Paulo Ricardo Schier
Anais do IX Simpsio Nacional de Direito Constitucional
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DENNCIA ANNIMA EM PROCESSO DISCIPLINAR NA
EXPERINCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES: ENTRE OS
DIREITOS FUNDAMENTAIS E O DEVER DE
INVESTIGAO DA ADMINISTRAO PBLICA
ANONYMOUS COMPLAINT IN DISCIPLINARY PROCEEDINGS IN THE EXPERIENCE OF SUPERIOR COURT: BETWEEN FUNDAMENTAL RIGHTS AND THE DUTY OF PUBLIC
ADMINISTRATION INVESTIGATION
Paulo Ricardo Schier1
Resumo
O presente estudo analisa a interpretao que o instituto da denncia annima recebe dos tribunais superiores brasileiros, apontando o dissenso jurisprudencial existente no mbito do Superior Tribunal de Justia que aceita a denncia annima em nome da proteo do interesse pblico e do Supremo Tribunal Federal que oscila entre a aceitao e no aceitao da denncia annima. Em ambos os casos a jurisprudncia anota, quando discute sobre a possibilidade de admisso da denncia annima, a existncia de uma tenso entre direitos fundamentais e interesse pblico, variando as respostas para o problema conforme o tribunal adote um modelo de aplicao do direito fundado na lgica das regras ou na lgica dos princpios.
Palavras-chaves: Denncia annima; Direitos Fundamentais; Interesse pblico.
Abstract
The current study analyses the interpretation that the called institute of anonymous delation receives from the Brazilian Higher Courts, for their point over the non-equality of jurisprudential factor existent in the Superior Court of Justice - which accepts the anonymous delation in the sake of protection of the Public Interest a fact also existent in the Supreme Federal Court that waves between the acceptance and the denial of such possible right; the anonymous delation said. In both cases, jurisprudence makes notable, when discussing on the possibility of
1 Doutor em Direito Constitucional pela UFPR. Professor de Direito Constitucional, em nvel de
graduao, especializao e mestrado, da Escola de Direito e Relaes Internacionais das
Faculdades Integradas do Brasil UniBrasil. Vinculado Linha de Pesquisa "Constituio e Condies Materiais da Democracia. Trabalho vinculado ao Projeto de Pesquisa "Constitucionalizao do Direito". Professor do Instituto de Ps-Graduao em Direito Romeu
Felipe Bacellar e da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Membro Honorrio da
Academia Brasileira de Direito Constitucional. Membro da Comisso de Ensino Jurdico da
OAB/PR. Advogado militante. E-mail:
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this acceptance, the realness of a tension between Fundamental Rights and Public Interest, working with variation of answers to this case in the accordance of the decision made on the grounds of the logical rules of law in their application or on the grounds of the logicality of principles contained.
Keywords: Anonymous Delation. Fundamental Rights. Public Interest. Autoprotection. Principles and Rules.
Sumrio: I. Introduo. II. Referencial normativo e quadro jurisprudencial. III.
Anlise crtica da jurisprudncia. IV. Concluso.
I INTRODUO
A Constituio Federal de 1988 deflagrou importante momento de
transformao social a partir de sua normatividade se considerada num plano geral
emancipatria2. Dentre as mudanas de fcil percepo deve-se salientar a
consolidao do processo de afirmao da democracia3 e, no mbito da teoria e da
prxis jurisdicional, o fenmeno da constitucionalizao do direito4.
Deveras, muitas so as propostas de estudo que tm como mote central, por
exemplo, a constitucionalizao do Direito Administrativo. preciso reconhecer,
contudo, que embora o dilogo entre Direito Constitucional e Administrativo tenha
trazido importantes avanos ou, no mnimo, reflexes, no raro o que se tem
assistido, em verdade, uma constitucionalizao de fachada ou
constitucionalizao retrica. No so poucos os textos acadmicos que, sob a
fachada do discurso da constitucionalizao, fazem uma apologia ao dilogo entre
Direito Constitucional e Direito Administrativo nos prlogos dos estudos mas, no
desenvolvimento das anlises, no abordam nenhuma categoria da dogmtica
constitucional. Isso quando no se reduz o processo de constitucionalizao a uma
leitura meramente formal, como se fosse suficiente, para tratar de uma compreenso
constitucionalizada, a simples referncia a alguns poucos dispositivos da Lei
Fundamental5. Tem-se a impresso, assim, que o tema da constitucionalizao
tornou-se um imperativo acadmico que, ao menos formalmente, precisa ser
2 Neste sentido, dentre outros: Clve (2004, p. 223 e ss.); Barroso (2007, p. 1-4).
3 Neste sentido, conferir: Barroso, In: Souza Neto; Sarmento; Binenbojm (2009, p. 28).
4 Para um panorama geral sobre o debate terico e suas aplicaes prticas do processo de
constitucionalizao, conferir: Souza Neto; Sarmento; Binenbojm, (2009, 1009 p.). 5 Este problema j havamos delatado em outro texto: Schier (1999, introduo).
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referido. Cumprida a formalidade, parece manifestar-se uma autorizao implcita
para se abordar qualquer tema ou utilizar-se qualquer espcie de fala.
No a proposta do presente estudo analisar as causas deste peculiar
processo de constitucionalizao. Para atingir este fim seria preciso, qui, uma
reflexo mais detida sobre aquilo que Gustavo Binenbojm vem designando como
dficit terico do Direito Administrativo (BINENBOJM, 2006, p. 14-15)6. O que se
pretende, aqui, apenas alertar, preliminarmente, que qualquer processo dialgico
deve ser, antes de tudo, dialtico e, logo, ele incompatvel com o silncio de uma
das partes ou infrutfero quando no pondera os argumentos do outro sujeito da
interlocuo.
O objeto deste ensaio tem como pano de fundo, mais uma vez, a
constitucionalizao do Direito Administrativo. Pretende-se analisar a legitimidade da
denncia annima, no mbito de processos administrativos disciplinares, em face da
ordem constitucional. E neste campo, como ser demonstrado, existe um verdadeiro
abismo entre as jurisprudncias do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal
de Justia. Enquanto o STF vem admitindo a legitimidade da denncia annima com
reservas, determinando a necessidade de sopesamento dos diversos bens
envolvidos nos casos concretos, sem contudo admitir uma resposta definitiva nesta
seara, o STJ, praticamente sem qualquer reserva, admite este tipo de delao de
forma quase que indiscriminada.
Este descompasso de interpretao fruto de uma construo normativa
que no tem levado em considerao a necessria compresso sistemtica que o
processo de constitucionalizao impe. No mbito do STF nota-se a pressuposio
da natureza principiolgica dos direitos fundamentais em jogo (vedao de
anonimato, ampla defesa e contraditrio, dentre outros) em face do poder-dever de
investigao da Administrao Pblica (decorrncia da tutela constitucional do
interesse pblico e da indisponibilidade do interesse pblico). No mbito do STJ
nota-se a prevalncia de um entendimento do poder-dever de investigao com
natureza de regra, afastando totalmente dispositivos legais que vedam
expressamente a denncia annima.
6 Seguindo a esteira de Binenbojm, este tipo de anlise tambm proposta por Davi, (2008, p. 59-
62).
