Nesta edição:
Editorial 2
Juventude em Acção 3
Gingando para Cidadania 6
Ensino não-formal 10
O que é AEJ? 12
Capoeira e inclusão social 14
Capoeira em Portugal 18
Capoeira na Estónia 24
Capoeira, comunidade e globalização
26
Capoeira e festas populares 31
Ginga Brasil na Europa 36
Expediente e contactos
Esta revista foi elaborada por uma equipa de participantes do projecto Gingando para Cida-
dania e impressa na CopyScan.
Jornalista Responsável: Raquel Evangelista — [email protected]
Revisão: Renata de Freitas — [email protected]
Colaboradores: Fred Abreu, Geraldo Junior, Marina Tofantsuk, Olena Valdenmaiier, Pedro
Abib, Luiz Renato Vieira, Raquel Evangelista, Ricardo Nascimento, Sérgio Xavier.
Arte: Fabiana Pavel — [email protected]
www.gingandoparacidadania.blogspot.com
AEJ — Associação Estamos Juntos Rua de Ribes, apartado 451 São João da Madeira — Aveiro 3701-194 — Portugal
Tel: +351 25832680 [email protected] www.aej.pt
Juventude em Acção
Gingando para Cidadania
Desafio superado
Esta revista é o resultado do traba-
lho realizado durante o intercâmbio
Gingando para Cidadania, promovido
pela AEJ e pela Associação Cultural Gin-
ga Brasil Capoeira nos meses de Julho e
Agosto. Eu realmente espero que seu
significado seja mais do que um registo
impresso do verão de 2010 para todos
envolvidos no projecto.
Gostaria que todos leitores perce-
bessem a importância do Programa
Juventude em Acção e da utilização da
capoeira como uma metodologia de
ensino não-formal, com grande poten-
cial para o combate à exclusão social.
Devo admitir que o Gingando para
Cidadania foi um dos maiores desafios
que já enfrentei. Até então, minha visão
sobre capoeira era meramente prática.
Antes deste projecto, eu não vislumbra-
va o potencial que a actividade concen-
tra em si.
Foi preciso ver o Contra-Mestre Bola
dar aulas para crianças da comunidade
local para perceber que a capoeira é
para todos. Foi preciso assistir às pales-
tras do Professor Cangaceiro para per-
ceber que a história dos meus dois paí-
ses (Brasil e Portugal) também está
ligada através da capoeira e influencia
inclusive a identidade das pessoas. Foi
preciso ver jovens com deficiências físi-
cas a praticá-la para perceber que não
há limites quando se tem motivação. Foi
preciso ver estonianos e portugueses
tentando conversar para me certificar
de que a comunicação não-verbal é po-
derosa. Foi preciso ver a luta disfarçada
de dança para perceber que na vida
quase tudo pode se transformar.
Hoje, estou certa de que o desafio foi
cumprido e que o resultado final pode
ser considerado excelente. Os partici-
pantes deste projecto compreenderam
Gingando para Cidadania — Editorial
que só ganhamos ao sermos tolerantes,
que somos todos cidadãos europeus e
que as diferenças culturais podem ser
enriquecedoras.
Para aqueles que não conhecem a
capoeira ou o Juventude em Acção, será
mais fácil entender como este aprendi-
zado aconteceu e o que ainda pode ser
feito a partir dos artigos e comentários
aqui publicados. Obrigada a todos que
colaboraram para que esta revista
“nascesse”, aos alunos, professores e
mestres que estiveram presentes duran-
te o intercâmbio. Foram vocês que me
deram a certeza de que vale a pena tra-
balhar para a juventude. Boa leitura!
*Jornalista, youth worker, mestre e doutora em Comunicação Social. [email protected]
Raquel Evangelista*
3
Através da Decisão N.º 1719/2006/
CE de 15 de Novembro de 2006, o Parla-
mento Europeu e o Conselho adoptaram
o Programa Juventude em Acção ou
Youth in Action Programme para o
período entre 2007 e 2013, o que coloca
em prática o quadro legal de apoio des-
tinado a actividades de aprendizagem
não formal para os jovens.
O Programa Juventude em Acção
assenta na experiência do anterior Pro-
grama Juventude para a Europa (1989-
1999), do Serviço Voluntário Europeu
(1996-1999) e do Programa JUVENTU-
DE (2000-2006), tendo sido adoptado
após uma consulta aos diferentes inter-
venientes no domínio da juventude.
Ele tem como objectivo estimular o
sentido activo de cidadania europeia, a
solidariedade e a tolerância entre os
jovens europeus e o seu envolvimento
na construção do futuro da União Euro-
peia. O programa promove a mobilidade
dentro e fora das fronteiras europeias, a
educação não formal, o diálogo intercul-
tural e encoraja a inclusão de todos,
independentemente da sua origem edu-
cacional, social ou cultural.
Em Portugal, o Juventude em Acção é
gerido pela ANGJPA (Agência Nacional
para a Gestão do Programa Juventude
em Acção). Como sua missão é a gestão
do programa comunitário, a agência
nacional potencia sinergias e assegura
uma administração integrada e eficaz,
contribuindo, assim, para o bom funcio-
namento do programa em causa. “Este
programa é uma grande aposta na
emancipação dos jovens e das suas
organizações, com resultados na expres-
são internacional do movimento asso-
ciativo e num significativo aumento de
competências, não só no domínio do
multilinguismo, mas também no desen-
volvimento pessoal e social dos seus
participantes”, afirma Pompeu Miguel
Martins, director da agência portuguesa,
cuja sede fica na cidade de Braga.
Em 2010, mais de 100 projectos, orga-
nizados pelas mais diversas associações
e entidades, foram aprovados pela
agência portuguesa. O número indica
que Portugal ainda tem muito trabalho
pela frente, se comparado com o volume
de outros países europeus. “Portugal
tem, hoje, uma Agência que os jovens
conhecem e que conhece os jovens. Con-
tinuaremos neste rumo, confiantes nos
resultados destes primeiros dois anos e
esperançados de que, juntos, havemos
de chegar a mais gente”, acrescenta
Pompeu Martins. Mais informações po-
de ser obtidas em www.juventude.pt.
Atreve-te a descobrir!
Gingando para Cidadania — Juventude em Acção
Prioridades do Juventude em Acção
Uma das prioridades do Programa
Juventude em Acção é a Cidadania Euro-
peia, ou seja, procura-se fomentar nos
jovens a consciência e a sensibilidade
para o facto de serem cidadãos euro-
peus. O objectivo consiste em incentivar
os jovens a reflectir sobre temáticas
europeias e envolvê-los na discussão
sobre a construção e o futuro da União
Europeia.
Outra prioridade é a Participação dos
Jovens. O objectivo geral é incentivar os
jovens a serem cidadãos activos. A parti-
cipação assume as seguintes dimensões,
enunciadas na Resolução do Conselho
sobre os objectivos comuns no domínio
da participação e da informação dos
jovens: (1) aumentar a participação dos
jovens na vida cívica das respectivas
comunidades; (2) aumentar a participa-
ção dos jovens no sistema da democra-
cia representativa; (3) reforçar o apoio
às diferentes formas de aprendizagem
para a participação.
Outras duas prioridades são a Diver-
sidade Cultural e a Inclusão de Jovens
com Menos Oportunidades. Ou seja, os
projectos devem promover a sensibili-
zação e a reflexão sobre as diferenças de
valores e também estimular que os jo-
vens em qualquer tipo de situação de
desvantagem possam tomar parte.
“O Juventude em Acção oferece oportunidades importantes para os jovens adquirirem capacidades e competências. Por
conseguinte, é um instrumento essencial para a aprendizagem não formal e informal numa dimensão europeia”.
Estas quatro prioridades são consi-
deradas permanentes. No entanto, há
aquelas consideradas anuais. Em 2010,
o tema escolhido foi o combate à pobre-
za e à exclusão social. Em Portugal, di-
versas iniciativas destacaram o tema.
Em 2011, haverá um destaque para
o voluntariado. Isto significa que a cada
ano, o programa estimula a execução de
projectos que atinjam objectivos ligados
a estes temas.
5
O programa Juventude em Acção é
dividido em cinco Acções. Cada uma
delas trata de uma metodologia de ensi-
no não-formal particular, permitindo
que os organizadores de um projecto
possam escolher o método mais adequa-
do para atingir os objectivos propostos.
Dentre as Acções, a designada pelo
número 1.1 é a que pretendemos apre-
sentar a seguir.
De acordo com o guia do candidato
2010, um Intercâmbio “é um projecto
que junta grupos de jovens de dois ou
mais países, proporcionando-lhes a
oportunidade de discutirem e confron-
tarem vários temas, ao mesmo tempo
que aprendem sobre o país de cada um”.
Dependendo do número de países
envolvidos, um Intercâmbio pode ser
bilateral, trilateral ou multilateral. O
Bilateral justifica-se, em especial, quan-
do os promotores estão a realizar o seu
primeiro projecto europeu, ou quando
os participantes não têm experiência a
nível europeu.
Além disso, deve-se observar que
um Intercâmbio pode ser itinerante, im-
plicando, para tal, a deslocação de todos
os participantes ao mesmo tempo, a um
ou mais países que participem no inter-
câmbio. Este foi o caso do Gingando
para Cidadania, pois em sua primeira
fase, o grupo dos jovens estonianos vie-
ram a Portugal e, alguns dias depois, os
portugueses foram a Estónia. Sua vanta-
gem está na possibilidade dos grupos
Acção 1.1—Intercâmbios para todos os gostos
conhecerem a cultura local e presenciar
o dia a dia dos cidad~os. “Nossa ideia era
permitir que todos os jovens entendes-
sem o que é ser um cidadão europeu e
as vantagens que as diferenças culturais
podem nos trazer”, afirma Raquel Evan-
gelista, responsável pelo projecto.
