dos habitantes do continente que se renovou, e outra vez hii de se abrir umvasto campo para que a seleqio natural possa aperfeiqoar os habitantes e assim produz5 novas espicies.

Que a seleqio natural sempre age com extrema lentidio, admito-o plenamente Sua atuagio esti na dependenda do surgimento de vagas no quadro da comunidade natural que possam ser ocupadas por algucs dos habitantes de uma regiHo em pro.- cesso de modificaqio, seja esta qual for..A existhda de taisvagas dependeri muitas vezes das modificaq6es Ksicas, geralmente muito lentas, e do fato de haver cessado a imigraqHo de formas mais bem adaptadas. Mas a atuaqio da seleqio natural prova- velmente dependeri, com maior freqiibda ainda, do fato de-jii se estarem modifi- cando alguns dos habitantes, ainda que lentamente, de maneira que as inter-relaq6es de muitos dos outros habitantes esteja sofrendo alguma perturbagzo. Nenhum tipo de alteraqio ocorrerii se nHo houver variagbes favoriveis, e a variaqio em si parece

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constituir sempre um processo bastantelento, mormente havendo entrecruzamentos, que mais ainda retardacZo. Muitos haveso de objetar que essas diversas causas sHo mais do que suficientes para interromper comp1etamente.a atuaqHo da selegHo natu- ral. NHo creio. Por outro lado, acredito que a selegHo natural age sempre muito lentamente, muitas vezes apenas a longos intenralos de tempo, em geral sobre uns poucos babitantes damesma regiHo, e simultaneamente. Acredito tambim que essa atuaqio lenta e intermitente da selkqHo natural concorde perfeitamente bem com o que nos conta a Geologia acerca da doddade e da maneira com a qual se teria modificado os habitantes deste planeta.

Por.mais lento que possa ser o processo da seleqHo natural, ofato i que se o ser bumano, que C Go pouco capaz, tanto consegue obter atravis da selegHo artificial, nHo vejo limites para o volume de modificagdes, para a beleza e complexidade das co-adaptaqdes entre todos os seres vivos, uns em relaqHo aos outros e em relaqHo is condiqdes flsicas de vida, que nHo possam ser obtidos durante o longo curso dos tempos pel0 poder seletivo da natureza.

Este assunto seri discutido mais extensamente no capitulo referente 21 Geolo- gia. Aqui vamos apenas examini-lo rapidamente, dado o seu intimo reladonamento com a seleqzo natural. Esta seleqio atua unicamente atravis da preservagiio de vari- aqdes que de algum mod0 sejam vantajosas, e que por isso hHo de perdurar. Toda- via, como em fungi0 da capaddade que t h os seres vivos de aumentar em pro- gresdo geomimca, todas as ireas j i se encontram inteiramente habitadas, d& de- corre que, i medida que proliferam as espides favoreddas e seledonadas, as for- mas menos favoreddas vHo dimhuindo de niunero e tornando-se raras. A raridade, como nos i mostrado pela Geologia, i a precursors da extinqHo. Podemos ainda imaginar que qualquer forma representada por pequeno niunero de individuos so- freri, durante as flutuagdes sazonais ou em funqHo do aumento do niunero de seus inimigos naturais, grande risco de extinqHo completa. Podemos at6 avanqar a l h disso; pois, como as novas formas esGo sendo produzidas lenta e continuamente, as antigas devego extine-se inevitavelmente, a nHo ser que acreditemos que o niunero de formas espedficas aumente indehida e perpetuamente. Que tal coisa nHo tem ocorrido, mostra-nos datamente a Geologia - e efetivamente i bem 16gi- co que esse aumento nHo tenha condigties de ocorrer, j i que o niunero de vagas na economia da natureza nHo i inhito (embora nHo tenhamos meios de saber se algu- ma regiHo j i teria ou nHo alcangado seu niunero-limite de espicies). Provavelmente, nenhuma regiHo jB atingiu esse miximo, pois no Cabo da Boa Esperanqa, onde se aglomeram mais espides do que em qualquer outro local do mundo, algumas plan- tas alienigenas se adimataram, sem que com isso se tenha causado a extingHo dos vegetais nativos, tanto quanto sabemos.

Alim do mais, as espicies mais numerosas em individuos terHo mais probabili- dade de produzirvaria~des favoriveis, dentro de um determinado pedodo de tem- po. Servem de evidhda as fatos apresentados no segundo capitulo, de acordo com os quais ficamos sabendo que sHo as espides mais comuns as quepossuem o maior

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mais curto que o normal, enquanto que outro obsenra entre seus pombos um com o bico nais comprido. Dentro do conheddo principio de que "0s criadores nZo admiram os individuos normais, mas sim os ex6ticosn, ambos passam a selecionar os individuos diferentes, cruzando-os entre si - isto 6, bico curto com bico curto, bico longo com.bico longo. Foi isso o que efetivamente ocorreu quando se formou a variedade dos pombos-cambalhotas. Dentro do mesmo radodnio, podemos su- por que, h i tempos ads , algum criador de cavalos se tenha interessado pelos exem- plares mais velozes, e outro pelos mais corpulentos e robustos. A primeitas diferen- gas devem ter sido quase insignificantes; com o passar do tempo, atravis da se4egZo constante dos cavalos mais velozes, de um lado, e dos mais robustos, de outro lado, essas diferengas foram aumentando de gray caracterizando a formag50 de duas "sub-ragas". Por fim, passados alguns siculos, essas quase-ragas j i se teriam conver- tido em duas ragas nitidas e genuinas. A medida que as diferengas aumentavam ligeiramente, os exemplares inferiores, dotados de caractedsticas intermediLcias, nZo 60 vvelzes ou n5o 60 robustos, iam sendo deixados de lado, tendendo a desapare- cer. Sstes exemplos permitem-nos observar o que se pode denorr&ar "Principio de 3iverg&nda", segundo o qual as pequenas diferengas, que a principio mal se podiam perceber, vZo aumentando ati se tornarem nitidas, disdnguindo as ragas entre si e em relaggo ao seu ancestral comum.

Poder-se-ia perguntar como poderia ser aplicado B naheza umprincipic anilo-. go a esse. Segundo meu mod0 de pensar, esse principio G o s6 pode sex aplicado i natureza, como deve ser ati mais eficaz no que se refere aos seres em estado nativo, pela simples circuns&da de que, quanto mais diversificados se tornam os individuos de uma espkde no que se refere B estrum, constituigZo e hibitos, tanto mais esta6o capadtados a predominar num habitat bem amplo, ompando diversas vagas existen- tes na economia natural, podendo assim multiplicar-se e x t t a o r ~ e n t e .

Isso pode ser observado daramente no caso dos animais que t h hibitos s b - ples. Tomemos o exemplo de um carnivora quad~pede, cujo n h e r o m w o ca- paz de sobrevivernum determinado lugar j i tenha sido alcangado M bastante tem- po. Se houver possibilidade de que sua capaddade natural de multiplicagZo seja adonada, sem que a r e g o tenha sofrido qualquer alteragZo ambiental, mas sim- plesmente em fung5o das variagces sofridas pelos descendentes, permitindo-lhes apoderar-se de vagas presentemente ocupadas por outros animais, seu n h e r o cer- tarnente hi de aumentar. Alguns dos descendentes poderiam, por exemplo, devorar outros tipos de presas, vivas ou mortas. Outros poderiam ocupar novos habitats, aprendendo a viver nas &ores ou a cagar na &a. E outros talvez pudessem tor- nar-se menos carnivores. Quanto mais diversificados se tornarem os hibitos e a e s t r u m dos descendentes, maior niunero delugares lhes seripermitido ocupar. 0 que vale para um, vale para todos, e deve ter valido atravis dos tempos - desde que haja variagces, pois de outro modo a selegZo natural nZo poderia ter agido.

A mesma ccisa ocorreri com as plantas. J i se comprovou expehentalmente que se uma gleba for cultivada com determinada espkde de capim, e outra seme- lhante, com capins de diversos gheros, esta dtima produzi~i maior niunero de individuos e mais fen0 que a primeira. 0 s resultados foram id2nticos quando se plantou uma certa variedade de ttigo num terreno, cultivando-se simultaneamente

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outro terreno de mesma irea com diversas variedades deste cereal. 0 que ocorre i que se m a deterrninada spicie estiver em process0 de d q i o , e forem selecionadas continuamente aquelas variedade que diferissem entxe si de maneira absolutamente idhtica i pela q d diferem entre si as diferentes espicies e gheros de capins, um maior niuners de individsos dessa espicie, indusive seus descendent- modificados, poderia multiplicar-se vivendo no mesmo terreno. E sabemos bem que toda espicie e toda variedade de capim espalha anualmente um niunero quase incaldvel de se- mentes, podendo-se dizq por esta razk, que essa espicie estada se "esforgando" ao m h o para aumentar seu niunero de individuos. Conseqiientemente, nZo posso duvidar de que, no transcurso de milhares de geraqdes, as dedades rnais diferentes de capim tedam sempre as maiores probabilidades de sobreviver e de aumentar seu niunero, e portanto desuplantar as dedades menos distintas; e as variedades, quan- do se distinguem muito entre si, acabam por assumir a categoda de espicies.

A verdade desse prinupio, ou seja, de que uma quantidade maior de forma de vida poderi sobr'eviver numa regiio de grande diversif~cagko estrutural, pode ser verificada sob in.heras circunstincias naturais. Numa irea extremamente reduzi- da, especialmente se estiver aberta i iingraqio, e onde as disputas entre os individu- os tenham de ser acirradas, sempre encontramos grande diversidade'de habitantes. h d e obse~ar, por exemplo, que um pequeno trato de relva, de trss p&s de largura por quaao de comprimento, exposto durante muitos anos a condig6es invariavel- mente iguais, continha vinte, espides vegetais, pertencentes a dezoito gheros e oito ordens, o que mostra o grau de diferenga que tais plantas apresentavam. 0 mesmo ocorre com as plantas e insetos quevivem em ilhotas cujos aspectos fisicos sio uniforms, ou enGo em lagoas de &a doce. 0 s agricultores acbam que podem produzir mais alirnentos atravb do processode roaqio de cultivos, para tanto lan- qando mko de plantas pertencentes i s ordens mais diversas: pois a natureza pratica o que podedamos chamar de "rotaqio simultinea". A maior parte dos animais e vegetais que vivem nas proximidades imediatas de um terreno de dimendes redu- zidas, poderia viva nesse terreno (mesmo supondo-se que ele possua alguma carac .

~edstica que de a l p mod0 nZo seja peculiar & natureza desses seres vivos), poden- do-se dizer que todos se empenham ao miximo para ocupi-lo. Todavia, jH se viu que, quando esses seres entram em competiqZo siria uns contra os outros, as vanta- gens da diversificaqko estrutural, juntamente com.as diferengas de hibitos e consti- tuigo, determinam que os habitantes que mais se misturam uns com os outros, da maneira mais prom'scua, via de regra pertencem ao que chamamos de gheros e ordens diferentes.

0 mesmo prinupio se observa na adimataqio das plantas levadas de uma terra para outra por intermidio do ser humano. Era de se esperar que as plantas bem- sucedidas em sua adimatago fossem parentas pr6ximas das plantas nativas, j i que estas sio comuiiente consideradas como vegetais criados e adaptados especial- mente is suas pr6p& terras. Poder-se-ia t ambh esperar que os vegetais adimatados pertencessem a uns poucos grupos adaptados especialmente a dete&dos habias em suas novas terras. Mas o que. ocorre i inteiramente diferente, e Alphonse de Candolle observou muito bem, em sua extensa e admirive1 obra, que as floras, em decorrsnua da adimaragio de plantas ex6ticas, e proporcionalmente ao niunero de

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espides e &eros nativos, adquirem relativamente muito mais gheros novos de que novas espides. Cito apenas um h i c o exemplo. Na dtima edigzo do "Manual da Nora do Nordeste dos Estados Unidos", o Dr. Asa Gray reladona 260 plantas aclimatadas, pertencentes a 162 g2neros Portanto, tram-se de plantas de natureza altamente diversificada, e que, a l k do mais, diferem grandemente das plantas nati- vas, uma vez que, dos 162 gheros aos quais pertencem, hkGo menos de 100 que nZo t h representantes no pais, donde se constata o grande acr&scimo relativo ao niunero de gheros que primitivamente existiram nos Estados Unidos.

Considerando-se a natureza dos vegetais e animais que enkentaram com suces- so a luta contra as plantas e animais nativos de qualquer rego, ali se adimatando, podemos fazer uma ligeira id& sobre a maneira pela qua1 a l p s dos habitantes originais tiveram de se modificar, a fim de adquirir alguma vantagem sobre seus antigos competidores. Assim, penso que podemos conduir sem receio que a diver- siEcagZo estrutural, importando em novas diferengas genkicas, em dtima andise. foi proveitosa para eles.

Avantagem da diversificagzo nos habitantes da mesma regizo i, efetivamente, a mesma que a da divisZo do trabalho nos 6r@os do coqo de um individuo - assunto 60 bem tratado por Milne Edwards. Nenhum fisiologista duvida de que um estbmago, pelo fato de ser adaptado a dig& apenas matiria vegetal, ou s6 carne, tire mais nutrig30 dessas substinuas. E assim tambem 6 na economia geral de qualquer terra: quantq mais ampla e perfeitamente diversificados e adaptados a diferentes hibitos de vida forem os animais e vegetais, maior niunero de individuos seri capaz de conseguir sobreviver ali. Um grupo de animais cujo organism0 seja apenas pouco diversificado dificilmente poderia compedr com outro grupo mais perfeitamente diversificado em sua estrutura orginica. Pode-se duvidar, por exem- plo, se os marsupiais australianos, que szo divididos em grupos que pouco diferem uds dos outros, e que, segundo Mr. Waterhouse e outros autores, correspondem mais ou menos aos nossos mamiferos dos grupo de carnivores, ruminantes e roe- dores, pudessem competir efidentemente com asas ordens 60 bem detinidas. Entre os mam'feros ausdanos, observamos o process0 de diversificagzo num es@o de desenvolvimento ainda primitive e incompleto.

Dadas estas +licqdes, que deveriam ter sido bem mais ampliadas, creio que podemos presumir que os descendentes modificados de qualquer espide s d o tanto mais bem sucedidos quanto maior diversifica@a estrutural apresenmem, pois deste mod0 e s d o mais capadtados a apoderar-se das vagas ocupadas por outros sera vivos. Vejamos agora como tenderia a agir esse prindpio dedvado da diver&& dos caracteres, quando combinado com os prindpios de seleqiio natural e de extingo.

0 diagrama que se segue ajudar-nos4 a compreender esse tema 60 complexo. Suponhamos que as letras deA a Lrepresentem as espides de um ghero de arnpla representaqzo numa determinada irea, e que essas espides se assemelhem entre si demaneira desigual, como via de regra se obsem na natureza, donde as represen- tarmos no diagrama por meio de letras situadas em distindas desiguais. Escolhe- mos um ginero de ampla representagzo, ou seja, rico em espides, devido ao fato de que, conforme vimos no segundo capitulo, a maioria das espides dos generos mais ricos varia, em media, mais do que as espedes dos gheros pouco numerosos; d i m

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disso, as espicies variiveis dos &eros ricos apresentam maior niunero de varieda- des. Virnos ainda que as espicies mais comuns e mais difundidas vadam mais que as espicies raras, existentes em habitats resmtos. Suponhamos queA sejauma espicie comum, amplamente difundida e variivel, pertencente a um ginero rico. 0 leque de linE.as pondhadas divergentes, de comprimentos desiyais, que partem de A representa seus descendentes d i v e i s . As variagdes, dentro de nosso conjunto de suposiqdes, seriam minimas, mas denatureza &&emamente diversificada. NHo i de se presumir que todas tenham surgido simultaneamente, podendo estar separadas entre si ?or longos intenralos de tempo. Tambim sua duraGo ioo teria de serigual, varimdo de uma para outra. Apenas as variagdes de algum mod0 proveitosas para os individuos seriam presenradas e selecionadas pela natureza. Aqui se evidencia a. importhcia do prindpio de utiLdade, derivado da divergtncia dos caracteres, pois ele geralmente levari is variagdes mais diferentes ou divergentes (representadas pelas linhas tracejadas externas), e estas sefio presenradas e acumuladas pela sele- qzo natural. Quando uma linha pontilhada cruza com uma das linhas horizontais, sendo entiio assinalada por uma letra minfiscula seguida de um niunero, supde-se que se tenha acumulado um volume de variaGo suficiente para que se forme uma variedade razoavelmente caractedsdca, a ponto de poder ser registrada com essa categoria num trabalho de Sistemitica.

Quanto aos intervalos entre as linhas horizontais do diagrams, cada qual pode representar mil geragdes; melhor seria se representasse dez mil. Depois de um ri- lhar de geragdes, supde-se que a esp6cie A j i tenha produzido duas variedades bem caracteristicas, aqui designadas por a1 e ml. Essas duas variedades geraImente con- tinuarzo expostas i s mesmas condigdes que tomaram seus ancestrais variiveis. Ora, sendo hereditiria a tendtncia i variabiidade, elas conseqiientemente tender20 a variar, e em geral de maneira quase idhdca i dos seus ancestrais. Alim do mais, sendo essas duas variedades formas que apresentam ligeiras modificagdes, ambas tenderzo a herdar as vantagens que fizeram da espicie A, sua ancestral comum, mais numerosa que a maioria dos outros moradores da mesma regiio; por isto, ambas tambim hHo de compartilhar das vantagens mais comuns por causa das quais o ginero ao qual pertencia sua espide ancestral fosse um dos mais bem re- presentados em sua &ea de ocorrhcia. E, como sabemos, tais circunsthcias szo favorivds i criag.50 de novas variedades.

Se, porwqto, essas duas variedades forem variiveis, suas variagdes mais diver- gentes geralmente deverzo ser preservadas durante as mil geragdes seguintes. De- pois deste interval0 de tempo, supde-se que a variedade a' tenha prod-zido a vad- edade aZ, e que esta, devido ao prinupio de divergtncia, deveri diferir mais da espb cie original A do que difere a variedade a'. Quanto B variedade ml, supde-se que esta produziu duas ouuas variedades, quais sejarn mZ e sZ, que diferen erne si, diferindo ainda mais consideravelmente de seu ancestral comum A. Podemos pros- seguir com o processo, atravh de uma seqiiincia de passos similares, por qualquer extenszo de tempo, com algwnas das variedades, ap6s cada milhar de. geragdes, produzindo apenas uma h ica variedade, mas dentro de condigdes cada vez mais modificadas, enquanto que outras prodmkiio duas ou trEs variedades, e outras nHo conseguirzo produzir nenhuma. Deste modo, as variedades, ou descendentes mo-

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dificados, oriundas do ancestral comum A, via de regra c o n t i n h o aumentado em niunero edivergindo em caracteres. No diagrama, o processo i representado at6 a 10000' geragHo, em sequtnda normal, e ati a 14000' geragHo, numa forma simplificada e condensada

Entretanto, devo frisar que nHo suponho que esse processo continze 60 regu- krmente como re~resentado no diamama. ainda aue este anresente uma certa irre-

.2

$aridade proposital. Estou longe de pensar que as variedades mais divcrgentcs seiam invariavelmmte bem-succdidas e se multipliquem. Uma forma de tip0 midi0 - . pdde eventualmente perdurarporlongo tempo, e pode ou G o produzir mks de um descendente modificado, pois a selegHo natural sempre agkd. de acordo com a natu- reza dos locais que estejam desocupados, ou ocupados de maneira imperfeita por outros seres, e isso dependeri de relag6es.inhitamente complexas. Como regra geral, porim, quanto mais diversificados estrutudmente se tornarem os descen- dentes de uma espicie, mais lugares estaGo capacitados a ocupar, e mais aumentad o niimero de seus descendents modiIicados Em nosso diagrams, a linha de sucessHo esti interrompida a i n t d o s regulares por l e a minrisculas numeradas, assinalando as formas sucessivas que se tomaram sulicientemente distintas para serem registradas comovariedades Essas interrupgdes o r h , sHo h a g i n k k , epoderiam ser inseridas : p. em qualquer ponto da seqiihcia, apos lntervalos sufidentemente longos para permi- tirem a acumulagio de uma soma considerivel de va&@o divergente.

Como todos os descendentes modificados de uma espicie comum muito difun- dida, pertencente a um ghero rico em espides, tenderHo a ser dotados das mesmas vantagens responsiveis pela sobrevivtncia e difusio de seus antepassados, eles ge- ralmente devefio continuar multiplicando seu efetivo numirico e, ao mesmo tem- po, divergindo seus caracteres. Isto & representado no diagrama pelos diversos ra- mos divergentes que partem de A. 0 s descendentes modiiicados dos ramos mais recentes e aperfeigoados provavelmente devefio invadir os habitats dos descenden- tes mais primitives e menos aperfeigoados, e assim destrui-10s. Isso 6 representado no diagrama pelos ramos inferiors que nHo conseguem atingir as linhas horizontais de sua pate de &a. Em certos casos, nZo duvido de que o processo de modifica- gHo se restrinja a uma 15ca linha simples de descendinda, e que o niunero de descendentes nHo aumente, mesmo que o volume de suas divergtndas se tenha tornado maior atravb das sucessivas gerasdes. Este caso poderia ser representado no diagrama, mas para tanto tedamos d e e h h a c a s linhas oriundas de A, exceg5o feita i gue vai de a' at& alO. Foi denuo deste esquema que as ragas inglesas do cavalo de corridas e do "pointe?' estiio aparentemente divergindo pouco a pouco de seus ancestrais originais, sem que em nenhum dos dois casos tenham surgido outras novas ragas ou variedades.

Passadas dez mil geragaes, sup6e-se que a espide A tenha originado tr8s for- mas - a': Po e mlo - que, por terem divergido de caracteres durante sucessivas geragces, tenham acabado por difedr grandemente entre si e em relagzo ao ances- tral comum, embora de maneira desigual. Supondo-se que a soma das modificag6es entre cada linha horizontal do esquema seja excessivamente pequena, essas tr2s formas poderiam G o passar de variedades bem caractedsticas, podendo ati ter alcangado a categoria duvidosa de subesp&cies. Mas basta supormos que os passos

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do processo de modifica~Zo sejam mais numerosos ou mais significativos, para que as tr6s formas se convertam em espides bem definidas. Assim, o esquema ilustra os passos atravis dos quais as pequenas diferenqas que distinguem as variedades au- mentam at6 se transformarem nas diferenqas maiores que distinguem as espicies. Se o processo prosseguir por um niunero maior de geraq6es (como se mostra na parte superior do diagrama de maneira condensada e simplificada), assim se hZo de obter oito novas espides, assinaladas pelas letras colocadas entre a" e m", todas descendentes de A. Acredito que seja desse mod0 que se multiplicam as espides e se formam os gkeros.

Num ghero rico em espides, i provivel que mais de uma destas deva variar. Supusemos no esquema que uma seynda espide, I, atravis de passos semelhantes, tenha produzido, passadas dez mil geragdes, duas variedades bem caracterizadas, wl" e zl", que de maneira idhtica poderiam ser espides, dependendo de soma de modificaq6es que se presuma estejam representadas entre as linhas horizontais que as separam de seu ancestral comum. Ap6s quatorze mil gera~des, supde-se que seis novas espides, assinaladas pelas letras entre n"e z14, tenham sido produzidas. Em cada ghero, as espicies de caractedsticas extremamente diferentes geralmente ten- der;~ a prod& o maior niunero de descendentes modificados, uma vez que estes ter?io maior probabiidade de ocupar lugares novos e extremamente diferentes na comunidade natural. Foi por isso que preferi escoiher no esquema a espide A, situada numa das extrernidades, e a espide I, situada na extremidade oposta, como exemplos das espides que teriam apresentado maiorvolume de variagHo e produzi- do diversas variedades e espides novas. As outras nove espicies (indicadas por letras mai6scdas) de nosso g6nero original podem, por longo pedodo de tempo, continuar gerando descendentes inalterados Tal possibilidade i mostrada no es- quema por meio de linhas pondhadas que G o se prolongaram para cima devido apenas Z1 falta de espago.

Todavia, durante o processo de modificagZo que representamos no esquema, outro de nossos prinupios, ou seja, o da extinsZo, t a m b h deve ter desempenhado um papel importance. Como em toda re@o inteiramente habitada a seleqHo natural necessariamente age em virtude de alguma vantagem que a forma seledonada teria em relaggo i s demais no tocante i luta pela vida, sempre haveri, entre os descen- dentes aperfeiqoados de qualquer espide, uma tend6nda constante de suplanta e exterminar os remanescentes menos aperfei~oados daquela espide. Lembremo- nos de que a competiqio ggeralmente i mais acentuada entre as formas que mais se aproximam no que se refere aos hibitos, constitui~Zo e estrutura. Conseqiiente- mente, todas as formas intermediirias situadas entre os estigios mais e menos de- senvolvidos, asem como a pr6pria espide ancestral, tendem a ser exterminadas. Desde modo, muitas linhagens colaterais de descendentes de determinada espide acabam por desaparecer, superadas pelas linhagens mais recentes e aperfei~oadas. Entretanto, caso o descendente modificado de uma espide consiga penetrar em outra regizo, ou adapta-se rapidamente a um sistema de vida inteiramente novo, e assim nZo haja competigiio entre novos e antigos, neste casos ambas as formas podem continuar existindo.

Supondo-se en60 que nosso esquema represente uma soma considerivel de modificag50, a espicie A e todas as variedades surgidas inidalmente ji.se teriam

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tornado extintas, tendo sido substim'das por oito espicies novas (de a" a m'3, en- quanto que I foi substicuida por seis espicies novas (nl4a<3

Mas podemos avengar ainda mais. Suponhamos que as espicies originais do esquema se assemelhassem entre si em graus desiyais, como geralmente se v6 na natureza, e que a espicie A fosse mais pr6xima de B, C e D do que de outras espicies, enquanto que a espicie I seria mais pr6xima de G, H, K e L. Suponhamos ainda que as espicies A e I fossem muito comuns e difundidas, significando que devem ter sido dotadas originalrnente de alguma vantagem em ;elagio i maioria das outras espicies de seu genera. Seus descendentes modificados, em niunero de 14 na 14000' geragio, provavelmente devem ter herdado algumas dessas vantagens origi- nais; a l h disso, devem ter sido moditicados e aperfeiqoados de maneira diversa em cada estigio de sua evolugio geneal6gica, de mod0 a se tornarem adaptados a v;iri- os locais mais ou menos semelhantes na economia natural de sua regi20. For conse- guinte, parece-me extremamente provivel que eles devem ter tomado o lugar nHo s6 de suas espizes ancestrais, ou seja, A e I, come tambim de outras espicies primitivas mais pr6ximas das ancestrais, exterminando-as igualrnente. ?or isto, pou- cas espicies originais devem ter deixado descendincia ati a 14000' gerag20. No esquema, estamos supondo que apenas uma das duas espicies menos pr6ximas das outras nove, ou seja, apenas a espicie F tenha conseguido deixar descendencia at& esse rildmo estigio de tempo.

As espides novas mostradas no esquema, quinze ao todo, descenderiam, por- tanto, de onze espicies originais. Devido B tendkcia divergente da selegZo ~atural, a soma de diferengas existentes entre as espides a" e $4 dever ser muito maior do que a existente entre as mais afastadas das onze espicies originais. Alim do mais, as espides novas se inter-relacionam de maneira inteiramente diversa. Dos oito des- cendentes de A, tres deles - d4, q14 eP4- sZo mmui pr6ximos, visto se terem desgarrado recectemente de a'" enquanto isto, b" e j 4 , que divergiram de d h i muitas gerag6es ads , devem ser bastante distintos das tres espides mencionadas primeiramente; por fim, 014, d4e rn!4 devem ser muito pr6ximos entre si; p o r h , por terem divergido logo no iddo do process0 de modificagio, devem ser grandemente diferentes das outlas cinco espides, podendo constituir urn subgenera, sen20 mes- mo urn ginero distinto.

0 s seis descendentes de I teriam formado dois subgineros, ou mesmo dois gkeros. Todavia, como as espicies originais A e I diferiam bastante, encontrando- se quase nas duas extremidades opostas do ghero original, os seis descendentes de I, devido i hereditariedade, devem diferir consideravelmente dos oito descendentes de A. E de se supor, a l h do mais, que os dois grupos tenham progredido em direq6es diferentes, a-umentando cada vez mais a diverghcia EdaL Outra conside- rag20 muito importante: as espicies intermediirias, situadas entre A e Z, teriam todas caminhado para a exting20, excegio feita i espicie F, nio deixando descen- dentes. E porisso que as seis novas espicies descendentes de I e as oito descenden- tes de A poderiam ser dassiticadas como perzencentes a gikeros distintos, sen20 mesmo a s u b f d a s diferentes.

Acredito que seja desse mod0 que se produzam dois ou mais gineros por des- cendencia, modificando-se a par& de duas ou mais espicies pertencentes a urn

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mesmo ghero. Quanto i s duas ou mas espides ancestrais, estas, por sua vez, des- cenderiam de uma espide ancestral comum, pertencente a um ghero primitive. No esquema isso t indicado por linhas tracejadas situadas abaixo das letras mailis- culas, convergindo para baixo em sub-.ramos, na diregZo de um ponto comum que representaria o suposto ancestral de todos os novos gineros e subgheros surgidos subseqiientemente.

Vale a pena refledr por um momento acerca das caractedsticas da nova espiae El4, que presumivelmente nZo se teria afastado muito de F, divergindo desta ligeira- mente, ou mesmo mantendo inalteriveis suas caractedsticas originais. Neste CSO,

suas afinidades com as outras quatorze novas espides seriam de natureza bastante curiosa. Descendendo de uma forma situada a meio-caminho entre as espides ori- gin& A e I, arualmente.extintas e desconheddas, pelo que se supde, a espide descendente de F deve ser, de algum algo, intermediiria entre os dois grupos de descendentes de A e de I. Mas como esses grupos se afastaram dos tipos odginais de seus ancestrais, a espide FL4nZo deve ser diretamente intermediiria entre elas, mas antes entre os tipos dos dois grupos. Todo naturalists deve conhecer algum caso que se enquadre neste exemplo.

No esquema, supusemos at6 aqui que cada linha horizontal representasse mil geragdes. Entretanto, podemos mudar esse valor, passando a considerar que cada linha represente um milhZo de geragGes, ou mesmo cem miihdes, como se se tratasse de estcltos superpostos da crosta da terra, cada qua1 contendo seus f6sseis. Quando entrarmos no capftulo referente B Geologia, voltaremos a tocar nesse assunto, e vere- mos que o diagramapode at6 langar algumaluz sobre as afinidades existentes entre os sexes extintos que, embora pertencendo geralmente is mesmas ordens, f d a s ou gheros que ainda existem hoje em &a, muitas vezes acontece de serem intermediiri- os entre os grupos existentes. Podemos compreender esse fato lembrando-nos de que as esptcies extintas viveram em ipocas muito remotas, quando as ramiticagdes de suas descendhcias ainda 160 haviam divergido considemvelmente

NZo vejo por que limitar o processo de modificagZo apenas i formagiio de gheros, como o fizemos at6 agora. Se supusermos, dentro do mesmo esquema, que o volume de alteragZo representado por cada um dos grupos sucessivos de linhas pontilhadas divergentes seja muito considerivel, as formas entre a" eY4, entre b14 ep* e entre 014 e m14 hZo de formar tr2s gineros bastante distintos. Teremos tambim dois gheros bem distintos provenientes de I. E como estes dtimos, em virtude da continua diverginda de caracteres e da sua origem diferente, deveriio diferir consideravelmente dos tris gineros provenientes de A, esses dois pequenos grupos de gkneros poderiio formar duas f d a s distintas, ou mesmo duas ordens, tudo dependendo da quantidade de modificagZo divergente que se suponha repre- sentada no esquema. Lembremo-nos de que essas duas novas familias (ou ordens) seriam.descendentes de duas espides pertencentes ao ginero original, as quais, por sua vez, descenderiam de uma espkde pertencente a um ghero ainda mais primiti- vo e desconheddo.

V b o s que, em toda parte, sZo as espides dos gheros mais ricos que com maior probabilidade apresentam variedades ou espides indpientes. Tal fato tem sua lbgica, pois como a selegZo natural atua quando uma forma possua alguma

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vantagem sobre as demais na luta pela existincia, sua agzo se fari p redomhte - mente em relaqZo i s formas dotadas de alguma supedoridade particular, e a ampli- tude de um grupo mostra que suas espides teriam herdado alguma vantagem espe- cial de um possivel ancestral comum porventura dotado daquela mesma vantagem. Portanto, a luta empreendida para a produg50 de descendentes novos e modifica- dos se travari pdndphen te entre os membros dos grupos maiores, que tendem a aumentar seus efeitos. Umgrupo numeroso sobrepujari com lentidzo outro grupo t a m b h nluneroso, reduzindo seu efetivo pouco a pouco, e deste mod0 diminuin- do sua probabilidade de conseguir produzir variagties e aprimoramento dos espid- mes. Dentro de um grupo numeroso, os subgrupos mais recentes e mais aperfeigo- ados, ramificando-se cadavez mais e ocupando novos habitats, tenderio constante- mente a suplantar e destruir os subgrupos mais antigos e menos aperfeigoados. J i os grupos e subgrupos pouco numerosos e superados tenderzo, em liltima andise, a desaparecer. Extrapolando para o futuro, podemos predizer que os grupos de seres vivos hoje numerosos e dominantes, e que menos se deslizeram, isto i, que a d o presente sofreram menos extingzo, continuarzo por longo tempo a aumentar. Todavia, n i n g u h poderi preva o grupo que seri finalmente vitorioso, pois i bem sabido que diversos grupos outrora desenvolvidos extensivamente estio atualmen- te extintos. Avangando ainda mais no futuro, podemos prever que, em virtude do crescimento continuo e regular dos grupos mais numerosos, uma quantidade enor- me de grupos menos numerosos hzo de se tornar inteiramente extintos, sem deixar descendentes modificados; consequentemente, das espides existentes em determi- nado periodo, pouquissimas transmitirZo descendhda em futuro muito remoto. Tornarei a este assunto no capitulo sobre Classificaqzo, mas aproveito o ensejo para acrescentar que esta idiia de que pouquissimas espides primitivas deixaram des- cendhcia, e a de que todos os descendentes de uma Wca espide formam uma classe, permite compreender por que nzo existem sengo pouquissimas classes den- tro de cada diviszo dos reinos animal e vegetal. Embora seja extremamente peque- no o niunero de espides primitivas que hoje ainda existem atravis de seus descen- dentes modificados, nos antigos pedodos geol6gicos, entretanto, a Terra bem pode ter sido hahitada por diversas espides pertencentes a muitos gheros, familias, or- dens e classes, assim como o i nos dias de hoje.

Considerando-se que, durante o longo curso dos tempos e sob variiveis condi- @es de vida, os seres vivos modificaram tanto diversas partes de seu organism0 - e acho que isso i incontestivel; considerando-se que, devido 2 alta tendinda de crescimento geom6trico do niunero das espides, ocorre uma renhida luta pela so- brevivhcia, espedalmente em determinada idade, ou determinada estagzo, ou de- terminados mos - e isso tambim certamente nZo tem contestagzo; consequente- mente, dada a infinita complexidade das inter-relagties dos seres vivos entre si e de cada um deles com suas condigties de existinda, acarretando uma diversidade idfi- nita quanto a seus hibitos, estruturas e constituigties internas, diversidade esta que lhes i proveitosa, penso que sena mesmo extraordinirio se jamais houvesse ocorri-

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do alguma variaqio 6 d evdusivamente para o bem-estar do ser, da mesma maneira que ocorreram tantas variaqdes liteis aos prop6sitos do homem. Mas se de fato ocorrem variaqdes 6teis a qualquer ser vivo, seguramente os individuos dotados delas terio maior probabilidade de ser preservados na luta pela exist2ncia; e em virtude do forte prindpio de hereditariedade, eles tendei-io a produzir descenden- tes dotados daquelas mesmas caractedsticas. Foi a esse prindpio de preservagiio que, para ser conciso, dei o nome de Seleqio Natural. Dentro do prindpio de que as qualidades seriam herdadas em determinadas fases da existencia do ser, a selegiio natural pode modificar o ovo, a semente, o filhote, ou mesmo o ser em idade adulta Entre muitos animais, a selegio sexual auxilia a sele@o ordiniria, assegurando aos machos mais vigorosos e melhor adaptados maiorniunero de descendentes. A sele- qio sexual ainda i responsivel pela existencia de caractedsticas exclusivas dos seres mascuhos, destinadas a favoreci-10s nas lutas travadas contra os outros machos.

0 conte6do geral e a forqa das evidhcias apresentadas no pr6ximo capitulo permit5 julgar se a seleqio natural efetivamente atuou dessa maneira, no que toca a modi6car e adaptar as virias formas de vida h diversas condig6es das suas ireas de ocorrhcia. Por ora, no entanto, j i podemos constatar como i que esta seleqiio acarreta a extingio, cuja importincia na hist6ria do planeta 6 demonstrada Go ca- balmente pela Geologia. A seleqio natural leva ainda 8 diverg6ncia.dos caracteres, pois quanto maior o n h e r o de seres vivos que uma irea pode comportar, maior seri a diverghcia que apresentariio com referhcia 8 esuutura, aos hibitos e B cons- t i ~ q i o . Pode-se comprovi-lo observando-se os habitantes de uma irea isolada ou as produqdes adimatadas numa determinada regiio. Por conseguinte, durante o process0 de modificaqiio dos descendentes de qualquer espicie, e durante a luta incessante de todas as espicies no sentido de aumentar o niunero de seus individu- os, quanto mais diversificados se tornam os descendentes, maiores serio suas pro- babiidades de vit6ria na batalha pela sobreviv2nda. A s h , as pequenas diferenqas que distinguem as variedades de luna espicie tendei-io rapidamente a aumentar, at6 o ponto de se iyalarem Bs diferengas maiores que caracterizam as espicies do mesmo &ero, ou atk mesmo os gheros distintos.

Conforme vimos, as espicies que mais variam sio as mais comuns e dispersas pel0 mundo. Estas tendem a transmitir a seus descendentes modificados o mesmo fator de superioridade responsivel por sua dominaqiio em suas heas de ocorrtncia. A selegiio natural, como h i pouco observamos, leva 8 divergincia dos caracteres e 8 considerivelextingio das formas devidainterme&as menos aperfeiqoadas. Dentro destes prindpios, acredito que a natureza das afinidades existentes entre todos os seres vivos possa ser explicada Trata-se de um fato realmente maravilhoso - em- bora 160 nos demos conta disso, de Go familiarizados que estamos com ele - que todos os animais e vegetais existentes em todos os locais e ipocas possam estar inter-relacionados atravis de grupos subordinados a outros grupos, de maneira que, por to& a parte, contemplamos variedades da mesma espicie que siio mais pr6xi- mas umas das outras, espicies do mesmo genero que se aproximam umas das ou- tras de maneira maior ou menor, formando segdes e subgheros, espicies de gene- ros distintos pouquissimo relacionadas entre si, e gheros distintos inter-relaciona- dos em diferentes graus, formando s u b f d a s , fa&s, ordens, subclasses e das-

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ses. 0 s diversos grupos subordinados pertencentes a qualquer dasse nio podem ser colocados em fils indiana dentro de uma dassificagiio, mas antes se dispodam melhor se agrupados em torno de determinados pontos, e estes em torno de ou- tros, e assim por diante, em cidos quase interminiveis. Dentro da idsa de que as espicies teriam sido cdadas cada qual independentemente, nio encontro explica- $20 para esse fato Go notzivel na dassificagio de todos os seres vivos, o que, por outro lado, segundo meu mod0 de pensar, se torna faciimente explicivel, aceitan- do-se a idsa de que a hereditariedade e a agio complexa da selegio natural possam acarretar a extingiio e a divergincia dos caracteres, conforme bem vimos ilustrado no esquema.

As afinidades existentes entre todos os seres de uma ~ c a dasse por vezes tim sido representadas na figura de uma b o r e gigantesca, que me parece simbolizar muito bem esse fato. 0 s ramos verdes em desenvolvimento podem repres,entar as espides existentes, enquanto que os produzidos nos anos precedentes podem re- presentar a longa sucessiio das espides extintas. A cada pedodo de crescimento, todos os ramos engo verdes tentaram expandir-se para todo lado, sobrepujando e abafando os ramos vizinhos; da mesma maneira que as espides e os grupos de espides tentaram derrotar as outras espides e os outros grupos na grande batalha pela sobrevivhda. 0 s ramos e galhos mais grossos que partem do tronco, dividin- do-se mais acima em ramos e galhos mais delgados, um dia j i foram brotos e go- mos, no tempo em que a b o r e era mais jovem. A ligagzo existente entre esses galhos antigos e os brotos atuais represents muito bem a classificagio de todas as espides, vivas e exdntas, em grupos que se subordinam a outros grupos. Dos nu- merosos brotos que se desenvolviam i ipoca em que a b o r e niio passava de uma plantinha jovem, apenas dois ou trss, que hoje constituem os galhos infedores mais grossos, conseguiram desenvolver-se, sustentando atualmente todos os outros ga- lhos e ramos. 0 mesmo teria ocorrido corn as espides que viviam durante os pd- meiros pedodos geol6gicos: pouquissimas deixaram descendentes aodificados nos dias atuais. Desde que se inidou o crescimento da b o r e , muitos ramos e galhos apodreceram e cairam - esses membros perdidos, de dimensdes variadas, podem simbolizar ordens inteiras, familias e gkeros que hoje em dia nio possuem repre- sentantes vivos, e que nos sio conhecidos apenas por terem sido encontrados em estado f6ssil. E assim como podemos ver aqui e ali um raminho desgarrado que brotou numa bifurcagio da parte inferior da b o r e , e que conseguiu por alguma circunsthda favorivel crescer e erguer-se at6 o nivel da copa, onde se mantim vivo, tambimna natuezavemos ocasionalmer.te certos animais como o orritorrinco ou a pirambbia, que em certo grau interligam, dadas as suas caractedsticas a h s , dois grandes ramos dos seres vivos, devendo sua sobrevivhua, aparentemente, ao fato de habitarem locais protegidos, onde se safaram da competigio de vida ou morte. Assim como os gomos crescem e dio origem a outros gomos, os quais, se forem vigorosos, se ramificam e se espalham por todos os lados, sobrepujando os ramos menos vigorosos, acredito que, atravb de sucessivas geragdes, o mesmo tenha ocorrido com a grande h o r e da Vida, que se eleva acima dos seus gaihos e ramos caidos sobre a crosta da Terra, langando sobre ela a sombra de suas belas ramificagces que conthuaxn se expandindo incessantemente.

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rei posteriormente, quando o dissequei, seria uqa inflamaqiio que ele apresentava na pilpebra. Como a frGiiente inHamar,Zo dos olhos deve ser nociva para qualquer animal, e como os olhos certamente nZo sZo indispensiveis iqueles que t h hibitos subterheos, uma reduqiio em seu tamanho, com a aderincia das pilpebras e o cres- cimento de paos sobre elas, pode at6 constituir uma vantagem. Se assim for, a seleqZo natural estaria constantmente conmbuindo parajlcentuar os efeitos do desuso.

E bem sabido que diversos animais que vivem nas cavernas da Estida e do Kentucky, e que pertencem i s classes mais diferentes, sHo cegos. Em alguns caran- guejos, o pedbculo sobre o qua1 se assentam os olhos costuma permanecer no corpo, mesmo que os olhos se percam. E como se a luneta se perdesse, ficando apenas o mpk. Como 6 difid imaginar que os olhbs, ainda que incteis, pudessem ser de a l p mod0 nocivos ao animal, ambuo sua perda ao desuso, e a nada mais. Num animal cego, o rato-das-cavernas, os olhos sZo enormes. 0 Professor S i b a n acreditava que esse animal, depois de viver alguns dias em ambiente iluminado, readquiria parte de sua capacidade visual. Do mesmo mod0 que na Madeira as asas de certos insetos aumentavam de tamanho, enquanto que as de outros insetos fo- ram reduzidas pela seleqiio natural, auxiliada pel0 uso e desuso, no caso do rato-das- cavernas a seleqiio natural parece ter aceitado o desafio da falta de luz, aumentando o tamanho dos olhos, enquanto que, no caso dos demais habitantes das grutas escuras, o pr6prio desuso seria o responsive1 pelas variaqdes neles verificadas.

E dificil imaginar condiqdes de vida mais idinticas que as das profundas grutas calcirias existentes em duas regides de clima parecido. Assim, dentro da id&a co- mum de que a criaqZo dos animais cegos das cavernas europt5ias e americanas se tenha dado separadamente, era de se esperar a existincia de afinidades e semelhan- qas entre eles. Entretanto, conforme observavam Schiodte e outros, tal nZo ocor- reu: os insetos que habitam as cavernas dos dois continentes G o possuem afinida- des maiores do que as existentes entre os demais habitantes da Amkrica do Norte e da Europa. No meu mod0 de pensar, suponho que os animais americanos dotados de capacidade normal de visiio foram migrando lentamente, numa longa sucessHo de geraqdes, da superficie para os rehigios das cavernas do Kentucky, aprofundando- se cada vez mais, B semelhanqa do que teria ocorrido nas grutas europkias. H i certas evidincias desta gradaqiio de hibitos. Schiodte observa que "animais nZo muito afastados das formas normais constituem a transiqZo entre os quevivem sob a luz e os que vivem na escuridiio. Em seguida v h os que sZo conformados para viver na penumbra; por b, os destinados i escuridZo completa". Na ocasiiio em que o animal, ap6s diversas geraqhes, tiver alcangado as maiores profundezas das grutas, o desuso teria concorrido para obliterar total ou parcialmente seus olhos, enquanto que a seleqiio natural por vezes terialevado a oums alteraqdes, tais como o desenvolvimento das antenas ou dos palpos, i guisa de compensaqHo pela ceguei- ra. Independente disso, 6 de se esperar que ainda sejam encontradas afinidades entre os moradores das cavernas e os da superflue, tanto no caso dahkrica, como no da Europa. 0 Professor Dana, aliis, confirmou-me isso para o caso dos animais americanos. Quanto ao caso europeu, alguns dos insetos que vivem em nossas ca- vernas do continente apresentam grande afinidade com os que habitam as circunvizinhanqas. Seria difidimo dar qualquer explicaqiio racional para afinidades

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Efitm &as mndiflu &emus- Uso c h r o , em mmbinqZo mm n rekpio nuhird d ~ Z m & d o e de dcZo -AchatqZo- Come&& de m n ' m t o - Co+mupio e eronomirr & mrimcnfo - Ehus romela@u - SZo wridveir or o'gunirmm infmom m i @ h c wdimenfam - Arpar fu h e n ~ l i d n r de munaia anormaJsZo altamente wridveir; or rararferu rrppajfmr SZO mar? wn'dveir gnc orgendn'ms; or ruracferes sexunir semn&or 120 tambim wri&is - Ar prpiiu do mesmoglnno mn'm de muncira ond(oga - Rcssup'- mento de cnr~~dtmperdids b6 muito feq50 - & m a

A t i este ponto, todas as vezes que nos referimos i s variagdes - Go comuns e muldformes nos animais e vegetais em estado domEstico, e que ocorrem em grau mais reduzido nos que se encontram em estado selvagem - atri-

buimos sua ocorrhua ao mero acaso. Trata-se, indubitavelmente, de um mod0 de falarinteiramente incorreto, numa demonstragiio cabal de nossa ignorincia quanto i s causas de cada variagiio em particular. Alyns autores acreditam que as fungdes do sistema rebrodutor tanto seiam aroduzir diferencas individuais. ou desvios es-

, A

truturais minimos, como assemelhar os descendentes aos pais. Todavia, a freqiien- cia muito maior de variabilidade, assim como de monstruosidades, nos seres em estado domistico ou em cultivo; em relagiio aos existentes em eskdo selvagem, levou-me a acreditar que os desvios de e s t r u m siio de algum mod0 devidos i natureza das condigdes de vida i s quais estiveram expostos os pais e os ancestrais mais remotos, durante diversas geragdes. Ji referimos no primeiro capitulo - mas seria necessirio um longo catilogo de fato, aqui impossivel de apresentar, para demonstrar a verdade de tal afirmati& - que o sistema reprodutor i eminente- m a t e suscetivel de se alterar em fungHo das condigdes de vida. 0 fato de ser tal sistema alterado funuonalmente nos pais seria a causa principal, segundo meu mod0 de pensar, da condigZo plistica, isto 6, passive1 de variagdes, dos descendentes. 0 s elementos sexuais masculinos e femininos parecem ser afetados antes do acasalamento que resultari na formagiio de um novo ser. No caso das "plantas brincalhonas", o broto, que na sua condigiio inicial aparentemente nZo difere em esshda de urn 6vulo.E a h ica Darte afetada. Entretanto. irmoramos inteiramente o , '3 porqul: de variar mais ou menos esta ou aqueh parte, desde qut: o sistema reprodutor seja alterado. Nio obstante, podemos vislurnbrar aqui e ali parre da verdade, dando- nds quase certeza quanto i existtncia de alguma caisa resbonsivel pelas variagdes, ainda que estas sejam insignificantes.

E extremamente di6d determinar qua1 seria o efeito direto produzido nos se- res vivos pelas diferengas de clima, alimentagiio, etc. Tenho a irnpressiio de que esse efeito i extremamente diminuto no caso dos animais, mas que talvez seja mais marcante no caso das plantas. Na pior das hipbteses, podemos conduir que tais

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influ2ndas nHo poderiam tes produzido as numerosas co-adaptaqdes esuuturais notiveis e complexas entre um ser vivo e outro, que vemos por todo o lado na natuseza. Alguma influtnda, pequena, pode ser ambuida ao dima, B alimentaqHo, etc. Assim, E. Forbes afirma com segusanqa que os moluscos, em seulimite meridi- onal de ocorr2nda, e quando vivendo em iguas rasas, ostentam cores mais brilhan- tes aue os da mesma es~icie. aue vivem em latitudes mais setenmonais ou em

L

i y a s mais profundas. Gould acredita que as aves de uma espiuc qualquer possu- em cores mais bdhantes quando habitam refides de atmosfera limpida, diferente do que ocorre com as aves que vivem em g a s ou no litoral. segur-do Wollaston, coisa semelhante ocorreria com os insetos: suas cores seriam afetadas conforme vivam perto ou longe da costa. Moquin-Tandon apresenta uma vsta de plantas que, quando ocorrem na proximidade do litoral, possuem folhas algo mais espessas que as normais, ainda que nem sempre suas folhas se caracterizem pela espessusa. E muitos outros exemplos sirnilares poderiam, ser aqui apresentados.

0 fato de que as variedades de uma espicie, quando penetram na zona de ocor- rkncia de outras, por vezes adquisam, ao menos em grau minimo, algumas das ca- racteristicas das dtimas, reforqa nosso ponto de vista de que as espicies de todos os tipos nZo passarn de variedades permanentes e bem caracterizadas. Assim, as espi- des de moluscos conhadas aos mares tropicais rasos, de acordo com Mr. Gould, sio mais coloridas que as existentes nas regides de i p s frias e profundas. 0 s insetos que residem apenas nas regides litosheas, conforme o sabe qualquer coleci- onador, muitas vezes apresentam cores mais vivas e metilicas. As plantas quevivem exdusivamente no litoral tim maior tendsnda de apresentar folhas espessas. 0 s defensores da teoria da criaqHo individual de cada espicie teriam de &mar que tal molusco, por exemplo, teria sido criado dotado de cores mais bdlhantes para viva num mar de iguas quentes, enquanto que o outro teria adquicido a coloraqZo bri- lhante atravh de variaqHo, quando migrou para regides de iguas mais quentes ou mais sasas.

Quando a vatiaqio apresenta utilidade minima para um ses, nHo podemos &- mar quanio se deveria aaibuir B aqHo acumuladora da sele$o natural e quanto i s condiqdes de vida. Assirn, 6 fato bem sabido dos peleiros que os animais da mesma espiue ostentam peles mais espessas e de melhor qualidade quanto mais rigorosos os dimas sob os quais vivem. Masquem seria capaz de estimar, em relago a essa dife- renp, que parcela caberia ao fato de que os indidduos mais bem agasalhados pela natuseza tenham sido favoreudos e preservados dusante muitas gesaqdes, e que parte seria devida i aqHo &eta do dima rigoroso? De fato, parece que o clima possui algu- ma as50 &eta no que se refere ao pi30 de nossos quadnipedes domisticos.

Diversos exemplos poderiam ser citados de indidduos da mesma vasiedade pro- duzidos sob condiqdes de vida absolutamente difesentes, assim como, por outro lado, devasiedades inteiramente diferentes que se teriam originado da mesma espB d e sob condiqdes dimiticas absolutamente idtnticas. Esses fatos mostsam a ma- neira indireta pela qua1 devem agkas condiqdes de vida. T a m b h inheros exem- plos sHo conhecidos de todos os naturalistas quanto a espides que se mantiveram imudveis, sem apresentar qualquer variaqHo, embosa vivendo sob condiq6es dimi- ticas inteiramente opostas. Consideraqdes como estas inclinam-me a ambuir insig-

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nificante importincia i agio &eta das condigdes de vida. Indiretamente, como j6 se obsemou, elas parecem desempenhar papel importante no que se refere a afetar o sistema reprodutor, deste modo irduzindo a variabidade, e depois a selegHo natural complementari sua atuagzo, acumulando todas as variag6es proveitosas, por menores que sejam, ate que se tornem completamente desenvolvidas e susceti- veis de serem apreciadas por n6s.

Ejitos do Uso e Desuso

Com base nos fatos mencionados no prixneiro capitulo, acho que deve ter resta- do pouca dcvida quanto i idsa de que, entre os animais domisticos, o uso reforga e desenvo!ve certas partes de seus corpos, enquanto que o desuso as atrofia, e que tais modificagdes sio hereditirias. Entre os animais em estado nativo, nio temos padrdes de cornparagio que nos permitam julgar os efeitos de um longo uso ou desuso, pois nHo conhecemos seus ancestrais. Todavia, muitos animais possuem estruturas que podem ser explicadas pelos efeitos do desuso. Segundo obsemou o Professor Owen, nio pode haver maior anomalia na natureza do que uma ave que nio saiba voar. Entretanto, muitas niio sabem. 0 pato-arminho da Amkrica do Sul apenas bate as asas enquanto se mantim na superfide das iguas. Suas asas es&o cpase nas mesmas conciigdes das que se vcem entre os patos domisticos da raga Ay/esbury. Como as aves terrestres de maior porte raramente voam, exceto para escapar de determinados pedgos, acredito que as asas atrofiadas e praticamente inriteis de v i r k aves que arualmente habitam, ou habitaram ati. h i pouco tempo ads , certas ilhas oceinicas nas quais nio haja predadores, sejam devidas justamente ao desuso. Efetivamente, a avestruz habita ireas condnentais, estando exposta a peri- gos dos quais nio escapa atravks do v60, mas s h i custa das patadas com que se defende de seus i.limigos, da mesma forma cpe o fazem muito q e p e d e s peque- nos. Podemos imaginar que o ancestral da avestruz tivesse hibitos semelhantes ao da abetarda, e que suas sucessivas geragdes, i medida que iam aumentando deportee de peso er r consequencia da selegio natural, passavam a fazer uso cacia vez mais fre- quente das pernas e cada vez mais raro das asas, atk se tornarem incapacitadas de voar.

Kirby obsemou (e eu pr6prio tambim o I%) que os tarsos anteriores, ou patas, de muitos besouros copr6fagos machos freqiientemente se perdem. Examinando dezessete espicimes de sua pr6pria colegio, vedficou que nedum possda sequer vestigios daquela parte de seu corpo. 0 Onites ujbeNes perde Go habitualmente seus tarsos, que j i o descreveram como se os uio possdsse. Em alguns outros gineros, os tarsos es&o presentes, mas em estado rudimentar. No Ateuchus, que i o escarave- Iho sagrado dos egfpcios, as patas inexistem de todo. NHo h i evidencia suficie~te para permidr acreditar-se que tais mutilagdes sejam efetivamente hereditirias; pre- fir0 antes atribuir a ausincia completa de tarsos anteriores no Ateuchus, assim como a sua condigiio rudimentar em tantos outros gineros, aos prolongados efei- tos do desuso em seus ancestrais, pois umavez que diversos besouros copr6fagos perdem tHo frequentemente seus tarsos, essa perda deve ocorrer logo nos primei- ros dias de sua existincia; por conseguinte, essa parte do corpo nio pode ser muito usada por tais insetos.

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Em alguns casos, i possivel que ambuamos ao desuso diversas modificagcies estruturais que antes deveriam ser ambuidas total ou prindpaltnente i selegio natu- ral. Mr. Wollaston descobriu um fato notivel: das 550 espicies de besourosexisten- tes na Ilha da Madeira, 200 sio dotadas de asas 60 precirias que seus donos nio podem voar. E dos 29 gineros endtmicos que ai existem, nZo menos de 23 t&n todas as suas espides nesta condigZo! Para uma expiicagZo dessa ocorr&da, &ver- sos fatos teriam de ser considerados: em diversas partes do mundo, os besouros sio frequentemente arrastados pelos ventos em diregio ao mar, onde vim a perecer; os besouros da Madeira, conforme observou Wollaston, costumam ficar escondidos at6 que o vento cesse e o sol volte a brilhat; neste arquipklago, a proporgio de besouros desprovidos de asas i muito maior no grupo das Desertas, que esGo mais expostas aos ventos, do que na Ilha da Madeira propriamente dim; por fun, o fato extraordinixio, acerca do qua1 Wollaston tanto nos chama a atengio, da aus&da completa de certos grandes grupos de cole6pteros que sio excessivamente nume- rosos em outras partes do mundo, e cujos hibitos de vida esGo condidonados i necessidade de v6os frequentes. Estas diversas consideragdes levaram-me a acredi- tar que a incapacidade de voar de tantos besouros da Madeira se deva principalmen- te i agio da selegio natural, embora provavelmente associada ao desuso. Durante milhares de geragcies sucessivas, os besouros que voavam menos, fosse porque suas asas nio tivessem grande desenvolvimento, fosse por indoltncia do individuo, teri- am tido maior probabilidade de sobreviver, por nio serem arrastados pelos ventos para o mar. Por outro lado, os com maior facilidade e tendincia ao v6o teriam sido levados pelos veztos para o alto-mar, e assim teria ocorrido sua destruigio.

J B os insetos da Ilha da Madeira que nZo sio terrestres e qJe, como os cole6pteros e lepid6pteros que se nutrem de flores, sio obrigados a usar suas asas para subsistir, sofreram, conforme suspeita Wollaston, nio uma redugio nas asas, mas sim um maior desenvolvimento das mesmas. Esse fato i inteiramente compativel com a agZo da selegio natural. Quando um inseto novo chegou pela primeira vez i ilha, a tendinda da selegio natural de aumentar ou red-zir suas asas dependeria dos resul- tados da batalha desse animal contra os ventos. Se muitos indiyfduos enfrentassem com sucesso essa batalha, o resultado seria um; se a tentativa fosse suspensa e os indidduos passassem avoar raramente, ou nunca, o resultado seria outro. E o mes- mo que ocorre corn pessoas que naufragam pr6ximo da costa: os bons nadadores tim a ganhar se se langarem a nado em busca da praia, enquanto que os maus nadadores agem mais corretamente ficando onde esGo e procurando agarrar-se aos destrogos do navio.

0 s olhos das toupeiras, assim como os de alguns roedores que vivem sob a terra, sZo rudimentares em tamanho; em certos casos, costumam ser inteiramente recobertos por uma membrana dotada de pilos. Essa condigio dos olhos provavel- mente se deve a w.a redugio gradual, provocada pelo desuso, mas possivelmente auxiliada pela selegZo natural. Na America do Sul, um roedor desse tipo, o tuco- tuco (Ctenomys), chega a ter hibitos ainda mais subterrineos que a toupeira. Um espanhol que costumava cagar este anima! assegurou-me que os tuco-tucos frequentemente sZo cegos. Eu mesmo tive a oportunidade de agarrar urn desses animais, vivo, vedficando que ele de fato nio enxergava. A causa, conforme consta-

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rei posteriormente, quando o dissequei, seria ?a inflamaqio que ele apresentava na pilpebra. Como a frCqiiente inflamaqio dos olhos deve ser nociva para qualquer animal, e como os olhos certamente nZo sio indispensiveis iqueles que t6m hibitos subterrheos, uma reduqio em seu tamanho, com a aderhcia das pilpebras e o cres- cimento de pilos sobre elas, pode att consti& uma vantagem. Se assim for, a selego natural estaria constanternente contribuindo parascentuar os efeitos do desuso.

E bem sabido que diversos animais que v i v a nas cavernas da Estiria e do Kentucky, e que pertencem i s classes mais diferentes, sio cegos. Em a l p s caran- guejos, o pedhculo sobre o qual se assentam os olhos costuma permanecer no corpo, mesmo que os olhos se percam. E como se a luneta se perdesse, ficando apenas o mpC. Como t dificil imaginar que os olhbs, ainda que infiteis, pudessem ser de algum mod0 nocivos ao animal, atribuo sua perda ao desuso, e a nada mais. Num animal cego, o rato-das-cavernas, os olhos sHo enormes. 0 Professor Silliman acreditava que esse animal, depois de viver alguns dias em ambiente iluminado, readquiria parte de sua capacidade visual. Do mesmo mod0 que na Madeira as asas de certos insetos aumentavam de tamanho, enquanto que as de outros insetos fo- ram reduzidas pela seleqio natural, auxiliada pelo uso e desuso, no caso do rato-das- cavernas a seleqio natural parece ter aceitado o desafio da falta de luz, aumentando o tamanho dos olhos, enquanto que, no caso dos demais habitantes das grutas escuras, o pr6prio desuso seria o responsivel pelas variaqBes neles verificadas.

E didificil imaginar condiqBes de vida mais id6nticas que as das profundas grutas calcirias existentes em duas regices de clirna parecido. Assim, dentro da idCia co- mum de que a criaqio dos animais cegos das cavernas europ6ias e americanas se tenha dado separadamente, era de se esperar a existhcia de afinidades e semelhan- Gas entre eles. Entretanto, conforme observavam Schiodte e outros, tal nio ocor- .reu: os insetos que habitam as cavernas dos dois continentes nio possuem afinida- des maiores do que as existentes entre os demais habitantes da Amtrica do Norte e da Euopa. No meu mod0 de pensar, suponho que os animais americanos dotados de capacidade normal de viszo foram rnigrando lentamente, numa longa sucessHo de geraqBes, da superficie para os reft5gios das cavernas do Kentucky, aprofundando- se cada vez mais, i semelhanga do que teria ocomdo nas grutas europtias. H i certas evidencias desta gradaqio de hibitos. Schiodte observa que "animais nio muito afastados das formas normais constituem a transifio entre os que vivem sob a luz e os que vivem na escuridio. Em seguida vem os que sio conformados para viver na penumbra; por h, os destinados i escuridio completa". Na ocasizo em que o animal, ap6s diversas geraqBes, tiver alcanqado as maiores profundezas das grutas, o desuso teria concorrido para obliterar total ou parcialmente seus olhos, enquanto que a seleqio natural por vezes teria levado a outras alteraqBes, tais como o desenvolvimento das antenas ou dos palpos, i guisa de cornpensagio pela ceguei- ra. Independente disso, t de se esperar que ainda sejam encontradas afinidades entre os moradores das cavernas e os da superficie, tanto no caso da Amkica, como no da Europa. 0 Professor Dana, aliiq confirmou-me isso para o caso dos animais americanos. Quanto ao caso europeu, alguns dos insetos que vivem em nossas ca- vernas do continente apresentam grande afinidade com os que habitam as circunvizinhanqas. Seria difidmo dar qualquer explicaqHo racional para afinidades

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entre os animais cegos que vivem nas grutas e os p e vivem na superficie, dentro da id&a geral de que cada qual teria sido criado independentemente. de se esperar, contudo, q.le os =oradores das cavernas do Novo e do Velho Mundo apresentem muitas afinidades, pois estas ji sZo conhecidas no qJe concerne i naior parte dos seres vivos dos dois continentes. Niio me surpreende o fato de que alguns dos animais das cavernas sejam muito an8malos, conforme.observou Agassiz corn res- peito aoAmb&psis, o peixe-cego, ou conforme ocorre corn o Proteus, tambib cego, com referenda aos ripteis da Europa. 0 que me sllrpreende i que nZo tenham sido preservados nesses lugares um maior niuneros de resquidos e testem.nhos da vida primitiva, devido i competigzo menos adrrada que se trava entre os habitantes desses abrigos escuros.

0 hibito i hereditirio "as piantas, conforme se constata quanto ao period0 de florasZo, i quantidade de chuva necessiria para a germinagiio das sementes, ao tempo de repoxso, etc.. rsso leva-me a dizer lur.as poucas palavras acerca da adimatagZo. E extremamente, comum verificar que espides do mesmo gsnero ha- bitam tanto lugares rnuito frios como lugares m-ito quentes. Como acredito que todas as espicies de um mesmo ghero descendam de urn ancestral comum, chego i conclusZo de que, se d idiia for correta, a adimatagZo deva efetllar-se sem maio- res problemas durante a longa seqiiencia de geragdes de uma espide. Cada espide esti adaptada ao c h a de seu habitat -isto i um fato notbrio. As espides de dima irtico, ou mesmo de c h a temperado, nZo s u p o m os &-as tropicais, e vice- versa. Diversas plantas suculentas nZo toleram os dimas iunidos Mas o grau de adaptabiidade das espides aos dimas sob os quais elas vivem costuma ser um tanto exagerado. Podemos tkar esta conclusZo da nossa freqiienteincapacidade de predizer se uma planta importada suportaria ou nZo nosso dima, e do niunero de plantas e animais trazidas de pdses Tentes para o nosso, e que aqui se desenvol- vem muito bem. Temos razdes para acreditar que as espides em estado nativo ttm ireas de ocorrenda resmtas em funs20 da competigHo com os outros seres vivos, tanto ou mais do que em funs% de sua pequena adaptabiidade a dimas diferentes do de sua Brea de ocorrtnda. Quaqto ao caso de adaptabiidades muito limitadas, podemos comprovar, com base em certos exemplos, que determinadas plantas se torEam, at6 certo ponto, naturalmecte habitcadas a diferentes temperaturas; ou seja, tornam-se adimatadas. Assim, os phheiros e rododendros que se desenvolve- ram a partir de sementes colhidas pelo Dr. Hookr, de exemplares que cresdam em diferentes aituras do Himalaia, segmdo se verificou, possuiam diferentes capadda- des constit~donais de resistir ao frio. M-. Thwai:es informox-me haver observado fatos semelhantes no CeSo, enquanto que observag6es andogas foram feitas por Mr. 11. C. Watson com respeito aos descendentes de plantas ingiesas e asoriana dtivadas no continente eurooeu. Com referencia aos animais. oodedamos dtar di-

A - * versos exemplos autinticos de espides que, nos tempos hist6ricos, ampliaram bas- tante sua kea de ocorrtcda, expandindo-se das latie~des mais quentes para as mais - - frias, e vice-versa. 0 que nZo sabemos 6 se esses animais seriam primitivamente adap-

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tados apenas ao dima de suas ireas de origem, emborapresumamos que a t e deva ser o caso mais comum, e que posteriormente se teriam adimatado a seus novos lares.

Acredito que nossos animais dornbticos foram escolhidos pelo homem em estado selvagem pelo fato de serem liteis e se reproduzirem fadlmente sob cativ.ei- ro, e nZo porque subsequentemente se descobrisse que eles seriarn capazes de acornpanhi-10s em suas longas migrag6es. POI isto, acho que a extraordiniria capa- cidade 60 cornum entre nossos animais dombticos de G o somente suportarem os dimas mais diversos, como t a m b h de permanecerem perfeitamente fecundos (um teste.ainda mais severo) em todo tipo de dima, pode ser usada como uma evidencia de que uma grande proporgo de outros animais, hoje vivendo em estado selvagem, certamente poderia enfrentar os mais diferentes tipos de dima. Todavia, G o deve- mos levax tal argumento ati i s dtimas conseqii~ndas, por causa daprovivel origem selvagem de alguns de nossos animais dombticos. De fato, pode ser que o sangue de um lob0 irtico, ou de um lobo tropical, ou de algum c5o selvagem, esteja conti- do em nossos cZes domesticos. 0 rato e o camundongo n50 podem ser considera- dos animais domisticoq embora tenham sido tlansport$os pelo homem a muitas partes do mundo, tendo atualmente um imbito de ocorrtncia maior que o de qual- quer outro roedor, j i que tanto vivem sob o dima frio, como nas Fioe, a norte, e nas Falldands, a sul, como em inheras ilhas das zonas t6rridas. Por isto, estou indinado a considerar a adaptaeo a determinado dima como uma qualidade que fadlmente se pod& enxertarna ampla flexibiidade inata de constituisio que ocorre comumecte na maior parte dos animais. Dentro date ponto de vista, a capacidade de resistir aos mais diferentes dimas, da qua1 tanto 15 dotado o homem como seus animais dombticos, aliada ao fato de que as espicies ancestrais do elefante e do rho- ceronte eram capazes de suportar o dimaglacial, enquanto que os atuais representan- tes dessas espicies t&n hibitos tropicais ou subtropicais, n k devem ser considerados como anomalias, mas meramente como exemplos de uma comunissima flevibida.de de constitui@o, que costuma ser despertada conforme as circunstindas

KO que se refere i adimatagZo das espedes, trata-se de uma ques6o ainda mui- to obscura a de se seria devida ao mero bibito, ou se i selegio natural, que faria sobreviver apenas algumas das vadedades possuidoras de diferentes constituiq6es inatas. Pode ser que se.deva i agZo conjunta desses dois fatores; neste caso, qua1.0 grau de importincia de cada um? Que.0 bibito ou costume tenha alguma influkn- cia, acredito-o, tanto por causa da analogia, como em razz0 dos freqiientes conse- lhos a esse respeito que se encontram nas antigas obras referentes i agricultura, inclusive nas antigas encidopidias chinesas, que recornendam toda cautela quando se deslocam os animais de uma regiio para outra, visto G o ser provivel que o homem tenha sido capaz de seledonac tantas raqas e sub-rasas com constituig6es especialmente adaptadas a seus pr6prios locais de ocorrencia: o resultado penso que seja devido ao hibito. Por outro lado, &o vejo razZo para duvidar de que a selegiio natural tenda continuamente a preservar os individuos nascidos corn orga- nismos adaptados a suas regi6es nativas. Nos tratados sobre diversos tipos de plan- tas cultivadas, v2-se que determinadas vadedades sZo capazes de suportar certos dimas melhor do que outras. Isso duma afirmativa muito comum nas obras sobre b o r e s frutiferas, publicadas nos Estados 3nidos: nelas, certas variedades sZo re-

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comendadas para os estados do Norte, enquanto que outras d o para os do Sul. Como a maior parte dessas variedades tem origem recente, suas diferengas de cons- tituigb nZo podem ser devidas ao hibito. 0 caso do &&sol, quenunca 6 propaga- do por semente, e conseqiientemente ainda nZo deu novas variedades, tem sido como prova - pois a planta continua t2o melindtosa como antes - de que, a adimatago G o pode ser realizadal T a m b h o caso do feijZo tem sido i s vezes mencionado para o mesmo prop6sit0, como sese tratasse de um argument0 ainda mais forte que o precedente! Todavia, at6 que a lguh se d t ao trabalho de semear esta planta, durante uma vintena de geragdes, numa ipoca tal que a maioria dos brotos seja destruida pelo frio; para depois recolher as sementes dos poucos sobre- viventes, cuidando de evitar cruzamentos acidentais, erepee o procedimento, sempre com as mesmas precaugdes - enquanto nZo se 6zer isto, nZo se pode dizer que a experitncia de adimatagZo do feijZo tedha sido sequer tentada. Diga-se de passa- gem que at& mesmo j i apareceram diferengas constitucionais nas plantinhas de feijZo que germinaram entre n6s, pois urn relat6rio a este respeito revelou que al- guns brotos eram muito mais resistentes que os outros.

No conjunto, acho que podemos concluir que.0 hibito, o uso e o desuso, em certos casos, desempenbam papel importante na modificagZo da constituigZo e da estrutura dos diversos 6rgZos, mas que os efeitos do uso e desuso muitas vezes se combinam com a selegZo natural das diferengas inatas, sendo por vezes domi- nados por esta.

Esta expressZo decorre do fato de que todo o organismo esti tiio inter-relacio- nado durante seu crescimento e desenvolvimento, que quando ocorrem quaisquer variag6es numa de suas partes, e essas variagdes s%o acumuladas atravis da selegio natural, outras partes se modificam simultaneamente. Trata-se de um assunto muito importante, embora seja muitissirno mal compreendido. 0 exemplo mais 6bvio 6 o das modificagdes acumuladas exdusivamente em beneffcio do mote, ou da larva, e que acabam por afetar a estrutura do ser adulto, como & f i d de se compreender. De maneira idtntica, qualquer mi conformagiio que afete o embGo iri reflee-se futuramente no organismo adulto. As diversas partes hom6logas do corpo que, na fase embrioniria inicial, sZo idCnticas, parece que sZo passiveis de variar, analogamente. Podemos verificar este faro na maneira idCntica com que variam os lados direito e esquerdo do corpo, ou os membros posteriores e anteriores, ou mesmo as r n a n d i i e os membros, que t a m b h variam simultaneamente, pois tais partes parece que d o hom6logas. NZo tenho d6vidas de que tais tendtncias possam ser dominados mais ou menos completamente pela selegZo natural. E co- nhecido o exemplo de uma f a d a de veados que apresentava apenas urn galho num dos lados da cabep. Se tal caractedstica fosse 6til para a espkcie, por certo teria sido mantida em todos os descendentes, atravks da selegZo natural.

As partes hom6logas, como j i foi observado por certos autores, tendem a sol- dar-se Isso pode ser eventualmente observado nas plantas que apsesentam mons- truosidades. Nada 6 mais comum que a uniiio de partes hom6logas em estrutura

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normais, como a das pitalas da corola qJe costumam soldar-se formando um tubo. As partes rijas parecem afetar a forma das partes tenras adjacentes. A l p s autores acreditam que a diversidade de formato da pelve dos pksaros provoca a notivel diversidade de formato de seus rins. Outros acreditam que o formato da pelve na mulher, pela press20 que exerce, influendari o formato da cabega do filho. Nas serpen-s, de acordo com Schlegel, o formato do corpo e a maneira de deglutit determinam a posigHo de diversas das visceras mais importantes do animal.

A natureza do vinculo de correlagHo i freqiientemente desconhedda. M. Isidore Geoffroy Saint-Hilaire insistiu por diversas vezes em que certas deformagaes cos- tumam coexistir com outras, ou entiio raramente ocorrem de mod0 s i d t i n e o no mesmo s q sem que sejamos capazes de encontrar alyma razHo para esse fato. Que poderia ser mais sin@ que a relacio entre olhos azuis e surdez nos gatos, ou a cor diferente das carapagas das tartarugas-fzmeas, ou os pis emplumados, assim como t a m b h a membrana interdigital dos pombos, e a presenga de penugem mais ou menos densa nos filhotes que acabam de sair do ovo, com a futura coloragHo de sua plumagem! E que relagHo poderia haver entre o pklo e 0s dentes dos ciies pelados da raga turca - nHo obstante, tais caracteristicas parecem ser hom6logas. Com relasiio a este dtimo exemplo, acho que tal correlagiio difidlmente poderia ser aci- dental, pois se tomarmos as duas ordens de mamiferos que apresentam maior anor- malidade no que se refere ao recobrimento dkmico, ou seja as ordens dos ceticeos paleias) e dos desdentados (tatus, pangolins, etc.), veremos que seus representantes tambim apresentam grande anormalidade no que se refere aos dentes.

NHo conhego exemplo mais apropriado para mostrar a importhcia das leis de correlagiio na modificagHo das estruturas mais importantes, independente da utili- dade que tais alteragaes tragam - o que vale dizer: independente da selegHo natu- ral, - do que o da diferenga existente entre as flores internas e externas de certas plantas das f d a s das Compostas e das Umbeliferas. Todo o mundo corhece a diferenga existente entre os fl6sculos perifiricos e centrais da nargarida, por exerr.- pio. Essa diferenga muita vezes pode ser acompanhada da atrofia total de determi- nadas partes desta flor. Pois bem: em certas Compostas, as sementes tambim dife- rem quanto ao formato e ao aspecto; at6 mesmo o ovirio e suas partes acess6rias podem diferir, conforme foi assinalado por Cassini. Alguns autores auibuem essas diferengas i pressHo, e o formato das sementes nos fl6sculos perifiricos de algumas Compostas d i apoio a essa id6ia. Todavia, no caso da corola das Umbeliferas, con- forme me informou o Dr. Hooker, de mod0 algum seria nas espides com capitulos mais densos que as flores internas e externas difeddam mais freqiientemente. Jb se aventou a hip6tese de que o desenvolvimento das pitalas possa atrofiar as partes da planta das quais elas extraem seu alimento. Em algumas Compostas, porim, existe uma diferenga entre as sementes dos fl6sculos externos e internos, sem que isso acarrete qualquer diferenga na corola. Possivelmente, essas diversas diferengas po- deriam estar reladonadas com alguma particdaridade quanto ao fluxo do alimento em dire520 is flores centrais e externas. Pelo menos sabemos que, nas flores irrey- lares, aquelas que se situam sas proximidades do eixo sHo mais freqiienterxente s~jeitas i pel6ria, tornando-se reylares. Para Zustrar tal fato e apresentar um exem- plo notivel de correlagHo, gostaria de acrescentar que obsemei recentemente, em

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alyns pelargbnios de jardim, que a flor central do tufo perde is vezes as manchas de cor mais escura que ocorrem nas duas pitalas supexiores Quando isso acontece, o neczirio adjacente fica inteiramente atro6ad0, enquanto que quando a mancha desapa- rece apenas numa das duas pitalas superiores, o ne&o fica grandemente reduzido.

Com respeito i diferenga na corola das flores exteriores e centrais de um capitu- lo ou de uma umbela, G o estou inteiramente seguro da idSa de C. C. Sprengel de que os flbculos perifiricos s h a m para atrair os insetos, cuja participagiio i alta- mente vantajosa na fertilizagiio das plantas dessas duas ordens, achando-a.60 for- gada como i primeira vista pode parecer. Realmente, se esses fl6scdos fossem as- sim 60 mumajosos para as plantas, a selegZo natural por certo poderia entrar em cena. Mas quanto i s diferengas na estrutura tanto interna como externa das semen- tes, que nem sempre sio correlatas a quaisquer diferengas nas flores, parece impos- sivel que possam ser de algum mod0 vantajosas para a planta; entretanto, nas Umbeliferas, essas diferengas siio de importincia 60 evidente - sefido as semen- tes, evenrualmente, de acordo com Tausch, "ortospermas" nas flores externas e "celospermas" nas cenaais, - que De Candolle, o velho, baseou-se nessas diferen- gas anilogas para estabelecer suas p ~ c i p a i s divis6es com respeito esta Ordem. Vemos, portanto, que as modificag6es estruturais, consideradas de alto valor pelos sistematistas, podem ser devidas inteiramente a leis desconhecidas de crescimento correlate, niio possuindo, pel0 menos tanto quanto sabemos, a menor utilidade para as espicies.

MrJtas vezes podemos ambuir erroneamente i correlagiio de cresdmento a existincia de estruturas comuns a todo um grupo de espicies, as qcais, na realidade, sZo devidas meramente i hereditariedade, pois .um antepassado remoto pode ter adquirido alguma modificagiio estrutural atravis da selegzo natural, e seus descen- dentes, ap6s milhares de geragces, terem adquiddo outra modificagZo inteimmente independente. As duas alteragees, tendo sido transmitidas a todo um grupo de des- cendentes possuidores de hibitos diversos, poderiam naturalmente ser considera- das como correlatas, de algum modo. Novamente nzo duvido de que certas corre- lag6es aparentes, presente em ordens inieiras, siio completa e exdusivarnente devi- das i maneira pela qual a selegiio natural pode agir. Alphonse de Candolle obser- vou, por exemplo, que as sementes aladas jamais sZo encontradas nos frutos que nZo se abrem. Eu poderia explicar isso pelo fato de que as sementes niio poderiam tornar-se gradualmente aladas pela agZo da selegZo natural, a nZo ser que os frutos se abrissem, e deste mod0 os individuos que produzissem sementes mais bem adap- tadas ao transporte conseguiriam um trunfo e-m relagiio iqueles cujas sementes tivessem menor probabidade de dispersiio - tal process0 evidentemente G o po- deria ter seqiiincia no caso de frutos que niio se abrissem.

Geoffroy, o velho, e tambim Goethe, quase na mesma ipoca, formularam sua lei de compensagiio ou eqdiirio de crescimento, que o segundo assim expressou: "Para gastar de um lado, a Natureza i forgada a economizar de outro". Acho que isso se aplica ate certo ponto a nossas produgdes dom6ticas: se um determinado 6rgiio ou +ma parte do corpo recebe alimentagiio em excesso, difidlmente outro 6r@o ou parte tambh- receberzi quantidade excessiva de alimentagiio. Assim, i dificil, conseguir que uma vaca seja simultaneamente 60 boa produtora de leite

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quanto de carne. As mesmas variedades de couve nZo ~oderZo ~roduzir folhas abundantes e numtins e, ao mesmo tempo, grande c6pia de sementes oleaginosas. Quando as sementes de nossos frutos se tornam atrofiadas, o fruto propriamente &to ganha bastante em tamanho e qualidade. Nas aves dombticas, um consider&- vel tufo de penas na cabega i geralmente acompanhado por uma redugZo na cdsta, e um aumento das penas do pap0 a uma redugiio das caninculas. Quanto i s espid- es em estado selvagem, dificilmente poder-se-ia akmar que a lei se aplica universal- mente; todavia, muitos bons observadores, espedalmente os que se dedicam i Bo- thica, aceitam-na sem restrigdes. NZo dtarei exemplos, contudo, pois tenho di6- culdade de encontrar um mod0 de distinguir, por um lado, entre os efeitos do de- senbolvimento de determinada parte em conseqiihda da selegZo natural, e a redu- $20 de outra parte adjacente pel0 mesmo processo, ou em decorrincia do desuso, e, pot outro lado, a perda alimentar de uma parte em razZo do desenvolvimento anor- mal de outra adjacente.

Tambim suspeito de que alguns casos de compensagiio relatados, assim como diversos outros fatos, possam confundir-se dentro de um prindpio mais geral, qual seja o de que a selegZo natural esti continuamente tentando economizar em cada parte da organizagZo. Se, sob condigdes de vida modificadas, uma estrutura antes 6til passa a apresentar menor utilidade, qualquer reduggo de seu desenvolvimento, por pequena que seja, seri acelerada pela selegZo natural, visto ser proveitoso para o indidduo niio dispender seu aliment0 no sustento de uma estrutura in6til. So- mente assim pude compreender um fato que me inmgou quando examinei os cirripedes, e do qual diversos exemplos poderiam ser citados, ou seja: quando um cirtipede vive parasitariamente dentro do outro, sendo deste mod0 protegido, per- de total ou pardalmente sua carapaga. E isso o que ocorre com o Ib/a macho e, de maneira verdadeiramente extraorclinicria, com o Proteo4m. Em todos os outros cirtipedes, a carapaga consiste de tris segmentos anteriores da cabega que se desen- volvem enormemente e sZo providos de nervos e m6sculos muito grossos. No Profeo/qar, porim, que i um parasita protegido por seu hospedeiro, toda a parte anterior da cabega se reduz a mero rudimento situado junto i base da antenapreinsil. Ora, a redugiio progressiva, embora lenta, de uma estrutura grande e complexa, tornada supirflua em virtude dos hibitos parasi&ios do Profeo/epns, constituiria efetiva vantagem para cada novo descendente da espicie, uma vei que, na luta pela existhcia i qual esti exposto todo animal, cadaindividuo do ginero Proteobpmteria probabilidade cada vez maior de se sustentar, dispendendo menos alimentagZo para desenvolver uma parte do corpo que atualmente perdeu sua utilidade.

Deste modo, acredito que a selegiio natural sempre teri .%to no longo processo de poupar-se de um desgaste atravis da redugZo e perda de qualquer parte do orga- nism~, 60 logo esta se torne supkflua, sem que isso de mod0 algum acarrete o desenvolvimento correspondente de outra parte qualquer. E, de mod0 inverso, que a selegZo natural possa perfeitarnente ter *xito em desenvolver grandemente qual- quer 6rgZ0, sem que isso acarrete a necessidade de uma compensa~Zo, isto i, de se reduzir outra parte adjacente do organismo.

Parece constituir uma regra, conforrne observou I. Geoffroy S t Hilaire, e v a d a tanto para as variedades como para as espides, que, quando qualquer parte ou

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6rg;io se repete muitas vezes no organismo de um individuo (como as virtebras nas serpentes e os estantes nas flores polihdricas), seu. n h e r o 6 variivel, enquanto que o n h e r o das partes ou 6rg;ios menos repetidos 6 constante. 0 mesmo autor, assim como tambim o fizeram certos bothicos, observou ainda que as partes mdtiplas sio t a m b h muito sujeitas a variagdes quanto i sua estrutura. Uma vez que esta "repetiggo vegetativa", para usar a express50 do Professor Owen, parece indicir uma organizagio de tip0 inferior, a observagio precedente parece relado- nar-se com a opiniio muito generalizada entre os naturalistas, de que os seres situ- ados nos primeiros detraus da escala danatureza sio mais vadiveis que os situados nos degraus superiores. Presumo.que a inferioridade, neste caso, signifique que as diversas partes do organismo sejam muito pouco espedalizadas para determinadas fungdes; e na medida em que certa parte tenha de realizar diversas fungGes, talvez possamos explicar por que se devia tornar variivel, ou seja, porque a selegio natural teria preservado ou eliminado cada pequeno desvio, de forma menos cuidadosa- mente do que quando a parte serve para uma h i c a hnalidade especial. De mod0 id<ntico, uma faca*que sirva para cottar toda sorte de objetos pode ter enormes variedades de formatos, ao passo que um instrumento destinado a determinado fim funcionari melhor se tiver um formato bem particular. A selegio natural, nio pode- mos esquecer, pode atuar sobre qualquer parte de um ser vivo, mas sempre e unica- mente em seu beneflcio.

As partes rudimentares, conforme asseveram vhrios autores, e com eles estou de acordo, tendem a ser altamente vadiveis. Teremos de retornar a este tema geral dos 6rgZos mdimentares que sio abortados. Quero apenas acrescentar que essa variabiidade parece dever-se a sua inutilidade e ao fato de que a selegio natural nio tenha a capaddade de impedir a ocorr6ncia de desvios em sua estrutura. Assim, as partes rudimentares sio deixadas ao sabor das diversas leis de cresdmento, aos efeitos do prolongado desuso e h tendhcia i regressgo.

Umaparte que se desenuolue de maneira a n o d ow emgrau excepn'onalnuma eqkie , coqbaratiuamente com seu desenuoluimento nus espbciespro'xzinus, tende a ser altamente uariluel

IIi muitos anos atris, causou-me forte impressgo a leitura de uma observagio mais ou menos idhtica a este subtitulo, num nabalho de Mr. Waterhouse. Uma outra observagio, esta do Professor Owen e referente ao comprimento dos bragos do orangom80, levou-me A condusio de que tambim ele compartilhava de idiia semelhante. E inritil tentar convencer alguim da validade desta premissa, sem jun- tar aos argumentos uma longa relagio de fatos. Tenho-os anotados, mas faltam-me condig6es para apresenti-10s nesta obra. Posso apenas asseverar minha convicgio de que se uata de uma regra bastante geral. Estou ciente das possibiidades de me deixar levar por dedugdes errheas, mas creio ter-me prevenido devidamente con- tra elas. Devemos ter em mente que esta regra nZo se aplica indiscriminadamente a qualquer parte da estrutura do ser vivo queporventura se tenha desenvolvido anor- malmente, mas s6 iquelas cujo desenvolvimento i anormal em cornparagio com o que se verifica nas espides pr6ximas, no que se refere iquela parte. Assim, a asa do morcego, dentro da dasse dos mam'feros, constitui uma estrutura extrernamente .

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Praacha XXI. Umbu

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anorma, mas nem por lsso a regra se apllca neste caso, uma vez que existe todo um grupo de morcegos possuidores de asas. A regra se apEcaria apenas se, dentre os morcegos diversos, uma deterrrhada espide possuisse asas enormemente desen- volvidas, em comparagio com as dos morcegos do mesmo gcnero, porim perten- centes a outras espicies. Sua aplicagio C bastante geral no caso dos caracteres sexu- ais secundirios, quando estes se desenvolvem de mod0 anormal. Esta expressio, caraderressexuaissecunddrios, criada por Hunter, aplica-se i s peculiaridades fisicas pr6- prias de determinado sexo, mas nio relacionadas diretamenre c o n o ato da repro- dugio. A regra se aplica tanto aos machos como i s fimeas, se bem que estas ram- mente apresentem esses caracteres, donde sua maior aplicagio para o primeiro caso. 0 fato de ser inteiramente aplicivel quanto aos caracteres sexuais secundirios pode ser devido i grande variabidade que estes apresentam, independente de serem grandenente desenvolvidos - quanto a isso, penso que nio h i maiores dlividas. Mas que a regra xGo se resuinge aos caracteres sexuais secundirios, isso fica eviden- te no caso dos cirripedes hermafroditas. Devo acrescentar que verifiquei pamcular- mente a idiia de Mr. Waterhouse, enquanto pesquisava aquela ordem, tendo engo chegado i plena convic~io de que, quanto aos cirripedes, a regra se apEca quase que invariavelmente. Na mixha obra fur- darei uma lista de casos mais dignos de mengio. Aqui, limitar-me-ei a dtar um exenplo bastante ilustrativo da aplica~io mais geral desta regra. As valvas operculadas dos cirripedes sisseis (vulgarmente designados por cracas) constituem estruturas importantissimas, em toda a extensio deste termo, diferindo muito pouco de um gcnero para o outro. Porim, consideran- do-se apenas o gbero Pytgoma, composto de virias espides, essas valvas apresenta- vam notivel diversificagio. As valvas hom6logas sio de formatos inteiramente di- ferentes nas diversas espicies do gcnero; mesmo nos individuos de uma determina- da espide, essa variagio i Go grande que nio seria exagerado afirmar que as varie- dades diferem mais entre si, no que se refere i s caractensticas dessas importantes valvas, do que as espicies de outros g;neros, em relagio i nesma estrutura.