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Neste trabalho, contudo, no ser defendido nenhum dos dois modelos
adotados nos tribunais superiores, pois a concluso ser de que a denncia
annima no meio legtimo para deflagrar processos disciplinares em nosso
sistema. E ainda que fosse legtima, no caso de se admitir como correta a leitura do
STF, o processamento das infraes deveria no mnimo exigir prvia instaurao de
sindicncia.
II REFERENCIAL NORMATIVO E QUADRO JURISPRUDENCIAL
Levando em considerao, como partida, o referencial normativo
constitucional, a instaurao de processo disciplinar com base em denncia annima
incompatvel com o texto da Constituio Federal eis que, prima facie, representa
afronta ao art. 5, IV, que confere especial proteo ao direito honra, ao
contraditrio e a ampla defesa, ao vedar o anonimato.
Alm disso, no plano infraconstitucional, e densificando a dimenso
principiolgica dos referidos direitos fundamentais mediante sopesamento de
valores, a Lei dos Servidores Pblicos Federais - Lei n. 8.112/90, em seu artigo 144,
expressamente exige, para o processamento de denncia contra servidor, a
identificao do denunciante, seu endereo e confirmao de autenticidade. Da
mesma forma o art. 6, da Lei n. 9784/99, traz idnticas exigncias. A Lei de
improbidade Administrativa, por sua vez, em seu art. 14, pargrafo nico, impede o
processamento de denncia annima. E, agora no plano de normatividade infralegal,
a Portaria 4491/057, que regulamenta o processo administrativo realizado no mbito
7 Art. 8 O servidor que tiver cincia de irregularidade no servio pblico dever, imediatamente,
representar, por escrito e por intermdio de seu chefe imediato, ao titular da Unidade, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e penal..
2 A representao funcional de que trata este artigo dever:
I - conter a identificao do representante e do representado e a indicao precisa do fato que, por ao ou omisso do representado, em razo do cargo, constitui ilegalidade, omisso ou abuso de poder;
II - vir acompanhada das provas ou indcios de que o representante dispuser ou da indicao dos indcios ou provas de que apenas tenha conhecimento; (...)
3 Quando a representao for genrica ou no indicar o nexo de causalidade entre o fato denunciado e as atribuies do cargo do representado, dever ser devolvida ao representante para que preste os esclarecimentos adicionais indispensveis para subsidiar o exame e a deciso da autoridade competente quanto instaurao de procedimento disciplinar.
4 Quando o fato narrado no configurar evidente infrao disciplinar ou ilcito penal, a
representao ser arquivada por falta de objeto.
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da Receita Federal, e citada aqui apenas exemplificativamente, exige igualmente a
identificao do denunciante.
O quadro normativo, como se nota, parece claro: denncias annimas no
so admitidas em nosso sistema jurdico. Nada obstante, no raro as experincias
administrativa e jurisprudencial desmentem a suposta clareza da norma. Afirma-se
isto pois, ao se analisar a jurisprudncia do Superior Tribunal de Justia no mbito
dos julgamentos que envolvem denncia annima em processos administrativos o
que se encontra exatamente o oposto: a admisso quase que indiscriminada de
denncia annima.
A ttulo exemplificativo observe-se os seguintes julgados:
RECURSO ESPECIAL 2006/0153177-0 DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PBLICO FEDERAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DENNCIA ANNIMA. NULIDADE. NO-OCORRNCIA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Tendo em vista o poder-dever de autotutela imposto Administrao, no h ilegalidade na instaurao de processo administrativo com fundamento em denncia annima. Precedentes do STJ. 2. Recurso especial conhecido e improvido (DJe 25/05/2009) MANDADO DE SEGURANA 2006/0249998-2 PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. SERVIDOR FEDERAL. FALTA DE CITAO PESSOAL. PROVA EMPRESTADA. DENNCIA ANNIMA. NULIDADE. INOCORRNCIA. INDEPENDNCIA DAS INSTNCIAS PENAL E ADMINISTRATIVA. 1. vlida a citao feita ao procurador constitudo quando ausente o servidor acusado e no demonstrado o prejuzo defesa (art. 156 da Lei n. 8.112/1990 e art. 9 da Lei n. 9.784/1999). 2. A jurisprudncia do STJ admite o uso de provas emprestadas. 3. No h ilegalidade na instaurao de processo administrativo com fundamento em denncia annima, por conta do poder-dever de autotutela imposto Administrao e, por via de conseqncia, ao administrador pblico. 4. As instncias administrativa e penal so independentes (Lei n. 8.112/1990, art. 125). 5. Denegao da segurana (DJe 05/09/2008).
No mesmo sentido: Recurso em Mandado de Segurana n. 2005/0044783-5;
Recurso em Mandado de Segurana n. 2004/0162925-0; Mandado de Segurana n.
2000/0063512-0; Mandado de Segurana n. 2000/0125375-1; Recurso Ordinrio em
Mandado de Segurana n. 1991/0018676-7; Recurso Ordinrio em Mandado de
Segurana n. 4.435; Recurso Ordinrio em Mandado de Segurana n. 1.278 e
Recurso em Habeas Corpus n. 7.329, todos do Superior Tribunal de Justia.
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Ou seja, de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justia,
nada obstante a vedao legal expressa da denncia annima, este instituto se
mostraria legtimo no sistema em vista do poder-dever de autotutela ou do poder-
dever de investigao.
Em suma, o resultado prtico descortinado na experincia do STJ mostra
que a invocao dos princpios (i) da autotutela e (ii) da proteo dos bens e
interesses pblicos autoriza a superao de regras legislativas que expressamente
vedam a denncia annima. Em outras palavras, o STJ trata referidos princpios
como se regras fossem, dando-lhes um carter de definitividade8 para afastar a
aplicao de regras que vedam denncia annima em qualquer situao.
No plano do Supremo Tribunal Federal, contudo, a leitura diversa e
apresenta contornos mais complexos. Isto porque no STF, tanto a vedao de
denncias annimas como os interesses vinculados com a autotutela,
impessoalidade, moralidade etc., vm sendo tratados como se princpios fossem,
demandando, a soluo dos diversos casos concretos, o devido sopesamento9. A
ttulo exemplificativo, observe-se a seguinte deciso (apresentada de forma
resumida):
MS 24.369-DF
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO EMENTA: DELAO ANNIMA. COMUNICAO DE FATOS GRAVES QUE TERIAM SIDO PRATICADOS NO MBITO DA ADMINISTRAO PBLICA. SITUAES QUE SE REVESTEM, EM TESE, DE ILICITUDE (PROCEDIMENTOS LICITATRIOS SUPOSTAMENTE DIRECIONADOS E ALEGADO PAGAMENTO DE DIRIAS EXORBITANTES). A QUESTO DA VEDAO CONSTITUCIONAL DO ANONIMATO (CF, ART. 5, IV, IN FINE), EM FACE DA NECESSIDADE TICO-JURDICA DE INVESTIGAO DE CONDUTAS FUNCIONAIS DESVIANTES. OBRIGAO ESTATAL, QUE, IMPOSTA PELO DEVER DE OBSERVNCIA DOS POSTULADOS DA LEGALIDADE, DA IMPESSOALIDADE E DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA (CF, ART. 37, CAPUT), TORNA INDERROGVEL O ENCARGO DE APURAR COMPORTAMENTOS EVENTUALMENTE LESIVOS AO INTERESSE PBLICO. RAZES DE INTERESSE SOCIAL EM POSSVEL CONFLITO COM A EXIGNCIA DE PROTEO
8 Sobre a aplicao das regras com carter de definitividade, conferir: Alexy (2008, p. 103-106).
9 Sobre a aplicao dos princpios como mandamentos prima facie, conferir: Alexy (2008, p. 103-
106).