Normalmente, os intercâmbios trila-
terais ou multilaterais concentram a
recepção de todos os grupos de partici-
pantes em um único país. Dessa forma,
perde-se o contacto com a realidade
local de outro país, mas ganha-se na
diversidade de grupos participantes.
“O Juventude em Acção promove a
mobilidade dentro e fora das
fronteiras europeias, a educação não
formal, o diálogo intercultural e
encoraja a inclusão de jovens”.
Gingando para Cidadania — Intercâmbio bilateral entre Portugal e Estónia
O projecto Gigando para a Cidadania
foi um intercâmbio bilateral, de carácter
itinerante, a ser realizado nas cidades de
São João da Madeira (Portugal) e Tail-
linn (Estónia). Seu tema é a conscienti-
zação da cidadania europeia, a promo-
ção da diversidade cultural e o estímulo
ao diálogo intercultural através da práti-
ca desportiva da capoeira e das danças.
Seus dois objectivos principais são a
fomentação do sentido de cidadania
europeia nos jovens e o desenvolvimen-
to de uma visão mais ampla sobre a
diversidade cultural e os benefícios que
tal variedade pode trazer para a cons-
trução de uma sociedade baseada em
valores socioculturais positivos e livre
de discriminação.
Para atingir estes objectivos foram
aplicados métodos de ensino não for-
mais, com predominância de dinâmicas
de grupo e da prática desportiva, nome-
adamente capoeira e danças. Esperáva-
mos que os 26 participantes envolvidos
desenvolvessem a expressão corporal e
de pensamentos.
O projecto em si durou seis meses. Já
a realização das actividades tomou 13
dias nas duas cidades: do dia 22 a 29 de
Julho em Portugal, e dos dias 3 a 12 de
Agosto na Estónia. Quer saber mais?
Visite nosso blog: gingandoparacidada-
nia.blogspot.com
Saiba mais sobre o nosso projecto
Workshop de capoeira aberto à comunidade em São
João da Madeira, Portugal.
Acima: pela primeira vez, jovens do grupo portu-
guês fazem aula de ténis nas instalações da AEJ.
Abaixo: um workshop de música com os dois
grupos de participantes.
7
The project Gingando para a cidada-
nia was a bi-lateral exchange, with a
itinerant character, which took place in
São João da Madeira (Portugal) and Tail-
linn (Estonia). Its theme is awareness of
European citizenship, the promotion of
cultural diversity and incentive to inter-
cultural dialogue by means of sport
practice of capoeira and dancing. Its two
main objectives are the fostering of a
sense of European citizenship in young
people (a sense of belonging and com-
mitment to the European Union) and
the development of a wider view about
cultural diversity and the benefits such
variety can bring to build a society
based on positive socio-cultural values
and free from discrimination.
To achieve these objectives, creative
methods of non-formal teaching were
used, with a predominance of group
dynamics and sports, specially capoeira
and dancing. It is hoped the 26 partici-
pants involved (13 young people from
each country) can freely develop their
body expressions and thoughts.
That means they will have the chan-
ce to develop the expressive potential
connected to their local culture and their
vision of what means to be an European
citizen. The project itself will lasted 6
months. However, the execution of activi-
ties will took 13 days in both cities: from 22
to 29 August, in Portugal, and from 3 to 12
August, in Estonia.
Acima: apresentação de capoeira e danças numa praça
pública em Taillinn. A esquerda: grupo estoniano brin-
ca com um dos formadores. Abaixo: Jovens fazem
workshop da dança maculelê e depois fazem
apresentação numa discoteca.
Gingando para Cidadania — Intercâmbio bilateral entre Portugal e Estónia
O que eu achei do Gingando para Cidadania?
“O Juventude em Acção promove a
mobilidade dentro e fora das fronteiras
europeias, a educação não-formal, o
diálogo intercultural, e encoraja a
inclusão de todos os jovens”.
“Sou professor e nunca havia
participado de um intercâmbio
nestes moldes. Sou grato pela
oportunidade de ter dado esta
formação e torço para que o
projecto tenha continuidade.”
(Geraldo Junior)
“Faço uso das palavras do grande poeta
Fernando Pessoa: “de tudo ficaram três coisas:
a certeza de que estava sempre começando,
a certeza de que era preciso continuar e
a certeza de que seria interrompido antes de
terminar.
Fazer da interrupção um caminho novo,
fazer da queda, um passo da dança, do medo,
uma escada, do sonho, uma ponte, da procura,
um encontro.” (Raquel Evangelista)
“Nunca tinha saído de Lisboa no verão.
O Gingando para Cidadania me deu a
chance de conhecer outras cidades e
perceber que outros da minha idade têm
os mesmo problemas que eu.”
(Paulo Rubio)
9
“Descobri que a capoeira pode ser muita
mais do que uma actividade física. Fiz
amigos, perdi um pouco da timidez e
alinda conheci a cultura portuguesa.”
(Hendrik Kukk)
“É simplesmente incrível que jovens tão
diferentes e de lugares tão distantes
tenham convivido este tempo todo e
aprendido tantas coisas. As aulas de
capoeira foram sensacionais.”
(Marina Tofantsuk)
“Infelizmente, não tinha sido
seleccionado como um dos participantes
para o intercâmbio, mas quando vi a
programação de actividades pensei logo
que era uma oportunidade imperdível.
Trabalhei mais e consegui o dinheiro
para participar também. Valeu a
pena!” (Alo Arro)
“Com o Gingando para Cidadania
aprendi sobre a cultura portuguesa e
brasileira. As aulas de capoeira eram
actividades físicas, mas também
culturais, o que eu não esperava.”
(Kart Blumberg)
“Já participei de outros projectos dentro
do Programa Juventude em Acção, mas
este foi o primeiro directamente
relacionado com a capoeira. Os
resultados foram incríveis”.
(Olena Wladenmaiier)
Gingando para cidadania - Ensino não-formal
Sérgio Xavier*
Uma das principais dificuldades que
existem em Portugal para este reconhe-
cimento é o facto sórdido de não existir
uma tradução adequada (e um conceito)
para o youth work. Se traduzirmos para
"trabalho juvenil" associa-se a "mão-de-
obra", conota-se quase com "trabalho
infantil". Se traduzirmos para "trabalho
com jovens" obtemos uma definição
demasiado lata que não descreve, de
todo, aquilo que é o youth work.
O próprio Conselho Nacional de
Juventude depara-se com este proble-
ma, como está patente no documento
intitulado “20 propostas jovens para
Portugal" onde se encontra o termo
youth work em três destas propostas e a
tentativa de enquadrar esta actividade
na "animação socioeducativa".
A animação socioeducativa é com
certeza parte do youth work, mas conti-
nua a ser uma definição pouco precisa,
já que não refere uma componente, hoje
em dia, essencial para a qualidade do
youth work: a educação não-formal,
outro conceito muitas vezes mal enten-
dido e confundido, frequentemente até
por profissionais de Educação.
De uma forma mais simples, e a títu-
lo de exemplo, imagine o que seria expli-
car o que é um bombeiro num país onde
não há bombeiros e onde se entende
não haver forma de combater os incên-
dios - aí está, a difícil tarefa de com-
preender uma profissão que não existe.
A grande preocupação com este fac-
to não reside só entre os youth workers
(que muitas vezes se queixam da inca-
pacidade de fazer compreender a sua
actividade aos seus próprios pais), ou
apenas em Portugal — é uma preocupa-
ção comum e em grande parte dos
Por que não reconhecemos?
“O próprio Conselho Nacional de
Juventude depara-se com este problema,
como está patente no documento ´20
propostas jovens para Portugal´ onde se
encontra o termo youth work em três
destas propostas e a tentativa de
enquadrar esta actividade
na animação socioeducativa.”
11
países Europeus, e mais além. É uma
preocupação que vai do youth worker
(que não vê o seu trabalho reconhecido
e, portanto, sustentável) até à Comissão
Europeia (que, apesar de reconhecer no
youth work a grande prioridade para a
Juventude Europeia, não o vê a ser reco-
nhecido/implementado a nível local).
Mas o youth work já existe como
actividade profissional há muito tempo,
as universidades britânicas têm cursos
de youth work e no Norte da Europa (na
Finlândia, por exemplo) vemos casos em
que o youth work é uma profissão alta-
mente reconhecida considerada funda-
mental pela sociedade civil e pelo
Governo.
É bastante evidente que não é isso
que acontece em Portugal - ou por ven-
tura, depois de ler este texto, já sabe o
que é o youth work e a educação não-
formal? Mas, afinal de contas, de que
forma é que o youth work é útil?
Para responder a esta pergunta,
conto um pequeno episódio que nos
aconteceu. Em Abril de 2010, a Dínamo
e o "Convívio Jovem" (Santa Casa da Mi-
sericórdia de Viseu) promoveram um
intercâmbio de uma semana em Campo
de Besteiros.
No final, em momento de avaliação,
foi feita a pergunta em inquérito anóni-
mo a um dos jovens participantes "em
risco" (e encaminhados para a Santa-
Casa da Misericórdia por uma Comissão
de Protecção de Crianças e Jovens): "Até
que ponto é que este intercâmbio atin-
giu as tuas expectativas?" A sua resposta
foi: "Até ao ponto de me fazer chorar."