Como os pLsaros de m a determinada reg50 apresentam v&agio notavel- mente pequena, tenho dedicado particular atengio a esta dasse de animais, e acre- dito que a regra tambim se aplique em relagio a eles. Nio pude comprovar sua aplicagio no que se refere aos vegetais, o que poderia ter abalado seriamente minha crenga na sua va.lida.de, nio fosse o fato de ser particularmente diflcil comparar os graus relativos de variabilidade das plzsas.

Quando verificamos um notivel desenvolvimento, seja quanto i forma, seja quanto i dimensio, de deter.minada parte ou 6rgiio de qualquer espide, a presun- gio mais provivel C a de que tal desenvolvimento deva ser importantissimo para aquela espide. Entretanto, C de se Iembrar que a *a1 parte C emhentemente susce- tivei de variar. Por que seria assim? Dentro da hip6tese de qce cada espide tenha sido criadaindependentemente, j i com todas as suas partes conformadas damanei- ra como hoje as vemos, nio sel como se poderia responder a essa questio. Mas dentro da id& de que os grupos de espides descendam de outras espides, tendo- se modificado por htermidio da selegio natural, penso que podemos encontrar a fesposta. No qze se refere aos nossos animais dombticos, se alps parte.de sell corpo, ou toda a sua estrutura, for descurada, sem que se aplicpe a selegio, a parre

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Prancha XXU. Coruja

(sirva de exemplo a csista dos frangos da raga Dorkins) deixari de possuir sua caractedstica uniforme. 0 mesmo se pode dizer quanto a toda uma linhagem ou uma raga domestics. Diz-se en&o que aquela raga se degenerou. Nos 6rgZos rudi- mentares, e naqueles pouco especializados para a l y n a finalidade particular, e tal- vez nos grupos polimorfos, verifica-se fato andcgo na natureza. Nestes casos, a selegiio natural ainda nio entrou em agio, ou talvez nem possa atuar, e deste mod0 o organism0 C deixado numa condigio oscilante. Aqui, p o s h , o que nos interessa mais particularmente C que essas partes de nossos animais domisticos, submetidas i ripida mudanga pela atuagio continua da selegzo, tambim sio eminentemente suscetiveis de variagio. Obsesvemos as ragas de pombos: que diferenga prodigiosa se acumulou nos bicos dos diferentes cambalhotas, no bico e no barbiiio dos diferentes pombos-correios, no porte e na cauda dos rabos-de-leque, etcl Atual- mente, siio estes os itens que mais despertam a atengio dos columb6filos ingleses. Mesmo nas sub-ragas, como no caso do cambalhota-de-cara-cucta, 6 sabidamente dificil fazer corn que se reproduzarn perfeitapente, pois 6 freqiiente nascerem indi- viduos que fogem completamente ao pad60 estabelecido para este grupo. Neste caso, pode-se perfeitamente afkmar que esti sendo travada uma luta entre a ten- dincia i regressio a formas menos modificadas, aliada i tendincia inata i variabili-

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dade ulterior de todo tipo, de um lado, e a capacidade de.se conservar a raga pura, atravis da continua selegiio, de outro lado. Com o passar do tempo, a selegiio sai vitoriosa deste combate, niio sendo de se esperar que, no final, uma boa linhagem de caras-curtas acabe. por regredir a um tip0 Go banal como o k o cambalhota comum. Isso seria o fracasso. Todavia, por mais que a selegiio atue com rapidez, presume-se que possa haver muitas partes da estrutura que estejam sofrendo modi- ficagdes. Ademais, ressalte-se que esses caracteres variiveis produddos pela selegiio artificial costumam associar-se mais a um sexo do que a outro, devido a causas que ainda desconhecemos pot completo. 0 sexo masculine i geralmente o mais afeta- do, como no caso do barbilhiio dos pombos-correios e do es6fago dilatado do papo-de-vento.

Mas voltemos 5 natureza. Quando uma pirte se desenvolveu numa espicie de man& extraordinhia, em comparagiio com o seu desenvolvimento nas demais espides do mesmo ginero, chegamos 5 condusiio de que essa pare acurnulou extraordiniria soma de modificag6es, desde a kpoca em que a espicie se desgarroh do ancestral comum do ginero. Seria raro que tal ipoca se situasse num passado muito remoto, uma vez que as espkdes, via de regra, niio persistem por mais de um period0 geol6gico. Uma soma extraordiniria de modificag6es implica numa enor- me e continua variabilidade, adonada atravis dos tempos pela selegiio natural, em benefido da espicie. Entretanto, visto que a variabiidade da parte ou do 6rgio se desenvolveu de maneira tZo considerivel num pedodo de tempo niio muito longo, pode-se pressupor, como regra geral, que niio se encontrevariabiidade idhtica nas demais partes ou 6rgios dos individuos daquela espicie, j i que essas outras perma- neceram quase sem modificaqbes durante todo aquele pedodo de tempo. E o que efetivamente deve ocorrer, segundo estou convencido. NHo vejo miio para duvidar de que a batalha que se trava entre a selegiio natural, de um lado, e a tendincia B regressiio e i variabiidade, do outro, h i de um dia chegar ao fim, fixando-se a conformagiio ati mesmo dos 6rgios que se desenvolveram de maneira mais anor- mal. Deste modo, quando uma parte do corpo, por mais anormal que seja, transmi- nu-se quase nas mesmas condigdes a numerosos descendentes modificados, como no caso das asas do morcego, essa parte, de acordo com minha teoda, deve ter existido por longo tempo numa condigiio quase imutivel, niio sendo mais variivel que qualquer outra parte; S6 nesses casos em que a modificagiio foi comparativa- mente recente e considerivd k que podemos encontrar a variabilidadegener5tiva - assim podemos chami-la - apresentando-se em alto grau. Neste caso, i raro que a variabilidade se tenha &ado pela continua selegiio de individuos que variem da mesmamaneira e nemesmo grau, e pela continua exdusiio dos que tendem aretornar a uma condigiio mais antiga e menos modificada.

0 principio induido nestas observagdes pode ser levado mais longe. fi not6rio que os caracteres especificos siio mais variiveis que os genkricos. Um exemplo sim- ples permite explicar o que quero dizer. Se, num ginero rico em espicies, algumas t h flores azuis e outras flores vermelhas, a cor seria apenas um cariter espedfico, niio sendo de se espantar se eventualmente umas espkdes de flores azuis produzis- sem variedades de flores vermelhas, e vice-versa. Mas se todas as espides tivessem unicamente flores azuis, essa caractedstica passaria a ser genkrica, e.a variagiio men-

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cionada poderia ser considerada como uma drcunsthda inteiramente anormal. Preferi este exemplo te6ric0, porquanto uma explicaqio nnH caberia neste caso, j i que a maior parte dos naturalistas sustenta que os caracteres espedficos sHo mais variiveis que os geniricos, uma vez que se referem a partes cuja importhda fisio- 16gica 6 menor que a dos caracteres comumente. considerados para a dassificaqid dos gcneros. Acredito que isso seja verdadeiro apenas parcial e in&etamente, e teria de retornar ao assunto quando tratarmos do capitulo sobre dassificagHo. Seria quase dispensivel aduzir comprovagBes desse fato, ou seja, de que os caracteres espeuficos sio mais variiveis que os geniricos; todavia, gostaria de dtar de passa- gemWfato que tenho observado repetidas vezes: quando um autor de trabalhos de Hist6ria. Natural observa surpreso que alyn 6 r g o ou parte iqortante, embora seja constante entre os individuos de grupos amplos de espides, possa d$nrconsi- deravelmente dentro de um pequeno gmpo de espides pr6ximas, verifica-se que aquele 6 r g o ou parte cosnuna tambim ser variivel dentro dos individuos de a l p - mas destas espicies. Este fato mostra que um,cariter geralmente devalor genirico, uma vez que perca tal valor e passe a ser meramente um cariter espedfico, muitas vezes se tornam variivel, mesmo que sua importhda fisiol6gica permanega a mes- ma. Algo desse tipo pode ser dito em relaqio i s monstruosidades; pelo menos, I. Geoffroy St. Hilaire parece nHo duvidar absolutamente de que quanto mais um 6 r g o difere de maneira normal nas diversas espicies do mesmo grupo, mais estari sujeito b anomalias individuais.

Pela teoria comumente aceita de que cada espide teria sido criada indepinden- temente, como explicar o porqut de ser uma certa parte mais variivel em todas as espides de um ghero, diferindo de outras que praticamente nio apresentam vari- aqces? Se de fato cada espide foi criada separadamente, nio encontro resposta para tal fato. Contudo, pela teoria de que as espides nada mais seriam sen20 varie- dades fsas e caracten'sticas, i de se esperar, efetivamente, que continuem a variar caquelas partes de sua estrutura que j i estejam sofrendo variaqBes h i relatiwmente pouco tempo, razio pela qual vieram a diferir entre si. Ou, em outras palavras: os pontos que caracterizam a semelhanqa entre as espicies de um mesmo g6nero e que as tornam diferentes das espicies de outros gheros sio denominados caracteresgenb ricor. Ambuo a existtnda desses caracteres comuns i hereditariedade, j i cpe essas espicies descenderiam de urn ancestral hico. De fato, seria dificil acontecer que a seleqHo natural houvesse modificado diversas espides, cada qual adaptada a deter- minados hibitos, de maneira igual. E uma vez que esses chamados caracteres genb ticos es6o sendo transmitidos himuitas geraqBes, desde um passado remoto, quando as espides se desgarraram de seu antepassado comum, e que subseqiientemente, nHo i provivel que passem a variar hoje em dia. ?or outro lado, os pontos que caracteham as diferenqas entre as espides pertencentes a um mesmo ginero sHo os chamados caracferes espetljicos, que comeqaram a variar quando as espicies passa- ram a diferir de seu ancestral comum h i nHo muito tempo. Por isto, i provivel que ainda sejam variiveis, em algum grau - pel0 menos devem variar mais do que as outras partes do organismo que h i longo tempo se mantim imutiveis.

Farei apenas observagaes relacionadas com este assunto. Acho que i plenamen- te admitido, sem que eu tenha de entrar em pormenores a esse respeito, que os

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caracteres sexuais secundirios sio muito variiveis. Tamb6.m se admite que as espi- des de um mesmo grupo diferem mais entre si no que se refere aos caracteres s e x ~ s secundlidos do que com respeito a quaisquer outras partes de seu organis- mo. Compare-se, por exemplo, o volume de diferenqa existente entre os galinkeos machos, cujos caracteres sexuais secundirios apresentam enorme desenvolvimen- to, e os galinLeos fimeas -basta isto para que se admita a veracidade desta pro- posiqco. A causa da variabilidade original dos caracteres sexuais secundirios niio i evidente; nio obstante, podemos imaginar que tais caracteres nZo seriam 60 cons- tantes e uriformes quanto i s outras partes do organismo, pel0 fato de terem sido acmulados pela seleqiio sexual, cuja a+ i menos severa que a da seleqio comum, j i que a primeira nio acarreta a morte do indidduo, mas apenas determina menor pro- babilidade de deixar descendentes para os machos menos favoreddos. Qualquer que possa ser a causa da variabiidade dos caracteres sexuais secundirios, o fato i que ela i evidente; deste modo, a seleqio sexual possui um campo de aqio msto amplo, podendo assim propidar b espides de um mesmo grupo maior diferenqa quanto aos seuscaracteres sexuais do que quanto is outras partes de sua e s t r u m

E fato notivel que as diferenqas sexuais secundirias entre os dois sexos dames- ma espicie ocorram geralmente nas mesmas pastes do organismo em que as dife- rentes espides do mesmo genera diferem entre si. Cito dois exemplos para ilustrar este fato: os dois primeiros que anotei em minha Esta. Como as diferengas nesses. dois casos sio de natureza bastante incomum, dificilmente seria addental a relaqio enze ambos. No que se refere a certos grupos munerosos de cole6pteros, uma de suas caracteristicas muito comuns k a de possuirem o mesmo n h e r o de articula- qdes. Todavia, como observou Westwood, esse ciunero varia consideravelmente entre os Engidae, tanto entre as espicies como entre os dois sexos da mesma espi- de. Tambch entre os himen6pteros cavadores, o mod0 de nervaqio das asas cons- titui cariter de grande importincia, por ser comum a grupos muito numerosos. Em determinados gkeros, porch, a nervaqiio difere nas diversas esp&des, assim como tamb6.m entre os dois sexos da mesma esp6.de. Dentro do meu mod0 de encarar este assunto, tal relaqZo niio apresenta um significado muito claro, uma vez que consider0 descenderem todas de um ancestral comum i s espides de lun mesmo geneto, e isto i tambim v a d o para os dois sexos de cada esp6.de. Por conseguinte, seja qua1 for a parte da e s t r u m desse ancestral que se tenha tornado variivel, i bastante provivel cpe tais variaqdes devam apresectar benefio para os individuos, de onde seu aproveitamecto pela seleqio natural e pela seleqio sexual, com o obje- tivo de adaptar as diversas espicies aos virios locais que ocupam na economia da natureza, adaptando ao mesmo tempo tanto os individuos de um sexo quanto os do outro, bem como adaptando machos e f h e a s a diferectes hibitos de vida, ou ainda capacimdo os machos a lutv entre si pela posse das femeas.

Ao final chego i seguintes condusdes: -a maior variabilidade dos caracteres espedficos (ou seja, aqueles que consti-

tuem a diferenqa entre as espicies) em relaqio genkricos (que as espides possuem em comum);

-a variabilidade extrema e freqiiente das partes que se desenvolvem extraordi- nariamente numa espkcie, em relagio ao seu desenvoivimento nas espicies congeneres;

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- o pequeno grau de variabilidade de determinada parte, independente de seu maior ou menor desenvolvimento, mas desdeque seja comum a todo um grupo de espicies; . - a grande variabilidade dos caracteres sexuais secundirios e a considerivel

diferenga que apresentam entre as espides muito prbximas; - as diferengas sexuais secundsirias e as diferengas especificas comuns ocor-

rem geralmente nas mesmas partes do organismo; - todos estes principios esco intimamente inter-relacionados. E todos estes principios se devem principalmente ao seguinte: - ao fato de que as espicies do mesmo grupo descendem de um ancestral

hico, do. qual teriam herdado boa parte de suas caracteristicas cornuns; - ao fato de que as partes que variam mais consideravelmente e h i menos

tempo tendem a dar sequincia a este processo, variando mais do que as partes que h i longo tempo nio apresentam vadagio; - ao fato de que a seleqio natural tenha sobrepujado total ou pardalmente a

tendencia i regressio e i variabilidade ulterior, conforme o menor ou maior tempo de sua atuagio; - ao fato de ser a seleqZo sexual menos rigorosa que a selegio comum; - e ao fato de que as variaq6es nas mesmas partes foram acumuladas pela agio

conjunta da selegiio natural e da seleqio sexual, estando deste mod0 adaptadas tan- to a finalidades sexuais secundsirias quanto a fins especificos ordhkios.

Espicieer diirentes apresentam varia{des anilogas, e emu variedade de detenninada erpicie eventualmente a4uire caradeeriicas de uma espicie

a@, OM readquire caracte~sticas de um antgo ancestral

As afirmativas contidas no subtitulo serio mais fadlmente compreendidas se. examinarmos o caso das ragas dombticas. As ragas mais distintas de pombos, uia- das em locais os mais distantes entre si, apresentam subvariedades dotadas de penas reviradas na cabeqa e patas emplumadas, caracteristicas estas que nZo se encontram no pombo-das-rochas aborigine. Tais caracteristicas, porim, sio encontradas em duas ou mais ragas distintas de pombos. A freqiiente existhcia de 14 ou mesmo 16 penas caudais no papo-de-vento pode ser considerada como uma variagio, repre- sentando a estrutura normal de uma outra raga: o rabo-de-leque. Penso que nin- guim hi duvidar de que essas variaq6es adogas sejam devidas ao fato de terem as diversas ragas de pombos berdado de um antepassado comum a mesma constimi- gio e tend6ncia i variagio, podendo esta tendencia ser acionada por circuns&das ignoradas de 116s. No reino vegetal, podemos exemplificar as variagdes andogas com o caso dos talos volurr.osos, que muitos confundem com raizes, do nabo-de- suida e da rutabaga, plantas que diversos bothicos dassificam como variedades produzidas atravis do cultivo de um ancestral comum; se nio forem variedades, porim, teremos ai um caso de variagio ananiiloga entre duas espides distintas, ou mesmo entre tr&, se tambim considemmos o nab0 comum dentro do exemplo. De acordo com a idiia comumente aceita de que as espicies teriam sido criadas inde- pendentemente, ten'amos de ambuir essa simiIarida.de quanto aos talos dilatados

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caracter!stica; donde a minha idiia de que esta outra espicie niio passe de uma variedade, ainda que permanente e bem caracterizada. Todavia, os caracteres adqui- ridos desse mod0 provavelmente devem serde pequena impohcia, uma vez que a presenga de todos os caracteres efetivamente importantes i didgida pela selegiio natural em fungZo dos bibitos diferentes de cada espicie, G o sendo deixados ao sabor da atuagiio conjunta das condig6es devida e da constituigio hereditkia seme- Ihante. Alim disso, 15 de esperar que as espicies congheres eventualmente apresen- tassem um retorno i s caractedsticas ancestrais perdidas. Todavia, como nZo conhe- cemos todos os caracteres do ancestral comum de um grupo, niio temos condig6es de distinguk o que seria regressiio do que niio passaria de varia$o aniloga. Se ignorissemos, por exemplo, que a pomba-das-rochas fosse dotada de pis emplumados e penacho invertido, G o tedamos condigio de afirmar se tais caracte- dsticas, quando ocorrem.nas raqas domkticas, seriam devidas a uma causa ou a outra; contudo, poderiamos d e d h que a coloragiio azulada se tratasse de um caso de regressiio, dado o n h e r o de sinais correlacionados com esta cor, e que prova- velmente nZo iriam aparecer juntos devido unicamente i simples variagZo. Podeda- mos chegar ainda mais seguramente a esta condusZo em virtude do fato de que a cor azul e os sinais correlates aparecem freqiientemente quando se cruzam ragas distintas dotadas de cores diferentes. Portanto, embora geralmente fiquemos em d6vida quando se trata de espicies em estado selvagem, no que se refere a distinguir entre os casos de regressiio a caracteres antigos e as vanag6es anilogas recentes, devemos encontrar, de acordo com a teoria que defendo, descendentes de determi- nada espicie dotados de caracteres pr6prios de outros membros do mesmo grupo, seja em raziio de variagiio d o g , seja em virtude de regressZo. Isto certamente se verifica na natureza.

Boa parte da dificuldade que se constata em nossas obras de Sistemitica de se reconhecer uma espide variivel p r o v h do fato de que as variedades, por assim h e r , imitam outras espicies congeneres. Poder-se-ia t a m b h fornecer urn consi- derive1 catilogo de formas intermediirias entre duas outras que j i niio seria f i d dassificar como vadedades ou espicies, e isso serviria para mostrar a nZo ser que se admita que cada uma delas represente um am de criagiio independente, que a vari- ante adquiriu alguns dos caracteres da original, produzindo deste mod0 uma forma de transigZo entre ambas Mas a melhor evidhcia deste fato i fornecida pelas partes ou 6rgZos denatureza importante e uniforme, que variam ocasionalmente, demodo a adquirir, pelo menos at& certo ponto, as caractedsticas das mesmas partes ou 6@os das espicies prbximas. Elaborei uma longa lista desses casos; mais uma vez, porch, vejo-me naimpossibilidade de reproduzi-la aqui. Posso apenas repetir que esses casos efetiwente ocorrem, e que os tenho na conta de casos deveras notiveis.

A 5 d o de exemplo, mencionarei um caso curioso e complexo, nZo pelo fato de se relacionar com alguma caracteristica importante, mas porque ocorrem em diver- sas espicies do mesmo ghero, algumas domisticas, outras Go. Aparentemente, trata-se de um caso de regressiio. Niio i i o encontrar jumentos com pernas listra- das, semelbantes L da zebra D i e m que esta caractedstica i mais encontrada nos motes; acredito ser verdade, pelas investigag6es que fiz. Dizem ainda qce a risca das espid.zas deste animal cosnuna ser dupla. Esta Zsca efetivamente varia bastante

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quanto ao comprimento e ao formato. J iv i a desuigiio de um jumento branco, que nZo era albino, no qual nZo havia risca alguma no costado. Com efeito, essas riscas i s vezes sZo hindistintas, ou mesmo inexistentes nos jumentos de cor escura Do kodan de Palas, diz-se que j i foram vistos individuos com uma listra dupla nas espiduas. 0 hem'ono nb possui esta listra; ocasionalmente, podm, aparecem ves- tigios dela, conforme asseveraram Blyth e outro estudiosos desta raga. Informou- .me o Coronel Poole qce os exemplares mais novos desta espide e m geralnente as pernas lisaadas, distingUmdo-se neles ainda'uma risca nas espiduas, se. bem qce tenuemente. 0 quaga', embora tenha o corpo inteiramente listrado como a zebra, nZo tern listras nas pernas; entretanto, ve-se na obra do Dr. Gray a gravura de urn espicime dotado de Xstras zebradas nos jarretes.

Com relag20 aos cavalos, colhi na Znglaterra diversos casos de animais das ragas mais diversas que apresentavam urna listra dorsal, cada qual de uma.cor diferente. Listras traisversais s o sZo raras nos isabiis, nos p6los-de-rato e n7Am tipo de &Zo. As vezes pode-se ver uma listra dorsal discreta nos isabss; eu mesmo j i observei um vestigjo desta listra num baio. Meu fiho examinou minudosamente um cavalo e o desenhou para mim: era um cavalo belga de cor isabel, pr6prio para tragZo, dotado de dupla faixa nas espid-as, e pernas zebradas. Uma pessoa que consider0 digna do maior cr&lito examkqou para mim un pequeno p8nei gal& rpe possuia trh pequezas listras paralelas em cada espidua.

Na re820 ~orte-oddental da fndia, a raga kaftiwari geralmente.tZo fistrada cpe, conformeollvi do Coronel Poole, que verificava esses anbais a aando do Gover- no hdiano, cavalo sem iistras nZo i ali considerado como puro-sangue. 0 dor- so 6 sempre listrado, assim como as pernas. A listra das espiduas, ora dupla, ora uipla, 6 cornrun; d i m disto, tmb& 0s lados da cara soem ser listrados. Nos mais novos, as listas s2o dtidas; nos velhos, i s vezes desaparecem por complete. 0 Co- ronel Poole viu pouinhos cinzentos e baios da raga Kapwarque, logo ap6s o parto, se mostravam inteiramente listrados. Diante de evidkndas que me foram forneddas por Mr. W W Edwards, ta rnbh tenho raz6es para acreditax YJe, no cavalo de corrida inglts, a listra dorsal i be= mais comum nos animais mais novos que nos

versos casos adultos. Sem querer entrar aqui em deralhes, posso relatar qce anotei d: de listras nas pernas e espiduas de cavalos de grande niunero de ragas, num imbito de ocorrencia que vai da Gfi-Brewha i China oriental, e da Noruega, ao norte, ao Arquip&go Malaio, ao sul. Em todas as partes do mundo, essas listras ocorrem b m mais fieqiientemente nos animais paos-de-rato e pardos, compreendendo dentro do termo "pardo" uma ampla gama de coloragZo, o,x vai do castanho- escuro ao bege.

Tenho certeza de.qce o Cel. Hamilton Smith, que escreveu sobre esse assunto, acredita que as diversas ragas eqiiinas descendam de virias espicies aborigines, uma das quais, de coloragZo parda, era listrada. Destarte, as ~ ~ c t e r i s t i c a s supradtadas seriam devidas a antigos cruzametltos com os individuos dessa variedade parda. A mim, porim, tal teoria nZo satisfaz inteiramente, pois seda bastante problemitico

1. ,i i.poca d~ D d o quga csww em via, de cxcnsiu Kvendo m 'ifnu mcrilliond, cn um cqiiino rcmdhmtc i zcbn, ch qua1 d f m ~ pelo fato de porsuir list- =pen=.. no quarto drantrira I\ uptde eatinyiu- s r antes dc fin& o sCculu XIX (N. do'r.)

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aplici-la a ragas tiio distintas como as do robusto cavalo de tiro belga, do pBnei gales, da raga norueguesa, do kattywar esguio, etc, babitando as mais distantes par- tes do nundo.

Voltemos agora aos efeitos dos cruzamentos entre as diferentes espides dos eqiifdeos. Rollin asseverara que o burro, &to do cruzamento entre o jumento e a igua, 6 particularmente suscetivel de possuir pernas zebradas. Certa ocasizo vi um muar cujas pernas eram t5o listradas que se poderia imaginar ser ele um hibrido de zebra. Mr. W C. Martin, no seu excelente tratado sobre os eqiiinos, mostra-nos a figura de urn burro deste tipo. Em quatro gravuras coloridas representando hiri- dos de jumento e zebras, observei que as pernas eram bem mais listradas que o resto do corpo, sendo que um deles apresenta uma listra dupla no costado. No famoso hbrido que Lord Moreton obteve do cruzamento de uma igua akz2 corn um quaga, suas pernas, assim como as dos potrinhos que a mesma igua posterior- m a t e teve de seus cruzamentos com um cavalo &be negro, eram mais listradas que as do pr6prio quaga. Por fh, um exemplo mais nodvel: o do hbrido apresen- tad0 pel0 Dr. Gray (que me informou conhecer um segundo caso idintico), obtido do cruzmento e k e um hemiono e uma jumenta. Embora os jumentos raramente apresentem pernas zebradas, e os hedonos niio possuam quaisquer listras, nem mesmo na espidua, o hirido tinha as qutro pernas listradas, d i m das t r b listras curtas que possuia no costado, i semelhanga do pBnei galis pardo, e mesmo algu- mas listras m cara, do tip0 das que as zebras possuem. Acerca destas atimas, eu estava t5o convenddo de que nenhuma dessas marcas poderia aparecer num animal em razz0 do que comumente ch&amos de acidente, que isto me levou a indagar do Cel. Poole se nos cavalos da raga ka@warcosturnavam ocorrer listras na cara, j i que aquela raga era Go sujeita ao aparecimento de listras no corpo. Sua resposta, como vimos, foi ahmativa.

Que poderemos dizer quanto a estes diversos fatos? Vimos que diversas espid- es do gkero eqiiino, atravis de simples variagzo, se tornam listradas nas pernas, como uma zebra, ou no costado, como um jumento. Nos cavalos, vimos que esta tendencia se acentua, desde que o individuo seja pardo, cor que se aproxima da tonalidade geral das demais espides desse Snero. 0 aparecimento das listtas nzo 6 acompanhado por qualquer modificagiio de forma ou surgimento de alguma carac- teristica nova. Vimos ainda que esta tendkcia de se tornar listrado i mais forte nos hbridos resultantes do cruzamento das espides mais distintas. Vejamos agora o que ocorre com as diversas raps de pombos. Todas descendem de um ancestral azulado, dotado de certas listras e outros sinais -induindo entre elas duas ou tres subespides ou ragas geogrificas. Quando um individuo de alguma raga possui co- loragiio azulada resultante de simples variagiio, as listras e os sinais invariavelmente esGo presents, sem que se observem quaisquer outras mudangas de forma ou .surgimento de novas caracteristicas Quando se uuzam as raps mais mtigas e ge- nuinas, dotadas das cores mais diversas, observamos uma forte tendkda entre os mestigos de apresentarem a coloragiio azulada, assim como as listras e sinais pr6pri- os da espicie ancestral. Creio que a hip6tese mais provivel para explicar o

-reaparecimento desses-caracteres antigos O que cada geragiio-que se sucede conser- va aquela tendtnia de ostentar as caracteristicas hA muito perdidas, e que esta ten- dkcia i s vezes se manifesta, devido a causas que ignorarnos. Vimos h i pouco que,

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nas diversas espides do ghero eqiiino0 as listras siio mais nitidas e mais freqiientes nos individuos mais novos do que nos adultos. Se considerarrnos como sendo espi- cia as diversas ragas de pombos, algumas das quais vsm sendo reproduzidas hi siculos, veremos o paralelismo que existe entre elas e as especies do gcnero ao qual pertence o cavalol No meumodo de pensar, se recuarmos nossa imaginaciio nilha- res e milhares de geragdes, havemos de ver um animal listrado como uma zebra, embora de conformag20 diversa: niio impors se descende de um ou de virios antepassados selvagens; o que importa i que ele seria o ancestral comum de nosso cavalo domesticado, assim, como do jurnento, do hemiono, do quaga e da zebra.

0 s que defendem a id& de que cada espicie eqiiina foi criada independente- mente devem a&&, imagino, que cada qual foi criada corn a tendkncia a variar desse mod0 particular, tanto na natureza como em estado domistico, de maneira queporvezes se apresentamlistradas como as outras especies do genera; e tambim de que cada espide teria a forte tendsncia de, quando cruzadas com outras congsneres que habitam os pontos mais afastados do mundo, produzir hlridos cujas listras hiio de lembrar G o seus pr6prios ancestrais, mas fio-somente outras espides do mesmo ginero. Admitir-se tal id&a me parece trocar o certo pelo erra- do, ou na melhor das hipbteses, o certo pel0 duvidoso, transformando a obra de Deus em mero aabalho inhtil e decepcionante, num plano quase idhtico ao das crengas dos antigos cosmogonistas ignorantes, segundo os quais os crusticeos f6s- seis nunca tiveram vida, mas foram formados em pedra para imitar os crusticeos atuais, que vivem no litoral.

E profunda nossa ignorincia acerca das leis de variagzo. Em cada cem casos, niio h i sequer um que tenhamos a pretensiio de apontaruma raziio pela qual esta ou aquelaparte se diferencie da mesma em seus ancestrais. Contudo, sempre que dis- pomos dos meios de estabelecer uma comparagiio, essas leis parecem ter atuado no sentido deproduzir as pequenas diferengas que distinguem as variedades dentro de uma e>picie e as grandes diferengas que distinguem as espicies denao de um gbe- r a As condigdes externas de vida, como o &+a alimenta@o, etc., parecem ter determinado algumas pequenas modificag6es. 0 hibito, produzindo diferengas na constituigiio, e o uso e desuso, aquele reforgando os 6rgZos, este enfraquecendo-os e reduzindo seu tamanho, parecem ter tido efeitos mais marcantes. As partes bom6logas tendem a variar de maneira idkntica e a soldar-se entre si. As modifica- g6es sofridas pelas partes duras e pelas externas is vezes afetam as partes tenras e interrias. Quando uma.parte se desenvolve mais do que normalmate, provavel- mente tende a captar para si o aliment0 que seria destinado a outras partes adjacen-

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tes; ora, toda pate da e s t rum que pod& ser dispensada scm que isso prcjudique o individuo ser5 deixada de lado. As mudangas de estrutura que ocorrcm no inicio da vida em geral iriio afetar. as partes 'que si desenvolveriio ~ubse~iienternente; d im destas, h i muitas outras correlagdes de crescimento cuja natureza ainda somos in- teiramente incapazes de compreender. As partes matiplas d o variiveis, tanto em niunero como em esautura, o que talvez decorra do fato de nZo serem rigorosa- mente especializadas para qualquer funqiio em particular, de maneira que suas mo-

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dificagdes n5o possam ser coibidas pela selegHo natural. Provavelmente por esta mesma causa os seres organizados situados na parte inferior da escala da natureza sejatr. mais variiveis que os organismos mais especiahados, situados no alto desta escala. 0 s 6rgiios rudimentares, em raziio de sua inutilidade, ser5o deixados de lado pela selegHo natural, o que provavelmente acarreta a sua variabilidade. 0 s caracteres especificos - ou seja, aqueles que comegaram a diferir no momento em q - ~ e as diversas espicies pertencentes ao mesno gPnero passaram a se des- garrar do ancestral c o r m - sHo mais variiveis que os caracteres genkricos, herdados h i longo tempo, que n5o mais apresentaram variagdes dentro do period0 de tempo considerado. Nestas observagdes, fizemos refergncia L par- tes ou 6rgiios especiais queainda sZo variiveis, devido ao fato de terem come- $ado recentemente a se modificar. Entretanto, no segundo capitdo, vimos tam- bkm que o mesmo prindpio se aplica ao individuo como um todo, pois num local onde se encontram diversas espicies do mesmo genero - isto 6, onde h i algqn tempo j i ocorreu considerivel variagio e diferenciagzo das espicies, ou onde se acha em plena atividade a produg50 de novas formas especificas - ai i que se encontra atualmente a maior parte das variedades ou espicies incipientes. 0 s caracteres sexuais secundirios sHo grandemente variiveis, diferindo bastan- re nas espicies do mesmo grupo. A variabilidade de partes idtnticas do organis- mo geralmente i aproveitada para dotar ambos os sexos de diferengas sex~ais secundidas, e as diversas espicies congeneres, de diferengas especificas. Qual- quer parte ou 6rgio que se desenvolva, seja quanto i s dimensdes, seja qoanto i conformag50, de mod0 anormal em cornparag50 com seu desenvolvimento nas espicies prbximas, deve ter acumulado grande soma de modificagdes desde o surgimento de seu gPnero, donde compreendermos por que seu grau de varia- biidade ainda deve ser bem maior que o das outras partes do organismo, uma vez que avariagio 6 processo longo, lento e continuo, e que a seleg5o nac~ral, nestes casos, ainda n5o teria tido tempo de dominar por completo a tendencia i variabilidadeulterior e i regress50 a um estado menos modificado. Entretanto, quando uma espide possuidora de um 6rgio extraordinariamente desenvolvi- do se torna a origem de muitos descendentes modificados - coisa que, no meu mod0 de pensar, constitui um processo muito lento, exigindo longo lapso de tempo, - neste caso, a selegHo natural pode efetivamente assegurar urn cariter fLVo para aquele 6rgi0, por mais extraordinariamente desenvolvido cpe ele pos- sa ser. As espkcies que herdaram constituig50 quase idtntica i de seus ances- trais e que estio expostas a influPncias semelhantes tender20 naturalmente a apresentar variagdes anilogas, podendo ocasionalmente readquirir a!gcmas de suas antigas caracteristicas. Embora a regressgo e as variagdes anilogas G o possam produzir modificag6es novas e importantes, as que szo assim produzi- das hHo de se somar i diversidade bela e harmoniosa da natureza.

Qualquer que possa ser a causa de cada pequena diferenga que distinga os descendentes de seus ascendentes - pois cada uma deve ter uma causaespedfi- ca, - 6 a acumulag20 constante dessas diferengas, quando benificas ao indivi- duo, dentro de um processo conduzido pela selegzo nahlral, que produz todas as modificagdes estrutwais mais importantes, com as quais os h h e r o s seres exis- tentes na face da Terra es6o capacitados a lutar entre si, adaptando-se melhor i batalha pela sobrevivPncia.

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Objefdes @resenfadas mnfrn a feoria & dcrrendinria tom modiicafder - Trunsi>des- - Inuirtnda OH raridades dm wn'edades dc frami@o - Tranrifdes qnunto aor bibitas de i& - H6brtos diue~~os nu mumu Crpieie - Eqieies Njor hibitoar sZo Onteiramente divemar dm guepmr#em ru Crpirier i n s - - 6pios depefeifdo +ma - Modor dc frnnric20 - Caros de &fiwkiade - Naturu nom fnrt sultum - Omjar dc beauena

ntes de ter o leitor chegado a este ponto do livro, deve ter-lhe ocorrido grande niunero de objegdes. Algumas destas sZo ioo sirias, que at6 hoje G o A posso analisi-ias sem que me sinta um tanto confuso. Nio obstante, =to

quanto posso julgar, tais objegdes, em sua maioria, sio apenas aparentes. Quanto i s dificuldades reais, niio creio que sejam fatais i minha teoria.

Essas dificuldades e objegdes podem ser resumidas dentro dos seguintes gru- pos de questdes:

1)Ji que as esp6des descendem de outras, tendo-se afastado das ascendectes de maneira gradual e imperceptivel, por que nZo se encontram nunerosas formas de transigio pelo mundo afora? Por que ngo se apresenta toda a natureza como uma grande confusio de espides, ao invks de ser assim como a vemos, ou seja, com as espides muito bem definidas?

11) Seri possivel que um animal que possua, por exemplo, a estrutura e os hcoi- tos de urn morcego, pudesse ter sido formado pela modifica~io de outro & ~ a l de hibitos inteiramente diferentes? Como acreditar que a selegZo natural pudesse pro- duzir, de m lado, 6rgZos de minima importincia, como a cauda da guafa, por exemplo, que s6 serve como espanta-moscas, e, de outro lado, 6r@os de estruexa 60 maravilhosa, como os olhos, cuja inimitivel perfeigio at6 hoje temos difidda- de de compreender perfeitamente?

III) Podem os instintos ser adquiridos e modificados atravis da selegio natural? Como explicar um insdnto maravilhoso como o que leva a abeha a construir cilu- las, antedpando na pritica as descobertas dos grandes matemiticos?

IV) Como explicar que as espides, quando se cruzam, fiquem est6rSs ou pro- duzam descendentes estireis, enquanto que as variedades, quando cruzadas entre si, manterhan sua fecundidade inalterada?

Vamos discutir neste capitulo apenas os dois primeiros t6picos. Quzto aos temas "Instinto" e "Hibridismo", vamos analisi-10s em capitulos i parte.

Apmpdsito da inexisttncia ou raridade de variedade de transifZo

Uma vez que a selegiio natural atua unicamente no sentido de p r e s e m as mo- dificagdes benificas, cada nova forma tenderi, numa regiZo j i povoada pelos in&-

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viduos de sua espicie, a tomar o lugar de seus ancestrais menos aperfeiqoados, ou dos seres menos favorecidos com os quais tiver de enuar em competiqio, podendo ati elimini-10s. Assim, conforme tivemos a oportunidade de ver, a extinqio e a seleqzo natural andam de mios dadas. Portanto, se considerarmos que todas espici- es descendem de alguma outra forma desconhecida, tanto os ancestrais como as variedades intermediirias, via de regra, j i devem ter sido exterminados, em i-azio do pr6prio processo de formaqzo e aperfeiqoamento das novas formas.

Mas como esta teoria leva i suposigio de que deva ter havido um n b e r o incontivel de formas intermediirias, enfio por que tais formas nio sio encontradas emenormes quantidades, escondidas no interior da crosta terrisue? Seri bem mais adequado discutir este assunto no capitulo sobre a imperfeigo dos registros geol6- gicos. Por om, revelo apenas minha convicgio de que a esskcia da quest50 reside no fato de que os registros sZo incomparavelmente menos perfeitos do que geral- mente se crt. Esta imperfeigo deve-se pdncipalmente ao seguinte motivo: os seres organizados nZo vivem nas maiores profundidades do oceano, de maneira que seus restos ficam soterrados e preservados para o futuro dentro de massas sedimentares suficientemente espessas e extensas para enfrentarem a farga cerrada da degrada- qio futura. Tais massas fossiliferas s6 podem ser acumuladas nos locais onde gran- des massas sedimentares szo depositadas nas partes rasas do fundo do mar, en- quanto estas se acham em lento processo de subsidhcia. Estas circuns&cias s6 acontecem raramente, depois de enormes intervalos de tempo. Enquanto o fundo do mar se acha estacionsirio ou em processo de soerguimento, ou quando a quanti- dade de sediment0 depositado i muito pequena, nossa hist6ria geol6gica ficari repleta de lacunas. A crosta terrestre i um vasto musey mas as coleqCes naturais nele exibidas foram organizadas de tempos em tempos, a intervalos enormes.

Pode-se replicar, no entanto, que, quando muitas espicies pr6ximas habitam o mesmo territ6ri0, certamente.devemos encontrar hoje em dia muitas formas intermediirias. Tomemos um caso bern simples. Atravessando um continente de

- norte para sulygeralmente uemos encontrar, a intervalos.sucessivos, espicies re- presentativas muito pr6xirnas, que evidentemente ocupam quase o mesmo lugar na economia natural da regiio. Estas espicies representativas i s vezes se encon- tram e se misturam; enquanto uma se torna cada vez mais rara, a outra se mostra cada vez mais freqiiente, ati que a primeira desaparece por completo. Mas se compararmos estas espicies nos trechos em que elas se confundem, ambas serio absolutamente d i s ~ t a s entre si, em cada detalhe de conformaqio, como se cada qual fosse um espicime retirado do coragio de seu habitat. Pela minha teoria, ambas descenderiam de um ancestral comum e, durante seu processo de modifi- caqio, cada qual se adaptou i s condigdes de vida de sua pr6pria regiio, sobrepu- jando e eliminando os ancestrais e as formas intermediirias que constitdam o elo entre sua condigio atual e a originiria. Assim sendo, nio seria de se esperar que se eucontrem atualmente numerosas variedades intermedihias em cada regiio, ain- da que elas ali tenham existido, podendo estarincrustadas no subsolo, em estado f6ssil. Mas nos limites de seus habitats, onde ocorrem condiqtjes de vida interme- disirias, por que nio encontramos ali variedades de transigio que interliguem as duas formas? Esta questZo inaigou-me durante muito tempo, mas acredito que possa ser explicada, pelo menos em grande parte.

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Em pximeiro lugar, h i que se ser cauteloso antes de se conduir que uma irea hoje continua j6 seria assim h i muito tempo. Pelo que sabemos atravis da Geologia, quase todo continente esteve dividido em &as at& dkante os dtimos periodos da Era Terukia; ora, nessas &as, espides distintas podem tw sido formadas separa- damente sem que houvesse possibiidade do surgimento de variedades de transiqiio nas zonas intermedkias. Em raziio de modificaqdes na conformaqiio e no dima das terras, ireas matidmas hoje continuas por vezes apresentaram condiqiio descontinua e menos uniforme at& ipocas relativamente recentes. Mas preho dei- xar de lado este mod0 de fugk i dificuldade, pois acredito que diversas espicies perfeitamente detinidas se formaram em ireas rigorosamente continuas, embora eu nZo duvide de que a condiqiio outrora dividida de ireas atualmente continuas tenha desempenhado papel preponderance na formaqiio de espides novas, mormente no caso de animais errantes que se cruzam facilmente.

Observando-se a distdbuiqiio a d das espides numa irea muito extensa, veri- ficamos que de mod0 geral elas siio rehtivamente numerosas numa determinada regiiio, rareando subitamente nos seus limites, d im dos quais acabam por desapare- cer. Portanto, a terra-de-ninguim entre os imbitos de suas espicies representativas i geralmente estreita, comparativamente com o territbrio de ocorrtnda de cada uma. 0 mesmo fato pode ser verificado quando subimos uma montanha, sendo notivel, conforme observou Alphonse de Candolle, o desaparecimento de certas espides alpinas, a l h de determinada cota aldmimca. Fato idkntico foi relatado por Forbes com relaqiio i s sondagens por draga no fundo do mar. Para aqueles que consideram o dima e as condiqdes fisicas de vida como os elementos fundamentais da distribuiqiio das espides, * i s fatos devem causar alguma surpresa, uma vez que o clima se vai modificando gradual e insensivelmente, i medida que se sobe ou se desce. Mas se tivermos em mente que quase toda espide, mesmo no seu foco de ocorri?nda principal, isia multiplicar-se enormemente, caso niio houvesse espides que competissem com ela; que quase todas servem de presa para outras, ou depen- dem daquelas que siio suas prbprias presas; em suma, cpe todo ser vivo reladona com outros de mane& importandssima, direta ou indiretamente, entio veremos que a irea de o c o r r ~ d a dos habitantes de um lugar de mod0 algum depende exdu- sivamente das condiq6es fisicas que se modificam insensivelmente, antes depen- dendo em grande parte da presenqa de outras espides que lhes servem de alimento, ou que os destroem, ou que competem com eles. Ora, como tais espides j i d o detinidas (ainda que no passado nZo tenham sido), inexistindo gradaqdes insensi-. veis que as interliguem, irea de ocorrenda de uma espide, j i que depende das ireas de ocorrhcia de outras, tenderi a ser dehnida com grande nitidez. Alim do mais, nos confins da irea de ocorrkncia, onde o n h e r o de indidduos da espide 6 bem menor, estes sempre estio sujeitos ao completo exterminio, em raziio da pro-, liferaqiio dos seus predadores ou da reduqiio do niunero de suas presas, ou devido a eventuais rigores sazonais, donde ser ainda mais nitidamente detinida sua irea geo- grifica de disuibuiqZo.

Se for certa minha id&a de que as espides pr6ximas ou representativas, qupdo habitam uma regiiio continua, se espalham por ireas de ocorrenda relativamente amplas, separadas por uma terra-de-ninguem relativamente estreita, em cujas proxi-

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~ d a d e s sca presenga se vai tornando cadavez mais rara, en60, como as variedades nZo diferem de naneira essendal das espiues, a mesma regra provavelmente tam- bim se aplique a elas. Assim, se num esforqo de imaginaqiio qdsbsemos adapt= uma espicie vadivela m a irea muito extensa, tedamos de adaptar duas variedades a duas ireas relativamente amplas, e uma terceira a uma faixa intermedihia estreita. A vadedack de transigiio, consequentemente, teri menor niunero de individuos, j i que habita uma regiZo menor e mais estreita Na pritica, pel0 que pude constatar, i isso o que se verifica corn as variedades na natureza. Tive a oportunidade de obser- var exemplos no6veis data regra no caso das formas de transigiio entre as varieda- des bem caractedsticas do ginero Balanus. Alin disto, com base em informaqdes que me foram prestadas por Mr. Watson, pel0 Dr. Asa Gray e porMr. Wollaston, parece que, em geral, quando ocorrem variedades intermedikias entre &as formas, aquelas sZo bem menos numerosas que esms. Ora, se tais fatos e dedugdes forem efetivamente corretos, e com base neles pudermos conduir que as variedades cpe ligam duas outras existem em, niunero geralmente menor que os das formas que elas interligam, en60 penso que podemos compreender por que as variedades de transiqiio G o persistem por longos pedodos de tempo, e por que sZo via de regra exterminadas, desaparecendo mais rapidamente que as formas em relagZo is quais elas antes representam o elo de ligagiio.

De fato, conforme observamos anteriormente, as formas existentes em peque- no niunero SZO muito mais suscewtiveis de ser exterminadas aue as formas muito

L

numerosas. No caso particular das formas intermedihias, esms estiio perigosamen- te suieitas ao avanco terdtorialdas formas pr6ximas sue as circundam por todos os lado;. Todavia, -a considerag50 ainda m'ais impor&te, segundo m h a maneira de pensar, i a de que, durante o process0 de modifica@o ulterior, atraves do qual dxas variedades, seguindo o esquema suposto em minha teoria, se transformam pouco a pouco em duas espides distintas, as duas variedades mais numerosas, que. habitam ireas mais extensas, leva60 grande vantagem em relaqZo i variedade inter: mediiria, que existe em pequeno niunero numa zona estreita, entre uma irea e a outra. Outrossim, as formas mais numerosas tambim terZo maior probabjlidade qse as outras de apresentar variagdes favoriveis passiveis de serem aproveitadas pela seleg5o fiaturd. Portanto, quanto mais comuns forem as formas na g m d e disputa pela exist?ncia, e mais tender20 a derrotar e suplantar as formas menos numerosas, que se modificam e se aperfeigoam com maior lentidiio. Acredito que este mesmo principio seja responsivel pelo fato relatado no segundo capitulo deste livro, qual seja o de que as espides mais comuns numa regiZo apresentam em midia maior niunezo de variedades bem defidas do que as espicies mais raras. Posso ilustrar o que quero dizer da seguinte maneha: suponhamos uma regiZo em que sejam criadas tris variedades de carneiros; uma, adaptada a.uma extensa irea mon- tanhosa; a segmda, a urn pequeno aecho de colinas, correspondendo a uma faixa relativamecte estreita; a terceira, is vastas planicies que se estendem junto ao sopi das elevagdes. Suponhamos ainda que os habitantes da re@o estejam tectando, com todo esforq.0 e ticnica, melhorar seus rebanhos atravk da selegZo. As probabi- lidades, neste caso, set50 bem maiores quanto aos aiadores cujos rebwhos vivem nas mon&as ou nas planides do que quanto aos pequenos propde&ios cujos

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rebdos vivem nas colinas. Resultado: as ragas da montanha e da plan'de acabario por tonar o lugar da raga da colina, que G o logrou aperfeigoar-se c o n a mesma rapidez que as ouoas; deste modo, as duas ragas de maior n h e r o de individuos, no final das contas, encontrar-se-io em contato imediato, sem a interposigio da varie- dade intermediiria, que foi suplantada por elas.

Resumindo: creio qJe as espides acabam por se tornarrelarivamente bem defi- nidas, nZo tendo havido jamais algum period0 erC que se apresenwam como um caos inexuicivelde elos intermediirios e variiveis, devido is seguintes raz6es: .

I) As variedades novas se formam muito lentarnente, pois a variag5o i um pro- cesso muito vagaroso, e a selegio natural nio pode agir sem que porventura tenham aconteddo variaq6es favoriveis nos hdividuos, e ati que um determinado lugar na economia natural de uma regiio possa ser preenchido mais adequadamente.pelos habitantes que tenham sofrido esra ou aquela modificagio. E o surgimento desses novos lugares vai depender de alterag6es dimiticas, que se processam lentamente, da imigraqio eventual de novos habitantes, e, provavelmente num grau ainda mais importante, do fato de que alguns dos habitantes antigos se tenha modificado len- tamente, e assim as novas formas e as antigas passario a agir e reagir umas sobre as outras. Assim sendo, em qualquer local e em qualqiler ipoca, devemos observar apenas umas poucas esp6deS apresentando ligeiras modiiica@es estruturais at6 certo ponto permanentes. E, de fato, 6 isto mesmo o que costumamos verificar. II) Muitas ireas atualmente continuas devem ter existido, at6 um pedodo relativa-

mente recente, como porg6es isoladas, nas quais vGas formas, espedalmente entre as classes de animais errantes cuja reprodugio tem de ser precedida de cbpula, podem ter-se tornado distintas o su6dmte para que sejam consideradas como espides re- presentati-. Neste caso, variedades intermediirks entre as diversas espides repre- sentativas e seus ancestrais comuns devem ter existido outrora em cada porgio isola- da daquele conjunto, mas esses elos te& sido superados e elirninados durante o processo de seleqio natural, de maneira que G o mais se encontram em estado vivo.

III) Quando se formaram duas ou mais variedades em diferentes locais deuma irea efetivamente continua, variedades de transiqio provavelmente surgiram em certa ipoca nas zonas intermediirias; contudo, tais formas geralmente G o perdu- ram por longo tempo. Isto porque estas variedades intermediirias, devido a causas j i relatadas (ou melhor, pel0 &e se sabe acerca da dismbuiq50 de espides muito pr6xirnos ou representativas, assun como das variedades como tais reconhecidas), existem nas zonas intermediirias em quantidade menores que as das variedades que elas interligam. Unicamente por isto, as variedades de transigio es&o sujeitas ao exterminio addental. Alim disto, durante o processo de modificagio ulterior atra- vis da selegio natural, elas quase certamente ser5o suplantadas pelas formas mais numerosas, que em conjunto apresentam maior volume de vadagio, donde serem mais aperfeiqoadas pela selegio natural e pcssuiremmais vantagens que as outras.

Por fim, considerando-se G o um determinado pedodo de tempo, mas todo o tempo, seguramente devem ter existido numerosissimas variedades intermedikas, interligando em gradago quase imperceptive1 todas as espides de um mesmo grupo. Entretanto, o pr6prio proc&so de selegio natural tende constantemente, como tantas vezes frisamos, a exterminar as formas ancestrais e os elos de ligagio. Conseqiiente-

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mente, as provas de sua exist&& anterior devedam ser encontradas somente entre os restos f6sseis, os quais, conforme tentaremos mostrar num capitulo posterior, sio preservados atravis de regisnos extremamente imperfeitos e intermitentes.

A respeito ah on* e das transzf5es dos seres viuor do fa do^ de confonnaflio e d6bitospeu/iares

Tenho sido questionado pelos advershios das idiias que defend0 sobre como poderia urn carnivoro terrestre transformar-se em animal de hibitos aquiticos, ten- do em vista sua subsis&& durante a fase de transigio. Seria f i d demonstm que dentro do grupo dos carnivores existem anim,ais possuidores de todos os hibitos intermedihios entre os que sZo inteiramente aqdticos e esmtamente terrestres; como cada quai tem de enfrentar a luta pela existhcia, i daro que todos estZo bem adaptados, quanto aos hibitos'e ao local que ocupam na economia da natureza. Veja-se o caso do vison norte-americano, do ghero Mustela, que possui patas dota- das de membranas, e que se assemelha i lontra no que se refere i pele, i s pernas curtas e i forma da cauda: durante o verio, este animal mergulha em busca dos peixes que h e servem de presa; durante o longo inverno, porim, evita as iguas geladas e passa a viver como as dcmais doninhas, alimentando-se de camundongos e outros animais terrestres. Se se tomasse um exemplo diferente e se perguntasse como poderia um quaddpede insedvoro transformar-se num morcego voador, a questZo seria bem mais d i6d de se responder, se i que eu conseguiria fazk-lo. Mesmo assim, penso que tais objegdes seriam bem pouco relevantes

Neste ponto, assim como em vhios outros, prejudica-me bastante o fato de poder dm apenas um ou dois exemplos de hibitos e conformagdes em transigio, de espides congsneres muito prbximas, e de hibitos diversificados, ocasionais ou constantes, que se verificam em individuos da mesma espide: efetivamente, os fatos notiveis que coletei a este respeito sHo relativamente numerosos, e quero crer que somente uma considerivel lista de tais exemplos seria sufidente para contestar as objeg6es referentes a algum caso particular, como o do morcego, por exemplo.

Tomemos agora a fa& dos esquilos: aqui deparamos com as gradagdes mais imperceptiveis enue os individuos, que vZo desde aqueles dotados de caudas ape- nas ligeiramente achatadas, ou aqueles outros observados por SzrJ. Richardson, que apresentam a parte posterior do corpo ligeiramente dilatada e a pele dos flancos pouco desenvolvida, aos chamados "esquilos-voadores", dotados de uma membra- na que liga os membros i raiz da cauda, de mod0 a formar uma espide de pira- quedas, o que lhes permite planar no ar em seus fantisticos saltos de uma h o r e para outra NZo podemos duvidar de que esta esuutura 6 udlissima para os esquilos que a possuem, j i que lhes possibiita escapar dos predadores voliteis ou terrestres, coletar seus alimentos mais rapidamente, ou, como hi razdes para se acreditar, re- duzu o risco de quedas ocasionais. Mas dai nio se v i conduir que a esuutura do esquilo seja a melhor que se possa conceber para quaisquer condigdes naturais. Suponhamos que o dima e avegetagio se modifiquem, que imigrem para seu habitat novos roedores ou novos rapinantes, ou que os antigos predadores sofram modiii- cagdes, e tudo isso nos levari a crer que pelo menos algumas das espicies de esqui-

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10s devam sofrer reducZo de seus nheros. sen20 mesmo o exterminio. a nZo ser que t a m b h elas se modifiquem e se aperfeigoem de maneira.correspondente. Por conseguinte, nZo vejo, dificuldades, mormente sob condi~des de vida mutiveis, na conti;~ preservagio dos individu& com membranas late& cada vez mais amplas e resistentes, em razz0 de modificagdes miteis que se propagam por bereditariedade, at6 que os efeitos acumulados deste process0 de sdegZo natural acabem por produ- zir um animal que de fato merega a denornina~Zo de esquilo-voador.

Vejamos agora o animal do ghero Gahopithe~~~conheddo pdo nome de ' lhure- voador", outrora considerados erroneamente na categoria dos morcegos. Ele pos- sui uma membrana lateral excessivamente larga, estendendo-se da cauda aos cantos do maxilar, e abrangendo todos os membros, inclusive seus longos dedos. Esta membrana, a l h de tudo, 6 dotada de um mmisculo extensor. Embora nZo se conhe- Fa nenhum outro lemurideo que se ligue ao ginero Ga/eopithecnx por apresentar

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a l p elo de transiqiio em sua estrutura corporal que o capacite a planar como os I.imures-voadores, niio vejo dificuldades em supor que tais elos j i devam ter existi- do, e que esses animais se formaram at6 chegar ao que sio, passando pelos mesmos estigios dos esquilos, que ainda niio desenvolveram de maneira Go perfeita sua capacidade de planar, atravis do aprimoramento gradual dessa membrana, em vir- tude da sua evidente udidade para o animal que a possui. Tambim niio vejo qual- quer dificuldade insuperivel em acreditar na possibiidade de que a seleqZo natural continue desenvolvendo essa membrana at6 transformi-la num verdadeiro mem- bro alado, h s'emelhanqa do que deve ter ocorrido com o morcego. Neste ddmo animal, cuja membrana-asa se estende da cauda h parte superior das espiduas, abran- gendo em seu perimetro os membros posteriores, talvez possamos enxergar vestiff- os de um dispositivo natural originalmente destinado a fazer o seupossuidor planar, ao invis de voar.

Bastaria que se extinguisse ou que nZo fosse conhecida cerca de uma d G a de gsneros de aves, para que ninguh se ardscasse a sequer supor que tivesse havido certas aves cujas asas fossem usadas unicamente como remos, como ocorre com o ganso-de-asas-curtas (Micropterns de Eyton); ou usadas como nadadeiras, dentro da +a, ou como membros anteriores, fora da igu, como ocorre com o pingiiim; ou 'como velas, como ocorre com a avestruz; ou ainda sem nenhuma finalidade fund- onal, como ocorre com os apteriges. Apesar disso, a conformaqiio esw~tural de cada m a dessas aves 6 boa para ela, dentro das condiq5es de vida is quais cada qual se acha exposta e que tem de enfrentar para sobreviver. Todavia, niio se pode dizer que essas conformaq6es sejam as melhores possiveis para t o h as condiq6es natu- rais. NHo se v i conduir dessas observaq5es que qualquer desses tipos de estrutura de asas a que nos referimos, os quais talvez tenham resultado do desuso, indiquem os estigios naturais atravis dos quais tenham passado as aves enquanto adquiriam capacidade completa de v6o. Todavia, servem pel0 menos para mostlar que sio possiveis meios diversificados de transiqio.

Obsemando-se alyns membros das classes aquiticas dos crusticeos e moluscos adaptados h vida terrestre, e levando-se em conta o fato de que existem aves e mm'feros que voam, insetos voliteis dos tipos mais diversos, e que outrora existi- ram r6pteis voadores, podemos fazer a seguinte suposiqio: e se o peixe-voador, que atuaLnente apenas consegue planar, elevando-se ligeiramente e sustentando-se no ar com a ajuda de suas barbatanas vibratbrias, j i tivesse alcanqado urn tal estigio de desenvolvimento que pudesse ser considerado como dotado de asas perfeitas? Nes- te caso, quem poderia imaginr que. num antigo estigio de transiqiio esses pekes vivessem no alto-mar e usassem seus incipientes 6rgos de vdo exclusivamente, segundo nos parece, para escaparem de ser devorados pelos outros pekes?

Quando observamos alguma conformaqiio estrutural altamente aperfeiqoada e adaptada para algum hibito particular, como no caso das asas, adaptadas para o v60, devemos ter em mente que os animais outrora dotados de asas ainda nZo inteiramente desenvolvidas difidlmente continuaxiam a existir nos dias de hoje, pois j i estariam superados pel0 pr6prio process0 de aperfeiqoamento atravis da seleqio natural. Ademais, 6 de se conduir que os estigios de transiqiio das estruturas adap- tadas a diferentissimos hibitos devida raramente ter-se-iam desenvolvido r.0 passa-

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do em grandes nhneros e sob diversas formas subordinadas. Assim, retomando nosso suposto peke-alado, nEo aparece provivel'que os peixes dotados da efetiva capacidade de voar se tivessem derivado de numerosas formas subordinadas, apa- nhando diversos tipos de presas aqdticas e terrestreq ate que seus 6rgios de v6o alcan~assem um tal estigio de perfeiqzo que lhes permitissem obter uma vantagem efitiva sobre os seus concorrentes na luta pela existencia. E como os animais dota- dos de confornaq6es estruturais de transigzo foram,pouco numerosos, a probabi- lidade de enconwar seus restos f6sseis i bem menor do que a de encontrar os f6s- seis de.espkcies dotadas de conformag6es estruturais perfeitamente desenvolvidas.

Agora daremos dois ou %&s exemplos de hibitos diversificados e modificados em individuos da mesma espkcie. Quando ocorrem tais casos, seria ficil para a selegiio natural adaptar o animal, atravis de alguma alteraqzo na sua estrutura, aos dois ou mais hibitos adquiridos, ou a apenas um de qeus diversos hibitos. Todavia,

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6 dificil- e, para o nosso caso, irrelevante- afirmar se, de mod0 geral, os hibitos se modificam primeiro e a conforma@o subseqiientemente, ou se ligeiras modifi- cag6es esauturais acarretam alterag6es de hibitos; o mais provivel 6 que ambas as modificag6es muitas vezes ocorram quase simultaneamente. Quanto a exemplos de hibitos modificados, 6 suficiente mencionar-se apenas o dos diversos insetos bdti- nicos que atualmente tiram seus sustentos das plantas ex6ticas adimatadas ou ex- dusivamente de substhcias a r d f i d s Ji quanto aos hibitos diversificados, podem- se citar numerosos exemplos: tive a oportunidade de obs- um tirm'deo sul- americano que se alimenta de moscas, o Jauropbagussu&huratur, pairando ora aqui, ora ali, como um fakiio; outras vezes, quedando-se im6vel i beira de um do, para em seguida mergulhar atcis de um peixe, feito um martim-pescador. Aqui mesmo em nosso pais podemos observar o chapim-grande (Parus major) escalando os ga- lhos de uma b o r e , B semelhanga de uma ave trepadora, para depois agit como o picango, bicando as cabegas dos phsaros menores at6 mati-10s -pois bem: muitas vezes tive a oportunidade de ver e ouvir esse pissaro usando seu bico como um martelo para quebrar as sementes de teixo, da mesma forma como agiria um pica- pau. Na Am6dca do Norte, Hearne testemunhou haver visto um urso negro nadan- do durante horas com a boca aberta, a fun de apanhar insetos na igua, como o fazem as baleias. Mesmo num caso 60 anormal quanto este dtimo, se a presenga dos insetos for constante e o local n20 diso6e de com~etidores mais bem ada~tados

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a essa forma de sobrevivincia, G o vejo problemas em aceitar que determinada raga de ursos se tenha tornado, em virtude da selecio natural, cada vez mais aquitica em seus bibitos e estrutura, adquirindo bocas cada vez mais amplas, at6 que por fun se produza uma criatura que, por sua monstruosidade, possa ser comparada i s baleias.

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Como por vezes depanmos comindividuos que possuem hibitos diamemlmente diferentes dos de sua pr6pria espicie e dos das ouuas espicies congneres, i de se presumir, dentro de minha teoria, que tais individuos ocasionalmente possam dar origem a novas espicies portadoras de seus hibitos anBmalos e possuidoras de conformagiio estrurural modificada em grau maior ou menor em relagio i do tipo original. A natureza efetivamente oferece tais exemplos. Pode-se apresentar um caso de adaptagio mais nodvel que o de um pica-pau trepando nas b o r e s em busca de insetos nas hinchas da casca? Todavia, na Am&a do Norte, hi pica-paus que se alimentam de hutas, enquanto outros, dotados de longas asas, apanham em pleno vBo os insetos. J i na Planicie do Prata, onde r2o crescem bores, vive um tipo de pica-pau que ostenta inteira semelhanp com os da nossa espicie comum, seja no que se refere is partes essenciais de sua conforma@o, seja quanto ao tom esu5dulo de seu pio ou ao percutso ondulado de seu vBo, nluna dara evidtncia de sua consagiiinidade - entretanto, trata-se de um pica-pau que jamais trepou em bores!

0 s petri% sio as aves mais aireas e oceinicas de todas; todavia, nos desolados estreitos da Terra do Fogo, o PufFnun'a berardi, pelos seus hibitos comuns, por sua impressionante capacidade de mergulhar, por sua maneira de nadar e pelo mod0 relutante de alga vBo, seria facilmente tomado por uma alca ou um mergulhio. Apesar disso, tram-se essencialmente de um petrel, embora muitas partes de seu organism0 estejam profundamente modificadas. For outro lado, o mais agudo ob- semdor, pel0 mero exame do cadiver de um melro-d'+, jamais suspeitaria de seus hibitos sub-aquiticos, embora esse membro anbmalo da f d a esmtamente terrestre dos turdideos consiga. sobreviver mergulhando, prendendo-se i s rochas com suas garras e usando suas asas para nadar embaixo das iguas.

As pessoas que acreditam na idsa de que todo ser vivo foi d a d o com a confor- mag20 que atualmente ostenta devem ocasionalmente ficar surpresas, espedalmen- te quando deparam com animais cujos hibitos g o combiiam inteiramente com suas conformag6es estruturais. Que poderia ser mais 6bvio do que a adequagio ao nado das patas palmipedes dos patos e gansos? Apesar disto, h i gansos terrestres que, embora possuindo esta caracteristica, raramente ou nunca se aproximam da igua. E o alcatraz, que ninguim at6 hoje - excegiio feita a Audubon - pBde ver nadando na superficie das i p s , apesar de esta ave possuir todos os quatro dedos ligados por membrana palmipede? Por outro lado, os mergulhaes e as fulichias J o eminentemente aquiticos, conquanto seus dedos sejam apenas orlados por uma membrana. 0 s longos dedos dos ralideos 160 constituiriam a caracteristica mais indicada para as aves que necessitarn caminhar em brejos e equilibrar-se sobre as plantas aquiticas? No entanto, agalinha-d'igua i quase 60 aquitica quanto o galek20, e o francolim quase 60 terrestre quanto a codorna ou a perdiz. Em tais casos, e poderiamos acrescentar virios outros semelhantes, os hibitos foram modificados sem que bouvesse uma alteragio estrutural correspondente. Poder-se-ia dizer que os p b palmados do ganso terrestre se tornaram rudimentares quanto i sua fungio, mas nio quanto i sua estrutura. J i no alcatraz, a membrana extremamente cBncava que existe entre seus dedos demonstra um principio de alteragio estrutural.

0 s que aceitam a idiii de atos de criagio numerosos e individuais hio de dizer que, nesses casos, aprouve ao Criador que determinado ser tomasse o lugar ocupa-

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do por outro, o que me parece apenas um reenunciado do mesmo fato, s6 que em linguagem mais pomposa. J i os defensores da teoria da luta pela sobrevivhcia e do principio da seleqio n a r d hio de reconhecer que todo ser vivo esti continuamen- ie tentmdo multiplicar-se e, que se algm variar, mesmo que em grau rninimo, seja quanto aos kibitos, seja quanto i sua conformaqio, adquirindo deste mod0 alguma vantagem sobre os outros habimtes daquela regizo, acabari por ocupar o lugar antes pertencente a eies, mesmo que se mate de habitat kteiramente diferente do que o ser nodificado outrora ocupava. DainZo constituir surpresa para estes estu- diosos que haja gansos e alcatrazes dotados de p b palmados, mas que vivam em terra firme, ou que radssimamente nadem na superficie das @as; que haja codornizties dotados de dedos longos, vivendo nos prados e nio nos piqtanos; que haja pica-paus em ireas despidas de irvores; que haja mdideos que mermam e petriis cujos hibitos lembrarn os das alcas.

Parece o miximo do absurdo, tenho de confessar, supor-se que o olho, com todos os seus inimitiveis aperfeiqoamentos destinados ao ajuste do foco i s diferen- tes distindas, i adaptaqio i s diferentes quantidades de luz recebidas e i correqio das aberraq6es esfkricas e cromiticas fosse urn 6rgZo formado pela seleqzo natural. Enuetanto, a razio me diz que se i possivel demonstrar a existsncia de numerosas gradagdes entre olhos perfeitos e complexos, de um lado, e olhos imperfeitos e rudimentares, de outro lado, com cada gradaqio se revelando litil para seu possui- dor; que, se alim do mais, os o&os sofrem varia~des d ! a s , ernbora hereditirias, o que cerramente ocorre; e que cada moditicaqio sofrida por este 6 rgo sempre refundari em benefido para o animal submetido a novas condiq6es de vida, enGo dificilmente haveria problema em se acreditar que olhos perfeitos e complexos re- sultassem do process0 de seleqzo natural, ainda que td idiia pareqa a principio inconcebive!. A rr.aneira pela qual .m nervo poderia v u a se tornar sensivel i luz interessa-nos tanto quanto a resposta 2 indagaqio sobre a origem da pr6pria vida; niio obstante, posso adiantar que diversos fatos levam-me i suposiqio de que qual- quer nervo sensitivo poderia tornar-se sensivel i luz, da mesma maneira que pode- ria tornar-se sensivel iis vibraqdes responsiveis pelaproduqio de sons.

Ao buscarmos as gradagdes atravis das quais se aperfeiqoou um 6rg.30 perten- cente a m a espide qualqxer, terenos de considerar exdusivamente os ancestrais diretos dessa espide, o que 6 qxase impossivel; dai sermos obrigados a recorrer is espides do mesmo grupo, ou seja, aos descendentes colaterais da mesma espide ancestral, a f h de constatar as possiveis gradaqties e as probabiiclades de que algu- mas delas poderiam ter sido transmitidas desde os prim6rdios da formaqio dessas espicies, de maneira pouco ou inteiramente inalterada. Entre os vertebrados exis- ten'as, constatamos apenas uma pequena quantidade de gradaqties na estrutura dos olhos, e das espides f6sseis nada podemos extrair acerca deste assunto. Nesta gran- de classe de animais, tedamos de nos aprofundar bastante na pesquisa, chegando talvez atk as mais profundas camadas fossiliferas conhecidas, a fim de descobrirmos os primitives estigios pelos quais passou o aperfeiqoamento do 6rgZo da visiio.

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Prancha XXW. Aranha

Prancha XXVIII. Besouro

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Nos articulados, podemos iniciar uma seqiihcia tomando como ponto de par- tida um nervo 6tico meramente recoberto por pigmentos, sem qualquer outro aper- feiqoamento. A par& dai, pode-se demonstrar a existhcia de numerosas gradaq6es estruturais, ramificando-se em duas direq6es fundamentalmente diferentes, at6 che- gar a um estigio de aperfeiqoamento razoavelrnente elevado. Em certos crusticeos, por exemplo, existe uma c6rnea dupla, sendo ainterior dividida em facetas, dentro de cada qual exis'te uma protuberhcia em forma de lente. Em outros, os cones transparentes, revestidos por pigmentos, agem efetivamente no sentido de exduir os raios de luz que incidem obliquamente sobre eles. Esses cones sio convexos em sua extremidade superior, devendo agir por converghcia. J i nas suas extremidades infenores parece existir uma substincia vittea imperfeita. De posse destes fatos, aqui apresentados de maneira sucinta e imperfeita, podemos certificar-nos de que h i ampla gradaqzo de diversidade no que se refere aos olhos dos crusticeos exis- tentes atualmente, sem nos esquecernos de que o nhmero de .w&~ais hoje exis- tentes 6 bem inferior ao dos que se extinguiram. Em vista disto, nHo me parece muito dif id (ou pelo menos niio me parece mais dif id do que o seda no caso de mitas outras conformaq6es estruturais) acreditar que a seleqZo natural tenba trans- formado um dispositivo 6tico Go elementar, constiddo simplesmente por urn nervo 6tico revestido por pigmentos e envolto nuna membrana transparente, num instrumento 6tico Go perfeito como o possuido por certos membros da grande classe dos articulados.

Quem admitir tudo isto e conduir, ao h a 1 desta leitura, que numerosos fatos, inexpliciveis por outros modos de pensar, explicam-se fadlmente pela teoria da descendhcia, nio hesitari em deixar esta hip6tese estender-se, admitindo que mes- mo uma estrutura 60 perfeita como a dos olhos de uma Lguia possa ser formada pela seleqiio natural, ainda que, neste caso, nada se saiba a respeito dos seus graus de transiqio. A razio teri de ser colocada B frente da imaginaqiio, apesar do qu6 eu pr6prio tenha sentido tanta dificuldade em aceitar tais fatos, que nem me surpreen- da com alguma hesitaqio que porvenmra ocorra qmto a estender o principio de seleqHo natural a distincias Go espantosas.

E quase impossivel evitar que se compare o olho a um telesc6pio. Sabemos que esse instrumento foi aperfeiqoado atravis do esforqo continuo dos mais brilh.antes intelectos humanos, donde deduzimos naturalmente que o olho se tenha formado por um processo mais ou menos anilogo. Kiio seria muito presunqosa tal deduqio? Ser-nos-ia licito presumir que o Criador aja atraves de um processo intelectual se- melhante ao do homem? Se vamos comparar o olho a um instrumento 6tic0, tere- mos de imaginar uma camada espessa de tecido transparente, dotada de um nervo sensivel B luz, e dai supor que cada parte dessa camada seja capaz de alterar continu- amente sua densidade, de mod0 a separar-se em camadas.mais delgadas, cada qua1 com sua densidade, colocadas a diferentes distincias umas das outras, e apresentan- do superfides capazes de mudar lentamente de conformaqio. Teremos ainda de suporque exista uma for~a observando condnua e atentamente cada altera~Ho ligei- ra e acidental das camadas transparentes, e selecionando cuidadosamente cada alte- raqio que, dentro de diversas circunstincias, sejam capazes de produzir uma ima- gem distinta, qualquerque seja sua forma ou seu grau de nitidez. Teremos de supor

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Prancha XWL Besouro

Prancha XXX Gafanhoto

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que cada estigio de desenvolvimento desse instrumento seja mdtiplicado por mi- lhdes de posscidores, sendo presenrado at6 que se produza um instrumento mais aperfeiqoado, o que acarremi a destruiqio dos antigos, tornados obsoletos. Nos seres vivos, a variaqio provocari pequenas alteraqdes, que serio multiplicadas qua- se que khitamente para reproduqio, agindo a seleqio natural no sentido de esco- her com infalive1 habiidade-cada aperfeiqoamento que surja. Se este process0 for prosseg&qdo durante &des e milhdes de anos, em milhdes de individuos de vhios tipos a cada ano que passa, nio seria catural acreditar-se que o instrumento 6tico vivo que ass& se esteja formando nio seja superior aos de vidro, da mesma forma que as obras do Criador sio superiores is obras realhadas pelo homem?

Se se pudesse demonstclr a exist2ncia de algum 6rgZo complexo que G o pu- desse de maneira algxna ser fornado atravb de modificaqdes ligeiras, sucessivas e numerosas, minha teoria ruiria in-iramente por terra. S6 que jamais consegui en- contrar esse 6rgZo. Nio h i d6vida de que existem virios 6rgZos cujos graus de transiqio nio foram ainda descobertos, especialmente quando examinamos espici- es muito isoladas, em torno das quais, de acordo com minha teoria, deve ter havido grande ex&qiio. Por outro lado, quando examinamos algum 6180 comum a todos os membros de uma extensa dasse, donde deduzirmos que sua formaqio tenha ocorr!do em eras extremamente remotas, quando comeqou a ocorrer o desenvolvi- mento de todos os membros componentes dessa tal dasse, neste caso, se preten- dermos descobrir os antigos estigios de trmsformaqio pelos quais teria passado aquele 6rgZ0, teriarnos de esmdi..Io em formas ancestrais antiqiiissimas, extintas hi muito tempo.

Devemos ser extremamente prsdentes ao conduirmos que um 6rgZo nio se possa ter formado atravis de a l p tipo de evoluqio gradual. Entre os anirnais inferiores, p o d e h o s citar &versos exemplos de um 6 r g o que realiza simultanea- menteas mais diversas funqdes: na larva dalibaula e nos peixes do ginero Cobites, o canal alimenrar respira, digere e excreta. No gkero Hydra, o animal pode virar-se pelo avesso, quando enGo a antiga superffcie exterior passa a digerir e o est6mago a respirar. E n tais casos, a seleqio n a t d , se houver vantagem para a espicie, poderi facilmente propiciar uma especializaqio de uma parte do corpo ou de um 6rgZo que antes realizasse duas funqdes, e que en60 pass& a realizar apenas uma, deste mod0 modificando inteiramente sua natureza original, atravis de irnpercepti- veis passos. Ocorre pot vezes que dois 6rgZo distintos, pertencentes a um mesmo individuo, realhem a mesma funqio. Servem de exemplo certos peixes que, atrav6s das guelras, respirm o ar dissolvido na igua, ao mesmo tempo em que absorvem o ar livre atravb de suas bexigas natatbrias, dotadas de urn canal pneumitico para essa absorqio e divididas em seqdes altamente vasculares. 4 m casos como estes, .um dos dois 6rgZos poderi fadlmente ser modificado e aperfeiqoado, de maneira tal que passe a realizar sozinho aquela funqio, a prinupio a d a d o pel0 outro 6r@o, que aos poucos poderi adquidr outra funqio intkamente distinta, ou anofiar-se at6 desaparecer.

0 exemplo das bexigas natat6rias i bom porque nos mostra claramente um fam muito importante: u m 6rgZo formado inicialmecte para determinada finalidade, qua1 seja a flutuaqio, com o tempo passa a ter outra completamente diferente, ou

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seja, a respiragio. Este 6rgZo ainda funciona como um acess6rio do sistema auditi- vo de certos pekes, ou dvez sejao contrsido, isto i, uma parte do apareho audltivo funciona como complemento da bexiga natat6ria - G o sei qual dos dois pontos de vista i o mais aceito hoje em dia. Todos os fisiologistas admitem que a bexiga natat6ria seja hom6loga, ou "teoricamente semelhante", no que concerne i posigio e estrutura, aos pulmdes dos vertebrados superiores; portanto, G o tenho grande di6culdade em admitir que a selegio natural tenha efetivamente transformado essa bexiga num pulmio, 6rgZo espeufico e exdusivo da fungio respirat6ria.

Tambim nio tenho dlividas quanto ao fato de que todos os vertebrados dota- dos de pulmaes verdadeiros descendam por geragio ordinza de algum ancestral primitivo, sobre o qual nada sabemos, dotado de urn apareho de flutuagio, ou seja, de uma bexiga natat6ria. Desde modo, pel0 que posso deduzir da interessante des- crigio dessas partes do corpo feitapelo Professor Owen, fica f i d compreender o fato estranho de que.as patticulas de tudo o queingerimos tenham de passar diante do -orif%o da traquiia, com o risco de "cair no goto", apesar do belo dispositivo natural que permite a odusio da glote. Nos vertebrados superiores, as brhquias desapareceram completamente, masas fendas laterais do pescogo e o percurso si- nuoso das artirias dos embrides ainda assinalam sua posigzo primitiva. Todavia, i permitido supor-se que as guelras hoje desaparecidas tenham sido transformadas pela selegiio natural em partes do corpo voltadas para outra finalidade, pois, da mesma maneira que, segundo asseveram certos naturalistas, as brinquias e escamas dorsais dos anelideos seriam hom6logas aos atros easas dosinsetos, ipossivel que os 6rgZos outrora destinados i respiragio se tenham transformado atualmente em 6rgZos de v6o.

Ao considerarmos os estigios transit6rios de 6rgZ0, i importante termos em mente a probabiidade de que se tenha modificado sua fungio primitiva, h luz dos exemplos dtados, aos quais acrescento mais urn: os cirdpedes pedunculados possu- em duas diminutas pregas membranosas, que denominei "freios ovigeros", visto servirem para manter na bolsa os ovos fecundados, ati que estes produzam, o que se consegue com o auxilio de uma secregio viscosa. Esses cirripedes nio possuem brinquias, respirando atravis de toda a supedcie do corpo e da bolsa, inclusive dos pequenos freios ovigeros. Por outro lado, os baladdeos, ou cirdpedes, sbseis, nib possuem tais freios. Seus ovos sio depositados livremente no fundo da bolsa, den- tro da concha, que i muito bem vedada. No entanto, possuem grandes brinquias dobradas. Auedrto que ninguim deveri contestar o fato de serem os freios ovigeros da primeira familia estritamente hom6logos das brinquias desta dtima. Efetiva- mente, os dois 6rgSios apresentam gradag6es. ?or conseguinte, G o duvido de que as pequenas rugas membranosas que origdmente serviram como freios ovigeros, e que, d i m disso, t a m b h ajudavam no ato da respiragio, se tenham transformado gradualmente em brhquias pela agio da selegio n a h d , pel0 simples au&ento de suas dimensdes e a subseqiiente atrofia de suas ghdulas glutiniferas. Se todos os cirripedes pedunculados se houvessem extintos, o que i bem possivel, j i que sua extingio tern sido bem maior que a dos cirdpedes sisseis, quem jamais teria imagi- nado que as brinquias possuidas pelos ddmos tivessem existido originalmente como 6rgZos destinados a impedir que os ovos fossem arrastados para fora da bolsa?

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Apesar da cautela de que temos de nos cercar antes de concluirmos que deter- minado 6rgZo nZo poderia ter sido produzido pot evolugZo gradual, nZo resta dirvi- da de que existem casos diflceis de analisar, alguns dos quais serZo estudados na obra que pretend0 publicar futuramente.

Destes, um dos mais dikeis se refere aos kse-s neutros, cuja constituigZo por vezes 6 extremamente difererte da que se observa nos machos e nas f b e a s fecun- das da espicie. Este caso seri discuddo no pr6ximo capitulo. Outro caso de extre- ma dificuldade 6 o dos 6rgZos elimcos de certos pekes. E impossivelimaginar os estigios por que passaram tais 61gZos antes de se formarem definitivamente. Toda- via, conforme observaram Owen e outros, sua estrunlra interna se assemelha bas- tante i dos mrisculos comuns. Alim disso, de acordo com estudos recentes, verifi- cou-se que as arraias possuem um 6rgZo bastante anilogo ao do aparelho elimco dos pekes; apesar disto, cocforme assevera Matteuchi, esses a z a i s nZo produzem descargas eliu5cas. Isto nos faz ver que somos por demais ignorantes acerca deste assunto para conduirmos quanto i impossibilidade de &stir algum tip0 de transi- gZo relacionada com a formagZo desses 6rgZos.

0 u k dificddade ainda mais s%a com respeito aos 6rg;?os elimcos refere-se ao fato de que eles ocorrem apenas em uma dhia de pekes, muitos dos quais nZo possuem entre si seniio afkidades muito remotas. De mod0 geral, quando o mes- mo 6rgZo aparece em diversos membros de uma cerra dasse, especialmente naque- les que possuem hhbitos de vida muito diversos, podemos ambuir sua exist&& i hereditariedade, remontando a algum ancestral comum, e sua perda neste ou naquele membro da dasse ao desuso ou i a+ da selegZo natural. No caso dos 6rgZos elim- cos, porch, caso sua exist&& se prendesse a uma caracteristica herdada de algum ancestral comum, teriamos de supor que todos os pekes elimcos fossem aparentados entre si. Entretzto, a Geologia de nodo algum di respaldo h crenp de que no passa- do a maior parte dos pekes possuisse 6rgZos elitdcos, e que estes tivessem sido per- didos posteriormente pela maior parte de seus descendentes modificados

A presenga de 6rgZos luminosos em certos hsetos pertencentes a diferentes familias e ordens tambim oferece urn exemplo paralelo de dificuldade. E ainda poderiamos acrescentax outros exemplos, como, entre os vegetais, o curioso dispo- sitivo da presenGa de uma glbdula viscosa na extremidade do pedhculo, destinada a fazer com quefique preG naquele ponto a massa de p6len, caracterisuca comum i s plantas dos gheros OrchkeAsc/epia.r, cuia ahnidade 6 das mais remotas possiveis en&e os vegeGs flcrescentes. Em ;odds esses casos de duas espicies muiio distin- tas dotadas aparentemente do mesmo 6rgZo an8mal0, deve-se observar que, embo- ra sejam idhticos o aspect0 geral e a fungi0 do 6rgZ0, geralmente se identifica alguma diferenga fundamend entreum e outro. Estou indinado a acreditax que, de maneira bem'semelhante i de duas pessoas que, trabalhando independentemente uma da outra, acabarn chegando h mesma descobetta ou invengzo, assim a selegiio natural, agindo em proveito de cada sex e tirando -tagem de variag6es anilogas, eventualmen* chega a modificar de mar.eira quase idktica duas partes de dois seres organizados distiltos que pouca coisa devem de sua estrutura e conformagZo i hereditariedade oriunda de algum possivel ancestral comum.

Embora em muitos casos seja d i f i d h o conjeturar quais terian: sido as transi- g6es atravis das quais fosse possivel a u m 6rgZo atingir seu atual estado de confor-

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magio estrutural, e ademais, considerando-se a diminuta proporGo entre as atuais formas conheddas e as extiwas e desconheddas, espanta-me o pequeno n h e r o de 6rgZos dos quais nada se sabe acerca de seus estigios de transigio evolutiva. A verdade desta observagio i reforgada pelo velho axioma de Hist6ria Natural, se- gundo o qual "Xatura non faczt~aIh,m' Deparamos com esta observagio nos escri- tos de quase todo n a t d s t a experiente; ou, como bem observou Milne Edwards, a natureza i pr6diga em variedades, mas avara em inovagdes. Por que teria de ser assim, i luz da teoria da Criagio? ?or que deveriam as partes ou 6rgZos de tantos seres distintos, supostamente criados um a um para ocupar um determinado lugar nanatureza, ser fio invariavelmenteinterligados por elos de evolugHo aparente? Por que a natureza, de uma esmtura para a OUtra, nio daria saltos? Com base na teoria da selegio nat* podemos compreender tranqiiilamente por que i ass&, pois a selegio IIaturd s6 pode agir tirando proveito de variagdes ligeiras e sucessivas; sal- tos, nio pode dar, tendo de avangar a passos bem mtos, e de mod0 mais lento que se possa imaginar.

Umavez que a sde* natural atua em termos de vida e morte-prese-do os individuos dotados de algumavaria@o favorivel e destruindo os que adquirkam qual- quer desvio estrutural desfavoriv4- dve eventualmente grande dificuldade em com- preender a origem de determinadas partes muito simples, cuja importincia nZo pare- ce sufldente para garantir a preservagio de individuos sucessivamente d v e i s . De oums vezes, a dificddade foi de natureza inteiramente diferente, prendendo-se ases a 6rgZo de extrema perfei@o e complexidade, como 6 o caso do olho.

Em primeiro lugar, i muito grande nossa ignotlinda acerca da economia natura! de qualquer ser organizado, para quepossamos determinar a maior ou menor im- port2ncia desta ou daquela variagio. Num dos capitulos anteriores, dtei exemplos de caracteres muito insignificantes, como a penugem dos fiutos 03 a coloragio de sua polpa, os quais, uma vez que determinam os ataques dos insetos ou estiio correladonados com certas diferengas constitudonais, podem seguramente ser motivo de atuagio da selegio natural. A cauda da girafa parece nio passar de'sim- ples espanta moscas, de aspect0 quase artificial. Chega serincrivel que tal parte do corpo se tenha, adaptado a sua atual hnalidade aaavb de ligeiras modif?cag6es, aperfeigoando-se pouco apouco ati se tornar como 15 hoje, sem setvir para nenhu- n a ouira halidade. Todavia, h i que se ponderar um pouco antes de assumir m a posigio m-xito togida mesmo neste caso, pois i sabido que a distribuigio e sobrevi- vtnda dos bovinos e de outras criagdes na America do Sul depende absolutamente da capaddade dos animais de resistir aos ataques dos insetos: as reses que de algum mod0 soubessem defender-se dos ataques desses pequenos inimigos estariam rr.ais bem aparehadas para ocupar novas ireas de pastagem, obtendo deste modo uma grande vantagem sobre as demais. Nio que esses quadnipedes 60 grandes sejam efetivamente destruidos - . salvo em rarissimos casos - pelas moscas, mas i que sio iicessantemente atormentados por elas, o que os enfraquece e os torna mais sujeitos is doengas ou menos capazes de encontrar alimentos durante as ipocas de escassez, ou de escapar dos predadores que os acometem.

