Departamento de Teologia
O REINO ESQUECIDO: ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA DE ISRAEL NORTE
Aluna: Flavia Mendes Serra Nunes Orientadora: Maria de Lourdes Corrêa Lima
Introdução
O autor Israel Finkeslstein, em sua pesquisa arqueológica, dá a Israel do Norte a
sua devida importância, recolocando-o na História como um lugar de muita relevância.
Foram muitos anos dedicados a essa pesquisa, que conta a história do Reino do Norte,
principalmente nas suas fases formativas. Nosso trabalho inicialmente tinha o objetivo
de analisar Israel do Norte em sua fase formativa, segundo as pesquisas de Finkelstein,
e em sua parte final, confrontar os resultados obtidos com os trabalhos de outros dois
autores: A.Mazar e M.Liverani. No entanto, no meio do processo, a aluna que iniciou o
estudo precisou se ausentar e, por falta de tempo para nos aprofundarmos em mais dois
autores, decidimos nos concentrar no estudo de Finkelstein, seguindo o cronograma da
seguinte forma: "A cronologia baixa" de Finkelstein; o território cananeu no período do
Bronze tardio e Ferro I; O Reino do Norte de Saul a Jeroboão ; O Reino do Norte com
Omri e sua dinastia.
1. A formação do Reino de Israel-Norte segundo Finkelstein1
A cronologia proposta por I. Finkelstein2 O Reino do Norte governou sobre a maior parte do território dos dois reinos
israelitas. Sua população representava três quartos dos povos de Israel e Judá juntos e
foi mais forte que Judá tanto militar quanto economicamente. Apesar disso, o Reino do
Norte permaneceu quase oculto, tanto na história contada na Bíblia Hebraica como na
atenção prestada na academia moderna. Isto porque a história do Antigo Israel, na
Bíblia Hebraica, foi escrita por autores judaítas em Jerusalém, capital do Reino do Sul e
eixo da dinastia davídica.
1 Os segmentos 1 e 2 deste trabalho foram redigidos pela aluna Andreia Cristina de Morais. 2 FINKELSTEIN, Israel. O Reino esquecido: arqueologia e história de Israel Norte. São Paulo: Paulus, 2015, p. 15-27.
Departamento de Teologia
Os textos e tradições orais originais do Norte foram, provavelmente, trazidos para
Judá por fugitivos israelitas depois da queda de Israel, em cerca de 720 a.C., mas estes
textos, para serem incorporados ao cânon judaíta, foram submetidos à ideologia judaíta.
Finkelstein afirma que a pesquisa arqueológica também deu pouco valor ao Reino
do Norte. Apesar disto, ele não foi privado de expedições arqueológicas. Foram estas
pesquisas que permitiram escrever uma história de Israel sem a ideologia judaíta e que
se alcançasse uma reconstrução mais balanceada da história dos dois reinos hebreus.
Seu objetivo é apresentar a situação geopolítica no Sul do Levante, com a história
territorial de Israel e de seu “estado formativo”, isto é, do desenvolvimento de entidades
territoriais com aparatos e instituições burocráticas. Seu escopo cronológico vai do
Bronze Tardio II (1350 a.C.) até o Ferro IIB (700 a.C.).