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INCOLUMIDADE MORAL DAS PESSOAS (CF, ART. 5, X). O DIREITO PBLICO SUBJETIVO DO CIDADO AO FIEL DESEMPENHO, PELOS AGENTES ESTATAIS, DO DEVER DE PROBIDADE CONSTITUIRIA UMA LIMITAO EXTERNA AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE. LIBERDADES EM ANTAGONISMO. SITUAO DE TENSO DIALTICA ENTRE PRINCPIOS ESTRUTURANTES DA ORDEM CONSTITUCIONAL. COLISO DE DIREITOS QUE SE RESOLVE, EM CADA CASO OCORRENTE, MEDIANTE PONDERAO DOS VALORES E INTERESSES EM CONFLITO. CONSIDERAES DOUTRINRIAS. LIMINAR INDEFERIDA.
DECISO:
... O veto constitucional ao anonimato, como se sabe, busca impedir a consumao de abusos no exerccio da liberdade de manifestao do pensamento, pois, ao exigir-se a identificao de quem se vale dessa extraordinria prerrogativa poltico-jurdica, essencial prpria configurao do Estado democrtico de direito, visa-se, em ltima anlise, a possibilitar que eventuais excessos, derivados da prtica do direito livre expresso, sejam tornados passveis de responsabilizao, a posteriori, tanto na esfera civil, quanto no mbito penal. Essa clusula de vedao - que jamais dever ser interpretada como forma de nulificao das liberdades do pensamento - surgiu, no sistema de direito constitucional positivo brasileiro, com a primeira Constituio republicana, promulgada em 1891 (art. 72, 12), que objetivava, ao no permitir o anonimato, inibir os abusos cometidos no exerccio concreto da liberdade de manifestao do pensamento, viabilizando, desse modo, a adoo de medidas de responsabilizao daqueles que, no contexto da publicao de livros, jornais ou panfletos, viessem a ofender o patrimnio moral das pessoas agravadas pelos excessos praticados, consoante assinalado por eminentes intrpretes daquele Estatuto Fundamental. ... Nisso consiste a ratio subjacente norma, que, inscrita no inciso IV do art. 5, da Constituio da Repblica, proclama ser livre a manifestao do pensamento, sendo vedado o anonimato (grifei). Torna-se evidente, pois, que a clusula que probe o anonimato - ao viabilizar, a posteriori, a responsabilizao penal e/ou civil do ofensor - traduz medida constitucional destinada a desestimular manifestaes abusivas do pensamento, de que possa decorrer gravame ao patrimnio moral das pessoas injustamente desrespeitadas em sua esfera de dignidade, qualquer que seja o meio utilizado na veiculao das imputaes contumeliosas. ... A manifestao do pensamento no raro atinge situaes jurdicas de outras pessoas a que corre o direito, tambm fundamental individual, de resposta. O art. 5, V, o consigna nos termos seguintes: assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, alm da indenizao por dano material, moral ou imagem. Esse direito de resposta, como visto antes, tambm uma garantia de eficcia do
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direito privacidade. Esse um tipo de conflito que se verifica com bastante freqncia no exerccio da liberdade de informao e comunicao. A presente impetrao mandamental, nos termos em que deduzida, sustenta, com apoio na clusula que veda o anonimato, a existncia, em nosso ordenamento positivo, de impedimento constitucional formulao de delaes annimas. inquestionvel que a delao annima pode fazer instaurar situaes de tenso dialtica entre valores essenciais, igualmente protegidos pelo ordenamento constitucional, dando causa ao surgimento de verdadeiro estado de coliso de direitos, caracterizado pelo confronto de liberdades revestidas de idntica estatura jurdica, a reclamar soluo que, tal seja o contexto em que se delineie, torne possvel conferir primazia a uma das prerrogativas bsicas, em relao de antagonismo com determinado interesse fundado em clusula inscrita na prpria Constituio. O caso ora exposto pela parte impetrante - que entidade autrquica federal - pode traduzir, eventualmente, a ocorrncia, na espcie, de situao de conflituosidade entre direitos bsicos titularizados por sujeitos diversos. Com efeito, h, de um lado, a norma constitucional, que, ao vedar o anonimato (CF, art. 5, IV), objetiva fazer preservar, no processo de livre expresso do pensamento, a incolumidade dos direitos da personalidade (como a honra, a vida privada, a imagem e a intimidade), buscando inibir, desse modo, delaes annimas abusivas. E existem, de outro, certos postulados bsicos, igualmente consagrados pelo texto da Constituio, vocacionados a conferir real efetividade exigncia de que os comportamentos funcionais dos agentes estatais se ajustem lei (CF, art. 5, II) e se mostrem compatveis com os padres tico-jurdicos que decorrem do princpio da moralidade administrativa (CF, art. 37, caput). Presente esse contexto, resta verificar se o direito pblico subjetivo do cidado rigorosa observncia do postulado da legalidade e da moralidade administrativa, por parte do Estado e de suas instrumentalidades (como as autarquias), constitui, ou no, limitao externa aos direitos da personalidade (considerados, aqui, em uma de suas dimenses, precisamente aquela em que se projetam os direitos integridade moral), em ordem a viabilizar o conhecimento, pelas instncias governamentais, de delaes annimas, para, em funo de seu contedo - e uma vez verificada a idoneidade e a realidade dos dados informativos delas constantes -, proceder-se, licitamente, apurao da verdade, mediante regular procedimento investigatrio. Entendo que a superao dos antagonismos existentes entre princpios constitucionais h de resultar da utilizao, pelo Supremo Tribunal Federal, de critrios que lhe permitam ponderar e avaliar, hic et nunc, em funo de determinado contexto e sob uma perspectiva axiolgica concreta, qual deva ser o direito a preponderar no caso, considerada a situao de conflito ocorrente, desde que, no entanto, a utilizao do mtodo da ponderao de bens e interesses no importe em esvaziamento do contedo essencial dos direitos fundamentais, tal como adverte o magistrio da doutrina.