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0rgios cuja importinda i atualmente minima podem ter sido de grande impor- tinda para umantigo ancestral, e, ap6s se terem desenvolvido e aperfeigoado lenta- mente at6 a l p period0 ulterior, poderim ter-se transmitido dai em diante de maneira quase inalterada, ainda que sua udidade tenha sido bastante reduzida; des- de modo, pode ser que qualquer desvio estrutural efetivamente nocivo seja impedi- do pela selegiio natural. Levando-se em conta a importincia da cauda como 6rgZo locomotor para a.maior parte dos animais aquiticos, sua presenga generalizada e sua mdtipla udidade para tantos animais terrestres, que pela presenga dos pulmdes ou bexigas natat6rias modificadas revelam sua origem aquitica, pode talvez ser assim explicada. Uma cauda bem desenvolvida que se tenha formado num animal aquitico poderi subsequentemente vir a funcionar para toda sorte de finalidades, sejapira espantarinsetos, seja como 6rgZo preensor, ou como urn membro auxiliar para o ato de dar meia-volta, como no caso do cio, embora tal ajuda possa ser minima para outros animais, como a lebre, por exemplo, cuja cauda i extremamen- te pequena, o que S o a impede de voltar-se com grande rapidez.

Em segundo lugar, podemos por vezes atdbuir importincia a certos caracteres que efetivamente G o representam grande coisa para o seu possuidor e que se origi.. naram de causa secundhias, independentemente da selegiio natural. Temos de nos lembrar que o h a , a alimentagiio, etc, provavelmente provocam pouca influincia direta sobre os organismos; que os caracteres eventualmente reaparecem em obedi- Snda i lei de regressiio; que a correlagio de crescimento tdvez tenha tido inpor- tanrissima &flubcia na modificagiio de diversas esuuturas; finalmente, que a sele- giio sex-d por vezes tenha modificado consideravelmente os caracteres externos dos animais, tendo em mira propidar aos machos alguna vantagem referente i luta com seus rivais ou i capacidade de atrair as fheas. Alim do mais, quando uma modificagiio estrutural surgiu pela primeira vez, seja pelos motivos supradtados, seja por outras causas que niio conhegamos, ela pode inicialmente nZo ter represen- tado qualquer tipo de vantagem para aquela espicie, mas subsequentemente pode- ria ter sido utilizada pelos descendentes, mostrando-se Gtil para novas condigdes de vida ou possibiitando a aquisigiio de novos hibitos.

Gostaria de dtar alguns exemplos que ilustrem estas dtimas observagdes. Se apenas exisessem pica-paus verdes, e nada soubissemos acerca de pica-paus pretos e manchados, eu poderia &mar tranqiiilamente que a coloragio verde representa- ria ,ma bela adaptagiio destinada a dissimular a presenga dessa ave nas bores, escondendo-a de seus inimigos, e que tal caractedstica seria de grande importincia para a espicie, devendo ter sido adquirida porintermidio da selegiio namal. Enqe- tanto, como tal niio ocorre, niio tenho a menor dfivida de que a causa da cor se deva a dgwna. cmsa inteirarnente distinta da que mencionei, provavelmente i selegiio sexual. Um tipo de bambu existente no Arquipaago Malaio, parasita, expande-se at6 alcangar as grimpas das b o r e s mais altas, com o a.uxilio de estranhos ganchos dispostos em redor das extremidades dos seus ramos. Este dispositivo, sem dGvida, i da maior utilidade para esse vegetal. No entanto, como observamos a existbcia de ganchos quase identicos em b o r e s que ngo sio trepadeiras, pode ser que os ganchos dos bambus malaios tenham surgido em decorr6ncia de leis de crescimen- to que desconhecemos, sendo subsequentemente utilizados pela planta, i medida

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que esta ia sofrendo modificag6es e se transformando em trepadeira. A cabega pelada dos abutres igeralmente considerada como uma adaptagio &eta a seu Mbito de espojar-se em materiais em putrefagio. T a m pode ser isso como talvez possa dever-se B agio &eta da matiria plitrida. Weste caso, porch, a conclusHo tem de ser cautelosa, uma vez que tambch observamos esta caractedstica no pem, que s6 se alimenta de matiria fresca As suturas nos d o s dos mamiferos em idade infantil t h sido interpretadas como uma bela adaptapo destinada a facilitar o parto, o que sem dlivida acontece. Todavia, como tais suturas tambch aparecem nos &os dos motes de ripteis e de aves, cujo nascimento depende apenas do rompimento das cascas dos ovos, podemos deduzir que essa estrutura surgiu em decorrhcia de certas leis de crescimento, sendo utilizadas pelos animais supmiores no momento do parto.

Somos profundaniente ignorantes acerca das causas que produzem variag6es ligeiras e pouco importantes, e i f i d tomarmos wnscihcia disto, desde que refli- tamos sobre as diferengas radais dos animais domisticos criados em ireas distintas do muado, especialmente nos paises menos civilizados, onde tem sido minima a selepo artificial. 0 s observadores mais minuciosos estZo convencidos de que os dimas h i d o s afetam o crescimento dos piles, o que teria correlagio com o cresci- mento dos chifres. As raqas montesas sempre diferem das ragas criadas nas terras baixas. Uma reeo , sendo montanhosa, provavelmente acarretani, por este fato, alguma influincia no desenvolvimento dos membros posteriores de seus animais, j i que estes terZo de forgosamente realizar mais exercicio, provavelmente afetando tambim 0, formato da bada pdvica. Conseqiientemente, devido h lei da variagio hom6loga, tambim os membros antedores e ati mesmo a cabega provavelmente serio afetados. 0 formato da pelve, pela pressio feita sobre a cabeqa do feto, pode afetar o formato desta nos recim-nasddos. Temos raz6es para acreditar que a mai- or necessidade respirat6ria pr6pria das regiaes elevadas deva afetar o volume do tbrax, e mais uma vez vemos a correlagio desempenhando seu papel. 0 s animais criados por povos selvagens de diversas regi6es muitas vezes tim de lutar por sua pr6pria subsisthcia, expondo-se em certo grau B selegio natural. Indidduos dota- dos de constituiqio ligeiramente diferente terZo maior probabilidade de sobrevi- vincia sob determinados dimas, e h i raz6es que nos levam a crer serem correlatas i constituigio e a colorag90 externa. Ahma um conhecedor que a suscetibiidade dos bovinos aos ataques das moscas se correlaciona com a cor, assim como a maior ou menor resistcncia aos efeitos dos venenos de certas plantas. Deste modo, tam- bim a colora@o externa esti sujeita B agio da seleqio natural. Todavia, & muito grande nossa ignorincia a esse respeito para que possamos especular quanto B im- p o r h d a relativa das diversas leis de variagzo conheddas e desconhecidas, e se tenho aqui aludido a elas foi apenas para mostrar que, dada a nossa incapacidade de avaliar as diferengas caractedsticas das ragas dom&ticas, embora admitamos geral- mente que elas tenham surgido atrav&s de gerapo ordhiria, nem seria necesszo comentar sobre nossa ignohcia quanto B causa exata das ligeiras diferengas anilo- gas entre as espicies. Para complementar esses exemploq eu podeda ter acrescenta- do as diferenps entre as ragas humanas, que sio fortementemarcadas, assim como poderia adiantar algumas explicag6es acerca da origem dessas diferengas, especial- mente no que se refere a um determinado tipo de selegiio sexual, entreranto, visto

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nzo poder entrar aqui em muitos pormenores, tudo o que poderia ser a~resentado acabada parecendo mera especulaqZo despida de maior sexiedade.

As observaqdes precedentes obrigam-me a dizer umas poucas palavras sobre o protest0 feito recentemente por alguns naturalistas contra a teoria pragmadsta, se- y n d o a qual todo pormenorestrutural teria sido produzido visando benefidaxseu possuidor. Acreditam esses outros que numerosas conformaqdes estrumais foram criadas unicamente para o prazer estitico do homem ou por mera *aqZo despida de prop6sito. Se tal idiia for verdadeira esta teoria seria absolutamente fatal para a minha. Niio obstante, admito sem restriqdes que muitas estruturas n5o sZo &eta- mente hteis para seus possuidores. As condiqdes fisicas provavelmente devem ter tido algum efeito sobre a conformaqZo estrutural, independentemente de qualquer proveito que decorra da variaqZo adquirida. A correlaqZo de crescimento indubitavelmente desempenhou importante papel nessas alteraqdes, e qualquer mo- d5caqZo htil sofrida por determinada parte do corpo provavelmente trari como conseqfi6nda outras alteraqdes destituidas de utilidade direta pr6pria. Ressalte-se ainda que certas caractensticas outrora hteis para seus possuidores, ou surgidas em decorrhda de correlaqdes de crescimento ou por qualquer outra causa desconhe- dda, talvez reapareqam nos descendentes em decorrhcia da lei.de regressZo, ainda que hoje niio mais apresectem utilidade direta para eies. 0 s efeitos da seleqZo sexu- al, quando revertem em.atrativos estiticos destinados a atrair as f;meas, s6 podem ser qualificados de "Jteis" num sentido um m t o forqado. Mas a consideraqZo efe- tivamente mais importante i que a parte principal do organism0 de todo servivo se deve Go-someme i heredituiedAde; conseqiientemente, embora cada ser organiza- do esteja por certo bem adaptadc ao lugar que ocupa na natureza, muitas estruturas possufdas pelas espides G o mais apresentam relaqio &eta com seus hibitos de vida atual. Assim, i difld. acreditar que os pis palmados dos gansos criados nas regides montanhosas ou dos alcatrazes G o possuam utilidde espedal.para essas aves, e certamente nZo podemos crer que os mesmos ossos presentes nos bkqos dos macacos, nos membros anteriores dos cavalos, nas asas dos morcegos e nas nada- deiras das focas possuam utilidade especial para esses animais. Podemos tranqiiila- mente ambuir essas estruturas i herediradedade. Entretanto, para os ancestrais dos gansos monteses e dos alcatrazes, os p b palmados sem diivida eram Go'hteis como hoje o siio para as mais aquidcas das aves atualrnente existentes. De maneira id2n- tica, podemos acreditar que o ancestral da foca G o possuisse nadadeiras, mas sim patas dotadas de cinco dedos, adaptados ao ato de caminhar ou de agarrar. Pode- mos at6 avenmar-nos a acreditar que os diversos ossos dos membros anteriores dos macacos, cavalos e morcegos, herdados de um ancestral comum, possuiram antigamente uma utilidade.mais especial para este antepassado, ou para os seus ancestrais, do que a que hoje apresentam para seus atuais donos, cujos hibitos sZo Go amplamente diversificados. P~rtanto, podemos conduir que esses diversos os- sos podern ter sido adquiridos atravis da seleqZo natural, sujeitando-se, tanto no passado como no presence, i s diversas leis de hereditadedade, regressZo, correlaqiio de crescimento, etc. Disto decorre que cada detalhe esarutural de toda criatura viva (sem esquecer a pequena partidpaqZo da a550 direta das condiqdes fisicas) pode ser considerado ou como tendo possufdo utilidade especial para determicado ancestral,

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sos membros desta mesma grande ordem, e que depois se modificou para se adap- tar B sua finalidade atual, sem contudo atin@ um grau de aperfeiqoamento corres- pondente, com o veneno adaptado originalmente para provocar ferimentos leves e posteriormente potendalizado, talvez possamos compreender por que a u&agio do far20 s6i provocar a morte do pr6prio inseto: desde que a ferroada tenha utili- dade para toda a comunidade, isto por si j i preenche os requisitos da seleqiio natu- ral, ainda que acarrete a morte de alguns de seus membros. Se por um lado admira- mos a capaddade olfativa vexdadeiranr-ente maravilhosa que possum muitos inse- tos machos, atravis da quai conseguem encontrar as fcmeas, por outro lado nio seria tambim admirivel que fossem dotados dessa capaddade milhares de zang6es, os quais a utilizam para esta exdusiva finalidade, j i que outra niio possuem, tanto que, ao final, sio iouddados por suas indzsmosas irmh estireis? Ainda que nos cause revolta, temos de admirar a aversio selvagem e instintiva da abelha-rainha, que a leva a destruir, logo que nascem, as filhas-rainhas, pois do contriirio estas mais tarde a truddariam. Nio resta d6vida de que isto tem por finalidade o bem comuni- tirio. Amor materno ol; 6dio matexno, embora o dtimo seja felizmente bem mais raros, ambos no fundo sio a mesma coisa, antes os inexoriveis prindpios da sele- gio natural. Se admiramos os diversos dispositivos engenhosos por meio dos quais as flores das orquidiceas e de muitas outras plantas sio fecundadas com a ajuda dos insetos, teremos de considerar como igualmente perfeita a produsio de densas nu- vens de p6len, conforme ocorre com os nossos pinheiros, a fim de que uns poucos griozinhos, transportados aleatoriamente pelos ventos, acabem por alcangar e fe- cundar 0s 6vulos?

Neste capitulo, examinamos algumas das dificuldades e objeg6es que podem ser lwantadas contra minha teoria. Algumas sio be.m dificeis de se responder, entretanto, acredito que, durante nossa d s e , alguma luz pode ter sido langada sobre diversos fatos que, corn base na teria dos atos independentes de criafio, siio inteiramente obscures. Vmos que as espides niio variam de maneira continua e indefinida, e que nio sio ligadas entre si por uma seqiikda qwse intermhivel de gradaq6es interme- m a s ; em pate porque o processo de selegiio natural, a par de extremamente lento, age de cada vez sobre um niunero bem resmto de formas, e em parte porque este pr6prio processo implica quase que automaticamente na conrinua superaqio das for- mas antigas pelas novas e em sua conseqiiente extingiio, quer se trate das formas originais, q u a das gradaqdes intermedifias. Espides muito pr6ximas que hojevivem numa irea contin& podem ter-se formado antes que tal con~uidade existisse, e as condig6es devida entre essas ireas, en60 isoladas, fossem bastante diferentes, sem a gradaqio imperceptivel que atualmente as interliga. Quando duas variedades se for- mam em duas regi6es de urna irea continua, por vezes aparece uma variedade inter- mediiiria, adaptada i s condiq6es de vida existentes na regiio de transiqiio. Tal vadeda- de interrnedkia, p o r h i via de regra pouco numerosa, conforme procuramos de- monstrar. Conseqiienteme?te, as duas variedades extremas, durante seu processo de modificaqiio, teriio em seu maior niimero uma decidida vantagem sobre a variedade intermedia que assim s d geralmente suplantada e exterminada por elas.

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Prancha XXXI. Estigios de Crescimento dafibaula A: Inseto addto B: Inseto desprendendo-se de sua pele de ninfa C e D: Lama e rink

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Vimos ainda neste capitdo que 15 necessirio usar de cautela antes de se negar a possibilidade de que hibitos de vida extremamente diferentes estejam interligados por gradagdes; que um morcego, por exemplo, n50 possa ter sido formado pela seleg5o natural a partir de um ancestral que, a priccipio, apenas fosse capaz de planar, e n5o de voar.

T a m b h vimos que uma espide submetida a novas condigdes de vida pode modificar seus hibitos, diversificando-os e adquirindo a l p s que a distanciem bas- tante das espides congkneres. Assim, levando-se em considerag50 que cada ser organizado tenta sobreviver onde puder, poderemos compreender o surgimento de gansos monteses dotados de pis palmdos, de pica-paus que vivem em descampa- dos, de tordos que sabem mergulhar e de petriis que adquiriam hibitos semelhan- tes aos das alcas.

Ainda que hesitemos antes de acreditar que um 6rgZo tio perfeito como t o olho pudesse ser formado pela selegio natural, temos de considerar que, se conhe- cermos uma longa sine de gradagdes de qualquer 6rgZ0, com cada estigio mais complexo que o precedente, mas cada qua1 rid para as necessidades de seu possui- dor, enGo n5o seri logicamente &possivel que, sob novas condigdes de vida, se possa adquirir qualquer grau de perfei(io concebivel atravis da seleqio natural. Para os casos dos quais n50 conhegamos estigios intermediirios, t a m b h teremos de ser cautelosos antes de afirmar que estes nio existiram, pois a existincia de 6rgZos hom6logos e as transigdes existentes entre eles demonstram ser pelo menos possivel uma sine de maravilhosas metamorfoses fundonais. 0 pulmio, pot exem- plo, parece ter-se desenvolvido a partir de uma bexiga natat6ria. 0 surgimento de transigdes pode ter sido facilitado pela necessidade de espedalizagio de um 6rgZ0 que realizasse simultaneamente diversas hgdes , ou de dois 6rgTios que realizassern simultaneamente a mesma funglio, c o n um deles assumindo progressivamente a responsabiidade total da mesma, enquanto o outro aos poucos iria perdendo sua fung,io de auxiliar.

E enorme nossa ignohcia sobre quase todo este assunto para podermos afir- mar que determinada parte seja Go pouco importante para o bh-estar de uma esptcie que a seleg50 natural nio poderia ser responsabiiada pelo lento a c h u l o de modificag6es na sua conformag50 estrutural. Contudo, podemos acreditar tran- qiiilamente que diversas modificagdes devidas inteiramente b leis de crescimento, e que a prinupio nZo representaram qualquer vantagem para a espide, posterior- mente podem ter-se tornado riteis para os seus descendentes modificados. T a m b h podemos acreditar que uma parte outrora muito importante se tenha conservado nos descendentes (como a cauda de um animal aquitico por seus descendentes atualmente terrestres), ainda que sua importincia se tenha tornado Go insignifican- te que essa parte nio pudesse, conforme hoje se apresenta, ter sido adquirida por meio da selegio natural, uma forga que age exclusivamente atravis da preservag80 das variagdes udliziveis na luta pelt existhda.

A seleg50 natural jamais produziri n*ma espicie alguma variagZo destinada ex- dusivamente em pro1 ou em prejuizo de outra espide. Ressalte-se que ela bem pode produzit partes, 6rgTios ou secregdes utilissimas, quando n5o indispensiveis, a outras espides, ou enGo altamente prejudidais a elas; nesses casos, porim, o cari-

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ter adquiddo seri, ao mesmo tempo, 6til para sec posscidor. Em toda regiiio bem povoada, a seleqiio natural age principalmente atravb da compecqiio dos habitan- tes entre si; deste modo, a capacidade de enfrentar a luta pela existincia e o grau de perfeiqzo de que ser8o dotados os seres dependerZo do padrZo exigido pelas condi- qdes de vida da regiiio. Por conseguinte, os habitantes de uma regiiio restrita seriio via de regra superados pelos das regides maiores, como geralmente se verifica. Isto se deve ao fato de qxe as regides maiores normalmecte possuem maior niunero de individuos e de formas mais diversificadas, o que torna a competiq80 entre eles mais acirrada, elevando o padriio de perfeiqiio necessirio i sobrevivkncia. Assim, a seleqHo natural niio teri de produzit necessariamente a perfeiq8o absoluta, e esta, tanto quanto nos permite julgar nosso limitado conhecimento, niio deveri ser en- conwda em nenhum lugar deste mundo.

A luz da teoria da seleq8o hatural, pode-se compreender clara~ente o significa- do completo do velho axioma de Hist6ria Naturd que reza: "Natura non facitsaltum". Se considerarmos apenas os atuais habitantes do mundo, esteprincipio niio semos- tra estritamente correto; porim, se induirmos em nossa considerag80 todos os se- res vivos existentes desde os tempos mais remotos, ai ele se mostra inteiramente verdadeiro, dentro da mirha teoria.

Admite-se geralmente que todos os seres organizados dyeram sua formaqiio regulada por duas grandes leis: a'Lei da Unidade de Tipo e a Lei das Condiqdes de Existtncia. Por "unidade de tipo" entende-se aquela concordincia fundamental de conformag80 que observamos nos seres organizados pertencentes i mesma classe, a qual independe bteiramente de seus hibitos de vida. Pela minha teoria, a unidade de tipo O explicada pela unidade de descendiccia. J i a express80 "Condiqdes de Existincia", sobre a qua1 tw.tas vezes insistiu o cilebre Cuvier, esti plenamente con- tida no ptincipio da selegiio natural, uma vez que esta age quer adaptando aealmente as partes variiveis dos seres a suas condiqdes de vida or&cas e inorghicas, quer j i as tendo adaptado durante o longo transcurso dos tempos, ajudada em alguns casos pelo principio do uso e desuso, afetada ligeiramente pela agio direta das condiqdes extemas de vida, e sempre subordinada i s diversas leis de crescimento. Portanto, a lei maior 15, efetivamente, a das Cocdiqdes de Exists-cia, j i que ela engloba, atravis da hereditmiedade das adaptaqdes anteriores, a Lei da Unidade de Tipo.

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0 s instintor sdo $on@ar6ueir aos bibitas, eembora d$rentes quanto d origem- Gradufdo dos insfintos- PukJes efomigus- 0 s inrtiafos dom~tiros c sua ongem- Or inrtintos naturais do mo, da aauerhq e dor abehasparaifas - fimigas esmavizudor~ -- AI abelbnr e spu instinto de mnsmirjzvor- Objepies 2 t eo~a da rekfdo noturaldor instintor - Inretos neufros ou estCnir - Reruma

P odedamos ter tratado deste tema nos capitulos precedentes, mas achei que seria mais conveniente examini-lo i parte, especialmente porque deve ter ocorrido a muitos leitores que um instinto 60 maravilhoso como o que leva

as abelhas a construirem seus favos talvez constitua uma objegio suficientemente siria para dertubar toda a minha teoria. Quero frisar que nZo pretendo de mod0 algum tratar da origem das capacidades mentais primhias, da mesma forma que nZo pretendo tratar da origem da vida. Interessam-nos apenas as diversidades dos instintos e das outras qualidades mentais dos animais pertencentes i mesma dasse.

NZo arriscarei uma definigZo de instinto. Seria ficil demonstrar que este termo geralmente abrange diversas aqdes mentais distintas; nZo obstante, todo o mundo compreende o que ele significa, quando se afirma ser o instinto que impele o cuco a migrar e a depositar seus ovos nos ninhos de outras aves. Quando uma agZo, para ser praticada por n6s, exige experihcia, o que nZo acontece quando praticada por animais, especialmente quando estes nZo passam de filhotes inexperientes, e quan- do tal aqZo i praticada por muitos individuos de maneira idsntica, sem que estes desconhegam sua finalidade, costuma-se dizer que aquela agZo i instintiva. Entre- tanto, seria possivel demonstrar nZo ser universal nenhuma dessas caractensticas do instinto. Muitas vezes entra em cena "uma pitada de julgamento ou razZo", confor- me a expressao de Pierre Huber, mesmo nos animais situados nos degraus inferio- res da escala da natureza.

Frideric Cuvier e virios metafisicos antigos chegaram a comparar o instinto com o hibito. Acho que esta comparaqao fornece uma nogZo bastante precisa do estado mentaldo individuo quando executa uma ag20 instintiva, mas nZo da origem do instinto. Como sZo inconscientes diversas agdes que habitualmente praticamos, e tantas vezes em sentido diametralmente oposto ao da nossa vontade conscientel No entanto, tais agdes podem ser modificadas pela vontade, pela razZo. 0 s hibitos tornam-se facilmente associados a outros hibitos, assim como a determinadas oca- sides e estados do corpo. Uma vez adquiridos, podem tornar-se constantes pela vida afora. Poder-se-iam indicar diversos outros pontos de semelhanga entre os instintos e os bibitos. Assim como quando se cantarola uma cangZo conhecida,

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tamb&m nos instintos uma agio se segue a outra numa esp6de de riuno. Se uma pessoa for interrompida quando estiver cantarolando ou redtando algum texto au- tomaticamente, geralmente seri obrigado a recomegar tudo, a fun de recuperar o 60 da meada. 0 mesmo se d i com a lagarta, segundo observou Pierre Huber, quan- do ela esti tecendo seu casulo. Tomando-se uma lagarta que esteja no sexto estigio de sua complexa construgio e colocando-a num casulo j i inidado, mas que foi completado apenas at& o terceiro estigio, ela simplesmente continuari daquele ponto em diante, conduindo o quarto, o quinto e o sexto estigio da obra. Mas se se fizer o contririo, ou seja, tomar-se uma lagarta que tenha completado seu casulo apenas at& o terceiro estigio, colocando-a num casulo j i semi-pronto, que tenha sido com- pletado at6 o sexto estigio, ela, longe de tirar proveito do trabalho j i feito, pareda ficar confusa, reinidando a obra a partic do terceiro estigio do qual fora tirada, e assim tentando completar um servigo j i pronto.

Supondo-se que certas agdes habituais se tornem hereditirias (e penso que se pode demonstrar que isto ocorre eventdnente), entio a semelhanga entre o que originalmente foi um hibito e o que hoje.6 instinto se torna tio grande que nio hi como distinguir um do outro. Se Mozart, ao inv&s de tocar piano aos tres anos, apesar de sua pequena ptdtica, tivesse tocado uma mmisica algum dia sem jamais ter praticado no instrumento, entio poder-se-ia dizer que ele o teria feito instintiva- mente. Mas seria erro grave supor-se que a maior pa te dos instintos teria sido adquirida pel0 hibito durante uma gera@o, e em seguida transmitida por heredita- riedade i s geragdes subseqiientes. Pode-se demonsttar daramente que os instintos mais fantisticos que 60 bem conhecemos, isto 6, os das abelhas e de numerosas formigas, provavelmente nio poderiam ter sido adquiridos desta maneira.

Admite-se geralmente que os instintos sio Go importantes para o bem-estar das espides como a pr6pria estrutura corporal. Sob condigdes de vida modificadas, & pel0 menos possivel que ligeiras modificagdes dos instintos sejam proveitosas para uma espide; assim, se se puder demonstrar que os instintos efetivamente variam, por pouco que seja, entio G o vejo dificuldade em se admitir que a selegHo natural preserve e acumule continuamente as variagdes de instinto, na medida de seu proveito para a espide. Foi deste mod0 que, segundo minha maneira de pensar, se originaram todos os maravilhosos e complexos instintos que hoje existem. Uma vez que as modificagdes da estrutura corporal aparecem e s2o desenvoividas pel0 uso ou hibito, ou regridem ati desaparecerem em decorrencia do desuso, nio resta dlivida de que o mesmo se d i com os instintos. Mas acredito que os efeitos do hibito sejam de importhcia inteiramente secundiria em relag20 aos efeitos da sele- $50 natural quanto ao que se pode chamar de "variagdes addentais dos insdntos": aquelas produzidas pelas mesmas causas desconheddas que acarretam ligeiros des- vios da estrutura corporal.

Nenhum instinto complexo deve poder ser produzido atrav6s da selegio natu- ral, exceto pela acumuiagio lenta e gradual das numerosas variagdes miteis i espide, por minimas que sejam. Portanto, como no caso das estruturas corporais, devemos encontrar na natureza nio as efetivas gradagdes de transig20 atrav6s das quais os instintos complexos foram adquiridos - pois estas s6 poderiam ser encontradas nos ancestrais diretos de cada esptde, - mas podemos encontrar nas linhagens descendentes colaterais alguma evidencia dessas gradagdes; ou pel0 menos deve-

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mos ser capazes de mostrar que tais gradaqbes sejam possiveis, o que por certo somos. Levando-se em conta o fato de que os instintos dos animais sio tZapouco observados em todo o mundo, exceqZo feita h Europa e h Amirica do Norte, e o fato de quenio se conhecem quais teriam sido os instintos existentes entre as espi- des extintas, causa-me sq r e sa observar como se podem descobrir com tamanha freqiiincia tantas gradaqbes relativas aos insiintos mais complexos. 0 principio que reza "Nafura non facitsa(hm'' se aplica de maneira quase idintica tanto aos instintos quanto aos 6rg;ios do corpo. As modificaqbes dos instintos podem por vezes ser facilitadas nas espicies que possuam instintos diferentes em diversos periodos da vida, ou em estaqbes do ano distintas, ou quando colocadas sob circunstincias dife- rentes; nestes casos, alguns desses instintos poderiam ser presemdos pela seleqio natural. Com efeito, pode-se demonstrar que existem na natureza diversos casos de diversidade de instintos.

Do mesmo mod0 que quanto h estrutura fisica, e em conformidade com minha teoria, o instinto pertencente a deterrninada espicie i bom para ela, nio podendo ter sido produzido para o exdusivo bem-estar de outras, pelo menos tanto quanto podemos julgar. Um dos melhores exemplos que conheqo de agio realizada apa- rentemente em proveito de outra espicie i o dos pulgdes que cedem voluntaria- mente sua secreqZo adocicada para as formigas. Que esta cessio i efetimmente voluntiria, pode-se demonstrar com os fatos que apresento a seguir. Afastei todas as formigas que rodeavam um grupo de cerca de uma d&Ga de pulgbes instalados numa poligonicea, impedindo que elas se aproximassem da planta durante virias horas. Depois deste espaqo de tempo, certifiquei-me de que os pulgbes j i estavam com vontade de produzir sua secreqZo. Fiquei observando-os durante alyn tempo com o auxilio de uma lupa, mas nenhum deles segregou o liquido, apesar de eu lhes ter feito afagos e c6cegas com um fio de cabelo, da mesma maneira que as formigas fazem com suas antenas. Depois disto, deixei que uma formiga chegasse at6 eles. Pela maneira impaciente com que ela ficou correndo para Li e para ci, via-se sua sadsfaqio pelo achado tZo precioso. Ela entZo comeqou a roqar com as antenas no abddmen ora de um, ora de outro pulgZo, e cada qual, tiio logo sentia o contato das antenas, imediatamente eryia o abddmen e segregava uma gota limpida do liquido adodcado, que era avidamente sugado pela formiga. Mesmo os pulgdes mais jo- vens procediam deste modo, mostrando que a aqZo era instintiva, e nZo resultado de experiincia. Mas como a secreqio i extremamente viscosa, provavelmente con- vim aos pulgbes livrarem-se dela; dai ser tambim provivel que o instinto nio re- dunde unicamente em proveito para as formigas. Embora eu nZo creia que haja no mundo algum animal que execute uma aqZo visando unicamente o bem de ouzo que nZo pertenqa i sua prbpria espicie, sabe-se que toda espicie tenta drar proveito dos instintos de outras, da mesma forma como se beneficiam das estruturas fisicas alheias mais frigeis. Em certos casos, de mod0 idintico, determinados instintos nZo podem ser considerados como absolutamente perfeitos; contudo, visto nio ser in- dispensivel entrar neste e em outros p6rmenores da mesma categoria, deix5-10s- emos de lado no presente estudo.

A aqZo da seleqio natuml nio poderia prescindir, at& certo ponto, da variaqZo dos instintos, assim como do caciter hereditirio dessas variaqbes, conforme pode-

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A Viagem pelo Beagle, 1831-6.

namos provar atravb de copiosos exemplos; todavia, falta-me espago para tanto. Posso apenas assegurar que os instintos efetivamente variam, dtmdo como exem- plo o instinto migrat6ri0, que varia no que se refere tanto i extensio como i dire- gio, podendo mesmo perder-se inteiramente. 0 mesmo se pode dizer com rdagiio aos ninhos das aves, cuja variagio depende em parte das situagdes enfrentadas, assim como da natureza e da ternperatma do local, e tambtm de causas que ainda nos sio inteiramente desconhecidas. Audubon reladona diversos exemplos noti- veis de diferengas encontradas em ninhos consuuidos pela mesma esptcie no nor- deste e no sudeste dos Estados Unidos. 0 medo de um determinado inimigo por certo constitui uma qualidade instdiva, que ?ode ser constatada at6 mesmo em avezinhas rech-nasddas. Este receio, p o r h , pode aumentar com a expenencia e pela visio de reagio idendca em outros animais. Mas o medo em relagio ao homem 6 adquirido lentamente, conforme o demonstrei alhures, pelos animais que habitam as ilhas despovoadas. Mesmo na Inglaterra h6 exemplos desse fato, como a maior feroddade encontrada entre nossas aves de maior porte, j6 que estas t&m sido mais perseguidas pdo homem que as de porte mtdio ou pequeno. Podemos apegar-nos seguramente a esta causa, uma vez que, nas ilhas despovoadas, nio se denota maior receio em relagio ao homem entre as aves de grande ou de pequeno porte. Veja-se o caso da pega, por exemplo: as da Inglaterra sio desconfiadas, ao passo que as da Noruega sio tZo d6ceis quanto o sio 0s corvos-de-penacho do Egito.

Podemos relacionar uma sirie de fatos comprovando ser exuemamente diversificada a hdole geral dos individuos da mesma espide, mesmo os nascidos e

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criados em estado selvagem. Tambim podedamos citar vZos exemplos de hibitos ex6ticos eventualmente encontrados em determinadas esptdes, os quais, se vanta- josos para elas, p.oderiam originar instintos inteirarnente novos, atravis da selegHo natural. Tenho plena consdhda de que estas afirmagbes de cariter geral, sem o devido respaldo em exemplos pormenorizados, nZo irZo causar no espidto do leitor senHo uma impreisZo tenue e ligeira. NZo obstante, o que posso fazer 6 mais uma vez repetir a afxmativa de que tudo o que estou dizendo t baseado em provas.

A probabilidade de que as variagbes dos instintos sejam heredithias pode ser demonstrada examinando-se alguns casos de animais domisticos. Pode-se tambim verificar a imporhda do papel desempenhado pel0 hibito e pela selegHo das cha- madas variagbes acidentais na modificagZo das qualidades mentais de nossos ani- mais domisticos. Poderiamos ainda dtar numerosos exemplos curiosos e auttnti- cos da hereditariedade de todas as gradaqdes de indoles e preferendas, assim como das mais singulares habidades, assodadas a certas disposiqdes de espidto ou deter- minados periodos de tempo. Mas vamos examinar o caso mais conhecido das diver- sas ragas de cHes. NHo se pode duvidar de que os "pointers" - e eu pr6prio j i presendei um notivel exemplo deste caso -. apontam a caga mesmo quando nZo passam de filhotes, auxiliando os outros cies j i desde a primeira vez que sHo leva- dos i s cagadas. 0 ato de buscar a presa abatida certamente i, pelo menos at6 certo ponto, herdado pelos perdigueiros, do mesmo mod0 que a tendincia de cercar o rebanho de ovelhas, e nZo de investir coctra ele, pelos cHes-pastores. NZo vejo como tais aqbes poderiam diferir essendalmente dos izstintos gednos, umavez que sHo executados pelos animais jovens desprovidos de experiincia, e quase do mesmo mod0 por todos os individuos, cada raca demonstrando prazer ansioso em execuci- las, emboranHo se conhega sua finalidade-pois o filhotepointertem tanta conscitn- cia das razbes que o levam a apontar a caga para seu dono quanto o teria a borboleta dos motivos que a levam a p6r seus ovos numa folha de couve Se porventura observarmos um tipo de lob0 que, embora jovem e sem ter recebido qualquer trei- namento, quando fareja a presa estaca e se posta im6vel como uma estitua, para em seguida rastejar em sua diregHo, lentamente, enquanto que outro tipo deste mesmo animal, ao invts de investir contra um bando decemos, prefere rodei-los, arrebanhi- 10s e conduzi-10s para um local distante, en60 certamente poderemos dassificar essas atitudes coho instintivas. 0 s instintos domejtios, conforme se pode chami-los, seguramente sHo menos estiveis ou invariiveis que os instintos naturais; lembremo- nos, porim, de que foram afetados pot uma seleqHo bem menos rigorosa, e de que estiio sendo transmitidos h i bem menos tempo, e sob condi~bes de vida menos estabizadas.

0 forte grau de hereditariedade desses instintos domisticos, assim como a ma- neira curiosa com que se assodam, podem ser bem demonstrados atravh do cruza- mento de diferentes ragas de cks. Sabe-se que um h i c o cruzamento com o buldogue afeta durante vhias geragbes a coragem e obstinagHo dos galgos, e que urn h i c o cruzamento com o galgo trouxe para uma linhagem de cZes-pastores uma forte tendincia a caqar !ebres. Qumdo assim testados pelos cruzamentos, esses instintos domtsticos lembram os naturais, que rambim se podem misturar de maneira bas- tante curiosa, transmitindo-se aos descendentes, durante longo tempo, tragos dos

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CPo Pastor

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instintos de arnbos os genitores. LeRoy, por exemplo, descreve um cio cujo bisavi, era urn lobo: o h i c o vestigio dessa ascendincia era a particuladdade de que o animal jamais se dirigia em linha reta ao encontro do dono, quando este o chamava.

AS vezes se diz que os instintos domisticos seriam a~des que se tornam heredi- &as unicamente em decorrhcia de urn hibito continuo e compuls6ri0, mas nZo acredito que isto seja verdade. Jamais passou pela cabega de algukm ensinar o pom- bo-cambalhota a dar cambalhotas, e provavelmente ninguim conseguiria ensinar- h e esta habiidade, que eu mesmo constatei executada por pombos jovens que jamais haviam visto outros pombos dando cambalhotas no ar. 0 que podemos acreditar k que algum pombo tenha demonstrado *ma ligeira tendincia a este estra- nho hdbito, e que a selegio continuada dos melhores individuos, durante gerag6es sucessiias, acaboupor formar os cambahotas que hoje existem. Pr6ximo de Glasgow, conformeouvi de Mr. Brent, existem cambalhotas dombacos que nZo podemvoar seguidamente 18 polegadas (46 un.) sem que diem uma viravolta no ar. Pode-se duvidar de que alguem tivesse pensado em ecsinar urn cio a apontar a cap, G o houvesse algum animal revelado alguma tendincia a agir deste. modo, coisa que ocasionalmente acontece, conforme eu mesmo pude testemunhar num tem>rpuo. Uma vez que a tendsncia se manifestou, a selegio met6dica e os efeitos hereditirios do treinamento compuls6ri0, em cada geragZo sucessiva, logo completariam o tra- balho. A l h disto, h i tambkm a partiupagio da selegZo inconsciente, desde que cada pessoa, independente do fato de querer aprimorar a rap, d i preferhcia aos animais que realizem melhor o trabalho de caga, seja apontando a presa, seja bus- cando-a para o cagador. Por outro lado, em certos casos pode-se aaibuir todo o cridito ao hibito. Nenhum animal k mais difid de ser domesticado que o filhote do coelho selvagem, enquanto que poucos sedam mais domesticiveis que o filhote do coelho domkstico; entretanto, nio irel supor que os coelhos uiados pelo homem tenham sido selecionados em funqo de sua domesticabiilidade; prefiro pensar que devamos atribuir toda a modificagio que separa uma tendincia hereditiria extre- mamente arisca de umi extrema domesticidade simplesmente ao hibibito e i conti- nua permansncia em cativeiro duante muitas e muitas gerag6es.

0 s instintos naturais sio perdidos sob estado dombtico. Um exemplo notivel deste fato pode ser observado nas ragas de galinhas que raramente ou nunca 6cam chocas. E meramente a farniliaddade com os nossos animais dombticos que nos impede de ver em que alto grau a domesticagZo modificou suas tendhcias naturais. E quase impossivel duvidar-se de que a afeigio pelo homem se tenha tornado ins- tintiva nos cies. Lobos, raposas, chacais e felinos em geral, quando domesticados, mostram-se grandernente indinados a atacar aves, carneiros e porcos. Esta tendin- cia tem sido consideradaincurivelem cies trazidos rech-nasddos de lugares como a Terra do Fogo e a Austda, cujos nativos G o criam estes animais dentro do nosso estilo de &agio domkstica. Jd quanto aos nossos cies domksticos, por outro lado, como k raro que se tenha de ensini-10s a G o atacarem aves, carneiros e por- cos! Evidentemente, i s vezes um ou outro atacam as criagdes, sendo en60 punidos e, no caso de reincidhcias, sacrificados - k deste mod0 que o hibito, &ado a algum grau de selegZo, provavelmente concorreu para tornar hereditiria a nZo- agressividade de nossos cies. Por outro lado, os pintos acabaram por perder, em

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virtude unicamente do hibito, o medo de gatos e cies que sem dcvida era original- mente insthivo neles, e que ainda o 6 nos faisdes rech-nasddos, mesmo q u d o seus ovos foram chocados por uma galinha. Nio que perderam-no apenas no que se refere a cies e gatos. Se a galinha emite seu cacarejo de alerta, eles logo fogem de perto dela, refugiando-se a d s da primeira moita que encontram, do mesmo mod0 que outras aves dombticas, espedalmente os perus. Fazem-no obviamente com o prop6sito instintivo de permitir que sua mie alce vho, coisa que tambim se pode observar entre as aves terrestres selvagens. Tal instinto, porim, i inteiramente incd entre as aves de uiagio, de vez que suas mies j i quase perderam de todo, em razio do desuso, a capaddde de voar.

Disto tudo podemos conduir que os instintos dombticos foram adqukidos - e os naturais perdidos - em parte pel0 hibito, e em parte por esm o homem seledonando e acumulando durante geragdes sucessivas determinados hibitob e reag6es peculiares, surgidos inidalmente em fungio do quepodemos chamar, dada a nossa ignorhcia sobre o assunto, um "acidente". Em certos casos, bastou apenas o hibito compuls6rio para produzir tais modificagdes mentais hereditirias; em ou- tros, o hibito compuls6rio nada acarretou, sendo tudo o resultado da selegio, alcangada seja met6dica, seja aleat6ria e inconsdentemente; na maior parte dos casos, porim, dever-se-ia ambuir a causa i agio conjunta de ambos os fatores: hibito e selegio.

Talvez pudbsemos compreender meihor como foi que os instintos naturais se modificaram atravis da selegHo, analisando a l p s exemplos. Dos diversos que co- letel e que pretend0 analisar na obra que futuramente publicarei, seledonei trks: o instinto que leva o cuco a p6r seus ovos nos ninhos de outra ave, o instinto escravizador de certas formigas e a habilicIa.de que a abelha possui de construir favos. Estes dois ddmos, aliis, t h sido justamente considerados por quase todos os naturalistas como os mais maravilhosos de todos os instintos conheddos.

Hoje em dia j i se admite comumente que a causa mais imediata e final do instin- to do cuco i o fato que a ftmea n20 bota ovos diariamente, mas sim a cada dois ou trts dias, de maneira que, se ela tivesse de construir seu pr6prio ninho e chocar seus ovos, os primeiros t e b de ser deixados de lado ati que os outros tivessem sido botados, ou enGo haveria no mesmo ninho ovos chocando e filhotes de diferentes idades. Neste caso, o process0 de postura e incubagio seria inconvenientemente Iongo, espedalmente quando a fimea estivesse em vias de mgrar, fazendo com que os primeiros filhotes tivessem de ser.alimentados somente pelo pai. 0 cuco ameri- can0 soube adapm-se a esta circunstincia, pois a ftmea constr6i seu ninho e choca os ovos, que se vio a b ~ d o sucessivamente, havendo ovos e motes chocados simultaneamente no mesmo ninho. J i se afirmou que o cuco americano eventual- mente deposita seus ovos nos ninhos de outras aves; todavia, segundo fui informa- do pela alta autoridade do Dr. Brewer, uata-se de uma inverdade. Nio obstante, ser-me-ia possivel dm numerosos exemplos de aves que ocasionalmente deixam seus ovos nos ninhos de outras. Ora, suponhamos que o ancestral do nosso cuco europeu tivesse os hibitos do cuco americano, e que eventualmente botasse seus ovos no ninho de outra ave. Se o phsaro, quando adulto, ticlsse proveito deste ~ b i t o ocasional, ou se os filhotes se tornassem mais vigorosos, tirando vantagem

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dos maiores cidados recebidos da partede sua mie adotiva, j i que a sua prbpria, estomada pela dific*ddade.de chocar ovos e criar motes de diferentes idade simul- taneamente, nio bepoderia.prestar a necessiria assistknda, isto poderia represen-. tar um ponto positivo a favor do novo hibito. Assim, a analogia leva me a acreditar que o m o t e criado deste mod0 tenderia, porhereditariedade, a adotar o hibito eventual e an6malo da mie, depositando os ovos em nine alheio, a h . d e garanrir melhor criasio para seus pr6prios motes. Atravks da seqiihcia condnua desse processo, creio que o instinto estranho de nosso cuco poderia ter-se desenvolvido, como efetivamente se desenvolveu. Posso acrescentar que, segundo o Dr. Gray e v s o s outros obsemadores, o cuco europeu nio perdeu de todo o instinto materno e o senso de proteqio em eelagio aos seus motes.

Esse hibito ocasional de depositar os ovos em &os alheios, seja de aves da mesma espide, seja de espkcie diferentes, nio i muito raro entre os gahiceos, e isto talvez explique.a origem de um instinto singular encontrado num grupo aliado, o das avestruzes. As emas, por exemplo, costumam reunk-se a botar seus ovos em dois ninhos diferentes; os do segundo ninho sio chocados pelos machos. Este ins- tinto provavelmente pode ser responsive1 pel0 fato de que as f h e a s botam grande niunero de ovos, se bem que, no caso dos cucos, a intervalos de dois ou tres dias. 0 instinto da ema, contudo, ainda G o foi aperfeisoado, pois um niunero surpreen-. dente de ovos sZo deixados disperses pel0 campo. Tanto 6 assim que, durante um &a de busca, consegui recolhernio menos que vinte desses ovos, que jaziam perdi- dos e desperdisados pelo chio.

Muitas abelhas sio parasitas e sempre botam seus ovos nos ninhos de outras de tip0 diferente. Trata-se de urn caso mais notivelque os dos cucos, pois tais insetos t h . tr.0 s6 os instintos, mas ati mesmo sua estru&a modificada em funsic de seus hibitos parasitirios, j i que nio possuem o aparelho coletor de p6lenque lhes seia necessirio, caso tivessem de armazenar alimentos para os rech-nasddos. Ade- mais, algumas espides dos esfecideos (insetos semelhantes i s vespas), costumam parasitar outras espkdes. M. Eabre h i pouco apresentou s6lidos argumentos dando margem i crenqa de que a Tacbtes nnigra, embo'ra cave geralmente seus abrigos, ar- mazenando-os com presas que servSo de aliment0 para suas lams, castuma apos- sar-se dos buracos jB abertos por outro esfecideo e armazenado com alimentos, tornando-se ocasionalmente parasita. Neste caso, como no suposto exemplo do cuco, niio vejo dificuldade para que a seleqio natural transforme em hsibito perma- nente um que ati entiio fosse ocasional, desde que tambim fosse proveitoso para a espide, e de~de .~ue o inseto que teve seu ninho e sua despensa astutamente toma- dos nZo venha por causa disto a se extinguir.

Foi Pierre. Huber, pesquisador extremamente minudoso - mais do que seu pai, o cklebre cientista, quem descobriu peIa primeira vez este instinto 60 notivel, na Formica (Pobetges) mjscens. E s a formiga depende inteiramente de suas escravas, sem cuja ajuda a espide por certo se extinguiria no prazo de um h i co ano. 0 s machos e as fkmeas fecundas nio trabalham. As operirias, ou fkmeas estireis, em-

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bora demonstrem grande energia e coragem para o ato de capturar escravas, contu- do nio realizam outro tip0 de traba!ho. Sio hcapazes de. construir seus pr6prios ninhos oudealimentar suas larvas. Quando o antigo ninho nio mais se presta i sua fungio e elas tCm demigrar, sio as escravas que determinam.a migragio, transpor- tando as rainhas en1 suas mandibulas. Estas rainhas sio tZo incapazes, que quando Huber prendeu trinta delas sem qualquer escrava para semi-las, num local provido do aliment0 que elas mais apredam, e tendo com elas larvas e pupas a estirndi-las ao trabalho, mesmo assim nada heram, pois nio podiam sequer alimentar-se a si prbprias, tendo muitas morrido de inanigio. Huber, entZo, introduziu ali umahica escrava (E fusca), e ela instantaneamente se p8s a trabalhar, alimentando e salvando as sobreviventes, construindo algumas cadas, cuidando das larvas, enhm: pondo tudo em ordem. Pode haver algo mais extraordinirio que estes fatos? Se nio tivis- semos conhecimento de qualquer outra formiga escravizadora, seria inrid especu- lar sobre como se teria a~erfeicoado urninstinto Go fantistico como este.

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Foi tambim l? Huber quemdescobriu que a Formica ranguinea tambim mantinha escravas. Esta espide i encontrada nas partes meridionais da Inglaterra, e seus hibitos foram es&dados porhlr. E SWI& do Museu Brikbico, a &em sou muito grato pelas informagdes a respeito deste e de outros assuntos. Embora as afirmati- vas de. Huber e Mr. Simth meregam de minha parte toda a confianga, procurei examinar este tema B luz de uma disposigio de espirito bem citica, visto estarmos todos escusados de duvidar da verdade de uminstinto tio extraordinirio e odioso como esse de escravizar seu semelhante. Quero, portanto, fornecer algo pormenorizadamente os resultados das observag6es feitas porrnim mesmo. Tendo aberto 14 formigueiros de E sanguineu, descobri ao todo umas poucas escravas den- tro deles. 0 s machos e as fCmeas fecundas da espide escravizada somente sio encontrados em suas pi6prias comunidades, pois nunca os encontrei nos formi- gueiros da E sanguina. As formigas-escravas sio pretas e de tamanho nunca superi- or ao da metade de suas rainhas de cor vermelha, de mod0 que o contraste entre seus aspectos i bem marcante. Quando o formigueiro i remexido ligeiramente, as escxavas ocasionalmentev2m para fora, demonstrando, assim como as rainhas, grande agitagio, e procuram defender sua morada. Quando esta i muito remexida, e as larvas e pupas ficam expostas, escravas e rainhas trabalham energicamente, trans- portando-as para um local mais seyro. VC-se daramente, portanto, que as escravas se sentem ali inteiramente em casa. Durante os meses de junho e julho, observei, durante trCs anos seguidos e dispendendo horas em cada observagio, diversos for- migueiros em Surrey e Sussex, nunca tendo a oportunidade de constatar a entrada ou saida de uma escrava. Como as escravas sio mmui pouco numerosas nessas ipocas do ano, imaginei que seu procedimento fosse diferente nas ocasides em que seu n h e r o era maior. Todavia, informou-me Mr. Smith que ele pr6prio havia ob- semado durante virias horas seguidas alguns formigueiros de Surrey e Hampshire, nos meses demaio, junho e agosto, nunca tendo visto escravas entrqdo ou saindo, embora seu n h e r o seja bem grande durante o mCs de agosto. Em vista disto, ele considera essas escravas como sendo esmtamente dombticas. As rainhas, por ou- tro lado, sio vistas constantemente entrando e saindo, trazendo para o formigueiro materiais diversos, espedalmente toda sorte de alimentos. Durante este ano, porim,

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no m2s de julho, deparei com uma comunidade na qua1 havia um nlimero 1 inusualmente grande de escravas, tendo entiio observado umas poucas que, jwta- mente com suas rainhas, deixaram o formigueiro e seyiram ao lado destas por m a s milhas que levavam a um pinheiro muito alto, situado a vinte e cinco jardas dali (23m), o qual todas escalaram juntas, provavelmente em busca de pulg6es e piolhos-de-planta. De acordo com Huber, que se de,dicou com grande afinco a este tipo de observaqdes, as escravas, na Suiqa, trabalham habitualmente lado a lado com suas rainhas na construqHo do formigueiro, sendo elas que abrem e fecham as entradas pela manhH e i tarde. Afirma Huber taxativamente que a principal tarefa das escravas 6 a de promar pulg6es. Esta diferenqa nos hibitos normais de rainhas e escravas em duas sireas diferentes depende exdusivamente do fato de serem estas ca~turadas na Suica em maior niunero do aue nd In~laterra. " "

Tive um dia a feliz oportunidade de assistir a uma migraqHo de urn formigueiro paraoutro, tendo achado interessantissimo o b s e m as rainhas carregando as escra- ;as em s k s mandiiulas, conforme descrito por Huber. De outra fGta, tive a aten- qHo despertada por cerca de uma vintena de escravizadoras rondando por aquelas mesmas paragens, e evidentemente niio i cata de ahentos. THO logo chegaram, foram bravamente repelidas por uma comunidade independente da esp6cie escrava (E Fusca), havendo vezes em que nHo menos de tris destas se agarravam desespera- damente i s pernas de sua escravizadora. Estas, por seu turno, matavam sem com- paixHo suas pequenas rivais, carregando para seu formiyeiro, situado a 29 jardas dali (27 m), os corpos mortos, que iriam seNir-lhes de alimento, Apesar disto, fo- ram impedidas de agarrar as pupas que lhes poderiam servir como escravas. Fiz enGo o seguinte: desenterrei de outro formigueiro alpmas pupas de E fusca e dei- xei-as a descoberto ali perto do campo de batalha. Elas foram rapidamente agarra- das e levadas embora pelas caqadoras de escravas, que provavelmente imaginaram ter sido vitoriosas naquela adma batalha.

Si taneamente, coloquei no mesmo local algumas pupas da especie. Eflava, formiguinhas amarelas, juntamente com a l p s exemplares adultos, os quais ainda traziam nas patas os fragmentos da terra tirada de seus formigueiros. Esta especie, semndo Mr. Smith. ode i s vezes ser reduzida i escravidHo. se bem aue sisto nHo

'2 , . ocorra senHo raramente. Embora minfiscula, trata-se de uma espicie muito atrevi- da, e eu mesmo tive a oportunidade de assistir a um ataque feroz que desfech- contra outras formieas. De certa feita. tive a smresa de encontrar uma comunida- de independente d& F/ava sob umapedra si&da abaixo do formigueiro de sua escravizadoraE sat~uinea. Tendo entiio interligado acidentalmente ambos os formi- gueiros, pude obs& as formiguinhas atac&do suas vizinhas maiores com sur- preendente coragem. Como naquela ocasiHo interessava-me tirar uma dlivida acer- ca de se a E sanguinea sabia distinguir as pupas da E Fusca que sHo habitualmente escravizadas por ela, das pupas desta variedade pequena e furiosa que ela raramente captura, e logo se evidenciou que a disdnqZo era imediata: no primeiro caso, as escravizadoras se atiravam precipitadamwte contra as pupas, caphamdo-as de ime- diato; no seyndo, most~aram-se a principio aterrorizadas ao d e ~ w a r com as outras pupas, ou mesmo ao simples encontro de terra do formigueiro da variedade agres- siva, retirando-se en60 apressadamente. Todavia, passado urn quarto de hora mais

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menos, pouco depois que as formigumhas amarelas j i se tinham ido embora, tomaram coragem e Earregaram consigo as pupas que ali tinham sido deixadas.

Cata tarde, visitei outra comunidade de E satguinea e observei grande n h e r o destas formigas entrando no formigueiro e car rekdo para seu inkores corpos mortos de E fusca (mostrando corn isto que nZo se tratava de uma migraqZo) e iniuneras pupas. Investiguei de onde traziam aqueles despojos: a cinqiienta jardas dali, de dentro de espessa moita de urzes, vi saindo a dtima E sanguinea, trazendo consigo uma pupa, mas nio fui capaz de localizar o formigueiro naquele matagal. Vi, porkm, que deveria estar ali perto, pois duas ou trks E fnsca estavam correndo por ali na maior agitaqZo, enquanto que uma jazia im6ve1, encarapitada no alto de urn ramo de m e que impedia a visZo de seu formigueiro arrasado, enquanto ainda conservava uma pupa presa em suas mandiiulas.

Embora nZo fosse predso que os confirmasse, eis os fatos com respeito ao maravilhoso instinto de escravidZo. Ressalte-se que existe urn contraste entre os hibitos instintivos da E sanguinea e 0s da E rufescens. Esta dtima nHo constr6i seu pr6prio formigueiro, nHo determina suas pr6prias migragdes, nHo recoke aliment0 para si ou para seus BLhos, nem sequer sabe alimentar-se ela pr6pria, dependendo inteiramente de suas numerosas escravas. ji a Formica sanguinea, por seu wno, pos- sui niunero bern menor de escravas, reduzindo-o quase a zero por ocasiZo do inicio do verZo. As rainhas determinam o local e a ipoca da co~struqHo de um novo formigueiro; ademais, quando migram, sZo elas que transpormn na boca suas pr6- pdas escravas. Tanto na Sdga como na Inglaterra, as escravas parecem deter a res-

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. . Auavb do "processo de selego e eeinamen@ cuidadoso, os cavalos de corrida ingleses supera-

ram em ramanho e veioddade seus ancestrais &bes", anotou Damin. Veja pg 61.

ponsabiidade exclusiva pela criaqzo das larvas, e sZo as rainhas que, sozinhas, em- preendem sortidas corn a hnalidade de aprisionar escravas. Na Suiqa, escravas e rainhas trabalham lado a lado na produqzo e uansporte de materiais para o formi- gueiro; ambas (se bem que prindpalmente as escravas) procuram e, por assim dizer, "ordenham" os pulg6es; portanto, todas recolhem o aliment0 a ser usado pela co- munidade. KaInglaterra, normalmente, apenas as rainhas deixam os formiyeiros a fim de recolher material de construqHo e alirnentos para.si prbprias, para as escravas e para as larvas; portanto,.as rakras inglesas, em relag50 i s su'qas, recebem de suas escravas menor prestaq50 de serviqos.

NZo pretend0 fazer conjecturas a respeito dos passos ocorridos no processo de formag20 do instinto d a E sanguinea. Contudo, uma vez que as formigas de espkdes que n5o escravizam outras costumam levar para seus formigueiros as pupas de ouuas espkdes encontradas em seu ca.minho, k possivel que estas presas destinadas originalmente i sua alimentaqzo se tenham desenvolvido por acaso antes de serem devoradas e, seguindo algum instinto particular, acabassem realizando os trabalhos que pudessem fazer. Se sua presenqa se mostrasse fit3 para seus aprisionadores,

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sendo mais vantajoso capturar operhrias, ao invb de procrii-las, o hibim de escra- vizar as formigas desenvolvidas de pupas capturadas antes apenas para sua alimen- taqZo poderia com o tempo tornar-se permanente, atravks da seleqiio natural. Uma vez adquirido o instinto, mesmo q.Je em grau menos desenvolvido, como vimos ser o caso da E sunguinea britinica, menos dependente de suas escravas que sua similiar suiqa, nZo vejo dificuldade para que a seleqiio natural o aperfeiqoe e modifique - supondo-se sempre que cada uma dessas modificaq6es seja 6d para a espicie, - at6 que um dos descendentes j i se mostre Go abjetamente dependente de suas escravas como o sZo os individuos da espicie Fonnica nlfscens.

A s abelhas e sen instinto de constmir fauos

NZo pretend0 entrar em detalhes minuciosos acerca deste tema, mas Go-so- mente apresentar um resumo das condusdes a que cheyei. Somente uma pessoa desprovida de sensibilidade seria capaz de examinar a delicada e s t r u k d e uma colmeia, Go belamente adaptada is suas finalidades, sem entusiistica admiraqZo. Dizem-nos os matemiticos que as abelhas resolveram de maneira pritica um pro- blema dificilimo, construindo suas cdulas nas dimensdes adequadas, que permitam conter a maior quantidade possivel de mel, com o minim0 dispindio da preciosa cera que produzem. J i se observou que o artifice mais hibil, dotado de instrumen- tos apropriados e seguindo as medidas corretas, teda grande dificuldade em cons- truir favos de cera de formato e dimensdes corretas, fato realizado com toda a perfeiqiio por um enxame de abelhas trabalhando numa colmeia escura. Imagine quaisquer instintos que queira, e mesmo assim pareceri inconcebivel como poderi- am esses insetos traqar todos os hgulos e planos necessirios, ou tZo-somente per- ceber se os que foram feitos estariam ou niio absolutamente corretos. Mas a dificul- dade nZo 6 Go grande quanto parece i primeira vista. Pode-se demonstrar, segundo meu ponto de vista, que todo esse trabalho Go maravilhoso resulte efetivamente de uns poucos instintos bastante simples.

Fui levado a investigar este assunto por mr. Waterhouse, que mostrou estar a forma do favo intimamente relacionada com a presenqa de cilulas contiguas. A id2a que apresento a s e p k talvez possa ter considerada como mera modificaqZo de sua teoria. Examinando-se o principio da gradaqzo, veremos se a natureza niio nos revela seu mitodo de trabalho. Numa das extremidades de uma seqiikncia pou- co extensa teremos as grandes abelhas sociais (mamangabas), que utilizam seus casulos abandonados para yardar mel, preenchendo-os eventualmente com pe- quenos tubos de cera, ou en60 construindo alguns favos de cera isolados, de for- mato irregular e arredondado. Na outra extremidade teremos os favos hem traba- lhados da nossa abelha-europGa, constddos em dois planos. Cada favo, como se sabe, constitui um prisma hexagonal, com as bordas basais de seus seis lados chanfradas, de mod0 a se juntarem formando uma pirhide de tris rombos. Estes rombos se disp6em em bgulos sempre iguais, de mod0 que os tris formadores da base piramidal de uma 15ca cdula de um dos lados do favo entram na composiqiio das bases das uis cilulas adjacentes situadas do lado oposto. Situadas na seqiibcia, entre a extrema perfeiqzo das cilulas da abelha-domistica e a simplicidade das fei-

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tas pelas mamangabas, temos as c&las da espicie mexicana Melipona domistica, cui- dadosamente descritas e representadas por Pierre Huber. No que se refere ?I con- formagio, a MeJ$ona i intermediiria entre a/ abe!ha comum e a mamangaba, aproxi- mando-se mais desta dtima. Essa espicie mexicana constr6i um favo de cera quase regular, compost0 de cklulas dlindricas, que servem para abrigar seus filhos, e a l p - mas grandes caulas de cera, desdnadas a guardar mel. Estas sZo quase esfiricas e do mesmo tamanho,sompondo um conjunto bastante irregular. 0 importante para se observar, porim, 6 que estas cil4as sio construidas 60 pr6ximas m a s das outras que se interpenetrariam, se se completassem suas esferas, o que nunca ocorre por- que as abelhas constroem paredes de cera perfeitamente planas entre duas caulas vizinhas, que assim ficam separadas entre si. Assim, cada cilula consiste de uma parte exterior esfirica e de duas, tr6s ou mais superflcies perfeitamente planas, de acordo com o n h e r o de cilulas vizinhas. Quando uma cauls esd rodeada por tris outras, o que i bastante comum, uma vez que as esferas d o mais ou menos da mesma dimensio, as asis superflcies planas se juntam, formando uma p-de que, segundo observou Huber, seria manifestamente uma imitagio grosseira da base pira- midal de trh lados dacdula daabelha comum. Nas cdulas data, como nas daMe@ona, as tris superlicies planas funcionam como paredes comuns i s tris caulas vizinhas. E 6bvio que a Me@ona economiza cera agindo deste modo, j i que tais paredes comuns G o sio duplas, tendo a mesma espessura das partes externas esfiricas.

Refletindo sobre este assunto, ocorreu-me que se a MeJ$ona construisse suas esferas a determinada distincia.dnas das outras, fazendo-as do mesmo tamanho e dispondo-as simemcamente em duas camadas, a estrutura resultante provavelmen- te seria tZo perfeita como o favo da nossa abelha-europiia. Deste modo, escrevi ao Professor Miller, de Cambridge,,tendo este famoso ge6metra lido todo o raciodnio que abaixo transcrevo, e que foi inteiramente baseado em seus ensinamentos, dan- do-o ao hnal como rigorosamente correto:

Se se descrevesse um certo n h e r o de esferas iguais cujos centros estivessem colocados em dois planos paralelos, estando cada centro afastado do outro uma distincia de urn raio multiplicado pela raiz quadrada de 2 ou seja, i distincia de R 1,41421 (ou menor), isto tanto entre os centros das seis esferas adjacentes, como entre os centros das esferas adjacentes da outra camada paralela, entZo, se se forma- rem planos de intersegZo entre as diversas esferas de ambas as camadas, disto resul- tari uma camada dupla de prismas hexagonais reunidos por bases pirarnidais, for- madas por trQ romboq e os rombos dos lados dos prismas hexagonais terio seus h@os identicamente iguais aos que se verificaram existit nas caulas dos favos de mel construidos pelas abelhas comuns.

Portanto, podemos concluir sem problema que se pudessemos modificar ligei- ramente os instintos j i adquiridos pela MeL$ona, os quais, em si, nio sio assim tZo excepcionais, esta abelha teria condiqio de construir uma estrutura tZo maravilho- samente perfeita quanto a da sua conginere europ&. Primeiramente, teriamos de fazer com que a Meh$ona construisse cihlas perfeitamente esfiricas e de mesmas dimens6es, o que nZo seria muito surpreendente, tendo-se em vista que ela j i chega perto de fazB.10, e que diversos outros insetos sZo capazes de perfurar na madeira orifkios perfeitamente dlindncos, aparentemente usando o mitodo simples de ir

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girando em torno de um ponto b o . Depois, tedamos de conseguir que a Me4ona dispusesse suas cilulas em planos paralelos, atitude que ela j i toma em relag50 das cdulas cilindricas. Ao mesmo tempo, e ai esti a maior dificuldade, ela teria de poder calcular com exatidZo a disthda que as diversas operirias iriam manter entre si durante o trabalho de construgZo das esferas. H i que se considerar, porb., que ela de certo mod0 j i possui esta habilidade, uma vez que essas esferas sempre se inter- ceptam em algum ponto, sendo enGo separadas por paredes perfeitamente planas. POL h, t e h o s de fazer corn que os prismas hexagonais formados pela interse- $50 das esferas adjacentes existentes na mesma camada pudessem ser aprofundados de maneira tai que fosse possivel armazenar neles todo o me1 produzido pelas abe- &as, o que nZo apresentaria grande dificuldade, j6 que as pr6prias mamangabas, de instintos Go menos desenvolvidos, sio capazes de anexar cilindros de cera nas bo- cas drculares de seus antigos casulos. Tais modificaqdes de instintos, que em si nZo poderiam ser consideradas mais fantisticas que o que leva as aves a construir seus pr6prios ninhos, poderiam ser adquiridas atravis da selegZo natural, pois foi assim, segundo meu mod0 de pensar, que a abelha-europiia chegou i sua inimitivel capa- udade arquitetdnica.

Mas esta teoria pode ser comprovada pela experi2nda. Seguindo o exemplo de Mr. Tegeaneier, separei dois favos e coloquei entre eles uma longa e espessa parede divis6da de cera: as abelhas instantaneamente comepram a escavq nela diminutos orificios drculares e, i medida que os aprofundavam, tornavam-nos cada vez mais largos, at& que foram transformados em badas rasas, aparentemente constituindo partes de uma esfera mais ou menos do dihetro de uma c&lula. Achei interessan- tissimo observar que onde quer que diversas abelhas comesassem a escavar essas badas pr6ximas umas das outras, faziam-no a distindas tais que, quando adquiri- ram a largura dtada, ou seja, a mesma de uma cdula normal, e a profundidade de cerca de um sexto do dihetro da esfera da qua1 formavam uma parte, as bordas das badas se interpenetravam. TZo logo ocorria este fato, cessavam as abelhas de escavar, comeqando a erigir paredes de cera nas linhas de intersegZo, de mod0 que cada prisma hexagonal se erguia sobre o eixo dobrado de uma bada rasa, e nZo sobre os eixos retos de uma pirhide trilateral, como no caso das cilulas normais. Resolvi, entiio colocar na colm6ia nio um pedaso quadrado e espesso de cera, mas uma 1-a &a e agusada, colorida corn vermelhZo. As abelhas, instantaneamente, comegaram a escavar pequenas bacias pr6ximas umas das outras, do mesmo rnodo que haviam procedido anteriormente, mas a 1-a de cera era Go delgada que o fundo da bada, se escavados i mesma profundidade que na experienda anterior, iriam confundk-se uns com os outros pelos lados opostos. Todavia, as abelhas nio deixaram que isto acontecesse, cessando as escavagties na hora certa, de mod0 que as bauas, logo que estavam um pouco aprofundadas, passavam a ter fundos planos, constituidos de camadas delgadas de cera colorida, e situando-se, tanto quanto se podia considerar a olho nu, exatamente ao longo dos planos imaginirios de interse- qio entre as badas situadas dos lados opostos da placa de cera. Em certas partes, apenas pouca coisa; em outras, grandes porgdes de uma placa rombiforme fora deixada entre as badas opostas; mas o trabalho, dada a situago artificial criada, G o fora realizado corn a perfeigZo esperada. As abelhas devem ter trabalhado quase i

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mesma veloddade do lado oposto da Emha de cera colorida com vermelhio, pois escavaram continuamente as badas, aprofundando-as dos dois lados, sendo assim capazes de deixar separaqdes planas entre as badas, desde que interrompiam o tra- balho ao longo dos planos intermediirios de interseqiio.

Considerando-se a flexibilidade daquela camada delgada de cera, nio vejo qtae dificuldade poderia haverpara que as abelhas percebesserr. que j i haviam escavado at6 a profundidade certa, mesmo trabalhando dos dois lados de uma l e a . Alcacqada a espessura desejada, elas cessariam a escavagiio. Na construqio dos favos comuns, pareceu-me qtte as abelhas nem sernpre conseguem trabalhar i mesma veloddade de ambos os lados, pois j i pude observar rombos semi-acabados na base de uma ctula recem-iniciada, que j i se mostrava ligekamente c8ncava de urn lado, onde suponho que o trabaho tenha sido realizado com maior rapidez, e convexa do outro, onde certamente as abelhas tinham sido mais lentas. A fim de tirar as dhvidas, tornei a colocar os favos na colmeia e deivei que as abelhas prossegissem sea trabalho durante algum tempo. Em seguida, examinei a ctlula e verifiquei que a parede intermediiria fora completada, estando entiio perfeiiamente plana. Seria absolutamente impossivel, dada a extrema delgadez da parede, que elas tivessem conseguido dar-lhe aquele formato escavando o lado co~vexo. Suspeito que, em tais casos, as abelhas se coloquem nas caulas opostas e, pressionando a 1-a de cera, que esti quente e dhctil, faqam-na chegar i posiqio correta, o que experimen- tei fazer e vi que t ficil, e s6 en60 alisem a Emina at6 aplani-la.

A experienda da Emha de cera colorida com vermelhio mostra-nos daramen- te que seas abelhas tivessem construido por si prbprias uma parede delgada de cera, poderiam dar i s suas c&ulas o formato adequado, colocando-se a.dis&das iguais

das outras, escavando i mesma veloddade e empenhando-se em abrir orifid- os esftricos iguais, mas nunca permitindo que as esferas se juntassem e se iltqenetrassem. Todavia, conforme se pode verificar observando-se a borda de um favo em constnlqiio, elas prheiramente constroem uma parede circular gros- seua em redor do favo, escavmdo-o dos dois lados e sempre trab&ando em drcu- 10, i medida queviio aprofundando cada ctlula. Nio fazem toda a base pirarnidal de uma ctlula ao mesmo tempo, mas somente a placa rombiforme que fica na borda em conseuqiio, ou, eventualmente, as duas Emhas, e nunca completam as bordas superiores das placas, at6 que estejam iniciadas as paredes hexagonais. Algumas destas aficmativas divergem das condusdes a que &egou Huber, o pai, mas estou co~venddo de sua exatidZo. Se me sobrasse espaqo, eu poderia demonsear que elas nio entram em choqxe com mirha teoria.

A afirmativa de Huber de que a primeira c8ula construida t escavada numa 1;imina de cera de lados paralelos, pelo que pude observar, nio t estritamente corre- ta. 0 inido sempre se di a partir de uma pequena coifa de cera, mas prefiro nio entrac etr. pormenores a este respeito. Vimos o papel importante que representa a escavaqio s a construqio das cklulas, mas seda um grande erro supor-se que as abelhas G o saibam erguer um muro tosco de cera na posiqzo adequada, isto t, ao longo do plano de hterseqio entre duas esferas adjacentes. Tive diversas ocasides de constatar esse fato. Mesmo na borda circular que rodeia o favo em construqio podem-se por vezes observar dobras que, pela sua posiqiio, correspondem aos pla-

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nos das limbas basais rombiformes das cdulas futuras. Fatretanto, a parede tosca sempre teri de ser completada, atrav6s do trabalho de escavagio que se executa em ambos os seus lados. E curioso o sistema de construgio empregado pelas abelhas, que sempre constroem a primeira parede numa espessura entre dez a vinte vezes maior que a da l i m b delgada da cClula, quando esta ficapronta. Pode-se compre- ender seu mod0 de trabalhat comparando-o ao de um grupo de pedreiros que primeiramente ergam um paredZo de cimento, e que depois passem a desbasti-lo de ambos os lados, junto i base, at6 deixarno meio uma parede muito lisa e delgada, enquanto que na parte de cima do paredio se vai amontoando o cimento retirado de baixo e a massa rech-preparada. Assim, aquela parede delgada vai-se tornando mais alta, e sempre encimada por um gigantesco chap&. E como as cdulas, tanto as rec6m-iniciadas como as j6 construidas, possuem essa cornija de cera resistente, as abelhas podem caminhar em grupos sobre o favo sem causar danos i s delicadas paredes hexagonaiq cuja espessura i de apenas 1 /40 de polegada (0,OG mm), en- quanto que as l&nha.s debase piramidal.sio mais ou menos duas vezes mais grossas. A primeira vista, i dim de se compreender como poderiam tantas abelhas,

trabalhando simultaneamente, construir cdulas Go perfeitas Segundo akma Huber, cada abelha, ap6s trabalhar algum tempo numa cilula, passa para outra, de mod0 que uma vintena de individuos estZo sempre trabalhando numa delas. Consegui tirar a prom deste fato recobdndo as bordas das paredes hexagonais de uma cilula, ou a borda da cercadura circular de urn favo em construgo, com uma camada bem delgada de cera colorida com vermelhio, descoblindo invadavelmente que a subs- h c i a corante era difundida por todo o favo, 60 delicadamente quanto poderia ser feito por um artista com seu pincel, encontrando-se itomos de cera vermelha em todas as bordas das cdulas adjacentes iquela irea. A tarefa de construgio parece constituir m a esp6cie de trabalho concomitante, r e h a d o por diversas abelhas, todas mantendo-seinstintivamente i mesma dishcia umas das outras, procurando escavar esferas iguais, enquanto erguem ou deixam sem escavar os planos de inter- segio entre as esferas. Foi realmente curioso observar, nos casos de dificuldade, como quando duas partes do favo se encontravam formando um hgulo, o n h e r o de vezes que as abelhas derrubam a cdula jiiniciada, recomegando-a de diferentes maneiras, voltando is vezes a.retomar um formato que fora inicialmente rejeitado.

Quando as abelhas dispdem de um lugar sobre o qua1 possam manter-se nas posigdes adequadas para seu trabalho, como por exemplo numa lasca de madeira simada justamente acima do favo em construgo, de mod0 a constituir uma de suas faces, neste caso podem dispor as fundagdes das paredes de um novo hexigono em local mais do que adequado, projetando-se a l h das outras cdulas j i construidas. Assim, bastaria que se mantivessem a dishcias relativas corretas para que, inter- ceptando as esferas imagidrias, pudessem erigir uma parede intermedikia entre duas delas. Porim, tanto quanto tive a oportunidade de verificar, elas nunca termi- nam de escavar os hgulos de uma cdula ati que boa parte desta e das adjacentes estejam construidas. Esta capacidade de construir uma parede tosca no lugar certo entre duas cdulas rech-iniciadas i importante, porquanto se liga a um fato que, em pdnupio, parece subverter toda a teoria h i pouco exposta, ou seja, a de que as cdulas da borda extrema dos hvos das vespas sejam is vezes rigorosamente hexa-

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gonais. Sinto nZo dispor de espaqo para entrar em consideraq6es a este respeito. Com efeito, nZo me parece difid que urn h i co inseto, como a vespa-rainha, possa conssruir cdulas hexagonais, desde que trabalhe alternadamente por fora e por dentro de duas ou trks c&lulas iniciadas simultaneamente, postando-se sempre i dis&ua relativa certa das partes da c61& rech-iniuada, escavando esferas ou cilindros e erguendo paredes planas intermedisidas. E mesmo concebivelque um inseto, fixan- do-se no ponto de inido de construqZo da cdula e movendo-se alternadamente, primeiro para um ponto, depois para cinco outros, todos situados a distincias certas em relaqZo ao ponto central e entre si, atinja os planos de interseqzo, e, deste mod0 construa um hexigono isolado; mas nio estou certo de que j i se tenha obsemado tal fato, nem de que resulte algum benefido da construqZo de um linico hexigono, pois isto iria exigir maior quantidade de materiais qxe a construsZo de um cilindro.

Como a seleqio natural aea apenas pela acumulaqZo de ligeiras modificaqdes na estrutura ou no instinto dos anhais, desde que cada qua1 seja proveitosa para o individuo em relaqiio i s suas condiqdes devida, pode-se questionar com razz0 como poderia ter sido aproveitadapelos ancestrais da abelha comum uma sucessZo gradativa e longa de hstintos arquitetAnicos, teedendo todos i atual perfeiqZo que apresen- tam seus planos de construqiio. Penso que a resposta G o 6 difidl: sabe-se que as abelhas eventualmente Gm difiealdade para conseguir nectar suficiente para suas necessidades. Pois bem: segundo me informou Mr. Tegetmeier, j i se constatou ex- perimentalmente que, para a secreqZo de cada libra de. cera, sZo consumidos entre dote a quinze libras de aq6car; dai a quantidade prodigiosa de nictar liquid0 que deve ser colhido e consumido pelas abelhas de uma colmeia para a produqZo da cera necessiria i consuuqZo de favos. Ademais, muitas abelhas tsm que permane- cer inativas por muitos &as, dwante o process0 de secreqZo. Grande provisZo de me1 6 indispensivel ao sustento da populaqZo cia colmeia durante o inverno, e esta populaqZo nZo pode ser pouco numerosa, pois de sua quantidade depende a maior ou menor seguranqa da prApria colmeia. Dai decorre que a economia de cera, re- dundando em grande economia de mel, constitui importantissirno elemento de su- cesso para qualquer familia de abelhas. Katuralmente, o sucesso de uma esp6cie qualquer de abelhas pode depender do n b e r o de seus parasitas e de seus inimigos, ou de causas inteiramente distintas, todas independentes da quantidade de mel que pudessem coletar. a s suponhamos que essa dtima circunst2ncia determinasse, como provavehente ocorre muitas vezes, a quantidade de mamangabas quepode- liam viver numa detertlhda regiZo, e que a comunidade fosse capaz de resistir ao inverno, donde a reserva de melque seria necesshio guardar. Neste caso, nZo have- ria dfivida quanto ivantagem que representaria para a espide uma ligeira modifica- qZo em seus instintos aeais, levando-a a construir cdlllas de cera Go pr6ximas que se interpenetrassem m a s nas outras, pois a exis&ncia de uma parede comum a duas cilulas sempre representaria alguma economia de cera. Dai a vantagem cres- cente em se construir c6hla.s cada vez mais regulares e mais pr6ximas, agregando-as ~ u m todo, como as cdulas da Mekona, pois neste caso a economia de cera s& ainda maior. Por motivos idknlicos, para a pr6pria MeI@ona seria vantajoso construir cdulas mais juntas e mais regulares do que as que esta esp6de atualmente constrbi, eliminan- do as superflues esfbicas e substiniindo-aspor superfiaes planas, de mod0 que seus

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favos se tornassem Go perfeitos quanto os da abelha europiia. A seleqio namal G o podeda levar esta dtima espide a ultrapassar esse estigio de perfeigo aquitet6,nica, ideal no que se refere i economia de cera, tanto quanto podemos julgar.

Portanto, segundo meu mod0 de pensar, o insdnto das abelhas, que i o mais maravilhoso de todos os instintos que conhecemos, pode ser explicado como con- seq:i?mcia da atuaqio da sele@o natural, tirando proveito de modificagdes ligeiras, numerosas e sncessivas de instintos mais simples, e levando esses insetos a escavar esferas iguais, a uma determinada disthcia m a s das outras, situadas em duas ca- madas e separadas por paredes lisas correspondentes aos planos de interseqio des- tas esferas. As abelhas, obviamente, tanto sabem o porqu; de escavarem suas esfe- ras a degrminada disthcia uma das outras quanto ttm idGa de quais seriam os diver- sos ingdos dos prismas hexagonais e dos romboedros da base. A forp motivadora do processo de selego naturalteda sido a economia de c m 0 enxame que dispendesse menos mel na secrego de cera ter-se-ia sddo melhor daquela empresa; ao transmidr por herediradedade este instinto aos seus descendentes, estes, por sua vez, teriam maiores probabilidades de enfrentar com sucesso a luta pela exisGncia.

Nio resta dhvida de que vkios instintos de dificil explicaqio poderiam opor-se i teoria da seleqio natural: h i os casos daqueles cuja origem nio temos condigio de descobrir; os daqueles cujas gradaqdes intermedikias G o sio co~heddas; os da- queles cuja inporrhda i 60 insignificante, pelo menos aparentemente, que i difi- cil acreditar-se terem sido desenvolvidos pela seleqio natural; os daqueles que, em- bora pertencectes a animais situados em degraus extremamente afastados na escala da natureza, sio absolutamente idinticos, o que levaria i suposiqio impossivii da existhda de algum aqcestral comum.ou B crenqa mais razoivel de que eles tenham sido adquiridos atravis de atos independentes da seleqzo natural. Nio examinare- mas aqui todos esses casos, limitando-me apenas a uma determinada dificuldade que, a princ'pio, me pareceu insuperivel, seGo mesmo fatal i minha teoria Estou- me referindo aos indidduos neutros - f h e a s estireis -- das comunidades de certos insetos. Estes neutros zis vezes diferem enormemente quanto aos instintos e i compleiqio fisica tanto dos machos quanto das fimeas fecundas; entretanto, pelo pr6prio fato de serem estireis, G o t h condigio de propagar seu tipo.

Embora a t e assunto merecesse ser discutido amplarnente, vamos examiw aqui apenas um h i c o caso: o das formigas estireis, que sio as operirias do formigueiro. Explicar como estas operiirias se tornaram estkeis i &Ed, p o r b nio mais q.ae explicar outras notiveis mo&ficaqdes estruturais. Com efeito, pode-se demonstrar que algms insetos e outros animais articulados que vivem em estado n a c d se tornam eventualmente estireis. Se tais animais vivessem em comunidades, e se para esta fosse proveitoso que um certo niunero de seus indidduos apresentassem as caracrerisdcas de operosidade e estddade, G o vejo grande dificuldade em que a selegio natural atuasse no sentido de que anualmente nascessem iantos individuos quantos necesskios Bquela comunidade. Todavia, sou obrigadb a passar por h a desta primeira dificuldade. A explicagio realmente dificil refere-se ao fato de que as operiirias difererr. estrucralmente tanto dos machos como das fimeas fecundas da espide, di~t~guindo-se ahda quanto ao formato do t6rax e ao fato de serem des- tituidas de asas, de a!gumas nio possuirem olhos, e de seus instintos nio serem os

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mesmos. No que se refere aos instintos, aincdvd diferenga entre operzas e fime- as fectundas pode ser melhor exemplificada com as abelhas. Se a formiga operiria ou qualquer outro inseto neutro tivesse sido anteriormente normal, eu niio hesitaria em presumir que todas as suas caracteristicas tivessem sido adquiridas paulatina- mmte atravis da selegiio natural. Em outras palavras: se um individuo tivesse nasd- do corn alema Egeira modificagiio Ltil em sua conformagiio, esta, por transrissiio hereditiria e por aperf4goamento gradual, iria sendo selecionada naturalmente. No caso das oper&ias, porim, o descendente difere enormemente de seus pais, e no entanto i absolutamente estiril, de mod0 que jamais poderia trans& a algum descendente suas pr6prias modificagdes estruturais ou de seus instintos. Neste caso, como se poderia conciliar tal fato com a teoria da selegiio natural?

Em primeiro lugar, temos de nos lembrar dos numerosos exemplos existentes, tanto entre nossas produgdes domisticas como entre espides selvagens, de dife- rengas esuuturais de todo tipo, correlacionadas a determinadas idades ou a um dos dois sexos. Alim disto, h i tambim as diferengas ligadas tanto a um dos sexos como ao pedodo durante o qual o sistema reprodutor esti em atividade, como no caso da plumagem nupdal de tantas aves, e no das maxilas recumas dos sahdes machos. Temos ainda diferengas ligeiras com respeito aos ~hifres de diversas ragas de gado, sendo os do touro diferentes dos do boi, estes geralmente mais longos. Tor isto, nZo vejo dificuldade real em co~siderar que determinados caracteres estejam correladonados is condig6es de esterilidade de certos membros das comunidades de insetos. A dificuldade reside efetivamente em compreender como tais modificagdes e s w ~ ~ s correiatas poderiam acumular-se lentamente atravis da selegiio natural.

Embora aparentemente insuperivel, esta dificuldade se reduz, ou mesmo desa- parece, segundo meu. mod0 de pensar, quando nos lembramos de que a selegiio p o d e a m em termos +anto individuais quanto familiares, desde.que se atinja~o iim almejado. Assim, um vegetal saboroso pode ser cozinhado, destruindo-se o indivi- duo, mas o horticultor replanta as sementes daquela linhagem e espera confiante- mente que brotem individuos daquela mesma variedade. 0 s criadores de gad0 qJe- rem que seus animais produzam carne e gordura em grande quantidade; conseguin- do-o, os animais siio abatidos, mas os criadores confiam em que os demais dames- ma f d a procriem e produzam individuos semelhantes aos que foram abatidos. Tenho tal confianga na forga da selegiio que niio duvido da possibilidade de se formar pouco a pouco uma raga de gado cujos bois sempre ostentem chifres extra- ordinariamente longos, pois para tanto bastaria seledonar os reprodutores machos e fimeas responsiveis por esta caracteristica nos bois provenientes deles, indepen- dente do fato de que tais bois IGO se pudessem reprodmix para perpetuar direta- mente seu tipo. Foi isto o que penso ter ocorddo com relagiio aos insetos sodais: uma ligeira modificagiio na estruma ou no instinto, correladonada com a condigiio estid de determinados membros da comunidade, que se te&a mostrado proveito- sa para a comunidade, e conseqiientemente os machos e f h e a s fecundas dames- ma prosperaram e transmitiram B s w descendencia firtil a tendencia a produzir membros estireis dotados daq~ela modificagiio. Acredito ainda que talprocesso se foi repetindo ati que a prodigiosa soma de diferengas entre as ftmeas fecundas e estireis da espide fosse a que hoje se verifica entre tantos insetos sodais.

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Todavia, ainda nZo chegarnos i maior de toda's as objeg6es: o fato de que os neutros de virias espides de formigas d i b G o s6 dos machos e das f h e a s fecundas, mas tambim entre si, is vezes em grau inacredidvel, sendo assim dividi- dos em duas ou mais castas. Estas castas, a l h do mais, geralmente nZo possuem gradaq6es entre si, sendo perfeitamente bem dehidas, distinguindo-se tanto uma das outras quanto duas espicies de um mesmo gtnero, sen20 mesmo quanto dois gineros da mesma familia. Assim, no gtnero Ecifon, h i operirias e soldados neu: tros, dotados de man&?,ulas e instintos extraordinadamente diferentes; no ghero C~yptocemr, as operirias de determinada casta trazem na cabegauma curiosa espicie de escudo, cuja utilidade nos 6 inteiramente desconhecida; no gtnero mexicano Myrmecocystur, as opehias de certa casta jamais saem do formigueiro, sendo alimen- tadas pelas de outra casta; d i m disto, seu abdome extraordinariamente desenvolvi- do segrega uma espicie de mel, substituindo o que nossas formigas europsas ob- t h i s custas dos afideos (pu&des) que guardam ou capturam, eque por isto podem ser considerados como "gado" &do por elas.

Poder-se-ia considerar como presungosa minha confiansa no principio da sele- $0 natural, quando nZo admito que esses fatos maravilhosos e bem estabelecidos aniquilem por completo minha teoria. No caso rnais simples dos insetos neutros pertencentes i mesma casta ou que apresentem o mesmo tipo, e que se tenham diferenciado dos machos e ftmeas fecundas em decorrhcia da selegZo natural, coisa que acho inteiramente possivel, podemos seguramente conduir, por analogia com as formag6es normais, que cada modifica@o proveitosa ligeira e. sucessiva provavelmente nZo teria surgido de mod0 simultineo em todos os individuos neu- tros do mesmo formigueiro, mas apenas em a l p s poucos, e que, pela prolongada selegZo dos individuos firteis que produziram a maior parte dos neutros aperfeiqo- ados, estes por fun seriam todos dotados daquelas caractedsticas proveitosas para a comunidade. Dentro deste ponto de vista, deveriam ocasionalmente ser encontra- dos insetos neutros da mesma espide apresentando pdag6es estruturais, o que efetivamente ocorre, podendo-se mesmo dizer que em grande nhnero, uma vez que s2o 60 poucos os neutros Go-europeus j i estudados ati hoje. Mr. E Smith demonstrou a maneira surpreendente ~ o m ' ~ u e diferem entre si os neutros de diver- sas espicies britinicas de formigas, quanto ao tamanho e, eventualmente, quanto i cor, havendo casos em que as formas extremas podem ser ligadas por gradag6es existent- em individuos tirados do mesmo formigueiro. Eu pr6prio tive ocasiZo de verificar perfeitas gradag6es deste tipo. Ocorre muitas vezes que as operhias do tipo maior ou do apo menor sejam as mais numerosas, ou entiio ambas, em relag20 i s de tamanho intermedikio, que via de r e p sZo raras. A Fomicafiua possui ope- ririas grandes e pequenas, alim de umas poucas de. tamanho midio. Conforme observou Mr. E. Smith, as maiores possuem ocelos simples que, embora pequenos, d i para se distinguir perfeitamente, enquanto que as menores possuem ocelos rudi- mentares. Tendo dissecado cuidadosamentevkios espicimes dessas opeeas , pos- so afirmar que os ocelos das menores sio bem mais rudimentares do que.0 que se poderia auibuir i simples pequenez d e suas possuidoras; acredito mesmo, embora nZo me atreva a afirmi-lo como fato incontestivel, que as opekias de tamanho midio possuam ocelos de condi@o acatamente interm* Por!anto, temos aqui dois

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grupos de operirias esttkeis vivendo no mesmo formi@eirode diferindo entre si nzo s6 quanta ao tamanho, como tambim quanto aos seus 6rgos de viszo, haven- do ainda alguns indidduos intermediirios que representem seus elos de ligagio. Permito-me divagar acerca deste assunto, acrescentando que se. as ope&as meno- res fossem mais 6teis para a comunidade, os machos efimeas responsiveis pelo seu surgimento seriam selecionados con&uamente, de mod0 que, ao final, todas as operirias seriam pequenas, h semelhanga do que se verifica com os neutros da Mymica. Neste gsnero, &s, machos e fsmeas fecundas possuem ocelos bem de- senvolvidos, ao passo que as operirias n5o possuem sequer rudimentos de ocelos.