Outro resultado bastante concreto
da actividade youth work que tivemos
recentemente na Polónia foi o facto dos
participantes portugueses terem regres-
sado cheios de motivação para partici-
par activamente na sociedade civil - dez
jovens da Dínamo produziram um pro-
jecto e submeteram uma candidatura ao
Programa Comunitário "Juventude em
Acção", neste leque a jovem mais nova
tem apenas 16 anos e já tem experiência
em como solicitar 20.000 € { Comiss~o
Europeia. Como mensurar este tipo de
aprendizado entre os jovens?
Não pretendendo aqui estender-me
nos resultados, estes são apenas alguns
factos ilustrativos da utilidade do youth
work de qualidade - há muito mais.
É por acreditar piamente na utilida-
de deste trabalho que me dedico à Dína-
mo, desde 2006; foi aliás uma descober-
ta tão importante que me fez trocar a
vocação de Arquitecto por uma outra,
até hoje em sistema de voluntariado:
youth worker.
É isso mesmo, fazemos coisas inacre-
ditáveis - mas se está incrédulo, está
também no caminho ideal para desco-
brir o que é a realidade do youth work er
da educação não-formal em Portugal. Às
vezes, não dá para acreditar!
*Presidente da Dínamo - Associação de Dina-mização Sociocultural, Portugal. [email protected]
Gingando para Cidadania — O que é a AEJ?
A AEJ - Associação Estamos Juntos -
foi fundada em 1986 na cidade de São
João da Madeira, Portugal. Suas activida-
des principais envolvem a promoção da
cultura e do desporto para os jovens da
região. Nesse âmbito, a organização
possui quatro secções desportivas:
capoeira, ténis, xadrez e natação.
Além disso, a associação conta com
uma secção voltada especificamente
para as questões da juventude, chamada
Comissão da Juventude. Uma das suas
principais actividades é a promoção do
Campo de Férias que, no mês de Julho,
envolve a volta de 400 jovens e crianças
de diferentes idades e origens sociais.
Em 2010 foi realizada a sua 28ª edição.
“A AEJ é minha história de vida nos
últimos 30 anos. Sou um dos fundado-
res, minha esposa é a actual vice-
presidente e meu filho é atleta do ténis e
da nataç~o. É um compromisso de vida”,
1,2, 3 … Estamos Juntos!
comenta Armando Margalho.
Na verdade, para a juventude da
cidade de São João da Madeira, a AEJ
representa uma das melhores (senão a
melhor!) opções para a prática desporti-
va e o aprendizado cultural. “Fazemos
um grande esforço para manter nossa
associação dinâmica e próxima dos
jovens”, afirma Antonio Devill, actual
presidente da associação.
Nos anos de 2006 e 2007, a AEJ este-
ve presente como organização convida-
da em três projectos promovidos no
âmbito do Programa Jovens em Acção,
na Polónia. “Os projectos realizados no
campo Rodowo, na Polónia, ´Capoeira
for all´ e ´Roda das Nações`, foram pro-
jectos pioneiros da capoeira como ins-
trumento de diálogo cultural e ferra-
menta de encontro de jovens no âmbito
do programa Juventude em Acção. No
segundo projecto, publicamos a revista
Acima: início de uma roda de capoeira na secção
de capoeira da AEJ. Abaixo: jovens reunidos no
pavilhão desportivo durante o Campo de Férias.
13
Roda das Nações, que foi uma forma de
expressar o sentimento colectivo de
integração proporcionado pela capoeira.
Foi esta experiência que permitiu
desenvolver com satisfação, em Portu-
gal, o Gingando para Cidadania”, conta
Ricardo Nascimento (ou professor Can-
gaceiro, como é conhecido no Grupo
Ginga Brasil) e responsável pela secção
da capoeira na AEJ.
Embora já tenha realizado diversos
eventos de capoeira nas instalações da
associação, foi o Gingando para Cidada-
nia que concretizou o sonho de reunir
outros professores da Associação Cultu-
ral Ginga Brasil Capoeira de outros paí-
ses e promover os valores que são
intrínsecos { capoeira. “Portugueses e
estonianos aprenderam que as diferen-
ças culturais podem ser benéficas, que a
capoeira também pode ser praticada
por deficientes físicos e que a tolerância
só traz consequências positivas”, afirma
Ricardo Nascimento.
Durante o período do intercâmbio,
todos os participantes e formadores
puderam usufruir das instalações do
Complexo Desportivo Paulo Pinto, ou
seja, as quadras polidesportivas, a pisci-
na interna aquecida e as piscinas exter-
nas. Além disso, houve uma festa de
confraternização no café, ao lado das
piscinas, que proporcionou mais uma
momento de interacção social entre os
jovens do Gingando para Cidadania.
“O interc}mbio nos surpreendeu de
forma bastante positiva. Era perceptível
o clima de camaradagem entre os
jovens. Soma-se a isso a riqueza humana
gerada e a divulgação da técnica e da
prática da capoeira. A qualidade técnica
da era mesmo alta!”, diz Armando Mar-
galho. A visão positiva sobre a iniciativa
é compartilhada pelo presidente da AEJ.
“O projecto conseguiu reunir jovens que
falam línguas completamente diferentes
e ainda assim as actividades foram reali-
zadas. Além disso, trouxe novas pessoas
até nós, o que sempre é óptimo”, acres-
centa Antonio Devill.
Algumas secções da AEJ já estão a se
mobilizar para preparar novas candida-
turas ao Juventude em Acção, com total
apoio da direcção. A ideia é que em
2011 a AEJ seja ainda mais dinâmica em
suas actividades.
Mais três secções da AEJ representadas nestas
fotos: alunos do ténis, do xadrez e da natação.
Gingando para cidadania - Capoeira e inclusão social
Utiliza-se a express~o “projectos sociais” para
nomear, genericamente, as iniciativas conduzidas
pelo poder público ou por organizações não governa-
mentais, ou pela colaboração de ambos, com o propó-
sito de resgate da cidadania e de combate à exclusão
social. Muito frequentemente, tais acções voltam-se
para públicos ou para objectivos específicos, como a
erradicação do trabalho infantil, o combate à SIDA e a
diversas formas de violência. Invariavelmente, tais
projectos utilizam actividades culturais artísticas e
desportivas com o propósito de fortalecer o vínculo
dos jovens com a iniciativa e consolidar o compromis-
so com sua comunidade. Actividades como hip hop,
jogo, dança de rua, grafite, capoeira, música, danças
típicas de cada região, artesanato e desportos diver-
sos são algumas das opções oferecidas com o objecti-
vo de afastar as crianças e os jovens das drogas e de
outras actividades ilícitas.
Luiz Renato Vieira*
Capoeira, identidade e juventude
O potencial dessas modalidades e formas de
expressão artística advém de sua capacidade de
expressar os sentimentos próprios da juventude e de
intervir no processo de formação da identidade cultu-
ral dos jovens. De alguma forma, essas manifestações
valorizam a subjectividade, dão voz a uma juventude
que busca diferenciação em um contexto sociocultural
que é cada vez mais difícil.
Nesse sentido, é importante observar pesquisas
que destacam a importância da capoeira na formação
da identidade do adolescente, tendo em vista suas
características de actividade colectiva, permitindo a
afirmação do indivíduo perante ao grupo. De acordo
Projecto Expresso Acção, no Distrito Federal, Brasil.
15
com a maioria das abordagens da psico-
logia, a adolescência configura a fase
aguda da afirmação da identidade do
indivíduo. A cultura exerce papel rele-
vante nesse momento, pois apresenta
estruturas e costumes sociais que ope-
racionalizam a transição da infância à
vida adulta. A capoeira, tanto pela visibi-
lidade que adquiriu no cenário interna-
cional, quanto pelas características de
modalidade que reúne expressão corpo-
ral, musicalidade e carácter combativo,
é um instrumento educacional riquíssi-
mo nesse contexto.
Os projetos sociais se destacam no
Brasil a partir do início da década de
1990, tendo como principal suporte
institucional as ONGs. Essas organi-
zações surgem no cenário social e
político brasileiro desde meados da
década de 1980, em virtude da
intensificação da luta por direitos que se
seguiu ao fim do ciclo de governos
militares. As ONGs encamparam a luta
pelos direitos sociais em nova perspec-
tiva, voltando-se para temáticas como o
gênero e a questão ambiental, antes
consideradas menos importantes pelo
movimento dos trabalhadores de forma-
ção tradicional.
Essa nova esfera pública não estatal
se fortalece e encontra na cultura um
dos principais elementos para a concre-
tização de um projeto de mobilização da
sociedade voltado para o fortalecimento
comunitário e para a valorização das
identidades e prática culturais locais. O combate ao uso de drogas tem
sido uma das principais temáticas traba-
lhadas pelas ONGs com actuação em
comunidades pobres. Parte-se, regra
geral, do princípio de que o uso de dro-
gas entre jovens está fortemente asso-
ciado a comportamentos determinados
pelos grupos a que pertencem.
Portanto, mobilizar o grupo a partir
de seus próprios valores e interesses é
considerado o melhor ponto de partida
para enfrentar a questão. Essa aborda-
gem, que adopta a perspectiva do jovem,
e não a do Estado repressor, serve de
base para inúmeras iniciativas e tem se
mostrado muito mais eficaz no enfrenta-
mento do problema.
Esse é o princípio que estrutura as
acções relacionadas à capoeira nos pro-
jectos sociais. É fundamental reconhecer
Jovens aprendendo a ginga da capoeira.