Finkelstein, com seus estudos das escavações de Meguido3, propôs uma
“cronologia baixa” para a Idade do Ferro, um sistema cronológico apoiado por estudos
de radiocarbono. Estas escavações facilitaram o estudo da fase final da Idade do Bronze
Tardio nos vales do Norte e também ajudaram a compreender a prosperidade, no final
do Ferro I, no vale de Jezrael. Neste trabalho, foi usada a seguinte cronologia: a)
Bronze Tardio III: séc. XII até cerca de 1130 a.C.; b) Ferro Antigo I: final do séc. XII
e primeira metade do séc. XI a.C.; c) Ferro Tardio I: segunda metade do séc. XI e
primeira metade do séc. X a.C.; d) Ferro Antigo II: últimas décadas do séc. X e início
do séc. IX a.C.; e) Ferro Tardio IIA: restante do séc. IX e início do séc. VIII; f) Ferro
IIB: restante do séc. VIII e início do séc. VII a.C.4
Os estudos da arqueologia do Reino do Norte de Israel, de acordo com
Finkelstein, indicaram que não houve uma grande monarquia unida nos dias dos
fundadores da dinastia davídica (Davi-Salomão). Esta ideia bíblica seria uma construção
literária de autores judaítas; nos vales do Norte, o Ferro I ainda apresentaria uma cultura
material e uma disposição territorial “canaanita”. Por fim, poder-se-ia produzir um
mapa dos assentamentos das diferentes fases da Idade do Ferro e, com isso, adquirir um
maior entendimento da demografia, economia e mudanças sociais envolvidas na
ascensão das entidades norte-israelitas.
O livro, fundamentado nos estudos arqueológicos, pretende proporcionar um novo
entendimento da história do Antigo Israel, em especial nos aspectos da cultura material,
3 Meguido teve cerca de 100 determinações de radiocarbono de 60 amostras de 10 camadas, que cobrem cerca de 600 anos entre 1400 e 800 a.C. 4 FINKELSTEIN, Israel. O Reino esquecido, p. 23.
Departamento de Teologia
das transformações nos assentamentos e da história territorial da Idade do Ferro nas
terras altas e baixas do Israel do Norte.
O território cananeu no período do Bronze Tardio e do Ferro I5
Para entender melhor o processo de assentamento e divisão territorial nas
montanhas e vales do Norte no Ferro Tardio I e Ferro IIA (1050-800 a.C.), Finkelstein
inicia sua pesquisa pelos períodos anteriores: o Bronze Tardio II-III e começo do Ferro I
(1350-1050 a.C.). A Canaã do Bronze Tardio II era territorialmente dividida em
cidades-Estado, num sistema de uma cidade principal com aldeias ao seu redor.
O autor identifica três ferramentas para reconstruir a distribuição territorial das
cidades-Estado deste período. A primeira é a evidência textual, tendo como fonte as
cartas de Amarna, do século XIV a.C.; trata-se de tabuletas encontradas no Egito que
incluem parte da correspondência diplomática entre os Faraós Amenófis III e IV e
governantes das cidades-Estado em Canaã; a segunda é a investigação petrográfica das
cartas de Amarna, identificando o território através da mineralogia da argila das
tabuletas; a terceira é a arqueologia. Finkelstein concluiu que as evidências textuais de
Amarna e as arqueológicas se correspondem. Suas pesquisas indicaram que as cidades-
Estado canaanitas estavam geograficamente localizadas nas terras baixas, com
territórios pequenos e densa população, e nas terras altas, com territórios amplos e
pouco habitados.
Na área que corresponderá ao futuro território do Reino do Norte, as principais
cidades-Estado foram: Siquém, como uma unidade política territorial; as da coalizão de
Siquém: Gezer, Ginti-kirmil, Tel Jocneão, Anaarat, Pehel e Shim’on; e as da coalizão
anti-Siquém: Meguido, Roob, Acsaf, Aco e Hasor.
5 FINKELSTEIN, Israel. O Reino esquecido, p. 29-55.
Departamento de Teologia
Figura 1. Mapa da unidade política do Norte do Bronze Tardio, marcando as coalizões de Siquém (cinza-claro) e anti-Siquém (cinza-escuro).6
A queda das cidades-Estado do Bronze Tardio resultou num crescimento de
assentamentos nas terras altas. Com isso, houve um aumento da população
sedentarizada e a expansão da atividade agrícola. A maioria destes assentamentos
continuou ininterrupta até o Ferro II A-B, que corresponde ao tempo do Israel Norte.
Desta forma, esse crescimento de assentamentos deve ter dado início ao Israel
Primitivo.