Cito outro exemplo: era tal a minha confianga em encontrar gradagdes empon- tos estruturais importantes da diferentes castas de neutros da mesma espide, que de bom grado aceitei a oferta de Mr. E Smith. de numerosos exemplares, todos colhidos no mesmo formigueiro, da formiga-correigo (Anomma), existente na Africa Ocidental. 0 leitor compreenderi melhor a diferenga existente entre essas ope&- as se, ao invis de apresentar suas medidas tomadas acuradamente, eu h e proponha a seguinte comparagzo, que i absolutamente exata: seria a mesma diferenga que a existente entre dois grupos de pedreiros, um de i~dividuos com cinco pis e quatro polegadas de altura, outro com hdividuos cuja dtura seria de dezesseis pb'; d im disto, teriamos de supor cpe os pedreiros mais altos, embora trss vezes maiores, tivessem cabega cujo tamanho fosse o quidruplo das dos pedreiros menores, e mandibulas cinco vezes maiores do que a destes dtimos. As mandiiulas, d im do mais, apresentariam urn sem-niunero de. diferengas com relag50 ao formato e ao tipo e niunero dos dentes. Mas o fato que importa particularmente i que, embora os pedreiros possam ser agrupados em castas segundo seus diferentes tamanhos, estas se graduam insensivelmente, do mesmo mod0 que suas estruturas mandibula- res Go discrepantes. Isto i coisa que posso afirmar sem o menor receio, porquanto Mr. Lubbock, a meu pedido, reprodmiu na cha r a dara diversas mandibulas de operirias de virios tama-hos que tive a opommidade de dissecar.

Diante destes fatos, acredito que a selegzo natural, atuando sobre os espicimes fecundos, seja capaz de formar uma espide que prodma neutros regularmente, ou todos grandes e dotados de determinada conformagzo de mandiiulas, ou todos pequenos e deman&%ulas inteiramente diferentes, ou ainda - e ai i que depara- mos com a maior de: todas as nossas dificuldades - um conjunto de operirias de determinado tamanho e conformagzo estrutural, e simultaneamente.outro conjun- to inteiramente diferente, formando-se prirneiramente uma sirie com gradagdes, como no caso da formiga-correigzo, ap6s o qui as formas extremas, desde que se mostrassem mais Jteis para a comunidade, passariam a ser prodmidas em niunero cada vez maior, atravis da sdegzo natural de seus reprodutores, ati que p 0 r . h nZo mais se produzisse nenhuma dessas estruturas intermediirias.

Dentro do n e u mod0 de pensar, i assim que se poderia explicar o espantoso fato do surgimento de suas castas distintas e bem.definidas de opersas nummes-

1. Ou rejq uns medindo 1.63 m, e uunus 4.88 m. z\ proporgio reria mmdda sc or nirnores mulisrcm 1.67 m, c or miores 5 m. ~ \ s dcmair convcnde dr mulidv inglcr3s pan o sirema mimco dedmal Corn in&& drnno do pr6pdo tcrto, em irdlico c cnmc parcntwcr, run qdqucr ourra mengin (N. do T.)

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mo formigueiro, cada qual diferente tanto da outra como de seus genitores. A u5li- dade de sEa produgio para .ma comunidade deinsetos sociais i bem compreendi- da se comparada h udlidade do principio da divisHo do trabalho para o homem civilizado. Como as formigas trabalham em virtude dos instintos que herdaram, e fazendo uso de seus instrumentos ou armas naturais e tambim hereditirios, en io i s custas de conhecimento adquirido e instrumentos artificiais, poder-se-ia efer~ar uma perfeita divisio de trabaiho baseada unicamente no fato de serem estireis to- das as operirias, pois do contririo, ou seja, se estas fossem fecundas, o entrecruzamento redundaria na mistura e degradag20 deseus instintos e conforma- g6es estruturais. Pelo que acredito, a natureza teria realizado esta maravilhosa divi- sio de trabalho nas comunidades das formigas por meio da selegio natural. Mas devo confessar que, apesar de toda a minha confianp neste pdncipio, n-mca teria imaginado que a seleg2o natural pudesse ter sido eficiente em 60 alto grau, nio fora. ter-me convenddo exatamente o caso dos insetos neutros. Foi por esta razio que quis analisar este caso, Ada que de maneira sucinta e superficial, a fim de mostrar a forga desta sdegio, e t a m b h pelo fato de ter sido esta a objegio mais siria que se opbs a esta teoria. H i m do mais, trata-se de um caso bastante interessante, u r a vez que prova que tanto os animais como os vegetais podem sofrer qualquer soma de modifica@o estrutural, atravis da acumulagio de um sem-niunero de variag6es ligeiras e, podemos dizi-lo, acidentais, desde que proveitosas de .m mod0 ou de outro, sem necessidade de exerdcio ou de hibito. Com efeito, nenhum tipo de exerdcio, ou de hibito, ou de volig20 da parte de membros totalmenteestireis de m a comllnidade teria a minima condig20 deafetar a estrutura ou os instintos dos membros fecundos da mesma. &icos caaazes de deixar descendentes. Causa-me

L -

surpresa constatar que n inguh ainda tenha langado mio do exemplo dos insetos neutros em contraposigiio h conhecida doutrina de Lamar&.

Neste capitulo, tentamos demonstrar suchtamente que as qualidades mentais de nossos -ais domisticos variam, e que as variag6es s20 heredithias. De ma- neira ainda mais resumida, tentamos mostrar que os instintos variam ligeiramente nos animais em estado selvagem. Ninguim iri contestar que os instintos sejam da maior imporrincia para os animais; por conseguinte, n2o vejo dificuldade em crer cpe, sob condig6es mutiveis de vida, a selegio natural acumule modificagGes ligei- ras de insdntos, no nuno de alguma diregio iotil. Em certos casos, provavelmente houve a participag20 do hibito ou do uso-e-desusa Nio acredito que os fatos apre- sentados neste capitulo ap6iem ponderavelmeate minha teoria; por outro lado, creio qJe n e h m dos casos de dificuldade aqui expostos, pelo que posso julgar, sejam capazes de aniq4i-la Ademais, o fato de que os instintos nio sejam senpre abso- lutamente perfeitos e sujeitos a erro; o fato de que nenhum instinto teria sido pro- duzido para o beneficio exdusivo de outros animais, posto que todo animal tira proveito dos instintos de o'rltros; o fato de que o principio de Hist6ria Natural sintetizado no lema "Natura nonjzcif salturn" seja aplicivd tanto aos instintos como h conformag20 iosica, sendo inteiramente explicivel dentro da teoria h i pouco ex-

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posta, e inteiramente inexplicivel dentro de outras hip6teses -- - todos eles rendem a corroborar a teoria da seleqiio namal.

Servem de reforqo a esta teoria algms outros fatos reladonados com os instin- tos, como por exemplo o caso das espicies bem pr6ximas, posto que distintas, habitando ireas distantes da Terra e vivendo sob condiqdes de vida consideravel- mente diversas, embora consenrando praticamente os mesmos instintos. Dentlo do principio de hereditariedade, por exemplo, podemos compreender como i que o tordo sul-americano form seu ninho de lama, B semelhanga do que faz o tordo hritzhico, ou como i que a corruira-macho (Trogh&es) da Amirica do Norte cons- tl6i "poleiros" semelhantes aos dos machos de nossas carriqas, hibito este total- mente desconheddo de qualquer outlo pissaro que tenhamos noticia. Finalmente, conquanto nio se trate de uma dedugiio l6gica, satisfaz plenamente a meu mod0 de entender considerar certos instintos, como o do m o t e de cuco que expulsa do ninho seus irmiios de criagiio, o da formiga que escmviza suas congsneres, o da iarva de icneumonideo que devora lagartas vivas, e.outros,similares, nZo como rea- qdes inaias ou criadas, mas como pequenas conseqii6ndas de uma regra geral orien- tando o aprimoramento de todos os seres organizados, levando-os a se multiplica- rem e variarem, e fazendo com que os mais fortes sobrevivam e os mais fracos ve~ham a perecer.

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Distinrdo tnm a tsImX&& dorpn'meims m ~ m t n I o s t das bibridas- A uieri6hJe P wn21,tl em grou, nio 4 ~nire1su~ i ufclodn p t h mr~mtnlos mnrung"intos c po& str ~ ~ n ' m ' & p t h d a m u t i c u ~ ~ o - L P i r g c q u ~ nut1n'6&&dosbibridar- Porolelisnro tntre or pjilor dar rondipitr & rida modrjmda t das mr7mtntos - AfntX&& dm ronth&r quundo mr~ndar, u m rcmo dt dernndinriu mutifa, 1120 iunirarrol- c o ~ ~ r u { d o ?nhc bibrid61 t mutifor, in&pmndt~~tc & suufcrli~dulc- h m a

e mod0 geral, os naturalistas admitem a idiia de que as espides quando cruzadas passam a ser dotadas da caractedstica de estedidade, a hm de que se evite uma confusiio enae todas as formas o r d a d a s . A arimeira vista. "

tal idiia se mostra bastante provivel, uma vez que as espides existentes na mesma reGo difidlmente se poderiam c o n s e m distintas, desde que fossem capazes de se cr&ar de~im~edidamente. A importincia do fato de que oshiiridos na maior das vezes siio estkeis parece-me estar sendo bastante subestimada por alyns de nossos estudiosos modernos. No que se refere h teoria da selesiio natural, este fato C especialmente importante, mormente porquanto a esterilidade dos hiiridos niio lhes poderia de mod0 algum ser vantajosa, e evidentemente niio poderia ter sido adquidda atravis da continuada preserva@o de aumentos de esterilidade paulatinos e proveitosos. Niio obstante, espero ser capaz de demonstrar que a esterilidade nZo se trata de uma caractedstica especialmente adquirida ou conferida, mas apenas de um addente iigado a outras diferenqas adquiridas.

A respeito deste tema, muito freqiientemente se confundem duas ordens de fatos fundamentalmente diversos: a estedidade dos seres resultantes dos primeiros cruzamentos entre duas espides e a estedidade dos hifridos que delas descendem.

As espides puras, nandmente, t&n seus 6rg5os reprodutores em perfeitas condiq6es; contudo, quando enuemadas, produzem poucos descendentes, ou nenhum. 0 s hiridos, por seu turno, possuem 6rgios reprodutores fundonalmente impotentes, e que se constata daramente quanto i condi@o dos elementos mascu- lines tanto das piantas como dos animais muito embora os 6rgZos sejam estrutural- mente perfeitos, mesmo examinados ao microsc6pio. No primeiro caso, os dois elementos sexuais que concorrem para formar o embrizo siio perfeitos; no segundo, mostram-se pardalmente desenvolvidos, quando G o inteiramente atrofiados. E im- portante tal distingo quando se considera a causa da esterilidade, comum a ambos os casos. A razZo provivel que leva a G o se dar a devida importincia a esta distinqiio prende-se ao fato de, em ambos os casos, considem-se a esterilidade como um "dom" especial, situado dim das fronteiras de nossa capacidade de compremio.

A fertilidade das variedades, ou seja, das formas que sabida ou presumidamente descendem de ancestrais comuns, quando estas se m a m , do mesmo mod0 que a

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fertilidade de seus descendentes mesti~os, para a minha teoria 6 tio importante quanto a esterilidade das espicies, uma vez que tal caracteristica parece estabelecer uma distingiio nitida e profunda entre as vadedades e as espicies.

Vamos analisar primeiramente a esterilidade das espi~es '~uando cruzadas, e a de seus descendentes hfddos. Para quem se detim na leima dos estudos e monogdas de Kolreuter e G h e r , esses dois observadores admiriveis e consci- enciosos que praticamente devotaram suas vidas a este assunto, i impossivel niio se ficar profundamente impressionado com a ampla generalidade da ocorrhcia de pel0 menos algum grau de esterilidade. Kijlreuter chega a considerar este fato como uma regra geral, mas ele de certa forma contorna o problema quando, numa pro- porgiio de dois casos para cada grupo de dez examinados, ao deparar com formas que a maioria dos autores considera como espicies distintas, embora se entrecruzem fertilmente, dassificou-as sem hesitaqiio como variedades. Tambim G m e r aceita o fato como regra geral, embora conteste a fertilidade completa de dez casos apre- sentados por Kdreuter. Mas tanto neste como em muitos outros casos, G;irmer teria a obrigaqiio de contar rigorosamente o niimero de sementes, a fim de verificar ou n5o a existhcia de algum grau, de esterilidade FJe sempre teve o cuidado de comparar o niimero m;ixiino de, sementes produzidas pelo cruzamento de duas espicies e.pelos seus descendentes h%ridos, com o niimero midio produzido por cada espicie ancestral pura em estado nativo. Niio obstante, parece-me que com isto se pode introduzir uma grave causa de,erro: para ser cruzada, a planta tem de ser castrada e, o que i mais importante. eventualmente, tem de ser isolada, com a finalidade de se evitar que o p6len de outras plantas seja trazido para ela por inter- midi0 de insetos. Ouase todas as alantas das exaerihcias de G i e r estavam em . vases, yardados, ao que se presume, nw. dos aposentos dc sua rcsidincia. Niio hi dtividas q w t o ao fato de que isto poderia ter sido prejudicial i ferdlidade da plan- ta. Com ifeito, Gimer meiciona & seus aponta&entos cerca de uma vintek de casos de plantas que ele castrou e ferdkou ardficialmente com o pr6prio p6len delas e, exduindo-se todos os casos de vegetais como legurninosas e outros, cuja manipulagiio i reconhecidamente diHcil, metade dessas vinte plantas tiveram sua fertilidade reduzida em algum grau. A l h do mais, como ele durante muitos anos cruzou repetidas vezes a primula e a primavera, a respeito das quais temos boas moes para acreditar que sejam variedades, tendo apenas uma ou duas vezes obudo sementes firteis; como chegou h condusiio de que seriam absolutamente estireis entre si o mordiio-vermelho e o morriiio-azul (Anagallis amensis, R Coedea), que os maiores bothicos dassificam como variedades; e como chegou h condudo idhti- ca com relaqiio a diversos outros casos anilogos, parece-me razo5vel duvidarmos da efetiva esterilidade de muitas outras espicies, dentre as tantas mencionadas por Cidrmer como est61eis entre si.

Por um lado, i certo que a esterilidade de diversas espicies quando entrecruzadas seja tio diferente quanto ao seu grau, apresentando uma seqiiencia de gradagoes virtualmente imperceptiveis; por outro lado, i certo que a fertilidade das espicies pura seja tio facilmente'afetada por. tantas circunsthcias, que, para todo objetivo pritico, seja extremamente. diHcil delimitar onde termina a fertilidade perfeita e onde comega a esterilidade A este respeito, penso que niio se poderia ex@ prova melhor do que o fato de que os dois maiores investigadores do assunto- KGlreuter e Cidrtner - - ~ - chegaram a condusdes diametralmente opostas com respeito a uma

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rr.esma espide. TambOm i bastante insnutivo fazer-se uma comparaqZo - pena qJe G o me sobre espaso para entrar aqui em pormenores - entre.as provas apre- sentadas por nossos melhores bothicos a respeito da questio de se dassificarem certas espides duvidosas como espicies ou variedades, e as baseadas na f d d a d e dessas for.-, conforme utadas por diferentes horticultores, ou por ummesmo au- tor, de acordo com experihuas realizadas em anos diferentes. 3este modo, poder-se- ia demonstrar que mto a estedidade como a fertilidade .Go fornecem uma distin~Ho dara entre as espiues e as variedades, mas que as provas extraidas desta fonte apre- sectam gradaqties, dando margem a tantls dkvidas quanto as decorrentes das corn-. provas6es extraidas de outras diferenps constituuonais e estruturais.

Vejamos agora a esterilidade dos hiridos durante geras6es sucessivas. Embora GIirtner tenha podido cddvax a l p s hiridos e tenha tido o cuidado de evitar que se cruzassem com qualquer uma de suas espiues ancestrais puras, durante seis ou sete gera@es, e n-am determinado caso durante dez geraqGes, mesmo assim ele assevera que a fertilidade desses hiridos jamais aumentoy tendo via de regra dimi- nuido ponderavelmente. NZo duvido que seja esta a regra geral, e qce a fecundidade por vezes *ua subitamecte durante as primeiras gerag6es. NHo obstante, acre- dito que em todas essas experihcias, a fecundidades se redma devido a uma causa independente: os cruzamentos entre os indidduos muito pr6ximos. Recolhi tio extenso conjunto de fatos mostrando que os cruzamentos entre indidduos de pa- rectesco pr6ximo r e d ~ a fecundidade, e que, por outro lado, um cruzamento com urn indivfduo distinto, ou mesmo com espidme de outra variedade, aumenta a fertilidade, que nHo posso duvidar da exatidZo desta crensa que i quase universal entre os uiadores. E raro que os experimentadores criem hiridos em grandes nk- meros; a l h disto,gcralmente crescem no mesmo canteiro tanto as espiues genitoras como outros hiridos pr6ximos, donde a necessidade de se evitar. a visita dos inse- tos durante a $oca de floragHo; decorre disto que os hiridos geralmente sHo ferti- lizados, durante cada geragHo;por seu pr6prio p61en - . e esmu convenddo de que isto seja nouvo ii sua fecundidade, j i reduzida pela sua pr6pria origem hffrida. Serve de reforso a esta convicsZo uma observaqZo feita repetidas vezes por Grtner de que se os hiridos, mesmo os menos fecundos, forem fertilizados artifidalmente com p6len h i d d o do mesmo tipo, sua fecundidade, independente dos freqiientes maus efeitos da manipulaqHo, por vezes aumenta consideravelmente, num crescen- do notivel. Ora, na fecundagi artificial, o p6len tanto pode scr proveniente das anteras de outra flor, como das dapr6pria flor a ser ferdkada- depende do acaso, conforme constatei por experitncia pr6ptia. Deste modo, poderia efetuar-se um cruzamento entre duas flores, se bem que provavelmente pertencentes i mesma plan& Acrescente-se que, em se tratando de experi2ncias tio complexas, uminves- tigador meticuloso - e Cidrmer o foi- - deveria ter castrado seus hiridos, a fim de assegurar para cada geraqb um cruzamento com o p6len de m a flor diferente, fosse da mesma planta, fosse de outro vegetal da mesma natureza hirida. Assim, a ocorrhda estranha de aumento de fertilidade nas geraqdes sucessivas de hiridos arfl$n'a/menfefecundndospode, segundo penso, ser creditada ao fato de se t e rm evita- do cruzamectos muito pr6ximos.

Passernos agora aos resultados obtidos pdo terceiro mais experiente investiga- dor deste assunto: o Honorivel e Reverend0 W Herbert Ele i positivo ao afirmar

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que alguns hiiridos silo perfeitamente firteis - Go fecundos quanto as espides ancestrais pura, - concordando inteiramente com Kolreuter e GLrmer, quando estes afumam ser uma regra gerd a existincia de algum grau de esterilidade no caso do cruzamento de espides distintas. As diferengas nos resultados dcangados por Herbert, ao que penso, podem ser atribuidas em parte ao fato de ser ele um excelen- te e hibi horticitor, podendo desenvolver suas experihcias no interior de estufas. Das muitas condus6es a que chegou, citarei aqui apenas uma, como exemplo: "To- dos os 6vulos de uma vagem de Crinum cqense fecundados por Crinum reuo/utum produziram plantas, coisa que jamais observei nos casos de sua fecundagzo natu- ral". Portanto, temos ai urn caso perfeito, sen20 mesmo mais perfeito que o normal, de fec~mdidade num primeito cruzamento entre duas espides distintas.

0 exemplo do Crinum leva-me a mencionar urn outro singularissirno, que k o de certas plantas, como determinadas espides de Lobelia e todas as espides do ggners H@peashm, que mais facilmente podem ser fecundadas pel0 p61en de outras espk- cies distinras, do que com o seu pr6prio. Descobriu.se que esses vegetais produzem sementes fecundadas apenas con o p6len de outras espicies, e absolutamente esti- reis no que se refere a seu pr6prio polin, o qual, por seu mno, 6 perfeitamente fecund0 quando se tram de fertilizar espides distintas. Portanto, para determinados vegetais, e em certos casos para todos os individuos de certas espicies, i mais f i d produzir hiiridos do que conseguir-se a sua auto-fecundagio! Veja-se este exemplo: um bdbo de H@peartnrm au,licmproduziu quatro flores, das quais trgs foram fecun- dadas por seu pr6prio p6len, na experihda de Herbert, e a quarta foi fecundada com o p6len de um hirido misto obtido pelo entrecruzamento de tris espkdes distintas. Eis o resultado: "0s ovirios das tres primeiras flores logo cessaram seu desenvo!vimento, demand0 completamente ao fh de poucos diaq enquanto que a vagem fecundada pel0 p6len do hirido apresentou crescimento vigoroso e ripi- do progresso, a:& alcangar a matuxagio, quando produziu boa semente, que germi- nou sem problemas". Numa carta que me escreveu em 1839, Mr. Herbert relatou haver repetido aqueh expenincia durante cinco anos seguidos, continuando poste- Cormente por diversas vezes, sempre com o mesmo resultado, igualmente confir- mado por outros observadores, tanto com os subggneros do Hippeactmrn, como con outros gneros, a saber: Lobelia, Pass$ora e P'erbasmm. Embora. em todas essas experitnuas as plantas parecessem.perfeitamente saudiveis, e apesar de tanto os 6vulos como o p61en de cada flor se mostrarem perfeitos com relag20 a outras espides, entretanto se revehram fundonalmenteimperfeitos no tocante i sua auto- atuag20, donde podermos conduir que essas plantas se encontrassem em estado anormal. Niio obstante, tais fatos nos mostram que as espides eventualmente de- pendem de causas pequenas e misteriosas no que se refere i menor ou maior fecundidade que apresentam quando cruzadas, ou quando se autorfertilizam.

Tambh meiecem atengzo as experihcias priticas realizadas pelos horticultores, ainda que destituidas de predsio dentifica. 9 curiosa a multipliddade de cruza- mentos realizados entre as espides de Pe/argonium, Fucbsia, Calceo/ario, Petunia, Rhododendron, etc. - e muitos destes h%ridos se reproduzem Evremente. Herbert assevera, por exemplo, que um hirido de Cakeohria inte'gnjWa e Cakeohriaplanroginea, espides inteiramentediferentes no que concerne aos seus hibitos gerais, "repro-

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duziram-se 60 perfeitamente como se se tratasse de espides nativas vivendo nas montanhas chilenas". Tive alguma dificuldade em determinar o grau de fecundidade de alguns dos cruzamentos complexes de rododendros mas certificaram-me de que muitos deles sHo perfeitamente f6rteis. Mr. C. Noble, por exemplo, relatou-me haver obtido, por axertia, grande niunero de hiridos de Rhododendronpontic~m e R catawbense, e que este hiirido produz tantas sementes quantas seria possivel imagi- nar. Se os hiiridos tivessem sua fecundidade reduzida a cada nova geragHo, como acredita Giittner, o fato seria do conhecimento dos horticultores. Estes coshunam mantergrandes canteiros dos mesmos hiiridos, e s6 deste mod0 podem estas plan- tas serconvenientemente tratadas, pois a mediagHo dos insetos permite que diver- sos individuos da mesma vadedade hiirida se entrecruzem livremente, evitando-se assim os danos dos cruzamentos entre individuos muito pr6ximos Quem quiser pode convencer-se facilmente da eficiinda da partiupagHo dos insetoq examinan- do as flores dos rododendros hiiridos mais es&reis, que nHo produzem p6len, pois b ide encontrar seus estigmas repletos de p6len trazidos de outras plantas.

Quanto i s experiindas com animais, estas foram em niunero ainda menor que o das levadas a efeito com as plantas. Se forem efetivamente confiiveis nossas das- sificagdes sistemiticas, ou seja, os gneros dos animais forem tZo distintos entre si quanto o sHo os dos vegetais, entZo podemos conduir que 6. mais f i d cruzar ani- mais distantes entre si na escala da natureza do que cruzar vegetais nesta mesma situagHo. Acredito, p o r h , que os animais hiiridos sejam mais estireis. Duvido que haja a l p caso inteiramente autenticado de animal hiirido perfeitamente fecundo. Deve-se ter em mente, entretanto, que poucas experiindas deste tipo foram tenta- das, devido ao fato de que poucos animais se reproduzem em cativeiro. 0 c-o, por exemplo, j i foi cruzado com nove outros fringilideos; porim, como nenhuma destas nove espides se reproduz livremente em cativeiro, nHo temos por que espe- rar que os primeiros cruzamentos entre elas e os canirios, assim como os hiiridos resultantes, sejam perfeitamente firteis. Ademais, com respeito i fecundidade das geragdes sucessivas dos animais hiiridos mais f&teis, eu difidlmente teria condi- gdes de dtar um exernplo de duas faidias de um mesmo hiirido que tenham sido formadas simultaneamente a partit de genitores diferentes, de mod0 a se evitarem os efeitos nouvos dos cruzamentos consangiiineos. Ao contrsldo, o que se v2 sHo umgos e irmis se entrecruzarem a cada geraGo sucessiva, em oposigHo aos conse- lhos que todo criador nZo se cansa de repetir. Assimsendo, nada h i de surpreen- dente na esterilidade inata dos hiiridos, aumentando progressivamente a cada nova geragHo. Se agissemos assim no caso de qualquer raga animal pura que poralguma razHo possuisse uma tendknda discreta i esterilidade, e cruzissemos irmHos com irmHs, a raga seguramente desapareceria ao h de m a s poucas geragdes.

Embora eu de&onhega casos inteiramente autenticados de animais hibddos perfeitamente fecundos, tenho boas razdes para acreditar que os hibridos de Cemuhs uaginafu e C. reeuessi, assim como os de P h ~ ' a n ~ co/cbims com P. torquatrrs eP. uersicohr tenham tal caracten'stica. 0 s hiiridos do ganso comum e do ganso-chinis (A. cygoides), esp6des tZo diferentes que se costuma classifici-las em gineros distintos, j i foram cruzados em nosso pais com exemplares de ambas as espides ancestrais pura, sendo que, de certa feita, conseguiu-se que se cruzassem interse. A expenincia

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foi levada a efeito por Mr. Eyton, cruzando dois hiridos dos mesmos genitores, mas de ninhadas diferentes. Destas duas aves obtiveram-se oito hiridos, netos dos ga?sos de espides puras, numa s6 ninhada. Na in&, porch, parece que esses gansos mestiqos siio bem mais fecundos, conforme me asseveraram duas testemu- nhas de alta competknda: Mr. Blyth. e o Cap. Hutton. Segundo me informaram, naquele pais hi partes onde.se,criam verdadeiros bandos dessas aves hiridas, com finalidades comerdais. i? como nestas ireas nZo se cria nenhuma das espides puras ancestrais, I? de se crer que tais hiridos sejam muito fecundos. .

0 s naturalistas modernos es6o cada vez mais propensos a aceitar uma teoria defendidainidalmente por Pallas, segundo a qua1 a maior parte de nossos animais domisticos descende do entrecruzamento de duas ou mais espides aborigines Por. esta idsa, as espides aborigines ancestrais algum dia produziram hiridos perfeita- mente firteis, ou engo a fertilidade perfeita teria sido dcansada posteriormente, quando os hiridos j i se encontravam em estado domistico. A liltima alternativa parece-me a mais provivel, e estou i?dinado a aceiti-la, mesmo.que G o se baseie em fatos suscetiveis de comprovaqZo. No caso dos &a, por exemplo, acredito que estes animais descendam de diferentes espides selvagens; G o obstante, excetuando-se tal- vez determinadas rasas domisticas criadas pelos indigenas sul-americanos, todas se entreuuzam pedeitarnente. Pelo exame de casos anilogos, contudo, tenho grandes dfividas quanto ao fato de que as espicies aboigines se entrecruzassem livremente e tivessem produzido hiridos perfeitamente fecundos nos primeiros cruzamentos.

Passando pka outro exemplo, h i m6es para se acreditas que os bovinos euro- peus e o boi-de-corcova indiano sejam perfeitamente fecundos entre si; porim, em razZo de certos fatos que me foram reiatados por Mr. Blyth, acho que devam ser considerados como pertencentes a espides distintas.

Dentro desta teoria quanto i origem de muitos de nossos animais dombticos, portanto, ou teremos de deixar de dar cridito i crenqa da es tddade quase.univer; sal dos entrecruzamentos entre es~icies animais disdntas. ou teremos de considerar . a,esteriiidade nZo como uma caractedstica irrernovivel, mas sim como uma peculi- addade passive1 de ser eliminada pela domestica@o.

Por fim, examinando-se todos os fatos incontestiveis com respeito ao entrecruzamento dos seres vivos, poder-se-ia conduir que algum grau deesteriiida- de, no que se refere aos primeiros uuzamentos, ou no que se refere aos hiridos, seja uma resultante extremamente geral, G o podendo, todavia, ser considerada como absolutamente universal, dentro do nosso atual estado de conhecimento.

Leis que r p m a esfetilidade dosptimeiros m~amenfos e dos hibtidos

Vamos agora exarninar mais pormenodzadamente as circuns&ndas e regras que determinam a esterilidade dos primeiros cruzamentos e dos hbridos. Nosso objetivo pdncipal seri verificar se tais regras bdicam ou nZo quais as espides par- ticularmente dotadas desta caractedstica. c0m.a ~rovivel halidade de se evitat seu . entrecruzamento e a conseqiiente confusZo de tipos de formas hiridas. As regras e condusaes que se seguem foram extraidas pdnupalmente da admirive1 obra de Cidrtner acerca da hibridaqZo dos vegetais. Foi-me bastante d i6d vedficar at: que

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ponto tais r e p s se aplicam aos animais, e, dada a escassez de nossos conhehen- tos com respeito a seus h%ridos, foi cam surpresa que descobd a generalidade da aplicas20 destas r e p s , tanto no reino vegetal como no reino animal.

Segundo as obsemq6es j i feitas, o grau de fertilidade dos primeiros cruzamen- tos e dos hfridos varia de zero h perfeita fecundidade. 3 espantosa a diversidade de maneiras curiosas atrav6s das quais se pode demonstrar a existincia desta gradasHo. Neste aabalho, porim, limitar-nos-emos a uma ripida exposigHo de alguns fatos. Quando o p61en de uma pianta pertencente a determinada f d a i colocado no estigma de outra planta pertencente a uma f d a distinta, sua. influbcia nHo 6 maior do que a exerdda por grlios de poeira inorginica. Trata-se do zero absohto de fecundidade. J i quando o p6len de uma espide 6 colocado no estigma de outra pertencente ao mesmo gikero, os resultados mostrarZo umaperfeitagradaqiio quanto ao n b e r o de sementes prodwidas, podendo variar do zero h fertilidade perfeita, ou mesmo, conforme tivemos a opormnidade de ver, a um excesso de fertilidade, superior ao que o pr6prio p6len da planta seria capaz de produzir. 0 mesmo ocorre corn os hibridos: alguns h i que nunca produziram, e provavelmente nunca produzi- r20, nesmo com o p61en de um dos seus genitores, uma hica semente firtil. Em a l p s casos, porkm, pode-se observar a existincia de um prindpio de ferrilidade, quando o p6kn de um dos genitores provoca o murchamento mais ripido da flor, o que, como se sabe, constitui indicio de fecundas20 incipiente. Na outra extrerri- dade da escala ficam os hfridos autofecundados que produzem grande niur-ero de sementes, alguns aicangando at6 mesmo a fertilidade perfeita.

0 s h%ridos de duas espides que difidlmente se cruzam e que raramente pro- duzem descendentes sio, via de regra, muito estireis, mas o paralelismo entre a diEculdade do entrecruzarr.ento e a es tddade dos hfridos assim prodwidos - duas classes de fatos que slio muito geralmente confundidos entre si -- de mod0 algum pode ser considerado perfeito. H i muitos exemplos de espides puras que podem ser cruzadas com extrema fadidade, produzindo numerosa descendhcia hibrida, mas cujos descendentes slio marcadamente esdreis. Por outro lado, h i es- pides que se cruzam muito raramente, on com extrema dificuldade; uma vez reali- zado o cruzamento, porim, os hfridos resultantes se mosti-am bastante fecundos. Estes dois casos ocorrem at6 mesmo no h b i t o de urn h i c o ginero, como no caso do Dianthus.

Nos casos tanto dos primeiros cruzamentos como dos h%ridos, sua fecundidade i rnais fadlmente afetada por condiq6es desfavoriveis do YJe a das espides puras. Mas o grau de fecundidade t a m b h 6 inatamente variivel, pois nem sempre i igual quando se cruzam as mesmas duas esp6cies sob drcunstincias idhticas, dependen- do em parte da constieigHo dos individuos escolhidos para a experiincia. 0 mes- mo ocorre com os hiridos, cujo grau de fecundidade varia grandenente, confor- me se verificou, mesmo entre individuos oriundos de sementes da mesma cipsuia e expostos a condiq6es exatamente idkticas.

Fela express20 "afinidade sistemitica" entende-se a semelhansa existente entre as espides no que se refere ZI conforma~lio e i constituiqlio, nais especialmente quanto h estrutura de partes dotadas de grmde importhda fisiol6gica, e que dife- rem pwco nas esp6des pr6ximas. Ora, a fecundidade dos pdmeiros cruzamentos

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entre as espides e dos hiridos decorrentes destas uni6es depende em grande parte de suaahidade sistemitica. Isto i demonstrado daramente pel0 fato de quenunca se produziram hiridos entre espides dassificadas pelos taxonomistas em f a d a s distintas, enquanto que, por outro lado, espOdes muito pr6ximas se cruzam com facilidade. Mas a correspondknda entre ahnidade sistemitica e a facilidade de entrecruzamento nio i de mod0 algum rigorosa. Poder-se-ia citar grande c6pia de casos de espOdes muito pr6ximas que nio se cruzam, ou que somente o fazem com extrema dificuldade, assim como, por outro lado, de espides bastante distintas que, sem embargo disto, se cruzam com a mixha facilidade. Na mesma f d a pode haver um ghero, como o Dianthur, do qual numerosas espOcies se entrecruzam facilmente, e outro, como o Sihne, cujas espides, mesmo as mais prbximas, jamais produzirafl um bico hltido, independentedos maiores esforgos dispendidos nessas tentativas. Mesmo dentro dos limites de um s6 gnero, deparamos com a mesma diferenga - exemplo: as muitas espides de Nicotiana d m sido mais amplamente utilizadas em experiencias de cruzamentos que as de que todo outro gknero exis- tente; enyetanto, GZrtner descobriu que a N. acuminata, que G o constitui uma es- picie particdarmente distinta, resistiu obstinadamente a fertilizar ou a ser fertiliza- da por nada menos que oito outras espides do seu ghero. Poderiamos dtar diver- sos outros casos anilogos.

Ninguim ainda conseguiu predsar o tip0 ou a soma de diferengas relativas a qualquer caracteristica reconheuvel que seriam sufidentes para impedir duas espb des de se cruzarem. Pode-se demonstrar q-~e certos vegetais diferentissimos quanm a hibitos e aspect0 geral, dotados de disting6es marcantes em todas as pmes de suas flora, nop6len, no h m e mesmo nos codidones, podem ser cruzados Tlantas anuais e perenes, irvore deciduas e sempre-verdes, vegetais de habitats diversos e adaptados aos &as mais diferentes eventualtnente podem ser cruzados wm facilidade.

Denomina-se "cruzamento redprocon o que pode ocorrer por exemplo entre o cavalo e a jumenta e entre o jumento e a igua. Entre as espOcies que'se podem cruzar, varia enormemente a facilidade maior ou menor de serem reuprocos tais cruzamentos. Esses casos sHo de grande imporhcia, por demonstrarem que a ca- paddade de entrecruzamento de duas espides i por vezes inteiramente indepen- dente de sua ahnidade sistemitica, ou de qualquer diferenga reconheuvel e m seu organismo. Por outro lado, esses casos mosttam daramente que a capacidade de entrecruzamento estsi reladonada com diferenqas constitudonais que nos sHo im- perceptiveis, restringindo-se Go-somente ao sistema reprodutor. Esta diferenqa nos resultados dos cruzamenms ~ ~ ~ D ~ O C O S entre duas mesmas esoides i i foi hi lonno u

tempo observada por mlreuter. Cito um rxrmplo: a Alira1,ilisjaaloppa podc scr facil- mccte fecundada pelo p61m da .\I. Ioqiflora, e os hiiridos assim prod-uidos sHo sufidentemente feiundos; Kaeuter, Grim, tentou mais de duzentas vezes, du- rante oito anos seguidos,inverter os fatores, fecundando a M. Longiflora com o p61en da M. Ja/@pa, fracassando em todas as suas tentativas. Diversos casos igualmente notiveis poderiam ser aqui citados. Thuret observou o mesmo fato em certas algas- marinhas ou fucos. G m e r descobriu ainda que esta diferenga na facilidade de se obterem cruzamentos reuprocos i extremamente comum, mesmo e m formas bem pr6ximas, como a Matthiola annua e aM. gfabra, que muito bothicos chegam a &pi-

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maqure~, .mq eqauem ap m y y epyv apod ' sp~po~e j sap sep a s p ~ ~ r o a e j sao5p -uos se pqassns aauamaauaupb ap md e 'apeppmj ens anb a p v somaA .sepuy -sunsxp sepeupraaap ap muproso e amrojuo:, <spur no 'oaua:, rod ma:, e oraz a p e p e ~ apeppun:,aj ms 'smupsp a seupuas sapadsa om03 seperap!suo:, semroj mez <nJs as o p m b anb s o m a 'soppqq sop a soauamemn s o ~ u r p d sop apeppun:,aj

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0 pica-pau, urn dos mais clams exemplos da selegPo nand.

Num grande niunero de casos, p o r h , G o encontramos qualquer razZo que expli- que esse fato. Diferen~as tais como diversidade de tamanhos; ou o fato de uma ser lenhosa e a outra herbicea; ou de uma perder as fohaq e a outra nZo; ou de cada qualser adaptada a um tipo de climainteiramente diverso do da outra, nem sempre sZo de molde a impedir que ambas sepossam enxertar. Tanto na bibridizagiio como na enxertia, a capaddade 6 limitada pela afinidade sistemitica, pois ninguim ainda consegui~ enxertar h o r e s pertencentes a f d a s inteiramente distintas, enqxanto que, por outro lado, especies muito pr6ximas e variedades da mesma esptcie po- dem normalmente, se bem que nZo invariavelmente, ser enxertadas com facilidade. Todavia, assim como na hibridizaqZo, tal capaddade niio t de modo algum regulada de rnanelra absoluta pela afinidade sistemitica. Embora j i se tenham enxertado muitos gheros distintos pertencentes i mesma f d a , em outros casos niio se conseguiu enxertar duas espides pertencentes ao mesmo gsnero. Muito mais fad-

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mente se consegue enxertar a pereira no marmeleiro, que & considerado como per- tencente a um ghero distinto, do que na macieira, que & sua conghere. H i at6 mesmo diferentes gnus de facilidade na enxertia das diversas variedades de pkras entre si, o mesmo que ocorre com o damasco, com o pkssego e com determinadas variedades de ameixas.

Como Gitner descobriu que eventualmente existe uma diferenga inata entre diferentes individuos das mesmas duas espicies no que se refere ao seu entrecrwamento, assim acredita Sagaret que o mesmo ocorra com diferentes indi- viduos no que se refere i enxertia. Nesta, do mesmo mod0 que nos cruzamentos redprocos, nem sempre se consegue obter com idkntica facilidade a unik mctua entre duas espiues: a groselha-verde, por exemplo, G o pode ser enxertada na grose- Iha-comm, enqUto que esta, embora com dificuldade, pode ser enxertada naquela.

Vimos que a estedidade dos hbridos, cujos 6rgZos reprodutores nZo tem con- diq6es perfeitas, & bastante diferente da dificuldade de se cruzarem duas espicies puras, cujos 6rgZos reprodutores sZo perfeitos. NZo obstante, estes dois casos Go distintos apresentam u m certo paralelismo. Ago andogo ocorre com a enxertia. Thouir. descobriu que trss espicies de Robinia, que produziam grande quantidade de sementes quando assentadas sobre suas pr6prias rahes, podiam ser enxertadas sem grande dificddade e n outras espides, mas tornavam-se estireis neste caso. Por outro lado, certas espides de Sorbus, quando enxertadas em outras espicies, produziam o dobro dos frutos que eram produzidos quando esta planta se encon- trava em seu estado natural. Esta citagzo trouxe-me i lembranga o caso extraordi- nkio do H$peusbxm, da LobeLa e de outros vegetais, que produzem muito mais sementes quando fecundados pel0 p6len de outras esp&cies, do que quando fecun- dados pel0 p6len de sua pr6pria espicie.

Mosslam-nos estes fatos que, embora exista uma diferenga 6bvia e fundamental entre a mera reurZo de dois individuos enxertados e a uniio dos elementos mascu- line e feminino no ato da reprodugZo, constata-.se a exis&nda de urn pequeno grau de paralelismo nos resultados dos enxertos e nos dos uuzamentos de espides dis- tintas. E do mesmo mod0 que considerrnos acidentais e baseadas em diferengas desconhecidas quanto aos sistemas vegetativos das b o r e s as curiosas e complexas leis que regulam a facilidade com que elas se enxertam entre si, assim creio serem tambim addentais e baseadas em diferengas desconhecidas, pdncipalmente quanto aos seus sistemas reprodutores, as leis ainda mais complexas que regulam a facilida- de dos primeiros cruzamentos. Em ambos os casos, estas diferengas sio regidas, at& certo ponto, pela afhidade sistemitica, atrav&s da qual se tenta expressar todo tipo de semelhanqa e dessemehnga existente entre os seres ~ r ~ l i z a d o s . 0 s fatos de mod0 algum parecem indicar, r.0 meu modo de pensar, que a maior on menor dificuldade de se mertar ou de se entrecruzac constitua um dom especial, embora, no caso dos cruzamentos, a dificuldade seja Go importante para a manutengio e estabilidade das formas espedficas, quando o & desimportante, no caso dos enxer- tos, para produtividade dos vegetais.

Causas da esterilidade dosptimeims mxamentos e dos hibridos

F'odemos agora examinar mais detalhadamente as causas proviveis da esterili- dade dos primeiros crwamentos e dos hbridos. Trata-se de dois casos fundamen-

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talmente diferentes, porquanto, conforme foidito, na uniZo de duas esp6cies puras QU elementos sexuais masculines e f d o s sZo perfeitos, enquanto que os dos hiridos sZo imperfeitos. Mesrno nos primeiros cruzamentos, a maior ou menor dificuldade para se efetuar a uniZo depende aparentemente de virias causas distin- tas Pode haver is vezes uma impossibiidade &ica para que o elemenm masculino atinja a 6vul0, como seria Q caso de urn vegetal cujo pistilo fosse tiio longo que impedisse os tubos polinicos de atingirem o ovirio. J i se observou tambkn que quando o p6len de m a espkcie 6 colocado no estigma de ouaa esp6cie nZo muito pr6xima, &da que os tubos polinicos se projetem, nZo penetram na superficie do estigma. Alth disto, a elemento masculino pode atiogk o elemento feminino, sen- do no entanto incapaz de pcoduzir um embriZo que se desenvolva, como parece ter ocorrido com os fucos das experikncias de Thuret. Tanto nZo sabemos o porqu2 destes fatos, como ignoramos as raz6es pdas quais determinadas &ores nZo po- dem ser emertadas em autras. For hm, pode ocorrer que o embriZo se desenvolva inidalments, perecendo antes de completar a evolugZo total. Esta liltima alternativa G o tern sido estudada suficientemente; porkn, em vista de certas observag6es que me fo rm comwicadas por Mr. Hewitt, que de longa data tem feito experihcias de cruzamentos de galiniceos, acredito que a mocte precoce do embriiio constitua causa muito freqtieste da es tddade nos ptimeiros cruzamentos. Tive certa rdu- tincia em aceitar esta id&, a principio, uma vez que os hffridos, via de regra, se apesentam saudiveis e Costumam viva bastante - sirva de exemplo a mula. H i que se considem, portm, que os hfridos sZo submetidos a circunst?mcias muito diferentes antes e depois de seu nascitnento. Assim, ao nascerem, vivendo no mes- mo lugar em que vivem seus pais, isto si@ca que suas condigdes de vida sZo, em geral, adequadas i s suas necessidades. Mas como o hfrido partiha apenas da meta- de da natureza e da constituiyZo de sua mZe, jii no venue materno, ou no ovo, ou na sem'ente, ele pode esw exposto a condig6es at6 certo ponto inadequadas B outra metade da sua natureza, estando assim sujeito a perecerprecocemente, mais especi- almente qyando se sabe serem os embri6es notadamente sensiveis is condig6es de vida desfavoriveis ou a n t i n a d s ,

Quanta i estedid8de dos hibridos cujos elernentos sexuais sZo imperfeitamen- te desenvolvidos, o caso 6 bem difecente. Mais de uma vez fiz .alusdes a urn amplo conjunto de fatos que recob, mostrando que os animais e vegetais tirados de suas condi$des natutais s5o extremamente suscetiveis de ter seus sistemas reprodutores sedmente, afetados Isto efeavamente, constitui o grande empedho i domesticaqZo dos animais. Enae esta esterilidade supetimposta e a dos hibridos, h i virios pontos de semelbanga. Em ambos os casos, a esterilidade independe do estado geral de satide, sendo por vezes acompanhada por um crescimento exceptional ou uma grande exuberhcia Em ambos os casos, a estedidade ocorre em uirios graus, sendo o elemento masculino o mais sujeito a ser afetado, embora se constatem eventuais exce~6es. Em ambos, a tendhua apresenta alguma relaqZo corn a afin- dade sistemiitica, porquanto gmpos inteiros de animais e vegetais se tornam impo- tentes em ritziio das mesmas condigBes artificiais, com virios gmpos de espicies tendendo a produzir hfridos estireis. Por outre lado, costuma acontecer que uma especie de &terminado gruporesista agrandes mudanps de condigGes, mantendo

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inalterada sua fecundidade, havendo mesmo cems espgdes pertencentes ao mes- mo grupo que produzem hiridos excepcionalmente fecundos. Antes de realizar a - . - . . experihcia, ninguim seria capaz de atirmar se determinado animal poderia procri- ar em cativeiro, ou se determinada planta se reprodmiria normalmente caso fosse cultivada, assim como tambim nio seria capaz de afirfnar se duas espides perten- . centes a determinado g2nero produziriam bfiridos mais ou menos estireis. Por h, quando seres organizados sio mantidos durante virias geraqdes sob condiqdes di- ferentes das que existem em seu habitat, tornam-se extremamente suscetiveis de variaqgo, o que seria devido, segundo meu mod0 de pensar, ao fato de que seus sistemas reprodutores foram afetados de maneira particular, ainda que em grau menor do que quando dai resulte a esterilidade. 0 mesmo se d i com os hiridos, eminentemente suscetiveis de variado durante sucessivas geracdes, conforme to- - . . dos que j i fizeram experiencias a este respeito tiveram a oportunidade de observar.

Vemos, portanto, que quando os seres ormnizados sZo mantidos sob condicdes novas e difirentes daique-normalmente engentam, e que quando os hfridos JO

produzidos pelo cruzamento artificial de duas espides, o sistema reprodutor, inde- pendente do estado geral de saiide, i afetado pela esterilidade de maneira bastante semelhante. No primeiro caso, as condiqdes de vida foram perturbadas, embora eventualmente em grau tiio diminuto que seria imperceptive1 para n6s; no segundo, isto 6, no dos hiridos, as condiqdes externas permaneceram as mesmas, mas o organismo foi perturbado pelo fato de se t e rm fundido, numa Gnica estrutura e constituiqio, duas outras diferectes. De fato O pouco provivel que dois organismos passem a compor um Gnico, sem que ocorra alguma perturbaqio no desenvolvi- mento, ou na aqio peri6dica, ou na inter-r&qZo entre as diferentes partes ou 6r- @os, ou mesmo nas condiqdes de vida. Quando os hiridos sZo capazes de se cruzarem inter se, transmitem a seus descendentes, de geraqio a geraqio, a mesma organizaqZo corporal mista, donde nZo ser predso que nos surpreendamos com o fato de quesua esterilidade, embora variivel at6 certo ponto, raramente se reduza.

Devemos confessar, entretanto, que f i o podemos compreender, mas 60-so- mente aventar algumas explicaqdes bipotiticas e vagas, alguns fatos com respeito i esterilidade dos hhridos - por exemplo: a desigual fecundidade dos hiridos re- sultantes de cruzamentos re&rocos, ou a esterilidade maior dos hiridos que ocasio- nal e excepcionalmente se parecem muito com um de. sew genitores. Tampouco pretend0 que as observaqdes precedentes atinjam o h a g o da questiio: ainda 1120 se conseguiu explicar por que um organismo, quando mantido sob condiqdes diferentes - das que ocorrem em seus habitat nativo, se torna estid. Tudo o que tentei moswfoi que, em ambos estes casos que at6 certo ponto se relacionam, a estddade constitui o denominador comum - no primeiro caso, pelo fato de t e rm sido perturbadas as condiqdes de vida; no segundo, porter sido perturbado um organismo, j i que o resul- tad0 da bibridagio i um organismo misto de dois outros diferentes.

Pode parecer fantasia, mas suspeito de que um paralelismo semelhante se esten- da a um grupo de fatos que, embora pr6dunos, sio bastante distintos. Trata-se de uma crenqa antiga e quase universal, creio que baseada num consideri.dconjunto de evidhcias, de que ligeiras alteraqdes das condiqdes de vida seriam benificas a todos os seres vivos. Vemos esta id&a aplicada por fazendeiros e jardineiros em

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suas freqiientes priticas de mudar as sementes, os tubirculos, etc., de um determi- nado solo ou dima para outro, voltando-os depois para o primitive. Durante a convalescenga dos animais, vemos daramente o beneficio que represents quase toda mudanga em seus hibitos normais. Alim disto, h i numerosas provas, no que se refere tanto a animais como vegetais, de que o cruzamento entre indidduos distintos pertencentes 8 mesma espicie, ou seja, entre diferentes linhagens ou sub- raqas, confere vigor e fecundidade i descendinda. Acredito realmente, em virtudes dos fatos relatados no quarto capitulo, que certa quantidade de cruzamentos seja indispensivel, mesmo no caso dos hermafroditas, e que os cruzamentos pr6ximos que se sucedem durante v s a s geragdes entre parentes muito afins, espedalmente quando vivem sob as mesmas condi$des, sempre levam 8 debilidade e esterilidade dos descendentes.

Por tudo isto, quer-me parecer que, por um lado, mudangas ligeiras das condi- qdes de vida sio benificas a todos os seres organizados; por outro lado, cruzamen- tos variados, isto 6, aquele~ realizados entre machos e f h e a s da mesma espide que sofreram variagio e se tornaram ligeiramente diferentes, conferem vigor e fecundidade i descendincia. Todavia, &nos que as modificagdes mais bem-carac- terizadas, mormente as de natureza particular, porvezes acarretam algum grau de esterilidade aos seres organizados, e que os cruzamentos mais afastados, ou.seja, os que se realizamentre machos e f h e a s que se tornaram ampla ou espedftcamente diferentes, produzem hiridos que quase apresqtam a l p grau de esterilidade. Niio posso persuadir-me de que este paralelismo seja addental ou ilus6rio. Ambas as s6ries de fatos parecem-me estar ligadas por algum lago desconhecido, reladona- do essenualmente com o pr6prio pdnupio da Vida.

FerflXdade dm variedadees quando q a d a s , e de sew descendentees mesticos

Pode-se alegar como argument0 irrefutivel que deve haver alguma distinqiio essencial entre as espides e as variedades, e que deve existir a l p erro nas obser- vagdes precedentes, uma vez que as vaciedades, por muito que possam diferir umas das outras quanto 8 aparinda externa, se cruzam com a maior facilidade, produzin- do descendentes perfeitamente firteis. Admito plenamente que sejaisto o que ocorra quase que invariavelmente. Mas se levarmos em consideragiio apenas as variedades produzidas e m estado nativo, ver-nos-emos envolvidos imediatamente em dificul- dades insolGveis, porquanto se constatarmos a ocorr2nda de esterilidade entre duas variedades (conforme at6 en60 assim consideradas), elas logo passariio a ser classi- ficadas como espides pela maior parte dos naturalistas. Cito exemplos: o morriHo azul e o morriio vermelho, assim como a primavera e a primula, considerados por muitos dos nossos melhores botinicos como variedades, nZo sio ininteiramente fhteis quando auzados, segundo descobriu Cidrmer que, por esta razio, classificou-os na categoria de espides indubitiveis. Com base nesta argumentagh, portanto, teremos de admitir a fecundidade de todas as variedades produzidas em estado natural.

Mas se considerarmos apenas as variedades efetiva ou supostamente produzi- das em estado domistico, tarnbim estaremos rodeados por dhidas. Quando se ahma, por exemplo, que o lulu-da-pomerinia, mais facilmente que as outras ragas

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de cHes, pode cruzar-se com raposas, ou que certos cHes domisticos pertencentes aos indigenas sul-americanos nHo se cruzam facilmente com os cHes europeus, a explicaqZo que ocorreri a todo mundo, e que provavelmente i verdadeira, i que esses cHes seriam descendentes de diversas espides aborigines distintas. NHo obstante, a perfeita fecuhdidade de tantas variedades dombticas absolutamente distintas no que se refere i apartnda exterior, como ocorre, por exemplo, entre os pombos, ou entre os repolhos, constitui urn fato deveras notivel, mais espedahente quando temos em mente o niunero de espides existentes que, embora se assemelhando demais umas As outras, mesmo assim sHo inteiramente estireis quando entrecruzadas. Diversas consideraqties, entretanto, tornam a fecundidade das variedades domisti- cas menos notAvel do que parece h primeira vista. Pode-se demonsmu daramente, em primeiro lugar, que a mera dessemelhanga externa entre duas espides de mod0 alyn determina um maior ou menor grau de fertilidade para o seu cruzamento - e isto i tambtm vilido para as variedades domisticas. Em segundo lugar, alguns narxalistas de renome acreditam que m longo tempo de domesticagHo tende a eliminar a esterilidade nas geragties sucessivas de hfridos que, a principio, teriam sido ligeiramente estireis. Se assim for, certamente n8o devemos esperar que se encontrem casos de fertilidade que apareqa e desapareqa sob condigties de vida Gtuahente constantes. Por fim, e esta acredito que seja a consideraqHo mais im- portante de Lodas, sHo produzidas novas ragas domisticas de animais e vegetais atravis da capaddade de seleqHo met6dica e aleat6ria xtilizada pel0 homem para seu pr6prio benefido e prater. 0 homem nHo pretende - nem seria capaz de consegui-lo, se o quisesse - seledonar diferenqas ligeiras no sistema reprodutor dos seres vivos, nem introduzir outras diferenqas de constituiqHo reladonadas com o sistema reprodutor. 0 homem fornece i s diferentes variedades o mesmo tip0 de alimentos, trata todas elas quase que da mesma maneira, e nHo tem intengHo de alterar seus hsibitos gerais de vida. A natureta age uniforme e lentamente durante extensos periodos de tempo, sobre todo o organismo, sempre visando o pr6prio bem da criatura; deste modo, direta ou indiretamente, mais provavelmente desta liltima forma, ela pode, atravis da correlagHo, modificar o sistema reprodutor dos diversos descendentes de qualquer espide. Vendo a diferenga existente entre a se- leggo provocada pel0 homem e a levada a cab0 pehnatureza, nHo teriamos de nos surpreender com a existtncia de algumas diferenqas nos resultados de arnbas.

Ati o presente momento, temos-nos referido is variedades da mesma espicie como se fossem invariavelmente fecucdas quando entrecruzadas. Todavia, parece- me impossivel resistir i evidkncia da existtnda de certo grau de esterilidade nos poucos casos que a seguirmendonaremos. Trata-se de uma evidencia Go boa como a que nos leva a crer na esterilidade de um sem-niunero de espicies. Ademais, trata- se de uma evidhda apresentada por testemuhas que divergem de minhas id&as, defendecdo o ponto de vista de que a fecundidade e a esterilidade constituem criti- rios seguros no que se refere i disfingio das espides. Gkrner manteve durante muitos anos em seu jardim um p i de d o do tip0 anHo, de g60s amarelos, e uma variedade de grande porte, degrios vermelhos, ambos plantados pr6ximos. Pois bem: embora possuissem sexos separados, as duas plantas nunca se entrecruzaram natural- mente. Ele en60 fecundou treze flores de m corn o p6len do outro mas s6 uma

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espiga produziu alyns g6os - nlo mais que cinco. Neste caso, a manipulagio nio poderia causar danos is plantas, j i que ambas possuiam sexos separados. Pelo que acredito, ningutm sup& que as variedades fossem esptdes distintas, e 6 importante observar que as plantas hbridas nasddas desta d o eramperfnfarnenfefe.rfeis, de ma- neira que CXrtner G o se ardscou a considad-las como espedficamente distintas.

0 caso que vou apresentar a seguir i ainda mais notivel, parecendo-meverda- deiramente incrivel, ao primeiro exame, mas constitui o resultado de espantoso niunero de experiindas realizadas durante muitos anos corn nove esptdes de Verbascum, por um observador que consider0 excelente, embora se coloque entre os adversirios das teses que defendo: Cidrtner. Segundo ele, as variedades amarela e branca da mesma espide de Verbriscum, quando entrecruzadas, produzem menos sementes que as variedades de outras cores, quando fecundadas corn o p6len de suas prciprias flores. Girtner ainda assegura que quando as variedades branca e amarela de uma esptde sio cruzadas com as variedades branca e amarela de uma esptcie distinta, rnaior niunero de sementes 6 produzido pelos cruzamentos entre as flores de mesma cor que entre as de cores diferentes. Entretanto, essas varieda- des de Verbarcurn nio apresentam outras diferengas que nio a mera coloragiio de suas flores, sendo que uma variedade at6 pode se originar da semente de uma outra.

Com base em observagdes que eu prciprio realizei com certas variedades d e malva-rosa, estou indinado a suspeitar de que estas plantas t a m b h apresentam comportamento anilogo.

Ktilreuter, cuja exatidio foi conkmada por todos os outros observadores sub- seqiientes, comprovou o no&vel fato de que certavariedade de fumo comum, quando cruzada com outra espide bem distinta, i mais firti1 do que outras variedades. Suas experiincias foram feitas com cinco formas geralmente consideradas variedades, testadas por ele de maneira bem acurada, atravks de cruzamentos reciprocos, do que resultou a condusio de que seus descendentes mestisos eram perfeitamente fecundos. Uma dessas dnco variedades, portm, usada ora como pai, ora como mie, em cruzamentos com a Nicofianag/u!inosa, sempre produzia hibridos nio Go esti- reis como os resultantes das quatro outras variedades, quando cruzadas igualmente com a N. glutinosa. Portanto, o sistema reprodutor desta variedade deve de algum mod0 ter sofrido um certo grau de modificagiio.

Em virtude destes fatos, assim como da grande dificuldade de se comprovar a infecundidade das variedades nativas, espedalmente porquanto uma suposta varie- dade, se apresentar algum graudeinfecundidade, geralmente seri considerada como espide; emvirtude do fato de que o homem apenas seledona caracteristicas exter- nas no que se refere i produgio das mais diversas variedades domisticas, sem ma- n i f e s t ~ qualquer intengio de produzir diferensas profundas quanto ao fundona- mento de seus sistemas reprodutores; em virtude de tudo isto, niio acredito que a fecundidade constatada de maneira t io geral entre as variedades seja comprovadamente de ocorrinda universal, de molde a constituir uma disdngZo fundamental entre as variedades e as espides. A fecundidade g a d das variedades nio me parece suficiente para invalidar a condusiio a que cheguei com respeito i esterilidade que sempre, ou melhor, quase sempre ocorre nos primeiros cruzamen- tos e quanto aos hbridos, ou seja, que G o se uata de um dom especial, mas sirn de

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modificaqBes addentais, adquiridas lentamente, de maneira especial nos sistemas reprodutores das formas entrecruzadas.

Compara~2o enfre hibridos e rnesiz~os, indepndente de suafrti'lidade

Independentemente da questZo da fertilidade, descendentes do cruzamento de duas espicies ou de duas variedades podem ser comparados no que se refere a diversos outros aspectos. Gitner, que ansiava por estabelecer uma nftida linha divi- s6ria entre espides e variedades, ao procurar diferenqas entre os chamados "des- cendentes hfridos" e "descendentes mestigos", encontrou muito poucas, e todas irrelevantes, segundo me parecem. AlCm do mais, creio que apresentam muitos pontos de contato no que tange a diversos aspectos importantes.

Este assunto seri aqui discutido de maneira extremamente sucinta. A distingio mais importante i a de que na primeira geraqio os mestiqos sio mais variiveis que os hfridos, muito embora GHrtner admita que os hiridos das espedes cultivadas hilongo tempo eventualmente sejamvariiveis na primeira gera@o. Eu pr6prio tive a oportunidade de constatar exemplos nodveis deste fato. Cidrmer t a m b h admite que os hiridos descendentes de espides muito pr6ximas sHo mais variiveis que os descendentes de espicies muito distintas, e isto serve para mostrax que a diferenga no grau de variabidade aumenta ou diminui gradualmente. Quando mestiqos e hfridos fecundos se propagam por virias geragaes, verifica-se uma excessiva vari- abilidade em sua descendencia, mas seria possivel dtar uns poucos casos de perma- n h d a inalterada de caractedsticas, tanto entre hiridos como entre mestiqos. To- davia, a variabilidade constatada nas geraqaes sucessivas d e mestiqos talvez seja maior que a constatada nos hfridos.

Esta maior variabilidade encontrada nos mestiqos 160 me surpreende em abso- luto. Com efeito, sendo os mestiqos descendentes de variedades, e em sua maior parte variedades domisticas, uma vez que se tentaram pouquissimas experiendas com variedades nativas, isto implica, na maior parte dos casos, em variabilidade adquirida recentemente; por conseguinte, pode-se esperar que esta variabilidade tenha prosseguimento e se superponha i que teria surgido em decorr6nda do mero ato do cruzamento. Merece atengio o curioso fato do pequeno grau de variabilida- de dos hibridos oriundos de primeiros cruzamentos ou de primeira geragio, em contraposiqio i extrema variabilidade que se manifesta nas geraqBes subseqiientes, pois isto vem confirmar e corroborar minha idiia sobre a causa da variabilidade ordiniria, isto 6, a que se deve ao fato de ser o sistema reprodutor extremamente sensivel a qualquer alteragzo nas condiqBes de vida, o que eventualmente pode torni-lo importante, ou pelo menos incapaz de realizar sua h q i o especXca, qua1 seja a de produzir descend&& idhtica i de seus genitores. Ora, os hiridos de primeira gerago, salvo no caso daqueles produzidos a partir de forrnas cultivadas h i longo tempo, descendern de espides cujos sistemas reprodutores ainda nHo foram afetados; por isto, nio sio variiveis, ernbora eles pr6prios tenham seus sisternas reprodutores seriamente afetados, e seus descendentes sejam altamente vadveis.

Mas retornemos i nossa comparaqHo entre mestigos e hfridos. Gkmer insiste em que duas espides, ainda que muito pr6ximas, cruzadas com uma terceira, hi0 de produzir hiridos, inteiramente diferentes, enquanto que duas variedades, ainda

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que muito distintas, cruzadas com outra espide, hio de produzir hiridos com apenas pequenas diferenqas. Pelo que deduzi, porim, esta condusio se baseou numa G c a experienda, parecendo diferir inteiramente dos resultados de diversas outras experitnuas levadas a cab0 por Kolreuter.

Sio estas, apenas, as diferenps pouco importantes que Cidrmer conseguiu en- contrar entre os vegetais hiridos e mestiqos. Por outro lado, as semelbanqas entre os mestiqos e os hiridos com relaqio a seus respectivos genitores, mais espedal- mente no caso dos hiridos produzidos a par& de espides muito prbximas, de acordo corn Grtner, seyem as mesmas leis. Quando se cruzam duas espides, uma delas eventualmente apresenta a capaddade de predominar sobre a outra, im- primindo sua aparenda no hibrido resultante; penso que o mesmo se d i com as variedades vegetais. Com os animais, uma determinada variedade por vezes mani- festa esta predominincia. 0 s vegetais hibridos resultantes de cruzamentos recipro- cos, em gerai, se assemelham bastante uns corn os outros, da mesma forma que ocor- re com os mestiqos resultantes de cruzamentos reuprocos Tanto os hiridos como os mestiqos podem reassumir as caracteristicas dos genitores, atravis de cruzarnentos repetidos com uma das esptcies puss originais, durante sucessivas geraqdes.

Aparentemente, estas diversas regras sio apliciveis aos animais; todavia, trata- se de mn assunto excessivamente complexo, em parte devido i existencia de caracteres sexuais secundirios, mas tambim - e principalmente - em razio do fato de que a capaddade de transmitir o aspecto externo i mais forte em um dos dois genitores, dependendo do seu sexo, no que se refere ao cruzamento tanto de espides como de variedades. No meu modo de pensar, estariam certos os autores que a6rmam possuir o jumento predomininda sobre o cavalo, j i que os hiridos do cruzanento de suas espides -. os muares - se assemelbam mais a asininos que a eqiiinos. Ressalte-se, porim, que esta predominhda i mais acentuada no caso do jumento do que no da jumenta, pois os muares mais comuns, fiihos de jurnento com igua, sio mais pareddos corn o pai do que os muares "bardotos", resultantes do cmamento do cavalo corn a jumenta.

Alguns autores tEm conferido grande importhcia ao fato de que s6 os animais mestiqos teriam aspecto que lembra mais um dos seus genitores; no entanto, pode- se demonsw que td fato ta rnbh ocorre eventualmente com os hiridos, muito embora eu nZo possa deivar de admitir que isto se d i bem menos freqiientemente. Verificando-se os casos que recolhi acerca de cruzamentos de animais dos quais resultaram descendentes cuja apartnda lembra mais a de um dos genitores, as se- melhanqas parecem restringk-se principalmente a caracteristicas de natureza antes monstruosa, sxgidas de maneira slibita, tais como o albinismo, o melanismo, a ausencia de cauda ou de chifres, ou a presenqa de dedos extras, nio se reladonando a caracteres adquiridos paulatinamente, por intermidio da seleqio natural. Por con- seyinte, as regressdes slibitas i s caracteristicas perfeitas de urn dos genitores seri- am mais suscetiveis de ocorrer com os mestiqos, resultantes de cruzamentos de variedades surgidas repentinamente e possuidoras de caracteres semimonstruosos, do que corn os hiridos, resultantes do cruzamento de espides produzidas de ma- neira lenta e natural. Em linhas gerais, concord0 com o Dr. Prosper Lucas, que, ap6s analisar enorme conjunto de fatos com respeito aos animais, chegou i condu-

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siio de que as leis que regulam a semelhanga dos filhos com os pais siio sempre as mesmas, quer se reham a pais muito pareddos, quer apais bem diferentes; ou seja, quer se trate de cruzamentos de individuos da mesma variedade, ou de variedades diversas, ou mesmo de espides distintas.

Deixando de lado a questiio da fetuf~didade e da esterilidade, parece haver, sob todos os outros aspectos, grande e geral semelhanga entre os descendentes de espb des ou de variedades cruzadas. Se considerarmos as espides como resultantes de atos espedais de criagiio, e as variedades como seres cuja criagiio teria sido dirigida por leis secundhias, esta semelhanga constituiria urn fato deveras espantoso. PJote- se, porim, que ela se harmonizaperfeitamente com a teoria de que niio existe dife- renga essendal entre espides e variedades.

0 s primeiros cruzamentos entre formas sufidentemente distintas para serem classificadas como espicies, assim como os h%ridos resultantes desses cruzamen- tos, siio muito freqiientemente, mas niio de maneira universal, estireis. A esterilida- de varia dentro de uma completa graduagiio, sendo por vezes tiio discreta que os dois maiores estudiosos do assunto, corn base em suas expericndas, acabaram por chegar a condus6es diametralmente opostas no que se refere a dassificar as formas atravb deste critirio. A esterilidade varia de maneira inata nos individuos da mesma espide, sendo eminentemente suscetivel is condig6es favohveis ou desfavohveis. 0 grau de esterilidade niio corresponde estritamente i afinidade sistemitica, sendo dirigido por diversas leis curiosas e complexas. E geralmente diferente, e i s vezes muito diferente, quando se refere a cruzamentos redprocos entre as mesmas duas espides. Nem sempre se mostra igual em relagiio ao primeiro cruzamento e aos hfridos dele resultar.tes.

Na enxertia, capaddade que uma espide ou uma variedade apresenta de se enxertar em outras 6 addental, dependendo geralmente de diferengas desconhed- das em seus sistemas vegetativos. 0 mesmo se d i nos cruzamentos: a maior ou menor facilidade que uma espide possui de se cruzar com outras i addental e depende de diferengas desconheddas em seu sistema reprodutor. Niio h i mais ra- ziio para se acreditar que as espicies tenham sido dotadas espedalmente de divetsos graus de esterilidade, a fim de se evitar que eks se cruzem e se misturem dentro da natureza, do que se crer que as &ores tenham sido dotadas de graus diversos, e at6 certo ponto anilogos, de dificuldade de se enxertarem umas nas outras, a fun de se evitar que tal fato possa ocorrer em nossas florestas ...

A estedidade dos primeiros cruzamentos entre espides p u s , possuidoras de sistemas reprodutores perfeitos, parece depender de diversas circunsthcias, deven- do-se boa parte das vezes h morte precoce do embriiio. A esterilidade dos h%ridos, cujos sistemas reprodutores siio imperfeitos, e que possuem toda a sua organizagiio perturbada, em fungiio do fato de serem compostos de duas espides distintas, pa- rece estar mrdto !igada h esterilidade que 60 freqiientemente afeta as espicies puras cujas condigBes namais de vida foram subitamente alteradas. Este ponto de vista encontra apoio num outro tip0 de paralelismo:.~ de que o cruzamento de formas

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ligeiramente distintas favorece o vigor e a fecundidade dos descendentes, e o de que ligeiras alteraqdes nas condiqdes de existincia sHo aparentemente favoriveis ao vi- gor e B fecundidade de todos os seres organizados. NZo causa surpresa que o grau de dificuldade existente quanto ao cruzamento de duas espicies e o grau de esteri- lidade de seus descendentes hfridos geralrnente se correspondam, embora isto se deva a causas distintas, pois ambos dependem da soma de diferenqas de algum tipo entre as espkdes que sHo cruzadas. T a m b h nHo causa surpresa que a facilidade de se efehlar um pdmeiro cruzamento, a fecundidade dos hfridos resultantes e a ca- paddade.de se enxertar- embora esta liltirna dependa evidentemente de circuns- tinuas inteiramente diferentes - todas correspondam, at6 certo ponto, B afinidade sistemitica das formas submetidas B experitnda, pois a afinidade sistemitica tenta representar todos os tipos de semelhanqa existentes entre todas as espides.

0 s primeiros cruzamentos entre formas indiscuiivel ou provavelmente consi- deradas como variedades, assim como seus descendentes mestiqos, sHo, de maneira geral, mas nHo universal, firteis. Nada M de surpreendente nesta fertilidade perfeita e quase geral, quando memos em mente como estamos sujeitos a andar emdrcu- 10s com respeito is variedades em estado nativo, e quando nos lembramos de que o maior n b e r o de variedades foi produzido dentro do estado domkstico, atravis da

. seleqHo de meras diferenqas externas, e niio de diferenqas quanto ao sistema reprodutor. No que se refere a todos os aspectos, exceto o da fecundidade, existe uma grande semelhanqa geral entre hfridos e mestiqos. Para encerrar, portanto, nHo me parece que os fatos apresentados rapidamente neste capitulo se contrapo- nham, mas sim que sustentem a idiia de que G o exista uma distinqiio bdamental entre as espides e as variedades.

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Aurinriu de vuritd,&rinlem~ed~iriu~ nos d iu abiuir-illathqu c nimero dm rorie&- der infermtdidriu exhn/uI- Anpbrpcriodor de tempo &rom'do, roonjm re deducdd wloddudr du depmijo r & &rn~duf.io - Pobrqn & norru rok{~erpokon/o/dg;rus - Itr/ermi/~nriu dufinnupicr geoldgit~r - Inuirtinrio de toritdado intern~dritior nur

firmu{dcrgr6ldgiru1 - Sun jIibi1.I opdri[Zo nor rrnulorfcr~;b~mr inpriorcr.

o sexto capitulo, enumerei as prindpais objeg6es que podem com razz0 ser levantadas contra as idiias sustentadas neste limo. A maior parte delas j i foi discutida. Bastante 6bvia i aquela que diz respeito i distinqZo das for-

mas especificas, e ao fato de nio serem interlipdas por inheros elos de transiqZo. Expusemos as raz6es pelas quais tais elos nZo ocorrem freqiientemente em nossos dias, quando as circunstbcias sio aparentemente mais favoriiveis i sua presenga, desde que existem extensas ireas continuas apresentando uma gradagio continua de condig6es fisicas. Procurei mostrar que a vida de cada espicie depende grandemente da presenga de outras formas organizadas j i definidas, mais do que do pr6prio clima, e que, por conseguinte, as condiq6es de vida realmente determinantes nZo apresentam a graduagio insensivel que caracteriza o calor ou a umidade da irea. Procurei demonstrar ainda que as variedades intermediirias, por serem menos numerosas que as formas situadas nas extremidades da corrente da qual elas constituem os elos, geralmente perdem sua condigZo de sobrevivhcia e sZo exterminadas durante o curso das modificag6es e aperfeiqoamentos ulterior- mente adquiridos pelas espides extremas. Entretanto, a causa principal de nio ha- ver hoje um incontivel n h e r o de elos intermediirios na natureza decorre do pr6- prio processo de seleqio natural, devido ao qual as variedades novas es6o sempre ocupando os lugares das antigas formas, que deste mod0 se extinguem. Todavia, na mesma proporqZo em que este processo de exterminio atuou em escala gigantesca, tambkm deveria ter sido enorme o niunero de variedades intermediirias outrora existentes no mundo. Por que razZo toda formag50 geol6gica e toda camada sedimentar nZo se encontram repletas destes elos? Com efeito, a Geologia nZo nos revela nenhuma cadeia orginica interligada por elos continuos, sendo esta, talvez, a objegZo mais evidente e ponderivel que se possa contrapor i rninha teoria. Todavia, penso que a explicagio se prenda i extrema imperfeiqio dos registros geol6gicos.

Primeiramente, teremos de imaginar que tipos de formas intermediirias deveri- am ter existido outrora, com base na teoria que defendo. Quando examino duas espides, nZo consigo evitar que rninha mente visualize as formas diretan~ente inter- m&as entre arnbas. Trata-se, p o r h , de p u n imaginagZo, inteiramente sem base, pois o mais certo seria procurar descobdr as formas intermediirias entre cadauma

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0 dima tambim afeta a evolusiXo das espicies. 0 cicms, por exemplo, adaptou-se i s condig6es do deserto.

dessas espicies e um ancestral desconhecido, comurn a ambas, e o mais certo 6 que este ancestral%diferisse, quanto a certos aspectos, de todos os seus descendentes modificados. A y i sa de exemplo, lembremo-nos de que os pombos dos tipos rabo- de-leque e papo-de-vento descendem ambos da pomba-das-rochas. Se possuisse- mos todas as variedades interaediLrias que j i existiram ate hoje, f ~ r m ~ a m o s duas series bem extensas; todavia, nZo existem formas intermedifuias diretas entre os dois descendentes, ou seja, nZo h i exemplares de pombos que combinem num mesmo corpo * m a cauda mais aberta e um pap0 algo dilatado, que constiruem as caracteristicas mais marcantes destas d ~ a s ragas. AiiL, ambas j i se modificaram a tal ponto que, se nZo houvesse provas hist6ricas ou Lqdiretas que confirmassem sua origem, seria virtualmente impossfvel, com base na mera comparagZo de dois espB dmes, determinar se ambas as raps descenderiam diretamente da pomba-das-ro- chas ou de outra especie prbxima, como a Columba oenar, por exemplo.

0 mesmo se d i corn as espicies existentes na natureza. Se examinarmos duas formas bem distintas, como por exemplo o cavalo e a anta, nZo haveria razZo para

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supormos que algum dia teria existido uma cadeia de elos de transigio entre ambas as espicies, mas sim duas cadeias, cada qual ligando a espicie atual a seu ancestral comum 8s duas. Este ancestral certamente deve ter possuido alguma semelhanga tanto com o cavalo como com a anta; porim, no que se refere a diversos aspectos estruturais, deve ter sido consideravelmente diferente de ambos, talvez mais do que o sZo hoje as duas espicies atuais. Por conseguinte, em caos como estes, ser-nos-ia impossivel reconhecer a forma ancestral de duas ou mais espides, mesmo compa- rando-se as estruturas deste ancestral com as de seus descendentes modificados, a nio ser, i daro, que possuissemos uma cadeia quase perfeita de elos intermediirios.

Pode ocorrer, com base em minha teoria, que, entre duas formas existentes hoje em dia, uma descenda da outra - exemplo: qJe o cavalo descenda da anta. Neste caso, elos intermediirios diretos devem ter existido entre ambas as formas. Em casos como este, infere-se que uma forma tenha permaneddo inalterada por longo tempo, enquanto seus descendentes modificados prosseguissem sofrendo grande soma de variagio. Ora, o priicipio de competigio entre os organismos, levando i disputa entre genitores e descendentes, tornaria tal fato extremamente raro, pois as formas de vida aperfeigoadas sempre tenderio a suplantar as antigas, dotadas de menos recursos para sua.sobrevivinda.

Pela teoria da selegio natural, todas as espides vivas estariam ligadas 8s espides ancestrais de cada ghero, por diferengas nio maiores do que as existentes entre as variedades atuais, pertencentes 8s mesmas espides; e esses ancesnais, hoje via de regra exhtos, por seu turno estariam ligados de maneira semelhante a espides ainda mais astigas, o mesmo ocorrendo com estas, e assim por diar.te, convergindo sempre pua o ancestral comum de cada grande dasse. Deste modo, o n~mero de elos intermediirios de transiqio entre todas as espicies vivas e extintas deve ter sido inconcebivelmente grande. Se for vilida esta teoria, porim, o certo i que tais espB des efetivamente existiram algum dia.

Independente do fato de G o se encontrarem restos f6sseis dos numerosissimos elos intermediirios, pode-se ainda objetar que o tempo nio poderia ter sido sufici- ente para tio consideriveis modificag6es ormcas , j i que este processo dirigido pela selegio natural se efetua de maneira extremamente lenta. Tenho certa dificul- dade de encontrar um mod0 que permita ao leitor, provavelmente pouco afeito ao estudo da Geologia, formar uma idsa ainda que pilida da duraqio dos tempos geol6gicos. Quem porventura j i leu o tratado de Sir Chades Lyell "Principios de Geologia", que os historiadores do futuro reco.nhecer;io haver produzido uma ver- dadeira revolugio no campo das Ciincias Naturais, e mesmo assim nio admite que os petiodos de tempo decorridos entre as eras geol6gicas tenham sido inconcebi- velmente extensos, poderi interromper aqui mesmo a leitura e p6r este livro de lado. N2o qJe baste estudar a obra de Lyell, ou ler tratados de diferentes pesquisa- dores com respeito a esta ou qualquer formag20 em particular, assinalando como cada autor tenta dar uma id&a qualquer sobre a duragio de cada petiodo, ou do tempo decorddo para a formagZo.de uma camada completa. A pessoa pode mesmo examinar durante anos e fio enormes pilhas de camadas superpostas, e estudar o

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0 Tigre

trabalho abrasivo do mar desgastando os rochedos e formando sedimentos novos, antes que pretenda ter id& do tempo geo16gico transcorddo, cujos monumentos se encontram $ nossa volta.

E interessante caminhar ao longo do litoral formado por rochas resistentes e observar o processo de abrasiio. Na maior parte das vezes, a mar6 alta alcanga os rochedos apenas duas vezes por dia, durante pouco tempo, e as ondas desgastam as rochas somente se trouxerem consigo seixos e areia, pois h i raziio para se acreditar que a igua pura pouco ou nenhum efeito acarrete sobre as rochas. Ao final, a base da falesia 6 solapada e grandes fragmentos ruem por terra, sendo es160 desbasta- dos, itomo por itomo, at& que seu tamanho permita que sejam rolados pela ipas , que rapidamente os desfazem ainda mais, reduzindo-os a seixos, a areia, a lodo. Mas quantas vezes podemos ver ao iongo do sop6 das falbias grandes matac6es rolados, densamente revestidos de cobertura orginica de origern marinha, numa evidcncia de sua fixagiio naquele local e da cessagiio do processo abrasivo! N i m disto, se prosseguirmos bordejando durante algumas milhas umalinha de rochedos litorine- os em processo de degradagiio, veremos que s6 aqui e ali, em pequenos trechos, e de maneira especial nos promont6dos, ocorre atualmente a erosiio provocada pel0 mar. 0 aspect0 superficial e o recobrimento vegetal revelam que longo tempo de- correu desde que as @as cessaram de desgastar a base desta ou daquela falisia.

Quem estuda a fundo a agiio do mar sobre nossos rochedos litorheos, acredito que h i de ficar profundamente impressionado com a lentidiio de seu desgaste. As observag6es feims a respeito deste assunto por Hugh Miller e pel0 excelente obser-

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vador Mr. Smith, de Jordan W, s20 efetivamente notiveis. Depois de tais leituras, qualquer um que examine as camadas de conglomerados de milhares de p b de espessura, ainda que elas se formem provavelmente em tempo bem mais curto que muitos outros dep6sitos, mas que, por s e r v formadas de seixos rolados e gastos, evidendam as marcas do tempo, hh de entender a lentid20 com que tais estratos se acumularam. Que se tenha em mente en60 a feliz observagio de Lyell de que a espessura e a extensio das formagbes sedimentares constituem o resultado e d2o a justa medida da degradagio at6 hoje sofrida pela crosta terrestre. E que volume.de degradagio nnHo deve ter havido, considerando-se os dep6sitos sedimentares exis- tentes em tantos lugares da Terra! 0 Professor Ramsay forneceu-me as espessuras m a a s das formagbes existentes na G6-Bretanha, na sua maior parte medidas, e em alguns casos calculadas atravis de estimativas, e eis o resultado:

ESTRATOS PES METROS'

Paleoz6icos (n2o incluindo as camadas de rochas igneas 57 154 17 420 Secundirios 13 190 4 020 Terdirios 2 240 629

No conjunto, portanto, totalizam 72 584 pis (22,l km), ou seja, quase 13,75 milhas inglesas. Algumas dessas formagbes, que s2o representadas na Inglaterra por camadas delgadas, correspondem no Continente a camada de milhares de pis de espessura. Ademais, entre cada formagio sucessiva, ocorreram, segundo a opiniiio da maioria dos ge6logos, periodos esadonirios excepcionalmente longos. Assim sendo, as consideriveis pilhas de rochas sedimentares existentes na Gri-Bretanha n2o fornecem sen20 uma idiia impredsa do tempo decorrido para sua acumulagzo; mesmo assim, que tempo fantistico! Especialisas no assunto calcularam que a ve- loddade de deposigio de sedimentos do grande Rio Mississipi 6 de apenas 600 pis (1 83 m) em cem mil anos. Esta estimativa pode ser inteiramente errada; entretanto, basta considerar-se a vastid20 do espago atravis do qual os sedimentos finissirnos snHo transportados pelas correntes marinhas para se verificar que o process0 de acu- mulagio numa determinada irea deve ser extremamente lento.

Independente da velocidade de acumulag20 dos sedimentos, a melhor evid6n- cia da duraqio dos tempos geol6gicos provavelmente seria dada pela desnudagio sofrida pelas camadas existentes em virios locais. Lembro-me de ter ficado muito impressionado com a evidinda da desnudag20 ao contemplar as ilhas vulcinicas, batidas pelas ondas do mar que as desgastaram em todo o seu contorno, formando recheados verticais de urn ou dois mil p& de altura (300-600m), pois a suave inclina- $20 das correntes de lava, devido ao seu anterior estado liquido, revelava ao pdmei-

1. Como o Autor inMdavelmentc emprega as medidas do sistcmaingl*, nesta passagem, a s h como em toda as ouuas que se seyun, adotamor o sistema de ttansfarmi-ks para o sirtema mtaico d e d , enue parhtcses e em icilica (N. do T.)

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ro exame como i que as camadas de rocha dura deviam outrora estender-se pelo mar afora. 0 mesmo se pode imaginar quando se observam as falhas - aquelas grandes fclturas ao longo das quais as camadas foram soerguidas ou rebaixadas, criando desdveis de milhares de pb. Com efeito, desde que a crosta se fraturou, a agio do mar realizou um trabalho completo de terraplanagem naquele local, elimi- nando quaisquer vesdgios externos desses amplos deslocamentos.

A falha de Craven, por exemplo, apresenta um desnivel de 30 milhas (48 km), e, ao longo desta linha de falha, o deslocamento verdcal dos estratos variou de 600 a 3000 p b (183-914 m). 0 Prof. Rarnsay publicou um artigo relatando a existincia de um rebaixamento em Anglesea da ordem de 2 300 pis (700 m) e, segundo me informou, i de se acreditar que haja outro em Merionethshire de cerca de 12 000 pis (3 658 m). Mesmo assim, nada na superfide mostra que a l p dia tenha ocor- rido um deslocamento 60 prodigioso, pois as camadas rochosas dum lado e de outro acabaram por nivelar-se lentamente atravis dos tempos. 0 exame de fatos como estes deiva mente 60 impressionada como a v i tentativa que L vezes fazemos de conceber a idsa de eternidade.

Sou tentado a dtar: outro exemplo, o conhecido caso da desnudagio do Weald, embora tenhamos de admitir que esta desnudagio nio passou de um fato insignifi- cante, em comparaq2o com a que removeu blocos inteiros de nossas camadas paleoz6icas, i s vezes de uma espessura de dez mil pis, conforme demonstrou o Prof. Ramsay em seu magistral estudo sobre este assunto. No entanto, que admiri- vel lip7.o se ganha postando-se nas colinas dos North Downs e contemplando ao longe as dos South Doens, uma vez que, tendo-se em mente o fato de que, a relati- vamente pouca disthda para oeste, suas escarpas se juntam num s6 bloco, pode-se ati visualizar o grande domo rochoso que deveria recobrir a depressio do Weald numa epoca relativamente recente, ou seja, ainda na dtima parte da Formaqio Crekicea. A disthda da extremidade setentrional i meridional dos Downs i de cerca de 22 milhas (35,4 km), e a espessura de suas diversas formaq6es alcan~a em midia por volta de 1 100 pis (335 m), conforme fui informado-pelo prof. Ramsay. Todavia, se for verdade o que supdem aiguns ge6logos, ou seja, que no subsolo do Weald se estende urn rnaci~o antigo, em cujos flancos se teriam acumulado dep6si- tos sedimentares, formando camadas extremamente espessas, estaria errada a esti- mativa que apresentamos h~5 pouco, se bem que este tip0 de dfivida provavelmente nZo iri afetar o ciilculo relativo i extremidade oddental desta irea. Portanto, se for possivel calcular a veloddade com a qual o mar geralmente desgasta uma linha de rochedos, qualquer que seja sua altura, seria possivel calcular-se o tempo que teria sido gasto para se procedera desnudaqio do Weald. Isto, evidentemente, i irnpos- sivel; no entanto, a fim de formarmos uma n o ~ i o ainda que piiida desses nheros , podemos partir dapremissa de que o mar seriacapaz de desgastaruns 500 p b (152, 4m) de altura nos rochedos, a uma veloddade de uma polegada (25, 4 mm) por siculo. A primeira vista, pode parecer que se tram de um recuo muito pequeno, mas i a mesma coisa que se presumissemos que uma falisia de uma jarda (O,9lm) de altura fosse inteiramente desgastada ao longo de uma costeira i veloddade de uma jarda a cada vinte e dois anos, aproximadamente. Duvido que qualquer tip0 de rocha, mesmo uma 60 tenra como a greda, recuasse por erosio a tL veloddade, a

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nZo ser no caso de litorais muito expostos i M a do mar, muito embora nZo se possa duvidar de que a degradagiio de um bloco rochoso elevado seria mais ripido em fungZo do rompimento dos fragmentos caidos. Por outro lado, nZo acredito que urn litoral rochoso de dez ou vinte milhas (16-32 km) de extensso sofra uma degra- da~Zo simultinea em toda a sua fachada. Ademaiq temos de nos lembrar que quase todos os estratos cont2m intrusdes, n6dulos e camadas mais resistentes que, de tanto resistirem ao amto, acabam por formar um quebra-mar na base dos rochedos. Portanto, dentro de drcunstincias normais, conduo que, para um bloco rochoso de 500 pis de altura, a desnudagZo de uma polegada por siculo, em toda a sua extensiio, constituiria uma perda de material assaz considerivel. A tal velocidade, considerando-se corretos os dados h i pouco apresentados, a desnudagZo do Weald teria dispendido 306 662 400 anos - - sim, mais de trezentos milhdes de anos!