É fundamental reconhecer e valorizar a
busca do adolescente pela afirmação de
sua identidade e viabilizar os meios para
que essa dinâmica pessoal encontre
alternativas de práticas culturais
compatíveis com o momento vivido.
e valorizar a busca do adolescente pela
afirmação de sua identidade e viabilizar
os meios para que essa dinâmica pes-
soal encontre alternativas de práticas
culturais compatíveis com o momento
vivido.
Nesse sentido, a capoeira apresenta
uma significativa compatibilidade, por
suas características, com os chamados
projectos sociais. Afinal, na feliz expres-
são de Letícia Reis, reconhecida pesqui-
sadora no campo da cultura, a capoeira
questiona os valores sociais e nos apre-
senta “um mundo de pernas para o ar”.
Algumas recomendações
Há tempos pesquisadores chamam
a atenção para o fato de que, para além
da ocupação do tempo livre dos jovens,
é fundamental reflectir sobre a natureza
das actividades utilizadas nos progra-
mas. É fundamental, também, trabalhar
aspectos da formação dos jovens de
forma que fortaleçam a auto-estima e o
protagonismo em suas comunidades. A
cultura, a arte e o desporto são impor-
tantes ferramentas para isso, mas é in-
dispensável que as actividades sejam
acompanhadas de orientação pedagógi-
ca e exercícios de reflexão.
Algumas recomendações são im-
portantes em um cenário em que as
ONGs se firmam como interlocutores
privilegiados em comunidades pobres e
ampliam sua capacidade de desenvolver
actividades culturais, desportivas e ar-
tísticas que, de fato, configuram formas
eficazes de educação não-formal. É
importante que a actuação dessas enti-
dades seja mais bem articulada com os
órgãos do poder público. Se, por um
lado, a informalidade que preside o tra-
balho das ONGs permite flexibilidade na
actuação e o enfrentamento rápido de
problemas sociais objectivos, por outro,
é grande o risco de subaproveitamento
de recursos humanos e financeiros. Tal
fato decorre das limitações de planea-
mento para sua actuação e da fiscaliza-
ção da utilização dos recursos públicos
que são repassados a essas entidades.
Faz-se necessário aperfeiçoar os
mecanismos de qualificação dos profis-
sionais actuantes, tanto no que se refere
à atividade-fim desempenhada quanto
no que concerne à gestão. Podem os
órgãos do Estado contribuir para o
aperfeiçoamento profissional sem que
isso configure qualquer forma de inter-
venção em sua actuação, que deve se
caracterizar pela independência e pela
defesa do interesse das comunidades
em que actua.
No que se refere à utilização da
capoeira em iniciativas destinadas a
grupos de jovens em situação de risco
imaginário dos professores e mestres e
mesmo nas concepções de alguns pes-
quisadores, o que é necessário superar.
Fala-se, ainda, em uma espécie de resis-
tência cultural, que estaria presente na
capoeira pelo fato de essa modalidade
ter surgido como oposição à violência e
à cultura da escravidão.
Na verdade, a capoeira, como qual-
quer instituição social, é o que a prática
social lhe impõe. Dessa forma, é funda-
mental que sua aplicação em iniciativas
de combate às drogas seja acompanhada
de competente trabalho pedagógico e
profunda reflexão sobre o contexto
sociocultural. Apenas assim poderemos
garantir que o ensino da capoeira seja
veículo de valores estruturantes para a
personalidade do jovem e fortalecedo-
res de sua identidade social.
*Sociólogo, mestre e doutor em sociologia da cultura. Consultor Legislativo do Senado Fede-ral. Mestre de Capoeira do Grupo Beribazu. Coordenador do Projecto Capoeira Actividade Comunitária da Universidade de Brasília. [email protected]
17
Gingando para Cidadania — Capoeira em Portugal
A capoeira é da malta: os grupos/tribos de capoeira em Portugal
Ricardo Nascimento*
Segundo o dicionário da língua por-
tuguesa, a palavra malta significa:
“reunião de gente de baixa condição,
grupo de pessoas afins, bando, grupos
causadores de desordens com as suas
diversões”. No português do Brasil, a
mesma é desconhecida e não consta do
vocabulário coloquial. Aqueles que a
conhecem, sabem que ela alude às mal-
tas de capoeiras, que eram grupos de
indivíduos que ocupavam a cidade do
Rio de Janeiro, então capital do império,
e a quem se atribuía a prática da luta
corporal denominada de capoeira.
É provável que o sentido que lhe era
atribuído nos tempos idos do Brasil
colónia, salvo os contextos históricos,
fossem os mesmos que em terras lusas
ainda se atribui para denominar um
ajuntamento de pessoas que se unem
para um fim. Sendo a palavra malta de
uso corrente no português de Portugal,
e ainda que o dicionário lhe atribua um
sentido pejorativo de agrupamento de
pessoas para prática da desordem, num
certo tipo de uso coloquial do vocábulo,
que aproxima-se ao que atribuímos
como sendo grupos e tribos sociais, bem
poderíamos dizer que, em Portugal, as
maltas de capoeira ainda existem. Não
com o significado que lhes era dado
anteriormente, mas como ajuntamento
de indivíduos que se unem para “fazer
capoeira” num sentido neotribal e esté-
tico do termo.
Em 1850 entrava em vigor a proibi-
ção do tráfico de escravos, e 1888 a
escravatura era abolida no Brasil. Este
facto possibilitou a intensa entrada de
europeus no país. Em 1881, eram mais
de 215 mil, entre portugueses, italianos
e alemães. A condição escrava era muito
“O número de portugueses detidos por capoeira era muito representativo da presença lusa nas maltas. Para alguns pesquisadores,
a explicação desse facto devia-se ao forte intercâmbio com a população pobre da cidade.”
19
próxima do emigrante, cujos barcos de
vinda para o Brasil, na época, eram os
mesmo que haviam transportado os
negros escravos em outros tempos.
O número de portugueses detidos
por capoeira era muito representativo
da presença lusa nas maltas. Para alguns
pesquisadores, a explicação desse facto
devia-se ao forte intercâmbio com a
população pobre da cidade (negros e
mestiços) a partilha dos mesmos locais
de moradias, os cortiços, e das mesmas
condições de vida e trabalho.
Há indícios de uma similitude entre
os dois tipos sociais distintos que guar-
davam entre si fortes semelhanças, o
negro e mulato brasileiro e o fadista
português. Este era uma personagem
clássica da crónica policial lisboeta, que
se caracterizava não apenas pelo canto
do fado, mas pela predilecção pelos
ambientes nocturnos, pela boémia, fre-
quentada por vagabundos, prostitutas e
marinheiros e pelo uso hábil da navalha,
instrumento de grande predilecção dos
capoeiras, supostamente introduzido
entre eles pelos imigrantes lusos. Tanto
o negro e o mestiço brasileiro como o
fadista português eram um subproduto
do meio social urbano do século XIX,
que subsistia na marginalidade citadina.
Existiam ainda alguns emigrantes portu-
gueses oriundos de famílias abastadas
que tomaram parte nas práticas da
capoeira como amadores, eram os cha-
mados cordões de elegantes.
Consta que a presença dos portugue-
ses na capoeira fazia-se muito cedo,
rondando ainda a adolescência, ou seja,
logo quando estes chegavam ao Brasil, e
entre os contingentes mais representati-
vos estavam os oriundos dos Açores, da
região Norte de Portugal e Lisboa.
Alguns pesquisadores acreditam que
estamos entrando num novo paradigma
cultural, deixando para trás os traços da
modernidade, adoptando um ponto de
vista mais emotivo, hedonista e dionisía-
co em relação ao mundo.
Se seguirmos esta perspectiva, per-
ceberemos que h| uma “desafeiç~o”
pelas grandes instituições sociais como
os partidos políticos e os sindicatos. Nas
grandes cidades as populações estão a
A capoeira e a escravidão no Brasil são elementos inseparáveis.
agrupar-se em microtribos e a procurar
novas formas de solidariedade, que já
não encontramos nas grandes institui-
ções sociais habituais. O modelo racio-
nal da Modernidade, que prega a ordem
e o progresso ilimitado, esgotou-se. A
razão cedeu lugar à emoção, ao sentir o
colectivo das tribos urbanas.
As tribos de capoeira se espalharam
pelo mundo e são, na actualidade, um
fenómeno surpreendente que tendo
origem nos meios populares e visto
como marginais ganhou um carácter
global. Parte da explicação que possibili-
ta compreender a actual expansão da
capoeira situa-se no domínio do sentir.
O momento do treino e da roda é uma
grande catarse colectiva em que os indi-
víduos que partilham uma linguagem
corporal e musical comum expressam
através dela o sentido da existência em
comunidade. Na roda de capoeira é pos-
sível rir, chorar, cantar, bater, dançar,
brincar, mas seja qual for a reacção, não
ficaremos indiferentes as emoções que
ela nos pode suscitar. Apesar dos seus
progenitores não lhe terem atribuído, na
sua gestação, nenhuma vocação expan-
sionista, ela enquanto linguagem cultu-
ral que envolve o corpo e a música,
difundiu-se naturalmente bem mais que
o Esperanto, cuja propósito era de servir
de língua universal. A parte do modelo
de linguagem que separa o Esperanto da
capoeira, qualquer capoeirista, seja qual
for a sua nacionalidade e língua poderá
dialogar na roda seguindo os seus pre-
ceitos rituais.
A capoeira em Portugal
A capoeira em Portugal é um fenóme-
no recente e apesar do forte envolvi-
mento dos nacionais lusos nessa forma
de arte, jogo e luta, fazer-se em tempos
remotos, não decorre daí o seu início
nas terras de Camões.