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Parece registrar-se, na espcie em exame, uma situao de colidncia entre a pretenso mandamental de rejeio absoluta da delao annima, ainda que esta possa veicular fatos alegadamente lesivos ao patrimnio estatal, e o interesse primrio da coletividade em ver apuradas alegaes de graves irregularidades que teriam sido cometidas na intimidade do aparelho administrativo do Estado. Isso significa, em um contexto de liberdades em conflito, que a coliso dele resultante h de ser equacionada, utilizando-se, esta Corte, do mtodo - que apropriado e racional - da ponderao de bens e valores, de tal forma que a existncia de interesse pblico na revelao e no esclarecimento da verdade, em torno de supostas ilicitudes penais e/ou administrativas que teriam sido praticadas por entidade autrquica federal, bastaria, por si s, para atribuir, denncia em causa (embora annima), condio viabilizadora da ao administrativa adotada pelo E. Tribunal de Contas da Unio, na defesa do postulado tico-jurdico da moralidade administrativa, em tudo incompatvel com qualquer conduta desviante do improbus administrador. Na realidade, o tema pertinente vedao constitucional do anonimato (CF, art. 5, IV, in fine) posiciona-se, de modo bastante claro, em face da necessidade tico-jurdica de investigao de condutas funcionais desviantes, considerada a obrigao estatal, que, imposta pelo dever de observncia dos postulados da legalidade, da impessoalidade e da moralidade administrativa (CF, art. 37, caput), torna imperioso apurar comportamentos eventualmente lesivos ao interesse pblico. No por outra razo que o magistrio da doutrina admite, no obstante a existncia de delao annima, que a Administrao Pblica possa, ao agir autonomamente, efetuar averiguaes destinadas a apurar a real concreo de possveis ilicitudes administrativas... ... Esse entendimento tem o beneplcito da jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal. ... Sendo assim, e tendo em considerao as razes expostas, indefiro, em sede de delibao, o pedido de medida liminar, sem prejuzo de oportuno reexame da questo ora veiculada nesta sede mandamental. 2. Requisitem-se informaes aos rgos ora apontados como coatores, encaminhando-se-lhes cpia da presente deciso. Publique-se. Braslia, 10 de outubro de 2002. Ministro CELSO DE MELLO (deciso publicada no DJU de 16.10.2002).
Referida deciso sintetiza o entendimento do STF que, em alguns casos
concretos, aps sopesamento (admitido ora explicitamente e ora intuitivamente), por
vezes tolera a denncia annima (como no caso do MS 27339/DF) e por vezes a
rechaa (vg. Inqurito n 1.957-PR).
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Ou seja, no STF a questo pensada no plano principiolgico, aceitando,
sempre, respostas diferentes para cada caso concreto10. Parece no fazer diferena,
alis, para o STF, o fato de a legislao infraconstitucional trazer regras explcitas
vedando a delao annima (como se a prvia existncia de um sopesamento
legislativo, neste campo, no trouxesse qualquer interferncia no resultado dessas
decises).
III ANLISE CRTICA DA JURISPRUDNCIA
Tanto a jurisprudncia consolidada no mbito do Supremo Tribunal Federal
como a do Superior Tribunal de Justia, com o devido respeito, trazem alguns
problemas de cunho prtico e terico.
Com efeito, no quadro de um Estado Democrtico de Direito, causa certa
estranheza o fato da jurisprudncia dominante dos tribunais superiores, com
fundamentos diferentes, praticamente ignorar a regra do art. 144, da Lei n. 8.112/90
e do art. 6, da Lei n. 9784/99.
No quadro do STJ, como se afirmou, a justificativa do entendimento transita
por dois grandes argumentos: (i) a aplicao da regra contida no art. 143, da prpria
Lei n. 8112/90, segundo a qual a autoridade administrativa, tendo cincia de
irregularidade, obrigada a apur-la; (ii) aplicao direta do chamado poder-dever
de autotutela (em verdade, um princpio com fundamento implcito na Constituio e
com base normativa infraconstitucional, no campo em anlise, no art. 53, da Lei
Federal n. 9784/99 A Administrao deve anular seus prprios atos, quando
eivados de vcio de legalidade, e pode revog-los por motivo de convenincia ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos).
Em relao ao primeiro argumento que justifica as decises do STJ
cabimento da denncia annima por aplicao da regra do art. 143, da Lei n.
8112/90 -, parece que referido Tribunal olvida uma necessria interpretao
10
Alerta sobre a necessidade de que a ponderao seja realizada apenas em vista de um caso
concreto, devendo-se evitar ponderaes "abstratas", pode-se encontrar em: Sarmento (2003, p.
42-49).
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sistemtica da legislao constitucional e infraconstitucional11. Deveras, na
realidade, tal raciocnio advm de um mtodo de interpretao rude, qual seja, o
mtodo literal. O art. 143, com efeito, obriga a apurao das irregularidades de que
se tenha cincia; em seguida, o art. 144 determina que no se apure as
irregularidades que tenham chegado ao conhecimento da autoridade por meio de
denncia annima. Lendo com ateno os dois dispositivos a nica concluso
possvel a de que a autoridade no pode deixar de averiguar irregularidades que
tenham chegado ao seu conhecimento da forma preconizado pela lei, ou seja, por
meio de denncia realizada por pessoa identificada, de forma legtima, consoante o
meio lcito previsto em nosso sistema jurdico. O que significa dizer: a regra do art.
143, da Lei n. 8112/90, que impe o dever de investigar, no nega a regra do art.
144, do mesmo diploma legal. Trata-se antes de um reforo. A autoridade
administrativa, quando a denncia estiver revestida de seus requisitos dentre, no
ser annima -, tem o dever de investigar. O Poder Pblico no pode se furtar de
averiguar as delaes de ilicitudes e irregularidade que, na forma da lei, chegam ao
seu conhecimento. Todavia este dever no pode prevalecer se se tratar de denncia
annima.
Esta parece ser a construo adequada da norma, que leva em
considerao o mtodo de interpretao sistemtico e salva a aplicao de ambos
os dispositivos. Neste modelo de interpretao, nem a vedao de denncia
annima retira a validade do dever de investigar e nem o dever de investigar retira a
validade ou a possibilidade de aplicao da vedao de denncia annima. De outro
lado, a interpretao literal suprime qualquer sentido prtico do art. 144, retirando-lhe
completamente os efeitos e restringindo, tambm, os direitos do servidor.
Como se nota, portanto, a interpretao literal e isolada do art. 143 equivale
a uma peculiar declarao de inconstitucionalidade implcita do art. 144, da Lei n.
8.112/90. Ora, uma vez que o art. 144, da Lei 8.112/90, no foi, em momento algum,
declarado inconstitucional (nem em sede abstrata e nem em sede de controle
difuso), a sua no aplicao representa verdadeira violao ao Estado de Direito.
11
Sobre a necessidade de interpretao sistemtica como imposio do princpio da unidade da
Constituio, consultar: Barroso (1996, p. 181-198).
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Ademais, neste campo, a leitura conjunta dos art. 143 e 144, da Lei
8.112/90, na sequncia como foi colocada, indicia a necessidade de uma leitura
ajustada em que, primeiramente, dever-se-ia considerar a existncia do dever de
investigao e, em seguida, como se criasse verdadeira regra de exceo, desde
que a denncia no seja annima.
A segunda justificativa do STJ para admitir, em suas decises, a denncia
annima, est na invocao da aplicao direta do princpio da autotutela, que tem
por escopo, como j restou adiantado, a tutela do interesse pblico, da moralidade,
finalidade, da eficincia etc.
Neste ponto, uma anlise crtica deve ser desdobrada em dois pontos: (i) o
contido no art. 53, da Lei Federal n. 9.784/99 dever de anulao (autotutela) dos
atos eivados de ilegalidade e (ii) a possibilidade de aplicao direta dos princpios
constitucionais da administrao pblica, sejam explcitos ou implcitos.
Na primeira linha de raciocnio, no que tange com o dever de autotutela,
pode-se imaginar que, embora dotado de fundamentao constitucional, e no que
pertine com a sua aplicao em processos disciplinares, este princpio est
densificado, em nvel infraconstitucional, no art. 53, da Lei Federal n. 9.784/99. A se
considerar, ainda, que a atividade legislativa manifesta uma deciso em relao ao
modo de realizao das normas constitucionais, no se pode olvidar que, de forma
crua, referido dispositivo da Lei 9.784/99 em nenhum momento autoriza a utilizao
da autotutela com a fim de tolerar denncia annima. O referido enunciado
normativo expressa, rememore-se, o seguinte: A Administrao deve anular seus
prprios atos, quando eivados de vcio de legalidade... . Como se nota, o dever
de anular seus prprios atos s um dever em relao aos atos eivados de vcio de
legalidade.