A agZo erosiva da i p doce sobre a regiZo do Weald, que i apenas ligeiramente inclinada, nZo deve ter sido considerivei, a par& do momento em que essa irea foi soerguida, mas sempre seria capaz de reduzir o niunero de anos estimados para a sua formagZo. Por outro lado, durante as oscilagdes do ~ v e l do mar, cujos efeitos sabemos que foram sentidos nesta irea, a superfie do que hoje i submarino pode ter-se apresentado emersa durante milhdes de anos, escapando deste mod0 i a~Zo abrasiva do mar; do mesmo modo, se esta irea enti50 emersa posteriormente sub- mergisse e assim permanecesse durante period0 de tempo igualmente longos, tam- bim teria escapado i agZo abrasiva das vagas litorheas. Assim sendo, h i toda a probabilidade de que o tempo decorrido entre o h a l da Era Secundixia e os nossos &as seja mesmo superior a 300 d b d e s de anos.

Fiz tais observagdes porque 6 extremamente importante para n6s TJe terha- mos algurna nogZo, mesmo que imperfeita, da duragZo dos tempos geo16gicos du- rante os quais, em todas as partes do mundo, terras e i p s estavarn povoadas por verdadeiras legides de formas vivas. Como nZo deve ter sido quase infinite, incon- cebivel para nossas mentes, o niunero de geragdes que se sucederam atravis desta imensdvel seqiihcia de anos! Mas vamos visitar nossos museus de Geologia, e que vemos? Mesmo naqueles mais ricos, que espeticulo pobre! ...

X i i m pode deixar de concordar que nossas colegdes paleontol6gicas sejam extremamenteprecirk NZo nos esquepmos do que disse o falecido 3dward Forbes, aquele admirive1 paleont6logo: a maior parte de nossas espicies f6sseis conhecidas foi dassificada e denominada a partir de urn h i c o espicime, muitas vezes incom- pleto e fragmentado, ou enti50 de um pequeno grupo de espicimes encontrados num h i c o local. Apenas uma pequena parcela da superfie terrestre se acha explo- rada do ponto de vista geol6gic0, e nenhuma com a minricia necessixia, conforme o provam os importantes descobrimentos que a todo ano se fazem na Europa. 0 s organismos tenros nZo se preservam. Conchas e ossos se corrompem e desapare- cem quando se assentam no fundo do mar, em ireas nas quais nZo se verifica a acumulagZo de sedimentos. Penso que cometemos continuamente um erro crasso quar.do admitimos taJtamente que os sedimentos se depositam sobre todo o fun-

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do dos mares, numa veloddade sufidentemente ripida para o soter-ento a conseqiiente preservagiio dos restos f6sseis. Em extensissimas iireas ~ c e & ~ a s , a cor azul brilhante das iguas testemunha sua pureza 0 s numerosos registros de forrna~des recobertas de maneira regular, ap6s longo intervalo de tempo, por ou- tras formag6es mais recentes, sem que as camadas recobertas aparentem haver so- frido qualquer desgaste durante aquele intervalo, s6 se explicam admitindo-se a idiia de que o fundo do mar por vezes se conserva inalterado durance pedodos geol6gicos inteiros. 0 s restos soterrados por areias ou por seixos gerahente sio dissolvidos pelas enxurradas, &o logo as camadas soerguidas emergem i superficie. Presumo quepouquissimos animais, dentre os diversos que vivem na faixa litorinea que fica submersa durante a mar& alta, sejam preservados. Como exemplo, podem- se dtar diversas espides dos Chtbamainae, subfamilia dos cirdpedes sbseis, que revestem os rochedos situados i beira-mar em todos os quadrantes da Terra, em nrimeros infinitos: todas sio exdusivamente litorheas, salvo uma b i c a excego, a de certa espicie mediterrinea que vive em iguas profundas e que foi encontrada na S i d a em estado fossilizado, enquanto que at& hoje niio se encontrou outra espicie desta subfamilia em nenhuma formagZo terdiria. Entretanto, sabe-se hoje em dia que o ghero Chthadus existiu durante o Periodo Creticeo. Caso anilogo 6 o dos moluscos do ginero Chiton.

Com respeito 2s produg6es terrestres que viveram durante as Eras Secundkia e Paleoz6ica, & desnecessiirio dizer que os restos f6sseis destas idades sio exuema- m a t e fragmenthios. Como exemplo disto, basta mendonar-se que nio se conhece at& hoje nenhum molusco terrestre pertencente a qualquer um destes longos pedo- dos geol6gicos, excegiio feita a urn que foi descoberto por Sir Charles Lyell nas camadas carboniferas da Amirica do Norte. JL com referincia a restos de madfe- ros, melhor do que piginas e piginas de leituras a este respeito basta-nos um relan- cede olhos no quadro hist6rico publicado no Suplemento do Manual de Lyell para moscrar a eventualidade e raridade de suapreservagiio. Isto nHo & de causar surpre- sa, tendo em mente a grande proporgiio de ossos de mamiferos da Era Terciiria descobertos em grutas e em dep6sitos lacustres, e sabendo-se que nenhuma gruta e nenhuma camada de dep6sitos lacustres conhecidas siio da mesma idade que nos- sas formagries secundirias ou paleoz6icas.

Mas a imperfeigHo dos registros geol6gicos resuita principahente de causa ain- da mais importante que as at& aqui mendonadas: o fato de que as diversas forma- q6es sHo separadas umas das outras por vastos intervalos de tempo. Quando obser- vamos os quadros que mostram a seqiiencia das formag6es geoldgicas, conforme se trazemnos livros, ou quando os verificamos nanatureza, & difid evitar a condu- sio de que as formagries geol6gicas niio sejam rigorosamente seqiientes. Mas sabe- mos, por exemplo, com base na grande obra de Sir R. Murchison sobre a Rhsia, que existem naquele pais longos hiatos entre as formag6es sobrepostas; o mesmo se d i na America do Norte e em diversas outras partes do mundo. 0 mais perito dos ge6logos, desde que tivesse sua atengiio vo!tada exclusivamente para a RCssia ou para outro territ6rio de superficie assim Go vasta, sequer suspeitada de que, durante pedodos inteiramente inertes no que se refere iquela terra, em outras ireas do mundo se teriam acumulado enormes dep6sitos sedimentares, repletos de for- mas de vida diversas e peculiares. E se dificiimente tedamos condig6es de calcdar o

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tempo decorrido entre duas formagdes consecutivas, com base nas observagdes realizadas num determinado terdtbdo, pode ser que isto nio ocorra com relagio a outra irea. As mudangas frequentes e consideriveis na composigio mineralbgica das formagbes consecutivas, implicando geralmente em profundas mudangas nas caracteristicas geogrificas das terras adjacentes, das quais provim os sedimentos, concorda com a crenga de cpe vastos intervalos de tempo tedam decorrido entre cada uma dessas formagdes.

Creio ser possivel explicar por que seriam quase invariavelmente intermitentes as formag6es geol6gicas existences pel0 mundo, ou seja, por que razz0 essas forma- gdes nzo se sucedem numa sequ2ncia continua. Poucas vezes deparei com um fato 60 admirive1 como o que tive oportunidade de verificar nas costas da Amirica do Sul: observando este litoral por centenas de milhas e sabendo que o mesmo havia sofddo urn soerguimento de muitas centenas de pis numa ipoca relativamente recente, pude constatar a ausbcia de dep6sitos recentes sufidentemente extensos para corresponder sequer a um curto period0 geol6gico. Ao longo de toda a costa oddental, habitada por uma fauna marinba tipica, as camadas terdirias sio 60 pouco desenvolvidas que nio podedam conter testemunhos das faunas intermedi- irias e ancestrais desta que atualmente ali se encontra. Uma rsipida andise permite encontrar-se a explicagio da inexistincia de formagbes extensas no oeste da Ami- dca do Sul, recobrindo restos terciirios ou mesmo quaternirios, apesar da grande produgzo de sedimentos, devido h enorme degradagzo dos rochedos litodneos e das correntes de lama que se langam no mar: acontece que os dep6sitos litorheos e sublitodneos sofrem urn continuo process0 de desgaste, 60 logo sobem i super- fide no bojo das terras que es6o sendo soerguidas lenta e gradualmente, em virtu- de.da agzo abrasiva das vagas costeiras.

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Creio que podemos cond-sir sem receio que os sedimentos se devem acumular formando massas espessas, s6lidas e extensas, a fim de resistix B agio incessante das ondas, pox ocasiio do inicio do soerguimento e durante as subseqiientes osda$6es do dvel. Tais aciunulos sedimentares podem formar-se de duas maneiras: seja nas grandes profundidades madnhas, e neste caso, com base nas pesquisas de E. Forbes, poderiamos conduir que o fundo do mar possui pouquissima fauna, fazendo com que a massa de sedimentos soerguida contenha um registro bastante irnperfeito das formas de vida enGo euistentes; seja de maneira extensiva e delgada nas baixas pro- fundidades da ~lataforma continental. uma vez aue esta sofra um Drocesso continuo

1 . e lento de subsidtnda Neste atimo caso, uma vez que a velocidade de subsidtncia e a produ~io de sedimentos se contrabalancem, o mar h5 de permanecer raso e favor& vk i euiskda devida, e assim se poderia constihlir uma f6rmagZo fossilifera que, se soerguida, seria espessa o bastante para resistix B degradagzo e ao desgaste.

Estou convencido de que todas as nossas formag6es antigas ricas em f6sseis se formaram deste modo, durante uma fase de subsidtncia. Desde que publiquei esta teoria, em 1845, venho obsemando o progress0 da Geologia, tendo-me surpreendi- do ao notar como os autoreq ur.s ap6s os outros, ao tratarem desta ou daquela grande formagio, chegaram B conduszo de que elas se teriam formado duante uma fase de subsidincia. Posso acrescentar que a h ica forma~Zo terciiria antiga da costa oeste sul-americana, s6lida o suficiente para resistix i degradagio que ali se verifica, mas nio a ponto de se manter como tal em futuras eras geol6gicas, certa- mente foi depositada duante uma oscilagio regressiva do dvel do mar, donde ter adquirido a espessura que hoje apresenta.

Todos os fatos geol6gicos demonstram daramente que as terras litorineas pas- saram por nllmerosas oscilag6es do dvel do mar, oscilag6es lentas, mas que aparen-

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temente teriam afetado extensas ireas adjacentes. Conseqiientemente, as forma- qdes ricas em f6sseis e suficientemente espessas e extensas para resistirem B subse- qiiente degadagio podem ter-se formado sobre vastas ireas durante os pedodos de subsidincia, mas apenas nos locais onde a produg20 de sedimentos foi sufidente para conservar raso o fundo do mar, recobrindo e preservando os restos antes que estes pdessem ser desfeitos. Por outro lado, se o fundo do mar se mantivesse estacionkio, seria muito dificil que se acumulassem dep6sitos apessos nas partes rasas, que sio as mais favoriveis i vida. Mais improvivel ainda seria tal acumulagio durante os pedodos alternados de soerguimento, ou melhor, as camadas que entio se acumulassem seriam destruidas pelo simples fato de que, emergindo, ficariam B merci da aqio abrasiva das vagas costeiras.

E por isto que os registros geol6gicos quase necessariamente se tornaram inter- mitentes. Tenho plena confianga na veraddade destas assergdes, porquanto se en- quadram perfeitamente nos pdnupios gerais preconizados por Sir Charles Lyell; d i m disto, E. Forbes chegou independentemente a condusdes semelhantes.

Devo fazeraqui uma pequena observaqio. Durante os periodos de soerguimento, a extensio das terras emersas e das partes submarinas adjacentes ao litoral aumen- tari, e novas ireas estario sendo formadas, circunsthdas favorabilissimas, confor- me explicamos anteriormente, B formaqio de novas variedades e espicies. Tais pe- dodos, porim, corresponderio a lacunas nos registros geol6gicos. Por outro lado, durante o abaixamento, diminuir2o a irea habitada e o niunero de seus habitantes (excegio feita L produgdes costeiras, no caso de um continente que se esfacela, passardo a constituir um arquipilago). Conseqiientemente, embora passe a haver considdvel exdngio, poucas espicies e variedades novas hio de se formar. Pois 6 justamente durante esses periodos de subsidincia que se acumularam nossos grandes dep6sitos ricos em f6sseis. Pode-se dizer que a natureza se resguardou quanto ao descobrimento freqiiente das suas formas intermedifuias, de seus elos de txansi@o.

Com base nas consideraqdes acima, nio se pode duvidar de que os registros geol6gicos, considerados em conjunto, sejam extremamente imperfeitos. Todavia, se focalizarmos nossa atengio numa linica formagio, set5 mais dificil compreender por que nio encontrm'amos ai uma graduaqiio de variedades interligando as formas encontradas no inido e no final daquela formagio geoolgica X i registros de uns poucos casos de espides apresentando variedades distintas conforme se encon- trem na parte superior ou na inferior de uma determinada formaqio. Entretanto, como sio raros, podem ser aqui deixados de lado. Embora nio se discuta que uma formag20 necessitou de muitos anos para sua deposigio, vim-me i mente diversas razdes pelas quais nio nos seria possivel encontrar uma seqiiinda gradual de elos de tran.sigio entre as formas surgidas naquele pedodo. Todavia, nzo vejo como poderia determinar uma hierarquia de importincia para as consideraqdes que expo- nho a se&.

Embora cada formag20 possa refedr-se a um longo pedodo de tempo, este talvez seja curto em relaqio ao que seria necessicio para a completa transformagio de uma espicie em outra. Estou ciente de que dois paleontologistas cujas opinides sZo altamente respeitiveis chegaram i conclusio de que a duraqio midia de uma formaqio corresponderia a um tempo duas ou tr6s vezes maior que o da duragio

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media das formas espedficas. Estou-me referindo a %ram e Woodward. NZo obstante, quero crer que haja certas dificuldades insupersiveis que nos impedem de aceitar qualquer conclusZo exam acerca deste ponto. Quando descobrimos uma espicie cujo aparecimento se d i nos meados de uma formagZo, seria extremamente temerkio conduir-se que sua existencia niio seria anterior iquela $oca. Similarmen- te, se os achados desta espide niio mais se derem nas camadas superiores da mesma formag%, seria igualmente t e m e d o supor-se em vista disto, sua completa extingzo em ipoca anterior iquela deposifio. Com facilidade nos esquecemos de como a Eu- ropa pouco representa em termos de irea mundial, e de que nem sempre os diversos estigios da mama formam europiia se correladonam com exatidiio perfeita.

Com relag50 aos animais marinhos de todos os tipos, podemos seguramente deduzir a existencia de considerivel migragHo durante as ipocas de.modificaqZo de dima ou de outros aspectos na&s. Assim, quando deparamos com o pdmeiro surgimento de determinada espicie numa certa formagzo, a probabilidade 6 a de que ela tenha en60 chegado iquela irea, proveniente de outra onde j i existiria anteriormente. Sabe-se, por exemplo, que diversas espicies apareceram urn pouco mais cedo nas camadas paleoz6icas da Amirica do Norte do que nas da Europa, correspondendo tal diferenga, aparentemente, ao tempo dispendido para sua mi- gragZo dos mares norte-americanos para os europeus. Examinando-se os dep6sitos mais recentes de diversas ireas do mundo, pode-se observar freqiientemente que pouquissimas espicies existentes aparecem nesses depbsitos, tendo-se extinguido nas ireas marinhas adjacentes; ou en60, ao contrkio, que algumas hoje abundantes nos mares adjacentes sZo raramente ou nunca encontradas nos dep6sitos pr6ximos. Trata-se de uma excelenteligiio refletu-se sobre a migragiio presumivelmente consi- derivd dos habitantes da Europa durante o pedodo glacial, mera parcela de uma era geol6gica completa, tendo-se ainda em mente as notiveis oscilagcjes do nivel do mar, as fantisticas modificag6es dimiticas e o prodigioso tempo en60 decorrido, tudo englobado na mesma visualizaqzo do pedodo glacial. E de se duvidar, p o r b , que tenha havido acumulag$o de dep6sitos sedimentares contendoJssei~ em qualquer parte do mundo, durante todo p transcorrer deste periodo. NZo io provivel, por exemplo, que se depositassem sedimentos durante o pedodo glacial na foz do Mississipi, dentro do limite de profundidade que permite o desenvolvimento da fauna marinha, pois estamos cientes das enormes alteragcjes geogrificas que ocor- reram em outras ireas da Amirica durante aquele espago de tempo. Quando tais camadas, i medida que se depositaram em iguas rasas naquela regiZo, durante al- gum estigio do periodo glacial, foram sofrendo soerguimento, os restos orghicos provavelmente devem ter aparecido e desaparecido em diferentes niveis, em decor- r2n& damigragzo das espides e das modificag6es gwgrificas ocorridas.,No futu- ro, quando a l p ge6logo exarninar estas camadas, poderi ser tentado a concluir que a duraqZo midia da vida das espicies f6sseis ali encontradas fosse menor que a do periodo glacial, quando efetiwmente seria maior, uma vez que tais espicies sur- &am antes da glaciagZo e persistem at6 os nossos dias.

A fun de apresentar uma gradagZo perfeita enue duas formas encontradas na parte superior e na inferior da mesma formaqZo, os dep6sitos teriam de se ter acu- mulado durante longo tempo, suficiente para que se completasse o moroso proces-

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so de variagHo. Dai decorre que tais dep6sitos teriam de ser bastante espessos, e que as espicies sob processos de modificagio teriam de haver vivido na mesma irrea durante todo aquele tempo. Entretanto, jivimos que uma espessa formaGo fossilifera s6 se acumula durante um period0 de subsidhcia; assim, para que a profundidade se mantivesse constante, circunsthcia necessfcia para que a espicie pudesse sobre- viver naquela irea, o material que se fosse sedimentando teria de contrabalangar a subsidtncia, acumulando-se em rimo idhtico ao do abaixamento. Mas como a pr6pria subsidhcia tenderia a submergir a regiHo fornecedora dos sedimentos, es- tes acabariam diminuindo B medida que prosseguisse o abaixamento progressivo de toda aquela irrea. De fato, uma deposigio que compensasse o riano da subsidhda seria bem pouco provivel, pois mais de um paleont6logo j i observou que os dep6- sitos muito espessos costumam ser desprovidos de fesseis, salvo no que se refere aos seus limites inferiores e superiores.

Parece que cada formagao distinta, assim como todo o conjunto das diversas formagdes existentes, geralmente se acumula de maneira intermitente. Quando ve- rificamos - e isto ocorre com grande freqiiincia - uma formagio composta de camadas de diferentes composigdes mideral6gicas, i razoivel suspeitar que o pro- cesso de deposigio tenha sido bastante intermitente, j i que a modificagiio de senti- do das correntes marinhas e o conseqiiente fornecimento de sedimentos denature- za diversa quase. sempre sHo o resultado de alteragdes de ordem geogrifica que requerem muito tempo para sua instalagio. 0 exame mais acurado de uma forma- gio ioo seri capaz de dar id& do tempo consumido por sua deposigio. Poderia- mos citar diversos exemplos de camadas de poucos p 6 de espessura, representan- do formagdes que, em outras irreas, medem rnilhares de pb, e que exigiram enor- mes periodos de tempo para sua acumulagio. Quem desconhecer este fato, jamais poderia suspeitar do tempo que teria sido gasto para a acumulagHo da camada mais delgada. Tambim poderiarnos citar diversos exemplos de camadas inferiores de uma formagTio que foram soerguidas, desnudadas, submersas e depois recobertas pelas camadas superiores da mesma formagio - fatos que demonstram a ocorrcn- cia de enormes intervalos de tempo em sua acumulagZo, facilmente negligenciados, entcetanto. Eni outros casos, as grandes h o r e s fossilizadas que ainda se erguem eretas nos fornecem prova cabal,dos longos intervalos de teqpo decorridos e das mudangas de nivel que se sucederam d~frante o process0 de deposigHo, dos quais sequer suspeitadamos nHo fosse o fato de que estas &ores se houvessem presenra- do. Assim, Lyd e Dawson descobdram camadas carboniferas de 1.400 p b de es- pessura (527 m) na Nova Escbcia, cujos estratos mais antigos continham r&es que se superpunham umas h o u m , em nHo menos que 68 niveis diferentes. Portanto, quando a mesma espicie ocorre nas partes inferiores, medias e superiores de uma formagHo, a probabiidade i de que nHo tivessem vivido no mesmo local durante todo o pedodo de deposigio, mas que desaparecessem e reaparecessem, talvez por diversas vezes, durante o mesmo pedodo geol6gico. Assim sendo, se tais espicies tivessem de sofrer grande soma de modificagio durante qualquer pedodo geol6gi- co, um rinico corte provavelmente nio deveria incluir todas as gradagdes intermedi- fcias minimas que, segundo minha teoria, devem ter ocorrido, separando-as insen- sivelmente umas das outras, mas apenas alguns exemplares apresentariam mudan- gas de conformagHo abruptas, embora nHo consideriveis.

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E importandssimo lembrar que os naturalistas nio dispdem de uma regra fun- damental que lhes permita distinguir as espides das variedades, concordando Go- somente em que haja em certo grau de variabilidade dentro de cada espide. Contu- do, ao depararem com uma soma de diferengas algo considesivel entre duas for- mas, classificam-nas como espides distintas, a nHo ser que tenham condigdes de interfig-las por gradagdes intermedizas minimas. E isto, conforme as razdes que acabamos de enumerar, raramente se encontra num thico corte geol6gico. Supon- do-se que B e C sejam duas espides, e que uma terceira, A, seja encontrada numa camada iiferior, se esta ddma for rigorosamente intermediiria entre as duas pri- meisas, mesmo assim seri dassificada como espide distinta, a nHo ser que entre elas e as outras duas se encontrem os elos de conexio representados por variedades intermedizas. NBo podemos nos esquecer, como j i se explicou, que A poderia ser o ancestra! de B e de C, e que mesmo assim poderia nio ser rigorosamente interme- dizas entre ambas, no que se refere a diversos pontos da conformagio estrutural. Portanto. ode ser aue encontremos ancestrais e descendentes modificados nas . . camadas inferiores e supenores de uma formagHo, sem que possamos reconhecer seu parentesco, j i que nZo teriam sido encontrados os espicimes representativos dos ilos de transis&; conseqiientemente, sedamos obrigaios a classiici-10s como espides distintas.

E fato notbrio que muitos paleontologistas definiram suas espides com base em diferengas extremamente pequenas, e que maior era sua certeza quando os es- picimes provinham de niveis diferentes de uma mesma formagHo. A l y n s conquiliologistas experimentados, nos liltimos tempos, t&n feito una revisio de diversas determinagaes de espides definidas como tais por 3'0rbigny e outros, reduzindo-as B condigio de variedades, o que seria efetivamente de se esperar den7 tro dos principios que compdem minha teoria. Alim disto, se examinarmos petio- dos aindamais longos, distinyindo apenas os estsigios consecutivos damesmagrande formagio, concluiremos que os f6sseis que ali se encontram, embora classificados de mareira quase uninime como pertencentes a espides distintas, esGo mais pr6- ximos entre si do que as espides encontradas em forma~des mais separadas umas das outras. Devo retornar a este assunto no pr6ximo capitulo.

Outra consideragio que merece ser aqui tratada refere-se aos anirnais e vegetais que se propagam rapidamente, mas que dispdem de pouca ou nenhurna capaddade de locomocio. Como vimos anteriormente. h i razdes Dara se susoeitar aue suas . L

variedades, em geral, tenham sido primeiramente locais, nio se tendo difundido e suplantado as formas ancestrais at& que, suas modificacdes e seu aperfeicoamento - houvesse alcangado um grau relativamente considerivel. De acordo com esta id&, a probabilidade de se descobrirem numa formagHo qualquer todos os primeiros estigios de transigio entre duas formas i bem reduzida, uma vez que as sucessivas modificagdes provavelmente tedam sido locais, quando G o resuitas a uma &ica irea A maioria dos animais marinhos babita uma irea bem ampla; a par disto, j i vimos aue as olantas de habitat mais vasto sio as oue aoresentam maior niunero de . . A

variedades, geralmente. Assim, os moluscos e outros animais marinhos de maior & - bite de ocorrtnda, cujo habitat extrapola os limites das formacdes geol6gicas euro- . - pZas conheddas, prokvelmente seri&n os que devem ter dado oligem, imTdalrr.ente,

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a variedades locais, e por h a novas espkdes, coisa que ainda mais reduziria a proba- 1 biidade de encontrarmos sezs eshgios de transigo em qqualuer camada geol6gica.

Niio se deve esquecer de que, atualmente, quando dispomos de espicimes per- feitos para exame, duas formas difidmente poderiam ser interligadas por varieda- des intermediirias, evidendando-se deste mod0 que pertencessem i mesma espb de, a niio ser que dispusissemos de numerosos espicimes recolhidos em diversos locais, o que, no caso dos fbsseis, os paleontologistas difidlmente haveriam de con- seguir. Talvez possamos compreender melhor nossa atual improbabiidade de inter- ligarmos as esp&des por elos intermedi6rios fbsseis, indagando de n6s mesmos se os ge6logos do futuro seriio capazes de provar que nossas diferentes ragas de bovi- nos, ovinos, eqiiinos e de ciies descenderiam de utr. h i c o grupo primitive, ou de diversos grupos aborigines; ou entiio se determinados moluscos marinhos das cos- tas da Amtrica do Norte, classificados por alguns especialistas como pertencentes a espides distintas das de seus pares europeus, e por outros como meras variedades, seriam realmente como asseveram os primeiros, ou niio passariam mesmo de varie- dades, conforme garantem estes dtimos. A resposta s6 poderia ser dada se os ge6logos do futuro conseguissem descobrir numerosas giadagdes intermedisidas em estado f6ssi1, coisa que me parece altamente improvivel de acontecer.

A pesquisa geol6gica, conquanto tenha acrescentado numerosas espicies aos gineros atuais e extintos, e tenha reduzido as lacunas que separavam outrora certos grupos de seres organizados, pouco realizou no sentido de eliminar as distingdes entre as espkcies, interligando-as pelo achado de variedades intermediirias numero- sas e expressivas. Assim sendo, esta 6 provavelmente a objegio mais s&da e imediata que se pode contrapor i s minkas idgas. Por isto, creio que vale a pena sintetizar tudo o que acabamos de dizer, dentro de um exernplo imaghbio. A kea recoberta pelo Arquipklago Malaio corresponde i da Europa, do Cabo Norte ao Mediterri- neo e da Gri-Bretanha i Xcssia, e por conseguinte se iguala i superficie que contim todas as formagdes geol6gicas pesquisadas com certa rninlida, niio se compreen- dendo neste conjunto as existentes nos Estados Unidos. Concordo inteiramente com Mr. Godwin-Austen quando ele afitma que este arquipago, em sua situagiio atual, constituido de numerosas ilhas de relativa extensio, separadas por amplos e rasos bragos de mar, provavelmente representa a situagiio primitiva da Europa, na ipoca em que se estava acumulando a maioria de nossas formagdes. 0 Arquipdago Malaio consdtui uma das regiBes do mundo mais ricas em seres organizados. Entre- tanto, se se coletassem todas as espkdes que at& hoje ali j i viveram, como este conjunto representaria de maneira imperfeita a Hist6ria Natural do nosso planeta!

Mas temos todo o motivo para acreditar que as produgdes terrestres do arqui- paago estariam preservadas de mmeira bastante imperfeita nas form?gdes que su- pomos se terem a i acumulado. Presumo que se achem soterrados niio muito dos animais exclusivamente litorineos e dos que teriam vivido presos aos rochedos submarines, enquanto que aqueles que porventura ficassem soterrados sob seixos ou areia nio se conservariam por longo tempo. Onde quer nio se houvessem acu- mulado sedimentos no fundo do mar, ou onde quer que a sedimentagio nio tenba sido sufidentemente ripida para impedir a corrupgiio completa dos corpos, seus restos niio poderiam ser preservados.

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Manchas fundonam como camuflagem e propordonam um meio passivo de defesa contra predadores. Ver pg. 98.

No que se refere ao nosso Arquipilago Britinico, acredito que se tenham acu- mulado formagdes fossiliferas de espessura sufidente para que durem at6 uma &PO- ca. que, no futuro, possa ser considerada Go antiga quanto hoje consideramos as formagdes. Temos de nos lembrar, porim, que tais formagBes s6 se acumularam durante os pedodos de subsidincia, e que estes estariam separados entre si por enormes intervalos de tempo, durante os quais toda a isea deveria achar-se estado- niria, ou enGo em process0 de soeryimento. Neste liltimo caso, as formagdes fossiliferas seriam destruidas logo em seguida i sua acumulagHo pela incessante abrasiio provocada pelas vagas litorheas, como hoje em dia podemos verificar nas costas da Amirica do Sul. Durante os pedodos de subsidincia, deve ter sido consi- deriwel a extingiio de diversas formas de vida, enquanto que a variagiio deve ter caracterizado os pedodos de soerguimento, durante os quais, infelizmente, os regis- tros geol6gicos se tornam bem menos perfeitos.

Pode-se colocar em dlivida se a duragHo de um.!ongo pedodo de subsidhda que incidisse pelo menos em parte do arquipaago, assirn como a acumulagiio con- temporhea de sedimentos, excederia a duragiio media de determinadas formas espe- uficas. Tal drcunstincia seria indispensiivel para a preservagiio de todos os elos de

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0 Canguru. Urn marsupial da Ausdia.

transig50 entre duas ou mais espicies. Se estas gradagdes n5o forem preservadas completamente, as variedades intermedihias hiio de parecer que constituem espb cies distintas. Tambim i provivel.que cada longo pedodo de subsidincia seja inter- rompido por oscilaqdes do nivei do mar, e que ligeiras variaqdes dimidcas possam ocorrer durante esses periodos Go extensos. Nestes casos, os hahitantes do arqui- paago teriarn de migrar, niio sendo possivel preservar registros consecutivos de suas modificagdes dentro dos diversos andares de uma ~ c a formaggo.

Muitos dos habitantes madnhos das viziinhangas do arquipkgo vivem atual- mente dentro de um imbito que se estende por milhares de milhas ao largo de.suas costas. A analogia com este fato leva-me a crer que estas espicies de habitat t5o amplo sejam as mais suscedveis de produzir novas variedades, que a prinupio po- derzo ser locais ou restritas, mas que posteriormente, caso apresentem algumavan- tagem sobre as outras, ou depois dos aperfeigoamentos que porventura venham a adquirir, acahariio por ampliar lentamente sua irea de ocorrinda, ati que ocupem o lugar de suas formas ancestrais. Quando tais variedades retornarem a seus locais de origem, j i diferindo de seu estado anterior em grauquase uniforme, embora prova- velmente pequeno, por certo hi0 de ser classificadas, de acordo com os prinupios seguidos por muitos paleont6logos, como espicies novas e disdntas.

Supondo-se que haja a l p grau deverdadenestas observagdes, nZo teremos o direito de esperar encontrar em nossas formag6es geol6gicas um n b e r o incontivel dessas formas de transig50, em seqiiencia quase impercepdvel, da maneira pela qua], segundo rninha teoria, ela se fo rm afastando umas das ouuas, ligando as espides

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antigas e atuais pertencentes ao mesmo gmpo numa extensa cadeia. Nio podemos esperar senio que se encontrem uns poucos elos desta cadeia, alguns mais pr6xi- mos, outros mais distantes entre si. Mesmo assim, por mais pr6ximo que sejam, se forem encontrados em diferentes estigios da mesma formagZo, serio classificados pela maior parte dos paleont6logos como espicies distintas. Mas acho que jmais teria sequer suspeitado da insufid6ncia que apresentam os registros das mutagdes das formas de vida, mesmo nas camadas geol6gicas mais bem preservadas, nZo fosse a importincia, dada ao argument0 contririo i minha teoria, segundo o qual seria virtualmecte impossivel encontrar os numerosos elos de transigiio entre as espides surgidas no iniuo e no fim de cada formagiio geol6gica.

Do sibito surgimento degrupos inteiros de e&eies ajns

A maneira sribita pela qual surgem em certas formag6es grupos inteiros de espicies tem sido considerada por diversos paleont6logos, entre moos Agassiz, Pic:et e, mais do que ninguim, pelo Prof. Sedgwick, como urna objegio fatal i crenga na transmutagio das espicies. Se numerosas espicies pertencentes aos mes- nos gheros ou familias surgiram realmente de uma s6 vez, o fato efetivamente seria fatal i teoria da descendhcia com modificagdes ligeiras, por meio da selegZo natural. De fato, o desenvolvimento de um grupo de formas, todas descendentes do mesmo ancestral, deve ter constiddo mm process0 extremamente moroso, e os ancestrais devem ter aindavivido longo tempo antes do surgimento de seus descen- dentes modificados. Entretanto, continuamente superestimazmos a perfeigZo dos registros geo16gicos e deduzidos erroneamente, devido ao fato de que certos gine- ros e familias nZo foram encontrados abaixo de determhadas camadas, que eles nZo teriam existido antes daquele periodo. Esquecemo-nos conhuamente de como i vasto o mundo, em cornparag20 com a irea j i pesquisada minudosamente pelos ge6logos. Esquecemo-~os de que grupos de espides podem ter existido alhures muito tempo atris, tendo-se multiplicado lentamente, antes de terem invadido os andgos arquipilagos qur hojr cons~dtuem os continentrs da Europa c dos Esndos Unidos. NZo damos a devida atenqzo 30s enormes ktervalos de :rrnpo que prova- - - - veLmente transcorreram entre nos& formagdes consecuuvas - . talvez maiores que o tempo exigido para a cumulagio de cada formagio. Estes i n t e d o s dariam tem- po i multiplicagio das espides a partir de ,ma on de algmas formas ancestrais; assim, na formagio seguinte, cada espicie pareceria ter sido en60 ccdda de manei- ra 60 sfibita quanto o foi seu surgimento.

Devo lembrar aqui uma observagZo feita anteriormente: a adaptagZo de urn organism0 a m a nova condigZo de vida pode requerer um espago de tempo extre- mamente longo. Um exemplo: a capacidade de voar. Depois de adquirida a adapta- $20, porim, quando as poucas espides favorecidas passarem a ostentar sobre as demais uma efetiva vantagem vital, o tempo necessfio i produgio de numerosas formas divergentes deveri ser comparativamente breve, e tais formas iogo serZo capazes de se difundir ampla e consistentemente atravis do mundo.

Darei agora a l p s exempios que ilustrario estas observaqdes, mostrando como somos sujeitos a errar quando supomos que grupos inteiros de espicies possam ter surgido subitamente na natureza. Posso lembrar o conhecido fato de que, nos trata- dos geol6gicos publicados h i nZo longo tempo, a grande dasse dos mamiferos era

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tida como sJrgida de maneira sibita no inicio da Era Terdiria. Atualmente, porim, nossas mais ricas colecdes de mam'feros f6sseis apresentam exemplares pertencen- tes 30s mcados da Era Secundiria, scndo que um mamifrro vcrdadeiro foi recentc- mente descoberto nos novos estratos de gris avermelhado, de idadc corresponden- te ao i d d o da Era Sec7mdiria. Cuvier afirmou virias vezes nZo haver vestigios da existtnda d,e macacos nos estratos terdhios; hoje, porkm, conhecem-se espides extintas da India, da America do Sul e da Europa que teriam vivido em pleno peri- odo eoceno. 0 caso mais noti$el, porim, i o da familia. das baleias. Como estes ceticeos possuem ossos gigantescos, sZo marinhos e ocorrem em todas as partes do mundo, o fato de nenhum osso de baleia ter sido encontrado numa formagZo se- cundiria qualquer parecia justificar plenamente a crenga de que esta ordem t2o numerosa e caracteristica tivesse surgido subitamente no in terdo de tempo situa- do entre as mais recentes formagdes secundirias e as primeiras formaqdes terciirias. Hoje, contudo, segundo se v t no Suplemento do "Manual" publicado porLye11 em 1858, M provas evidences da existtnda de baleias nos sedimentos marinhos superi- ores, depositados algum tempo antes do iinal da Era Secundiria.

Posso dar outro exemplo, desta yez testernunhado por mirn pr6prio e qJe mui- to me impressionou. Num artigo a respeito dos cirripedes sisseis em estado fbssil, afwmei que, tendo em vista o niunero de espicies terdirias sobreviventes e extin- tas; a exuaordiniria abundinda de individuos de numerosas espides espalhados por todo o mundo, das regides irticas i s equatoriais, habitando diversos niveis de profundidade, desde os limites supedores alcangados pelas maris ati 50 bragas (90 m) abaixo da supertide; a perfeifio com que os espicimes es&o preservados nas mais antigas camadas terdirias; a facilidade com que os simples fragmentos de s h s carapaqas podem ser reconhecidos; em suna, por todas estas circunsthdas, eu poderia concluir que se os cirripedes sisseis tivessem existido durante a Era Secun- diria, certamente se teriam preservado e sido descobertos. Assim, como nenhuma espide fora descoherta em camadas secundirias, poder-se-ia conduirque estegrande grupo se desenvolvera subitamente nos prim6rdios da Era Terciiria. Isto de certa forma constituia um probiema para 6, na medida e ~ n que acrescentava um exem- plo de aparecimento repentino de um considerivel gmpo de espicies. Enwetanto,. nem bem fora publicado meu trabalho, e eis que'um experiente paleont6log0, M. Bosquec, enviou-me o desenho de um espicime perfeito e incontestivel de cirdpede sissfi, que ele pr6prio exaaira nas camadas de greda da Bilgica. E, o que tornava Q

caso ainda mais notivel, o cirripede sissil em quest20 era um Chthamalus, gtnem comum, amplo e difuso, do qual nenhum espidne ainda fora encontrado nem mesmo em camadas do Terdirio. Isto demonstrava positivamente que estes ani- rnais haviam existido durante a Era Secundiria, e qJe poderiam ser os ancestrais de muitas de nossas espicies terciirias existentes.

0 caso mais mendonado pelos pdeont6logos do aparente surgimento de um grupo completo de espides i o dos peixes teie6steos nas camadas inferiores do period0 creticeo. Este grupo inclui a grande maioria das espicies existentes. Ulti- mamente o Prof. Pictet fez recuar sua existtnda a um subestigio anterior, e alguns paleont6logos acreditam que certos peixes ainda mais antigos, cujas afinidades ain- da nos d o pouco conheddas, sejam realmente telebteos. Presumindo-se, porim,

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que seu conjunto tenha apareddo, segundo cri Agassiz, no inido da formagZo creticea, o fatopor certo seria extremamente notivel, mas d o posso enxerg-lo de mod0 algum como urn obsticulo inaansponivel no que se refere H minha teoria, exceto se se puder demonstrar t a m b h que as espides deste grupo tenham spare,- cido s6bita e simultaneamente em todo o mundo durante esse mesmo pedodo. E quase desnecessirio lembrar que dificilmente se encontram peixes fossilizados a sul do equador, e basta um ripido exame da "Paleontologia" de Pictetpara se constatar que se conhecem poucas espicies encontradas nas diversas formag6es da Europa. Umas poucas f d a s de pekes t6m atualmente um habitat resmto, conforme tam- bim o poderiam ter tido ouaora os pekes tele6steos, cuja difusZo pode haver ocor- rido depois de um desenvolvimento localizado num ~ c o mar. Niio temos qual- quer direito de supor, d i m disto, que os mares do mundo tenham sido Sempre abertos e interligados de sul a norte como hoje o sZo. Mesmo hoje em dia, se o Arquipilago Malaio se convertesse em terra continental, as partes tropicais do Oce- ano indico iriam formar uma enorme back perfeitamente fechada, na qua1 grandes grupos de animais marinhos se poderiam multiplicar, permanecendo resmtos ao local ate que algunas espides se tornassem adaptadas a climas mais frios, o que lhes permitiria dobra os cabos meridionais d a h c a ou da Austrsilia, espalhando- se por outros mares distantes.

Esmbado nestas e noutras consideraq6es similares, e principalmente em nossa i g n o h d a quanto H geologia de outros paises e regi6es situados a l h dos limites da Europa e dos Estados Unidos, como tambim na revolu@o corrida em diversos pontos das teorias paleontol6gicas em virtude dos descobrimentos feitos nos lilti- mos doze anos, parece-me ser quase impensado pontificar quanto H sucessZo dos seres organizados atravk do mundo, tanto quanto o seria para um natwalista que, a p b haver desembarcado por cinco minutos nalgum ponto desert0 da Austlsilia, passasse a discudr sobre o niunero e alcance de suas produgBes.

Do qaren'rnento sibit0 liegrupos lie espicies afns nm ma2 anhgar camariOrf.sd~rar conben'ah

Existe ainda outra diliculdade reladonada com esta, s6 que ainda mais siria. Reliro-me H maneira pela qua1 determinadas espicies do mesmo grupo teriam apa- reddo subitamente nas rochas fossiliferas mais antigas que se conhecem. A maior partedos argumentos que meconvenceram de que todas as espides existentes que pertencem ao mesmo grupo descenderiam de um ancestral.comum se aplica com peso quase igual a esp&es mais antigas que se conhecem. NZo posso dkidar de que todos os dobitas silurianos descendam de algum crusticeo que viveu muito Gtes do period0 siludano, e que provavelmente diferia de mod0 ~ohsiderivel, de qualquer animal conheddo. Alguns dos mais antigos animais silurianos, como o niutilo, alinguh e outros, G o diferem muito das espides atuais, e minha teoria d o permite supor-se que estas espides antigas tenham sido ancestrais de todas as espi- des pertencentes a suas ordens, uma vez que d o apresentam caracteres que atk certo ponto sejam intermedisidos entre elas. Ademais, se fossem elas os ancestrais destas ordens, j i teriam sido hi muito suplantadas e exterminadas pelos seus nume- rosos descendentes mais aperfeiqoados.

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Conseqiientemente, se minha teoria for verdadeira, 6 incontestivd que antes da deposi~io do estrato siluriano mais baixo, transcorreu um longo espago de tempo, que no minimo seria Go longo quanto o que medeia entre o Silurian0 e os nossos dias de hoje. A l h disto, durante este vasto intervalo do qual nada sabemos, o mundo teria enxameado de criaturas vivas.

Para a pergunta de por que niio encontramos registros desse imenso period0 primitive, nio posso dar nenhuma resposta satisfatbria. VGos dos mais eminentes geblogos, tendo i frente Sir R Murcbison, esGo convencidos de que, nos restos orghicos do estrato siluriano inferior, contemplamos a aurora da vida neste plane- ta. Outros espedalistas altamente competentes, como Lyd e o faleddo E. Forbes, contestam tal condusio. Nio podemos nos esquecer de que apenas uma pequena parcda do mundo 6 conhedda com minlicia. M. Barrande recentemente acrescen- tou outro estigio ainda mais antigo ao sistema siluriano, repleto de espOdes dpicas que at6 en60 desconhedamos. Tragos de vida foram encontrados nas camadas de Longmynd, situadas ainda abaixo daquela que Barrande denominou "Zona Primor- dial". A presenga de n6dulos fosfiticos e madria betuminosa em algumas das ro- chas az6icas mais antigas indicam provavelrnente a existhda ainda mais remota de vida nesses pedodos. Todavia, a dificuldade de se compreender a inexisGnda de consideriveis seqiihcias de estratos fossiligeros, que, segundo minha teoria, sem dlivida deveriam acumular-se aqui e ali antes da 6poca siluriana, 6 bem grande. Se essas camadas mais antigas tivessem sido inteiramente gastas pela desnudagio, ou transformadas pelo metamorftsmo, deveriamos encontrar apenas vestigios ligeiros das formagaes que se ihe seguiram, as quais, por sua vez, deveriam estar em geral metamorhadas. Mas as descri~6es de que hoje dispomos dos dep6sitos silurianos que se estendem sobrevastas ireas da Xlissia e da AmOrica do Norte nio dHo res- paldo i idSa de que quanto mais mtiga for a formagio, mais teria sofrido a aqZo efeuva da erosio e do metamorfismo.

Psr ora, o casc ainda deveri permanecerinexplicivel, podendo ser usado como argument0 de peso contra as idSas que aqui defendemos. No intuito de mostrar que a explicagio poderi ser eventualmente encontrada, apresento a seguinte hip6- tese: em vista da natureza dos resms orgbicos que nio parecem ter babitado a grandes profundidades, enconmdos nas diversas formngdes da Europa e dos Esta- dos Unidos, e em razz0 dns Cgmadas GdimFti&rs.de milhns de espessura que - constituem estas formag6es, podemos concluir que, em vista disto, grandes ilhas ou extensos tratos de terra, dos quais se derivaram os sedimentos, ocorreram nas vizinhangas dos atuais continentes europeu e norte-americano. Nio sabemos, fontudo, qual teria sido o estado das coisas nos intervalos entre as formagdes sucessivas; se a Europa e os Estados Unidos, durante cada intervalo, existiriam como terras firmes ou como plataformas submarinas adjacentes i s terras emersas, nas quais nio haveria deposigio de sedimentos, ou se nio seriam mesmo o fundo de um mar largo e insoddivel. -

Observando-se os atuais oceanos, que sio trss vezes mais extensos que as terras continentaik, verificamos serem juncados de iihas; entretmto, nenhuma ilha ocehi- ca, ao que se sabe, j i nos forneceu sequer urn resquicio de alguma formagio paleoz6ica ou secundkia Dai podermos presumir que, durante o Paleoz6ico e o

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Secundirio, nem continentes, nem &as continentais teriam existido onde hoje e m dias se estendem nossos oceanos, uma vez que, se assim fosse, as formagdes paleozbicas e secundirias provavelmente se teriam acumulado, em raz2o dos sedi- mentos oriundos de seu desgaste, e teriam sido pelo menos parcialmente soerguidas devido i s osdlagties do nivel do mar, que certarnente devem ter ocorddo dvrante esses penodos extremamente longos. Se h i algo que se possa conduir destes fatos i que onde se estendem atualmente nossos oceanos, ali j i se estenderiam eles desde os tempos mais remotos de que temos no&; e por outro lado que, onde os conti- nentes se estendem.hoje em dia, outrora devem ter existido grandes extensties de terra, submetidas, sem dfivida, a grandes oscilagties do nivel do mar, desde o mais remoto period0 siludano. 0 mapa a cores que lustra meu esado sohre os redfes de coral levou-me a conduir que os grandes oceanos ainda constituem ireas de subsid&ncia; os grandes arquipdagos, ireas de osdlagZo do nivel do mar; 0s conti- nentes, ireas de soerguimento. Mas teriamos o direito de presumir que as coisas sempre se mantiveram dentro deste esquema desde o prindpio dos tempos? Nos- sos continentes parecem ter sido formados por m a predominkcia da f o r ~ a de soerguimento, presente durante virias osdlagdes do nivel do mar; entrztanto, seri que as heas de movimento predominante nZo podedam ter mudado no correr dos tempos? Nun pedodo incomensuravelmente anterior kpoca siluriana, continen- tes podem ter existido onde hoje se estendem nossos oceanos, e vice-versa. Tam- b&n nZo haveria justificativa: de se presumir que se o Oceano Pacifico, por exern- plo, se convertesse num condnente, idamos encontrar ali formagties prk-siludanas, pois bem pode ser que as camadas depositadas nas partes mais fundas, uma vez pressionadas pela fantisdca quantidade de igua que &m de supom, houvessem sofrido maior a@o metam6rfica que as camadas depositadas mais prbximo da su- perflcie. As extensas ireas existentes em certas partes do mundo, como na Amirica do Sul, por exemplo, nas quais se verifica a presenga de rochas metambr6cas desnu- das, reveiando terem sofrido forte agHo do calor e dapressZo, sempre me pareceram merecer uma expliiag20 especial quanto i sua ocorrkcia, e talvez possamos estar diante de formaqties surgidas bem antes da ipoca siluriana, mas hoje completamen- te metamortizadas.

As v&s dificuldades que foram aqui disddas, a saber: o fato de G o encon- aarmos nas formagdes sucessivas os incontiveis elos de transig20 entre as espicies existentes e exhtas; a maneira shbita pela qua1 grupos inteiros de espiues surgem repenthamente em nossas formagdes eu ropk ; a quase total inexist8nciq pelo menos ati o momento, d e formagties fossiliferas abako dos estratos silurianos; todas elas induhitavelmente constituem s&rios obsticulos aos nossos pontos de vis- ta. Temos prom irrefutivel disto no fato de que os mais eminentes paleontblogos, como Cuvier, Owen, Agassiz, Barrande, Falconer, E. Forbes e outros, assim como nossos maiores geblogos, como Lyell, Murchison, Sedgwidc e outros, defendem de maneira &e, sen20 mesmo veemente, o prindpio de imutabilidade das espkci- es. Emsetanto, tenho razties para acreditar que uma grande autoridade, Sir Charles Lyell, ultirnamente tem numdo skrias dfividas acerca date assunto. Sei o quanto i t e m e d o divergir destas grandes autoridades is quais devemos hoa parte de tudo quanto conhecemos. As pessoas que consideram como relativamente perfeitos os

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registros geol6gicos naturais, e que nio dio grande importincia aos fatos e argu- mentos contr&os a tal ponto de vista que apresentamos neste livro, sem dlivida rejeitarzo completamente minha teoria. De minha parte, fico com L y d , cuja meti- fora aceito sern resmqbes quando ele compara o registro geol6gico de que dispo- mos a uma hist6ria do mundo elaborada de maneira imperfeita e escrita num diale- to em extingzo, e da qua1 possuimos apenas o Gltimo volume, relativo a somefire dois ou tr2s paises. Deste volume, apenas se preservaram alguns capitulos soltss, e de cada pigha apenas umas poucas Cada palavra esuita nesta lingua que se vem modificando lentamente, desde que grafada cada vez de maneira diferente nessa sucessZo intermitente de capitulos, pode represents as formas de vida que aparentemente se modificaram de maneira repentina, soterradas que es6o em nos- sas forma#ies consecutivas, mas amplamente separadas umas das outras. Encaran- do desta maneira, pode ser que as dificuldades que h i pouco discuthos se reduzam consideravelmente, ou que ati mesmo desaparegarn por completo.

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Do ~hrginenfo knfo e IIIL(III'M das n o w crpr'rirr - Sum d+enfes t&tihdcr de mod- Jca@ - Uma c q &it&, ar Qidu n& re@arecem - AJ mumar regrargerab udidaspnra o ru'~'menfo 8 o hqa~pn'mcnfo de uma c.pia'c @dcm-sc ~ualmenfepara or grwp01de rspeiiu- muhnfafdmukincar &formar & vida draw3 das ddiuarp& do m u d -Afm'd& das crpriiu urnitfar &re n' e ram rehfdo dr c'peiiu a&&- Erfdgib de ~enmlvimenfo ahformar whgar- SUCCIIZO do1 mumos tipor denfm das mumar &a- Rcrmo dm doh i(h'mor urpifuh.

ejamos agora se os diversos fatos e r e p s relatives i sucessio geol6gica dos seres organizados concordam mais com a idiia geralmente aceita da imutabiidade das espicies, ou com a de sua modificagio lenta e gradual, v

atravis da descendhcia e da selegio natural. As espides novas foram aparecendo lentamente, m a s ap6s as outras, tanto na

terra como no mar. Lyell demonstrou ser quase impossivel resistu i evidkcia a este respeito no que se refere aos diversos estigios da Era Terciiria, e cada ano se con- segue preencher as lacunas existent- e r e d e a distinda que separa as formas novas e antigas, interligando-as por elos cada vez mais pr6ximos. Em algumas das camadas mais recentes, apesar de sua grande antigiiidade em termos de anos decor- ddos, apenas uma ou duas espides sio hoje extintas, e s6 uma ou duas sio novas, ali aparecendo pela pdmeira vez, seja localmente, seja em termos absolutos, pel0 menos tanto quanto sabemos. Se pudermos dar cridito is obsemg6es de Philippi na Sicilia, as modificag6es sucessivas obsemdas nos habitantes matinhos existen- tes naquela ilha foram numerosas e, na maior parte das vezes, graduais. Ji as forma- g6es secundirias sio mais descontinuas; porim, conforme observou Bronn, nem o aparecimento, nem o desaparecimento das suas muitas espides hoje extintas se deram simultaneamente em cada formagio isolada.

As espides de diferentes gkeros e classes G o se modificaram i mesma veloci- dade, nem apresentaram o mesmo grau de modificagio. Nas camadas terciirias mais antigas, podem-se encontrar uns poucos moluscos ainda existentes hoje em dia, dentre uma legiio de formas extintas. Falconer apresenta um exemplo notivel de fato semelhante: um crocodile atual esti assodado a muitos estranhos mamife- ros e ripteis extintos, encontrados nos depdsitos sub-himalaianos. A Ling& siluriay difere muito pouco da espicie atual pertencente a este ghero, enquanto que a maioda dos ouaos moluscos e todos os crusticeos daquela ipoca sio grandemente diferentes dos atuais. As produg6es terrestres parecem mudar muito mais rapida- .mente que as madnhas, tendo sido encontrados diversos exemplos notiveis deste fato em pesquisas realizadas na Suiga. H i razBes para se acreditar que os organis- mos considerados superiores se modifiquem mais rapidamente que os infedores;

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atretanto, esta regra tem exceg8es. A soma de modificagiio orgzinica, conforme obsemou Pictet, niio corresponde rigidamente i sucessiio de nossas formag8es ge- ol6gicas, de maneira que, entre duas formagdes consecutivas, as formas de vida pouca vezes apresentam exatamente o mesmo grau de modificagiio. No entanto, se compararmos formagdes que G o sejam muito prbxirnas, todas as espicies encon- tradas teriio sofrido alguma quantidade de modificagiio. Uma vez desaparecida uma espide na superficie da terra, temos raz8es para acredim que outra forma idintica jamais poderi reaparecer. A exceggo aparentemente mais pondedvel a esta regra 6 a das chamadas "col6nias" de M. Barrande, que se intrometempor determinado period0 no meio de uma formagiio mais antiga, permitindo deste mod0 que reapa- rega uma fauna pri-existente; todavia, parece-me satisfatbria a explicagk dada por Lyell: tratar-se-ia de um caso de migragiio temposiiia, proveniente de uma provin- cia geogrifica distinta.

Estes fatos diversos concordam bem corn minha teoria. Niio acredito em ne- nhuma lei &a de desenvolvimento, segundo a qual todos os habitantes de uma regiiio se modifiquem de maneira repentina, paralela ou igual. 0 processo de modi- fica~go deve ser extremamer.te lenro. A variabidade de cada espicie independe completamente da de todas as outras. Se essa variabiidade constituic vantagem aproveitivelpela selegiio natural, e seas variaqdes foremacurnuladas em grau maior ou menor, acarretando deste mod0 volumes diferentes de modificagdes sofridas pelas espicies variiveis, isto vai depender de v;idas circuns&cias complexas: a na- tureza benifica da variab'idade, a capacidade de entrecruzarnento, a.maior ou me- nor rapidez de. procriagiio, a lenta modificagiio das condig8es fisicas locais, e de maneira especial a natureza dos demais habitantes da r e s o , com os quais a espicie variivel a t r a em competigiio. Portanto, nZo i de mod0 dgum surpreendente que determinada esp6cie conserve sua conformaGo por mais tempo qne outras; ou, caso se modifique, que o faga em grau menor. Fato idintico se constata quanto i dismbuigiio geogrifica. Na Iha da Madeira, por exemplo, os moluscos terrestres e , os cole6pteros chegaram a diferir consideravelnente de seus correspondentes eu- ropeus contentais, enquanto que os .moluscos marinhos e as aves permaneceram inalterados. Talvez possamos compreender a modificagiio aparentemente mais ri- pida das formas terrestres e dos organismos superiores, comparados com as formas marinhas e os organismos infelidres, ligando-a i relag8es mais complexas entre os seres superiores eas suas condigdes de vida orghicas e inorghicas, conforme se explicou num dos capitulos precedentes. Quando virios habitantes de uma regiiio se modificaram e aperfeigoaram, podemos compreender, i 1uz do prindpio decom- petigiio e das diversas inter-relagdes importantissimas existentes entre os organis- mos, que qualquer forma que de certo mod0 niio se torne modificada e aperfeigo- ada e s 6 sujeita i extingiio. Isto nos mostra por que todas as espicies de uma regiio, ao fim de longo espago de tempo, acabam por modificar-se, pois, se assim nio for, seri certo que se tornem extintas.

Em membros da mesma classe, as somas de suas modificagdes, durante um mesmo tempo considerado, podem talvez ser quase iguais; todavia, como a acumu- lagiio de formaqdes fossiliferas depende da sedimentagZo degrandes massas depo- sitadas em ireas em processo da subsidincia, nossas formagdes se tim acumulado

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quase inevitavelmente a intervalos longos e irregulares; por conseguinre, a soma de modificagio orginica exibida pelos f6sseis existentes nas formagdes consecutivas s o pode ser igual. Considerando-se deste modo, cada formagzo iozo assinala m- novo e completo ato de criagzo, mas tZo-somente uma cena ocasional, tomada aleatoriamente de dentro de umapega que se desenrola de maneira muito lenta.

Podemos compreender chramente por que nunca deveri reaparecer m a espB d e que porvenma haja desapareddo, mesmo que voltem a prevalecer as mesmas condigdes de vida orghicas e inorghicas da ipoca de sua existhda. Corn efeito, ainda que os descendentes de determinada espide possam ter-se adaptado (e sem drivida que isto ocorreu em incontivel nlimero de casos) para tomarem o lugar de outra espide na economia da nameza, suplantando-a deste modo, as d-as formas - . a anriga e a nova -- nio s&o idinticas, pois ambas certamente devem ter herdado caracteristicas diferentes das de seus ancestrais. Se os pombos do tip0 rabo-de-leque, por exenplo, fossem todos destruidos, i possivel que nossos columb6filos, esforgando-se por anos a fio neste sentido, conseguissem produzir uma nova raga de pombos que quase nio se poderia distingukdos atuais rabos-de- leque. Entretanto, se a pomba-das-rochas ancestral tambim fosse destruida, e a natureza nos fornece um sem-niunero de razdes para acreditar que isto seja possi- vel, uma vez que as formas ancestrais sio via de regra suplantadas e exterminadas por seus descendentes aperfeigoados, ivirtualmente inacredidvel que se possa pro- duzu uma raga de pombos idhtica aos atuais rabos-de-leque, a partic de.qualquer outra espide de pombo, ou mesmo de qualquerraqa domistica destas aves, pois o descendente quase certamente teria de herdar de seus genitores algumas de suas caracteristicas tipicas, que os atuais rabos-de-leque nio possuem.

0 s grupos de espides, ou seja, os gineros e fadias, obedecem k mesmas regras gerais segidas pelas espides isoladas, no que se refere ao seu smgimento e desaparecimento, modificando-se de maneira mais ou menos ripida e em maior ou menor grau. Uma vez desapareddo um gmpo, este nio mais reaparece; portanto, sua existhda i continua, durante o tempo que medeia entre o smghento e a extingzo. Estou certo de que haja algumas exceg6es aparentes a esta r e p , mas sei que sio pouquissimas, tanto que E. Forbes, Pictet e Woodward, embora se opo- nharn sistematicamente is id& que sustento, admitem esta verdade, e a regra concorda plenamente com minha teoda. De fato, como todas as espicies do mes- mo grupo descendenam de +a ~ c a espicie ancestral, i daro que, desde que uma dessas espides tenha surgido durante a!onga sucessio dos tempos, seus membros passaram a ter existido coctinuamente, a fim de term podido gerar formas novas e modificadas, ou en&o as mesmas formas antigas e nio-modificadas. As espides do gbero Linguh, por exemplo, devem ter existido continuamente, numa inhterrupta sucessio de geragdes, do Sduriano Inferior at6 os nossos &as.

Vimos no capitulo precedente que as espicies de um grupo por vezes parecem ter surgido no m-mdo de maneira abrupta. Tentei dar uma.explicago acerca deste fato, que seria fatal i s milhas idiias, caso se comprovasse a suaveracidade. Trata-se, c o n ~ d o , de casos excepdonais, pois a regra geral i a do aumento nllmirico gradu- al, ati que o grupo atinja seu m d o , para em seguida ter inido sua padatina redugzo. Se o nlimero de espicies de um ginero, ou o niunero de gineros de w-a

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fa&, for representado por uma iinha vertical de espessura vadivel, cruzando-se com as linhas horizontais paralelas que representam as sucessivas formagdes geol6- gicas nas q~a i s estas espides siio encontradas, a M a por vezes pareceri iniciar-se na sua extremidade inferior G o por um trago delgado que aos poucos vai aumen- tando de espessura, mas j i se apresenta espessa desde o inido, avolumar-do-se H medida que sobe, mantendo-se inalterada durante algum tempo, at6 que por fim se estreita na parte superior do diagrams, assinahdo sua redusgo numirica, que pode terminar com a extingiio da espicie. Este aumento gradual.do n h e r o das espides de um grupo concorda perfeitamente com whha teoria, pois as espicies do mesmo &ero, assim como os gtneros da mesma fandia, s6 podem aumentar de maneira lenta e progressiva, j i que o processo de modificagZo e a conseqiiente produ~fio de novas formas aliadas devem serlentos egraduais - a espicie primeiramente gerando duas ou trts variedades, que por sua vez se transformio lentamente em espicies, as quais, por sua vez; p r o d . d o octras espides, sempre de maqeira lecta e gradual, i semelhanga dos galhos deuma grande b o r e , que se ran-ificam a partir do tronco.

Ate agora, tenos falado apenas inddentalmente do desaparedmento das espb des e dos grupos de espides. Pela teoria da seleqio natural, a extigiio das formas antigas e a produg20 de novas formas aperfeigoadas estio intimamente correlacionadas. A velha nogiio de que todos os habitantes da terra foram desapare- cendo sucessivamente em decorrtnda degrandes cataclismas esti sendo abando- nada por q m e todos os estudiosos, mesmo por certos ge6logos como Elie de Beaumont, Murchison, Barrande e outros, cujas idiias naturalmente poderiam levi- 10s a tal conclusiio. Ao contr;irio, tenos toda raz2o de acreditar, em vista do estudo das formagdes terdirias, que as espicies e os gr-~pos de espides desaparecem gra- dualmente, uns ap6s os outros, primeiro aqui, depois ali, e pox fim em todo o mun- do. Mas as espides, consideradas isoladamente, e os grupos de espicies duram pedodos de tempo muito desiguais. Certos grupos, como tivemos a oportunidade de ver, origkcaram-se nos prim6rdios da exisGnda e duram ate hoje em &a, en- quanto que outros desapareceram antes do final da Era ?aleoz6ica. Nenhuma lei fixa parece determinar a extensiio de tempo durante a qual vive umaespicie ou.urn ghero. H i razdes para se, acreditar que a extilsio completa de um grupo geral- m a t e constini um processo mais lento que o da sua produsio. Se o surgimento e o desaparedmento de um grupo de espicies for representado, como antes, por uma linha vertical de espessura variivel, esti se afinari de maneira mais gradual na parte superior, que assinala sua exhgiio, do qJe na inferior, qJe represents seu surgimento e sua difusiio inicial. Em alguns casos, entretanto, a extingiio de grupos inteiros de seres, como o dos amonites, por exernplo, que desapareceram quase no final da Era Secundiria, foi espantosamente repentina.

Todo este assunto da extingiio das espicies tem sido envolto no mais gratuito mistirio. A l p s autores chegaram a supor que, a s s h como os individuos possuem duragdes de vida bem defmidas, t a m b h com as espides poderia ocorrer o mes- mo. Penso que, mais do que ninguim, fui eu a pessoa que mais se espantoucom a

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extingio das espides. Quando descobri na Planicie do Prata o dente de um cavalo misturado a restos de mastodontes, megattrios, toxodontes e outros monstros ex- tintos, que coexistiram em pedodos geol6gicos remotos com moluscos que v i v a at6 os dias de hoje, fiquei deveras surpresol Com efeito, o cavalo, ap6s sua introdu- gio na AmOrica do Sul pelos espanh6is, tornou-se selvagem e alastrou-se pelo con- tinente de maneira excepcionalmente ripida. Assim, perguntei-me como poderia ter sido que este animal se extinguisse outrora nesta terra cujas condigdes de vida h e sio aparentemente tZo favor6veis. Meu espanto, porim, mostrou-se inteiramen- te sem fundamento. 0 Prof. Owen logo percebeu que o dente, embora tZo seme- lhante ao do cavalo atual, pertencia de fato a uma espicie extinta. Se tal cavalo ainda vivesse e fosse uma espide rara, sua raridade niio constituitia surpresa para ne- nhum naturalism, por se tratarde circunshcia comum o enormenhero de espb cies pertencentes a todas as classes e existentes em todas as partes do mundo. Se nos perguntarmos por que esta ou aquela espicie i rara, havemos de responder que algo deve ser desfavorivel em suas condig6es de vida; porim, quanto ao que seria, quase nunca poderemos precisar. Supondo-se que o cavalo f6ssil ainda existisse como uma espicie rara, seria razoivel deduzir-se, por analogia com todos os outros mam'feros, inclusive o elefante que se reproduz 60 lentamente, e pelo que se sabe da aclimatagio dos eqiiinos domtsticos na Amirica do Sul, que, dadas as condigdes favoriveis deste continente, em poucos anos essa espicie poderia povoi-lo inteira- mente. Todavia, G o podemos especificar quais teriam sido as condig6es desfavori- veis que h e haveriam tolhido outrora a multiplicagio, se foram virias ou apenas uma, em que pedodo da vida do cavalo o teriam afetado, e qual teria sido o grau de sua atuagiio. Se tais condig6es se fossem modificando, mesmo que lentamente, tor- nando-se pouco a pouco menos favoriveis, segundo G o idamos perceber este fato; nesse interim, porim, a espide cessaria de proliferar, tornando-se cada vez mais rara, at6 que por fim se extinguisse, deixando seu lugar na natureza para ses ocupa- do por algum competidor mais bem sucedido.

I?, bastante dificil ter-se sempre em mente que a multiplicagiio de todo ser vivo esti constantemente Sendo tolhida por imperceptiveis agentes nocivos, os quais, mesmo G o sendo percebidos, mesmo assim siio suficientes para provocar a rarida- de e, finalmente, a extingiio. Obse~amos diversos exemplos disto nas formagdes terciirias mais recentes, corn a rarefagiio sempre precedendo a extingio; i o que de fato tem ocorrido, mesmo corn os animais cujo exterminio, local ou completo, se deu em decorsincia da agio humana. Posso repedr o que escrevi em 1845, a respei- to da admissio de que as espicies em geral se tornam raras antes de sua extingiio: "Nio nos surpreendermos com a raridade de uma espicie, e entretanto ficarmos cbocados com seu desaparecimento, O a mesma coisa que admitis ser a doenga o prel6dio da morte, e mesmo assim G o se sentir surpresa ante a doenga, mas apenas com a morte da pessoa doente, G o atribuindo o faledmento ao mal de que ela sofria, porOm presumindo que sua morte se tenha dado em razio de alym ato desconbecido de violincia".

A teoria da selegio natural estriba-se na crenga de que toda variedade nova, e em ddma anilise to& espide nova, se produza e sobreviva pel0 fato de possuir algumavantagem em relagio aos seus competidores, dai sobrevindo quase inevita-

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velmente a conseqiiente extingiio das formas menos favoreddas. 0 mesmo ocorre com nossas produgdes dombticas: quando surge umavariedade nova e ligeiramen- te aperfeiqoada, ela.primeiramente ki suplantar as vaciedades menos aperfeigoadas existentes nas vizinhangas; depois de bastante aperfeigoada, cosnuna ser levada para os mais diversos pontos, conforme ocorreu com nossa raga,de bois de chifre curto, tomando o lugar dantes ocupado por ouuas ragas em outras terras. Deste modo, o surgimento de novas formas e o desaparecimento das antigas estiio sempre assodados, tanto na natureza quanto em estado domistico. Em certos grupos em expansiio, o niunero de novas formas especificas produzidas, dado um determina- do tempo, provavelmente i maior que o das formas extintas', no entanto, constata- mos niio eswc crescendo indefinidamente o niunero de espides, pdo menos du- rante os dtimos periodos geol6gicos, de maneira que, examinando-se os tempos recentes, pode-se acreditar que a produgiio de formas novas tenha acarretado a extinqiio de niunero aproximadamenteidktico de formas antigas.

Conforme explicamos anteriormente, langando mZo de exemplos para este fim, a competiqiio geralmente seri mais renhida entre as formas que mais se asseme- lhem entre si, no tocante a todos os aspectos. E poristo que os descendentes aper- feigoados de uma espide em geral acarretam a extingiio da espide ancestral. Se diversas formas novas forem descendentes de uma.s6 espide-miie, as formas mais pr6ximas e afins desta, ou seja, as espides congkneres, seriio as mais sujeitas i extinqZo. Portanto, acredito que um certo niunero de novas espides descendentes de uma ancestral, formando um gkero novo, acabam por suplantar um gknero antigo pertencente i mesma familia. Mas tambim i possivd, que muitas espides novas tenham tomado o lugar antes ocupado por espides pertencentes a gmpos distintos, as quais foram por isto extintas. Dai, se o inrmso originar, diversas formas afins, muitas delas um dia terZo de ceder seus lugares, e estas geralmente seriio as pr6prias formas afins, que certamente possuem alguma inferioridade hereditiria em comum. Mas tambim pode acontecer que a espide derrotada sobreviva atravis de uns poucos exemplares adaptados a determinados estilos peculiares de vida, ou que habitem locais mmui afastados e isolados, escapando deste mod0 i competigiio mais acirrada. Cito urn exemplo: uma h i c a espide de Trigonia (grande gknero de moluscos encontrados nas formagdes da Era Secundiria) sobrevive nos mares aus- tralianos, enquanto que uns poucos membros do grupo amplo e quase extinto dos peixes gan6ides ainda habitam nossas ;iguas doces. Por conseguinte, conforme dis- semos, a extingiio completa de um gmpo geralmente constitui um process0 mais longo que a sua produgiio.

Com respeito i exterminaqiio aparentemente s6bita de f a d a s e de ordens in- teiras, como a dos trilobites, no final do Paleoz6ic0, e dos amonites, no final do Secundhio, devemos lembrar-nos do que jh se disse acerca dos provirveis intervalos de longa duragiio transcorridos entre nossas formagdes consecutivas. Nesses inter: valos, pode ter havido a extingiio lenta de muitas espiues. Ademais, quando ocorre uma imigragiio repentina ou uma multiplicagiio excepdonalmente rhpida, fazendo com que virias espides de um grupo novo se instalem numa nova hea, estas Eio exterminar de mod0 correspondentemente ripido diversos habitantes antigos, muitos dos quais parentes enixe si, j i que provavelmente compartilham de alguma inferio- ridade congknita.

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Assim sendo, qua-me parecer que a maneirapda qual tanto as espicies isoladas como grupos inteiros de espicies se exdnguem enquadra-se perfeitamente bem na teoria da seleqZo natural. NHo i a extinqHo que deve espantar-nos, mas sim nossa presunqzo de imaghar por um momento que possamos compreender as drcuns- h d a s numerosas e complexas das quais depende a existincia de cada espide. Se nZo tivermos sempre em mente que cada espide tende a se muleplicar desenfrea- damente, s6 nHo accntecendo tal coisa porque algum impedimento sempre esti amdo no senrido de tolher esta multiplicaqHo, mesmo que G o possamos perce- ber em que ele consiste, toda a economia da natureza ficari inteiramente obscura para n6s. Quando pudermos dizer predsamente porque tal espide i mais nmero- sa do que outra, por que esta e nHo aquela pode aclimatar-se em determinada regizo, s6 enfio poderia causar-nos surpresa o fato de nHo encontrarmos expiicaqZo para o desaparecimento de alms espide isolada ou de urn grupo de espides qualquer.

Formas de vida que se modiicam quare simu/faneamenfe em fodar arpartes do mundo

Dificilmente uma descoberta paleontol6gica seda mais notivel que o fato da modificaqZo quase simulthea das formas de vida por todo o mundo. Assim nossa formaqHo cre&cea pode ser recohecida em muitas partes distantes do mundo, sob os dimas mais diferentes, onde nHo se pode encontrar sequer urn fragment0 de greda (meta), mineral responsivd pelo nome da formaqHo. Podemos citar a America do Norte, as terras equatoriais da Am&ca do Sul, a Terra do Fogo, o Cabo da Boa Esperwqa e a Peninsula hdica, por exemplo, onde os restos orginicos de certas can'.adas apresentam incontestivdgrau de semelhaop com os encon~dos no nosso Creticeo. NZo que as mesmas espicies sejam ai encontradas, pois em deter-minados casos G o se acha sequer uma espicie que seja absolutamente idintica i s nossas, mas elas pertencen is mesmas f a d a s , gineros e seqdes geniricas, possuindo i s vezes semelhanqas em aspectos minimos, como a simples conformaqZo superficial, por ruemplo. ji ounas formas porventura inexistentes no Creticeo europeu, mas encontradas nas formaq6es imediatamente supenores ou inferiores a esta, igual- mente G o existem na formaqzo correspondente que ocorre nesses distmtes pon- tos do muado. Diversos autores observaram urn paralelismo semehatlte nas diver- sas formaqdes paleoz6icas sucessivas da Rfissia, da Europa ocidental e da Amirica do Norte, o mesao ocorrendo, de acordo comlyell, nos virios dep6sitos terdirios da Europa e da Amkica do Norte. Mesmo deixando-se de lado as poucas espicies f6sseis comuns ao Velho e ao Novo Mundo, o paralelismo geral da sucessHo das formas de vida nos estigios das eras paleoz6icas e terciiria, fio extensamente sepa- radas, ahda seria evidente, podendo-se facilmente correlacionar as diversas forma- qdes que as compdem.

Estas obsemaqdes, p o r k , referem-se aos habitantes marinhos das distantes partes do mundo, uma vez que nHo dispomos de dados suficientes para afirmar o mesmo em relag50 i s produ$6es terrestres e de igua doce. Pode-se duvidar de que estas se tenharn transformado paralelamente. Se o Mgafhenum, o MMj/odon, o Mamauchenia e o Toxodon tivessem sido trazidos da Flanicie Platina para a Xuropa,

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sem qualquer informaqio com respeito i posigio geol6gica em que foram encon.. trados, ninguh jamais suspeitaria que tais f6sseis tivesse-m coexisddo com moluscos marhhos ainda existentes; entretanto, como esses mpr.stros an6malos coevisdram com o mastodonte e o cavalo primitive, poder-se-ia pelo menos c o d & que de- vam ter vivido durante um dos atimos periodos t e r ~ & ~ ~ .

Quando dizemos que as formas de vida marirha se modificaram simultanea- mente por todo o mundo, nio se deve imaginar que ta! expressio se aplique ao mesmo mil6ni0, ou ao mesmo espaqo de tempo de cem mil anos, nem que ela tenha rigoroso sentido geol6gico. Se todos os animais m d o s que vivem presentemeq- te na Europa, assim como todos os que viveram na Europa durante o period0 pleistoc6nico (extremamente remoto se medido em anos, visto que indui toda a ipoca glacial), fossem comparados com os quehoje vivem na America do Sul e na Austrdia, os mais hibeis naturalistas teriam dificuldades de &mar se seriam os habitantes aruais ou os pleistoc6nicos da Europa que maior semelhanga apresenta- rim com os do Hemisf&io Sul. Ademais, diversos obseryadores altamente compe- tentes acreditam que as produq6es dos Estados Unidos mais se aproximam das que viveram na Europa durante periodos terciirios recentes do que com as que aqui vivem hoje em &a. Se assim for, i evidente que as camadas fossiliferas depositadas atualmente nas costas norte-americanas futuramente correriam o risco de ser das- sificadas no mesmo dvel de certas camadas europ6as mais antigas. Nio obstante, levando esta suposiqio para um futuro bern mais remoto, acredito que todas as formaq6es marinbas modernas, ou seja, as camadas do Plioceno Superior, do Pleistoceno e da ipoca a d , acumuladas na Europa, nas Americas na Austrilia, por conterem restos f6sseis relativamente atins, e por nio possuirem as formas encontradas apenas nos dep6sitos inferiores mais antigos, hiio de ser corretamente classificadas como simultineas, no sentido "geol6gico" desta palavra.

0 fato de q*Je as formas de vida se modificam simultaneamente, no sentido amplo em que estamos empregando esta palavra, em partes distantes do mundo, impressionou grandemente M. de Verneuil e M. d'Archiac, admiriveis pesquisado- res deste assunto. Depois de se referirem ao paralelismo das formas de vida paleoz6icas da Europa, eles acrescentaram: "Se intrigados por esta estranha se- yi6ncia, voltarmos nossa atenqHo para a Amirica do Norte, e ali descobrirmos uma sene de fendmenos anilogos, parecer-.nos4 certo que toda esta modificaqio e extingio de espides, bem como a introduqHo de especies novas, nio poderiio ser devidas a meras alteraq6es das correntes marinhas, ou a outras causas mais ou me- nos locais e temporhias, dependendo antes de leis gerais que regem todo o rein0 animal". M. Barrande tambim fez uso de ponderiveis argumentos levando i mes- ma condusio. Com efeito, i inteiramente infitil procurarmos por alteraq6es de cor- rentes, de dimas ou de outras condiq6es Esicas como causas dessas grandes muta- g6es das formas de vida atraves de todo o mundo, sob os h a s mais diversos. 0 que deveznos, segundo observou Barrande, i procurar por algurna lei especial. Isto serivisto mais daramente quando trammos da dismbuiqio a d dos seres organi- zados e verificarmos ainsignifichcia da rela@o entre as condiq6es fisicas das virias regi6es da terra e a natureza de seus habitantes.

Este imporaqte fato da sucessZo paralela das formas de vida em todo o mundo pode ser explicado pela teoria da seleqio natural. As novas especies sHo formadas

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em decorrinda do surgimento de novas vadedades que possuam determinada SU-

perioridade em relagZo is formas anfigas. Ora, sZo as formas j i dominantes, ou seja, aquelas dotadas dessa superioridade, que irZo naturalmente ~roduzir maior niunero de novas variedades, ou espicies indpientes, cuja superioridade deve set ainda mai- or que a da espicie-mZe, a fim de que elas se preservem e sobrevivam. Prova evi- dente disto temos nas plantas dominantes, ou seja, nas mais comuns em suas ireas de ocorrencia, e que tambim sZo as de habitat mais ;ynplo: sZo elas as responsiveis pelo maior niunero de novas variedrides existentes. E t a m b h natual que as espi- des dominantes, variiveis e mais difundidas, que at& certo ponto j i invadiram 0s territ6rios de outras espicies, sejam de fato as que maior probabiidade teriam de se espalhar ainda mais amplamente, originando novas variedades e espides nas ireas invadidas por elas. 0 process0 de dihsZo pode i s vezes serbem lento, dependendo das modi6cag6es dimiticas e geogsificas, ou de circuns&ncias fortuitas; contudo, no longo transcurso dos tempos, as formas dominantes via de regra sefio as que mais se espalham pelo mundo. E provivel que a dihsZo seja mais lenta com os habitantes dos continentes separados entre si, do que com os habitantes dos mares imensos e continuos. Conseqiientemente, i de se esperar que encontremos um grau de.sucessZo paralela menos rigido nas produg6es terrestres, com relagZo is produ- g6es marinhas - como, de fato, 15 o que temos encontrado.

Espalhando-se apartit de uma regiZo, as espides dominantes podem dekontar- se com outras de donkincia ainda mais acentuada, eisto poderi nZo s6 deter sua expansZo, como ati mesmo ameaca sua pr6pria existincia. NZo conhecemos com exatidiio quais seriam todas as condig6es altamente favoriveis i multiplicacZo das espides novas e dominantes, mas penso ser bem daro que urn grande niunero de individuos propidando maior probabiidade para o surgimento de variag6es favo- riveis, e a competigZo acirrada com muitas formas j i existentes, levando i necessi- dade de ocupar novos territ6rios, seriam circunstindas extremamentes favoriveis. Como j i explicado anteriormente, o isolamento ocasiond, ocorrendo a longos in- tervalos de.tempo, t a m b h poderia set favorivel. Certas partes do mundo poderi- am ter sido mais favoriveis B produgZo de novas espides terrestres dominantes, e outras i produgiio de espides muinhas. Se duas grandes regices possuirem o mes- mo grau de condig6es favoriveis durante urn longo tempo, quando seus babitantes se defrontarem hZo de tiavar prolongada e renhida batalha, da qua1 nem sempre saXo vitoriosos os aborigines No correr do tempo, p o r k , a vit6ria haveri de sorrir para as formas de maior donkincia, qualquerque seja o seu lugar de origem. Instaladas, estas irZo causar a extingZo das formas inferiores, as quais, por sua vez, desde que constituam grupos ligados pelos elementos comuns da hereditariedade, S o desaparecendo conjuntamente, o que nZo impediri a permantnda de algum membro isolado que consiga sobreviver nessa ou naquela parte.

Por conseguinte, parece-me que a sucessZo paralela e simultinea - h t o foensu- das mesmas formas devida em todo o mundo concorda petfeitamente com o prim dpio segundo o qual as espides novas teriam sido formadas pelas espides domi- nantes possuidoras de habitat amplo e passiveis de variar, cujos descendentes, tam- bim dominantes por hereditariedade, continuariam a espalhar-se, a variar e a pro- duzir novas espides ainda mais aperfeigoadas. As formas derrotadaS na luta pela

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sobrevivknda, cujos lugares viio sendo cedidos para as novas formas vitoriosas, geralmente constituem grupos possuidores de alguma inferioridade congenita, o que as leva a desaparecer i medida que os grupos das formas dominantes se espa- lham pelo mundo. Deste modo, a sucessiio das formas, tanto num caso como outro, sempre tende a apresentar uma correspondhda.

Acerca deste assunto, h i ainda outra observagiio & p a de mendonar-se: j i ex- pus as razdes que me levaram a acreditar que todas as nossas maiores formagdes fossiliferas se tenham depositado durante os pedodos de subsidknua, e que teriam decorrido enormes intervalos de tempo sem deposigo, correspondentes aos perf- odos em que o fundo do mar se mantivesse estacionirio ou em ascenszo, ou iqueles em que os sedimentos G o se depositassem com rapidez sufidente para soterrar e preservar os restos orginicos. Durante tais espagos de tempo, suponho que os habi- tantes tenham sofrido consideriveis alteragdes, e que muitos chegassem i exttngiio, sem falar nas rmgragdes que devem ter ocorrido com relativa freqiiencia. Como h i raziio para se acreditar que vastas ireas tenham sido afetadas pel0 mesmo movi- mento, i provivel que formagdes efetivamecte contemporbeas se tenham acumu- lado sobre amplas regides de determinada parte do mundo, mas de mod0 algum tenamos o direito de conduir que isto se tenha dado de maneira invariivel, com os mesmos movimentos sempre afetando extensas ireas. Quando duas formagdes se tenham depositado em duas regides diferentes, mais ou menos no mesmo pe~odo, i de se esperar que encontrissemos em ambas, pelas raz6es expostas nos parigra- fos precedentes, a mesma seqiihcia geral das formas de vida, mas as espides G o se corresponderiam de maneira exatamente idkntica, pois uma regiiio poderia ter disposto de tempo algo maior que a outra para desenvolver a modificagiio, a extingiio e a rmgragiio de seus habitantes.

Presumo que na Europa tenham ocorrido casos desta natureza. Mr. Prestwinch, em suas admiriveis "Mem6riasn, nas quais tram dos dep6sitos eocenos existentes na Inglaterra e na Franga, foi capaz de estabelecer um esmto paralelismo entre os estigios sucessivos dos dois paises; todavia, ao comparar determinados pedodos ingleses e franceses, embbra descobrindo em ambos uma curiosa concordbcia quanto ao n&nero de espkdes pertencentes aos mesmos gkneros, verificou que as espicies diferiam bastante, de maneira d i m de ser explicada, considerando-se a proximidadedas duas ireas - salvo em se presurnindo que a l y n isuno separasse os dois mares habitados por faunas distintas, embora contemporbeas. L y d fez observagdes semelhantes com respeito a algumas das formaq6es terdirias mais recentes. Tambim Barrande demonstra a existknda de um notivel padelismo ge- ral na seqiienda de dep6sitos silurianos da Boemia e da Escandinirvia, apesar de encontrar neles uma surpreendente diferenga no que se refere i s espkcies. Se as diversas formagdes destas regides niio se tivessem depositado durante exatamente os mesmos pedodos - ou seja, se uma forma@o de uma das regides correspondesse a um interval0 sem deposigiio na outra - e se as espides de ambas as regides prosseguissem modificando-se lentamente durante a acwnulagiio das diversas for- magdes, assim como durante os longos intervalos mortos, as diversas formaq6es das duas regides estariam arranjadas na mesma ordem, em concordincia com a sucessiio geral das formas de vida, e a ordem apresenrada um esmto paralelismo

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aparente. Todavia, as espides de mod0 algum sedam idhticas nos es&@os aparen- temente correspondentes das duas reg6es.

Das afnidades dar espLcies extintas enhe si e corn r e h p o ds f o r m atuais

Sxawhenos agora as afinidades mrituas entre as espides extintas e as atuais. Todas se enquadram num grande sistema natural, fato que tambim se exptica pelo ptindpio de descendtncia. Quanto mais antiga i uma forma, mais diferenga apre- senta com rela@o is formas atuais- esta i regmgeral Himuito observouBuddand, porirn, que todos os f6sseis podem ser classificados dentro dos grupos ainda exis- tentes, ou em grupos intermediirios. E indiscudvel que as formas extintas permi- tem preacher as grades lacunas existentes entre os gtneros, as f a d a s e as or- dens. Com efeito, se limitarmos nossi atengZo apenas is formas atuais, ou apenas is exthtas, a seqiitnda seria bem menos perfeita que se combinissemos os dois tipos n u n grande sistema geral. Corn respeito aos vertebrados, piginas inteiras poderiam ser preenchidas com as notiveis ilustraq6es de Owen, nosso grande paleontt~logo, no sentido de mostrar como os animais extintos se enauadram dentro dos eruDos - A

existentes. Cuvier classificou os ruminantes e os paquidermes como pertencentes a ordens situadas nas extremidades opostas da linha dos mamiferos. Todavia, Owen descobdu tantos elos f6sseis entre &bas, que teve de alterar toda a sua dassifica- gZo, colocando certos paquidermes e ruminantes juntos na mesma subordem. Men- done-se, como exemplo, que ele desvenda a diferen~a aparentemente grande entre o porco e o camelo, interligando as duas formas atrav.2 de diminutos elos de uma cadeia de tracsiqio. A respeito dos invertebrados, Barrande - poder-se-ia citar autoridade maior? - afirma estar a. cada dia mais convenddo de que os animais paleoz6icos, embora pertencendo is mesmas ordens, mesmas familias e mesmo eneros dos animais dos dias de hoje, nZo estavam separados naquela ipoca em grupos &o distintos como os que existem atuaimente.

Alguns autores negam-se a aceitar que qualquer espicie ou grupo extinto possa set considerado como intermediirio entre as espides ou os grupos atuais. Se com isto se quiser h e r que uma forma extinta seja perfeitamente intermediiria em todos os aspectos e caractedsticas entre duas formas existentes, a objeqiio provavel- mente sed vilida. Penso, p o r h , que numa classificaqZo perfeitamente natural muitas espides f6sseis poddam situar-se entre as espides atuais, valendo tambim para os gtneros, mesmo que pertenqam a familias distintas. 0 caso mais comum, espedal- mente em se tratando de grupos muito distintos, tais como pekes e ripteis, por exemplo, parece ser o de que se supusermos haver uma dGzia de caracteres que hoje os possam distinguir, no passado esse n h e r o seria menor, ou seja, os representan- tes dos dois grupos, embora distintos em ipocas anterioreq apresentadam maior atinidade entre si do que hoje em dia apresentam.

E crensa comum que quanto mais antiga for uma forma, maior seri sua tendtn- da a servir de ligaszo, em virtude desses ou daqueles caracteres, entre grupos que hoje se acham amplamente separados uns dos outros. Esta id& deveresuingit-se, sem dhida, aos grupos que tenharn sofrido grande transformagZo no transcurso

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das eras geolbgicas, e seria dificil demonstrar a verdade desta proposig;~, pois a cada dia qce passa sZo descobertos novos mimais vivos, como a pirambbia, por exemplo, que apresentam ahidades com grupos basmte distintos. Entretanto, se compararmos os r6pteis e batriquios antigos, os peixes e cefdbpodes de priscas eras e os mamiferos eocenicos com os membros mais recentes destas mesmas As- ses, teremos de admitir a existhda de alg~ma verdade nesta id&.