Os anos que se seguiram ao 25 de
Abril de 1974 marcaram importantes
mudanças na sociedade portuguesa. O
pós 25 de Abril representou uma aber-
tura para os valores democráticos e um
espaço de alargamento cultural que
permitiu desenlaçar, sem constrangi-
mentos, as amarras moralistas do antigo
regime.
Observa-se que o sufrágio eleitoral
21
feminino só ocorreu plenamente após o
25 de Abril, assim como inúmeras
outras mudanças ao nível da organiza-
ção sindical, da massificação do ensino e
da abertura económica e social para um
novo modelo emergente na Europa e no
mundo. Em 1986, Portugal entrava para
a Comunidade Europeia e passava a
gozar de uma série de fundos comunitá-
rios que permitiram a sua modernização
e incremento.
No início da década de 1990 criavam
-se as estações de televisão privadas e
com elas a difusão de ideias, valores,
hábitos e novas práticas de consumo.
Inicialmente a população portuguesa
sofreu um aumento substancial decor-
rente do retorno dos seus emigrantes
residentes nas ex-colónias mas também
de residentes no Brasil, cuja partida de
Portugal fez-se por volta das décadas de
50 e 60. Para além do impacto demográ-
fico, esta população trouxe consigo uma
série de novos hábitos e costumes, uma
forma de ver o mundo adquirida nos
recantos dos trópicos.
Ainda na década de 70 iniciavam-se
em Portugal, as práticas religiosas afro-
brasileiras introduzidas por emigrantes
portugueses que se tinham integrado
nestes cultos religiosos no Brasil. Ainda
que a capoeira não tenha entrado em
território nacional a partir do retorno
de emigrantes nacionais vindos do Bra-
sil, o seu início e rápida penetração deu-
se pela abertura proporcionada pelas
mudanças na sociedade portuguesa
ocorridas nas décadas de 70 e 80 que
proporcionaram, por sua vez, a adesão a
outras práticas de origem afro-
brasileira, como o foi o caso do Candom-
blé e da Umbanda acima referidos.
Durante este período, Portugal transita-
va de um país emissor de emigrantes
para um espaço receptor de imigrantes.
Cabe salientar o papel dos media e
da literatura na formação de um imagi-
nário da cultura dos trópicos, mas tam-
bém nos hábitos sociais dos portugue-
ses, como a difusão de telenovelas como
Gabriela Cravo e Canela e Sinhá Moça e
os livros Capitães de Areia e Tenda dos
Milagres de Jorge Amado. Era veiculada
uma tropicalidade exótica, despida de
preconceitos e uma cultura alegre e
etnicamente “bem resolvida”. Por isso,
aquando da introdução da capoeira,
mesmo com o seu desconhecimento, ela
foi acolhida com facilidade numa socie-
dade sedenta por experimentar outras
formas de pertença.
Sabemos que formalmente a história
da capoeira em Portugal começa com
Afránio Gouveia Silveira, o Mestre
Magôo. “Cheguei em Portugal no dia 19
de Setembro de 1987, e logo no mês
seguinte já ministrava aulas de capoeira
numa sala na rua de Santa Catarina,
próximo ao Marquês de Pombal no Por-
to” , diz o mestre. No ano de 1991 regis-
tava-se, legalmente no Registo Comer-
cial de Lisboa, a Associação de Capoeira
Negro Nagô de Angola, a primeira insti-
tuição vocacionada para a capoeira em
Portugal.
Neste mesmo ano o mestre apresen-
tava um trabalho estruturado, com um
número significativo de alunos empe-
nhados na prática da capoeira, e em
1992 realizou o seu primeiro encontro
Nacional, que foi, na verdade, o primeiro
a realizar-se formalmente em Portugal. Por volta de 2003 um levantamento
realizado por Falcão, pesquisador e
mestre de capoeira, contabilizava que
existiam cerca de 35 professores brasi-
leiros a dar aulas em Portugal entre
mestres, contra-mestres e instrutores.
Segundo este estudo, a maioria destes
profissionais é proveniente da região
Nordeste do Brasil, em especial das
cidades de Recife e Salvador.
Conforme o levantamento que reali-
zámos junto aos grupos, seus líderes e
alunos, contabilizamos cerca de 55 gru-
pos espalhados por todo o território
nacional. Destes 55, 13 grupos foram
criados de raiz em Portugal e reflectem
um crescimento endógeno do fenómeno
da capoeira.
Quanto ao número de profissionais a
ministrar aulas, estimamos que actual-
mente se aproxima dos cem. Entre estes
100, julgamos que uma parte significati-
va seja de portugueses, provavelmente a
maioria, resultado de um trabalho que já
dura, desde o seu início, há 23 anos em
Portugal. Convém esclarecer que destes
13 grupos todos foram criados a partir
de outros grupos preexistentes em Por-
tugal, sendo que destes, 3 apenas foram
criados por portugueses que tenciona-
“Contabilizamos cerca de 55
grupos espalhados por todo o
território nacional. Destes 55, 13
grupos foram criados de raiz em
Portugal e reflectem um
crescimento endógeno do
fenómeno da capoeira. Quanto ao
número de profissionais a ministrar
aulas, estimamos que actualmente
se aproxima dos cem.”
23
vam sustentar os seus próprios traba-
lhos. Baseados neste levantamento acre-
ditamos que o número total de pratican-
tes ronda os 3000 a 3500, número que
não é preciso, mas que, a confirmar-se é
pouco significativo comparativamente a
países como a França que em 2005 pos-
suía mais de 400 grupos em actividade.
A nossa estimativa sugere que cerca
de 5 a 6 grupos se aproximem ou ultra-
passem a margem dos 200 alunos.
Algumas características destes grupos
podem ajudar a explicar os elevados
números de alunos que possuem na
actualidade. Trata-se de grupos que já
se encontram instalados a longo prazo
em Portugal, na maioria dos casos há
mais de 10 anos, e ao longo desse
tempoformaram um conjunto de alunos
portugueses que constituem o seu corpo
docente e que ajudam a alargar o
número de locais onde o grupo actua.
Uma outra explicação prende-se com
a estrutura prévia que o grupo possuía,
bem como um capital cultural agregado
ao longo de anos de existência no Brasil
ou em outros países e uma forma de
organização de cariz empresarial. Entre
estes grupos, encontramos alguns de de
grande porte, muito internacionali-
zados, que Nestor Capoeira caracterizou
como mega-grupos ou grupos empresas,
tais como o grupo Muzenza e Abadá que
se instalaram no país na década de 90.
Não podemos negligenciar que Por-
tugal jogou um papel importante na
junção dos povos que levou a constru-
ção das práticas culturais afro-
brasileiras, ainda que por razões negati-
vas. A historia da capoeira em Portugal
está ainda por fazer-se e seus pioneiros
protagonistas brasileiros hoje somam-se
ao muitos portugueses que compõem a
paisagem capoeirística lusa. Também
devemos salientar o papel de Portugal
no âmbito europeu como país de língua
portuguesa e influente no que tocam as
políticas públicas do continente.
Como espaço de confluência das
culturas lusófonas, Portugal poderá ter
um papel efectivo na produção e divul-
gação de uma arte, que no caso portu-
guês, poderíamos tratar como luso-afro-
brasileira.
*Sociólogo, mestre em Sociologia e Doutor em Antropologia. Professor de capoeira na Associa-ção Ginga Brasil Capoeira. [email protected]
“Não podemos negligenciar que
Portugal jogou um papel importante
na junção dos povos que levou a
construção das práticas culturais
afro-brasileiras, ainda que por razões
negativas. A historia da capoeira em
Portugal está ainda por fazer-se e
seus pioneiros protagonistas
brasileiros hoje somam-se ao muitos
portugueses que compõem a
paisagem capoeirística lusa.”
Gingando para Cidadania — Capoeira na Estónia
Estonia and capoeira. What these words can have in
common? Estonia – a small country with short summers
and long winters, not the first place you would have in mind
for sunny and joyful martial art from Brazil. If you start
asking people on streets, what do they think about capoeira,
there will be many of them replying “what is it?”. However
all of those questions would be filled with the most sincere
interest and eagerness to learn what is this funny word
standing for. They would smile and come closer listening to
your excited explanations mixed with personal impressions
and experiences. Some would remember something similar
in movies, maybe even watching on TV.
You’d be asked if there is any chance it is practiced here
and after few days they might show up at the next training,
filled with excitement of a child going to school for the first
time. That is how you’ll get see reserved inhabitants of Es-
tonia joining “roda” and opening up for something new,
interfering with others, taking part in the building up game
of capoeira.
Marina Tofantsuk Olena Valdenmaiier*
Some Estonians who learned capoeira with teacher Alpino, from Ginga Brasil
Association in Taillinn.
A public performance in the streets of Taillinn.
25
Capoeira came here not many years ago,
brought as a souvenir from warmer countries, an
idea so appealing and intriguing, that people just
didn’t want to let it go. They got together, shared
knowledge they already had, trained and played
together. As any other process is first of all move-
ment and interaction, so did capoeira required to
be shared with people around.
It was a great way to get people together,
include everyone, help them to become part of
something bigger, contribute to common goal. If
you try to put it into scientific social terms, it can
be named social inclusion. A tool to involve those
standing aside into something new, make them a
willing part of some social process. For sure, ca-
poeira can be a good instrument for this. It has no
language or nationality barrier, involving one
thing we all have – ability to move and react
towards others movement. So it does possess all
the quality of good tool – simplicity, universality
and mobility. It’s has taken its place in hearts of
many students, all over the world and even small
cold Estonia was not excluded from that list.