Embora a tese de Martin Noth7 de que, antes dos tempos monárquicos, a
população israelita se organizava como uma anfictionia, isto é, numa liga de tribos cujas
instituições estavam ligadas a um santuário central, tenha sido rejeitada por diversos
estudiosos, não se poderia negar a existência de um lugar de culto importante; e este só
poderia ser Silo, sítio que foi escavado nos anos de 1980. Estudos arqueológicos
afirmam que este sítio foi devastado na segunda metade do século XI e que não houve
assentamentos significativos em Silo após a Idade do Ferro. Também não há evidências
de um santuário em Silo no Ferro I, mas apenas pilastras na encosta ocidental do sítio, o
que mais parece uma instalação de armazenamento e redistribuição de alimentos. Os
estudos revelam ainda que, nas terras altas do Ferro I, não há evidência de uma ampla
6 FINKELSTEIN, Israel. O Reino esquecido. Figura 3 da p. 31. 7 FINKELSTEIN, Israel. O Reino esquecido, p. 39.
Departamento de Teologia
entidade político-territorial. Já nas terras baixas, situadas nos vales do Norte, os
principais centros urbanos recuperaram-se das destruições ou nem foram atingidos,
mantendo-se densamente povoados. Desta forma, o período do Ferro I foi de crescente
prosperidade para esta região.
Finkelstein chama o renascimento dos vales do Norte de “Nova Canaã”. Um
exemplo é a cidade de Meguido, que, depois de uma destruição parcial no Bronze
Tardio, foi totalmente restabelecida, se tornando uma próspera cidade do Ferro I. É
possível que Meguido tenha continuado a ser a referência central das cidades-Estado,
dominando sobre as regiões em seus arredores. Podem ser identificadas outras cidades-
Estado neste período do Ferro I, tais como: Tel Kinneret, Tel Keisan, Tel Jocneão,
Ginti-Kirmil e Tel Rehov.
Figura 2. “Nova Canaã”: cidades-Estados do Norte no final do Ferro I.8
A “Nova Canaã” prosperou graças à estabilidade do setor rural, ao crescente
intercâmbio com a Fenícia e à produção de cobre nos vales de Jezrael e Jordão. No final
do Ferro I, o sistema urbano da “Nova Canaã” foi destruído pelo fogo, e este pode ser
considerado o término do sistema canaanita. Os cinco sítios destruídos, ao serem
analisados pelos estudos do radiocarbono, são de datas próximas, mas diferentes.
Assim, pensa-se que a destruição se estendeu durante décadas e poderia ser associada a
ataques de grupos das terras altas.
8 FINKELSTEIN, Israel. O Reino esquecido. Figura 7 da p. 49.
Departamento de Teologia
Estes fatos não podem ser encontrados nos relatos bíblicos, mas dois textos
podem representar a memória destes eventos. Um é o “Cântico de Débora”, no livro dos
Juízes (Jz 5), que pode ser considerado um dos textos mais antigos da Bíblia. Ele pode
ter sido escrito no Norte, antes do século VIII a.C. O outro é a história da morte do rei
Saul numa batalha contra os filisteus no monte Gelboé (1Sm 31). Este texto está
geograficamente fora de contexto com o restante do Ciclo de Saul e, desta forma, pode
ser considerado uma memória relacionada à expansão de uma antiga unidade política
norte-israelita nos vales do norte no séc. X a.C. Estes textos não foram escritos na época
a que se referem, mas possivelmente são tradições muito antigas que foram transmitidas
oralmente.
No início do Ferro IIA, o sistema de cidade-Estado foi substituído por
assentamentos modestos, podendo ser atribuídos ao Reino do Norte de Israel, pois estes
sítios dos vales do Norte apresentavam características da cultura material norte-israelita
e um sistema de reinos territoriais do final do século X até o início do século VIII a.C.
2. A emergência do estado israelita do Norte e a casa de Saul9 Finkelstein afirma que a região montanhosa central, entre os vales de Jezrael e
Bersabeia, devido ao grande número de assentamentos encontrados no final do Ferro I,
pode ser considerada a mais antiga unidade política do Norte israelita. Neste período
foram encontrados 250 sítios nessa região, numa área total construída de 220 hectares,
podendo ser estimada em cerca de 45.000 pessoas a população que vivia nessa região.