Vejamos at6 que ponto estes diversos fatos e condusdes concordam com a teoria da descendencia com modificagdes. Como se traia de assunto algo comple- xo, pego ao leitor que vo!te ao grifico do capitulo IV. Podemos supor que as letras com indice numirico represectem gineros, e as Enhas pondhadas que delas diver- gem sejam as espides constituintes dos gsneros. 0 grifico i extremamecte sim- ples, apresentando pouquissimos generos e espides, mas isto xGo 6 importante para o caso que pretendemos ilustrar. As M a s horizontais podem representar as sucessivas for~agdes geolbgicas, podendo-se considerar como extintas todas as formas situadas abaixo dalinha superior. 0 s trOs gsneros atuais a14, q14 e pI4 formam uma pequena f m i a ; b14 e P4, uma f d a muito prbxina, ou subfamilia; 014, e el4 e mI4, .ma terceira familia. Estas trEs familias, juntamezte com os diversos gkneros extintos colocados nas diversas M a s que represenram os descecdentes da forma ancestra! A, comporZo m a ordem. Todos os elenentos que compdem esta ordem devem ter herdado algo em comum de seu antigo ascendente comum. Dentro do principio da tendencia continua B divergenda dos caracteres, tema original deste grifico, qumto mais recente for m a forma, maior seri a diferenga que possui em relagzo ao ancestra! comum. Isto perrrite-nos compreender a razz0 pela qual a maior parte dos fbsseis antigos difere tanto das formas existectes. Todavia, nzo devemos presumir que a divergincia de caracteres seja uma c u c u n s ~ d a necessi- ria, mas que decorre Go-somente do fato de qeperrriteaos descendentes deuma espicie serem capazes de se estabelecer em diferentes lugares da economia da natu- reza. Por conseguinte, 6 perfeiamente possivel, conforme vimos no caso das for- mas silurianas, que m a espicie possa persistir apresentando modiEcagdes ligeiras, devido B peqcena variagio das condigdes de vida de deterrrjnado local, conservan- do d.xaqte Iongo tempo suas mesmas caracteristicas gerais. Isto esti representado no grsifico pela letra F".

Todas as formas extinas e recentes que descendem de A constiwem uma or- dem, conforme foi dito, e esta ordem, em razz0 dos continuos efeitos da a t i n g ; ~ e da divergincia dos caracteres, dividiu-se e n diversas subfm3as e familias, algumas das quais 6 de se supor que tenham desapareddo em diferentes periodos geol6gi- cos, enquanto que oxtras perma2eceram at6 os dias ae~ais.

Examinando-se o grifico, pode-se ver qce se se descobrissen algnmas das for- mas exurtas soterradas cas sucessivas formagdes, correspondentes a diversos pon- tos infefiores da seqiienda evolutiva, as trOs familias situadas na lkha superior tor- nar-se-iam menos distictas m a das outras, interligando-se por elos de transigHo. Digamos, por exemplo, que fossem descobertos os gkneros a', a5, alO, P, m3, m6, m9: neste caso, as trks f d a s se tornari~m Go interligadas que provavehente teriam de ser re~unidas, compondo uma grande familia, quase da mesma maneira que ocor- reu com os r-Jminmtes e paquidermes. No entanto, se alguim se recusasse a consi-

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derar como de cariterintermedihio, os gsneros extintos que interligararr. 0s ghe- ros das trks familias, G o deixaria de estar certo, pois eles de fato G o siio diretamen- te intermeGos, sendo-o apenas atravis de um percurso longo e indireto, passan- do por muitas formas amplamente diferentes. Se muitas formas exdntas fossem descobertas acima de uma das linhas horizontais centrais que representam forma- ~Bes geol6gicas - por exernplo, adma da linha T/I, - e nenhuma fosse achada abaixo desta linha, en60 apenas as duas familias i esquerda (isto i, aI4 etc e br4 etc) teriam de ser reunidas numa familia, enquanto que as outras duas familias (isto 6, de a'4 a P4, agora, induindo dnco gheros, e de 014 am'? permaneceriam distintas. Todavia, estas duas familias seriammenos distintas entre si do que o eram antes do descobrimento dos fbsseis. Se supusermos, por exemplo, que os gtneros atuais das duas familias difiram entre si numa drizia de caractedsticas, neste caso os gkeros do antigo periodo assinalado pela IinhaVI iriam diferir enue si num nhnero menor de caractensticas, pois nesse estigio de descendencia sua diferenga em relagiio ao ancesual geral da ordem ainda niio havia atingido o grau que postetiormente iria atingir. Dai o fato de que os gkeros antigos e extintos possam apresentar caracte- dsticas at6 certo ponto intermediirias entre seus descendentes modificados, ou en- tre seus parentes colaterais.

0 que ocorre na natureza 6 mais complexo do que o que se v& no grifico, pois os grupos, sendo mais numerosos, devem ter-se mantido inalterados durante pedo- dos de tempo extremamente desiguaiq modificando-se emgraus vadadissimos. Como dispomos apenas do Jldmo volume dos registros geolbgicos, o qual, d im do mais, esti bastante incomplete, niio temos o direito de esperar, a niio ser em casos rarissimos, que nos sobrem as condiq6es depreencher as amplas lacunas do sistema natural, interligando fan3ias ou ordens distintas. Tudo o que podemos esperar i que os grupos que nos pedodos geol6gicos conheddos tenham sofrido grande modifica@o apresentem, nas formag6es geol6gicas antigas, alguma proximidade entre si, de maneira que seus membros mais antigos difiram entre si, quanto a esta ou aquela caractedstica, em grau menor do que entre si diferem,hoje os membros atuais dos mesmos grupos, o que, pelas evidsncias que nossos melhores paleontologistas, nos fornecem dia ap6s dia, parece que efetivamente se =ate de uma verdade.

Assim, h luz da teoria da descendkda com modificag6es, os fatos fundamen- tais referentes i s aiinidades mhtuas das formas de vida extintas entre si e com rela- ~ i i o i s formas atuais parecem ser explicados de maneira satisfat6ria. E tais fatos s5o totalmente inexpliciveis dentro de qualquer outro ponto de vista.

Pela mesma teoria, i evidente que a fauna de qualquec grande pedodo da hist6- ria da Terd deva ser in te rmeaa , em linhas gerais, entre a que aprecedeu e a do pedodo irnediatamente posterior. Deste modo, as espides que viveram no sexto grande estigio de descend2nda indicado no grifico ser5o descendentes modifica- dos das que viveram no quinto estigio, e ascendentes diretos das espedes ainda mais modificadas do sidmo estigio, donde se deduzir que difidlmente dekariam de ser quaseintermediitias entre as formas de vida encontradas abaixo e acima de seu nivel. No entanto, temos de admitir a possibiidade da ocorrEncia da exting5o compteta de certas formas precedentes, a chegada h irea de formas imigrantes e a

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grande modificag~o que pode ter havido durante os extensos intemalos sem regis- tros que ocorreram entreas formagdes consecutivas. Aceitando-se tais premissas, a fauna de cada periodo geol6gico indubitavelmente possuiria caractedsticas inter- medikias entre a fauna posterior e a anterior. Quero citar apenas um exemplo: a maneira pela qual os f6sseis do sistema devonimo, quando de seu descobrimenm, foram logo reconhecidos pelos paleontologistas como intermediirios entre os do sistema carbonifero imediatamente superiore os do sistema siludano, sobre o qua1 ele se assenta. Entretanto, cada fauna G o i necessariamente a intermediiria exata entre.as que a encerram na coluna geol6gica, j i que decorreram diferentes interva- 10s de tempo entre duas formagaes consecutivas.

0 fato de que determinados gheros constituam excego i regra nZo invalida a assergio de que a fauna de cada periodo, encarada em conjunto, seja quase interme- diiria entre a fauna precedente e a posterior. Vejamos um exemplo fornecido pelo Dr. Falconer: mstodontes e elefantes, quando ordenados em duas siries, uma de acordo com suas afinidades mhtuas, outra de acordo com seus periodos de exist&- cia, nio apresentam a mesmaseqii6ncia. As espicies de caracteristicas maisacentu- adas G o sio nem as mais antigas, nem as mais recentes; por outro lado, nem sem- pre os individuos de caracterisdcas intermediirias siio 0s que viveram nas idades intermediirias. Entretanto, supondo-se por um instante, tanto para este como para outros casos d o g o s , que os registros do surgimenm e do desaparecimento da espicie tenha sido perfeito, G o h i razz0 para se crer que as formas prodmidas consecutivamente perdurem inalteradas durante iguais periodos de tempo. Com efeim, uma forma bem antiga pode eventualmente manter-se sem modificagdes por muito mais tempo do que outra produzida posteriormente, espedalmente no caso de produgdes terrestres vivendo em ireas separadas. Tomemos o exemplo dos mifidos para entender o caso dos gigmtes: seas pdncipais ragas vivas e extintas do pombo domktico fossem arranjadas numa sequcncia com base em suas &dales, este arranjo II2o concordaria exatamente com a seqiibcia cronol6gica de sua produ- gio, e muito menos com a de sua extingao, pois seu ancestral comum, a pomba-das- rochas, ainda sobrevive em nossos dias, enquanto que diversas variedades intermedi- i r i s entre ela e o pombo-correio j i se extinguiram. ?or outro lado, os pombos-cor- reio se destacam pelaimportante caracteristica do tamanho de s ey biws, caractenk- tica esta que surgiu antes do bico curto dos cambalhotas, que se situam N extremida- de oposta da seqiihcia organizada em fungio do comprimenm dos bicos destas aves.

Esti intimamente relacionado com esta afirmagiio de que os f6sseis de uma formagio intermedikia possuem caracteristicas ig~almente intermediirias o fato, constatado por todos os paleontologistas, de serem muito mais inter-relacionados os f6sseis de:duas formagdes consecutivas do que os de duas forrnagdes distantes. Pictet cita o conhecido exemplo da semelhanp geral entre os f6sseis de diversos andares da formagio creticea, sem embargo do fato de que as espicies sejam dis- tintas em cada um de seus estigios. Em virtude de seu cariter geral, s6 este fato parece ter abalado a firme crenga do Z'rofessor Pictet N imutabilidade das espicies. Quem estiver familiarizado com a distribuigo das espicies atuais pelo mundo G o havetd. de atribuir a estreita semelhanga das espicies distintas nas formagdes imedi- atamente consecutivas i improvivel manutengiio cias condig6es fisicas das ireas

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antigas. Lembremo-nos de que as formas he vida, pel0 menos as que vivem no mar, se ~odificaram quase simultaneamente por todo o mundo, ou seja, sob os mais diferentes climas e condiq6es Levando-se em conta os prodigiosos rigores do dima durante o ?leistoceno, que indui todo o period0 glacial, i curioso notar como fo- ram pouco afetadas as formas espeuficas dos habitantes mdos.

Pela teoria da descmdbda, torna-se 6bvio o fato de serem intimamente relad- onados os restos f6sseis das formaq6es imediatapente consecutivas, ainda que se- jam dassificados como espides distintas. Como a acumulaqZo de cada formaqZo se interrompeu.muitas vezes, e como enormes intervalos ocorreram entre as forma- q6es sucessivas, nZo i de se esperar, como procurei demonstrar no capitdo anteri- or, qJe se encontrem numa mesma formaqZo, ou em duas formaqaes consecutivas, todas as variedades intermediirias entre as espides surgidas no iddo e no final desses pedodos, mas i possivel que encontremos a p b cadaintedo, cuja duraqzo i enorme, se medida em anos, mas nem tanto assim, se mensuradas geologicamen- te, formas muito pr6ximas entre si, ou, conforme preferem chami-las certos auto- res, "espides representativas" - e isto efetivamente tem ocorrido. Em suma: as evidhdas encontradas de mutaqzo lenta e quase imperceptive1 das formas especi- ficas sZo tantas quanto seria razoivel esperar que se encontrassem.

Tem-se discutido muito acerca da questio de se as formas recentes sedam bem mais desenvolvidas que as antigas. NZo quero entrar nesta discussZo, pois os natu- ralistas ainda nZo cbegaram a um consenso quanto ao que seriam efetivainente " formas inferiores" e "formas superiores". Num sentido particular, porim, as for- mas recentes, pela minha teoria, devem ser superiores is antigas, porquanto cada nova espide se forma em razZo de possuir alguma superioridade que lhes permita. superar as outras formas, espedalmente as precedentes, na luta pela existincia. Se fosse possivel juntvnum local os habitantes eochicos e os atuais de determinada regiZo, eliminando-se o fator dimdtico e deixando-os em competiqzo entre si, a fauna e a flora daquela ipoca certamente levaria a pior e sena exterminada, assim como certamente derrotaria e exterminaria a fauna secundiria, em idicticas cir- c u n ~ ~ d a s , e esta, por sua vez. haveria de derrotar e exterminar a fauna ~aleoz6ica.

- A

NZo tenho dfivida de que esteYprocesso de aperfeiqoamento tenha afeGdo de ma- neira marcante e perceptive1 a constituiqZo iosica das formas de vida mais recentes e . vitoriosas, em comparaqZo com as antigas e extintas; infelizmente, nZo vejo como se poderia comprovar experimentalmente este fato. 0 s crusticeos, por exemplo, memo que nZo sejam os mais evoluidos dentro de sua pr6pria dasse, devem ter derrotado os moluscos, mesmo os mais desenvolvidos. Em virtude do mod0 extra- ordhirio segundo o qual as produq6es europiias se tim espalhado recentemecte sobre as terras da Nova Zelindia, ocupando lugares dantes pertencentes L formas nativas, i de se crer que se todos os animais e vegetais da Grz-Breanha fossem levados para esta outra ilha e ali deixados livremente, com o passar dos tempos uma verdadeira legiiio de formas brithicas estaria completamente aclimatada ali, tendo exterminado diversas formas nativas. Por outro lado, em vista do que se observa na

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Nova Zehdia e do fato de que radssimos habitantes do hemisfino sul tenham adquirido a condigio de silvestres em qualquer regiio europiia, i de se duvidar que as produgdes neo-zelandesas se espalhassem ha Gri-Bretanha e acabassem derro- tando e desalojando nossas produg6es nativas, caso se procedesse de maneirainver- sa. 3entro deste ponto de vista, 6 vilido afirmar-se que as produqdes bri*&cas d o superiores i s da Nova Zehdia Todavia, nem o mais hibiinaruralista poderia antever este resultado baseando-se no simples exame das espides nativas dessas duas &as.

Insiste Agassiz em afirmar que os animais antigos se parecem at6 certo ponto com os embrides dos animais recentes pertencentes i s mesmas dasses, ou seja, que a sucessio geo!6gica das formas extintas seria de certa forma paralela ao desenvol- vimento embriol6gico das formas recentes. De minhaparte, prefiro ficarcom Pictet e Huxley, acreditando que estejamos muito longe de poder comprovar a verdade desta doutdna. Todavia, tenho a esperanga de que algum dia possamos vk-la confir- mada, pelo menos com relagZo aos grupos subordinados, que se desmembraram uns dos outros em ipoca relativamente recente. Com efeito, a hip6tese de Agassu enquadra-se bem nos prinupios da teoria da selegio natural. Num dos pr6ximos capitulos tentarei demonstrar que o adulto difere de seu emb&o em conseqii6ncia de vadacdes sobrevindas em idades nZo muito Drecoces e herdadas Dor seus des- . . cendentes nessas mesmas idades. 9ste processo, ainda que quase nZo produza alte- racdes no embnZo, acrescenta continuamente maior diferen~a nos addtos, i medi- da-que se-vZo sucedendo suas geraqdes.

Portanto, o embriZo permaneceria como uma espide de retrato, preservado pela natureza, da condi~io antiga e menos modificada de cada animal. Embora possa ser verdadeira, tal teoria corre o risco de jamais poder ser comprovada cabal- mente. Obsemdo-se, por exernplo, qLe os mais =tigos mam'feros, ripteis e pei- xes que se conhecem pertencem esmtamente a suas respectivas dasses, ainda que algumas dessas formas anigas sejam algo menos distintas exre G do que hoje o sZo . . os membros epicos desses mesmos grupos, debalde haveriamos de promar an!ma~s que possuissem caracteristicas embriol6gicas comuns dos vertebrados, a nio ser que se descobrissem camadas ricas em f6sseis situadas bem abaixo dos estratos silurianos hferiores - e sio muito remotas as probabilidades de se fazerem tais achados.

Da sucemjo dor mesmos tipos dentro dm mesm ljrem durante ospenbdos mais recentes da Era Terciljria

Mr. Clift demonstrou h i muitos anos que os mamiferos f6sseis das cavernas australianas estavam mcito pr6ximos dos marsupiais que atualmente vivem naquele continente. Observa-se na Amirica do Sul uma relagio paredda, passive1 de ser constatada mesmo por leigos, quantos aos gigantescos cascos se.melh=tes aos dos tatus atuais, encontrados em diversas partes da Flanide Platina: o "ref. Owen de- monStrou de maneira notivel qJe.a maior parte dos mamiferos f6sseis que ali,sio encoatrados abcndantemente se relaciona corn os tipos atuais que habitam o con- iinente sul-americano. Esta relagZo pode sex vista dadssimamente na excelente co- l e ~ i o de ossos f6sseis recolhida nas grutas brasileiras pelos senhores Lund eClausen. Estes fatos impressionaram-me de td maneira que, de 1839 a 1845, insisd continu-

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amente na existhcia da "hi ah S~cessio h s fi)oS", que determinava "esta maravilbosa re&& exl'rtente entre osseres h o s e extintor do mesmo continent?. Postedormente, 0 Prof. Owen estendeu a mama generalizagZo aos mamiferos do Velho Mundo. Verifica- sea mesma leinas restauragties feitas por este autor das gigantescas aves extintas da Nova Z&dia. Verificamo-la ainda nas aves encontradas nas grutas do Brasil. Mr. Woodward mostrou que ela tambimse aplica aos moluscos; p o r h , dada a ampla dismbuigZo da maior parte de seus gheros, nestes animais 6 menos nitida esta relagZo. Poder-se-ia menuom uma skie de outros casos, como a relaggo existente enue os moluscos terrestres atuais e extintos da Uha da Madeira, ou entre os que vivern e viveram nas iguas salgadas do Aral e do Cispio.

Ora, que significado possuida esta notivel lei da sucessZo dos mesmos tipos dentro das mesmas ireas? S6 uma pessoa muito corajosa poderia, ap6s comparar o dima a t d da Ausn;ilia e de certas partes da AmGca do Sul situadas i mesma latitude, ambuir a diferenga entre os habitantes destes dois continentes i s suas dis- tintas condigdes fisicas atuais, e, por outro lado, ambuir a uniformidade dos tipos de cada um deles, dwante os dtimos pedodos ter&os, i similaridade das condi- gdes ambientais entZo predominantes. NZo h i que se supor, igualmente, que exista uma lei imutivel condicionando a produgZo dos marsupiais i Austrilia, e a dos desdentados e outros animais tipicos i AmGca do SuL Com efeito, sabe-se que a Europa foi antigamente habitada por numerosos marsupiais, e eu mesmo tive a oportunidade de mostrar, em publicagdes & quais me refed anteriormente, que a lei da disbibui~Zo dos mamiferos terrestres no continente americano foi outrora bastante diferente da que atualmente ali prevalece. AAmirica do Norte apresenta- va, no passado, caracteristicas bastante semelhantes i s que hoje se observarn na metade meridional deste continente; esta, por suavez, possuia afinidades bem mai- ores com a metade setenmonal do que as que atualmente possui. Em virmde das descobertas feitas por Falconer e Cautley, ficamos sabendo que, de maneira an20- ga, o norte da india e a Africa eram outrora muito mais relacionados quanto aos seus mam'feros do que o l o hoje em dia. Poder-se-iam mencionat fatos similares corn relaggo i distribuigZo da fauna marinha.

Pela teoria da descendhcia corn modificagdes, a grandelei da sucessZo prolonga- da, embora ngo imutivel, dos mesmos tipos existentes nas mesmas ireas encontta explicagZo imediata, pois 0s habitantes de cada r e s o do mundo evidentemente KO de tender a dekx naquele local, durante o pedodo que se seguu ao seu desapareci- mento. seus descendentes modificados Se os habitantes de determinado continente j i difekmno passado consideravelmente dos habitantes de outro condnente, 6 6bvio sue sew descendentes m o ~ c a d o s ainda haverZo de diferir entre si em m u e quali- - &de praticamenteidinticos P o r h , ap6s loigos i n t e d o s de tempo e considekveis modi£ica@es geogdicas, apossivel intermigz@o fari com que as formas mais fra- cas cedam seu lugax &formas dominantes, e deste mod0 nada teri mudado no que se refere & leis de dismbuigio, que continuam sendo as mesmas de outrora

Por ironia, poder-se-ia perguntar se suponho que os megatirios eoutros mons- tros que tais teriam deixado como seus descendentes degenerados, na Am6rica do Sul, o bicho-preguiga, o tatu e o tamandui Isto G o se pode admitk nem por um instante. Estes animaldes extinguiram-se completamente, sem deixar descendhcia.

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Nas grutas brasileiras, porim, encontram-se muitas espides extintas muito pr6xi- mas, no que se refere ao tamanho e a outras caractedsticas, das espicies que ainda habitam o continente sul-americano - alguns desses f6sseis podem ser efetiva- mente os ancestrais das espides ar~ais. Nio podemos nos esquecer de que, segun- do minha teoria, todas as espides do mesmo ginero teriam descendido de uma s c a espicie ancestcal, assim sendo, se encontrarmos numa formag20 geol6gica seis gEneros, cada qua1 constituido de oito espides, e na formag20 seguinte encon- trarmos seis outros gineros representativos ou ahnq com o mesmo niunero de espides, disto poderemos conduir que apenas uma espide de cada um dos seis gkneros antigos teria deixado descendentes modificados, os quais constituiriam os seis gheros encontrados posteriormente. As outras sete espides de cada um dos gheros antigos ter-se-iam extinguido sem deivar descendentes. Ou enGo, e prova- velmente este seria o caso mais comum, duas ou trb espides de dois ou tris ghe- ros seriam os ancestctis dos seis gineros posteriores, tendo-se extinguido todos os demais gheros e espides dames existentes. Nas ordens em retrataeo, ou seja, naquelas cJjos gheros e espides esGo diminuindo de nbe ro , como aparente- mente i o caso dos desdentados sul-atr.ericmos, run total ainda menor de gcneros e espicies deveri ter deixado descendentes diretos em nossos dias.

Resumo dos li(tmos c@ituhs

Procurei demonstrar que o regjstro geol6gico i extremamente imperfeito; que apenas .ma pequena porgio do ghbo foi pesquisada geologicamente com o devido cuidado; que s6 determinadas classes de seres organizados foram grandemente pre- servadas em estado f6ssil; que tanto o niunerode espicimes como o de espLdes preservadas em nossos museus sio praticarnente nada, comparados com o incalcu- live1 niunero de gerag6es que devem ter existido apenas no espaGo de tempo cor- respondente a uma kica formagio; cpe, em raziio da necessidade de ocorrinda de subsidhcia para a acumulagilo de dep6sitos fossiliferos espessos o bastante para resisdr i degradagiio, decorreram enormes intervalos de tempo entre duas forma- g6es consecutivas; que provavelmente foi maior a extingzo de espides durante os pedodos de subsidcnda, e maior a variagio durante os pedodos de soerguimento, sendo que nestes, d im do mais, os registros sIio menos perfeitamente conservados; que a deposigiio de uma formagio, qudquer que seja, nio deve ter sido continua; que a duragiio de cada formagio talvez seja curta, comparada com a duragio midia das formas especificas; que a migragio desempenhou papel importante no surgimento de novas ireas, dentro de qualquer irea e dequalquer formagio; que as espides de habitat mais amplo sIio as que mais variaram, originando a maior pa te das espicies novas; por h, que as variedades muitas vezes tiveram h b i t o apenas local por ocasiZo de seu surgimento. Consideradas em cocjunto, todas estas causas devem tet cocmbuido para tornar extremamente imperfeito o registro geol6gic0, explicando em grande parte por que niio somos capazes de encontrar umniunero enorme devadedades que permitaminterligar, em gradag6es pormenorizadissirnas, todas as formas de vida extintas e existentes.

Quem nio aceitar a id& da precariedade. de registro geol6gico h i de rejeitax inteiramente toda a minha teoria, pois efetivamer.te.seria vio perguntar onde esta-

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liam os incontiveis elos de transigZo que outroraintedgariam as espides represen- tativas muit0 pr6xirnas, encontradas nos diversos estigios de uma grande. forma- gZo. Esta pessoapoderia nZo acreditarnos enormes intervalos de tempo que trans- corremm entre duas formagdes consecutivas; poderia nZo considexar como impor- tame o papel desempenhado pela migragZo, ao estudar as formagdes de apenas uma regiZo do mundo: a Europa, por exemplo; poderia aceitar como insofismivd o fato muitas vezes apenas aparente do surgimento sribito de todo urn grupo de espi- des. Se me perguntarem onde estariam os restos dos numerosissimos organismos que devem ter existido longo tempo antes deter sido depositada a prime& camada do sistema siluriano, eu s6 poderia responder com hipbteses, dizendo que, tanto quanto sabemos, desde a ipoca silwiana estendem-se nos mesmos lugares etr. que hoje se encontram tanto os nossos oceanos como nossos continentes oscilantes; entretanto, considerando-se o longo pedodo de tempo anterior a essa ipoca, pode ser que o mundo en60 apresentasse um aspect0 inteiramente diferente, e sue os * - - conthentes antigos, sobre os quais se teriam acumulado formagdes mais antigas que todas as que hoje conhecemos, podem atualmente encontrar-se em cocdigZo metamorfiada, como podem at6 mesmo estar soterrados sob o fundo dos oceanos.

Tirante es&s dificAdades, todos os outros fatos fundamentais da Paleontologia parecem-me sbplesmente concordar com a teoda da descendtnda com modifica- gdes, realizada por intermidio da sdegZo natural. Podemos deste mod0 compreen- dex como foi que surgiram as espides no mundo, de maneira lenta e sucessiva; como i que as espides pertencentes a diferentes classes nZo se modificam obriga- toriamente de mod0 simulheo, ou i mesma velocidade, ou em grau idsntico; con- tudo, no correr dos tempos, todas elas sofreram alguma modificagZo. A extingZo das formas antigas i uma conseqiihda quase inevitivel da produgZo de formas novas. Podemos compreender por que uma espide, uma vez desaparedda, nmca mais h i de reaparecer. 0 s grupos de espides vZo-se tornando pouco a pouco mais numerosos, persistindo sem alteragdes por desiguais pedodos de tempo, j i que o processo de modificagito 6 necessariamente lento, dependendo de circunsthcias numerosas e complexas. As espides dominantes pertencentes aos grupos igual- mente dominantes tendema deixar muitos descendentes modificados, o qne resul- tari nn formag50 dcnovos subgrupos cgrupos. medidn que estes se vl'formnn- do, 3s espkcirs dos ~ ~ u p o s mais fracos, d3d3 a inferioridsdc herdada de seu ances- - - tral corn&, tendem a se extinguir em conjunto, sem deiuarem descendentes modi- ficados na superflue do planeta. Entretanto, a extingZo completa de todo um grupo de espides pode por vezes resultar num processo muito lento, em virtude da sobre- vivhcia de uns poucos descendentes que vZo dever sua subsist6nda ao fato de viverem err regi6es protegidas ou isoladas. P o r h , ao desaparecer, o grupo nZo m2s reapareceri, por ter-se rompido o elo de geragZo.

Podemos compreender como a difusZo das formas dominmtes, que d o as que na maior parte das vezes variam, tenderso, com o longo passar dos tempos, a povo- ar o m-undo com descendentes diretos, conquanto modificados, os quais via de regra serZo bem-sucedidos na tentativa de.ocupar os lugares antes pertencentes a grJpos de espides menos preparados para a luta pela existsncia. Portaeo, ap6s longos intervalos de tempo, as produgdes hZo de parecer que se modificaram ~ i m d t h e ~ e n t e atravis de todo o mundo.

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I'odemos compreender como 6 que todas as formas de vida, antigas e recentes, compdem urn grande sistema, m a vez que todas sio interligadas pela geraqiio. Em razz0 da conttiua tendzncia i divergencia de caracteres, podemos compreender por que uma for-ma, quanto mais antiga for, mais divergiri em lirha gerais das formas atuais, e por que as formas antigas e extintas por vezes tendem a preencher lacunas entre as formas existentes, eventualmente interligando dois grupos antes classificados como distintos; na maior parte das vezes, porim, apenas aproximan- do-os um pouco mais. Quanto mais artiga for uma forma, e mais tenderi aparente- mente a ostentar caracteres em certo gra7u intermedihios entre grupos hoje distin- tos, pois sua antigiiidade pressupde maior proximidade do aacestral comum do qua1 divergiram os pupos. As formas extintas raramente sio intermedihias diretas entre formas existentes, kterligando-as apenas atravis de urn curso longo e tortuo- so, atrav6s de muitas formas extintas e bastante diferentes. Podemos enxergar clara- mente por qxe os restos orginicos de formaqdes imediatamente consecutivas sio mais pr6xhos enue si do que os das formaqdes muito separadas: i que as formas sio mais interligadas peia geraqzo. Isto nos mostra por que os restos f6sseis de uma formaqio intermediiria tambir. szo intermediirios quanto h suas caractensticas.

0 s habikqtes de cada period0 sucessivo da hist6ria do mundo derrotarw seus predecessores na corrida pela existencia: $50 facto, colocam-se nos degraus superio- res da escala da natureza, o que pode explicar o senumento vago e indefinido de tantos paleontologistas de que os organismos teriam progredido no seu conjunto. Se l ~ l l dia se comprovar que os h a i s antigos ati certo ponto se parecem com os embrides dos animais mais recentes pertencentes i mesma dasse, o fato seri intei- raolente compreensivel. A sucessiio dos mesmos tipos estrutllrais dentro das mes- mas ireas durante os .3timos periodos geol6gicos deixa de ser misteriosa e passa a ser explicada shplesmente pela hereditarieda.de - -

Assim, se o registro geol6gico for imperfeito como acho que i, podendo-se at6 afimar que sua perfeiqio nio seri muito maior no futuro do que o i hoje, as prin- cipais objeqBes i teoria da seleqio natural ficam conslderavelmente reduzidas, se mesmo G o desaparecem por completo. Por outro lado, todas as principais leis da Paleontologia, ao que me parece, prodamam que as espicies foram produzidas por geraqiio natural, sendo as formas anrigas suplantadas peias formas novas e aperfei- qoadas, produzidas pelas leis de variaqio que ainda atuam hoje em dia, e preserva- das pela Seleqzo Natural.

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A dirrn'bui@ afur?/nZopodc ser uptiraaLpordrinnfa n u condfFufim- I q o r - tan& das bampir -Af nidade~ en& apmdu@u do mumo rontinente - C e n m de mbfdo - Mi01 de &qmci$ ahbk dc mudanfa & clima, &ero@c~ do niue/das terra e cimnstdnciar ornrionoir- Durante operiodogiac?a~ n d@ers& teria orom'do rimulta- nenmcntcpor todo o munda

onsiderando-se a dismbuig20 dos seres organizados sobre a superfide do globo, o primeiro grande fato que nos impressiona 6 que nem a semelhanqa, nem a dessemelhanga entre os habitantes das diversas regides podem ser

explicadas por suas condisdes Esicas, inclusive pel0 clima. Ultimamente, quase todo autor que tenha estudado este assunto tem chegado a esta conclusiio. Para compro- varmos esta verdade, bastaria que examinissemos apenas o caso da Amirica. De fato, se excluirmos as partes setenmonais onde a terra circumpolar 6 quase conti- nua, concordam todos os autores com que uma das divisdes mais fundamentais na dismbuigiio geogdfica 6 a que reparte as terras em dois grandes conjuntos: o Novo Mundo e o Velho Mundo. Entretanto, se percorremos todo o vasto continente amedcano, das partes centrais dos Estados Unidos at6 a extremidade meridional do continente, haveremos de deparar com as condigdes mais diversificadas: regides excepcionalmente iunidas, desertos extraordbiamente irides, montanhas aldssimas, pknicies recobertas por vegetag2o rasteira, e florestas, e pintanos, e lagos, e nos enormes, sucedendo-se uns ap6s os outros sob quase todas as temperamas exis- tentes. Seria difidl encontrar-se algum tipo de clima ou de condigiio ambiente do Velho Mundo que G o encontre urn patalelo no Novo Mundo - igual ou pel0 menos Go pr6ximo quanto o seria exigido para a sobreviv2ncia geral da mesma espicie. Com efeito, 6 rarissimo encontrar-se urn gmpo de organismos continado a uma irea exigua, caracterizada por condigdes Esicas extremamente peculiares. De fato, podem-se indicar no Velho Mundo alguns trechos rnais quentes que qualquer outro existente no Novo Mundo; tais trechos, porch, G o s20 habitados por alguma fauna ou flora peculiar. Pois bem: apesar do paralelismo existente entre as condiqdes fisicas do Velho e do Novo Mundo, que diferenp incdvel se observa entre suas pro- dugdes biol6gicasl

No hemisfirio sul, se compararmos amplas extensdes de terra na A u s d a , na Africa do Sul e no oeste da Amkica do Sul, entre as latitudes de 2 5 O e 35", havere- mos de encontrar partes extremamente semelhantes em todas as suas condiqdes; entretanto, seria impossivel separar t rh outras floras ou faunas mais dessemelhantes que a destas tris ireas. Outra coisa que se pode fazer i comparar as produgdes do continente sul-americano existentes a sul do paralelo 3 5 O e a norte do paralelo 25O - portanto, vivendo em climas consideravelmente diferentes: elas apresentarZo maior relacionamento entre si do que com relag20 i s produgdes australianas e afri-

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canas que vivem praticamente sob o mesmo dima que elas. Fatos d o g o s poderi- am ser dtados com relag50 aos habitantes do mar.

Um segundo grande fato que nos inaiga numa obsemgiio superficial 6 que as barreiras de qualquer tipo, ou seja, os obsticulos B iivre migragiio, reladonam-se de maneira intima e importante com as diferengas enpe as produg6es de diversas regi- 6es. Vemos isto na grande diferenga existente entre quase todas as produg6es ter- restres do Novo e do Velho Mundo, exceto nas partes setenmonais, onde as terra5 quase se juntam, e onde, sob dimas ligebmente diferentes, pode ter havido mi=- $20 lime para as formas temperadas setenmonais, como hoje existepara as produ- gees esmtamente irticas. Deparamos com fato idh ico na grande diferenga exis- tente entre os habitantes da Austrilia, d a k c a e da Amirica do Sul que vivem sob a mesma latitude, pois estas ireas siio extremamente isoladas m a s das outras. Ve- mos tambim o mesmo fato em todos os continentes, pois dos lados opostos das altas e continuas cadeias montanhosas ou dos extensos desertos, ou ate mesmo nas margens opostas dos gmndes rios costumamos encontrar produq6es distintas Evi- dentemente, essas diferenqas.&o siio de tal monta que se aproximem das existentes entre dois continentes distintos, pois cadeias de montanhas e desertos sZo dificeis, mas G o impossiveis de se atravessar, e dim disto I& devem estar separando duas ireas hi tanto tempo quanto o es& os oceanos que separam os nossos continentes.

Examinando-se o mar, deparamos com a mesma lei. Dificilmente encontran'a- mos duas faunas marinhas mais distintas do que asque se vsem do lado oriental e do lado oddental das Americas do Sul e Central, onde 6 rarissimo encontrar-se algum peixe, algum molusco ou algum crusticeo comum aos dois litorais. Entretan- to, essas duas grandes faunas siio separadas simplesmente pel0 Istmo do Panami, delgada lingua de terraque, para animais madnhos, constitui obsticulo inteiramen- te intransponivel. Para o oeste das costas americanas, estende-se o oceano aberto, sem ilbas que possam fundonar como pontos de escala para os ernigrantes. Temos aqui uma barreira de outro tipo, passada a qual alcangamos as ilhas do Pacifico oriental, com outra fauna inteiramente distinta. Portanto, estamos em presenga de tris faunas madnhas que se estendem no sentido norte-sul, em linhas pardelas nHo +stantes umas das outras, sob dimas correspondentes; todavia, por estarem sepa- radas umas das outras por barreiras intransponiveis, terrestres ou aquiticas que sejam, as t r b siio inteiramente distintas. Por outro lado, se prosseguirmos ainda mais para oeste, partindo das &as situadas na parte tropical do Pacifico oriental, G o mais iremos enconm barreiras intransponiveis, dim de contarmos com diversas ilhas que smem de pontos de escala, permitindo-se percorrer meio mundo at.6 che- gar i s costas d a k a Sobre este vasto espaqo de &gas marinhas d o encontramos faunas manantimas distintas ou tipicas Embora seja radssima a exist&& de algum peixe, molusco ou crusticeo comum &,faunas marinhas do lado oriental e do lado ocidental das AmZcas, ou date e das jlhas do Pa&co, c o n d o existem muims peixes cujo habitat se estende do Padco ao hdico, e muitos molusws comuns is ilhas do Wufico e ao litoral oriental da k c a , etr. posiq6es quase opostas de longitude.

Um terceiro grande fato reladonado pardalmente con as afkmativas prece- dentes 6 o da ahnidade das produg6es do mesmo continente ou do mesmo mar, embora das espedes propriamente ditas sejam distintas em diferentes pontos e lo-

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cais. Trata-se de uma lei de ampla generalidade, e todo continente oferece nurnero- sos exemplos comprobat6rios. NZo obstante, o naturalista que viaje no sentido norte-sul, por exemplo, nunca deixa de ficar impressionado com a maneira pela qua! sucessivos grupos de seres afins, embora espedficamente distintos, sevZo subs- tituindo uns aos outros i medida que se alternam as paisagens. Sle escua os cantos quase idtnticos de pksaros extremamente pr6ximos dos que deixou para tth, ob- servando a semel!!qa de construgZo de seus ninhos, que no entanto nZo se po- dem dizer iguais, e enxerga seus ovos pintalgados tZo pareddos corn os outros que h i pouco via. 0 s descampados pr6ximos do Estreito de MagalhZes sZo habitados por uma espicie de Rhea (ema), enquanto que as plan'cies do Prata, mais a norte, sZo habitadas por outra espicie do mesmo gbero, e nZo por uma avestruz ou urn casuar, como os encontrados na Africa e na A u s d a i s mesmas latitudes. Na Pla- nicie Platina, encontramos a cutia e a chinchila, animais cujos hibitos lembram bastante os de nossos coelhos e lebres, e que a l h do mais pertencem. i mesma ordem dos roedores. NZo obstante, trata-se ostensivamente de animais americanos, no que se refere i sua conformaqZo estrutural. Ga!gamos os pincaros dos Andes e encontramos a variedade andina da chinchila; olhamos para as iguas e nelas nZo encontramos o castor ou o rato-almiscarado, mas sim o raGo-do-banhado e a capivara, roedores do tip0 americano. Podedamos acrescentar ainda diversos ou- tros exemplos. Se examinarmos as ilhas dos litorais americanos, ainda que elas difi- ram muito do ponto de vista geol6gic0, seus habitantes, mesmo poss&do caracte- risticas especificas peculiares, sZo essencialmente americanos. Podemos ate recuar nossos exames i s ipocas pretiritas, como o fizemos no capitulo anterior, e encon- traremos os tipos americanos dominando no continente americano e em seus ma: res pr6ximos. Estes fatos nos revelam a existbda de algum profundo vinculo or@- rico que prevalece atraves do espaqo e do tempo, sobre as mesmas ireas terrestres e aquiticas, independente de suas condiqdes fisicas. Seria bem pouco curioso o naturalism que niio se interesse em descobdr que vinculo seria esse.

Pela &&a teoria, tal vinculo nZo passa da hereditariedade, a causa que, tanto quanto sabemos, i responsivel pela produqio de organismos idinticos aos que os geraram, ou, no caso das vafiedades, pela produ@o de organismos quase idtnticos aos que as geraram. A dessemelhanqa dos habitantes de diferentes regides pode ser ambxuida i modificaqZo atraves da selegZo natural, e, num grau inteiramente seam- dhio, ikfluSncia direta das diferentes condiqdes fisicas. 0 grau de dessemel!!qa ki depender da maior ou menor facilidade de imigraqZo de formas de vida mais dominanteq em perlodo mais ou menos remoto; da natureza e do n-hero dos primeiros irrigrates; de sua aqZo e reaqZo, conforme a luta pela existtncia que t2m de travar; das her-relaqdes dos organismos, as quais, conforme tantas vezes tive- mos a oportunidade de afirmar, constirem as mais importantes.de todos as rela- qdes. Portanto, sobressai a importincia das'barreiras, elas que impedem a migraqZo, e a do tempo, eie que 6 o principal responsivel pelo lento process0 de modi5ca@o atravis da seleqzo natural. Espedes de habitat muito amplo, constituidas de grande niunero de individuos, que j i derrotaram numerosos competidores mtes residentes em seus atuais dominies, te6o as maiores probabiidades de ocupar novos !ugares, caso tenham a oportunidade de ser levadas para outros paises e regides. Em seus novos lares, es&o expostas, a novas condiqdes e com freqiitncia hZo de sofrer

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mo&ficaq6cs e aperfeigomentos; assim, tornar-se-io novamcnte vitoriosas, pro- duzlndo novos grupos dc dcsccndrntes modificados. @or cste principio de heredi- tariedade com &o&ficagZo, podemos compreender como i que as skdes de ghe- ros, gheros inteiros e ati mesmo familias estio restritas i s mesmas ireas, como antas e tantas vezes ocorre.

Conforme observei no capifdo anterior, nio acredito em nenhuma lei do "de- senvolvimento necessiiio". Como a variabilidade consdtui uma propriedade parti- cular de cada espide, da gad a selegZo natural tira a devida vantagem, desde que ela se mostre titi1 para o indidduo na complexa luta peia existkda, assim G o deveri ser uniforme o grau de modificaqio sofrido por cada esp6de diferente. Se, por exemplo, certo niunero de espicie que tenham estado em.competigZo direta entre si migre em conjunto para alguma regiio isolada, isto nio as tornari passiveis de moditicagZo, pois nen a migragio, nem o isolamento nada podem realizar a este respeito. Esses plincipios entram em agZo apenas levando os organismos a estabe- lecer novas relag6es entre si, e emmenor grza com as condigdes fisicas ambientes. Como vimos no capitulo precedente, certas formas mantiveram quase as mesmas caractensticas que possuian h i mstos pedodos geol6gicos atris, do mesmo mod0 que certas espides migraram considera~e~ente, e nem por isto se tornaram grandemenre modificadas.

Com base nestas idiias, 6 6bvio que diversas espides do mesmo gtnero, embo- ra habitado os mais distantes pontos do mundo, devem ori&ariamen:e ter proce- dido da mesma irea, visto que descendem do mesmo ancestral. No caso destas espides, qce durante pedodos geol6gicos inteiros sofrerarr. pouca modificaqio, G o h i grande difiddade em se acreditar que tenham emigrado da mesma regizo, pois o tempo decorrido entre seu sxgimento e seu amal estado de desenvolvimen- to i sufiuente para permitit quantas migrag6es fossem necessiiias. Mas nos outros casos em aue temos raz6es de acreditar cue as es~6des de ilm ~Cnero tenham sido - produzidas em tempo relativamente recente, h i grande Aficlidade de se accim t d coisa. 6 mbCm 6bvio que os indviduos da mesma. espkcie, embora hoie habitem regides distantes e isoladas, devem ter-se originado d; um mesmo lug&; o lar de Seus mcestrais, pois, conforme se explicou no capitulo anterior, 6 inacreditivel que indidduos idinticos possam ter sido produzidos pela seiegZo natural a partir de antepassados especificamente distintos.

Assim, somos levados i questio que tem sido tio discutida pelos naturalistas: as espedes terim sido criadas em urn ou e n viiios pontos da superfiue terrestre? Indabitavelmente, h i &versos casos de extrema dificuldade para se compreender como as mesmas espides poderiam rer migrado de um ponto original para os di- versos pontos disrantes e isolados onde hoje elas se encontram. Nio obstante, a simplicidade da idiia de que cada espide tenha swgido numa linica regizo efetiva- mente atrai nossa simpatia. Quem se recusar a aceitar este fato, recusari automati- camente a Vera causa da geragZo o r b i i i a com migragio s~bseqiiente, tendo deste mod0 de invocar a intervengio de rnilagre. Admite-se universalmente que, na maior parte dos casos, a irea habitada por uma esp6de 6 continua. Qllando alguma planta ou &al habita dois pontos distantes, ou separados por um interval0 que nZo poderia ser superado facilmente pela migragio, considera-se tal fato como no-

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tivel e excepdonal A capacidade de migrar atravis do mar i mais distintamente limitada nos mamiferos terrestres do que.possivelmente o seja em qualquer outro ser organizado; por isto, nZo temos conhecimento de qualquer caso inexplicivel de mamifero terrestre que habite pontos distantes do mundo. Nenhum ge6logo senti- r;i qualquer dificuldade em admidr que a GrZ-Bretanha tenha sido outrora unida ao continente europeu, e que portanto possua os mesmos quadnipedes. Porim, se espicies identicas puderem ser produzidas em dois pontos separados, por que sed que nZo existe um &ico mamifero comum i Europa, i A u s W e i Amiricado Sul? As condigdes de vida sHo quase as mesmas; tanto assim que numerosas plantas e animais europeus adimataram-se i Amirica e i Austrilia. Pois bem: algumas plantas nativas destes pontos Eio distantes dos dois hemisfirios terrestres sZo efeti- vamente iguais. Por qut? A resposta que penso ser correta i que os mamiferos nZo foram capazes demigrar, enquanto que certas plantas, dados seus diversos meios de dispersZo, conseguiram migrar atravb do vasto espago que se estende entre essas terras. A considerivel influincia exercida pelas barreiras na dismbuigZo das espides i compreensivel apenas na medida em que a grande maioria das espides foi produzida de um dos lados daquela barreira, nHo tendo sido capaz de migrar para o lado oposto. Umas poucas familias, muitas subfan3ias, diversos generos e numerosas seg6es de gtneros esEio confinadas i mesma regiHo, e diversos naturalis- tas observaram que a maioria dos gheros naturais, isto i, aqueles cujas espides sHo mais pr6ximas urnas das outras, sZo geralmente locais ou resmtos a determinada irea. Que estranha anomalia seria se, descend0 urn andar na sine e chegando aos individuos da mesma espide, vissemos prevalecer uma r e p diretamente oposta a esta, eas espides 1150 fossem locais, podendo ter sido produzidas em duas ou mais ireas distintas!

Pelo exposto, a mim parece - a mim e i maior parte dos naturalistas - que a id& mais provivel 6 a de que cada espicie teria sido produzida numa irea, tendo subseqiientemente migrado ati onde o permitiriam suas forgas e as condi~6es pas- sadas e presentes. Indubitavelmente, ocorrem muitos casos em que nZo nos i dado explicar como teria uma espicie passado de um local para outro. Mas as mudangas geogrificas e dimiticas que certamente ocorreram dentro dos tempos geol6gicos recentes devem ter interrompido ou tornado descontinuas as ireas de ocorrincia de muitas espides. Assim sendo, ficamos reduzidos a considerar se as excegdes i continuidade de ocorrtncia sZo 60 numerosas e de natureza Eio grave a ponto de obrigar-nos a suspender a crenga, tornada provivel pelas considerag6es gerais, de que cada espide tenha sido produzida dentro de determinada irea, dali migrando para Eio longe quanto o tivesse podido. Seria desnecessariamente enfadonho discu- dr todos os casos excepdonais de mesmas esp6cies que hoje vivem em pontos distantes e separados, nem pretend0 que haja uma explicagZo indiscudvel sobre muitos desses casos. Ap6s algumas observag6es preliminares, porim, discutirei al- guns dos grupos de casos mais notiveis: o da existencia da mesma espide nos topos das cadeias montanhosas distantes, e em pontos separados das regides irticas e antirticas. No pr6ximo capitulo, discutkemos a ampla difusHo das produg6es de igua doce e, por h, a ocorrencia das mesmas espides terrestres em ilhas e terras continentais separadas umas das outras por centenas de milhas de mar aberto. Se a

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exist&& das mesmas espides em pontos &stantes e isolados da superficie terres- a e pode muitas vezes ser explicada pela id&a de que cada espide teria migrado a par& de urn h i co local de origem, entZo, considerando-se nossa ignohcia acerca das mtigas modificaqdes dhiiticas e geogrificas ocorridas no mundo, assim como da diversidade dos meios ocasionais de tcmsporte, parece-me que a crenqa da uni- versidade desta id& i de fato razoabiissima.

Ao discuiirrnos este assunto, temos desimultaneamente ser capazes de conside- rat um ponto igualmente importante: o de se as diversas espides componentes de um g2ner0, as quais, segundo -a teoria, descenderiam todas de um ancestral comum, poderiam ter migrado (sofrendo modificaqdes durante algum trecho de seu.trajeto) da irea habitada pel0 ancestral. Se se puder demonstrar que quase inva- riavelmente acontece de determinada r e g o tet: sido povoada a pardr de uma outra, minha teoria seri conhmada, pois podemos compreender daramente, dentro do prindpio de.modificaqiio, por que os habitantes de certa regiiio seriam aparentados com os de outra na qua1 tivessem habitado antigamente. Uma ilha vulcinica que tenha sido soerguida e formada h &stincia de algumas centenas de milhas de um continente, provavelmente teria sido povoada a pardr desta terra, e seus descenden- tes, emboramodificados, certamente apresentadamsemelhanqas hereditirias com os habitantes do continente. Casos desta natureza sio cornuns, nio se podendo explici-los, conforme veremos mais pormenorizadamecte dentro em breve, pela teoria da uiaqio independe~te. A idiia do parectesco das espides existentes em duas regides difexe pouco (basta substituir a palavra "espide" por, "variedade") da que recentemente foi exposta de modo engenhoso e.brilhantepor Mr. Wallace, que assim conclui suns idiias: "Toda espide originou-se em ipoca e local coinddentes corn o deoutras espides vizinhas prk-existentes". E, pel0 que coqstatei na corres- pondhda que trocamos, ele amblli esta coincidhda h geraqzo com modificaqiio.

As observaqdes anteriores acerca dos "centros de criaqiio isolados e mrildplos" nZo se referem diretamente a outra qcestZo paralela: a de se todos os individuos da mesma espide descenderiam de um h ico casal, ol: de um h i c o serhermafrodita, ou &da, como o supdem diversos autores, devirios hdividuos uiados simultane- amente. Com respeito aos seres organizados que nunca se entrecruzam (se i que existem tais seres), as espides, pela minha teoria, devem descender de uma suces- sio de variedades aperfeiqoadas, que nunca se tefio misturado com outros indivi- duos ou variedades, mas que se teriio suplantado umas is oatras, de maneira que, a cada sucessivo estigio de modificaqiio e aperfeiqomento, todos os individuos de uma vadedade descenderio de um h i co ancesd. Na maioria dos casos, p o r h , com todos os organismos que habitualmente se unem para cada multiplicaqiio, ou que eventualmente seentrecruzp, acredito que, durante o lento process0 demo- dificaqiio, os individuos das espicies se conservario quase uniformes pel0 entrecruzamen:o, de maneira que muitos se hiio de modificar simultaneamente, e a soma de alteraqdes G o se deveri, em cada estigio, i descendenda de um h i c o ancestral. Ilustrando o que quero dizer: nosso cavalo de corridas ingles difere ape- nas ligeiramente dos cavalos de outras raqas, mas nio deve sua diferenqa e superio- ridade h heranqa recebida de um &ico casal ancestral, e sim ao continuo cuidado em se seledonar e treinar muitos indiduos durante virias geraqdes.

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Como na terra, tambem nas iguas do mar se verificou uma lenta migragzo da fauna mm'tima, que durante o Plioceno, ou num periodo talvez mais remoto, foi quase uniforme ao longo dos litorais continuos do Circulo Polar. Pela teoria da modificagzo, isto explica por que muitas formas vizinhas vivem hoje em ireas com- pletamente separadas. Assim sendo, acho que podemos compreender a presenga de muitas formas representativas atuais e terciirias nas costas oriental e ocidental da AmCrica do Norte temperada, e o caso &da mais notivel de diversos crusticeos (conforme se v i na admirivel obra de Dana), peixes e outros animais marinhos, todos muito pr6ximos enue si, tanto no Mediterrineo como nos mares que rodei- am o Japiio - ireas hoje separadas por um continente e por quase um hemisfirio de oceano equatorial.

Estes casos de parentesco sem semhga dos habitantes de mares hoje sepa- rados, assim como os dos habitantes antigos e atuais das term temperadas da AmCrica do Norte e da Europa, sHo inexpliciveis pela teoria da criagzo. NZo poderiamos dizer que tenham sido criados idinticos, em correspondencia com as condigdes flsicas quase semelhantes dessas ireas, pois se compararmos, por exemplo, certas partes da Am6rica do Sul com os continentes meridionais do Velho Mundo, vere- mos regices bastante sirnilares em todas as suas condig6es fisicas, embora seus ha- bitantes sejam inteiramente dessemelhantes.

Mas temos de voltar ao nosso assunto mais irnediato: o periodo gladal. Estou convenddo de que a teoria de Forbes pode set amplamente estendida. Na Europa, temos dadssimas evidencias de um periodo de gladagzo, estendendo-se das praias oddentais da G6-Bretanha aos Montes Urais, e alcangando seu limite meridional na cadeia dos Pireneus. Pelos f6sseis congelados e pela natureza da vegetagzo de montanhas, pode-se conduir que a Siberia foi afetada de maneira semelhante. Ao longo do Himalaia, em pontos afastados uns dos outros 900 milhas (1450 km), as geleiras deixaram as marcas de sua desdda lenta. No S i , o Dr. Hooker viu milharais vicejando sobre antigas morainas gigantescas. A sul do equador, temos algumas provas de agZo glacial antiga na Nova Zelindia, confirmada pela presenga de mesmas plantas encontradas em montanhas desta ilha bastacte separadas umas das outras. Se se puder dar credit0 a m artigo publicado h i pouco tempo, h i t a m b h evidhcia direta da agzo glacial na exnemidade sudeste da Austrilia.

Com relaggo io Amirica, na metade setentriona!, foram obsenrados fragmentos de rochas transportados porgelos, tanto no lado oriental, em latitudes que chegam a 36-37, quanto nas costas do Pacifico, cujo dima 6 atualmente tZo diferente, onde esses fragmentos foram encontrados em latitudes meridionais extremas de 46". Verificou-se tamb6m a existencia de blocos erriticos nas Montanhas Rochosas. Quanto ao continente sul-americano, verificou-se que, nos Andes equatoriais, as geleiras se estendiam outrora ate um nivel bem inferior ao que presentemente ocu- pam. No Chile central, espantou-me a estrutura de uma extensa barreira dem'tica, de cerca de 800 pCs (250 m) de altura, atravessada num dos vales mdinos. Estou presentemente convenddo de que se trata de gigantesca moraina, situada num pon- to bem mais baixo que o de qualquer geleira existente. Mais para sul, de ambos os lados deste continente, da latitude de4l0 i extremidade meridional, temos darissimas evidindas de agHo glacial antiga nos enormes matacdes transportados para bem longe de seus locais de origem.

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N5o sabemos sea ipoca glacial foi esmtamente simuldnea nestes diversos pon- tos situados nos lados opostos do mundo. Em quasetodo caso, p o r h , temos boas provas de que esta ipoca pertenceu.ao liltimo pedodo geoI6gico. Temos t a m b h excelente evidhcia de que sua duragio estendeu-se por enorme niunero de anos, em todos os pontos. 0 hio pode tercomegado ou cessado antes,numdeterminado ponto da terra; todavia, levando-se em conta a sua longs duragZo e sua contemporaneidade, no sentido geol6gico destas palavras, parece-me provivel que, pel0 menos durante parte de sua ocorrhcia, ele foi efetivamente simuldneo por toda a. extens50 do mundo. Inexistindo evidhcias em contdrio, podemos pelo menos admitic como provivel que a agZo glacial foi simulthea nos lados ocidental e oriental' da Amirica do Norte, nos Andes equatoriais e subtropicais e em ambos os lados da extremidade meridional do c3ndr-ente. Admidndo-se tais fatos, t5 dificil evitat-se de crer quea temperatma de todo o mundo tenha baixado simultaneamente durante este pedodo. Para meu interesse, p o r h , teria bastado que as temperaturas fossem simul- taneamente mais baixas ao longo de determinadas faixas longitudinais.

Estaidiia do frio simultheo em todo o mundo, ou pel0 menos em determina- das faixas longitudinais, permite que encontremos boa explicagZo para a atual dis- uibuigzo das espides idtnticas e aliadas. Na Amirica, o Dr. Hooker mostrou que umas 40 ou 50 plantas faner6gamas da Terra do Fogo, o que constitui parcela G o despretivel de sua diminuta flora, sZo comuns H Europa, G o obstante a enorme distincia que medeia entre essas duas ireas. A i h disto, h i diversas espides muito pr6ximas entre ambas. Nas altas montanhas da AmGca equatorial existe grande niunero de espides peculiares pertencentes a g6neros europeus. Nos montes brasi- leiros mais elevados, Gardner encontrou alguns gkneros europeus inexistentes nas term quentes adjacentes. Tambim na Silla de Caracas, o cilebre Humboldt h i tempos encontrou espides pertencentes a gheros caracter5sticos dos Andes equa- toriais. Nas montanhas da Abissinia, ocorrem diversas formas europiias e uns pou- cos representantes da flora tipica do Cabo da Boa Esperanga. Nesta liltima irea s5o encontradas umas poucas espides europiias (itrodwidas pel0 homem, segundo se acredita). Nas montanhas vizinhas, acham-se umas poucas formas representati- vas europEis, inexistentes nas ireas africanas intertropicais. No Himalaia, nas ca- deias montanhosas,isoladas da Peninsula hdica, nas elevagees do CeilZo e nos co- nes vulcinicos de Java, ocorrem diversas plantas que ou sZo idtnticas ou represen- tativas entre si e entre os vegetais europeus, e que G o sZo encontradas nas terras baixas intermediirias, de dimas mais quentes. Uma relagZo dos gkneros coletados nos cumes das montanhas javanesas lembra bastante uma lista de vegetais recolhi- dos em algurna colina europh. Ainda mais notivel i o fato de que as formas da Austrilia meridional sio daramente representadas por plantas que crescem nos pincaros das montanhas de Borntu. Algumas destas formas australianaq segundo me informou o Dr. Hooker, estendem-se ao longo das elevaqees da Peninsula de Malaca, e sZo pouco disseminadas, encontrando-se seja na hdia, seja, por outro lado, no distante JapZo.

Nas montanhas do sul da A u s d a , o Dr. E. Muller descobriu diversas espicies europ6ias. Outras espides, G o introdwidas pel0 homem, ocorremnas terras bai- xas. Segundo fui informado pel0 Dr. Hooker, podq-se-ia.preparar uma longa lista

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de gineros europeus encontrados na Austriilia, mas nio nas regides t6rridas inter- mediirias. Na admirive1 "Introdugiio i Flora da Nova Zebdia", escrita pelo Dr. Hooker, fatos estranhos sirnilares sHo apresentados com respeito aos vegetais da- quela grande ilha. Tudo isto nos mostra que, atravis do mundo, as plantas que crescem cas montanhas mais elevadas e nas terras baixas temperadas, tanto do he- misfirio sul como do norte, sio eventualmente idinticas; no mais das vezes, porim, trata-se de vegetais especificamente distintos, ainda que reladonados entre si de maneira realmente notivel.

Este breve resumo aplica-se apenas As plantas; contudo, poder-se-iam citar al- p s fatos estritamente anilogos com respeito B distribuigio dos animais terrestres. Casos semelhantes ocorrem quanto As produqdes marinhas. Como ilustragiio, pos- so transcrever uma observaqiio feita pela maior autoridade neste assunto, o Prof. Dana: "Niio deka de ser um fato maravilhoso que a Nova Zelhdia apresente, em relagiio a seus crusticeos, uma sm&.anga maior com a G ~ - B r e d a , situada nos antipodas, do que a que apresenta com qualquer outra parte do m,mdo". Tambim JirJ. Richardson fala do surgirr.ento de pekes setentrionais nas costas da Nova Zelhdia, daTasminia, etc. Informou-me o Dr. Hooker que existem 25 espides de algas comuns i Nova Zelindia e B Europa, e que contudo niio siio encontradas nos mares tropicais intermediirios.

Deve-se observar que as espicies e formas setenmonais encontradas nas partes meridionais do hemisfirio sul e nas cadeias de montanhas das regides intertropicais nio sio hticas, mas sim pertencentes As zonas temperadas setentrionais. Como observou recentemente Mr. II. C. Watson, "quando se ruma das latitudes polares para as equatoriais, as floras de montanhas viio-se t~rnando efetivamente cada vez menos kticas". Muitas das formas que +em cas montanhas das regides mais quentes da terra e no hemisfirio sul sio de valor duvidoso, sendo dassificadas por alguns naturaiistascomo especificamente disthtas; por outros, como variedades; todavia, + m a s sio certamente idEnticas, e mitas embora reladoeadas com as formas setentriocais, devem ser dassificadas como espicies distintas.

Vejamos agora que esdarecimentos se podem dar acerca dos fatos precedentes, relacionados com a crenqa apoiada por um grande conjunto de evidEndas geol6gi- - - cas, s e p d o a qual todo o mundo, & pelo menos uma grande do pl&eta, Gi, durante o periodo glacial, simulraneamente muito mais frio do que nos dias de hoie. Esse peri'ddo, se medido em aqos, deve ter sido extremamente longo. Quando ie- mos em mente a extensiio dos espagos pelos quais se difundiram plantas e animais aclimatados durante alguns siculos, vemos que esse periodo deve ter sido amplo o sufidente para engiobar qualquer quantidade de migragio. A medida que o frio foi avangando lentamente, todas as plantas e outras produgdes tropicais devem ter res- tringido sua hea de ocorrhcia para as proximidades do equador, deixando atrL de si o;errit6rio logo a seyir oc$ado paas produqdes temperadas, qlue por sua vez emigrazam de onde logo foi ocupado pelas produ~des hticas, as quais no momento niio-nos interessam. As plantas tr~~;icais,-~rova~elrr.ente, sofriram considerivel extinqiio; quanto, nio se sabe; talvez os tr6picos outrora abrigassem tantas espides quantas hoje em dia vemos agrupadas co Cabo da Boa Esperanqa e em partes da Austriilia temperada. Como sabemos que muitos vegetais e animais tropicais sio capazes de suportar muito frio, virios deles podem ter escapado i extingiio durante

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uma queda moderada de temperatura, espedalmente se conseguiram refugiar-se em locais mais quentes. Mas o gr=de fato a ser considerado 6 o de que todas as produqdes tropicais foram prejudicadas ark certo ponto. Por outro lado, as produ- gdes temperadas, depois de migrarem para perto do equador, mesmo enfrentando novas condi~des fisicas, devem ter sofrido menos que aquelas outras. E 6 certo que muitos vegetais temperados, se protegidos das incursdes de competidores, podem sobreviver em climas bem mais quentes que os seus. portanto, levando-se em conta que as produqdes tropicais estavam em retraqzo e nio podiam apresentar uma s61i- da frente de competiqao contra os intrusos, parece-me possivel que um certo nh- mero das formas temperadas mais vigorosas e dominantes possam ter transposto as barreiras das plantas nativas e ter alcanqado, se nHo at6 mesmo cruzado, o equa- dor. A invasHo, obviamente, deve tes sido grandemente favorecida pela presenqa de planaltos e, talvez, pela existcnda de dima seco, pois fui informado pelo Dr. Falconer que a circunstincia responsBvel pela destruiqio das plantas temperadas nas regides tropicais 6 principalmente a aqHo conjunta da urnidade e do calor. For outro laklo, as regides mais &nidas e quentes devem ter propiciado excelentes abrigos para as plantas nativas tropicais. 0 s contrafortes setecmonais do Himalaia e a longa fileira de montanhas da Corae i ra dos Andes parecem ter constim'do duas grandes li- nhas de invasHo. Com efeito, trata-se de um fato notivel, que h i pouco me foi comunicado pelo Dr. Hooker, que todas as plantas faner6gamas, cerca de 46 no total, comuEs i Terra do Fogo e i Europa sHo tamb6m eccontradas fia Amirica do Norte, que cercamecte se sltuava no percurso de wigraqio. Mas nHo duvido de que determinadas produqdes temperadas teham penetrado e aoavessado mesmo as terras baixas dos tr6picos no periodo de frio mais intenso - -. quardo as formas irticas migraram para cerca de xrs 25" de latiwde de seu habitat original, recobrindo os terrenos situados at6 o sopi dos Pireneus. Neste pedodo glacial, acredito que o ciima do equador, ao rivel do mar, seda o mesmo que hoje experimentamos ali, i altura de 6 ou 7 mil p b (2000 m). DurEte este auge do frio, suponho que vastas extens6es de pMcies tropicais ficaram revestidas de uma vegetaqHo mista, com- posta de espicies temperadas e tropkais, como a que hoje cresce com estranha exuberhcia no sop6 do &alaia, conforme descrita por Hooker.

Assim, segundo imagino, um considerivel n h e r o de vegetais, uns poucos ani- mais terrestres e algumas produqdes marinhas migraram durante o pedodo glacial das zonas temperadas setenmonais e meridionais para as regides intertropicais, ten- do algumas ate mesmo atravessado a linha do esquadro. A medida que o calor foi recuperando o terreno perdido, essas formas temperadas teriam naturalmente de refugiar-se nas montanhas mais elevadas, extinyindo-se nas terras baixas. As que nHo tivessem alcanqado o equador, apenas retornariam a. seus habitats originais; mas aquelas que tivessem ultrapassado essa M a , teriam de continuar migrando cada vez para mais longe de suas origens, em busca das latitudes temperadas do hemisfirio oposto. Embora tenhamos razdes para acreditar, com base nas evidcnci- as geol6gicas, que todo o conjunto dos moluscos irticos teria sofrido pouquissima modificaqio durante sua longa emigraqHo para o sul e subseqiiente retorno para as latitudes setenmonais, o caso pode ter sido inteiramente diverso com respeito i s formas que se intrometeram pelo hemisfirio sul, ocupando as montanhas intertropicais. Rodeadas por formas estranhas com as quais teriam de competir, elas

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provavelmente sofreram considerivel modificagio em suas estruturas, hibitos e constituigdes, e esta certamente redundou em proveito das espicies. Assim, muitos destes migrantes, embora aparentados por hereditariedade com seus irmios do he- misfirio oposto iquele em que hoje vivem, constituem presentemente variedades bem marcadas ou espicies distintas.

Trata-se de um fato notivel, enfadzado por Hooker com relagio i America e por De Candolle com relagio i Ausadlia, que o n h e r o de plantas idinticas e formas aliadas que migrou do norte para o sul foi bem maior, pel0 menos aparen- temente, do que o niunero da que migraram em diregzo oposta. Obsenramos, con- mdo, umas poucas formas vegetais do hemisfirio sul presentes nas montanhas de Borniu e da Abissinia. Presumo que estapreponderhda das migragdes provenien- tes do norte se deva i maior extenszo das terras setenmonais, e ao fato de que as formas ai existentes eram em maior niunero, donde serem mais evolu'das que as formas meridionais, j i que tiveram de enkentar maior competi$io e que devem ter sofrido maiores modificagdes em fungi0 da selegio natural. Assim, quando elas se misturaram durante o period0 glacial, as formas setenmonais deveriam ter mais condigdes de derrotar as meridionais, menos desenvolvidas. Deve ter en60 ocorn- do o mesmo que observamos presentemente, quando tantas produgdes europiias se tim espalhado pela Planicie Platina e, em menor grau, pela Austrilia, derrotando

'as formas nativas; por outro lado, pouquissimas formas meridionais se adimataram em qualquer parte da Europa, apesar de virmos importando, h i dois ou tris sicu- los, no caso dos paises platinos, e h i trinta ou quarenta anos, no caso da Austrdia, couro, l i e outros artigos passiveis de transportar sementes. Coisa semelhante deve ter ocorrido nas montanhas tropicais. Antes do pedodo glacial, estas montanhas por certo estariam povoadas com formas alpinas endhicas, que quase sempre cederam lugar a formas invasoras dominantes, fabricadas nas "oficinas" mais efici- entes, situadas nas ireas mais extensas do hemisfirio norte. Em muitas &as, as produqdes nativas es6o em vias de ser menos numerosas - se j i nio o sZo - que as aclimatadas; algumas ati j i se extinguiram, enquanto que outras se reduziram consideravelmente, o que i o primeiro passo para a extingio. Uma montanha cons- tituiu uma espicie de &a. Ora, as montanhas tropicais, antes do pedodo glacial, devem ter ficado completamente isoladas. Assim, suas formas nativas devem ter sido derrotadas fadlmente pelas invasoras oriundas das vastas terras setenmonais, da mesma forma que as produgdes das ilhas propriamente ditas tOm ultimamente cedido lugar is formas continentais introduzidas por intermidio do homem.

Estou longe de supor que todas as dificuldades deixam de existir face b idgas aqui apresentadas com respeito ao h b i t o e afinidades das espicies aliadas que vivem nas zonas temperadas setenmonais e meridionais e nas montanhas das regi- des intertropicais. Muitas dificuldades permanecem sem resposta. PJio pretend0 indicar as rotas exatas, nem os meios de migragio, ou arazio pela qua1 certas espb cies migraram, enquanto que outras nio; ou por que determinadas espicies se mo- dificaram e deram origem a novos grupos de formas, enquanto que outras perma- neceram inalteradas. Niio podemos esperar explicar estes fatos at& que possamos dizer por, que esta espic~e, e nHo aquela, pode-se aclimatar em terras estranhas, levada pel0 homem; ou por que determinada espicie ocupar irea duas ou tris vezes maior que a de outra espicie, ou i duas ou tris vezes mais freqiiente do que aquela outra.

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Ji disse que muitas destas questdes continuam i espera de uma solugZo. Algu- mas das mais notiveis foram expos% com admkivel dareza pelo Dr. Hooker em seus trabalhos de Bothica referentes i s regiaes antirticas. NZo temos condigdes de discuti-las neste volume. Direi apenas, no que se refere i ocorrencia de espicies idhticas em pontos Go enormemente distantes como a Terra de Kkryelen, a Nova Zehdia e a Terra do Fogo, que nas admas fases do pedodo glacial, conforme sugere Lyell, os icebergs tenham muito aver corn a sua dispersZo. Mas a existincia de diversas espicies inteiramente distintas, pertencentes a gineros exdusivos do hemisfirio sul, nestes e noutros pontos bem distantes, constitui, i luz de minha teoria da descendincia com modificagdes, um caso de dificuldade ainda mais noti- vel. Com efeito algunas destas espicies siio Go distintas que nzo podemos sequer supor ter havido tempo para sua migragZo e para sua subseqiiente modificagZo atk o ponto em que chegou, desde o idcio do pedodo glacial. 0 s fatos parecem-me indicar que certas espicies peculiares e muito distintas teriam migrado seguindo linhas divergentes irtadiadas a partir de um.centro comm, e estou indinado a crer que isto tenha ocorrido, tanto no hemisfirio sul como no norte, num pedodo mais quente, anterior ao inicio das glaciagdes, quando as terras ar.t&ticas, hoje cobertas de gelo, teriam abrigado m.a flora holada e inteiramente dpica. Presumo que algu- mas formas oertencentes a esta flora. evidentemente antes deseu exterminio ocor-

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rido por ocasiiio do pedodo glacial, se tivessem dispersado por diversos pontos do hemisfirio sul, !evadas por meios ocasionais de transporte, e asmdo como pontos de escala al&.as ilhasioje submersas, ou mesmo alAes dos numerosos icebergs do inido do pedodo glacial. Foi assim, segundo meu mod0 de pensar, que as costas meridionais da Amirica, da Austr;ilia e da Nova Zelhdia puderam assinalar, ainda que esparsamente, a presenga das mesmas formas tipicas de vida vegetal

Em notivel passagem de sua obra, Sir C. Lyell especulou, em linguagem identi- ca i minha, quando aos efeitos das grandes alternagdes dimiticas sobre a distribui- gzo geogrifica. Acredito que o mundo tenha recentemente completado um de seus grandes ddos de modificagZo, e que isto, associado i modificagiio atravis da sele- @O natural, possa explicar uma infinidade de fatos com respeito i distribuigZo atu- al, tanto das formas devida identicas, como das aliadas. Pode-se dizer que a corren- te da vida, durante um curto periodo, fluiu do norte e do sul rumo ao equador, chegando i s vezes a atravessi-lo; s6 que as do norte fluiram com maior forga, de mod0 que acabaram por inundar as terras do hemisfirio sul. Assim como a mark deposita seus detritos em linhas horizontais, i medida que se eleva nos litorais, assim a corrente da vida deixou seu testemunho nos topos de nossas montanhas, numa linha que comega nas baixas altitudes das terras irticas e vai ascendendo suavemente, at6 alcangar altas altitudes junto i linha equatorial. 0 s diversos seres que foram deixados aqui e ali, e se encontram hoje isolados, podem ser comparados i s ragas humanas selvagens que foram expulsas de seus lares, e que para sobreviver tiveram de refugiar-se nas moctanhas, ali permanecendo como lembranga vivida, que tanto interessenos desperta, dos antigos habitantes das planides adjacentes.

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Dirhibuifdo ahpmdu@r de dgua h e - Dor babifanfes ahilbm oceinicas- Aurin- ria de boh.dgui41 c de mam@mrferre~nes- D m nlafBes dor babifantes ahilbas con 4s do ronhnenfemakpdxiho - D o colonira~io onunda de otigmprdxma, mm modiica- fZ4 ~ubregienfe - RPJWO dos doir ri(lmor copifubr.

omo os lagos e as badas hidrogrificas es&o separados entre si por barreir? /r terrestres, poder-se-ia imaginar que as produgbs de igua doce n20 teriam b c o n d i g d e s de se espalhar numa terra condnua. Sendo o mar, por sua vez, uma barreira aparentemente ainda mais intransponivel, tais produgdes jamais se poderiam difundir em terras distantes. S6 que o que ocorre i exatamente o inverso. Espides de &a doce, pertencentes a classes inteiramente diferentes, nHo s6 po- dem possuir enorme irea de ocordncia, como as espides aliadas efetivamente predominarn de maneira notivevei por rodo o mundo. Quando fiz minhas primeiras colegdes de produgdes de i p a doce no Brasil, lembro-me bem da grande surpresa que senti ao constatar a semelhanga dos insetos e moluscos aquiticos e a dessemelhanga dos seres terrestres das citcunvizinhangas, em comparagHo com os da GrZ-Bretanha.

Embora inesperada, esta capacidade que tgm os seres de igua doce de se difun- direm espacialmente pode na maior parte dos casos, segundo meu mod0 de pensar, ser explicada peio fato de tais produgdes se t e rm adaptado, de maneira alramente proveitosa para elas, a migragdes curtas e freqiientes de um lago para outro, ou entre dois cursos de i p a . A capaddade de dispersiio ampla proviria disto como uma conseqiienda quase necesskia. Podemos aqui examinar apenas uns poucos casos. Corn relaGo aos peixes, acredito que as mesrnas espides nunca ocorram nas iguas doces de continentes distantes. Mas no mesmo continente, as espides por vezes se difundem amplamente, de maneira quase caprichosa. Uns poucos fatos parecem favorecer a possibilidade do transporte eventualpot meios addentais, como o dos peixes que s2o arrastados vivos por furacdes, na India, e a vitalidade de suas ovas quando retiradas da igua. Mas estou indinado a atcibuir a disperszo dos peixes de i p a doce prindpalrnente a ligeiras modificag6es ocorddas recentemente quan- to ao dvel da terra, acarretando a captura de certos rios por outros. Poder-se-ia tambim citar exemplos de enchentes que produziram o mesmo resultado, sem ne- cessidade de qualquer modificagSo de nivel. 0 loess do Reno fornece proms de considedveis modificagGes de nivel em periodos geol6gicos recentes, q--do a superflue terrestre estava povoada pelos mesmos moluscos terrestres e aquiticos que existem Xoje em dia. A grande diferenga entre os peixes das badas sinadas nos lados opostos de uma cadeia montanhosa condnua, que tenha impedido h i tempos

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a interliga~Zo das redes de drenagem, parece levar-nos a esta mesma conclusZo. Com respeito aos peixes de igua doce que, ernbora de pontos muito distantes da terra, sZo de espicies aliadas, h i sem dcvida v&os casos que nZo ~ o d e m ser aqui explicados; todavia, h i peixes que pertencem a formas muito antigas, e neste caso te& havido tempo sdciente 1120 s6 para amplas modifiaqS geo@cas, como para considerivel rnigrago. Em segundo lugar, peixes de ;iya salgada podem, com pad&- cia, ser lentamente acostumados a viva em ;iya doe. De acordo com Valendennes, seria difid encontrar um grupo de peixes restrito exdusivamente i ip doce. Dai ser possivelimaginar que um membro do de um p p o onde predolrkem pekes de ;iya doce possaviajarporuma longa extensZo ao longo do litoral, e subseqiientemente modificar-se tornar-se adaptado is @as doces de uma terra distante.

Algumas espides de moluscos de igua doce possuem irea de ocorrkncia muito extensa, enquanto que as espicies aliadas, que, segundo minha teoria, descendem de um ancestral comum e procedem de uma tinica origem, dominam em todo o mundo. Sua distribuiqiio, a prindpio, causou-me perplexidade, uma vez que suas ovas nZo sZo suscetiveis de ser traxxsportadas por aves, e elas morrem imediatamen- te ao contato com as iguas do mar, do mesmo mod0 que os adultos. Eu nZo podia compreender sequer como i que algumas espicies adimatadas poderiam difundir- se rapidamenle numa mesma irea. P o r h , dois fatos que pude observar - e certa- mente h i mdtos outros d o g o s a s e r a observados - - langaram alguma luz so- bre este assulto: observando uns patos que bdncavam num lago cJja superfide estava recoberta por lentilhas-d'igua, por duas vezes verifiquei que essas pequenas plantas ficavam grudadas em seus dorsos; de outra feita ocorreu que, ao mudar uma lentilha d'igua de um aquirio para outro, intlod.zi no liltimo, sem querer, peque- nos moluscos de igua doce que viviam no pdmeiro. Mas h i ontra hterver.~Zo que talvez seja ainda mais eficaz: tomando de um p i de pato, mantive-o imerso num aquirio, na mesma posiqZo que ficaria num lago se a ave ali se encontrasse dormin- do. No aquirio havia diversos ovos de moluscos de igua doce prestes a produzir. Examinando posteriormente os pis de pato, verifiquei que fenrilhavam de diminu- tos moluscos recim-nascidos, que neles ficavamgrudados, s6 se desprendendo bem mais tarde, quando os animais voluntariamente se desgrudavam dali. Estes moluscos recim-nasddos, embora aquiticos por nacxeza, sobreviviam cos pis de pato, no ar iimido, de 12 a 20 horas. Neste espaqo de tempo, um pato ou luna garqa podem voar entre 600 e 700 milhas (1000 krn ou pouco mais), ap6s o qu& certamente iriam pousar numa lagoa ou num riacho qualquer, mesmo que tivessem sido arrastados atravis do mar ate algxna ilha ocebica ou a l p outro ponto bem distante. Sir Charles Lyd informa-me ainda que certa vez apanhou um Dytictl~no qual havia um An&s grudado (trata-se de um molusco de igua doce, semelhante i lapa). Por mixha vez, tive a oportunidade de presenciar um besouro-d'igua da mesma fa*, urn Co&nbetes, que caiu a bordo do Beagh, a 45 milhas (72 kt) da terra mais pr6xi- ma. At6 que dist2ncia ele ainda poderia voar, arrastado como fora por ventos favo- riveis, i coisa que ninguim poderia dizer.

Com respeito aos vegetais, sabe-se h i tempos que mcitas p!antas de igua doce, e mesmo muitas espides que vivem nos phtanos, possuem ireas de ocorrkncia extremamente amplas, estendendo-se atravCs dos continentes e alcan~ando at6

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mesmo ilhas oceinicas remotas. Trata-se de urn fato notivel, j i assinalado por A. de Candolle, qua as poucas plantas aquiticas de grandes grupos nos quais predomi- nam plantas terrestres parece que adquirem $50 fact0 uma extensa &ea de ocorren- cia Segundo penso, este fato se explica pela existzncia de meios de dispersZo favo- dveis. Ji rive a oportunidade de mendonarque certas quantidades de solo, ocasio- nalmente, grudam-se nos pis e bicos das aves. 0 s pernaltas, que costumam fre- qiientas as bordas lodosas dos lagos, se porventura se assustarem, provavelmente sairio voando com os pis enlameados. Posso demonstrar que as aves desta ordem soem ser errantes, podendo ser encontradas eventualmente em ilhas remotas e esti- reis situadas em pleno oceano. Ora, como elas provavelmente nZo deverio ter pou- sado no mar, i de se crer que o lodo nio tenha sido retirado de seus pb . Assim, quando alcangassem terra, certamente deveriam condnuac voando at6 enconttar seus pousos naturais de igua doce. Nio acredito que os botinicos saibam ao certo que quantidade de sementes exista na lama dos lagos. Fiz algumas pequenas experi- endas a este respeito, mas resuingkme-ei aqui a citar apenas o caso mais notivel: em fevereiro, colhi na borda de um lago, de tres pontos diferentes, trks amostras de lama subaquitica que, depois de secas, pesaram apenas 6,75 ongas (190 g). Guardei estas amostras em meu gabinete durante 6 meses, arrancando e contando cada planta, i medida que elas iam nascendo. As plantas eram de tipos diversos, e seu total somou 537, embora toda a lama que eu coihera pudesse caber numa xicara! Em vista desses fatos, penso que seria inexpliciivel se as aves aquiticas nZo trans- portassem as sementes de plantas aquiticas por longas extensees, e se, em decor- rzncia disto, o h b i t o de ocorr&cia destas plantas nio fosse enorme. Este memo meio de transporte pode ter atuado em relagZo aos ovos de alguns dos menores animais que vivem em igua doce.

Tambim devem ter atuado diversos outros fatores desconhecidos. Tive a opor- tunidade de verificar que os peixes de igua doce comem determinados tipos de sementes, regurgitando os que nZo constituem seu alirnento habitual e que porventura tenham sido engolidos junto com os outros. Mesmo os pekes pequenos costumam engolir certas sementes de tamanho relativamente grande, como as do nenlifar- amarelo e das potamogetoniceas. As gargas e outras aves, siculo ap6s siculo, devo- ram diariamente seus pekes, voando depois rumo a outras i p s , quando nio sZo arrastadas pelos ventos e atiradas longe de seus lares. Conforme vimos, as sementes conservam sua capacidade de germinagZo, quando regurgitadas ou langadas fora juntamente com os excrementos das aves, pot muitas horas. Quando vi o tamanho das sementes de Nelumbium, um belo tip0 de nenlifar, e me lembrei das observag6es de A. de Candolie sobre esta planta, achei que sua distribuigio deveria permanecer inexpliciivel. Todavia, afirma Audubon que j i descobriu sementes do grande nenh- far meridional.(que, segundo o Dr. Hooker, deve se tram do ~Ylumbium luteum) no estbmago de uma garga. Ora, embora euainda nio me tenha certificado do fato, a analogia leva-me a crer que uma garga, depois de obter num lago uma refeigZo farta de peixes, provavelmente regurgitaria do estbmago uma pelota contendo as semen- tes do Nelumbium que ela nZo tenha digerido, ou en60 as sementes poderiam ser levadas para seus filhotes, a fun de alimenti-Ios, da mesma forma que esta ave faz com os pekes.

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Examinando-se esses diversos meios de distribuigiio, deve-se ter em mente que quando um lago ou um curso de igua se forma numa ilhota reci~~surgida, deveri estar inicialmente despovoado, e u a a h i c a semente ou um GCO ovo teriio exce- lentes probabilidades de se desenvolver naquele local. Embora sempre exista a luta pela existtnda entre os indidduos da mesma espide, num lago o niunero de ocu- pantes i pequeno, cornparado com o n h e r o de babitantes terrestres; deste modo, a competigiio entre os seres aquiticos seri menos acirrada e, conseqiientemente, um intruso teri maior probabilidade de se estabelecer num lago do que nas terras adjacentes. Devemos ter em mente tambim que alguns, ou talvez muitos espicimes aquiticos ocupam posigdes inferiores na escala natural, e que temos razdes para crer que os seres inferiores se modifiquem mais devagar que os superiores. Isto propIciari tempo maior que o midio para a migragiio das espises aquiticas. Niio devemos nos esquecer da probabilidade de que muitas espides se tenham espalha- do outrora de mod0 continuo, como i natural entre as produgdes de i y a doce, sobre extensissimas ireas, extinguindo-se posteriormente nas regides intermediiri- as. Todavia a am~la dismbuiciio dos vegetais de ima doce e dos inferiores. . " " seja conservando suas formas, seja modificando-se em certo pj acredim que de- penderi principalmente da difusiio de suas sementes ou ovos pelos animais, e sped- m a t e pelas avis aquiticas, dotadas de grande capacidade de "20, e que porist6 soern migra. para sitios bem distantes. A natureza, do mesmo mod0 que um jardineiro caprichoso, costuma drar as sementes de um determinado canteiro para depositi-las em outro, diferezte do primeiro, mas taabim propido i sua sobrevivhda.

0 s habitantes das i/hm ocerinias

Examinemos agora a dtixna das trts dasses de fatos qce se!ecionei como os que mais se op6em i aceitagiio da reoria de que todos os individxos de uma espicie, assim como das espides que h e siio aliadas, descenderiam de um s6 ancestral, e conseqiientemente seriam oriundos do rnesmo local, muito embora tenham poste- riormente migrado para pontos distantes do globo. J i afirmei que nZo posso hones- m e n t e admitir as extensdes continentais supostas por Forbes, cuja teoria, se fosse verdadeira, levaria i crenga de que, em ipocas recentes, todas as ilhas que hoje existem seriam ligadas - ou quase ligadas - a algum continente. Esta idiia, por certo, eliminaria muitas dificuldades, mas creio que nZo seria capaz de explicar to- dos os fatos com respeito i s produgdes insulares. Kas observagdes qwapresentarei a seguir nHo me limitarei i mera q~essio da disperdo, mas irei considerar alguns outros fatos que tratam da verdade ou niio das d.as teorias: a da criagiio indepen- dente e a da descendtnda com modificag6es.

As espicies de todos os tipos que habitam as ilhas oceinicas siio numericamen- te poucas, se as compararmos com as que vivern em ireas continentais idinticas. De CandoUe admite tal faro para as phtas, e Wokston para os insetos. Se conside- rarmos as dimensdes da Nova Zelhd!a e a variedade de seus habitats, j i que suas terras se estendern por 780 m&as (1250 km) no sentido longitudinal, e comparar- mos suas plantas faner6gamas, cujo niunero 6 de apenas 750, com as de uma irea continental de idinticas dimensdes, como as terras adjacentes ao Cabo da Boa Es-

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peranga, por exemplo, ou algum trecho daAustri!ia, teremos de admitir que alguma coisa inteiramente independente da diversidade de condi~des Bsicas tenha causado tZo grande diferenga numirica entre seus habitantes. Mesmo o condado de Cambridge, que i 60 uniforme, possui 847 tipos vegetais, enquanto que a ilhota de Anglesea possui 764, e mesmo assim induem-se neste n h e r o a l p s fetos e vege- tais que ai foram adimatados, o que, somado a outros fatos, torna injusta esta com- paragZo. H i provas de que a-ilha deserta de AscengZo originadamente possuia me- nos de meia d k i a de plantas fanero@cas nativas. & verdade qce, hoje em dia, diversas outras plantas foram ai introduzidas e aclimatadas, do mesmo modo que ocorreu na Nova Zehdia e em quase toda ilha oceinica de que temos notida Em Santa Helena, h i razdes para se crer que os vegetais e animais adimatados pratica- mente exterminaram os nativos. 0 s que defendem a teoria da crlagZo isolada de cada espide t d o de admitir que pride n h e r o das plantas e dos animais mais bem adaptados is condisBes insulares &o foram criados nas ilhas oceinicas, e que o ho- mem conseguiu povoi-las de rnaneira bem w& completa e perfeita que a nahlreza.