Considerando o dispositivo preciso, logo, fazer uma distino lgica: uma
coisa o dever de anulao do ato ilegal e outra coisa e a possibilidade de
aplicao de sano disciplinar a quem cometeu o ato ilegal. Com esta distino,
fcil perceber que, uma vez constatada uma ilegalidade, a lei impe o dever de
anulao do ato ilegal. Aqui h autotutela. Mas isso, reitere-se, vale para a
investigao do ato ilegal em sentido prprio. A aplicao de sano disciplinar ao
agente que cometeu a ilegalidade deve se dar mediante processo disciplinar que
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236
garanta o contraditrio e a ampla defesa, eis que se trata de imposio de medida
restritiva de direito de liberdade e/ou propriedade. A autotutela encontra, neste
campo, portanto, limite. Autotutela no plano do processo disciplinar ser admitida
apenas quando algum ato do processo administrativo estiver eivado de ilegalidade;
jamais para justificar a abertura do processo disciplinar. Neste aspecto, ilegal seria,
sim, a abertura de processo disciplinar com fundamento no dever de autotutela
insculpido no art. 53, da Lei Federal n. 9.784/99, quando este dispositivo alcana
apenas o ato ilegal, e no a aplicao de sano ao agente que o praticou.
Poder-se-ia, ento, contra-argumentar que o dever de autotutela, neste
caso, no decorre prpria e diretamente da lei mas, antes, decorre diretamente da
principiologia constitucional que protege o interesse pblico, a moralidade, a
eficincia, a isonomia, a finalidade etc. ou, em outras palavras, a supremacia do
interesse pblico contra o interesse privado do particular (revestido de agente
pblico).
Em face deste argumento pode-se opor o debate emergente das reservas
que parte da teoria do Direito Pblico tem levantado contra o discurso absolutizante
da supremacia do interesse pblico sobre o privado. Aqui, mais uma vez, as
preocupaes manifestadas por esta doutrina se confirmam: de nada adianta
invocar a vedao constitucional do anonimato, mesmo confirmada por regra
inequvoca de legislao infraconstitucional, pois os interesses de um particular no
podem superar a invencvel supremacia do interesse pblico. Algo como que se
afirmasse: o dever de autotutela protege o interesse pblico e a vedao de
denncia annima protege o indivduo, aqui pressupostamente mprobo. Logo,
interesses privados no podem prevalecer sobre os pblicos e, assim, toda vez que
houver este tipo de coliso, a resposta est pronta: que vena o interesse pblico.
No o caso, aqui, novamente, de desenvolver uma linha de argumentao
neste sentido. Fazemos referncia, neste momento, s observaes lanadas em
trabalhos anteriores12.
12
Panorama do debate sobre o mito da supremacia do interesse pblico sobre o privado pode ser
encontrado em: Sarmento (2007, 246 p).
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Anais do IX Simpsio Nacional de Direito Constitucional
237
De outro lado, independentemente de se superar o problema da questo
da supremacia do interesse pblico, seria possvel levantar, como crtica ao modelo
de interpretao do STJ, a forma como permite a aplicao direta de princpios
constitucionais, revestidos de elevada abertura e indeterminao, para afastar a
aplicao de regras legais muito claras que manifestam juzo de sopesamento do
legislador na aplicao de princpios13. Aqui, portanto, est-se a transitar por outro
problema metodolgico: a aplicao direta de princpios constitucionais para afastar
a aplicao de regras legais14.
Este problema no est revestido de qualquer novidade. A produo terica
do direito constitucional e a teoria do direito, de modo geral, j havia se dado conta
de certos perigos que o processo de constitucionalizao, despido de critrios
racionais, pode ensejar no campo da realizao da justia. A insegurana jurdica, a
eventual incontrolabilidade das decises, o excesso de subjetivismo e abertura para
os juzos morais no preenchimento dos conceitos indeterminados trazidos pelos
princpios, o eventual dficit democrtico que o afastamento das opes legislativas
podem proporcionar, so alguns temas recorrentes que permeiam este debate15.
No se pretende, neste estudo, abrir uma porta metodolgica para a
discusso desses temas relevantes. A presente abordagem assumir, aqui, alguns
pressupostos metodolgicos para no fugir do tema central: (i) a aplicao direta de
princpios constitucionais em detrimento de regras infraconstitucionais revestidas de
presuno de constitucionalidade (ou seja, sobre as quais no recaia um juzo de
inconstitucionalidade evidente) procedimento perigoso16; (ii) h que se conferir
uma certa deferncia s decises expressadas pelo legislador infraconstitucional em
homenagem ao princpio democrtico e segurana jurdica (MARRAFON, p. 362);
(iii) princpios, preferencialmente, devem ser aplicados atravs das regras que lhe
do concretude e expressam as opes da sociedade em relao s concepes
dos conceitos trazidos por aqueles (BARCELLOS, 2005, p. 165-200).; (iv) logo,
13
O problema do afastamento da aplicao de regras no evidentemente inconstitucionais diante de
princpios dotados de elevada carga de indeterminao e abstrao interessantemente apontado
em: Guastini (2008, p. 73-91). 14
Este tipo de problema j havamos, de forma formar, abordado no seguinte texto: Schier. In: Souza
Neto; Sarmento (p. 251-270). 15
Neste sentido, conferir: Sarmento. In: Souza Neto; Sarmento (p. 113-148). 16
Neste sentido, conferir: vila. In: Souza Neto; Sarmento; Binenbojm (2009, p. 187 e ss.).
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238
aplicao direta de princpios em detrimento de regras s pode ser levada a efeito
com reservas e mediante a demanda de um nus argumentativo mais custoso
(MARRAFON, p. 362).
Neste quadro o que se nota, por tudo o que j se exps, que os
argumentos que podem justificar a eventual aplicao direta da autotutela contra a
vedao de denncia annima, no que tange com a linha de argumentao do STJ,
no resiste a um processo de debate mais apurado. Apenas a referncia genrica
possibilidade de aplicao direta dos princpios constitucionais da Administrao
Pblica que tem fundado esta prtica.
Conforme resta claro, a no aplicao da regra que veda denncia annima
se baseia, principalmente, na eventual aplicao direta do princpio da moralidade,
da impessoalidade e da supremacia do interesse pblico.
No entanto, como se tem admitido mais recentemente, entende-se que
apesar do reconhecimento da normatividade dos princpios se constituir uma
importante conquista no movimento constitucionalista e ps-positivista que ganha
fora no Brasil a partir da luta pela efetividade da Constituio de 1988, que se
consolida em meados da dcada de 90 do sculo passado (BARROSO, 2007, p.
203-249), isso no implica que as regras de direito possam ser descartadas com
base em certos voluntarismos interpretativos tpicos de novos jusnaturalismos e sua
incessante busca de uma justia ideal e abstrata ou novos realismos, segundo os
quais o fim social se torna um critrio interpretativo superador das fontes formais
estatais.