Although there are some difficulties that
local people can meet in capoeira., like singing,
dancing, and simply being relaxed, is a problem
that many can’t overcome even after years of
practicing this sport. Other thing is that Estonian
and Russian people tend to be more involved into
contact sports, like kickboxing, karate, where
they can enjoy kicking each other, and get rid of
stress and aggression. And if you add to this
widespread homophobia, then we can see the
result – such people don’t have too much respect
to capoeira, naming it “dancing for softies or
“Brazilian aerobics” etc. But capoeira came to
Estonia, it survived for over 10 years and we look
into future with a great hope. We are positive. We
love our capoeira.
*Marina was the Estonian leader of Gingando para Ci-dadania and Olena is youth worker in ONG Living for Tomorrow. [email protected] and [email protected]
“Capoeira came here not many years ago, brought as a souvenir from warmer countries, an idea so appealing and intriguing,
that people just didn’t want to let it go”.
Gingando para Cidadania — Capoeira, comunidade e globalização
O fenómeno da Globalização
No mundo globalizado, multiplicam-se as
identidades. Os diversos grupos sociais, não
importa qual a região do planeta, buscam cada
vez mais afirmarem-se enquanto grupo a par-
tir de ideologias, comportamentos, atitudes,
vestimentas, enfim, uma série de traços e
características que identifiquem seus mem-
bros como integrantes de uma mesma “tribo”,
assim como diria o sociólogo Maffesoli.
Esse fenómeno tem sua importância, pois
não deixa de ser uma reacção ao próprio
advento da globalização, que é responsável
por uma padronização em escala mundial, de
modelos, valores e comportamento humanos,
considerados desejáveis para uma sociedade
globalizada. Modelos que na grande maioria
das vezes são advindos de uma referência
norte-americana ou europeia. Ou seja: os
modelos identitários estabelecidos pelos paí-
ses do centro, estabelecem a conduta e as for-
mas de relações humanas e sociais que devem
prevalecer nos países da periferia.
A partir deles, estamos assistindo à pro-
moção de um consumismo exacerbado esti-
mulado por campanhas publicitárias que
transformam produtos supérfluos em géneros
de 1º necessidade; ao aumento em grande
escala de uma cultura de massa apoiada cada
vez mais em produtos descartáveis (músicas,
filmes, programas televisivos, shows, etc.…)
de alto potencial mercadológico e baixa quali-
dade artística; a uma folclorização das cultu-
ras populares tradicionais, transformando-as
em mais um produto de consumo superficial e
“exótico” para alimentar a indústria do turis-
mo e o aumento cada vez maior do abismo
que separa os mais ricos e os mais pobres
entre outras tantas mazelas. Efeitos dessa
Pedro Abib*
27
globalização, que o músico/compositor brasi-
leiro Tom Zé, chama de “globarbarização”.
Mas felizmente, esse processo não se dá
sem reações e o fortalecimento das identi-
dades de grupos sociais nesse contexto, abre
perspectivas no que diz respeito ao
estabelecimento de uma outra lógica, que
também é global, mas que passa pela
construção de outras possibilidades de
convívio social e humano, outros valores, em
que os princípios do modo capitalista de
organização da sociedade contemporânea são
questionados e a partir disso, são criadas
condições para que possam ser superados por
um outro modelo social, mais justo, humano e
solidário. Uma outra globalização é possível!
gritam os participantes dos Fóruns Sociais
Mundiais.
Nessa perspectiva, a capoeira cumpre, a
nosso ver, um papel importantíssimo, pois ao
espalhar-se pelo mundo, essa manifestação
oriunda da cultura afro-brasileira, tem levado
consigo um sistema de valores, um ideal de
conduta, um modelo de relação humana,
enfim, uma filosofia de vida, que tem
influenciado seus praticantes a adquirirem
uma identidade própria, outros valores e um
outro olhar sobre o mundo.
Capoeira e as lutas pela transformação da
sociedade
A capoeira surge como uma luta contra o
sistema escravagista no Brasil, se tornando
uma importante arma do negro escravo con-
tra a violência opressora do branco domina-
dor; e também como afirmação de uma cultu-
ra, e de um sistema de valores que se recusa a
ser subjugado por esse sistema desumano e
opressor que foi a escravidão. Os poderes
constituídos no Brasil muito se esforçaram,
para combater qualquer possibilidade de afir-
mação da cultura e tradição negras. A repres-
são contra qualquer tipo de manifestação de
origem afro-brasileira foi sempre violenta. O
samba, as religiões afro-brasileiras e a capoei-
ra eram os principais alvos dessa repressão,
sendo essa última, incluída no Código Penal
Brasileiro de 1890, como crime passível de
detenção na ilha de Fernando de Noronha, lei
essa que vigorou durante mais de 4 décadas.
Mas apesar de tudo isso, a cultura afro-
brasileira conseguiu resistir, não só adquirin-
do espaço na sociedade, como ganhando res-
peito e valorização por parte das mais diver-
sas camadas sociais. As religiões afro-
brasileiras não param de crescer e hoje são
Foto Agência Estado
Foto Pierre Verger
vistas com dignidade, o samba se tornou um
dos mais importantes símbolos da identidade
nacional, assim como a capoeira, que recente-
mente recebeu do Instituto do Património
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o
importante título de “Património da Cultura
Brasileira”.
A capoeira, quem diria, hoje ganhou status
e valorização e está presente em mais de 170
países no mundo todo. Outrora, era tida como
coisa de desocupados, vadios, marginais. Hoje
é vista como importante meio de educação,
estando presente em escolas, universidades,
projectos sociais, academias, clubes, além de
se fazer presente como tema de teses e disser-
tações académicas, livros, filmes, poesia, artes
plásticas e etc.
Mas é claro que esse crescimento a nível
global traz também consequências negativas.
O capitalismo sabe muito bem como se apro-
priar dos bens produzidos pela sociedade,
sejam eles materiais ou imateriais, para ade-
quá-los à sua lógica. Percebemos assim, uma
tendência que vem crescendo nos últimos
anos, de transformação da capoeira em mais
uma mercadoria na prateleira dos “shopping
centers das culturas globalizadas”. Se por um
lado, isso garante a divulgação
dessa manifestação para um
público cada vez maior, por outro
faz com que ela perca muito dos
seus traços identitários que a
caracterizam como cultura tradi-
cional de resistência.
Não defendemos aqui uma
visão essencialista de cultura,
nem muito menos defendendo o
discurso de que toda e qualquer
transformação das culturas tradi-
cionais é vista como descaracteri-
zação, e as mudanças constata-
das, vistas como contaminação
“A capoeira, quem diria, hoje
ganhou status e valorização
e está presente em mais de
170 países no mundo todo.
Outrora, era tida como coisa
de desocupados, vadios,
marginais. Hoje é vista como
importante meio de
educação”
alunos – que enfatiza somente os aspectos
mercadológicos dessa manifestação, priori-
zando modismos e uma estética “especta-
cularizada” e superficial da pr|tica da capoei-
ra, em detrimento de uma visão mais profun-
da, preocupada com a historicidade, a ances-
tralidade, os aspectos rituais, a filosofia e os
valores implícitos nessa prática, que tornam o
praticante de capoeira, um sujeito mais cons-
ciente sobre si mesmo, e sobre a sociedade da
qual faz parte.
É justamente aí que reside o valor educati-
vo da capoeira. Ela só pode servir como instru-
mento de educação, se estiver voltada para
esses valores mais profundos da existência
humana, que a experiência africana no Brasil
soube tão bem traduzir. Uma manifestação
que foi capaz de resistir a séculos de violência
e soube preservar as formas tradicionais de
transmissão dos saberes através da oralidade,
do respeito aos mais velhos e aos antepassa-
dos, do respeito ao outro (mesmo sendo ele
adversário!), do sentido de solidariedade e da
vida em comunidade. Esses valores consti-
tuem-se em saberes riquíssimos que estão
presentes na capoeira e, que num processo
educativo, têm muito a contribuir na formação
29
de sujeitos mais humanizados e conscientes
de seu papel na sociedade.
Por outro lado, se a capoeira for vista
apenas como uma estratégia de marketing,
como prática corporal de modismos, disso-
ciada de seus aspectos históricos e culturais,
ou como mera mercadoria de consumo, volta-
da para grandes massas que se satisfazem com
práticas superficiais e descompromissadas,
feitas por corpos excessivamente musculosos
e acrobáticos, ela então deixa de ter esse
caráter de prática libertadora e contestadora
da ordem social injusta - característica que
sempre a acom-panhou desde sua origem -
para transformar-se em mais uma mera
atraç~o do parque de diversões da “feliz” e
excludente sociedade de consumo capitalista.
Os aspectos identitários presentes na
capoeira aproximam o praticante de uma
experiência mais profunda no campo da exis-
tência humana, das relações sociais, da estéti-
ca do jogo fluido e solto, do prazer de movi-
mentar-se em diálogo com o outro, do respeito
à ancestralidade e à sabedoria dos velhos mes-
tres, da experiência sensorial da música e do
ritual de uma roda de capoeira. São aspectos
que dão a esse praticante um forte sentido de
pertencimento à uma comunidade: a comuni-
dade da capoeira. E o mais interessante, é que
esse processo pode se dar em Salvador, na
Bahia - local do Brasil onde a prática da
capoeira é mais intensa – como pode se dar
em Tel-Aviv, Tókio ou Amesterdão.