Embora seja pequer.0 o n h e r o de tipos de habitantes das ilhas oceinicas, a proporgZo de espides endemicas (isto 6, aq~elas qce nHo sZo encontradas em ne- nhuma outra parte do mundo) i por vezes extremamente grande. Se compararmos, por exemplo, o niunero dos moluscos terrestres existentes na Ilha da Madeira ou as aves endemicas do Arquipilago das Chlipagos, corn o n b e r o destes ou daquelas existentes num continente qualquer, e depois compararmos a hea destas ilhas c o n a do continente, veremos como i verdadeira esta afirmativa. Pela minha teoria, era de se esperar tal fato, pois, conforme expliquei, as espides qse eventualmente che- gam I X J ~ local zovo e isolado, que assim terila permaneddo por longo tempo, tendo de competir com os habitantes antigos, ficar;io muito propensas a sofrer modificagdes, podendo mesmo produzir grupos de descendentes modifcados. Mas nZo se segue d d que, devido ao fato de serem peculiares quase todas as espides insulares de determinada dasse, o mesmo ocorra com as de outra dasse, ou com as de outra secZo da sua pr6pria classe. Esta diferenga parece depender do fato de que as espides que nZo se tornaram modificadas tenham imigrado com facilidade e em grandes conjuntos, de rnaneira que suas relagdes mlituas nZo tenham sido muito perturbadas. Assim, nas Galipagos, quase todas as ilves terrestres sZo tipicas, o que s6 ocorre a duas das onze aves marinhas ai existentes. E 6bvio que as aves marinhas tiveram muito mais facilidade para alcangar estas ilhas do que as aves terrestres. J i as Bermudas, por outro lado, que ficam ZI mesma disthda da Am&ca do Norte do que as Galipagos da Amirica do Sul, e cujo solo i muito peculiar, nZo possui sequer uma ave terrestre end6mica. Atravis do excelente relato de Mr. J. M. Jones sobre a Grande Bermuda, ficamos sabendo que muitas aves norte-america- nas, durante suas grandes migraqdes anuais, visitam essa ilhaperi6dica ou eventual- mente. Tambim a Madeira nZo possui sequer uma ave tipica, sendo todo o ano arrastadas pelos ventos para 18 muitas aves europSas e africanas, conforme me informou Mr. E. V; Harcourt. Portanto, estas duas ilhas, a Grande Bermuda e a Madeira, foram povoadas por aves que por longo tempo se combateram em suas terras de origem, ate que se tornaram mumamenteadaptadas.umas i s outras. Quando estabeleddas em seu novo lar, cada qual contthuarsl mantendo seus hibitos e inter-

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lho de averiguar esta afirmativa e verifiquei que ela estava absolutarnente certa. Algukm me assegurou que existe um tip0 de r i cas montanhas dailha pdndpal do arquipilago neozelandb: se a informagio for correta, presumo que tal excegio possa ser explicada pela gladagio. Esta inexistEnda geral de rZs, sapos e mtdes em mtas ilhas oceinicas nZo pode ser explicada por suas condigdes fisicas. Com efeito, parece-me que as ilhas sZo particularmente propidas B sobrevivhda desses ani- mais, pois as ris levadas para a Madeira, os &ores e a Ilha Maun'do se multiplica- ram tanto, que se tornaram uma verdadeira praga. Como todos sabem, porim, tan- to esses animais como seus ovos morrem imediatamente ao contato com a igua do mar, donde a grande dificuidade de seu transporte atravis dos oceanos, e sua inexisthcia.nas ilhas situadas em alto-mar. 0 que seria bem dificil de explicar, pela teoria da uiagio, i por que nZo existem tais animais nessas ilhas ...

0 s mamiferos oferecem-nos outro caso semelhante a este. Tenho pesquisado os antigos relatos de viagem, e ainda nio terrnhei minha pesquisa; at6 agora, po- rim, ainda n2o deparei com urn h i co exemplo indubitivel de algum mamifero terrestre (excemando-se animais domesticados criados pelos nativos) que habite alguma ilha situa& a mais de 300 milhas (483 km) de um continente, ou de uma grandeilha continental. SZo igualmente desprovidas de marm'feros muitas ilhas S ~ N -

adas a disciindas hem menores. As Ilhas Falkland, por exemplo, que sgo hahitadas por uma raposa com aspect0 de lobo, chega a.quase constituir uma excegio, mas este arquipdago nio pode ser considerado oceinico, visto situar-se na plataforma contmental. Alim disto, os icebergs j i transportatam blocos erriucos para suas costas ocidentais, podendo tambim ter transportado animais, como t io freqiientemente ocorre nas regides kticas. Todavia, nio se pode dizee que peque- nas ilhas nio possam sustentax mamiferos de pequeno porte, ji que estes es&o presentes em diversas ilhotas pr6xirnas b terras continentais, nio se. falando nos quadnipedes pequenos que foram Ievados para as adimamam e proliferaram. NZo se pode dizer, em con nkia da criagZo isolada, que nZo tenha havido tempo nas &as oceinicas, dada a sua origem vulcinica. entemente antigas para isto, como bem o demons da por suas camada terciirk. Ademais, houve espiues endemicas pertencentes a outras dasse

se pode dizer dos mamiferos aireos, enc possui dois tipos de morcegos inexiste Norfolk, as ilhas Fidjii e Bonin, os arquipilagos das Mari Maundo, todas tEm seus morcegos tipicos. Poder-se-ia p or que as supos- tas forgas criadoras produziram apen ilhas remotas. Pela teoria que defend nenhum m d f e r o

. . . gos ji foram vistos errando de dia sobrc o alto-mar, no D m espicies nortc-americanas evecmahente visitam as

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h) do continer.te Mr. Tomes, que estudou espedalmente esta familia animal, con- tou-me ~ ~ e v & a s espicies possu& enormes ireas de ocorrhda, sendo enconmdas tact0 nos continentes como em iihas extremamente distantes da terra. Isso s6 nos di margem a conjeturar que tais espides errantes se tenham modificado atravis da sele- g o nacxal em seus novos lares, em fun* de suas novas condig6es de vida, e assim podernos compreender a existhda de espides endhicas de morcegos insulares, como t a m b h a inexisthda de mm'feros terrestres nas oceinicas.

Al6m da ausknua de marm'feros terrestres, reladonada com a diskhcia quese- para as &as dos continentes, h i tambim uma relagZo, at6 certo ponto independen- te da &stincia, entre a profundidade do mar que separa a ilha do continente mais pr6xim0, e a presenga em amhos da mesma espide, ou entio de espides prbximas, numa condigZo mais ou menos modificada. Mr. Wmdsor Earl fez algumas observa- g6es notiveis quanto a este tema, com respeito ao grande Arquipilago Malaio, que aDresenta enormes ~rofundidades oce2nicas nas oroximidades das Celebes. for- . mando-se ali um mar que separa duas faunas mamiferas extremamente distintas. De cada lado deste mar, as &as estio situadas em hancos submarines relativamente pouco profundos, sendo habitadas por quadnipedes semelhantes, quando nZo idh- ticos. NZo h i drivida de que ocorrem algumas anomalias neste grande arquipilago, sendo hastante difidl formar-se um julgamento em muitos casos, devido i provivel aclimatagZo de certos mamiferos, em fungZo da interveni6nda do homem. Breve- mente, porim, muita coisa seri esdarecida com respeito i Hist6ria Natural deste arquipilago, em razZo do admirivel zelo e das pesquisas de Mr. Wallace. NZo tive tempo at& hoje de estudar este assunto em relag20 a todas as partes do mundo; porim, at6 onde pude verificar, a relagZo geralmente se aplica. A GrZ-Bretanha esti separada do continente europeu por urn mar de profundidades modestas, e os ma- rniferos sZo os mesmos, tanto aqui como k. Deparamos corn fatos anilogos quanto i s diversas ilhas separadas da Austrilia por mares semelhantes. As fndias Odden- tais situam-se num banco submarino muito profundo, a quase 1000 bragas (1800 m) de profundidade. Af se encontram formas americanas, mas as espides, e mesmo bs generos, sZo distintos. Como a soma de modificag6es em todos os casos depen- de at& certo Donto do temDo decorrido. e como durante as mudancas do nivel do . . mar i 6hvio que as ilhas separadas dos continentes por mares rasos possuem muito mais probabilidade de terem estado ligadas a estes continentes do que as ilhas sepa- radgpor canais profundos, podemoi compreender a relagZo profunda que ed;ste entre a prohdidade do mar e o grau de afinidadedos mamiferos que vivem nas ilhas e no continente adjacente - relagio inteiramente inexplicivel pela teoria dos atos independentes de uiagZo.

Todas as observag6es precedentes com respeito aos habitantes das ilhas oceini- cas - oo seja, a pequena diversidade de tipos; a riqueza de formas endkrnicas per- tencentes a deter-ninadas dasses ou seg6es de dasse; ainexisthda degrupos intei- ros, como o dos batriquios e o dos mamiferos terrestres, niio ohstante a presenga dos morcegos; as proporg6es singdares de determinadas ordens de vegetais; o de- senvo!vimento arh6reo de certas formas herbiceas - parecem concordar melhor com a teoria de. que os meios de transporte ocasionais teriam sido extremamente eficientes durante o longo transcurso dos tempos, do que.com a idiia de que todas

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as nossas ilkas ocehicas teriam sido antigamente interligadas vis de istmos. Se fosse verdadeira esta Stima, a migragZo pro mais completa. Assim, admitkdo-se a existincia das modifi de vida se teriam modificado de maneira mais homogtnea, a suma importincia das inter-relaq6es entre os organismos.

NZo nego que haja diversas e sirias &fiddades para s que diversos habitantes das ilhas mais remotas, seja conse mas espedficas, seja modificando-se a partir de sua chega conseguido alcangi-las. N%o se deve deixar tie lado a probab tenharn existido virias &as que possam ter servido de ponto n15o restem vestigios hoje em dia. Mencionarei apenas com um desses casos de diEculdade. Quase todas as menores e mais isoiadas, sZo habitadas por moluscos te endtmicas, mas nem sempre. 0 Dr. August Gould ci ressantes com respeito aos moluscos das &as do moluscos terrestres dificilmente resistern ao saL S que usei em minhas exp dos embri6es. Entretanto, ainda nZo conhecemos, m cie a migragZo desses ovo a capacidade de gmdar-se aos pis das aves qu encontram, sendo deste mod0 que conseguiri os moluscos terrestres, ao bibernarem, e ];i que sobre a abertura da concha, podem sobr flutuantes, ,sendo assim transportados a extecsos. Descobri tambim quevirias e tir ao problema de imersZo em igua do era o Helixpomatia, o q ~ d , depois que em igua do mar por vinte &as, e resis urn opirculo calcirio espesso, removi no animal, zergulhei-o por 14 &as arrastar-se para fora. Todavia, creio as a este respeito.

Para n6s, o fato mais notivel e i sua afinidade com os do contin de individuos da mesma espicie. deste fato. Limitar-me-ei aqui a equatorial, entre 500 (800) e 6 quase todos os produtos terres & a t e americano. H i 26 aves Godd como espicies disthtas afinidade da maioria destas ave refere a todas as suas carac manifests. 0 mesmo se po vegetais, conforme nos mo flora deste arquip&go. 0

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sobre a flora deste arquipilogo. 0 naturalists, examinando os habitantes destas ilhas vulchicas localkadas em pleno Padfico, a centenas de milhas de dishcia do continente, mesmo assim sente que se encontra em term americanas. Por que teria de ser assim? Por que tais especies, supostamente criadas no arquipilago das GaLipagos, e em nenhum outro lugar, ostentam de rnancira Go evidente sua ahnidade corn as criadas na Amirica? Nada existe nas condigdes de vida dessas ilhas, na sua natureza geolbgica, em suas altitudes ou no seu &a, ou nas propor~des segundo as quais se associam as diversas classes que nos lembre o litoral sul-americano; corn efeito, o que existe 6 uma conside&vel dessemelhanga entre ambas as term com respeito a todos estes aspectos. Por outro lado, existe urn considerivel grau de similaridade quanto i nameza vulcinica do solo, quanto ao dima, quanto is altitudes e quanto is dimen- sdes das Ilhas M p a g o s e das ilhas do arquipdago de Cabo verde- e que completa e absoluta diferenga entre seus habitantes! 0 s de Cabo Verde relacionam-se com os da &ca, assim como os de Galipagos se relacionam com os da Amirica Acredito que este fato importante G o encontre qualquer tipo de explicagiio se analisado den- . -

uo dos prindpios da teoria da criagzo independeite, enq&to que, pela teoria que aqui defendemos, i evidente que as Ilhas M p a g o s provavelmente devem ter recebi- d i colonos prov&entes da k m ~ c a , seja a&v& dk a l p meio de uansporte aci- dental, seja atravis de alguma lingua de terra que outrora as ligasse ao continente, o mesmo acontecendo com as ilhas de Cabo Verde com relag20 i&ca. Esses colonos seriam suscetiveis de sofrer modifica~deq mas o prindpio de herediradedade sempre entracia em a+, traindo a terra natal dos antigos imigrantes.

Muitos fatos aniilogos poderiam ser citados, pois efetivamente se trata de uma regra quase geral que as produg6es insulares endcmicas se relacionem com as do continente vizinho ou das outras &as mais prbxirnas. As excegdes sio poucas, e a maior parte pode ser explicada. Assim, os vegetais da Terra de Kirguelen, que se sima mais perto da &ca do que da America, se relacionam muito mais intima- mente com os deste ddmo continente, conforme nos ensina o relat6rio do Dr. Hookez Porim, partindo-se do prindpio de que esta &a teria sido povoada por, sementes trazidas juntamente, com terra e pedras pelos icebergs impelidos pelas correntes marinhas, desaparece a anornalia. No que se refere aos vegetais endcmicos, a Nova Zelindia 6 muito mais relacionada com a Austrilia, illla continental mais

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prbxima, do que com qualquer outra terra, o que era de se lago t t a m b h marcadamente relacionado com a America trate do continente mais pr6ximo dele, 6 60 chega a constituir umaanomalia. Mas esta pensa que tanto a Nova Z&dia como a fino sul foram hi tempos apsis mediirio, embora distante, ou j i que isto se deu afinidade existente da Boa Esperanga, Hooker. Ate o momento, restringe aos vegetais, a menor d6vida.

Aspecms fisicos sirnilares entre o lhure-voador (esquerda) e a f ' ' dos morcegos apontam para um pmcesso seletivo m h o . P

A lei segundo a qual os habitantes de um arquipelago, embo especificamente distintos, sejam parentes pr6ximos dos que vivem no contin te mais pr6ximo manifesta-se por vezes em pequena escala, se bem que de maneir assaz interessan- te, dentro dos limites do mesmo arquipilago. Assim, as diversas s que compdem o arquipdago das W p a g o s sZo habitadas, de maneira realme te espantosa, por especies muito prbximas, conforme tive oportunidade de relatar outro ponto des- te.livro. Assim sendo, os habitantes de cada ilha, embora distin os dos habitantes das outras, relacionam-se uns com os outros de maneira incom aravelmente mais pr6xima do que com os habitantes de qualquer outra parte d 1 mundo. Isto era exatamente o que se haveria de esperar com base em minha t ria, pois as ilhas estiio situadas 60 pr6ximas umas das outras que quase certamen e devem ter rece- bid0 imigrantes oriundos da mesma origem, ou ter havido int r chb io entre os pr6prios habitantes insulares. Mas essa dessemelhanga entre os in ulares endhicos t a m b h poderia serusada como um argument0 contrzo is . as ideias. Poder- se-ia perguntar, por exemplo, como t que nessas diversas &as, ituadas cada qual no campo de visa0 da outra, todas da mesma natureza geol6 ca, de altitudes e i -

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climas identicos, etc, tantos imigrantes se houvessem modificado diferentemente, embora em grau diminuto. Esta d6vida pareceu-me dwante muito tempo cons ti^ grande dificuldade para a teoria; todavia, conscientizei-me de que deve decorrer em grande parte do erro tZo arraigado de se considerarem as condigties fisicas de uma terra cono o fator de maior imporhcia para seus moradores, enquanto que nZo se poderia discutir, segmdo penso, que a natureza dos outros habitantes, corn 0s quais cada qual tem de competir, constits fator pelo menos t%o importante quanto aq~uele, sengo mais importante ainda, j i que se trata de elemento fimda- m e c d para o sucesso do habitante. Ora, se examinarmos os habitantes do ar- quipaago das Galipagos tambim encontrados em outras partes do mundo (dei- xando de lado, momentaneamente, as espicies endemicas, j i que nos interessa considerar como se teriam modificado as espicies desde sua chegada a estas ilnas), encontraremos considerivel soma de diferengas nos moradores das di- versas ilhas. Com efeito, tal diferenga seria de se esperar dentro da teoria de que as ilhas teriam sido povoadas por meios de transporte acidentais - por exem- plo: a semente de determinado vegetal teria chegado a determinada ilha, en- quanto que a de outro vegetal teria chegado a outra. Portanto, quando outrora um imigrante estabelecido numa ou em mais de uma ilha se espalhou para ou- tras, indubitavelmente encontrou em seu novo lac condigties de vida diferentes, visto ter de competir com outros conjuntos de seres organizados. Pode ter acon- tecido, por exemplo, que uma planta encontrasse o solo que h e i mais propicio ocupado mais ou menos perfeitamente por outros vegetais nesta ou naquela ilha; pot ouzo lado, cada qual estaria exposta aos ataques de diferentes inimi- gos, em cada nova ilha ocupada. Sobrevindo as variaghes, a seleg%o natural pro- vavelmente iria atuar diferentemente em cada uma dessas ilhas. Entrementes, a l p a s espicies poderiam ter-se difundido por todas as ilhas sem perder suas caracteristicas gerais, do mesmo mod0 que verificamos nos continentes, onde certas espicies possuem vasta irea de ocorrencia e nem por isto deixan: de permanecer as mesmas.

0 fato realmente surpreendentecomrelagZo is %as Mpagos , j i que os exem- plos adlogos n50 sZo facilmente encontrados alhures, i o de que as novas egicies formadas cas ilhas separadas n5o se espalharam rapidamente para as demais 3x1s. Neste caso, porim, cada uma 6 separada da outra por bragos de mar prohdos, na maior parte das vezes mais extensos que o Canal da Mancha, nZo havendo qualquer evidencia que leve i idiia de que tais i h s teriam sido unidas continuamente em a l p period0 anterior. As correntes marinhas sZo ai ripidas, penecrar-do por todo o arquip&go, enquanto que as rajadas de vento sZo extremamente raras. Por con- seguinte, as %as sio efetivamente bem mais separadas umas das outras do que parecem ser ao simples exame de um mapa. NZo obstante, urn bom nhnero de espicies, tanto encontradas em outras partes do mundo, como resttitas ao arqSp8 lago, sio comuns i s diversas &as, podendo-se conduir, em razZo de determinados fatos, que elas provavelmente se espaiharam de u e determinada ilha para as ou- tras. As vezes, p o r h , caimos em erro quando aceitmos como i?variavelmente certa a probabilidade de que as especies muito pr6ximas invadiriam o territ6rio das outras, quando colocadas em franca intercomunicagHo. Indubitavehnecte, quando uma espicie possui quaiquer vantagem sobre outra, haveri de suplanti-la o mais

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durar. Familiariz se espalharam com incrivel rapidez sobre conduir qae a maioda das espides se teria difundido deste de nos lembrar que as formas adimatadas n

consata com b

entre si. Assim, h i tris espides muito p pr6pria ilha. Vamos en60 supor Tae o to peios ventos para a Ilha Charles, que t sor seria bem-sucedido nesse novo h a Ilha Charles j i esteja devidamente mecte as fcmeas botam mais ovos tordo local deve ser Go bem adapta B dele. Sir C. Lyell e Mr. Wollaston

dos quais vivem em fendas e brecb tidades de rochas sejam anuahen mesmo assim esta d&n?io foi ambas fora colonizadas por c os quais sem dhvida eram do nativas..Esuibado nestas cons dos com o fato de qGe as espides endirnicas e representativas

global. Muitos outros exemp .mesmo continente, em que a do importante papel y~anto ticas condiq6es de existhd Austrdia, cujas condi~6es d das por :errs con&ca, s5 vegetais pertencentes a espides disktas.

0 prinupio TJe deter isto i, aq~ele segundo o teriam parentesco dire

te se mo&ficaram e s ampla apEcaq5o na n

mente durante a d Assim, temos na

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alpestres, etc, todos constituindo formas esmtamente americanas, e i 6bvio que m a montanha, desde que foi lentamente soerguida, naturalmente deve ter sido colonizada a par& das terras baixas adjacentes. 0 mesmo se pode dizer com rela- qZo aos babitantes dos lagos e phtanos, exceto no caso em que a grande facilidade de transporte seja responsivel pelas mesmas formas gerais encontradas em todo o mundo. Constatamos este mesmo p ~ d p i 0 nos animais cegos que habitam as gru- tas e cavernas americanas e europiias. Outros fatos anilogos t a d i m poderiam ser mendonados. E acredito que mais cedo ou mais tarde h i de se comprovar como regra geral que quando em duas regides, embora distantes, ocorrem muitas espides representativas ou de parentesco pr6xim0, nelas tambim deveriio ocorrer espides identicas, revelando, de acordo com a teoria precedente, que num pedodo anterior teria havido intercomunicaqZo ou migragiio entre ambas as ireas. E onde quer que ocorram muitas espides aparentadas, descobk-se-iio muitas formas que certos naturalistas classificam como espides, e outros como variedade - formas duvido- saq que nos revelam os passos do process0 de modificagiio.

Esta relaqZo entre a capaddade de migragiio da espide e a extensiio real dessa migraqiio, seja presentemente, seja num pedodo anterior, sob condigdes fisicas di- ferentes, e a existknda em pontos remotos da terra de outras espides pr6ximas i demonstrada de maneira diferente e mais geral. Mr. Gould fez-me h i tempos uma observaqZo acerca dos gheros de aves que ocorrem praticamente em todo o mun- do: v&as de suas espicies possuem extensas ireas de ocorr2nda. Embora seja dim comprovar-se tal idiia, duvido de que niio se trate de m a regra quase geral. Entre os mamiferos, vemo-la manifestar-se daramente entre os morcegos, e em menor grau entre os felideos e canideos. Vemo-la ainda quando comparamos a dismbuig2io das borboletas e dos besouros. 0 mesmo se d i com relagiio i maior parte das produgdes de +a doce, das quais tantos gheros apresentam extensissimas ireas de ocorrcnda, o que tambim ocorre com tantas espides individuais. Isto g o significa que todas as espides de um g2nero de h b i t o mundial possuam igualmen-, te tal hbi to , ou mesmo que isto ocorra em midia com estas espides, mas Go- somente que algumas das espides possuem uma vasta irea de ocorrhda, pois a facilidade com que as espides de h b i t o extenso variam e dZo origem a novas formas determinari consideravelmente sua irea midia de ocorr2nda. Eis um exem- plo: duas variedades da mesma espige habitam a Amirica e a Europa; portanto, a espide possui enorme kea de ocorrencia. Entretanto, se a variaqiio entre ambas tivesse sido maior, as duas teriam sido dassificadas como espides distintas, redu- zindo-se consideravelmente a irea de ocorr2nda de cada m a . Isto t a m b h niio significa de mod0 algum que uma espide aparentemente dotada da capaddade de cruzar barreira e se espalhar consideravelmente, como no caso de aves cujas asas sejam muito resistentes, necessariamente estejam de fato muito espalhadas pel0 mundo. Com efeito, G o nos podemos esquecer de que a difusiio de uma espide nZo esti meramente em funqiio da capaddade de cruzar barreiras, mas de outra mais importante, que i a de obter a vit6ria em terras distantes, contra os rivais que li j i se encontrem, na luta pela existencia. Todavia, dentro da idsa de que todas as espides de um ghero teriam descendido de um ancestral hico, ainda que esta espb d e seja hoje dismbuida pelos mais remotos do mundo, i de se esperar que se encontrem- e creio que se trate de umaregrageral-pel0 menos algumas espides

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de ampla irea de ocorrsnda, pois 6 necess;irio que os tenham expandido amphente, sofrendo modificag6 nham estabeleddo sob diversas condig6es favoriveis i dentes, inicialmente sob a forma de variedades, depoi

Considerando-se a ampla dismbuigzo de deter em mente que alguns siio extremamente antigos, d ancestral comum h i tempos, de mod0 que, nesses sufidente para consideriveis mudanps dimiricas possibilidades de transporte addend, e conseqiientemente p gumas das espt5des para todos os quadrantes do mundo, alc possam tornar-se ligeiramente modificadas em tambim raz6es para se acreditar, com base em nismos inferiores pertencentes a toda grande lentamente que os organismos superiores; c hiio de ter maiores probabiidades de se inalteradas suas caractensticas e

porte a longas disthdas, provavelmente explicam uma lei obs po e que foi recentemente discutida d relagiio aos vegetais, qual seja a sepinte: quanto mais situa um grupo de organismos, maior sera sua capadda

As relag6es que hipouco discutim pouco modificiveis se difundem mais pertencentes a gsneros de ampla oco capaddade; que OH habitantes de relacionados com os das terras lir fisiogrifica, e ressalvadas as exceg entre as espides distintas que ha existe k n a nodvel relaggo entre os habitantes de uma ilha ou os do continente m

de cada espkcic, mas szo perfeitamcntc cxplic5veis sob o ponto e visu da coloni- zaqio a partir da origcm mais prhxirna e accssivcl, aliada i subscq f cntc modificagio - - - e melhor adaptagHo dos imigrantes a seus novos laces. I

Resumo deste capitu/o e doprecedente I Nos dois liltimos capitulos, tentamos mostrar que se

i nossa ignorinda quanto aos efeitos cornpletos de cas e oscilag6es de dvel que certamente ocorreram isto sem falar de outras alterag6es sirnilares que mesmo periodo; se nos lembrarmos de quiio respeito aos diversos e curiosos meios de qual raramente se t h tentado

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ter ocorrido que uma espicie se tenha espalhado por toda uma extensa kea, extin- guindo-se posteriormente em trechos intermediirios; en60 acredito que as dificd- dades para se crer que todos os individuos da mesma espicie, onde quer que se tenham estabelecido, descendam dos mesmos ancestrais, niio sio insuperiveis. So- mos levados a esta condusio, i qual tambim chegaram muitos namalisas (sob a denominagiio de 'Teoria dos Centros Onicos de Ctiagio"), devido a algumas con- sideragdes de cariter geral, mais espedalmente as com respeito i importincia das barreiras e i dismbuigio anal6gica dos subgineros, generos e familias.

Com relagio i s espedes distintas pertencentes ao mesmo ghero, que na rninha teoria devem ter-se espalhado a partir deuma fonte original, se dermos os mesmos descontos ao nossos desconhecimentos acerca deste assunto e nos lembrarmos de que algumas formas de vida se modificam com extrema lentidiio, o que lhes confe- riria extensos pedodos de tempo para sua migragiio, nio acredito que as dificulda- des fossem insuperiveis, embora reconheqa que haja certos problemas em aceitar a idiia, tanto neste caso como no dos individuos da mesma espicie.

No intuit0 de exemplificar os efeitos das modificagdes climiticas sobre a distri- buigiio, tentamos mostrar a importincia da influencia do pedodo glacial recente, que, segundo estou convencido, teria afetado ou todo o mundo numa s6 ipoca, ou pel0 menos vastas extensdes da superticie terrestre. Para mostrar adiversidade dos meios de transporte acidentais, examinamos de mod0 mais minucioso os meios de dispersio das produgdes de &a doce. 1

. Se niio forem insuperiveis as dificuldades de se admitir que no longo transcurso dos tempos os individuos da mesma espicie, assim como os das espicies pr6ximas, provieram de uma determinada origem, entio acredito que todos os fatos funda- mentais da destruigiio geogrifica sejam expliciveis pela teoria da migragio (geral- mentedas formas de vida mais dominantes), juntamente com asubseqiiente modi- ficagio e multiplicagio das novas formas. Podemos deste mod0 compreender a grande importincia das barreiras terrestres e aquiticas que separam nossas diversas provincias zool6gicas e botinicas, e tambim compreender a localizagiio dos subgheros, g2neros e familias, e como i que, sob diferentes latitudes, como por exem~lo as da Amirica do Sul. os habitantes das ~lan'cies e das montanhas. das . florestas, dos phtanos, dos desertos se interligam de maneira misteriosa pela afini- dade, ligando-se tambim L formas extintas sue outrora habitaram esse continente. Se niiohos esquecermos de que as relagdes ~&tuas de organismo para organismo siio da maior importincia, poderemos entender por que duas ireas de. condigdes tisicas virtualmente iguais sejam por vezes habitadas por formas de vida inteira- mentq diferentes, pois, de acordo com o espago de tempo decorrido desde que os habitantes chegaram a cada uma das regides; de acordo corn a natureza das comu- nicagdes que permitiram a determinadas formas - e nHo a outras - povoar essas terras, em niunho maior ou menor; de acordo com o tip0 de competigiio -- mais oumenos renhida, mais ou menos direta- entre os adventicios e os aborigines, e de acordo com a maior ou menor capacidade de variagio dos irnigrantes, em cada re&o, independente de suas condigdes fisicas, produzk-se-iam condigdes de vida infinitamente diversificadas; haveria uma quantidade quase infinita de agio e reagio orginica; por fun, deveriamos encontlar(como de fato acontece) grupos de

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seres vivos graqdenente modificados, e outros que apenas sofretam ficagdes; alguns que se reproduzem fantasticamente, enquanto q em pequenissimos nhneros; todos caracterizando as grandei cas do mundo.

Com base nesses prindpios, podemos compreender, como

ligeiras modi- le outros existem

provincias geogrifi-

)rocurei demons- trar, por que as ilhas oceinicas seriam povoadas por pequeno tes, boa partedos quais, porim, sio end2micos ou tipicos, e meios de migragzo, >rn grupo de seres, mesmo todas as suas espicies endhicas, enquanto

alguma relag50 entre a presenga de mamiferos, em condigio m

nas de espicies comuns is outras partes do mundo. Podemo intekos de orgaaismos, embora as mais isoladas possuam s tipicas de mm'feros aireos ou morcegos. Entenderemos

- - entre os advenn'cios e os aborigines, e de acordo com a dade de vahag5o dos itrigrantes, em cada regEo, indepen fisicas, produzir-se-iam condigdes de vida infinitamente quantidade quase infinita de agZo e reagiio orginica; por (como de fato acontece) alguns gmpos de seres vivos outros que apenas sofreram iigeiras modificagdes; al tasticamente, enquanto gue outros existem em peqJ racterizando as grandes provincias geogrificas do mundo.

Com base nesses principios, podemos compre trar, por qce as ilhas oceinicas seriam povoadas p

L tes, boa parte dos quais, porim, sio end2micos ou meios de migragio, um ggrpo de seres, mesmo p todas as mas espicies endhicas, enquanto que nas de espicies comuns is outras partes do inteiros de organismos, como os batriqui ausentes das ihas oceinicas, embora as mai es tipicas de mamiferos aireos ou morceg alguma relag50 ectre a presenga de m Ecada, e a profundidade do mar entr mos entecder perfeitamen ra espedficamente distintos nas uns dos outros, e em menor esc dedgrna outra irea de onde p

espicies disdntas, mas representativas.

por que, em duas ireas, mes~mo que distant entre apresenga de espicies id

Como tanto fez quesGo de vel para!elismo nas leis que i s qce governavam outrora governam as diferengas nas fatos: a duragio de cada es tempos, pois as excegdes siio Go poucas qu

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das ao fato de ainda niio havermos descoberto num dep6sito intermediirio as for- mas a i ausentes, mas que ocorrem acima e abaixo dele; quanto ao espago, traia-se certamente de uma regra geral que a irea habitada por uma h i c a espide, ou por um gmpo de espides, t continua As exceg6es, que niio sZo mas, podem, confor- me tentei demonstrar, ser ambuidas i migragio em algum periodo antedor, sob condigdes diferentes das atuais, ou a meios de transporte addentais, ou ao fato de se terem extinguido as espides nas ireas'intermedi+as.Tanto no tempo quanto no espago, as espides e os grupos de espedes t h seus pontos de desenvolvimento miximo. Grupos de espides perrericentes seja a um determinado periodo de tem- po, seja a determinada irea, pot vezes se caracterizam por aspectos comuns insigni- ficantes, de formato ou de coloragiio, por exeniplo. Examinando-se a longa suces- sZo dos tempos, como se estivissemos hoje considerando as longhquas provindas existentes em todo o mundo, verificapos qqe alguns organismos diferempouco, ao passo que outros, pertencentes a classes diferentes, ou a ordens diversas, ou mesmo a familias diferentes pertencentes i mesma ordem, diferem grandemente. Tanto no tempo como no espago, os membros inferiores de cada dasse geralrnente sofrem menos modifica$Zo que os membros superiores; todavia, tanto num caso como noutro existem notheis exceq6es a esta regra. Pela minha teoria, essas diversas relagdes atravis do tempo e do espago sZo compreensiveis, pois, se levarmos em consideragZo as formas de vida que se modificaram durante ipocas sucessivas nas mesmas heas do mundo, ou aquelas que se modificaram depois de migrarem para regides distantes, em ambos os casos as formas pertencentes acada classe estariam interligadas pelos mesmos lagos da geragzo em comum; e quanto mais prbximo o parentesco entre duas formas, mais pr6ximo d e v e a situar-se ambas, tanm no tempo como no espago. Em ambos os casos, as leis de variasho terHo sido as mesmas, e as modificagdes se teriam acumulado em virtude do mesmo poder de selegZo natural.

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que formam as constela$6es. A existhcia de ples, se cada qua1 fosse adaptado se urn fosse carnivora e o outro completamente diverso na membros de subgrupos

. - espicies incipientes - assim prod~zidas, segundo meumodo e pensar, por fim se transformam em novas espicies dominantes. Conseqiienteme os grupos que

&

atualmente sio numerosos, os quais getalmente tes, tendem a aumenrar cada vez mais. Alim dado o fato de que os descendentes m h o de lugares possiveis na tante de divergkcia de seus da grande diversidade das pedgio renhida, e

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representar m. ginero compost0 de diversas espicies. Todos os gineros destalinha compdem uma classe, j i que descendem de um ancestral S c o , nZo mostrado no grifico; por conseguir.te, todos eles devem ter herdado algo em comum. 0 s ~ 6 s gineros da esquerda, p o r k , devem ter muita coisa em comum, corn base neste mesmo pdncioio, e por isto formam uma s u b f d a , distinta da que inclui os dois outros gheros i direita, os quais divergiram de um ancestral comum no quhto estigio de descendincia. T m b k estes dnco gineros tim muita.coisa em comm, enbora em grau menor, forrnando uma familia distinta da que irclui os tris gine- ros ainda mais i direita, os quais divergiram de seu ancestral corn&! num estigio ainda mais antigo. Todos esses gheros que descendem de A formaw. uma ordem distkta dos gineros que descendem de I. Portanto, temos aqui. diversas espkcies descendentes de.um -%co ancestral, agrupadas em gheros, os quais pertencem ou es6o subordinados a s u b f d a s , familias e ordens, todas pertencentes i mesma classe. Assim se explica demaneira cabal, dentro do meu mod0 de pensar, o grmde fato da Hist6ria Natural da subordinagzo de certos grupos a outros grupos, fato es- te que, dacia a grande fadaridade que temos com ele, nem sempre recebe de n6s a atengzo que merece.

0 s naturalistas tentam ordenar as espLcies, os gheros e as f d a s em classes, formando o que se chama Sisternu Natural Mas que significa tal sistema? Certos autores consideram-no corno um mero esquema que serve para grupar os seres vivos mais semelhantes, distinguindo-os dos menos semelhantes, ou corno ~m meio artificial, de enunciar, de maneira extremamente sintitica, proposigdes de cariter gerak uma palavra nos di, por exemplo, as caracteristicas comuns a todos os m a d - feros; outra, as comuns a todos os carnivoros; outra, as comuns ao ghero dos carhos; ent50, atrav6s de uma S c a palavra, di-se uma descrigzo completa de cada tipo de cHo. KHo se pode discutira engenhosidade e utilidade deste sistema. Muitos naturalistas, p o r k , acham que o Sistema Natural representa algo mais, acreditmdo que ele revela o plano do Criador. Entretanto, a nZo ser que se especificasse se esse plan0 se refira a uma ordem espacial ou temporal, ou en60 o que i que ele sigrifica, afinal de contas, parece-me que tal ahrmativa nada acrescmta ao nosso conheci- mento atual: Expressdes corno aquela famosa de Lineu, por vezes repetida por outros naturalistas sob formas mais ou menos obscuras s e m d o a aual os caracteres - 0

nHo fazem o ginero, mas que 6 este que fornece os caracteres, parecem knplicar em que algo mais do que a mera semelhanqa =ti induido em nossa dassificacZa Efe- hvatliinte, acrediti que algo mais estejainduido, e que a propinqiiidade dd descen- dhcia- h ica causa conhecida da semelhanga entre os seres organizados - cons- titci o lago oculto pelos v z o s graus de modificagZo, o qual nos 6 revelado parcial- mente pelas nossas classifica$des.

l3xamhemos agora as regras seguidas nas dassificagdes e as dificuldades en- contradas pela teoria de que ela ou indica algum plano desconheddo de criagzo, ou se trata Smplesmente de urn esquema para enunciar proposigdes de cariter geral e de agrupar as formas mais paxecidas .mas com as outras. Poder-se-ia pensar (e era assirn qxe se pensava antigamente) que as partes da estrutura determinantes dos hibitos de vida, e o lugar geral ocupado por urn sel na econoria da natureza, fossern de grande importincia na dassificagHo. Nada mais falso. Ningu6m atribui

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qualquer importincia i semehanga exterior do rato e do musar 0, do manad e da baleia, desta e dos peixes. Tais semelhancas, ernbora intimam k te relacionadas . ~

com todo o sistema deGda desses seres, sHo consideradas m andogos ou adqbtativos. Todavia, ainda teremos de retornar dessas semelhangas. ?ode-se at6 mesmo considerar com quanto menos uma determinada parte do organismo se I pedais;quanto menos uma determinada parte do organis tos espedais, mais hpor'ante s& para a classificaqHo. peito do manati, afirmou o seguinte: "Sendo os 6rgZos repro remotamente se reladonam com os hibitos e a alimentaqzo de sempre cocsiderado como passiveis de fornecer indic verdadeiras afidades. No que se refere is rnodificaq6es menos propensos a confundir os caracteres meramente ada os erroneamente como essendais". Tambim com os os 6180s vegetativos, dos quais depeade toda a sua cagio, exceto nas primeiras divis6es prindpais;enqu gzo, com as sementes que constimem seu produto,

Ao fazermos uma dassificaqiio, por conseguint melhangas de partes do organismo, por mais impo o seu bem-estar e m relagio com o mundo exterio pardalmente, o fato de que quase todo natwali semelhansas entre os 6rgZos de grande impor dlivida de que esta id& da importinda dassifi portantes i geralmente verdadeira - . mas n imporhcia para a chssificagHo dependa de

de espiues, e essa constincia depende de que tais 6rgZos - -

quase o mesmo valor Nenhum camalista intrigado corn este ca do assunto.

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em outra divisio, mas as diferengas sio de valor inteiramente secundhio para a dassificagio; entretanto, provavelmente n inguh irii afirmar que as antenas nestas duas diviscies pertencentes i mesma ordem sejam de desigual importincia fisiol6gi- ca. Grande niunero de exemplos poderia sex dado mostrando a importincia va&- vel que tem para a dassiiicagiio um mesmo 6rgio fundamental, dentro do mesmo gcupo de seres organizados

A l h do mais, ninguim hi sustentar que os 6rgios rudimentares ou atrofiados sejam de grande importincia fisiol6gica ou vital; nZo resta dlivida, p o r h , de que 0s 6rgios nesta condigiio sejam por vezes altamentevalorizados na dassificagio. Nin- guim hi cliscudr que os dentes rudimentares na man&%& superior dos ruminan- tes jovens, assim como certos ossos rudimentares da perna, sejam extremamente irteis por ostentarem o parentesco pr6ximo entre ruminantes e paquiderm,es Robert Brown insistiq bastante no fato de que os fl6sculos rudimentares sejam de grande importincia na dassificagio das e m s rasteiras.

Numerosos exemplos poderiam ser dtados de caracteres derivados de partes que devam sex consideradas insignificantes, do ponto de vista fisiol6gic0, mas que sio universalmente admitidas como extremamente irteis para a definigiio de grupos inteiros de seres vivos. Vejamos alguns exemplos: a existincia ou nio de uma passa- gem livre entre a boca e as narinas i, segundo Owen, a h ica caractedstica que distingue de maneira absoluta os pekes dos ripteis. De mod0 idsntico, sio grandemente importantes a inflexiio angular das man&%&s dos marsupiais, o sis- tema de dobras das asas dos insetos, a simples coloragio de certas algas, a mera pubeschcia em determinadas partes das flores das gramineas, a natureza do recobrimento epidirmico -p2los oupenas -nos vertebrados. Se o ornitorrinco fosse coberto de penas, e G o de paos, este simples cariter externo por certo sena considerado pelos naturalistas como urn pormenor importante na determinagiio do grau de afinidade entre esta estranha criatua, as aves e os ripteis, uma espicie de ceforgo estrutural de algum 6rgio interno e importante.

A impor&cia dassificat6ria de caracteres insignificantes depende principal- mente de sua correlagio com diversos outros caracteres de maior ou menor impor- &cia. 0 valor efetivo de um conjunto de caracteres i bastante e4dente naHist6ria Nanual. Portanto, como j i se observou por diversas vezes, uma espicie pode afas- tar-se de suas aliadas no que concerne a diversos caracteres, indusive de grande importincia fisiol6gica e de quase universal prevalincia, e mesmo assim deixar-nos em diwida sobre como devedamos dassifici-la. Descobriu-se, por esta raziio, que uma dassificagio estribada numa hica caractedstica, por mais importante que esta possa ser, sempre seria falha, uma vez que nZo h i sequer uma parte do organism0 que seja universalmenre constante. A importincia, explica daramente a afirmativa deLineu de que os caracteres niio determinam o ginero, mas que i este que deter- mina os caracteres, pois esta sentenga parece baseada na apreciagio de diversos pontos de semelhanga desprovidos de importincia, todos ligeiros demais para set dehnidos. Cenos vegetais pertencentes i s malpighikeas possuem flores perfeitas, ou entZo degeneradas. Nestes dtimos, conforme observou A. de Jussieu, "desapa- rece o maior niunero de caracteres pr6prios da, espicie, do genera, da familia e da dasse, numaverdadeira zombaria aos nossos critirios de dassificagia". E quando o

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ghero Rrpcaarpa, na Franqa, degeneradas, afastando-se e tantes pontos da conforma assim M. Richard conduiu, conforme observou Jussieu, continupertencendo is mdpighikeas. Este caso parece- to com o qual nossas dassificaq6es sZo muitas vezes nece

Na pritica, quando os naturalistas es&o trabalhando, valor fisiol6gico dos caracteres que usam para de&?irgr espide em particular. Se deparam com um cariter grande n h e r o de formas, embora G o comum a ou de grande valor; se comum a menor n h e r o de. formas, pa como de valor secundzo. Este prinupio tern sido guns naturalistas como o h i c o verdadeito para tais claramente do que o excele~te bo+&ico Auguste d caracteres sempre se correladonam com outros, qualquer elo aparente entre eles, mesmo assim se lhes 6 atribuido Como na maior parte dos grupos animais, 6rg-Zos importantes, vem para impulsionar o sangue, por exemplo, ou o para propagar a raqa, desde que quase wiformes, mente h i s para a dassificaqiio. Em &versos gr importandssimos 6rg-Zos vitais servem apenas p teiramecte secundGo.

Podemos entender porque os caracteres d importhda que os derivados do animal ad mente induem todas as idades de cada espi luz das idiias ~rd~ar iamente admizidas, po mais importante para tal prop6sito do que completamecte o seupapel na econorria d ralistas Mi!ne Edwards e Agassiz tkm in caracteres embriBricos seriam os mais dos animais, e esta doufina t en sido 0 mesmo se d i corn as plantas flores aram em caracteres derivados do em rias, ou cotilidones, e mod0 de des discussZo sobreEmbriologia, ver ao pocto de vista da classifica@

Nossas classificaq6es sHo por vezes influenciadas plen afinidades. Nada mais ficd que defhir n.hero de caract pissaros; entretanto, no caso dos crusticeos, tal defki@o tem derada impossivel. H i crusticeos nas extremidades opostas da te apresentariam algum cariter as extremidades, ?or serem ri com outras, e assim por dian quivocamente a esta dasse, e

A dis&bui@o geogrifica, sempre de maneira ldgica, esp

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mas entre si. Temminckinsiste na utilidade, ou mesmo na necessidade desta pktica em certos grupos de aves, sendo seguido por diversos entomologistas e bothicos.

Finalmente, com respeito ao valor comparative dos diversos grupos de espkci- es, quais sejam ordens, subordens, familias, s u b f d a s e generos, estes me pare- cem, pelo menos nos dias que correm, quase arbitrsidos. Virios dos melhores bo&- nicos, tais corno Mr. Bentham e outros, terninsistido bastante sobre seu valor arbi- t-o. Entre vegetais e insesos, poder-se-iam citar exemplos de grupos de formas bicialmente dassificados por naturalistas pr;idcos corno simples gkneros, e posteri- ormecte algados ao grau de subfamilas ou mesmo de fa&, e ism nio porque a pesquisa posterior tenha descoberto importantes diferenqas estru&s que a prin- cipio nio tivessem sido levadas em conta, mas porque numerosas espicies aliadas, com ligeiros graus de diferenga, foram dteriormente descobertas.

As regras, os subsidies e as dificddades apresentadas precedentemecte sio explicadas, a nio ser que eu estejainteiramente enganado, pela idiia de que o siste- ma natural se assenta no prindpio da descendhda corn modificaq6es, pois os caracteres que os naturalistas consideram passiveis de mostrar a verdadeira aiinidade entre duas ou mais espicies tedam sido herdados de algun ancestral comm; portan- to, toda verdadeira dassiEca@o i geneal6gica, e a comunidade de descendencia i o d o escondido que os naruralistas t h estado inconscientemente i procura, e niio a l p desconhecido plano de criagio, ou o enunciado de proposig6es de d t e r ge- r& ou o mero agrupamento e separa@o de seres mais ou.menos semelhantes.

Acho que seria rnelhor explicar mais cabalmente esta minha idiia. Acredito que o avanjo dos grupos dentro de cada classe, na devida subordinagio e relagzo c o n os outros grupos, deva ser esmtamente geneal6gic0, para que seja natural, mas que a soma da diferenqa existente nos diversos ramos ou grupos, apesar do seu mesmo grau de parentesco em relagio a seu ancestral c o m m poder difedr graxiemente, devido aos diferentes graus de modificagio que cada qual sofreu Isto se expressa no fato de serem as formas dassificadas sob diferentes giceros, familias, seg6es e ordens. 0 leitor compreenderi melhor o sigzificado de tudo isto se se der ao traba- lho de consultar mais uma vez o msifico do caoitulo W. Suoonhamos oue as letras u . de A a L representern g&.eros aliados que tea'lam vivido na ipoca siluiana, e que descendessem de algma espicie existente nlm. period0 anterior desconhecido de - - 36s outros. Espicies pertencentes a tres desses gineros -A, F e I- transpitiram descendentes modificados aos nossos &as, descendentes estes representados pelos 15 generos da iinha hodiontal superior, assinalados com as letras que vio de a" a 2". Ora, todos estes descendentes modificados oriundos de m a h ica espide sio representados corno sendo do mesmo grau de parentesco. Metaforicamente, pode- riamos considersi-10s comoprinlos em mitionisim rau, embora seus graus de paren- t g tesco sejam efetivamente diferentes, assim corno a soma de suas diferenqas. As formas que descendem de A, hoje divididas em duas ou tris familias, consti~xrn uma ordem diss ta da descendente de I, a qual, por sua vez, +a?bim est5 dividida e n duas ou trks familias. 0 s descendentes de A nio podem ser c!assificados no mesmo genero de seu ancestral, o mesmo podendo ser dito dos descecdentes de I. jsi o atual ginero F4 teria sido supostamente pouco modihado, podendo-se dassiticsi-lo corno do mesmo ginero que seu ancestral F, i semelhanga do que ocor-

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re com alguns seres vivos existentes, que pertencem a ancestrais silurianos. Porwqto, a soma ou a extenszo da aparentados no nesmo grau pode ter-se tornado gran obstante, seu arranjo geneal6gico permanece esmtamente mente, cono em cada period0 sucessivo de descend& modificados'de A dwem ter herdado algo em com ocorrendo com todos os descendentes de I, e ass bordinado de descendentes, em cada period0 suces supor que qualquer dos descendentes de A ou de gZo clue praticmente perdeu todos os vestigios lugar cuma dassificagzo natural teria viztualmente desapar ter ocorrido comvixios organismos existentes hoje em dia. do ginero E; ao Iongo de toda a saali?ha de desc modificados, segundo se pode supor. Por isto, consdtuem embora muito isolado, ainda deveri ocupar sua posigZo in outrora ocupava, entreA e I jB qJe seus descend de seus caracteres. 3sze arra?jo a a m l esti mos que se poderia fazer esquemadcamente; ressal exaemamente simplificada. Se nZo se tivesse tando-se a represectagzo grifica 21 relaqZo dos nomes dos teria sido abda menos possivel fiyar-se imaossive! rearesentar-se numa sine albh . que descobrimos na natueza enue os seres do mesmo grupo. A pelaidza que defendo, o sistema satural i geneal6gico no seu arranjo - -

que denominamos gineros, subfamitias, f d a s , seg6es - 7 luvez *a a pena ilustrar esta idiia de das lkguagens. Se dispusbsemos de uma dade, urn arranjo geneal6gico das ragas das diversas licguagens hoje faladas te grifico todas as Enpas mortas e cam l e ~ t a e progressivamente, arracjo. Entretanto, pode ser pouco, dando origem a szo e subseqiiente tes de uma raga origem a

" gmealogico, e nada mais estritamentc narurd, ji quc interligar codas as linwagcns extktas e modcmas. >elas mais rstzcit3s ernlitindo indicar- se %!ia;zo e origem de cada 1ing.a.

Conhrmado este pocto de vista, podemos dar .xm relance ca classifica- gZo das variedades suposta ou sabidamente descendeztes

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pertencem i mesma espicie, dividindo-se em variedades e subvariedades. NO caso das nossas produq6es dombticas, podem-se caractedzar ainda diversos outros gram de diferenciaqio, conforme tivemos a oporddade de ver com relaqio aos pom- bos. A origem, da exist&nda de grupos subordinados a outros grupos i a mesma, . tanto com as variedades como com as espicies: a proxirnidade de descendknda com virios gram de modificaqio. Para se dassificarem as variedades, seguem-se quase as mesmas regras que as de classificaqZo das espides. 0 s autores tim insisti- do na necessidade de se dassificarem as variedades dentro de um sistema natural, ao invis de num sistema artificial Temos o cuidado por exemplo, de nio dassificar- mos na mesma categoria duas variedades de abacaxi, pel0 simples fato de que seus hutos embora constimindo a parte principal da planta, sejam quase idinticos; do mesmo modo, ningukn dassificaria na mesma categoria o nabo comum e o nabo- da-suicia, embora sua raizes comestiveis sejam t2o semelhantes. Qualquer que seja a pa te cuja constincia se constate no ser, 6 ela que seri usada para a classificaqio das variedades. Assim, o grande.agr6nomo Marshall diz que os chihes sio muito Gteis para tal prop6sito no caso dos bovinos, por s e r a menos variiveis que o formato ou a coloraqio do -animal; mas o mesmo nio se d i no caso dos ovinos, porque nestes os chifres sio menos constantes. Para se dassificarem as variedades, presumo que, se dispusermos deumpedigreecompleto, uma dassificaqio geneal6ffca seria universalrnente oreferida. sendo a aue virios autores tentam semare elaborar. . L

Podemos ficar certos de que, apesar das modificaq6es sofridas pelos descendentes, o prindpio de hereditariedade a~ruparia as formas que se aproximassem no maior - n&neroede caractedsticas. No caso dos pombos, por-exempio: na variedade camba- lhota, embora algumas subvariedades difiram das outras pelo fato de apresentarem um bico mais comprido, prefere-se congregi-las num s6 grupo, pel0 fato de todas possuirem o hibito comum de dar cambalhotas no ar. Todavia, a raqa.de cara pe- quena quase perdeu completamente este hibito, e mesmo assim nio constitui vari- edade i pate, seja por que razio for, dado o fato de que o cara-curta i consangiii- neo e apresenta com os demais cambalhotas outros pontos de semeihanqa. Se se pudesse provar que os hotentotes descendem dos negros, acho que esse grupo seria dassificado como negro, ainda que suas diferenqas se refiram h cor da pele e a outras importantes caractedsticas.

No que se refereis espicies em estado selvagem, todo naturalista tem efetiva- mente levado em conta a descendincia em sua dassificaqio, uma vez que indui na categoria mais resmta, ou seja, na de espide, ambos os sexos - e que enormes diferenqas soem ocorrer neste particular em relaqzo io mais importantes caracteris- acas, conforme o sabe todo naturalista. E raro o fato simples em comum que se possa apontar entre os machos e os hermahoditas de certos cirripedes, quando adultos; mesmo assim, nio h i quem pense em disdngui-10s como espicies separa- das. 0 naturalism inclui na mesma e h ica espicie os diversos estigios lamais do mesmo individuo, por mais que cada um difira do individuo adulto ou entre si; do mesmo modo, indui ainda na espide as chamadasgera~~ualtemadar, de Steenstrup, que s6 em sentido ticnico poderiam ser consideradas como pertencentes ao mes- mo individuo. Ele indui as monstruosidades e indui as variedades, e nio s6 por sua semelhanqa com a forma ancestral, mas pel0 fato de que todas descendem ciela. 0 s

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que acreditam que a p como uma hica espi que os trks tipos de orquideas considerados como trss ggneros ta, eles foram imediatamente agrupados na dassificaq centes i mesma e h ica espide. Pode-se perguntar, p se porventura se provasse que determinada espide de urn longo curso de modificaqBes do urso? Deve como ursidea? E as demais espides de canguru, qu evidentemente, de uma suposiqZo absurda; assim, horninem, posso perguntar o que fan'amos se algu nascimento de um canguru perfeito, gerado nas e gia, com outros casos, sabemos que este anirn mesma categoria dos ursos; do mesmo modo, dos cangurus seriam classificadas dentro do que todo este exemplo i absurdo, pois, desd da, certamente tambim deveri similaridade nZo i o caso do urso e do canguru.

Como a descendhda tern sido utilizada viduos da mesma espicie, mesmo que os vezes extremamente diferentes, e como

L - ~ ~ A

melhores sistematas. Xho dispomos de genealogias deduzir quais sedam as comunidades dr quaisqueitipos. Conseqiientemente, escolhemos aqueles podemos julgar, sZo 0s menos proviveis de se terem condiqces de vida i s quais as espides estiveram deste mod0 de pensar, as estruturas rudimentares res, que outras partes do organismo. Pouco se daquela caracteristica - seja ela a mera inflexZo pela qual i dobrada a asa de um inseto, ou

possuem hibitos mos explicar sua diferentes, por mos nos enganar,

dos possuem valor espedaLna classificaqio.

tretanto, quando

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Podemos compreender por que uma espkcie ou um grupo de espeues pode divergir, no que se refere a diversas caractedsticas altarnente importantes, de seus aliados, e hdependentemente disto serem dassificados junto com eles. Isto pode ser feito, e o k eventualmente, desde que exista um niunero sufidente de caracteres, mesmo que pouco importantes muitos deles, suscetiveis de revelar o !ago oculto da comunidade de descendinda. Quando duas formas nzo possuem uma h i c a carac- tenstica em comum, e mesmo assim szo interligadas por uma cadeia de grupos intermediirios, podemos, em principio, deduzir sua comunidade de descendinda, colocando-as dentro da mesma classe. Quando deparamos com 6rgZos de alta im- portincia fisiol6gica - aqueles que servem para preservar a vida sob as mais diver- sas condigdes de existincia- evemos que eles sHo geralmente os mais constantes, anibuhos a eles urn valor especial; porim, se esses mesmos 6rgZos, em outro gru- po ou segHo, diferem muito entre si, de imediato lhes atribdmos menos valor em nossa classificago. Penso que, doravante, enxergaremos melhor por que os caracteres embriol6gicos szo de tamanha importinda classificat6ria. A distribuigzo geogrifi- ca pode eventualmente ser considerada &ti1 para a classificagzo de gineros de gran- ,

de abranginda e de ampla kea de ocorrinda, portanto todas as espides do mesmo ginero, habitando qualq~er regizo distinta e isolada, possuem coda a probabiidade de descender dos mesmos ancestrais.

Com base nestas idiias, podemos ectender a importmtissima distingzo entre as afinidades reais e as semelhangas and6gicas ou adaptativas. Foi Lamar& quem pri- meiro chamou nossa atengHo para tal distingzo, no que foi inteligentemente secun- dado por Macleay e outros. A semelhanga quanto ao formato do corpo e apresenga do "rabo de peke" entre o manati, animal do tipo paquidkrmico, e a baleia, e entre ambos estes mamiferos e os pekes, k add6gica. Enqe os insetos M inlirneros exem- plos: Lineu, !evado erroneamente pek'aparhcia exterio'r dassificou deterrninado iqseto hom6ptero como mariposa. Vemos coisa paredda at6 mesmo com nossas variedades domisticas, como no caso dos tubirculos suculentos do nabo comurn e do nabo-da-suida. A semelhanga entre o galgo e o cavalo de corridas nHo i muito mais fantasiosa que as analogias j i aventadas por alguns autores corn respeito aos mais diversos animais. Pela minha idkia de que os caracteres 56 seriam realmente importa~tes para a dassificagio quando revelam a descendincia comum, podere- mos compreender daramente por que um carhter anal6gico ou adaptativo, ainda que seja de mixima importincia para o hem-estar do ser, seja virtualmente inlitil para o sistematista. Animais pertencentes a duas W a s de descendinda inteira- mente distintas podem de fato tornar-se adaptados a condigdes similares, e assim adquirir consideiivel semelhanga q m x o ao aspecto exterior, a qual, no entanto, ao invis de revelar, antes esconde seu parentesco com outras formas pertencentes i sua mesma linha de descendinda. Podemos tambim compreender o aparente pa- radox~ de que os mesmos caracteres sHo anal6gicos quando uma dasse ou orderr. k comparada com outra, mas revdam verdadeiras afinidades quando os membros da mesma dasse ou ordem szo comparados uns com os outros: assim, o aspecto fisico geral e os membros em forma de nadadeira das balks szo apenas anal6gicos corn as caractensticas correspondentes dos pekes, tratando-se em ambos os casos, de adap- tagdes destinadas i natagzo; G o ohstante, tais caracteres evidenciam genuina afinida- de entre os diversos cetiiceos da fads das baieias, pois estes rnm'feros possuem tal

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niunero de caractensticas comuns, grandes ou pequenas, que G o poderiamos duvi- dar de que houvessem herdado seu aspecto flsico gesal e a estrutura de sew membros de a l p ancestral comum. 0 mesmo se pode dizer quanta aos pekes.

Como os membros de classes distintas eventualmente foram adaptados, atravb de ligeiras modificag6es, a viver sob drcunstindas virtualmente semelhantes @or exemplo: a v'ver nos tr6s elementos - terra, igua e ar), talvez possazos compreen- der como t que um paralelismo numirico tenha sido i s vezes observado entre os subgrupos de classes disthtas. Urn naturaiista, intrigado por dgum paralelismo des- tanatureza que haja constatado numa ciasse, elevando ou baixando arbitrariamente o valor dos grupos em outras classes (e toda a nossa experiincia mostra que esta avaliagZo tem sido, ati aqui, a r b i e a ) , poderia facilmente estender o alcance deste paralelismo, e foi assim que surgkam provavelmente as dassificas6es septenirias, q&as, quaternirias e ternirias.

Como os descendentes de espicies dominantes, pertencentes a gineros mais ricos, teudem a berdar as vantagens que tornaram maiores os grupos aos quais pertencem e que fizeram deseus ancestrais espides dominantes, eles quase certa- mente se espalharZo amplamente, ocupando cada vez maior niunero de lugares na economia da natureza. 0 s grupos maiores e mais dominantes, portanto, tendem a se multiplicar cada vez mais, e deste mod0 suplar.tar os grupos menores e mais fracos. E assim que podemos explicar o fato de todos os organismos, recentes e extintos, estarem induidos sob .mas poucas gra~des ordens, sob urn d m e r o ainda menor de classes, e todos eles num mesmo grande sistema natural. Uma demons- t ra~ao de como & pequeno o n h e r o de g rqos maiores, e como i vasta a sua distribuisZo pdo mundo, nos i fornedda pel0 notivel fato de que a descoberta da Austrsifia nZo nos trouxe sequer um inseto perteccente a alguma ordem nova; quan- to ao reino vegetal, segundo o Dr. Hooker, a novidade d o passou de duas ou u6s ordens de peqseno imbito.

No capitulo referente i sucessZo geolrjgica, tentei mostrar, com base no p ~ c i - pio de que cada grupo geralmente teria divergido bastante em seus caracteres du- rante o prolongado process0 de modifica$io, como t que as formas de vida mais antigas is vezes apresentam caracteres ligeiramente intermediirios entre os grupos atualmente existentes. As poucas formas ancesaais intermedikias que ocasional- mente transmitiram at6 os &as a&s seus descendentes pouco modificados sZo responsiveis pela presenqa dos grupos que chamamos de "an6malos" ou "aberrantes". Quanto maior for a aberragZo de w.a forma, maior dever6 ser o - n h e r o de formas intermediirias que, pela minha teoria, teriam sido exterminadas, desaparecendo completamente. H i algumas evidindas de que as formas aberrantes teriam sofrido considerivei extingzo, pois elas sZo geralmente representadas por urn niunero muito restrito de espides, as quais, <a de regra, sZo muito distintas m a s das outras, o que de novo vai implicar em extingZo.0~ gheros Ornitborbncb~~s e Lepidosiren, por exmplo, n5o seriam menos aberrantes se, ao hv6s de uma h i c a esptde, fossem representados por uma dlizia. Todavia, segundo concld ap6s algu- ma investigagZo, a riqueza em esptdes nZo s6i estar relacionada com os gzneros aberrantes. Acho que podemos explicar tal fato unicamente considerando-se as formas anBmalas como grupos fracos, derrotados por compeddores mais bem SU-

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ce&dos, tendo side preservados uns poucos dos seus membros em decorrinda de alguma inusualcoincid&xia de drcunsthcias favoriveis.

Mr. Waterhouse obsewou que quando um membro de animal ostenta qualquer afinidade com os membros de outro grupo inteiramente dishto, tal ahnidade, na maior parte das vezes, i de carsitergeral, e nio espedal. Assim, de acordo com estes pesquisador, o ratZo-do-banhado seria o roedor que maior rela- qio apresenta com os marsupiais; todavia, nos pontos em que esta espide se apro- xima daquela ordem, suas relagdes sio de cariter geral, nIio se prendendo a nenhu- ma espide marsupial em particular, mas sim ao conjunto de todas. Como os pontos de semelhanga entre o ratio-do-banhado e os marsupiais sio, segundo se acre&, reais, e nio meramente adaptativos, trata-se aqui, dentro do meuponto de vista, de um caso de hereditariedade comum. Por conseguinte, devemos supor ou que todos os roedores, inclusive o ratio-do-banhado, se teriam desgarrado de algum marsupi- al antigo, dotado de alguma caractedstica at6 certo ponto intermediiria com relagIio aos marsupiais dos nossos &as, ou en&o que tanto os roedores como os marsupiais proviriam de algum ancestral comum, cada grupo evoluindo em diregdes diferentes e adquirindo modificagdes bastante consideriveis. Dentro de qualquer uma dessas hipbteses, pode-se supor que o ratio-do-banhado conservou, emvirtude da heredi- tariedade, maior niunero de caractedsticas de seus antepassados do que as herdadas pelos demais roedores; dai decorre que esta espide nio seja particularmente relad- onada com nenhuma da ordem dos marsupiais, mas indiretamente com todas, ou quase todas, em r u i o de haver conservado as caractedsncas de seu antigo ancestral comum, ou de algum membro extinto de seu grupo. Por outro lado, citando ainda as observagdes de mr. Waterhouse, o Pbasco/omysaustraliano seria, dentre os marsu- piais, aquele que mais se parece com os membros da ordem dos roedores, nio com alyma espicie em particular, mas corn todo o conjunto, de mod0 geral. Neste caso, p o r b , pode-se suspeitat com razz0 que tal.semelhanqa seja apenas analbgica, devido ao fato de que o Phuscolomys teve de se adaptar a hhbitos sirnilares aos dos roedores. De Candolle (sknior) tambim fez obsewagdes quase idhticas a estas a respeito da natureza geral das afinidades entre ordens disdntas de vegetais.

Com base no plinJpio da multiplicagio dos espicimes e da divergkncia gradual dos caracteres das espides descendentes de um ancestral comum, juntamente com a retengzo, devido i hereditariedade, de alguns caracteres em comum, podemos compreender as afinidades excessivamente complexas e divergentcs que interligam todos os membros da mesma familia ou.grupo superior. Dado que o ancestral co- mum de toda uma familia de espides, hoje div~dida pela extinqio em grupos e subgrupos distintos, transmitiu a todos esses membros alguns de seus caracteres, modificados de diversas maneiras e em diferentes graus, assim as diversas espides se2o conseqiientemente relacionadas umas com as outras atravis de linhas indire- tas de afinidade, de extensdes diversas (conforme se v i no grifico ao qual tantas vezes temos recorrido), remontando ao passado atravis de numerosas ascendentes. Do mesmo modo, como i difidl mostrar a consagiiinidade entre os inheros des- cendentes de uma familia nobre antiga, mesmo com a ajuda de uma Hrvore genealbgica, e quase impossivel mostri-la sem este auxilio, podendo compreender a extraordinitia dificuldade que os naturalistas experimentaram tentando descrever,

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sem sevalerem de um diagrama, as virias aGnidades que observaram entre os diver- sos membros atuais e extintos da mesma grande dasse natural.

A extingZo, conforme vimos no capitulo quarto, desempenhou importante pa- pel na definigZo e ampliaqio dos intervalos entre os diversos grupos de cada dasse Podemos deste mod0 explicar at6 mesmo a distinqZo entre dasses inteiras - por exemplo, o que distingue as aves dos demais vertebrados - com base na crenga de que muitas formas antigas de vida se perderam inteiramente e que atravis delas 0s ancesttais das aves outrora se interligavam aos antigos ancestrais das outras classes de vertebrados. Foi menor a extingZo que ocorreu quanto i s formas de vida que antigamente ligavam os peixes aos batriquios. E menos ainda a relativa a virias outras dasses, como no caso dos crustAceos, pois nesta as formas mais espantosa- mente diversas sZo ainda ligadas por * m a cadeia longa, mas interrompida, de afini- dades. A extingZo apenas separou os grupos: ela nZo os formou, absolutarnente, pois se toda forma que algum dia existiu neste planeta de repente reaparecesse, embora fosse de todo impossivel encontrar definigaes pelas quais cada gmpo pu- desse ser distinguido dos demaiq j i que todos estadam 60 pr6ximos uns dos ou- tros, apresentando a mesma soma de diferen~a existente entre as vadedades atuais, mesmo assim seria possivel uma classificagZo natural, ou pelo menos um arranjo natural. Isto pode ser visto se voltarmos ao grifico: as letras de A a L podem representar onze gberos silurianos, alguns dos quais teriam produzido amplos gm- pos de descendentes modificados. Cada elo intermediirio entre esses onze gineros e seus prirneiros ancestrais, e cada elo intermediirio entre os ramos e sub-ramos de seus descendentes, podemos supor que efetivamente existam, e que sejam Go pr6- ximos entre si como os que l i p as variedades menos distintas. Neste caso, seria inteiramenteimpossivel fornecer-se uma deGnigHo atravis da qual os diversos mem- bros dos virios grupos pudessem ser distinguidos de seus parentes mais imediatos, ou esses parentes de seu ancestral desconhecido. Mesmo assim, o arranjo natural do diagrama ainda permaneceria razoivel, ej dentro do principio de hereditaiedade, todas as formas descendentes de A ou de I possuiriam alguma coisa em comum. Numa h o r e , podemos especificar este ou aquele ramo, embora eles se liguem e se confundam no ponto de bifurcagHo. Conforme dissemos, G o nos seria possivel definir os diversos grupos, mas poderiamos separat os tipos ou formas, represen- tando a maioria dos caracteres de cada grupo, grande ?u pequeno, e assim dar uma idiiageral do valor das diferengas que os distinguem. E isto que seriarnos obrigados a fazes se chegissemos a obter todas as formas de uma classe que tenha existido atraves do tempo e do espago. Certamente nunca chegaremos a completar uma colrgHo assim tZo perfeita; porim, em determinadas dasses, estamos tendendo nes- ta diregZo. Milne Edwards h i pouco insistiu, num artigo excelente, na grande im- portincia de se examinarem os tipos, quer possamos ou nZo.separar os grupos aos quais eles pertengam.

Por Gm, virnos que a selegHo natural, que resulta da luta pela existincia; e que quase inevitavelmente implica em extingZo a divergincia dos caracteres nos diver- sos descendentes de uma esp6cie ancestral dominante, explica os grandes aspectos gerais das afinidades entre todos os sexes organizados, isto 6, sua divisHo em grupos subordinados a outros. Usamos o fator "descend6ncia" para dassificar como de

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uma s6 espide os individuos de ambos os sexos e de todas as idades, mesmo que eles possuam poucas caractensticas em comum. Usamos o mesmo fator para das- sificar as variedades reconhecidas, por maiores que sejam suas diferensas em rela- $50 aos seus ancestrais. Acredito que este fator "genealogia" seja o elo oculto que os naturalistas buscaram dentro da expressiio "Sistema Natural". Com base nesta id& de que tal sistema, i medida que se aperfeiqoa, vai-se tornando geneal6gico em seu arranjo, assinalando-se as gradaqdes das diferenqas entre os descendentes de um ancestral comum por intermkdio dos termos "gkero", "familia", "ordem", etc., podemos compreender por yJe somos obrigados a prosseguk com esta nossa dassificaqgo, assim como entender por sue valorizamos certas semelhanqas mais do que outras, por que nos 6 perrnitido lanqar mZo de 6rgZos rudimentares e in& teis, ou outros de minima importincia fisiol6gica; por que, comparando-se urn gru- po com outro, rejeitamos sumariamenie os caracteres anal6gicos ou adaptativos, e nem por isto deixamos de recorrer a esses mesmos caracteres dentro dos limites do mesmo grupo. Podemos ver daramente como 6 que todas as formas vivas e extin- tas podem ser agrupadas nllm grande sistema, e como os diversos membros de cada classe sZo interligados pelas mais complexas e divergentes h h a s de aiinidades. Provavehnente, jamais seremos capazes de deshdar a teia inextrincive.vel de ahnida- des entre os membros de uma dasse qdquer; todavia, desde que temos um objeti- vo distinto em vista e niio estamos interessados em ambuir importincia a algum p h o de criaqzo d e ~ c o ~ e d d o , podemos esperar obter algum progress0 a este res- peito; provavehente lento, mas seguro.

Vmos q.ze os membros da mesma dasse, indepecdente de seus hibitos de vida, se assemelham uns aos outros no piano geral de sua organizaqZo. Esta semelhanqa 6 indicada i s vezes pela expressiio ''unidade de tipo", ou caracteriza~do-se como "hom6logas" as diversas partes ou 6r@os das diferentes espkcies. Todo este assun- to esti incluido dentro da denorninaqiio geral de Morfologia. Trata-se da parte mais interessante da Hist6ria Natural, da qual se pode dizer que constitui a pr6pria aha . Que pode ser mais cudoso do que constatar-se quea mZo do homem, conformada para agarrar; a pata anterior da toupeira, pr6pria para escavar; a pata do cavalo, a nadadeira do boto e a asa do morcego, sejam todas construidas dentro do mesmo padrZo, compondo-se dos mesmo ossos, guardando todas as mesmas posiqdes rela- tivas? Geoffroy S t Hilaire insistill enfaticamente na grande importincia da conexiio relativa dos 6rgZos hom6logos: as partes podem mudar quase que em qualquer extensiio no que se refere i forma e ao tamanho; niio obstante, todas permanecem interligadas yardando a mesma ordem. Jamais tivemos a oportunidade de encon- trg, por exemplo, os ossos do braqo e do antebraso trocados, ou os da coxa e da perm em posigdes inversas. E por esta mi0 que se podem ambuic os mesmos no- mes aos ossos hom6logos dos mais diversos anirnais. Vedficamos esta mesma grande lei na conformaqiio das bocas dos insetos: que pode ser mais diferente que a enorme tromba em espiral de um eshngideo, a cudosa boca pregueada de uma abelha ou de um percevejo, ou as grandes man&%ulas de um besouro? Entretanto, todos esses

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6r@os, servindo para diversos fins, sZo formados por incontiveis modificagties de um Ebio superior, man&%ulas e dois pares de mauilas. Leis anilogas didgem a con- formagiio das bocas e membros dos crusticeos. 0 mesmo se & com as flores.

Nada poderia ser mais intiti1 do que tentar explicar esta semelhanga de padrZo nos membros da mesma classe com base na utilizagio ou na doutrina das causas f i s . A hutilidade da tentativa foi admitida expressamecte por Owen em seu tra- balho mais interessante, no qual ele estuda a "Natureza dos Membros". Pela teoria comumente aceita da criagio independente de cada ser, podemos apenas dizer que foi assim que se fez - que foi desse mod0 que aprouve ao Criador conforme cada animal e cada vegetal.

A explicagZo 6 evidente i luz da teoria da selegZo natura! de modificagties suces- sivas e ligeiras, segundo a qua! cada modificagHo que de a l p modo seja lit3 para o ser organizado, e que por isto se torne adquirida, muitas vezes pode afetar outras partes do organismo, em decorrencia da correlagZo de cresdmento. Nas mudangas desta natureza, baveri pouca ou nenhma tendincia para se modificar o pad60 original, ou para se inverter a posigio relativa das partes. 0 s ossos de ilm nembro do corpo podem ser encurtados ou alongados, ou se tornarem gradualmente envol- vidos por espessa membrana, de mod0 a se transformarem numa barbatana; ou um p i palmado pode ter todos os seus ossos, ou alguns, amentados at6 determinado ponto, formando-se entre eles uma membrana que pode estender eexpandir-se at6 que possa servir como uma asa; mesmo assim, apesar de todas essas modificagties 60 consideriveis, niio haveri qualquer tendincia de se alterar o esqueleto 6sseo ou a conexgo relativa das diversas partes. Se supusermos que o primitivo ancestral, o arquitipo, como se poderia chami-10, de todos os mamiferos tivesse seus membros conformados dentro do pad60 geral atual, seja qual fosse a ma finalidade, pode- mos de imediato perceber a plena significagio da construgZo hom6loga dos mem- bros em toda a classe. 0 mesmo se pode dizer corn relag50 is bocas dos insetos: s6 podemos supor que o ancestra! comurm desses animais possllisse um libio superior, man&%ulas e dois pares de maxilas, todas estas partes possivelmente de formato muito simples; dai em diante, a selegiio natural poderi explicar a inhita diversidade estrutural e fundonal das bocas dos insetos. NZo obstante, i concebivel que o pa- drZo geral de um 6rgiio possa ir-se perdendo pouco a pouco, ati desaparecer, em decorrtncia da atrofia progressiva de determinada pzte, redundando por firn em sua eliminagZo total, ou pela fusiio de certas partes, e a d~piicagZo ou mesmo m-d- tiplicagio de outras -variagdes que se situam dentro dos hn!tes da possibilidade, conforme sabernos. Nas nadadeiras dos gigantescos s d o s marhhos extintos, as- sim como nas bocas de certos crusticeos sugadores, o pad60 geral parece ter desa- pareddo, pelo menos em parte.

H i urn corolirio igualmente curioso deste tema: a comparaqiio, 50 da rnesma parte nos diferectes membros de m a classe, mas das diferentes partes ou 6rgiios no mesmo individuo. A maioria dos fisiologistas acredita que os ossos do crhio sejam hom6logos - isto k correspocdentes em nkero e posigZo relativa - com as partes elementares de certo niunero de virtebras. Cs membros zteriores e pos- teriores dos vertebrados e dos articulados sHo inteiramente hom6logos. Verifica- mos a existencia da mesa lei comparando as rnandibulas e patas admiravelmente

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complexas dos crusthceos. Quase todos es&o familiarizados corn o fato de que, numa flor, a posig5o relativa das s$alas, petalas, estames e pistilos, assim como sua estrutura interna, sio perfeitamente expliciveis pela idiia de que consistem em fo- lhas metamorfoseadas, arranjadas numa espiral. As plantas monstruosas por vezes nos fornecem prom direta da possibilidade de um 6r@o se transformar em outro, e podemos de fato vedficar nos embrides dos crusticeos e de muitos outros animais, assim como nas flores, que certos 6rgZos extremamente diferentes nos seres adul- tos podem ser exatamente iyais numa fase incipiente de crescimento.

Como tais fatos se mostram inexpliciveis B luz da idiia comumente aceita da criagzo! Por que teria o cirebro de estar encerrado numa caixa craniana composta

' de placas 6sseas &o numerosas e de Go extraordiniria conformaqio? Como obser- vou Owen, o beneficio decorrente da conformag50 e adaptabiidade dessas placas durante o parto dos mamiferos de mod0 alyn podeda servir para explicar a cons- trugBo identica que se vZ nos crinios das aves. Por que deveda haver ossos similares nas pernas e asas dos morcegos, se tais membros servem a finalidades &o diferen- tes? Porque os crusticeos, que possuem bocas extremamente complexas formadas de diversas partes, por outro lado possuem poucas pernas, enquanto que, ao con- tririo, os animais dotados de muitas pernas geralmente possuem bocas mais sim- ples? Por que as sipalas, pitalas, estames e pistilos de uma flor, embora adaptadas a finalidades diferentissimas, teriam de ser construidas dentro de um mesmo padriio?

Pela teoria da selegio natural, podemos responder satisfatodamente todas essas questdes. Nos vertebrados, observamos uma side de virtebras internas que apre- sentam certas ap6fises e apendices; nos articulados, vemos o corpo disdido numa side de segmentos, dotados de apindices externos; nas plantas faner6gamas, cons- tatamos a existencia de uma sine de verticilos foliares espiralados sucessivos. A repetis50 indefinida da mesma parte ou 6rgZo constitui caractedstica comum (foi Owen que observou) de todas as formas inferiores e pouco modificadas. Por con- seyinte, podemos en&o acreditar que o ancestral desconhecido dos vertebrados possuia muitas vertebras; o dos articulados, muitos segmentos; o das plantas faner6gamas, muitos verticilos foliares espiralados. J6 vimos num capitulo anterior que as partes repetidas muitas vezes na estrutura do ser sio eminentemente susce- tiveis de variar em niunero e conformagio; conseqiientemente, i bem provivel que a selegio natural, durante um prolongado curso de modificagio, deva ter estabeleci-. do um certo niunero de elementos primitivamente similares, repetidos muitas ve- zes, e os tenha adaptado i s mais diversas fmalidades. E como a soma de modifica- $50 teri sobrevindo pouco a pouco, nio precisamos de nos espantar ao descobrir- mos nessas partes ou 6rgZos urn certo grau de semelhanga hndamental, presemda atraves do forte pdnupio da hereditariedade.

Na grande dasse dos moluscos, embora possarnos encontsar partes desta ou daquela espicie que sejam hom6logas i s de outras espicies distintas, somente po- deriamos ind~car umas poucas homologias em sirie; ou, em outras palavras, rara- mente seriamos capazes de dizer que determinada parte ou 6rgZo seja hom6loga de outra no mesmo individuo. Tal fato 6 compreensivel, visto que nos moluscos, mes- mo nos inferiores, quase nio deparamos com repetigees indefinidas de determina- da parte, conforme ocorre nas outras grandes classes dos reiqos animal e vegetal.

0 s naturalistas referem-se freqiientemente ao crbio como sendo formado de vktebras metamorfoseadas; is p h p s dos manguejos, como patas metamorfoseadas;

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aos estames e pisdlos das flores, como foulas metamorfoseadas. Nestes casos, po- rim, seria mais correto, conforme observou o Prof. Huxley, dizer-se, em relagZo ao crinio e h virtebras, i s pingas e is patas; etc, etc., que tais partes se teriam metamorfoseado 60 umas das outras, mas de algum elemento comum. Ressaite- se, porim, que os naturalistas usam tal linguagem apenas em sentido metaf6ric0, estando longe de quererem h e r que, durante o longo curso da descendhcia, 6r- @os primitives de qualquer tip0 - virtebras no primeiro caso e patas no segundo - se tenham realmente metamorfoseado em crinios ou PIGS. Entretanto, 6 60 forte a apartnda de que tenha ocorrido modificagiio desta natureza, que os natura- listas difidlmente poderiam evitar que o emprego desta 1inguage.m apresente esta ,, . significagZo &eta. Ao que presumo, esses termos podem ser empregados literal- mente, e o maravilhoso fato de que as pingas de um caranguejo preservem um sem- niunero de caractensticas 6ca en60 explicado pela hereditariedade, quer prove- nham as pingas de metamorfose das patas, durante uma longa linha de evolugHo, quer provenham da metamorfose de a l p apindice simples.

De maneira quase casual, observou-se que certos 6rgZos cujas halidades, nos individuos adultos, sZo inteiramente diversas, costumam ser exatamente idknticos em seus embrides. Ocorre tambim que os embrides de animais distintos perten- centes i mesma dasse i s vezes sejam notavelmente pareddos. Melhor prova deste fato nHo poderia ser dada que niio uma circuns&da mendonada por Agassiz: ten- do-se esqueddo de etiquetar o embriZo de determinado vertebrado, aquele natura- lism depois nZo soube dizer se se tratava de um mam'fero, uma ave ou um riptil. As larvas vermiformes das mariposas, moscas, besmos, etc se parecem'mais umas com as outras do que estes insetos entre si, quando adultos. No caso das larvas, p o r k , os embrides sZo ativos, estando adaptados a determinadas formas espedais de sobrevivhda. Vestigios da lei de semelhanga eznbrioniria evectualmente persis- tem por a l p tempo: assirn, aves do rnesmo ghero on de gheros muito pr6xi- mos por vezes se assemelham durante a primeira e a segunda plumagem, conforme tivemos a oportunidade de comprovar no caso das penas pintalgadas do grupo dos turdideos. Entre os felideos, a maior parte das espides i listrada ou malhada, po- dendo-se distinguir listras bem dtidas nos filhotes de leiio. Vez por outra observa- mas coisa similar entre as plantas: assim, as folhas embrionirias do UIRY (tojo) e as folhas primirias das acicias, que sZo posteriormente substituidas pelos fil6dios, sHo penadas ou divididas como as folhas normais das leguminosas.

0 s pormenores estruturais atravis dos quais se assemelham os embrides de animais inteiramente diferentes pertencentes i mesma dasse i s vezes nZo apresen- tam relagiio &eta com suas condigdes de existhda. NHo podemos supor, por exem- plo, que nos embrides dos vertebrados o curso das artirias, Go peculiarmente enro- lado pr6ximo i s fendas braquiais, tenha qualquer relagiio corn alguma similariedade de condigdes de existincia - no feto do mamifero, que i alimentado no ventre de sua mZe; no ovo do pissaro, &ocado num d o , ou no da rZ, chocado embaixo da igua NHo temos mais razz0 para acre&+% em tal relag50 do que teriamos para crer

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q7Je os mesmos ossos da mZo do homem, da asa do morcego e da barbama do boto tenham alguma relasZo com possiveis condigdes semelhantes de vida. Ni- guim iri supor que as lisuas existentes no m o t e do leZo ou as pintas do tilhote de m&o tenham qualquer utilidade para esses animais, ou apresentem.algurna relagZo com as condigdes de vida is quais estejam eles expostos.

Independente disto, o caso 6 diferente quando se ttata de algum animal que, durante determinada parte de sua vida embrioniria, seja ativo, tendo de prover B pr6pda subsist6nda. 0 period0 de atividade pode sobreviver mais cedo ou mais tarde na vida do individuo; todavia, uma vez inidado, a adaptagZo da larva a suas condisdes de vida 6 60 perfeita e bela como no caso do animal adulto. Em v'Jtude de tais adapas6es espedais, a semelhanqa das larvas ou embrides ativos dos a+ mais aparentados torna-se por vezes muito disfarsada, podendo-se citar exemplos de larvas de duas espides, ou de dois grupos de espides, que diferem tanto ou mais entre si nessa fase do que no seu estado adulto. Na maior parte dos casos, porLm, as larvas, embora ativas, estZo ainda mais ou menos sujeitas i lei da semelhanga embri- o n z a comum. 0 s cirripedes nos fornecem um bom exemplo disto: mesmo o cae- bre Cuvier nZo percebeu que uma craca seria -- e cettamente i - um crusticeo; enuetanto. basta um relance de olhos na larva desse animal aara aue se n5o tenha a

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menor dlivida a este respeito. Al&n do mais, as duas pdncipais divisdes dos cirripedes - peduncdados e sisseis, -- que diferem inteuamente no que tanEe i aparinda extima, produzemlarvas que mh emal se distinguem umas dA out& em iodos os

/ sew diversos estigios.

A baleia, urn mamifero que ilustra urn estigio uansidonal de adapta@o.

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No curso de seu desenvolvimento, geralmente o embrizo vai crescendo no que se refere B sua organizagio - uus este termo apesar de estar certo de ser bastante difidl definir claramente o que significaria uma organizagzo menor on maior, posto que, provavelmente, ninguem iri discutir que a borboleta tenha organiza~zo superi- or B da lagarta. Pm certos casos, porCm, o animal adulto c o s m a ser considerado como situado numa escala inferior B da sua larva, como se v& corn determinados crusticeos parasitas, por exemplo. Voltando aos cirripedes: as larvas, no seu primei- ro estigio, possuem tr$s pares de patas, um olho h i c o e muito rudimental, e uma bocaprobosdforme, com a qual se alimentam fartamente, pois seu tamanho adqui- re considerivel aumento. No seyndo estigio, que corresponde ao da crisilida nas borboletas, as larvas possuem seis pares de patas natat6rias de belissima constru- $50, um magnifico par de olhos compostos, alCm de antenas extremamente com- plexas; entretanto, possuem uma boca imperfeita e fecbada, que nzo lhes permite comer. De fato, sua fungzo nesse estigio 6 a de procurar, atraves de seus desenvol- vidos 6rgZos dos sentidos, e alcangar, atraves de sua desenvolvida faculdade de nadar, um lugar adequado, no qual se prendam, a fim de sofrerem sua metamorfose derradeira. Quando esta se completa, ei-10s fixos para o resto de suas vidas. Suas patas entzo se converteram em 6rgZos preensores, e sua boca j i C novamente bem conformada; no entanto, j i n5o mais possuem antenas, e seus dois olhos se reconverteram num ocelo 6nic0, diminuto e muito rudimentar. Nesse dtimo esti- gio, os cirripedes podem ser considerados tanto mais como menos organizados que

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suas larvas. Em certos generos, porim, as larvas se transformam seja em hermafroditas, dotadas da estrutura normal; ou no que chamei de "machos com- plementares", cujo desenvolvimento 6 certamente regressive, pois o animal se re- duz a um simples saco, de existencia muito b'reve, desprovido de boca, est6mago ou outro 6rgZo importante, salvo os do sistema reprodutor.

Estamos Go acostumados a observar diferengas estruturais entre o ernbriiio e o adulto, e a constatar enorme semelhanga entre os embrides de animais inteiramente diferentes pertencentes i mesma dasse, que podemos ser levados a considerar tais fatos como necessariamente ligados de algum mod0 ao pr6prio cresdmento.'Mas nio existe qualquer razz0 iobvia para que j i nZo estivesse esbogada, com todas as suas partes nas devidas proporgdes, a asa do morcego ou a barbatana do boto, por exemplo, Go logo qualquer estrutura se tornasse visivel no embriiio. E em a l p s grupos completes de animais, assim como em certos membros de outros grupos, o embriio, em determinados periodos, niio difere consideravelrnente do adulto. Owen observou com reiagiio i siba, que "nZo h i metamorfose: o carsites cefalbpode se manifesta muito tempo antes de que se completem as partes do embriiio". Atirma tambim, com respeito is aranhas, que "nada ocorre que tenha condigZo de se cha- mar metamorfose". As l ams dos insetos, quer sejam adaptadas aos hibitos mais diversos e ativos, quer sejam inteiramente inativas, alimentadas pelos pais ou colo- cadas em local abastecido com seu aliment0 prioprio, quase sempre t h de passar por um esthgio de desenvolvimento vermiforme. Em certos casos, porim, como no dos pulgdes (Aphis), niio deparamos com vestigios do esthgio vermiforme, con- forme se pode observar nas admiriveis gravuras feitas pelo Prof. Huxley acerca do desenvolvimento desse inseto.

Como, enGo, poderemos explicar estes diversos fatos referentes i Embriologia, a saber: a diferenga de conformagio, que 6 geral, mas niio universal, entre embrides e adultos; a existencia de partes do mesmo embriiio individual, que posteriormente se tornam bastante diferentes e vZo servit para diversas finalidades, mas que sZo identicas nesse pedodo inicial de cresdmento; o fato de se parecerem entre si, de maneira freqiiente, embora sem constituir re& geral, os embrides de diferentes espicies pertencentes i mesma dasse; a iqexistencia de correlagZo imediata da es- trutura do embriiio com as suas condigdes de existhcia, salvo quando o embriZo se torna ativo em algum pedodo de sua existincia, tendo enGo que prover i pr6pria subsistencia; a eventualidade da existencia de embrides que aparentam possuir or- ganizago superior i do animal addto no qual ele se iri desenvolver? Acredito que todos estes fatos possam ser explicados, conforme veremos a seguir, i luz da teoria da descendencia com modificagdes.

freqiiente supor-se, talvez devido i s monsnuosidades que soem afetar o em- briZo mmui cedo em sua existincia, que variagdes ligeiras necessariamente surjam numa $oca igualmente precoce. No er-tanto, temos poucas provas acerca disto. As que existem, na realidade, indicm. antes o co~tririo, pois 6 nais do que sabido que os criadores de bovinos. eaiiinos e outros t i ~ o s de animais nio tern condicdes de , . afkmar positivamente, antes de a l p tempo, quais as qualidade que %o caracteri- tar os filhotes quando estes atingirem o estado adulto. N6s mesmos podemos ver - - . isto em nossas criangas, acerca das quais nem sempre podemos ter certeza de que,

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idade correspondente. Certas variagdes s6 podem aparecer em idades correspon- dentes, como por exemplo algumas peculiaridades pr6prias dos estigios de lagarta, casulo e imago do bicho-da-seda, ou os c!fres, que 56 aparecem quando os animais estiio quase inteiramente desenvolvidos. Afora estas, p o r h , aquelas variag6es que, tanto quanto nos parece, podem aparecer seja mais cedo, seja mais tarde, tendem a surgir no descendente na mesma idade em que surgiram no pai ou na mZe. Longe de mim querer dizer que isto ocorra invariavelmente. Na verdade, ser-me-ia possi- vel reladonar aqui inhe ros casos de variagdes (empregando esmpalavra no seu sentido mais lato) que surgiram no descendente em idade bem anterior Bquela na qua1 surgiram num de seus pais.