Recair nessas posturas pode significar, na prtica, a runa do Estado
Democrtico de Direito, uma vez que a falta de densidade semntica dos princpios
jurdicos faz com que eles se tornem verdadeiras chaves-mestras da interpretao
jurdica, permitindo que se diga qualquer coisa acerca da moral, do justo ou ainda do
interesse social.
Ciente das armadilhas ocultas nessas perspectivas de realizao do direito,
Norberto Bobbio lembra que as controvrsias entre o justo e o injusto, a moral e o
imoral so praticamente insuperveis. Como exemplo possvel citar a crena de
Locke na propriedade como direito natural e o repdio dessa ideia por parte de
socialistas utpicos (BOBBIO, 2001, p. 56).
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239
Sendo assim, h que se concordar com Antonio Cavalcanti Maia quando
defende que:
...falar de ps-positivismo no significa adotar uma posio radicalmente anti-positivista, mas sim propugnar por uma superao desta dmarche
terica na busca de uma compreenso mais afinada da vida jurdica contempornea. Ora, por um lado, no podemos nos recusar a reconhecer as incontornveis contribuies dadas pelos juristas filiados ao positivismo jurdico inteligncia da estrutura da norma jurdica, bem como sua preocupao com a clareza, a certeza e a objetividade no estudo do direito, tudo isso referenciado preocupao central dos estados de direitos contemporneos com a segurana jurdica. Por outro lado, advogar um enfoque ps-positivista no significa defender como , por vezes, salientado por autores crticos a esse posicionamento um retorno a posies jusnaturalistas devedoras de concepes metafsicas incompatveis com o atual estgio de compreenso cientfica (MAIA, 2009, p. 123).
Desta feita, no h que se descuidar de uma anlise apurada e colocar as
questes envolvidas em seus devidos lugares.
Como j indicado anteriormente, a questo da moralidade, do interesse
pblico, da impessoalidade, no so necessariamente incompatveis com a vedao
de denncia annima. Tenha-se em mente que os princpios so pontos de partida e
sua concretizao no pode ser feita s custas de qualquer meio, especialmente
quando, no caso em debate, ela atinge dispositivos constitucionais ainda em vigor
(art. 5, IV), superando claros limites textuais da Constituio e das opes do
legislador ordinrio.
preciso, ento, para evitar arbitrariedades, identificar os parmetros para
uma correta dimenso da aplicabilidade dos princpios.
Princpios e regras jurdicas, enquanto espcies do gnero norma jurdica,
operam funes diferenciadas, mas interligadas no sistema jurdico. Princpios
possuem maior carga axiolgica e funcionam como instituidores de regras.
Estabelecem, os princpios, direitos prima facie. As regras, por sua vez, descrevem
condutas ou estruturas de modo mais objetivo, justamente porque sua finalidade
tornar aplicvel na vida prtica os valores contidos nos princpios atravs de
escolhas e opes normativas indispensveis sua concretizao. As regras, por
desempenharem esta funo, estabelecem direitos definitivos.
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240
Assim compreendidos, h de se reconhecer uma relao paradoxal entre
ambos, na medida em que o princpio funda a normatividade e depende de
realizao pela via de regra, as quais, por sua vez, apenas possuem existncia
jurdica porque aferveis por um princpio que tambm lhes serve de fechamento
interpretativo, dando o tom dos valores a serem juridicamente protegidos.
Um demanda o outro, com determinaes recprocas de sentido. Os
princpios permitem a oxigenao do sistema, trazendo para dentro de si os
contedos existencialmente dados em determinado perodo histrico. As regras
especificam a aplicao dos princpios, ao mesmo tempo que existem em funo
deles.
Em decorrncia, postula-se que na soluo imediata dos casos jurdicos,
deve-se dar primazia s regras, vez que os princpios apenas adquirem
aplicabilidade direta em situaes muito especficas, em que se impe uma deciso
que deve suportar o nus argumentativo.
Essa exigncia de priorizar as regras surge como uma tentativa de alcanar
o ideal de segurana jurdica almejado pelo Direito, conforme assinala Maral Justen
Filho:
o reconhecimento da importncia dos princpios conduziu a um certo
desprestgio das regras, o que um equvoco. A existncia de regras essencial para a segurana jurdica e para a certeza do direito. A regra traduz as escolhas quanto aos valores e aos fatos sociais. Permitindo a todos os integrantes da sociedade conhecer a soluo perstigiada pelo direito (JUSTEN FILHO, 2003, p. 53-54).
A argumentao com base em princpios especialmente relevante nos
chamados casos difceis. Com efeito, Ronald Dworkin diagnostica que,
frequentemente, a argumentao assentada em padres normativos que no se
adequam s caractersticas de regra jurdica, mas sim de princpios, ocorre em
casos polmicos, dotados de alto grau de problematicidade (DWORKIN, 2002, p.
36).
Para determinar quais so esses casos no existe um critrio universal, uma
regra definidora ou um mtodo que seja satisfatrio. No entanto, possvel afirmar
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que eles possuem carter problemtico porque no se vislumbra uma resposta
jurdica ou ento, do oposto, so detectadas inmeras possibilidades decisrias.
Ocorre, todavia, que no parece ser esta a situao do caso aqui discutido.
A denncia annima vedada expressamente na Constituio e em diversos
dispositivos infraconstitucionais jamais declarados inconstitucionais. O texto
constitucional, ademais, no estabelece diretamente qualquer exceo.
Simplesmente expressa a vedao de anonimato. No h, ainda, uma clusula geral
do tipo vedado o anonimato, salvo se ele for invocado contra o interesse, o poder
ou a moral pblica. Isso no significa, todavia, que o legislador, sopesando bens
constitucionais17, esteja impedido de estabelecer algum tipo de restrio nesta sede.
Ora, a interveno estatal, neste campo sempre restritiva (SILVA, 2009, p. 65-125),
ser legtima desde que justificada e preserve, numa perspectiva de
proporcionalidade, o ncleo essencial do direito restringido (SILVA, 2009, p. 183-
208). E, neste aspecto, a vedao do anonimato apenas confirmada pelas regras
infraconstitucionais. Eventuais restries, destarte, poderiam ser colocadas pelo
legislador infraconstitucional. Nada obstante, ao legislar sobre o dever de
investigao (no caso do art. 143, da Lei n. 8112/90) e sobre o dever de autotutela
(art. 53, da Lei n. 9784/99), no legislador ordinrio no colocou tais deveres como
excees vedao de denncia annima.
Tambm no h suporte ftico que autorize a concluso de que a vedao
de denncias annimas, inevitavelmente, criar embaraos ao Poder Pblico no que
tange com a anulao de atos ilegais. Poder criar algum custo, sim, na aplicao
de sanes ao agente pblico que cometeu a ilegalidade, mas isso integra o
chamado nus da democracia, da aplicao do devido processo legal.
A importncia de valorizar as regras estabelecidas pela via da legislao
democraticamente elaborada, destarte, surge como corolrio do Estado Democrtico
de Direito, que tem o princpio da legalidade como seu pilar fundamental,
imprescindvel para que os cidados tenham condies de prever as condutas lcitas
ou no. Na lio de Jos Afonso da Silva:
17
Conferir Virglio Afonso da Silva, ao demonstrar que a atividade de restrio realizada pelo
legislador ordinrio atividade de sopesamento em vista de um caso concreto: (2009, p. 140, nota
de rodap n. 64).