Um capoeirista, ao iniciar-se no universo
da capoeira de forma profunda - e não superfi-
cial como já criticamos acima - experimenta
um processo de transformação interna que o
faz questionar valores e crenças, que o faz se
abrir para novas formas de enxergar o mundo,
que o faz rever preconceitos, que o faz se sen-
tir responsável pelo grupo do qual faz parte,
desenvolvendo um forte sentido de compro-
misso social, que o faz experimentar o sentido
da vida em comunidade, que o faz solidarizar-
se com as lutas contra todas as opressões, já
que a capoeira nasce daí.
Comunidade: um caminho posível
No âmbito mundial, com o enfraque-
cimento de uma forma de organi-zação social
baseada nas grandes massas, em que a luta
pelas reivindicações era pautada nas grandes
mobilizações, um outro tipo de mobilização
vem ganhando força.
“Os aspectos identitários
presentes na capoeira
aproximam o praticante de
uma experiência mais
profunda no campo da
existência humana, das
relações sociais, da estética
do jogo fluido e solto, do
prazer de movimentar-se em
diálogo com o outro”.
Pedro Abib em um workshop de capoeira
Angola, em São João da Madeira (2009).
Refiro-me àquele tipo de mobilização voltado
para reivindicações pontuais, de grupos
sociais específicos, que lutam por suas causas
particulares, mas ao mesmo tempo, articulam
-se numa grande rede mundial de
movimentos sociais contes-tatórios ao
modelo capitalista globa-lizante, tal qual o
Fórum Social Mundial, já citado. E é
justamente aí que se tornam mais fortes. E é
nessa lógica que o sentido de “comunidade”
também ganha força e se torna uma possi-
bilidade concreta de se contrapor à lógica do
individualismo, da competição, do consu-
mismo exacer-bado, tão presentes no modelo
atual de nossa sociedade.
A comunidade passa a ser, nesse
momento histórico em que vivemos, uma
experiência de convivência humana que pode
favorecer a construção de uma outra lógica,
baseada numa possibilidade concreta de esta-
belecer outras relações sociais, outras formas
de luta e reivindicação, outras formas de rela-
cionar com o meio ambiente, enfim, outra
globa-lização. Outra globalização é possível!
Nesse sentido, podemos afirmar que a
capoeira é hoje, uma comunidade global, uni-
da por fortes laços identitários, que caracte-
rizam seus praticantes como pertencentes a
um grupo social que partilha valores, ideais,
comportamentos, atitudes. Um grupo social
ligado por redes articula-das a nível mundial,
que permite não só a comunicação e a troca
de informações entre os milhões de
praticantes dessa arte-luta, como também a
interação entre eles, a partir da participação
em eventos, cursos, oficinas, palestras,
workshops, encontros, seminários,
congressos, na maioria das vezes com a
presença de consagrados mestres de
capoeira, que continuam cumprindo a missão
de “guardiões da tradiç~o”.
A capoeira pode se transformar em pouco
tempo, e já dá sinais evidentes disso, numa
referência a nível global, para a busca do en-
tendimento entre os povose um exemplo para
o exercício da solidariedade e da coopera-ção,
do respeito à diversidade, enfim, uma refe-
rência para a humanização. A roda de
capoeira, em sua circularidade, acaba sendo
uma metáfora do planeta Terra, onde
gerações de capoeiristas dos pontos mais
distantes do globo, e de todas as épocas, se
juntam para celebrar, reverenciar, cantar,
tocar e jogar.
*Pedro Abib é professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, capoeirista formado pelo Mestre João Pequeno e autor de diversos livros. [email protected]
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Gingando para Cidadania — Capoeira e festas populares
Carlos Eugênio Soares* Frederico José Abreu *
Embora alguns (Deus há de querer muitos!) ainda insistam,
com certeza, para os “capoeiristas de antigamente” (express~o
da lavra do mestre Daniel Coutinho, vulgo Noronha), os
capoeiras de outrora eram viciados em festas. Pode-se dizer sem
exagero: para alguns deles; brincar, festejar, vadiar era preciso,
viver; uma conseqüência disso.
Eram viciados, principalmente, em festas populares. Das
realizadas nas ruas, pelas quais foram irresistivelmente sedu-
zidos, e nas quais, pela constante presença, influíram nos mol-
des, ritos e destinos. Cumpriam um ato de coerência histórica:
na luta contra as adversidades, os capoeiras não deixaram
esmorecer os ímpetos de alegria, arrefecer a busca pelo prazer,
fatores essenciais para manter em esguia alta o destino histórico
da capoeira. Como reclamavam das festas dos pretos a
imprensa, as autoridades policias e senhores de escravos, no
Brasil colonial, imperial e republicano!
Tanto Noronha como Querino, em seus livros,
diagnosticaram aspectos desse vício, apresentando taxativas
informações sobre ele. O primeiro reproduziu o calendário
completo das principais festas populares de Salvador, apontou
algumas do Recôncavo baiano e outras do interior do Estado da
Bahia (como há festas nesses lugares!). Em todas, olha lá os
capoeiristas de antigamente se deslocando por vários bairros,
cidades, regiões atrás daquelas de sua predileção.
Matar a fome. Satisfazer o vício. Podiam ser festas de
motivação religiosa, cívica, ou de outra natureza qualquer,
desde que parte delas tivesse como campo de celebração a rua.
O ar livre. Fizesse chuva ou sol. Por elas, a mesma predileção
tinham os batuqueiros; o pessoal do samba, do candomblé e da
arrelia, gente, assim como os capoeiras, fissurada por festa.
Podia chover canivete, que essa brava gente estava lá, mesmo
que o ambiente estivesse minado de perigo.
Mesmo que por um triz de nada se provocasse um tumulto.
Tinha gente mesmo que só ia para isso: provocar briga, mostrar
serviço. Noronha (mestre de Capoeira Angola, parceiro de
Pastinha), sem hipocrisia, escolheu a palavra-conceito baderna
para bem definir a capoeira das primeiras décadas do século XX,
na Bahia. No meio dela se quisessem um amigo até encontraria,
mas santo, nem pensar. Para o capoeirista daquela “era”, santo
só na Igreja ou nos Terreiros. Naquele ambiente se desconfiava
até das sinházinhas, se andava de um
passo para o outro escondendo a própria
sombra.
Noronha, sabedor dessas coisas e
freqüentador de festas com batuque,
capoeira, samba, só ia até elas armado e
de corpo fechado: patuá, orações em dia
e cheio de coragem para enfrentar a
situação. O comportamento dos capoei-
ristas nas festas populares lhe deu
subsídios para proclamar esta sentença:
“o capoeirista de antigamente n~o
brincava em serviço”.
Por sua vez, o outro sábio, Manuel
Querino (um dos pioneiros dos estudos
sobre os costumes africanos no Brasil e
cronista de mão cheia sobre aspectos da
Bahia do seu tempo), ratificou a pre-
dileção para as festas dos capoeiras de
outrora e os tumultos por eles provo-
cados nessas ocasiões. Em termos de
calendário, menciona apenas as festas da
Semana Santa e os locais – “campos de
batalha”- escolhidos pelos capoeiras para
se divertirem e digladiarem contra gru-
pos rivais e turmas de rua.
A “ideia”: afirmar-se belicamente –
quem manda aqui sou eu e minha turma,
defendendo o seu território, ou
invadindo o do rival, na base da pedra-
da, cacetada, cabeçada, rabo de arraia e
ma-nobrando com outras artes da man-
dinga. O cenário era o Centro Histórico
de Salvador e ruas adjacentes. O Terrei-
ro de Jesus era o palco principal dos
acontecimentos, cotidianamente, api-
nhado de capoeiras, amadores ou profis-
sionais, conforme o testemunho dos
jornais da época.
Eis a razão do porque os capoeiras de
outrora se estimulavam para os
combates, lendo ou ouvindo narrativas
do cordel sobre guerreiros (moda da
época) e portassem nos “batalhões”,
símbolos, adereços e outros troços de
guerra. Pareciam já dormentes as
agruras existências, as mutilações dos
ex-combatentes da Guerra do Paraguai,
muitos dos quais foram forçosamente
recrutados naquele mesmo cenário.
Se Noronha definiu como baderna a
capoeira de antigamente, Querino se
valeu da gíria do capadocio para concei-
tuar a de outrora (por ele obser-vada e
focada, nas suas publicações, entre 1860
e 1923, no máximo). Para o capadocio
33
(arruaceiro mor das ruas do Brasil) a
capoeira era o “brinquedo”. Quanta
delicadeza vinda de gente socialmente
tão áspera! Vinda de quem veio, todo
cuidado era pouco. Quem era esperto e
freqüentava o miolo ou as proximidades
do ambiente dos capadócios, só lidava
com eles de olhos abertos, só entrava na
roda ligado, nada de transe, possessão
ou algo parecido.
O conceito se aplicava mais apro-
priadamente aos que eram mais dados a
afeitos à capoeiragem. Aos que sabiam
aplicar maneirosamente a arte dos
venenos (malícias, maldades, falsidades
e mandingas) e também bloquear os
efeitos malignos das suas propriedades.
Veneno contra veneno, até um anular o
outro; cobra contra cobra, até uma
morder a outra. Brincadeira cheia de
brincadeiras de bom ou mau gosto, de
enganos que se enganam, nunca defini-
da a priori; se será levada na base da
mera brincadeira, ou se pelas circuns-
tâncias do seu enrolar e desenrolar vai
ficar à vera.
Deixando de lado a capoeira religião
e focada apenas na popular (jogada nas
ruas e em alguns ginásios) percebe-se
que ela permanece sendo como a de
outrora: brincadeira para quem
“guenta” brincadeira, para quem topa
suas conseqüências. Esta capoeira,
coerente com o ambiente das ruas, já
teve mais vez, muito mais vez, nas festas
de largo da cidade da Bahia, de
Pernambuco e Rio de Janeiro.