Apenas alguns sítios localizados na região platô de Gabaon-Betel, ao norte de
Jerusalém, podem ser considerados um assentamento central de um grupo governante.
Estes sítios do platô de Gabaon apresentam fortificações de casamata que são as
evidências de construções públicas no final do Ferro I.
O texto de 1Rs 14,25-28 menciona a campanha militar do faraó Sheshonq (bíblico
Sesac), atestada no templo de Amon, em Karnak, no Alto Egito, e seu período pode ser
alocado na metade do século X a.C. Os nomes das cidades conquistadas representam
claramente a realidade da Idade do Ferro; e, os que podem ser identificados, situam-se
no vale de Jezrael, na planície de Saron, na região de Gabaon, do rio Jaboc e de
Bersabeia. Nesta lista de Sheshonq não são mencionadas Jerusalém e as terras altas da
Judeia. Os estudos arqueológicos de Jerusalém mostram que, no século X a.C., ela era
apenas um pequeno assentamento. Com estas constatações, pode-se afirmar que a 9 FINKELSTEIN, Israel. O Reino esquecido, p. 57-84.
Departamento de Teologia
descrição bíblica dos eventos de Roboão é improvável e que Judá, no século X, não
teria riquezas a serem cobiçadas pelo faraó. Assim, as referências bíblicas aos saques ao
Templo devem ser entendidas como uma construção teológica. A campanha militar do
faraó egípcio Sheshonq, que teve como foco a região ao redor de Gabaon e a região de
Jaboc, leva a concluir que estas regiões eram uma unidade política que ameaçava os
interesses egípcios.
Finkelstein, diferentemente de outros autores, acredita que a área de Gabaon-Betel
e a terra de Benjamim pertenciam ao território do Norte durante o período do Bronze e
do Ferro. Os autores que afirmam que estas regiões pertenciam ao Reino do Sul se
fundamentam em textos bíblicos deuteronomistas com ideologia judaizante, enquanto
Finkelstein utiliza textos pré-deuteronômicos e a arqueologia. Para ele, a região de
Benjamim fez parte do Reino do Norte até o fim da dinastia omrida (842 a.C.). Ela teria
sido tomada por Judá no tempo do rei Joás e continuado como parte de Judá do final do
século VIII até o tempo do exílio.
Tanto a lista de Sheshonq como as fontes bíblicas convergem para apontar a
região de Gabaá e do vale do Jaboc como unidades territoriais significativas na época de
Saul e no século seguinte. O primeiro livro de Samuel contém material pré-
deuteronomista; as tradições orais do rei Saul, do Norte, provavelmente chegaram até
Judá através dos refugiados israelitas, após a queda de Israel do Norte (722 a.C.). Estas
tradições foram incorporadas em Jerusalém a uma história antiga sobre os primeiros
dias da dinastia davídica.
Outro exemplo, que prova a preservação das antigas memórias do Israel do Norte
por transmissão oral, é Silo. Estas memórias podem ser encontradas nos livros de Josué,
Juízes e 1Samuel. Os dados arqueológicos mostram que Silo foi destruída e abandonada
no Ferro I e as análises por radiocarbono datam a destruição na segunda metade do
século XI a.C. Desta forma, não é possível associar a destruição de Silo com a conquista
do Reino do Norte pelos assírios, na época da destruição de Samaria. Em Judá, a
tradição da destruição de Silo foi valorizada seja porque atendia ao grande número de
refugiados provenientes do Norte, seja para justificar a rejeição de Saul e a eleição de
Davi. Este exemplo de Silo mostra que era possível manter por séculos tradições
antigas.