Esses dois principios, desde que se admita a sua validade, penso que explicarZo todos os principais fatos daEmbriologia que acabamos de especificar. Entretanto, vamos primeiramente exarninar uns poucos casos anilogos que ocorrem com nos- sas variedades dombticas. A l p s estudiosos dos cZes afumam que o galgo e o buldogue, embora paregam tiio diferentes, sZo na realidade variedades muito pr6xi- mas, descendentes provavelmente da mesma origem; por isto, tive a curiosidade de ver at& que ponto seus f&otes difeririam entre si. 3isseram-me os criadores de cZes que os filhotes diferiam tanto entre si q~anto os adultos, e parece ser verdade, B psimeira vista. Entretanto, procedendo a medidas acnradas nos adultos e em m o - tes de seis dias, verifiquei que estes 56 haviam adquirido umaparcela muito pequena da soma total de suas diferengas propordonais caractedsticas de seu estado adulto. Tambim me fora dito que os pooos das ragas de tiro e de corrida diferiam enae si tanto quanto os animais addtos, o que me surpreendeu grandemente, pois minha idiia era a de yue as duas ragas proviessem inteiramente de selegZo efecada em esta- do dombtico. No entanto, tendo procedido a medig6es cuidadosas em i p s adultas e &as de ambas as ragas, estas liltimas de trks dias, verifiquei que os potdnhos efetim- mente ainda nHo haviam adquirido a soma total de suas diferengas propordonais.

Ji que para mim parece condusiva a evidhda de que as diversas ragas domes- ticas de pombos descendam da mesma espide selvagem, comparei diversos m o - tes de pombos de virias ragas, doze horas ap6s terem saido os ovos. Medi cuidado- samente as proporqdes (mas prefiro nZo entrar aqui em detalhes) do bico, abertura da boca, disthdas entre as narinas e entre as pilpebras, tamaqho do p i e compri- memo da perna, tanto em pombos silvesaes como em exemplazes das ragas papo- de-vento, rabo-de-leque, pombo-galinha, gravatinha, capuchinho, pombo-correio e cambalhota. Alpmas dessas aves, quando adultas, diferem entre si tiio extraordina- riamente q m t o ao comprhento e formato do bico, que at& poderiam, nZo tenho a menor drivida, ser classificadas em gkneros distintos, caso se tratasse de produ- gdes silvestres. No entanto, quando os filhotes de todas elas sZo colocados em Ha, embora se possa disdnguir cada uma por sua aparincia caracteristica, mesmo as- sim suas diferengas proporcionais no que se refere aos itens acima especificados & incomparavelmente menor que as apresentadas pelas aves que j i atingiram seu desenvolvimento completo. +as diferengas caracteristicas, como por exem- plo a abertura bucal, dificilmente poderiam ser distinguiveis nos filhotes. Sonen- te uma raga se destacou notavelmente nessa experiznda: a do cambalhota-de- cara-curta, cujos ftlhotes diferiam, tanto em relaqiio B pomba-das-rochas como

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Pissaros sd-ameecanos: papa-moscas, gavizo e martim-pescadoc

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em relagso a todas as outras ragas, em todas as suas proporgties, de maneira quase idgntica i dos exemplares adultos.

0 s dois principios supradtados parecem-me explicar estes fatos com respeito aos estigios embrionkios finais de nossas variedades domesticas. 0 s criadores sele- donam os cavalos, cHes e pombos que se tornarZo reprodutores quanto estes j i se encontram quase inteiramente crescidos. Para eles 6 indiferente se as qualidades e conformagdes desejadas tenham sido adquiridas pelo animal mais cedo ou mais tarde; o que lhes importa 6 que o adulto as possua. 0 s exemplos que dtamos, espedalmente os dos pombos, parecem mostrar gue as diferengas caractedsticas que valorizam cada raga, acumuladas pela selegHo humana, via de regra nHo teriam aparecido precocemente, sendo herdadas pelos descendentes num periodo igual- mente avangado de sua exist2ncia. 0 caso do cambalhota-de-cam-curta, p o r h , que com doze horas de vida j i adquiriu as proporgties caractedsticas dos espkcimes adultos, prova que nio se tram aqui de uma regra geral, pois as diferengas caracteris- ticas ou tedam surgido num pedodo anterior, iquele em que normalmente apare- cem, ou entiio teriam sido herdadas nHo numa idade correspondente, mas numa anterior, mais precocemente.

Vamos agora aplicar estes fatos, assim como os dois principios h i pouco men- donados - pois o liltimp, embora nZo comprovado, 6 bastante provivel, confor- me se pode demonstrar, - i s espkdes em estado selvagem. Tomemos um gkero

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de aves, que pela minha teoria descenderiam de uma espCde ancesaal, e cujas espi- cies atuais se teriam modificado em fung5.o da seleegzo natural, conforme os diver- sos hibitos de cada uma delas. EntZo, m a vez que os &versos estigios sucessivos de varia~iio ligeira teriam sobrevindo numaidade mais avansada, e teriam sido her- dados numa idade correspondente, os indidduos jovens da nova espicie de nosso suposto gknero tender5.0 evidentemente a se parecer entre si mais consideravel- mente que os adultos, do mod0 como vimos entre os pornbos. Podemos estender esta teoria a familias inteiras, ou mesmo a classes. 0 s membros anteriores, por exem- plo, que semiram como pernas na espide ancestral, podem tornar-se ap6s um lon- go curso de modificagHo, adaptados num determinado descendente para fundonar como m5.0~; em outro, como nadadeiras; em outro, como asas. Assim, com base nos dois prinupios Jtados h i pouco -isto 6, o de que cada modificagiio sucessiva sobreviria numa idade mais avan~ada, sendo herdada numa idade corres- pondentemente avanqada, - os membros anteriores nos embrides dos diversos descendentes da espicie ancestral hiio de se parecer uns com os outros de maneira ainda mais marcada, pois eles nZo se teriio modificado. Em cada espCcie nova, po- s h , os membros anteriores embrionirios viio diferir,grandemente dos que o ani- mal adulto possui, j i que estes teriio sofrido considerivelmodifica@o num period0

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Abelhas

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- -- Ninho de Wssaros

menos modificada; assim, 6 nesse estigio que melhor se revela a estrutura dos ante- passados. Em dois grupos de anirnais, por mais que hoje seus representantes difi- ram entre si em hibitos e estruturas, se todos apresentam estigios embrionirios semelhantes, ou iguais, podemos ficar certos de qr;e descendem dos mesmos ances- trais, ou de antepassados muito pareddos, tendo, portanto, a l p grau de parentes- co entre si. Portanto, a similaridade na estruexa embrioniria revela a descendencia comum, e isto por mais que a estrutura do adulto se tenha modificado, dificultando tal constatagZo. V i o s , por exemplo, que os drdpedes podem imediatamente ser reconheddos como pertencentes i grande classe dos crusticeos, pelo simples exa- me de suas larvas. Como o estigio embrionirio de cada espkcie e de cada grupo de espicies nos mostra parcialmente a estrutura de seus ancestrais mais antigos e me- nos modificados, podemos ver claramente por que as formas de vida antigas e extintas devam parecer com os embri6es de seus descendentes - ou seja, nossas espicies atuais. Agassiz acredita que tal coisa se trate de luna lei natural, embora me

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parega mrJto di6cil a sua comprovagio, excegzo feita iqueles casos quais o estigio antigo, hoje supostamente representado em muitos embrides, nio esteja comp!eta- mente mascarado, seja porque as sucessivas variagdes, ap6s um longo curso de modificagio, tenham sobrevindo muito precocemente, seja porque as variagdes te- nham sido herdadas num period0 anterior iquele no qua1 se deu sua primeira apari- @o. Seria ainda necessirio trazer-se em mente que a suposta lei da semelhanp entre as an5gas formas de vida e os estigios embrionirios das formas recentes possa ser uerdadeira, e conmdo de impossivel demonstagio, pel0 menos num futuro pr6xim0, visto -Go se estenderem pelo passado remoto nossos registros geol6gicos.

Assim, segundo me parece, os fatos pdndpais da Embriologia, que de mod0 algum seriam secundirios do ponto de vista da Hisdria Natural, s20 explicados pelo princi?io do Go-aparecimento das moditicag6es ligeiras, nos diversos descendentes de dgum antigo ancestral, nas primeiras fases de vida de cada um deles, ainda que surjam posteriormente numperiodo correspondente. A Embriologia aumenta m7ito de interesse quando encaratnos o embriio como sendo um retrato mais'ou menos apagado da forma ancestral comum de cada grande dasse de animais.

0 s 6rgZos ou partes nesta estranha condig20, portando a marca da inutilidade, sio extremamente comuns na natureZa. Mamas rudimentares, por exemplo, sHo muito comuns nos mm'feros machos; presumo que a."asa-bastarda" das aves pos- sa ser considerada um dedo rudimentar; em muitas serpentes, 6 rudimentar um dos 16bulos dos pulmdes; em outras, h i rudimentos da bada.pi1vica e das patas trasei- ras. S2o extremamente curiosos alguns casos de 6rgZos rudimentares, como por~ exemplo a presenga de dentes nos fetos de baleia, animal que nio possui dentes quando adulto. E tambim curiosa a presenga de dentes na man&%ula superior de vitelas que nio chegaram a nascer, pois esses dentes nio chegam a romper a gengi- va nos animais adultos. Com base em autoridades de peso, j i se afirmou ati que se pode constatar a presenga de rudimentos de dentes nos bicos dos embri6es de certas aves. Nada pode sermais evidente do que o fato de serem as asas formadas para o v6o; enwetanto, em quantos insetos podemos vs-las de tamanho Go reduzi- do que seus donos sejam inteiramente incapazes de voar, G o sendo raros os casos de asas encerradas dentro de ilitros firmemente soldados ao corpo!

A utilidade pretirita dos 6rgZos rudimentares, i s vezes, i mais do que evidente. H i besouros, por exemplo, que pertencem ao mesmo gknero (quando nZo i mesma espide) e se parecem extremamente entre si, no que se refere a.todos os aspectos; entretanto, um deles possui asas plenamente desenvolvidas, enquanto que o outro apenas apresenta meros rudimentos de membrana, sendo impossivel negar que se trate de rudimentos de asas. 0 s 6rgZos rudimentares eventuhente conservam suas fungdes vitais, sem conmdo se desenvolverem, como parece ser o caso das mamas dos machos, pois h i diversos regisms de mamas que se desenvolveram em machos adultos, sendo que algumas chegaram mesmo a secretar leite. Do mesmo modo, existem normalmente quatro tetas desenvolvidas e duas rudimentares nas fkmeas do gknero Bor. Em nossas vacas dombdcas, porim, estas duas tetas rudi-

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A selego desenvolveu o insdnto "dom~stico" nas galinhas

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mentares i s vezes se tornam inteiramente desenvolvidas e ati dZo leite. Nos indivi- duos vegetais da mesma espide, as pitalas ocorrem por vezes como meros rudi- mentos, e outras vezes de maneira completamente desenvolvida. Nas plantas de sexos separados, as flores masculinas i s vezes possuem um rudimento de pistilo, e Kolreuter descobriu que, cruzando-se essas plantas masculinas com uma espide hermahodita, o rudiment0 de pistilo se apresentava muito rnaior no descendente hibrido, mostrando que o rudimento e o pistilo perfeito sHo essendalmente idhti- cos na natureza.

Um 6rgZo que sirva para duas finalidades pode tornar-se rudimentar ou inteira- mente atrofiado para uma delas, mesmo que seja para a mais importante das duas, e permanecer perfeitamente eficaz para a outra Nas plantas, por exemplo, a hnalida- de do pistilo 6 a de permitir que os tubos polinicos alcancem a base do ovirio, onde esEio protegidos os 6vulos. 0 pistilo consistenum estigma sustentado por um estilete. Em algumas compostas, p o r h , os fl6sculos masculines, que obviamente nHo po- dem ser fecundados, possuem um pistilo em estado rudimentar, visto nZo ser coro- ado por estigma, mas o estilete permanece bem desenvolvido, sendo revestido por. paos, da mesma maneira que nas outras compostas, os quais tEm por finalidade arrancar o p6len que esti preso nas anteras situadas a seu redor. Um 6rgo tambim pode tornar-se rudimentar em r&@o i sua finalidade preupua, passando a servir a outra halidade distinta: em certos pekes, a bexiga natat6ria parece ser rudimentar no que se refere B sua fungi0 especifica de flutuagZo, tendo-se convertido num 6rgZo respirat6rio incipiente, um pdmZo em forma~Zo. Outros exemplos poderi- am ser aqui citados.

0 s 6rgZos rudimentares nos individuos da mesma espide sio muito sujeitos a variar quanto ao grau de desenvolvimento e quanto a outros aspectos. Ademais, nas espides muito prbximas, ocasionalmente difere bastante em grau o cariter rudi- mentar do mesmo 6rgZo. Isto pode ser bem exempMcado pela condig50 de desen- volvimento das asas das mariposas f h e a s de determinados grupos. 0 s 6rgZos ru- dimentares podem acabar por se tornarem inteiramente atrofiados, ou seja, por desaparecerem completamente sem deivar vestigios na planta ou no animal, frus- trando a expectativa que teriamos de enconmi-10s naquele ser, levados pela analogia com outros. Tais 6rgZos, porim, sZo eventualmente encontrados nos exemplares monstruosos daqueh espide. Assim, na boca-de-leZo (Antiwhinum,), por exemplo, em geral nZo encontramos sequer o rudimento de um quinto estame, salvo muito eventualmente. Investigando-seas homologias da mesma parte em diferentes mem- bros de uma dasse, observamos que nada i mais comum ou necessirio que o uso e descoblimento de rudimentos. Isto fica bem demonstrado nas ilustragdes feitas por Owen dos ossos das pernas de cavalos, bois e rinocerontes.

E importante salientar que certos 6rgios rudimentares, como os dentes na man- &%ula superior de baleias e ruminantes, podem & vezes ser encontrados no em- briZo, desaparecendo mais tarde totalmente. Tambim acredito que se trate de regra geral o fato de que uma parte ou 6rgZo rudimentar, em cornparas50 com as outras partes vizinhas, seja rehtivamente maior no embriZo que no individuo adulto, j i que, em Cstigio embrionirio, aquela parte seria menos rudimentar- ou talvez nem sequer se,possa chami-la de rudimentar enquanto nessa fase da vida Eio incipiente.

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Danvin baseou muitos de seus argumentos sobre "insdntos espedais" nas formigas

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l? por isto que se costuma dizer que um 6r@o rudimentar, em individuos adultos, teria mantido sua condip50 embrionslda.

Acabo de expor os principais fatos comrespeito aos 6@os rudimentares. Quan- do oensamos neste assunto. acabamos ficando tornados de esoanto. oois o mesmo . , . raciocinio que nos mosm daramente estar a maior parte dos 6rgZos admiravelmen- te adaptada a determinadas hnalidades mosm-nos tambim com iwal dareza que esses &ios rudimentares ou atrofiados szo imperfeitos einfiteis. Nos trabalhoshe Hist6ria.Nad, geralmente se diz que os 6rgZos rudimentares teriam sido criados "emfunfZo da sirnetria': ou corn o prop6sito de "co+/dtar aph& da nat~~rexa", o que n2o me parece propriamente uma explicagiio, p o r h meramente uma reformulag20 do fato. Alguim porventura julgaria suficiente dizer que, percorrendo os planetas 6rbitas elipticas em torno do Sol, os satilites fariam o mesmo com relagHo aos planetas "em funs20 da simetria", ou com o prop6sito de "completar o plano da natureza"? Um nodvel fisiologista explica a presenga de 6rgZos rudimentares su- pondo que s h a m para excretar matiria em excess0 ou nodva ao sistema, mas seria possivel supor que a diminuta papila, que por vezes represents o pistilo nas flores masculinas, e que i formada apenas por teddo celular, possa executar tal fungzo? Acaso podedamos supor que a formag20 de dentes rudimentares subseqiienremen- te absorvidos possa apresentar a l p a utilidade para o embrizo do boi, j i que s6 serve para eliminar o fosfato de cilcio, tiio precioso para este &.a!? Quando se amputam dedos humanos, costumamnascerunhas imperfeim nos cotos restantes: era de se imaginarimediatamente que tais vesdgios de unhas teriam surgido niio em decorrincia de leis de crescimento ainda desconheddas de n6s, mas com a fmalida- de de eliminar mattkia cbrnea, a mesma das unhas rudimentares que nascem nas barbatanas do manati, de acordo com esta teoria.

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0 mais conheddo h%rido no gkero Equuus 6 a combinagZo do burro corn o cavalo, produzindo a mula

Pela minha teoria da descendencia com modificag6es, a ?rigem dos 6rgZos ru- dimentares i simples. SZo numerosos os casos de 6rgZos rudimentares em nossas produg6es dombticas: vestigios de cauda em ragas desprovidas de apendice caudal, resquicios de orelhas em animais que nZo possuem o pavilhzo auricular, o ressurgi- mento de diminutos chifres pendentes nas vacas mochas, espedalmente, de acordo corn Youatt, nos exemplares mais jovens, e o estado de flor completa na couve-flor. Podem-se constatat rudimentos de inheras partes nos individuos monstruosos da espicie. Mas duvido que algum desses casos possa explicar a origem dos 6rgZos rudimentares nos seres organizados em estado silvestre, servindo apenas para mos- trar que'se podem prodmir rudimentos. De fato, duvido de que as espides em estado silvestre possam sofrer modificag6es abruptas. Acredito que o desuso tenha constituido o plindpal agente do surgimento de 6rgZos rudimentares, atravis da sua sucessiva e gradual redugzo, geragzo ap6s geragiio, como no caso dos olhos dos anirnais q.3e vivern nas cavernas escuras, ou das asas das aves que habitam as ilhas oceinicas, raramente forgadas a dgar 6 0 , o que acaba por levi-las a perder a capa- ddade de voar. Ademais, um 6 r g o htil sob determjnadas condig6es pode tornar-se

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"... o homem deve e&.. amto das ondas sobre os rochedos do mar, para compreender alguma coisa sobre a dura@o dos tempos passados ...

Montanhas: outros monumentos i ''dura60 do tempo passado"

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Conchas f6sseis do Periodo Secundkio

nocivo sob outras, como ocorre com as asas dos besouros que vivem nas ilhas expostas aos ventos ocehicos. Nesses casos, a seleqZo natural continuaria lenta- mente a reduzir o 6rgZ0, at6 que este se tornasse inofensivo e rudimentar.

Qualquer modificado funcional passive1 de ser efehlada insensivelmente. atra- vis dk pequenas gadigGes, esti deitro da capacidade da selegZo natural. kssim sendo, urn 6r@o que, durante uma fase de modificaqZo dos hibitos de vida, se tornasse ihhtil, ou mesmo nocivo, poderia facilmente modificar-se, passando a ser- vii a outra finalidade que nZo a original. Ou enGo poderia continuar servindo ape- nas a urn? halidade, ele que antes servia a duas ou mais. Tornando-se inM, o 6r@o tambim se torna +aGvel, j i que a selegzo natural.passa a nZo impedir suas variaqGes. Qualquer que seja o pedodo da vida em que o desuso ou a selegZo reduza o &@o, o que geralmente iri ocorrer quando o ser j i tenha alcangado a idade adulta, estando em seus plenos poderes de agZo, o principio da correspondhcia de idades iri reproduzir o 6r@o em seu estado reduzido quando o descendente chegar iquela mesma idade; conseqiieztemente, seri raro que tal fato afete o embriZo. Portanto, 6 ficil compreender o porquk do maior tamanho.relativo do 6rgZo no

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Cenirio imaginirio do Periodo Secundirio

adulto. Mas se cada passo do process0 de reduqio fosse herdado nio na idade correspondente, mas num period0 de vida bem anterior (e h i boas razdes para se acreditar que tal fato seja possivel), a parte rudimentar tenderia a se perder intek- mente, e a i teriamos um caso de eliminaciio completa. Tambim o prinupio de eco- nomia, explicado num dos capitulos anteriores, e segundo o qual os matedais que compdem qualquer parte ou estrutura, se niio forem 6teis para seu possuidor, seriio eliminados na medida do possivel, provavelmente entrari em aqio, contribuindo para provocar a completa.elimina~Ho do 6rgZo rudimentar.

Como a presenp de 6rgZos rudimentares t devida i tendgnda de se herdar qual- quer parte do organismo que exista h i longo tempo, podcnos compreender, i luz da teoria geneal6gica da classificaqio, como i qce os sistematistas descobriram a utilida- de das partes rudimentares que para eles costuma ser igual ou mesmo superior i de outras partes de alta importincia fisiol6gica. 0 s 6rgZos rudimentares podem ser com- parados com as letras mortas conservadas na grafia de certas palavras mas omitidas na fala: elas sewem como uma chave para o descobrimento de sua origem. Pela teoria da descendkda com modificaqZo, podemos concluir que a existgncia de 6rgZos em condiqio rudimentar, imperfeita e in6ti1, ou sua quase completa eliminaqiio, longe de constituirem uma estranha dificuldade, como efetivamente constituem para a teoria comumente aceita da criagEo independente, podem at6 mesmo constituir um adden- te previsivel, facilmente explicado pelas leis da hereditariedade.

Neste capitulo tentamos mosuar que a subordinagio de grupos a outros gru- pos, vilida para todos os organismos em todos os tempos; que a natcreza da relaqiio

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queinterliga todos os seres atuais e extintos atravb de linhas de afmidades complexas divergentes e mrtuosas numgrande sistema; que as regras e normal seguidas e adotadas pelos naturalistas em suas dassifica~6es, assim como as dificuldades que eles encon- -&am para a sua plena aceitafio; que o d o r ambuido aos caracteres, G o importa se constantes ou predominantes, se de alta impohcia vital, ou se desprovidos de qual- querimportinda, como no caso dos 6rgZos rudimentares; que o enorme contraste de valor entre os caracteres anal6gicos ou adapratvos, e os de genuina afinidade; assim como outras regras deste tipo, todas naturalmente se enquadram no parentesco co- mum daquelas formas consideradas como aliadas pelos naturalistas, juntamente com suas modificagdes por meio da selegZo natural, e com suas circunstincias de extingZo e diverghcia dos caracteres. Considerando-se essa teoria da dassificagHo, deve-se ter em mente que o fator descend&& tem sido utilizado universalmente para dassificar uma espide sem se levarem em conta as diferenps estruturais, por maiores que se- jam, relacionadas com os sexos, as idades e a existhcia de a S c a causa conhecida da semelhanga entre os seres organizados, - compreenderemos o que significa "siste- ma natural": i geneal6gico no seu arranjo ensaiado, sendo os graus de diferenga ad- quirida assinalados pelos termos Var ieh , E~spiie~ Ginems, Fomim, Ordens e Chses.

A 1uz desta teoria da descendencia com modificagdes, todos os fatos importan- tes da Morfologia se tornam inteligiveis - quer consideremos o mesmo padriio ostentado pelos 6rgos hom6logos das diferentes espicies de uma dasse, quaisquer que sejam seus objetivos, quer consideremos as partes hom6logas construidas den- tro do mesmo padriio em cada individuo animal ou vegetal.

Pelo principio segundo o qual as sucessivas vadagdes ligeiras G o sobreviriam necessariament'e, ou mesmo de maneira geral, muito precocemente, sendo antes herdadas num pedodo correspondente, podemos compreender os principais fatos da Embriologia, ou seja, a semelhanga das partes hom6logas de um embriZo, as quais, quando o individuo se torna adulto, passam a ser inteiramente diferentes quanto i estrutura e i fungZo; em segundo lugar, a semelhanga das partes ou 6rgZos hom6logos nas diferentes espides de uma dasse, ainda que estas, nos individuos adultos, se sZo embrides ativos que se tornaram espedalmente modificados em relagHo aos seus hibitos de vida, atravis do principio segundo o qua1 as modifica- gdes sZo herdadas em idades correspondentes. Dentro deste mesmo principio - e tendo-se presente a lembi-anga de que quando os 6rgios se reduzem em tamanho, em virmde do desuso ou da selefio, isso geralmente deveri ocorrer no pedodo da vida em que o ser teri de prover a sua subsis@lcia, e de que o principio de heredi- tariedade i de fato muito marcante, - a ocorrenda de 6rgZos ~dknentares e sua eliminagiio ulterior nZo nos oferecem dificuldades insuperiveis; pelo conwkio, sua prrsengn 3tC poderia ser pnvisivrl. A importinun d~~caractercs embriol6~cos e dos orgZos rudimentares na dassiGc3gio i comprernsivel, dcnuo da id6ia de qur um arrinjo s6 i naturalna medida em que i geneal6gico.

-

Finalrnente, as diversas classes de fatos considerados neste capitul0 pare- cem-me mostrar tZo claramente que as incontiveis espicies, generos e f a d a s dos seres organizados que povoam este nosso mundo descendem todos de an- cestrais comuns, cada qual dentro de sua pr6pria dasse ou grupo, tendo todos se modificado no curso de suas sucessivas geragaes, que eu ate poderia sem hesitagHo adotar esta idZa estribado Go-somente nisto, e ainda que nHo encon- trasse outros fatos e argumentos que h e dessem sustentagZo e respaldo.

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Rernpituhflio dus objefdes mm rcspeito 2 teoorin dn SekflioNuturui- Rcrnpitubfdo dus n'numttnn'usgerair e crpn'nt'r emfnwr d m teotio- Cumas du ~~en~ugeneruti~udn nu imutubiSdude dus upidu - At6 onde scpode ufender u teoria dn Sek~lio Nuturui- Efiitos de sun udofdo nos u t u h & Hisfdriu Nufurui- Obse~~~fiupnoir.

omo todo estevolwne cons6tui7ma longa argumentaqZo, talvez seja conveni- ente para o leitor que faqamos uma recapitulag50 sucinta dos fatos e condu- s6es aqui apresentados.

NZo vou negar que muitas objeqdes de peso possam ser contrapostas i teoria da descecdtnda com modificaqdes atravis da seleqSo natural. A primeira vista, nada pode parecer mais dificil de se acreditar qJe o fato de que se tenham aperfeiqoado os mais complexos 6rgZos e instintos nZo em virtude da atuaqZo de um meio supe- rior i razio humana, embora aniiogo a ela, mas sim em decorrkda da acumuhq5io de inheras variaqdes ligeiras, todas 6teis para seu possuidor. Esta dificuldade, sem embargo de nos parecer insuperavelmente grande, d o pode ser considerada red, desde que admitamos as segAtes proposiqdes: - as gradaq6es que podemos considerar quants ao estado de perfeiqzo de

qualquer 6rgZo ou instinto, sejam existentes, sejm passiveis de ter existido, SZO cada qual melhor que a precedente; - todos os 6rgos e instinios sZo variiveis, ainda que em pequeno grau; - existe uma 1u.a pela existsncia, ccjo resultado determina a preservaqZo de

cada desvio de estrutura ou de irstinto que.seja 6til para seu possuidor. Penso que nZo caibam discuss6es quanro i validade dessas proposiq6es.

NSo resta d6vida de que i extremamente difidl sequer cocjeturar quais teriam sido as gradaq6es do aperfeisoamento de muitas estrumas, especialmente entre os grupos de seres organizados cujas ligaq6es es5o interrompidas ou se perderam. Entretanto, verificamos na natureza tantas gradaq6es 60 estranhas, que, sern deixar de lado o axioma segundo o qual "Natura nonfacit xaltum': devemos ser extrema- mente cautelosos antes de dizer que urn 6rgZo ou instinto, ou mesmo todo urn ser organizado, nZo pndesse ter alcanqado seu atual estado de perfeiqZo atravis de in& meras gradaq6es intermediiidas. HB que se adrritix a existtncia de casos que apre- sentam especial.dificuldade com relago i teoria da seleqSo n a d . Um dos mais cuiosos i o da exist6ncia de duas ou tr6s castas definidas de formigas-operirias ou f h e a s estireis na mesma comunidade de insetos. NSo obstante, tentarnos aqui demonstrat que t a m b h esta objeq5io i perfeitamente contornivel.

Com respeito i quase universal estedidade das espides quando de seus primei- ros cruzamentos, que se contrapae de naneira notavelmente contrastante i fertili-

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dadequase universal dos cruzamentos entre as variedades, devo remeter o leitor i recapitulaqiio dos fatos apresentada ao final do capitulo WI, a qual me parece demonstrar conclusivamente que essa estedidade niio poderia ser considerada urn dom especial, do mesmo modo que nada h i de especial na incapacidade de enxertia apresentada por duas deterrninadas &ores. 0 que existe siio apenas diferenqas acidentais ou constitucionais nos sistemas reprodutores das espicies que se enuecr.zaram. Verificamos a veracidade desta condusiio na ampla diferenqa entre os resultados dos cruzamentos reuprocos entre duas espicies, ou seja, aqueles em que a espicie 6 utilizada uma vez como miie e outra como pai.

Afertilidade das variedades quando entrecruzadas e de seus descendentes mes- tiqos niio pode ser considerada como universal, nem i causar de espanto sua ferti- lidade muito generaiizada, quando temos em mente niio ser provivel que suas cons-

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tituiqdes oil seus sistemas reprodxtores devem ter sido profundamente modifica- dos. A1i-m do mais, a maior parte das variedades submetidas a experitncias a este respeito foi produzida em estado domkstico; ora, como a domesticaqio aparente- mente tende a elillinar a esterilidade, nZo i de se esperar que ela inidalmente pro- duza esta mesma estedlidade.

Quanto aos b%ridos, sua esteddade i bem diferente da que se verifica entre os psbeiros cruzamentos, pois seos 6rgios reprodutores sZo fundonalmente irnpo- tectes, em maior ou menor grau, ecquanto que, nos primeiros cruzamentos, os 6rgZos sZo perfeitos, em ambos os parceiros. Como estamos continrlamente obser- vando que os organismos de todos os tipos se tornam essreis em grau ~ a i o r ou nenor, em razZo de suas constituiqdes terem sido pertllrbadas por novas condiqdes de vida ligeiramecte diferen:es, nZo podemos surpreender-nos de terem os hffridos algum gra= de esterilidade, pois suas constituiqdes dificilmenre nZo seriarr. afetadas pelo fa;o de se comporem de dois orga?ismos distiltos. Este paralelismo encontra apoio em outra classe de fatos que, embora tambkm paralelos, correm exatamente na direqio oposta: a de que o vigor e a fecundidade de todos os seres orgacizados sio awentados em decordnda de ligeiras modificagdes e-m suas condiqdes de vida, e que os desceldentes tie formas ou variedades ligeiramente modificadas ad- quirem maior vigor e fecwdidade pel0 fato de serem cruzados. Deste modo, por urn lado, alteraqdes consideriveis nas condiqdes devida, e cruzamentos enue for- mas grandemente modificadas, reduzem a fecundidade; por outro lado, pequenas alteragdes nas condiqdes de <da, e cruzarnento entre formas pouco modificadas, aumentam a fecundidade.

Voltando i dstribuiqio geogrifica, as dificuldades que, em relaqio a este aspec- to, d o enfrentadas pela reoria da descend2nda com modificaqdes sio efetivarnente

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sirias. Todos os indidduos damesma espide, e todas as espides do mesmo gine- ro, ou mesmo de grupos menos restritos, devem descender de ancestrais comuns; por conseyinte, por mais distantes e isoladas que sejam as partes do mundo onde essas formas sZo encontradas hoje em dia, no transcurso de sucessivas geragdes elas devem ter passado de certas partes para outras Somos por vezes totalmente incapa- zes sequer de imaginar como tal coisa poderia ter sido feita. Contudo, desde que tenhamos razdes para acredim que certas espides tenham mantido a mesma for- ma especifica por extensos pedodos de tempo, excessivamente longos se medidos em anos, nHo devemos ligz muita importincia i grande dihHo ocasional das mes- mas espides, uma vez que, durante enormes pedodos de tempo, deve ter havido i n h e r a s probabilidades de longas migragdes por diversos meios. Ambitos desconnhuos e keas de ocorrincia separadas podem is vezes explicar a extingio das espides nas regides intermediirias NZo se pode negar que ainda ignoremos muita coiba acerca da completa extensZo das diversas modificagdes dimiticas e geogrificas que afetaram a terra durante os pedodos modernos, e tais modificag6es por certo devem ter facilitado grandemente as migrag6es. Como exemplo, tenta- mos demonstrar ati que ponto se teria estendido a influinck do pedodo glacial quanto i dismbuigo de espides idhticas e representativas pelo mundo. Ignora- mos quase tudo a respeito dos diversos meios de transporte ocasionais. Com rela- gHo is espides distintas pertencentes ao mesmo ginero e que habitam regides muito distantes e isoladas, como o process0 de modificaflo tem sido necessariamente' lento, todos os meios de migragZo te6o sido possiveis durante um longo espago de tempo; conseqiientemente, qualquerdificuldade quanto i ampla difusZo das espb des de um mesmo ginero fica assim reduzida, pelo menos at6 certo ponto.

Como pela teoria da selegHo n a d devem ter existido incontiveis n h e r o s de formas intermediirias interligando todas as espides de um grupo, em gradagdes Go sutis como as que hoje servem para distinyir nossas variedades, poder-se-ia perguntar o seyinte: ?or que nZo enxergamos ao nosso redor virias.dessas formas intermediirias? Por que nZo estariam os seres organizados confundidos num caos inextrincivel? Com respeito i s formas existentes, devemos lembrar-nos de que nZo tedamos razz0 de esperar (salvo em radssimos casos) descobrir elos direitos de conex20 entre elas, mas apenas entre cada uma delas e alguma forma exdnta e superada. Mesmo numa vasta kea que durante longo tempo se tenha mantido con- tinua, e na qual o clima e outras condig6es vitais se vZo modificando insensivelmen- te quando se vai de uma regiHo ocupada por determinada espide para outra ocupa- da por uma espide aliada muito prbxima, nZo tedamos razZo de esperar que depa- rissemos com variedades intermediirias na transigZo de uma regiZo para outra. 0 que temos razz0 de acredim i que apenas m a s poucas espides estZo sofrendo alyma alteragio num dado period0 de tempo, e que todas as mudangas se efetuam de maneira lenta. Ji demonstramos que as variedades intermedikias porventura existentes nas keas de transiflo d o propensas a ser suplantadas pelas formas alia- das que as ladeiam, j i que estas pelo fato de existirem em maior& niuneros, geral- mente se modificam e aperfeigoam mais rapidamente que as variedades intermedi- Zas, que sZo menos numerosas. Assirn, corn o passar do tempo, estas dumas ten- dem a ser suplantadas e exterminadas.

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0 Dinossauro

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E~ vista da teoria do exterm'nio de incalculivel niunero de elos de conexi0 enwe 0s seres vivos atuais e os extintos que as precederam, por que cads forma~io geo16gica nio estaria repleta de tais elos? Por que toda cole$io de restos fbsseis nzo nos fornece provas cabais da gradagio e da mutagio das formas de vida? De fato, nio deparamos com tais evidincias e isto c i o constitui a mais 6bvia e siria objegio dentre as muitas que se poderr. contrapor i .+a teoria. For que seri, en60, que grupos inteiros de espicies aliadas parecem (embora certamente se mate de uma falsa aparincia) surgir subitamente em cada camada geol6gica que se ~es~uisa! Por que nio encontramos extensos pacotes de camadas abaixo do sistema siluriano, encerrmdo restos dos antepassados dos seres existentes durante o Siluriano? Pela minha teoria, tais estratos por certo devem ter sido depositados em a l p lugar, durante aquela ipoca tiio antiga e desconhecida da hist6ria do mundo.

S6 posso responder estas questdes e rebater estas objegdes 60 sirias supondo que o registro geol6gico seja bem mais hperfeito do que pensa a maior parte dos ge6logos. PJio se poderia contra-arpentar que o tempo nio tenha sido suficiente para propiciar consideriveis alteragdes orghicas, pois o niunero de anos transcor- ridos ati hoje i Go grande que com razio se poderia dizer 5ue i incalcdivel. 0 niunero de espicimes existentes em :odos os nossos museus i nada, comparado corn as incontiveis gemqdes das inhe ras especies que certamente existiram ari o dia de hoje. Seriamos kcapazes de reconhecer m a espicie como secdo a ancestral de outra, mesmo que as examinbsemos detidamente, a nio ser que estivissemos de posse de vkios dos elos intermediirios entre as duas formas extrezas, e tais elos dificilmente poderiamos esperar descobrir, dada a imperfeiqio dos regstros geol6- gicos. Poderiamos citar numerosas formas duvidosas que provaveLmente nio pas- sam de variedades; mas quem poderia afirmar cue os elos f6sseis cue urn dia serio descobertos permitirio aos namalistas decidir esta questiio? Dado que a maior parte dos elos de conexio i desconhecida, se se descobrir a l p a variedade inter- mediiria entre duas formas, o mais certo i que eta seja classificada simplesmente como outra espicie distinta. Somente uma pequena parcela do mundo foi explora- da geologicamente at6 hoje. Somente os seres orp izados pertencentes a determi- nadas classes podem ser preservados em cocdiqio fbssil, pelo menos em grandes nheros . As espides de habitat amplo sio as que mais variam, e as variedades muitas vezes sio meramente locais, logo que surgem, e ambas estas causas fazem com que seja menos provivel o descobrimento de elos intermediirios. As varieda- des locais nio se espalhariio por outras regides distantes antes de se modificarem e se aperfeigoarem consideravelmente. Ocorrendo tal fato, e sendo e!as descobertas numa formagio geolbgica, hio de parecer que tenham sido criadas ali justamente naquela ocasiiio fazendo com que sejam classificadas simplesmente como espicies novas. A maior parte das formagdes foi intermitente em sua acumulaqio, e estou inclinado a crer que sua duragio tenha sido mais breve que a duragiio midia das formas espeuficas. As formagdes sucessivas sio separadas umas das outras por enormes lacunas temporais, pois as formagdes fossiliferas espessas o bastante para resistir i degradagio s6 se podem acumular onde muito sediment0 seja depositado no fundo de um mar em process0 de subsistincia. Durante os periodos alternantes de elevagio e paralisagio do nivel, o registro seri nlio. Durante estes dtimos perio-

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dos, provavelmente deveri haver mais variabilidade das formas de vida, enquanto que nos pedodos de subsidhcia deveri haver mais exdngio.

Com respeito i ausinda de formagdes fossiliferas abaixo das camadas silurianas, que sio as mais antigas que se conhecem, posso apenas recorrer i hip6tese apresen- mda no capitulo IX. Que o registro geol6gico i imperfeito, todos os admitem; mas que essa imperfeigiio atinja o grau exigido pela minha teoria, poucos estariio indina- dos a admiti-lo. Se considerarmos intervalos de tempo suficientemente longos, a Geologia poderi comprovar-nos que todas as espicies se modificaram, e justamen- te da maneira exigida por minha teoria, ou seja, lenta e gradualmente. Vemo-lo daramente no fato de que os restos f6sseis das formagdes consecutivas invariavel- mente estiio mais pr6ximos entre si do que os f6sseis de formagdes cronologica- mente distantes.

E este o resumo das principais objegdes e cridcas que podem arrazoadamente ser contrapostas i minha teoria. Recapitularnos tambim as respostas e explicagdes que cabem a este respeito. Eu pr6pdo senti durante muitos anos a pressk dessas dificuldades; por isto, nZo duvido de mod0 a l p do peso que elas representam. H i que se mencionar de maneira especial, porim, que as objegdes mais importantes se referem a questdes acerca das quais somos ainda reconhecidamente ignorantes, desconhecendo a& que ponto se estende essa nossa igno&cia. Ignoramos todas as possiveis gradagdes evolutivas entre os 6180s mais simples e os mais perfeitos e complexes; t a m b h n inguh h i de pretender que conhegarnos todos os diversos meios de dismbuicio e difusio das es~icies durante o transcurso dos temuos seo-

A L 0

16gicos, ou que saibamos a extensio da imperfeigio do registro geol6gico. Por mais sirias que seiam todas essas diversas dificuldades, elas nio sZo capazes de derrubar a teoria da dkscendincia com modificagdes, segundo meu moddde pensar.

Examinernos anora o outro lado da auestiio. Sob o estado domtstico. os seres 0

vivos apresentam considerivel variabilidade. Isto parece dever-se principalmente ao fato de ser o sistema reprodutor eminentemente suscetivel is modificaqdes nas condigdes de vida. Deste modo, quando este sistema nio se torna impotente, ele nio consegue reproduzir descendentes exatamente iguais i forma ancestral. A vari- abilidade 6 didgida por muitas leis complexas, 1igada;s i correlagio de crescimento, ao uso e desuso, i agio &eta das condigdes fisicas. E bastante difidl definir a soma de modificagdes sofndas por nossas produgdes dom6ticas. S6 podemos dizer, com base nas nossas observagdeq que esta soma foi considerivel, e que as modificagdes podem ser herdadas durante longos pedodos de tempo. Desde que as condigdes de vida permanegam inalteradas, temos razdes para acreditar que uma modificagio que esteja sendo herdada h i muitas geragdes deva continuar sendo herdada por urn nrimero incalculivel de geragdes subseqiientes. Por outro lado, hi evidincias de que a variabilidade, desde que deflagrada, nunca mais cessari por complete, pois novas variedades ainda continuam sendo ocasionalmente produzidas por nossas produ- gdes domisticas que apresentam maior tempo de domesticagio.

0 homem, efetivamente, nio produz a variabilidade: ele apenas expde os seres vivos involuntariamente a novas condigdes de vida; a natureza, entZo, passa a a m em cima daquele organismo, e dai advim a variabilidade. 0 que o homem pode fazer - e faz - 6 selecionar as variagdes que a natureza h e concedeu, acumulan-

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Terra do Fogo

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Aves pernaltas, as quais vivem nas margens barrentas dos pequenos lagos.

do-as da maneira que mehor h e aprouver. E assim que ele adapta animais e vege- tais a seu interesse utilitirio ou estitico. Pode-se c h e w a tal resdtado de maneira met6dica ou inconsdente, preservando-se os individ~os mais Cteis, sem qudquer place preconcebido de produzir alterag6es na raga. E certo que o homem pode ineuendar consideravelmente as caractelisticas radais, seledonando, a cada gera- 550 sucessiva, diferengas individuais Go sutis que sedam vir tuhente invisiveis aos olhos dos niio-inidados. Este process0 de selegiio tem sido o prindpa! agente de ~roduciio da maior oarte de nossas racas domisticas mais distintas e mais Gteis. . Que diversas ragas produzidas pela inte~engiio humana apresentam caracterisdcas marcadamente fortes de espides naturais nos i mostrado pelo dilema com que constantemente nos defron&nos ao ter de deddir se muitaidelas sedam vase&- des ou espides aborigines.

Niio h i nerhuma raziio 6bvia segundo a quai os p ~ d p i o s YJe atuaram Go eficazmente sobre as espides em estado dombdco nzo possam atuar sobre aquelas em estado selvagem. Na preservacio dos individuos e raps mais favoreddos, du- - - rmte a incessante luta pela existhda, c5 que vemos quais s20 0s mais eficientes e constantes meios de selegiio. A luta pela exist6nda decorre inevitavelmente da pro- gressiio geomittica de crescimento comum a todos os seres organizados. Esta taxa

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de crescimento elevada k comprovada tanto matematicamente, como pelos efeitos da sucessio de esagdes pecdares e pelos resdtados da aclimatagiio, conforme explicamos no capido III. Nascem mais individuos do que podem sobreviver. Urn griozkho na balanga deterrnhari aquele que deve viver e aquele que deve morrer - que variedade ou que espkcie se mddplicari, q d iri &Auk, qual h i de chegar i extingio. Como siio 0s indivfduos da mesma espkcie que travam a mais acirrada competigEo vital, a luta geralmente set5 mais reAda entre eles, desenrolando-se com qJase igcal poriia entre as variedades da mesma espide, e reduzindo-se o grau de disp~~ta qmdo se refere i s espkdes pertencentes ao mesmo ghero. Todavia, voltari a ser adrradissima quando referentes aos seres mais remotos na escala natu- ral. A minima vantagem apresentada por urn deles, em qdquer idade ou estagio do ano; qualquer adaptaqiio, por menor que seja, com relagEo ao meio fisico circundante, serio sufidentes para fazer pender a balanga a seu favor.

Com os aninais de sexos separados costuma ocorrer uma disputa entre os ma- &os pela posse da f&nea. 0 s lndivfduos mais vigorosos, ou os que consegJem enfrentar melhor as condi~des de vida adversas, sio os que geralmente hio de dei- xar descer.dtnda mais zmerosa. 0 sucesso, enwetanto, depende por vezes da pos- se de armas oil meios defensives espedais, quando niio de encantos pardculares dos .nachos: tambkm quanto a estes aspectos, a r2nima.vactagem poderi determi- nar a vit6ria do individuo.

Como a Geologia assevera claramente qze toda terra teria sofrido consideriveis modificagdes fisicas, k de se esperar que os seres organizados tdam sofrido modi- ficagdes em estado natural, da mesma maeira que vdam qaando se modificam suas condlgdes domksticas. E desde que tenha havido a rr.enor variab'fidade quw-to

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aos seres em estado selvagem, seria inexplicivel que a sdeqZ0 natural GO houvesse tido sua participagZo nesse proce9so. Tem sido afirmado, embora nZo se possa pro- var tal coisa, que a soma de variagZo dos seres em estado sdvagem & rigorosamente lirnitada. 0 homem, embora atuando apenas sobre os caracteres externos, e muitas vezes de maneira caprichosa, pode num curto pedodo obter consideriveis resulta- dos, introduzindo e seledonando meras diferengas individuais em suas produqdes domtsdcas. Alim disto, todos admitem que existem pelo menos diferengas indivi- duais nas espides em estado selvagem. Todavia, d i m dessas diferenqas, todos os naturalistas admitiram a existsncia das variedades, que julgam sufidentemente dis- tintas para serem dignas de men$Zo nos trabalhos s~stemiticos. N m g u h pode es- tabelecer uma distingZo dtida entre as diferenqas individuais e as que sZo apresen- tadas pelas variedades pouco acentuadas, ou entre as variedades mais ~ronunciadas e as espides ou subespides. Ressalte-se ainda como & que os naturalistas divergem quanto h dassificagiio deiniuneras formas representativas nativas da Europa ou da Amirica do Norte.

Se o estado natural, portanto, presenda a atua~Zo da variabilidade e de um po- deroso agente sempre pronto a seledonaras variagdes proveitosas para as espicies, por que duvidariamos de que as variaqdes que de algum mod0 se mostrassem titeis para os individuos, levando-se em conta suas complexissimas relagdes de vida, G o poderiam ser preservadas, acumuladas e herdadas? Por que, se o homem 6 capaz de seledonar pacientemente as variaqdes que lhe sZo mais proveitosas, nZo seria capaz a nameza de seledonar as variagdes que, sob determinadas condig6es novas de exis- &cia, nZo se mostrassem liteis para seus possuidores? Que limites poderiam serim- postos a este poder, agindo durante longos petiodos de tempo e esquaclhbmdo rninudosamente tudo quanto se refira h constituigio, e s t r u m e hibitos de cada cri- a m , favorecendo o que for bom e rejeitando o que for nocivo? De minha parte, G o vejo limites para esse poder, no que concerne a adaptar, de maneira lenta e bela, cada forma de vida is mais complexas relagdes de vida A teoria da selegZo natural, mesmo sem que avancernos a l h deste ponto, parece-me inteiramente provivel.

J6 passei em revista, o melhor que pude, as dificuldades e objeqdes que se con- trapdem h teoria da sdego natural. Vamos agora examinar os fatos e argumentos espedais que a sustentam e confirmam.

Considerando-se a hipbtese de que as espicies nZo passem devariedades muito pronundadas e permanentes, e partindo-se do principio de que cada espicie a prin- cipio existiu como variedade, compreendemos por que n2o se pode estabelecer uma linha demarcatbria entre as espides, que via de regra sZo consideradas como resultantes de atos espedais de criaqZo, e as variedades, tidas como produzidas atra- vis de leis secundirias. A mesma id& nos leva a entender como & que nas regides em que se produziram muitas espides de determinado ghero, e onde hoje ainda existam essas espides, elas apresentem muitas variedades. De fato, onde houve considerivel produggo de espides, i de se esperar, como regra geral, que tal pro- cesso continue em agZo, espedalmente se as variedades forem, deveras, espides indpientes. Alim do mais, as espicies pertencentes aos gkneros mais ricos, ou seja, aqueles que produzem o maior niunero de variedades, isto 15, de espides indpientes, mant8m at6 certo grau o cariter de variedades, pois diferem umas das outras menos

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do que diferem entre si as espicies de gineros menos numerosos. NQS gineros ricos, alim disto, as espicies mais pr6ximas aparentemente possuem Breas de ocordncias restitas, agrupando-se em pequenos grupos em torno de outras es- picies - e, quanto a isto, assemelham-se i s variedades. Como se v?, trata-se de relagdes muito estranhas, dentro da teoria da criagzo independente das espicies, mas inteiramente inteligiveis, em se aceitando que as espicies existiram inicial- mente como variedades.

Como cada espicie tende a reproduzir-se desordenadamente, multiplicando-se numa progressHo geomimca, e como os descendentes modificados de cada espicie ter2o condig6es de se multiplicar na medida da sua diversificaqiio de hibitos e estru- tura, pois s6 assim poderzo ocupar muitos lugares diferentes na economia da natu- reza, haveri uma tendencia constante da seleqzo natural em preservar os descen- dentes mais diversos de uma espicie qualquer. Deste modo, durante um prolonga- do curso de modificaqHo, as pequenas diferenqas, caracteristicas das variedades de uma espicie, tender20 a aumentar, transformando-se nas diferengas maiores, carac- tedsticas das espicies pertencentes ao mesmo genero. Variedades novas e aperfei- qoadas h2o de inevitavelmente suplantar e exterminar as variedades intermediirias,

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acrescentado a0 nosso connecunento tenae a rerorqar, e comprovar, e, por esta teoria, plenamente possivel. Com base nela, podemos compreender perfeitamente por que a natureza k prodiga em variedades, conquanto avara em inovaqdes. 0 que ninguim seria capaz de explicar, porim, i porque isto teria de ser uma lei da natu- reza, se cada espicie teria sido criada independentemente ...

Muitos outros fatos, segundo nie parece, seriam tambim expliciveis pox esta nossa teoria. N io deixa de ser estranho esistir uma ave de conformagio similar i do pica-pau, porim, criada para apanhat insetos no chiio; ou que o ganso-montts, que raramente ou nunca se lanqa na igua paranadar, tenha sido criado com p b palmados; que haja um tip0 de tordo criado para mergulhar, alimentando-se de insetos subaquiticos; que um petrel tenha sido criado com hibitos e estrutura que h e per- mitem viver como uma alca ou um mergulhZo! E, como estes, infimeros outros casos poderiam ser aqui mencionados. Todavia, dentro da id& de que toda espicie estela constantementctentando mdtiplicar-se, tendo a sefeqio natural sempre pronta a adaptar os descendentes que se vio variando lentanente, de mod0 que sejam capazes de se estabelecer em locais desocupados ou mal-ocupados esistentes na natureza, tais fatos deixam de ser estranhos, quando nio chegam mesmo a ser pre- visiveis e esperados.

Como a seleqio natural age por meio da competiqio, ela adapta os habitantes de cada regiio apenas em funqZo do graude perfeiqio de seus conterrineos, de manei- ra que niio necessitamos sendr-nos surpresos se.os elementos de determinada fauna ou flora, apesaz da voz corrente que ahma terem sido criados e adaptados especi- almente para a regiio do seu habitat, forem derrotados e suplantados por produ- qdes importadas de outras terras, e ali aclimatadas. Tambim nZo teremos de nos admirar se niio encontrarmos a perfeiqio em todos os dispositivos criados pela natureza, ou se algumas das adaptagdes com que depararmos niio se encaixarem perfeitamente em nossos conceitos de perfeiqio ou funcionalidade. Assim, nZo te- mos de nos espantar de que o ferrio da abe!ha provoque sua propria morte; de que os zangZos sejam produzidos em niuneros 60 incontiveis para uma finalidade 60 singular, sendo em seguIda chacinados por suns irmis estireis; de que haja tamanho desperdfcio de polen por parte dos nossos pinheiros; da averdo instintiva que sente a abelha-rai&a por suas irm% fecundas; de que os icneumonideos se alimentem dentro dos corpos vivos das lagartas, e de outlos casos similares. 0 que mais deve causar admiraqZo, do ponto de vista da teoria cia seleqzo natural, i que nZo conhe- qamos um nfimero de casos ainda maior de icexistincia de perfeiqio absoluta.

As leis complexas e pouco conhecidas quegovernam a variaqZo sZo, tanto quanto sabemos, as mesmas que governam a produqZo das chamadas formas espeuficas. Em ambos os casos, as condiqdes fisicas parecem ter causado pouco efeito direto; entretanto, quando as vadedades invadm dguma zona, ocasionalmente se reves- tern de certas caractensticas proprias das espicies daquela zona. Tanto com as vari- edades como com as espicies, o uso e desuso parece ter prodxzido algum efeito.

I Realmente, i dificil resistir a esta conc~usZo quando consideramos, por exemplo, o

! pato-arminho, cujas asas niio lhe permitem voar, mas cujas condiqdes sZo quase as L mesmas do pato dom6stico; ou quando estudamos o kco-tuco escavador, que 6

ocasionalmente cego, ou entZo certas toupeiras, qce sZo habitualmente cegas e ttm

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os olhos rwestidos por uma membrana; ou quando examinamos os animais cegos que habitam as cavernas escuras da Amirica e da Europa. Tanto nas variedades como nas espicies, a correlagio do crescimento parece ter desempenhado impor- tantissimo papel, de modo que, quando determinada parte se modificou, outras partes necessariamente tambim se modificaram. Tanto nas variedades como nas espicies, ocorrem as regressdes de caracteristicas h i longo tempo perdidas. Pela teoria da criagiio, como i inexplicivel o ocasional surgimento de listras no dorso e nas pernas de diversas espicies de eqgdeos e de seus hibridos! E como se explica fadlmente tal fato desde que aceitemos que todas estas espicies descendam de u m ancestral listrado, da mesma forma que as diversas ragas dombticas de pombos descendem da pomba-das-rocbas, de corpo listrado e de coloragio azull

Com base na crenga Go geralmente aceita de qae toda espicie teria sido criada independentemente, por que os caracteres espeuficos, ou seja, aqueles que d ish- y e m entre si as espides congzneres, deveriam ser mais variiveis que os caracteres geniricos, comuns a todas essas espicies? Por que, por exemplo, deveria a colora- gHo de uma flor tender a variar mais em qualquer espicie de determinado ginero, desde que as outras espicies, que teriam sido criadas independentemente, possuam flores de outras cores, do que se todas as espicies daquele ghero tivessem flores sempre da mesma cor? Se as espicies nZo passam de variedades muito pronuncia- das, cujas caracteristicas se tenham tornado permanentes em alto grau, poderemos compreender este fato, pois sua variagZo se tem procedido desde que a espicie se desgarrou de um ancestral comum no que se refere a certos caracteres, atravis dos quais se tenham tornado espedficamente distintas; por conseguinte, estes mesmos caracteres seriam provavelmente mais variiveis que os geniricos, desde que estes estariam sendo herdados h i tempos sem modificagdes. Pela teoria da criaqHo, i inexplicivel por que uma determinada parte desenvolvida de maneira exceptional numa certa espicie (e portanto, segundo podemos conduir, de grande impor&ncia para aquela espide) seja eminentemente sujeita B variagZo. Pela minha teoria, po- rim, esta parte, desde que as diversas espicies daquele gznero comegaram a se desgarrar do ancestral comum, teria sofrido enorme soma de variabiidade e modi- ficagiio, donde podermos esperar que tal parte deva continua variivel. 3etermina- das partes, entretanto, podem desenvolver-se de rnaneira extremamente inusual, como as asas dos morcegos, e independente disto niio serem mais variiveis que qualquer outra conformagio estrutural, desde que sejam comuns a muitas formas subordinadas, isto i, desde que estejam sendo herdadas hilongo tempo, pois neste caso elas se teriam tornado constantes pela prolongada agZo da selegio natural.

Relanceando os olhos pelos instintos, por mais maravilhosos que estes sejam, vemos que nio oferecern dificuldades maiores que as estruturas corporais para a aceitagzo da teoria da selegHo natural de modificagdes sucessivas e ligeiras, desde que iiteis para seu possuidor. Isto permite-nos compreender por qae a natureza age passo a passo ao dotar os diferentes animais de determinada dasse corn seus diver- sos instintos. Tentamos demonstrar como este prinupio degradagHo esdarece bas- tante o problema da capacidade arquitethnica da abelha. Nio h i drivida de que o hibito ocasionalmente influencia a modificagio dos instintos, mas certarnente nio constitui fator indispensivel, conforme podemos ver, no caso dos insetos ceutros, que nio deixam descendincia passive1 de herdar os efeitos de hibitos mantidos h i

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longo tempo. Dentro da hip6tese de que todas as espides do mesmo genero te- nham descendido de urn ancestral comum, donde terem herdado muita coisa em comum, podemos compreender como 6 que as espides ahns, quando colocadas sob condig6es de vida consideravelmente diferente,continuem seguindo quase que os mesmos insdntos: por que o sabii da Arcirica do Sul, por exemplo, reveste seu ninho com lama, i semelhanga do que faz nosso tordo brihico. Pela hip6tese de que os instintos teriam sido adquiddos lenramente atravis da selegio natural, G o seria espantoso que alguns instintos fossem aparentemente imperfeitos e sujeitos a erros, sendo que muitos deles poderiam provocar at6 sofrimento para seu possuidor.

Seas espides G o passarem de variedades pronunciadas eperm&entes, podemos de imediato compreender por que seus descendentes hlbridos devam seguir as mes- mas leis complexas r.0 que se refere. a seus graus e tipos de semelhanga com relagb aos seus genitores, B sua absorgZo m h a em decorrkcia de sucessivos cruzamentos, e a diversos outros aspectos que tais, do mesmo mod0 que os mestigos resultantes do cruzamento de variedades como tais reconheddas Por outto lado, tais fatos seriam bastante esnanhos, seas espides fossem efetivamente d a s demodo individual, e as variedades tivessem sido produzidas a pardr de leis secundkias.

Se admitirmos que o registro geol6gico nZo s6 6 imperfeito, mas que i exnema- mente imperfcito, entio os fatos consritados por n6s 3kavi.s das pesquisas gcol6gi- cas dariio rcspaldo j. teoria da descendencia com modificaq6es. As cspidcs novas teriam surgido em cena de maneira lenta e a intervalos s-ucessivos, i a soma de modificag6es, em intervalos de tempo iguais, seria diferenk em-cada grupo consi- derado. A extingZo de espides c de grupos de espicies, ccjo papel na hist6ria dos seres organizados foi 60 importante, resultada quase que inevitavelmente do pdn- dpio da selegio natural, pois as formas antigas acabam sempre por ser suplantadas pelas mais novas e aperfeigoadas. Uma vez rompida a cadeia de geragio ordiniria, &to espides simpl& como grupos de espides nZo mais reapareiem no mundo. A difusio madud das formas domilantes, com a lenta modifica@o de seus descen- dentes, i6u com que as formas de vida, ap6s longos intervalosde tempo, paregam ter-se modificado simultaneamente em todo o mundo. 0 fato de serem os f6sseis

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de cada formagio intermediirios entre os das camadas imedia*amen:e superiores e infedores se explica simplesmente pela sua posigzo intermedigria na cadeia de des- cendinda. 0 importante fato de que todos os seres extintos pertensam ao mesmo sistema a que perteccem os seres atuais, sendo classificados nos seus mesmos gru- pos ou em grupos intermediirios destes, resulta de serem todos os seres organiza- dos, atuais e extintos, descendentes de ancesirais comuns. Como os grupos que descenderam de urn antigo ancestralgeralmente divergiram de cariter, o antepassado e seus primeiros descendentes n~uiras vezes apresentarao caracteristicas intermedi- irias, comparados com seus descendentes atuais. Pode-se ver, portanto, que quanto mais antigo forum f6ssil mais comumente se colocari m a pos i~ io intermediiria entre os grupos aliados atuais. As formas recenres sio via de regra consideradas, ainda que de maneira vaga, como superiores i s formas extintas, e de fato o s50, pois surgiram posteriormente, sendo portanto mais aperfeigoadas, donde terem derro- tado suas precursoras menos aperfeigoadas, e conquistado os lugares que elas ocu- pavam na economia da natureza. Por fim, a lei da persistincia das f o r ~ a s ahns c o

- mesmo continente - on seja, dos marsupiais na Austrilia, dos desdentados na Amkrica, etc. - tarnbim se torna compreensivel, pois, dent10 de m a regiio con- finada, todas as formas atuais terio de ser descendentes das formas extintas.

Levando-se em consideragio a dismbuiqio geogrifica, se admitirmos que te- nha havido, durante o longo transcurso das eras, dgraG6es bem consideriveis, em virtude das modificaqdes de ordem dirr-itica e geogrifica, e em fungio dos diversos meios de dispersio ocasionais e desconhecidos, entio poderemos compreender, com base na teoria da descendinda com modificagdes, os fatos fundamentais rela- tivos i distribuigio. Podemos assim entender por que deveria haver u m paralelismo 60 nodvel na distribuigiio dos seres orgarizados no espaso geogrifico e no tempo geol6gic0, pois, tanto n m caso como no outro, os seres se interligam pels corrente da geragao ordiniria, alkm de terem sido os mesmos os meios de modificasio. Entendemos o sipificado comp;eto do maravilhoso fato que tanto intriga os via- jantes, qual seja o de que num determinado continente, sob as mais diversas condi- qdes, sob fdo ou calor, nas montwhas ou nas plaricies, nos pintanos ou nos deser- tos, sio efetivamente aparentados os seres que constituem cada grande classe, uma vez que se trata de descendentes dos mesmos mcestrais: os primeiros colonizado- res daquelas terras. Dentro deste mesmo principio das migragdes antigas, combi- nado na maior parte das vezes com o principio das modificagdes, podemos com- preender, dada a existenciado period0 glacial, a idectidade de certas plantas e o parentesco pr6ximo de virias outras, nas montanhas mais distactes, sob os climas mais diversos, assim como as afinidades existeztes entre os habitantes dos mares situados nas zonas temperadas do hemisfirio norte e do bemisfirio sul, mesmo estando estas separadas pela enorme extensio oceinica intertropical. Ainda que duas ireas possam apresectar as mesmas condi@es de vida, niio precisamos ficar surpresos com o fato de serem inteiramente diversos seus habitantes, desde que eles tenham estado por longo tempo separados entre si, pois como a inter-relagio entre os organismos i a mais importante de todas as reiagGes, e como ambas as ireas devem ter recebido colonos alienigenas, em diferentes periodos e propor- gees, inevitavehente h i d e ter sido diverso o curso de modificaqio que se verifi- cou em cada uma dessas ireas.

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Puma

PePeia teoria da migragHo seguida de mo&ficaqGes, podemos entezder por que as &as oceinicas devam ser habitadas por pmcas espides, e pot que boa partedestas tenha de ser dpica. Podemos compreender perfeitarr.ente por que os animais inca- pazes de atravessar longos trechos oce&icos, como as ris e os mam'feros terres- tres, nHo vivem nestas &as, e por que razzo, POL- outro lado, morcegos de espides novas e dpicas, capazes de aoavessar o oceano, sejam tio eenontradiqos em ilhas is vezes 60 distmtes das terras con5nentais. Fatos como estes - Dresenca de es~ic i - . es dpicas de morcegos e ausSr.da de outros mam'feros nas ilhas oceiinicas - sHo inteiramente inex~Eciveis 8 iuz da reoria dos atos independentes de ciaqHo.

A existencia de espicies muito pr6ximas ou representativas em quAquer das duas ireas implica, pela teoria da descendeccia c o n mociificaqGes, que os mesmos ancestrais habitavam outrora ambas as ireas. Com efeito, quase invariavelmente descobrimos que, onde quer que muitas espkcies afms habitem duas ireas, existem espides comuns e idinmcas em ambas. Onde quer que ocorram muitas espides prbximas, embora distktas, iyalmente ocorrem mxitas formas duvidosas e muitas variedades de cada espide. Trata-se de Lma regra bastante gerd que os habi.ar.tes de m a irea sejam aparentados com os da fonte mais pr6xima, da q a l provavelmente se orig~aram seus higrantes. Vedticamos este fato em quase todos os vegetais e ani- mais do arquipaago das Galipagos, de Juan Fernandez e de outras ilhas americanas, com relagio ao con*ente, o mesmo correndo com Cabo Verde e outras ilhas prbxi- mas ao continente africano, com relag50 a este. Nio se pode deixar de admidr que tais fatos nHo encontram explicagHo na teoria cia criagHo icdependen:e.

O fato j i vino de que todos os seres organizados atuais e extktos fazem parte do mesmo grande sistema natural, corn grupos subordmados a outros gr~pos , sec- do freqiiente qae os grupos dos seres exthtos ocupe lugar intermediirio entre gru- pos recentes, encontra respddo na teoria da seleqio natural, juntarnente com as circunstincias da extingzo e da divergincia dos caracteres. Por estes mesmos princi- pios vemos como i que as ahidades m h a s das espides e dos gineros pertencen-

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tes a determinada dasse sejam tio complexas e sinuosas. Entendemos tambim por que certos caracteres sio ti0 menos 6teis que v~ t ros para a dassificag20; por que ps caracteres adaptativos, embora de capital impor&da para o ser, quase nZo apre- sentam impordnda para a classificagio; por que os caracteres derivados de partes rudimentares, ainda que in6teis para o ser, sejam por vezes de considerivel valor dassificatiorio, e por que os caracteres embrioliogicos sZo, dentre todos, os mais

\ valiosos. As alinidades reais de todos os seres organizados sio devidas i hereditan- edade ou i descendhda comum. 0 sistema natural i urn arranjo genediogico, no qual temos de descobrir as linhagens atravis dos caracteres mais permanentes, por menores que sejam suas impordndas vitais.

Dada a existincia da mesma disposigio iossea na mHo do homem, na asa do morcego, na barbatana do boto e na pata do cavalo, assim como o mesmo n h e r o de virtebras compondo o pescogo da girafa e do elefante, alim de inheros outros fatos desse tipo, a h c a explicagio plausivel e imediata reside na teoria da descen- dencia com modificagdes lentas, ligeiras e sucessivas. A semelhanga de padrio enue as asas e as patas dos morcegos, ainda que usados para finalidades tio distintas, do mesmo mod0 que a existente enue as pingas e as patas dos caranguejos, ou entre as pitalas, estames e pistilos de uw.a flor, siio igualmente explicados com base na teo- ria da modificagiio gradual de partes ou 6rgZos, originariamente idinticos no ances- tral comum de cada classe. Pelo prinupio de que as variagdes sucessivas nem sem- pre sobrevim precocemente, sendo herdadas num period0 de vida correspondente ao da sua aquisigio original, podemos entender daramente por que os embrides de mamiferos, aves, ripteis e pekes sejam tio semelhantes, embora as formas aduitas desses animais sejam tio diferentes entre si. Nio temos necessidade de nos maravi- lhar com o fato de que os embrides de mamiferos ou de aves possuam fendas branquiais e artirias entrelagadas, como as dos pekes que t h de respirar o ar dissolvido na @a, com a ajuda de guelras bem desenvolvidas.

0 desuso, a d a d o eventualmente pela selegio natural, tenderi por vezes a reduzlr um 6rgZ0, desde que este se torne in6d para os novos hibitos adquiridos, ou sob novas condigdes de vida, e isto nos permite compreender daramente o significado dos 6rgZos rudimentares. Mas o desuso e a sele@o, geralmente, a@o sobre cada criatura quando em seu estado adulto, tendo de desempenhar o papel que efetivamente h e cabe na luta pela existhda dos seres, quando nHo se observa- 15 a reduqio dos 6rgZos ou sua transformagZo n u n 6rgZo ntdimentar. As vitelas, por exemplo, herdaram dentes que jamais rompem as gengivas superiores, mas que deveriam ter sido completamente desenvolvidos e funcionais num antigo ancestral, donde podermos crer que os dentes no animal adulto foram sendo reduzidos pro- gressivamente durante muitas geragdes sucessivas, pelo desuso ou em razio de te- rem sido adaptados a lingua e o ciu-da-boca para o ato de pastar, dispensando-se a ajuda dos dentes superiores. Foi por isto que, na vitela, os dentes nZo foram afeta- dos pela selegHo ou pelo desuso - entrou em agZo o p&cipio da hereditariedade em idades correspondentes. A luz da teoria da criagio especial de cada ser organiza- do e de cada 6rgZo isolado, quZo inexplicivel se torna o fato de que certas partes - e temos neste caso os dentes nos embrides dos bovinos ou as asas sanfonadas

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Siba

encerradas em elitros soldados ao corpo, corno se v2em em certos besouros - tragam corn tank freqiisncia a marca ostensiva da inutilidadel Pode-se dizer que a natureza se teria empenhado em revelar, por meio dos 6rgZos rudimentares e das estruturas homrjlogas, seu esquema de modificas6es, cuja cornpreens%o parecemos obstinadamente nZo aceitar.

Acabamos de recapitular os principais fatos e considerasdes que me deram cabal convicqZo de que as especies se modificararn e se estzo .modificando lenta- mente, atravis da preservasZo e aemulagZo de variasdes favotiveis sucessivas e ligeiras. Por que, poder-se-ia perguntar, todos os naturalistas e ge6logos mais emi- nentes tim rejeitado a teona da mutabilidade das espedes? NZo seria possivel afirmar-se que os seres organizados em estado selvagem nZo estejam sujeitos Z1 variaqZo; n%o se podena provar que a soma das variaq6es no decurso das eras tenha sido limitada; nZo h i distinsZo clara entre espicies e variedades muito pro- nundadas. NZo se pode asseverar que as espkdes sejam invariavelmente est6reis quando entrecruzadas, e as variedades invariavelmente fecundas, ou que a esteri- lidade constitua um dom espedal, urn sinal da criagZo. A crenqa em que as espB des fossem produg6es imutiveis era quase inevitivel, na medida em que se acre- ditava na brevidade da hist6ria do rnundo. Agora que adquirimos alguma no@o quanto ao lapso de tempo decorrido ati hoje, somos quase levados a presumir, sem necessidade de provas, que os registros geol6gicos sZo suficientemente per- feitos para nos fornecerem evidinda plena da mutasiio das espicies, caso estas efetivamente dvessem sofrido qualquer muta~io.

Mas a causa principal de nossa natural resistincia em admitk que uma espicie teria dado odgem a outra 6 que somos sempre lentos em aceitar qualquer mudanqa cujos passos intermediirios nZo possamos vex. A dificuldade i a mesma que senti- ram tantos ge6logos, quando L y d insistiu em que as extensas linhas depenhascos

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e 0s grandes vales litorheos teriam sido formados e escavados pela lenta aqio das ondas costeiras. A mente provavelmente niio pode conceber o completo significa- do da expressiio "cem milh6es de anos", a s s h como nio pode ir somando e apre- endendo os efeitos totais de uma sequcncia de variaqdes ligeiras, acumuladas duran- te um nhnero de geraqdes quase infinite.

Embora eu esteja plenamente convencido da verdade das idiias expostas resu- midamente neste volume, de modo a l p espero convencer os naturalistas vetera- nos, cujas mentes estiio h i longo tempo sobrecarregadas de fatos que se dirigem numa linha de pensamento diretamente oposta h minha. E Go ficil ocultar nossa ignorhda sob expressdes do tipo "plano de criaqio", "unidade de forma-padriio", etc., e imaginar que estejamos dando uma explicaqio, quando na realidade nada mais fazemos que reformular um fato. Qualquer pessoa cuja disposiqiio a leve a dar maior importincia a dificuldades inexplicadas que B explicaqiio de um bom cabedal de fatos h ide certamente rejeitar minha teoria. Uns poucos naturalistas dotados de grande flexibilidade intelectual, e que j i de algum tempo tenham comeqado a duvi- dar da imutabilidade das esphies, podem ser influendados por este livro. Todavia, minha esperanqa se volta confiantemente para o fuero, para os jovens naturalistas em formaqio, capazes de enxergar com imparcialidade ambos os lados da questZo. Quem quer que seja levado a crer que. as espicies sejam mutiveis prestari bom serviqo h Ciencia manifestando consciecternente sun convicqiio, pois s6 assim se podeii eliminar a crosta de preconceito que reveste toda esta questio.

Diversos naturalistas eminentes publicaram recentemente sua crenqa em que boa parte de supostas espides nio sejam efetivamente especificas; outras, podm, seriam reais, e consequentemente teriam sido criadas independentemente. Tal con- clusio parece-me muito estranha. Essas pessoas admitem que numerosas formas at6 recentemente consideradas por elas pr6prias como criaqdes especiais, como tais ainda consideradas pela maior parte dos naturalistas, e que por conseyinte possuem caracteristicas externas tipicas das espicies genuinas, teriam sido produzi- das pela variaqio; no entanto essas mesmas pessoas se recusam a estender este ponto de vista a outras formas ligeiramente diferentes. Nio obstante, nio preten- dem poder definir, ou sequer conjeturar, quais seriam as formas de vida criadas e quais as produzidas por leis secundirias. Admitem a variaqio como a Vera carisa de um dos casos, rejeitando-a arbitrariamente nos ouaos, s e n estabelecer qualquer distinqio entre eles. H i d e chegar o &a em que esta posiqiio seri apresentada como uma curiosa ilustraqiio da cegueira a que levam as opinides preconceituosas. Esses autores parecem niio se surpreender ante o que seria um miracu;oso ato de criaqio, mais do que o fariam ante uma geraqZo ordiciria. Seri que realmente acredim que em numerosos periodos da hist6ria do mundo determinados itomos elementares tenham subitamente atendido ao comando de se reunirem, irrompendo sob a for- ma de tecidos vivos? Segundo sua crenqa, cada suposto ato de criagio redundaria no surgimento de urn s6 individuo, ou de muitos? 0 s incmeros tipos de animais e vegetais teriam sido criados j i addtos, ou sob a forma de ovos ou sementes? E no caso dos mamiferos, porventura teriam, sido criados portando em seus corpos as falsas marcas de nutriqiio trazidas do venue de uma mie que nunca existiu? De fato, embora os naturalistas exijam - e corn todo o direito - uma completa explicaqio

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acerca de cada objeqio com respeito i mctabidade das espicies, por sua vez costu- 1 - * mam ignorar toda a quest20 do surgimento das espidei, cercando este assunto daquilo que consideram reverente sfltndo.

Poder-se-ia perguntar at& onde pretend0 estender a teoria de mo&ficagio das espbcies. Trata-se de uma questio diEci! de res?onder, porque quanto mais distintas forem as formas consideradas, mais se irio enfraquecendo os argumentos. A l p s destes, porim, especialmecte os de maior peso, se estecdem at6 bem longe. Todos os membros de classes inteiras podem ser interligados por cadeias de afinidades, e todos podem ser classificados dentro do mesmo prindpio, em grupos subordina- dos a outros grupos. H i fosseis que tendem a preencher amplos intervalos entre ordens existentes. 0r@os em estado r u b e n t a r nostram claramente que alp antigo ancestral deveria possuir aquela parte em estado perfeitamente desenvolvi- do, o que, eventualmente, implica de mayeira necessiria numa enorme soma de modificagio em seus descendentes. Em classes hteiras, virias estruturas sio for- madas dentro de um mesmo padrio, e as espbcies, em certa idade embrioniria, sio extremamente parecidas umas com as outras. Por isto, nio posso duvidar de que a teoria da descendincia com modificagties eng!obe todos os membros da mesma classe. Acredito que os animais descendam de no m h o uns quatro ou cinco ancestrais, e os vegetais de um niunero igual ou menor.

Por analogia, eu ainda poderia avangar um passo a mais, chegando i idiia de que todos os animais e vegetais descendessem de um prot6tipo. Acoctece que a analo- gia pode ser um p a enganador. Independente disto, todos os seres vivos possuem muita coisa em comum, no que se refere i sua composigio qdmica, i suas vesiculas germinais, i sua e s t r u m celular, i s leis de crescimento e reprodugio. Observamos tal fato mesmo numa drcunstincia insignificante, como por exemplo a de que o mesmo veneno afete de maneira semelha?te taqto plantas como animais, ou que a secregio davespinha-das-galhas produza excrescendas monstruosas na roseira-brava ou no carvalho. Por conseguinte, deduzo por analogia que provavelmente todos os seres organizados algum dia existentes no mundo descendam de a l y n a forma primordial, na qual a vida tenha sido num determicado instante insuflada pela pri- meira vez.

Quando as idiias analisadas neste limo a respeito da origem das espicies, ou en60 idbias anilogas a estas, forem admitidas consensualmente, podemos at& pre- ver a revolugio que isto iri acarretar na Historia Natural. 0 s sistematistas serio capazes de prosseguir suas tarefas como atuahente, s6 que nio mais serio assalta- dos sem cessar pela sombria dfivida acerca da essinda espedfica desta ou daquela forma. E isto nio seri de pouca monta, estou certo - e falo por experiinda pro- pria. Hio de cessar as infindiveis &scussties acerca das cinqiienta espicies de silvas britinicas - trata-se ou nio de espides genuinas? 0 s sistematistas teriio apenas de deddir (e nZo que isto seja ficil) se tat ou qual forma seria suficientemente constan- te e distinta das outras paramerecer uma definigZo e, se for o caso, se tais diferenqas serio sufidentemente importantes para que a forma merega uma denominagio es- pedfica. Esta filtima consideragio h i de se tornar bem mais essential do que o i presentemente, pois as diferengas, ahda que ligeiras, entre duas formas que se nio acham interligadas por gradagbes intermedias sio consideradas pela maior parte

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dos naturalistas como suficientes para algarem ambas as formas i categoria de espi- des. A partir dessa ipoca, seremos obrigados a reconhecer que a h i c a distinqiio existente entre espides e variedades pronundadas 6 que estas atimas $2 interliga- das por gradagdes intermediirias, enquanto que as espides o eram outrora. Portan- to, sem deixar de lado a consideragZo da exisGnda atual destas gradagdes entre duas formas quaisquer, deveremos ser levados a atribuir maiorpeso e valor i exten- sZo real das diferenqas entre elas. E perfeitamentepossivel que certas formas atual- mente consideradas como meras variedades possam no futuro ser merecedoras de denominagiio espeufica, como no caso da primavera e da primula - teremos entZo uma concordhda entre a linguagem popular e a dedfica. Em resumo: teremos de encarar as esp6des do mesmo mod0 que aqueles naturalistas encaram os gkneros, admitindo que nio passem de combinagdes artifidais, arranjadas em fungzo da conveni2ncia. Pode nZo sse m a perspectiva das mais animadoras, mas h i de servir pelo menos para nos libertar da ingldria pesquisa relativa i indedfrada e indedfrivel esskncia da palavra eqicie.

As outras divisdes mais gerais da Histdria Natural hZo de ganhar muito em interesse. 0 s termos usados pelos naturalistas - atinidades, reladonamento, co- munidade de tipo, paternidade, morfologia, caracteres adaptativos, 6rgZos i d h e n - tares e atrofiados, etc - cessar50 de ser metafdricos, passando a ter significado concreto. Quando nZo mais olharrnos para um ser organizado da mesma forma como um selvagem olha para um navio, ou seja, para algo inteiramente d i m de sua compreensiio; quando considerarmos toda e qualquer produqZo natural como algo que tenha sua prdpria histbria; quando contemplarmos toda estrutura complexa e todo tipo de instinto como o resultado final de numerosas adaptasdes, cada qual fitil para seu possuidor, quase da mesma maneira que entendemos ser qualquer grande invenqio meczca o resultado do labor, da experikncia, da razZo e at6 mes- mo dos erros de um sem-niunero de trabalhadores; quando for assim que enxergar- mos cada ser organizado, que novo e enorme interesse nZo iri adquidr - e falo por experihda pr6pria - o estudo da Histdria Natural!

Um vasto e quase inexplorado campo de investigaqiio iri abrir-se a respeito das causas e leis que regem avariagZo, da correlagiio de cresdmento, dos efeitos do us0 e desuso, da agiio direta das condiqdes externas, e assim por diante. 0 estudo das produqdes domisticas h ide se valorizar imensamente. Uma variedade nova desen- volvida pelo homem constituiri assunto de estudo bem mais importante e interes- sante que o acriscimo de mais uma espide ao rol das incondveis que j i se conhe- cem. Nossas dassificaqdes bio de se tramformar cada vez mais em genealogias, indicando efetivamente aquilo que se poderia chamar o plano da criagZo. As regras para se proceder i dassificagZo dos seres organizados indubitavelmente se tornarZo mais simples, uma vez que teremos em vista um objetivo bem dehido. NZo dispo- mos de irvores genealdgicas, nem de brasdes de armas, e contudo temos de desco- brir e tragar as numerosas linhagens divergentes de descendkncia em nossas genealogias naturais, com base em todo tipo de caracteres que de longa data v h sendo herdados. 0 s 6rgZos rudimentares prestarZo seu icfalvel testemunho com respeito i natureza das conformagdes estruturais h i muiro perdidas. As espides e grupos de espides denominadas aberrances, e que podetiamos metaforicamente chamar de "f6sseis vivos", ajudar-nos-Zo a compor a imagem das antigas formas de

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"Espicies andgas sZo suplantadas por espCues novas e aperfei~oadas"

vida. A Embriologia revelar-nos4 as estruturas at6 certo ponto obscuras dos prot6- tipos de cada grande dasse.

Quando pudermos estar certos de que todos os individuos da mesma espLde, assim como todas as espicies prOximas pertencentes maior parte dos gineros, descendem de um ancestral nZo muito remoto, sendo oriundas de um determinado local, e quando conhecermos melhor os diversos meios de migraqzo, entZo, com as informaq6es que a Geologia j i nos fornece e h i de continua fornecendo acerca das antigas modiftcaq6es dimiticas e do nivel do mar, estaremos subitamente aptos a determinar de maneira admirivel as rotas de migraqzo seyidas no passado pelos habitantes de todo o mundo. Mesmo hoje e m dia, comparando-se as diferenps dos habitantes dos mares situados nos lados opostos de um continente, assim como a natureza dos diversos habitantes daquele continente e m relaqzo a seus meios aparen- tes deimigraqzo, a l p conhecimento se poderi obter a respeito da Geograh antiga.

A nobre d&ncii da Geologia perde prestigio em decorrkda da extremaimper- feiqzo de seus registros. A crosta terrestre com seus restos soterrados nzo deve ser considerada como um museu bem suprido, mas como uma pobre coleqzo feita sem critirio e em raras ocasi6es. A acumulaq20 de cada grande formag20 fossilifera seri considerada consensualmente como tendo dependido de um inusual concurso de circunsthdas, e as lacunas existentes entre os estigios que se sucederam serzo reconheddas como de lony'ssima duragzo. Todavia, devemos ser capazes de ava- liar com alguma seguranqa a duraqzo desses intervalos atravis da comparaqzo entre dois conjuntos de formas orginicas subseqiientes. Devemos ser cautelosos antes de tentar correlacionar como esmtamente contemporineas duas formaq6es induindo

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poucas espides idinticas, pela sucesszo gerd de suas formas de vida. Como as espides surgem e desaparecem em virtude de causas de agio io:enta que ainda siio atuantes, e nio devido a miracdosos atos de cria~zo, ou a terriveis cadstrofes; e como amais importante de todas as causas de modificaqzo orginica quaseindepende da alteragio sfibita ou niio das condigdes fisicas, pois se trata da kter-relagio entre os organismos, devido i qua! o aperfeigoamento de uma forma acarreta o desenvol- vimento ou a extinqio de outras, segue-se dai que a soma das modificagdes or!@- cas nos f6sseis das formagdes consecutivas provavelmente poderi servir corno m a razoivel medida do lapso de tempo decorddo entre uma e.outra. Certo niunero de espicies que se mantiveram n u conjunto, porim, pode permanecer inalterado por longo tempo, enquanto que, neste mesmo periodo, diversas dessas espicies, pelo fato de terem migrado para outros locais e terem entrado em competigiio corn as formas ali j i existentes, podem ter-se modificado, de maneira que nio devemos superestimar a exatidzo das modificagdes orgbicas como medidas de tempo. Du- rante os pnmeiros periodos da hist6ria da Terra, quando as formas de vida prova- velmente eram mais simples e menos numerosas, provavelmente tais modificagdes se procediam em rittno mais lento; assim secdo, quando da aurora da Vida, na ipoca em que somente existian: no mundo pouqdssimas formas, dotadas de con- formaqzo estrutural extramamente simples, a ve1oc:dade das modificagdes deve ter sido de uma IentidFio enorme. A extenszo da hist6ria do mundo assim como a conhecemos, embora nos pareqa de w.a enormidade acitr.2 da nossa compreenszo, a partir de en60 seri reconhecida como constimindo uz mero fragment0 de tem- po, comparado com as eras decorridas desde a cdaqio do primeiro ser animado, o progenitor de todos os inhe ros seres v1vos e exdntos.

No futuro distante, visualize novos campos que se estendem para pesquisas ainda mas imoortantes. A Psicologia iri basear-se num fundamento novo. o da " necessiria aquisigio gradual de cada facddade mental. Nova luz seri langada sobre o problema da origem do homem e de sua hist6ria.

- 0 s mais eminentes autores parecem estar plenamente satisfeitos com a teoda de que cada espkcie teria sido criada independentemente. Dentro de meu mod0 de pensar, concorda melhor com o que sabemos das leis legadas i matiria pelo Cria- dor que a produgzo e extinqzo dos habitanres antigos e atuais sejam devidas a cau- sas secundirias, como as que determinam o nascimento e a morte de cada indivi- duo. Quando encaro todos os seres nzo como criagdes especiais, mas como descen- dentes lineares de uns poucos seres que viverm. bem w.tes que se depositasse a primeira camada da Era SiIuriana, a mim parece que tais seres saem engrandecidos, ganham dfivida concluir que nenhuma espicie atual conseguiri transmitir sua apa- rihiainalterada num futuro distante. E mais: das nossas espides atuais, pouquissimas deixarzo descendentes de qualquer tip0 nun: futuro muito distante, pois a maneira dentro da qual todos os seres organizados estzo agrupados mostra que a maior pa t e das espides de cada ginero, e ati mesmo todas as especies de determinados gkeros, exunyiram-secompletamente, sem deixar sequer um descendente. E at6 possivel ter-se uma viszo do futuro e predizer que serio as espides mais comuns e difundidas, pertencentes aos grupos mais numerosos e dominantes, que fmalmente irio prevalecer, gerando novas espides dominantes. Como todas as formas de vida

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+' atuais sio descendectes diretos das que viveram bem antes da Era Siluriaca, pode- mos estar certos de que a sucessio ordiniria por geragzo jamais foi interrompida, e que nenhum cataclisma devastou de luna s6 vez a Terra ilteira. Por isto, podemos antever com conGanga urn hturo segxo, cuja exrensio se nos a G y a Go imensurive! quacto a do passado. E como a selego natural trabalha exdusivamente em pro1 e fungi0 de cada ser, tudo o que cada q . d adquiriu, seja no que se refere ao corpo, seja no que se refere B mecte, tender& a evoluir c o sentido de alcacgar a perfeigiio.

E interessante contemplar-se uma vertente verdejanre revestida de diversos ti- pos de plantas, com phsaros cantando nos ramos das imores, .&%a variedade de insetos adejando pel0 ar, d i m dos pequenos seres vivos raszejando naquela terra hnida, e entiio refledr que essas formas construidas de maneira t io elaborada, cada qual Go difereste da outra, e con?udo de .ma kterdependcncia tio complexa, teri- am todas sido produzidas por leis que prosseguem atuando neste nosso mundo. E essas leis, de maneira geral, szo as que se sepem: a do Crescimento, que caminha ao lado da de Reprodugio; a de Hereditariedade, quase sempre englobada na pre- cedente; a da Variab'idade, decorrente da agio direta e indireta das condig6es exter- nas de vida e do uso e desuso; a da 1LIultiplicaqio dos Icc'ividuos, Go aceelrada que acaba por acarretar a da Luta pela Exisdccia, e conseqiientemenre a da Selegio Natu- ral, atris da qual seguem a da Divergindn dos Caracteres e a da Extingio das Formas menos aptas. Assim, 6 da ba*alha natural, 6 da fome e da morte que adv6m o mais elevado objetivo que somos capazes de conceber: a produqio dos animais superiores. Existe efetiva gracdiosidade neste mod0 de encarar a Vida que, juntamente com to- das as suns diversas capacidades, tetia sido insuflada =mas poucas formas, ou talvez numa kica, e que, enquanto este planeta coerL~ua a girar, obedecendo B imutivel Lei da Gravidade, as forrnas mais belas, mais mara&.osas, evolukam a pa& de um inicio Go simples, e ainda prossegue-m hoje em dia neste desenvolvimento.