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Anais do IX Simpsio Nacional de Direito Constitucional
242
a lei efetivamente o ato oficial de maior realce na vida poltica. Ato de deciso poltica por excelncia, por meio dela, enquanto emanada da atuao da vontade popular, que o poder estatal propicia ao viver social modos predeterminados de conduta, de maneira que os membros da sociedade saibam, de antemo, como guiar-se na realizao de seus interesses (SILVA, J., 1990, p.107).
Para Jorge Reis Novais o princpio da legalidade consagra, ainda, a ideia da
segurana jurdica, uma vez que sem a possibilidade, juridicamente garantida, de
poder calcular e prever os possveis desenvolvimentos da actuao dos poderes
pblicos susceptveis de repercutirem na sua esfera jurdica, o indivduo converter-
se-ia, em ltima anlise com violao do princpio fundamental da dignidade da
pessoa humana, em mero objeto do acontecer estatal (NOVAIS, 2004, p. 262).
Com efeito, alm da possibilidade de antever as condutas juridicamente
reguladas, a noo de segurana jurdica implica na faculdade de invocar o aparato
jurdico como garantia de segurana social, atravs do instrumental dogmtico
disponvel, formado pelas normas de direito objetivo integrantes da ordem legal e
tambm por inmeros princpios de cariz constitucional, tais como o princpio
legalidade, princpio ampla defesa, princpio da irretroatividade da norma, princpio
da presuno de constitucionalidade das leis, entre outros.
Esses princpios permitem que se vislumbre na ordem constitucional um
bloco de direitos fundamentais que atentam para a necessria preservao da
segurana jurdica, garantia de cidadania e previsivilidade jurdica, cuja origem
remonta aos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, estabelecidos no art. 5,
incisos XXXVI a LXXIII, da Constituio da Repblica de 1988.
Por certo, a ideia de segurana jurdica no pode servir para justificar
qualquer direito positivo existente, mas sim deve acompanhar a concretizao da
justia, em especial quando se trata de garantia fundamental do cidado, na forma
assentada constitucionalmente.
Na situao aqui desenhada, percebe-se que a aplicao autnoma do
princpio da moralidade e da impessoalidade sem a devida contextualizao e
adequao, contra regras inequvocas que vedam a denncia annima, acaba
promovendo a violao de uma outra srie de princpios constitucionais de igual
relevncia jurdica, como o contraditrio, a ampla defesa, a defesa da honra, da
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imagem e, dentre eles, tambm, a segurana jurdica, em especial manifestada
atravs do princpio da presuno de constitucionalidade das leis.
Por isso, em caso de se configurar uma aparente coliso, a aplicao de um
princpio deve gerar menos danos ordem constitucional do que os prejuzos
causados pela violao dos outros princpios. Na situao em comento, contata-se
que a aplicao dos princpios da moralidade, da impessoalidade e da supremacia
do interesse pblico, para afastar a aplicao das regras que vedam a denncia
annima, acarreta grave prejuzo aos princpios acima declinados.
Da porque preciso concordar que a constitucionalizao do direito, se
entendida de modo apressado, pode acarretar alguns efeitos indesejveis que
devem ser evitados.
Ciente da problemtica, Luis Roberto Barroso aponta duas consequncias
negativas da m compreenso desse fenmeno terico no direito brasileiro
contemporneo: a primeira de natureza poltica, ocasionada pelo enfraquecimento
do poder democrtico majoritrio e pelo desprestgio da legislao ordinria e a
segunda de natureza metodolgica, pois a textura aberta e vaga de algumas normas
constitucionais podem levar ao decisionismo judicial (BARROSO, 2009, p. 391-392).
Com base nesse diagnstico, citado constitucionalista taxativo ao destacar
a importncia de coibir tais efeitos. Notadamente em relao prtica do chamado
decisionismo, diz ele:
indispensvel que juzes e tribunais adotem certo rigor dogmtico e assumam o nus argumentativo da aplicao de regras que contenha conceitos jurdicos indeterminados ou princpios de contedo fluido. O uso abusivo da discricionariedade judicial na soluo de casos difceis pode ser extremamente problemtico para a tutela de valores como segurana e justia, alm de comprometer a legitimidade democrtica da funo judicial (BARROSO, 2009, p. 392).
Para tanto, nos mesmos termos da linha de raciocnio e da proposta
esboada no presente estudo, Luis Roberto Barroso prope dois parmetros
metodolgicos a serem seguidos pelos intrpretes em geral, quais sejam:
a) preferncia pela lei: onde tiver havido manifestao inequvoca e vlida do legislador deve ela prevalecer, abstendo-se o juiz ou o tribunal de produzir soluo diversa que lhe parea mais conveniente;
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244
b) preferncia pela regra: onde o constituinte ou o legislador tiver atuado, mediante a edio de uma regra vlida, descritiva da conduta a ser
seguida, deve ela prevalecer sobre os princpios de igual hierarquia que por acaso pudessem postular incidncia na matria.
Ora, transpondo essas lies para o caso em tela, verifica-se que as leis
ordinrias federais que tratam da matria (i) contm manifestaes inequvocas e
vlidas do legislador. Da a aplicao do critrio da preferncia da lei em detrimento
da aplicao direta dos princpios na situao aqui analisada, mesmo porque,
reforce-se, ele concretiza os princpios da separao dos poderes, da segurana
jurdica e da isonomia (BARROSO, 2009, p. 393).
Tambm visvel que deve ser aplicado o critrio da preferncia pela regra,
vez que os dispositivos legislativos amplamente citados acima so vlidos e
descrevem condutas especficas a serem seguidas, merecendo o privilgio da
prioridade.
Logo, portanto, pelo que se exps, a interpretao predominante do STJ,
que admite denncia annima, ao no conceber a possibilidade de qualquer
sopesamento ou relativizao da autotutela ou do dever de investigar: (i) tem tratado
princpios como se regras fossem, (ii) tem autorizado a aplicao direta de princpios
constitucionais abertos e indeterminados contra texto de lei e contra regra vlida no
sistema, (iii) tem criado insegurana jurdica, (iv) tem cerceado a ampla defesa, na
medida em que a no identificao do denunciante impede a eventual possibilidade
de provar abuso de poder ou desvio de finalidade.
Todas as crticas lanadas ao modelo de interpretao predominante no
STJ, sob a justificao de aplicao autnoma dos princpios da moralidade,
impessoalidade, interesse pblico etc., servem tambm para o modelo de
interpretao predominante no STF.
Com efeito, e de acordo com o que se demonstrou, as solues
colecionadas na experincia do Supremo Tribunal Federal mostram que nesta Corte
a questo vem sendo trabalhada a partir de uma dogmtica estritamente
principiolgica. As solues apresentadas, normalmente, reportam-se necessidade
de realizao de juzos de ponderao em cada caso concreto. Com efeito, na
deciso acima citada, proferida no MS 24.369-DF, todo o raciocnio construdo a
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partir de enunciados constitucionais tomados pressupostamente como princpios.