É para onde vamos, seguindo o
roteiro de Hilário Ferreira, uma figura
emblemática da cultura popular brasi-
leira. Hilário nasceu em Pernam-buco e
morou em Salvador, onde se viciou
culturalmente na observação e prática
de artes tradicionais afro-baianas. Não
só isso. Aprendeu a dar novos tratos e a
imprimir os estilos culturais dos
homens pretos nas manifestações
originárias de outras etnias, como nos
ternos e ranchos de origem ibérica, mas
que, no Brasil, as camadas populares se
apoderaram e tomaram conta. Neste
caso, foram as Festas dos Reis Magos,
que favoreceu o processo. Nisso Hilário
montou escola e virou professor.
Como Salvador é uma cidade festeira
que só ela, dá para pensar e imaginar - e
disso se tem prova – a quantidade
registada de processos de criação,
conservação, invenção e reinvenções de
tradições. Quantas misturas e “di|logos”
de elementos de culturas diversos se
oportunizaram nos ambientes das festas
populares. Essas se expressavam
“originalmente” apresentando fortes
manchas de sincretismos cultural e
religioso e cruzamentos dos campos do
sagrado e do profano.
Por volta de 1872, Hilário Jovino se
mudou para o Rio de Janeiro, capital do
Império. Nesta cidade, ainda permane-
ceu integrado à comunidade baiana,
formada na sua maioria por homens e
mulheres pretas, que para o Rio
migraram na condição de escravos, e,
em maior quantidade, livres. De
passagem é bom que se diga que a
Bahia, na ocasião, já funcionava como
uma “boca” para o tr|fico interpro-
vincial de escravos, neste aspecto sendo
um importante provedor de mão-de-
obra para as plantações de café do vale
da Parnaíba e para os serviços urbanos
da cidade do Rio. Alguns estudos sobre a
capoeira e o samba nessa cidade
confirmaram a presença de capoeiristas
baianos que foram passageiros da citada
migração.
A comunidade baiana no Rio se fixou
territorialmente próximo à zona
portuária, onde parte significativa dela
trabalhava. Nas proximidades estava o
Morro da Providência, e, nele, a Casa Tia
Ciata, “capital da Pequena África”, regi~o
geocultural, que se estendia da Saúde
até a Praça Onze, trecho durante muitos
anos transformado em passarela do
samba e do carnaval carioca.
Tia Ciata foi uma baiana, que para o
Rio de Janeiro também se mudara em
1873, e com 16 anos de idade se tornou
uma lenda da memória popular desta
cidade. Sua famosa e histórica casa foi
frequentada por muita gente ilustre da
cultura popular, a exemplo de Hilário
Jovino, João da Baiana e outras tias
baianas “escoladas em muitas das artes
e artesanato do Recôncavo Baiano, de
onde vieram.
Donga, responsável pela primeira
gravação de um samba em 1916, Pixin-
“Como Salvador é uma cidade festeira
que só ela, dá para pensar e imaginar
- e disso se tem prova – a quantidade
registrada de processos de criação,
conservação, invenção e reinvenções
de tradições.”
Terreiro de Jesus, em Salvador, Bahia.
35
guinha, sambistas, capoeiristas, artistas,
baianos e cariocas freqüentavam a “Casa
da Tia Ciata” que com seus saraus,
concertos, rodas de samba e batucada,
alimentavam a vida cultural da cidade.
O relevante desem-penho da comuni-
dade baiana foi tão influente na forma-
ção da cultura popular carioca, no final
do século XIX , que a esta comunidade já
se quis atribuir a exclus-ividade do
fenômeno e a primazia sobre o samba,
em qualquer das suas variações.
A super importância dos baianos foi
refutada, sem, contudo, desfazer os
méritos que tiveram. Tradicionalmente
a Bahia fixou-se no coração da cultura
popular do Rio de Janeiro, assim como
este Estado, capital do Império e logo
em seguida da República, foi para as
camadas popu-lares da Bahia um ponto
de destino, por nele se vislumbrar
melhores condições para se levar a vida
e também deixar pela vida se levar.
Para se entender o que se passava
nas primeiras décadas do século XX, no
Rio, incluindo a questão sobre as
origens do samba, sugere-se recuar no
tempo para perceber como e quando o
batuque era alvo das perseguições
policialescas. Não raro eles se escon-
diam nos zungus, casas de pretos que
serviam de abrigos para escravos e liber
-tos em becos e ruelas. O batuque era
um genérico para qualquer festa de
pretos e pardos na rua e sua influência
no samba é claríssima.
Na Bahia e no Rio de Janeiro, para os
capoeiras, as festas, antigamente,
podiam ser constituír em ocasiões
eventuais de divertimento e briga. Ou
mesmo uma chance para fazer da vida
um faz de conta. Ou também uma
oportunidade para eles fazerem conta,
ganhar uma grana, trocar um favor, se
jogar um contra o outro. De imediato,
era um momento para demonstrar o
vigor de seu bairro, sua freguesia, rua,
praça, escada, tabique, buteco, suas
cores, sua bandeira, banda, categoria,
sua turma, garbo ou jogo. Poderia ser a
hora de ganhar um amor, juntar amigos,
preservar e comunicar valores e prin-
cípios. Coisas que soletram a identidade.
“O batuque era um genérico para
qualquer festa de pretos e pardos na
rua e sua influência no samba é
claríssima. E este termo também
relaciona-se com uma entre outras
“nações” dos escravos africanos que
desembarcavam na cidade após
pavorosa viagem.”
*Professor da Universidade Federal da Bahia, Doutor em História e escritor. Torcedor do Esporte Clube Bahia e observador das coisas da capoeira. Este artigo foi escrito de forma não uniforme por dois autores. [email protected]
Gingando para Cidadania — Associação Cultural Ginga Brasil na Europa
Geraldo Junior*
A Associação Cultural Ginga Brasil Capoeira foi
fundada no Brasil, em 22 de Junho de 1992, por
Severino José Bezerra, também conhecido como
Mestre Nenê no meio capoeirístico. Desde então, o
grupo de professores e alunos desenvolvem pro-
jectos sociais em comunidades das cidades de São
Paulo e Recife.
Eu fui o primeiro representante desta associa-
ção a vir para Europa (Alemanha) em Novembro
de 2001. Naquela época, ouvia outros professores
a comentar sobre a capoeira na Europa, mas foi
preciso estar aqui para realmente perceber como as
aulas e os projectos funcionam. Dois anos depois, vim
para Portugal, onde até hoje continuo a viver.
Estabelecer um núcleo do Ginga Brasil aqui não foi
fácil. Começamos a trabalhar em Vila Nova de Gaia e
no Porto. Através da Fundação da Zona Histórica do
Porto e da Escola de Mira Gaia conseguimos promover
nosso primeiro projecto social, no qual ensinávamos
crianças e jovens da comunidade ribeirinha do Porto.
Foi o primeiro passo para eu ver o potencial de inclu-
Contra-Mestre Bola entregando à Chocolate a primeira corda amarela-
laranja do grupo Ginga Brasil na Europa.
Workshop de capoeira, no Porto, em 2006.
37
são e tolerância que a capoeira tem em si.
Com a vinda de Ricardo Nascimento para o
Ginga Brasil, passamos a atingir as regiões do
Grande Porto e Aveiro, pois, na altura, ele tam-
bém ensinava capoeira a jovens em diversas
cidades desse distrito.
A expansão real de nosso trabalho na Euro-
pa começou a partir de 2006, quando outros
professores vieram para cá e definimos que
seria interessante montarmos parcerias de tra-
balho, independente das cidades onde eles esti-
vessem. Desta forma, já neste ano, nossa asso-
ciação fazia-se presente em Portugal, Andorra e
Estónia. Em 2009, a Suíça também entrava nes-
ta mesma lista.
Apesar da distância entre os países, sempre
procuramos reforçar os vínculos de trabalho
por meio de eventos, sejam workshops, seminá-
rios ou baptizados (momentos em que os alunos
ganham suas graduações, representadas por
meio de cordas). Nestas ocasiões, conseguimos
nos reunir para trocar informações e experiên-
cias, para nos actualizarmos e divulgarmos a
capoeira como a maior promotora da língua
portuguesa no mundo (todas as aulas são dadas
em português) e ferramenta de inclusão social
entre os jovens.
Hoje, nossa associação está presente
em ginásio, escolas, centro paroquiais,
ATLs, clubes, centro de danças e em
projectos sociais, dos quais o Távola
Redonda se destaca, na freguesia de
Caneças (Odilvelas). Nossos alunos apre-
sentam os mais variados perfis: dos 3
aos 50 anos, licenciados ou não, portu-
gueses e filhos de emigrantes, enfim, de
tudo há um pouco.
Veja hoje quem é a Associação Cultu-
ral Ginga Brasil na Europa:
Portugal: Contra-Mestre Bola, Professor
Cangaceiro, Professor Alpino, Professor
Conde, Professor Birita, Instrutor Furmi-
gão, Graduado Nuno, Graduado Frik.
Suíça: Professor JR.
Andorra: Professor Leão, Graduado Ma-
caquinho.
Alemanha: Graduado Foca.
Estónia: Instrutor Ligeirinho.
Irlanda: Instrutor Suíno.
*Contra-mestre de capoeira, professor de edu-
cação física certificado pelo Instituto do Des-porto de Portugal.
Aula de capoeira para crianças na Junta de Fregue-
sia de Carnide (Lisboa), em 2008.
Batizado do Professor Birita, em 2009.