Quanto a isso, de partida, nenhum problema. H relevante produo terica que
defende que direitos fundamentais so princpios18, e nada impede que este
entendimento fique pressuposto no discurso. Na argumentao, perceba-se, o
Ministro relator coloca, de um lado, a vedao do anonimato (art. 5, IV) e, de outro,
legalidade (art. 5, II) e moralidade (art. 37, caput). Toda a construo da deciso leva
em considerao uma abordagem genrica desses princpios e, reiteradas vezes,
refere-se necessidade de resposta com base na ponderao, que seria mtodo
racional de deciso. Ao fim a deciso nega a liminar e admite o processamento de
denncia annima afirmando que, cite-se novamente:
Na realidade, o tema pertinente vedao constitucional do anonimato (CF, art. 5, IV, in fine) posiciona-se, de modo bastante claro, em face da necessidade tico-jurdica de investigao de condutas funcionais desviantes, considerada a obrigao estatal, que, imposta pelo dever de observncia dos postulados da legalidade, da impessoalidade e da moralidade administrativa (CF, art. 37, caput), torna imperioso apurar comportamentos eventualmente lesivos ao interesse pblico. No por outra razo que o magistrio da doutrina admite, no obstante a existncia de delao annima, que a Administrao Pblica possa, ao agir autonomamente, efetuar averiguaes destinadas a apurar a real concreo de possveis ilicitudes administrativas... ... Esse entendimento tem o beneplcito da jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal.
O curioso, com a devida vnia, perceber que toda a fundamentao
construda no voto poderia conduzir, ao final, a uma concluso absolutamente
diferente. Ademais, em nenhum momento o voto tece consideraes s disposies
legais e regras que vedam expressamente o anonimato. Todo o raciocnio se d no
plano da normatividade constitucional, com total abstrao das opes do legislador
ordinrio.
Na deciso proferida no julgamento do Inqurito n 1.957-PR, o STF, atravs
de julgamento levado a efeito no Plenrio, deixou evidente que o anonimato
postura afrontosa ao Estado de Direito, indigna de acolhimento ou defesa,
desprovida inclusive da qualidade jurdica documental que eventualmente pretenda
18
Conferir, exemplificativamente: Figueroa. In: Souza Neto; Sarmento, p. 3-34.
No mesmo sentido: Silva (2009, p. 108-113), ao defender a teoria do suporte ftico amplo.
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ter (quando escrita ou reduzida a termo). Contudo ela apta a deflagrar
procedimento de mera averiguao da verossimilhana se portadora de informao
dotada de um mnimo de idoneidade. A delao annima, destarte, seria postura
repudiada em nosso direito constitucional pelo simples fato de colocar em risco a
integridade do sistema de direitos fundamentais.
Ou seja, com pequenas nuances entre os Ministros, firmou-se tese no
sentido de que a delao de autoria desconhecida no instrumento dotado de
juridicidade, pois se constitui num desvalor em face do prprio ordenamento jurdico
que o repudia. A despeito de se tratar de um desvalor, caso a denncia annima
releve indcios confiveis dos fatos por ela encaminhados, no pode o aparelho
estatal que recebe a informao simplesmente ignorar a notitia. Assim, um juzo de
ponderao autorizaria a superao desse desvalor para que a investigao da
ilicitude seja eventualmente levada a efeito com discrio e cautela.
Conclui-se, mais uma vez: apesar da lei, apesar da regra, no plano
principiolgico, o juzo de ponderao permite o afastamento das decises do
legislador que, por sua vez, tambm so juzos de sopesamento entre bens
constitucionais, todavia realizados em seara diversa.
Da, ento, o resultado prtico da jurisprudncia do STF supera uma das
crticas antes delineada jurisprudncia do STJ: no STF a autotutela, a moralidade,
a legalidade etc., ao serem tratados como princpios, no so absolutizados.
Contudo o entendimento ainda permite o afastamento de regras e de opes
legislativas que teriam preferncia de incidncia na soluo do caso concreto.
IV CONCLUSO
Apesar do entendimento fixado no mbito dos tribunais superiores, como se
demonstrou, o presente estudo defende a tese de que a denncia annima, ao
menos no campo de processos disciplinares, vedada em nosso sistema jurdico. A
Constituio, expressamente, veda o anonimato. A legislao infraconstitucional,
revestida de presuno de legitimidade, por sua vez, tambm veda, em mais de um
dispositivo e em mais de um diploma, a denncia annima.
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Se o problema for tratado no plano de regras, os dispositivos que se
referem autotutela e ao dever de investigar no substanciam excees vedao
de denncia annima.
O dever de investigar subsiste desde que a denncia no seja proveniente
de delao annima. A lei cria, primeiro, o dever de investigar e, em seguida veda a
denncia annima. Assim, at mesmo pela forma como se deu a construo
legislativa no seio da Lei 8112/90, no se trata de vedao de denncia annima
que pode ser excepcionada em vista do dever de investigar, mas o que se tem
dever de investigar, exceto se a denncia for annima.
A previso legislativa de autotutela eventualmente aplicvel aos processos
disciplinares, decorrente de aplicao subsidiria da Lei n. 9.784/99, autorizada
ou imposta, melhor dizendo, pois a lei usa o termo dever para a anulao dos atos
eivados de ilegalidade. A autotutela aplica-se, portanto, para nulificar o produto da
atuao do agente poltico, o ato ilegal. A punio disciplinar do agente que
cometeu a ilegalidade coisa distinta. Este intento possvel, mas se submete a um
regime jurdico em que a autotutela encontra limite em face do devido processo
legal, previsto na Constituio e delineado na legislao infraconstitucional, que no
aceita a denncia annima nesta sede punitiva.
Ainda que se considere a discusso no plano principiolgico, deveras, h
que se reconhecer que vrias solues, de mrito e metodolgicas, seriam
possveis.
Assim, na perspectiva metodolgica, pressupondo os riscos, os perigos
subjacentes a uma exacerbada principiologizao, parece necessrio tomar-se o
cuidado de dar preferncia para a aplicao dos princpios atravs da mediao
legislativa, manifestando, aqui, o estudo, uma clara opo pela primazia da regra,
produto do legislador democrtico, desde que, como sucede no caso em tela, o
sopesamento legislativo no esteja revestido de flagrante inconstitucionalidade e
respeite, portanto, os pressupostos constitucionais exigidos para as medidas de
restrio.
Todavia, ainda no campo metodolgico, nada obstante os riscos que a
anlise pode trazer neste plano dos princpios, no de destitudo de fundamentos
slidos o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, ao conduzir o debate como
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se o problema fosse, sempre, uma questo de pura coliso entre princpios. Neste
caso, ento, poder-se-ia admitir o sopesamento judicial mesmo contra as regras
legais dotadas de constitucionalidade. Porm este procedimento, sem dvida,
demandar um nus argumentativo maior, principalmente no que tange com a leitura
dos bens concretamente envolvidos na coliso.
A prevalecer esta linha de interpretao, que no a que se defende no
presente texto, seria legtimo sustentar, nas situaes em que restaria autorizada, no
caso concreto, a denncia annima, a abertura do processo disciplinar ficasse
condicionada a uma prvia instaurao de sindicncia com o fim de averiguar alguns
elementos que indiquem um mnimo de seriedade da denncia annima. Ou seja,
em tais hipteses o processamento deveria, sempre, ficar condicionado prvia
instaurao de investigao preliminar.
Afinal, certo que a instaurao de sindicncia no providncia obrigatria
para todos os casos. No entanto, diante de situaes em que no existam elementos
suficientes para a criao da Portaria de instalao do processo disciplinar, impe-se
a instaurao de sindicncia para que sejam reunidos estes elementos bsicos.
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