A partir dos dados bíblicos, o reinado de Saul é tradicionalmente datado nos anos
de 1025 a 1005 a.C. Muitos estudiosos calcularam a duração do reinado de Saul em 20
ou 22 anos. Sabendo que os números bíblicos são muitas vezes esquemáticos (40 anos
Departamento de Teologia
de duração do reinado de Davi e outros 40 do reinado de Salomão), não se pode afirmar
que o número de anos de Saul seja atendível.
O texto bíblico localiza Saul num lugar conhecido como Gabaá de Saul. Por
questões arqueológicas, que não comprovam achados importantes no período do Ferro I,
é mais provável que ele deva ser colocado em Gaba ou Gabaon. Segundo os dados
bíblicos, Saul foi benjaminita e seu território compreendia a terra de Benjamin e seus
arredores ao norte, sendo mencionados sobretudo Ramá, Masfa, Gaba, Macmas e
Gabaon, todos localizados ao norte de Jerusalém.
Segundo 2Sm 2,9, Isbaal, filho de Saul, “foi feito rei sobre Galaad, sobre os
assuritas, sobre Jezrael, Efraim, Benjamin, e sobre todo o Israel”. Esta notícia é
considerada uma memória histórica genuína, pois isenta de interesse religioso. Não se
pode afirmar que Saul reinou também em Jerusalém, mas a notícia de que ele chegou ao
vale de Elah, região ao sul de Jerusalém, é aceitável pelo mesmo motivo.
O sítio de Khirbet Qeiyafa, localizado numa colina no lado sul do vale de Elah, é
atestado no final do Ferro I e teve seu fim neste mesmo período ou no início do Ferro
IIA (entre a segunda metade do século XI a.C. e a segunda metade do século X). Este
assentamento é rodeado por uma muralha casamata de pedras. Nada se pode dizer de
seguro quanto à identidade de seus habitantes, se israelitas ou não. De qualquer forma,
este assentamento deve estar ligado à unidade política israelita Gabaon/Gabaá, visto
que Judá, nessa época, não era uma entidade significativa. Os principais argumentos
para sustentar essa hipótese são: devido à construção da muralha, acredita-se que o
território, diferentemente do território de Judá, era suficientemente habitado para
oferecer mão de obra; um sistema de muralhas de casamata semelhante foi encontrado
somente na região de Gabaon-Betel; e a relação de Khirbet Qeiyafa com Gabaon/Gabaá
explicaria a tradição da presença do rei Saul no vale de Elah (1Sm 17,1-3).
Finkelstein conclui que uma unidade política de Gabaon/Gabaá no final do Ferro I
e início do Ferro II A (século X a.C.) é comprovada pela arqueologia, pela lista de
Sheshonq I e pelas tradições do Norte sobre a casa de Saul. Ela seria a primeira entidade
territorial do Norte israelita e abrangeria a parte norte da região montanhosa e Galaad.
Tentativas de expansão desta entidade na direção norte, do vale de Jezrael, e na direção
da planície costeira, teriam motivado o faraó Sheshonq I a atacar a região, levando a
unidade política Gabaon/Gabaá ao seu fim. Nesse sentido, para garantir seu domínio,
ele teria apoiado uma unidade política em torno de Tersa.
Departamento de Teologia
3. O Reino do Norte após Saul: o reinado de Jeroboão I10 Os primeiros dias do Reino do Norte: a unidade política de Tersa11
No capítulo 3, Finkelstein trata da ascensão da identidade territorial do Israel do
Norte e de como se deu a substituição Gabaon/Gabaá por Tersa. Aqui, Finkelstein
escreve sobre os primeiros dias do reino da região do Norte e a discussão que se refere a
Tersa como “capital” desses primeiros dias. O processo começa estudando Canaã
(cidades-Estados, Siquém) e de como a queda das cidades-Estados resultou no
crescimento de assentamentos, início de Israel primitivo, pelo que se pode atribuir ao
Reino do Norte a sua primeira formação. Segundo o autor, a mais antiga unidade
política do Norte Israelita, Gabaon-Betel, assentamento central, região emergente que
ameaçava o domínio egípcio em Canaã, sofreu seu declínio no final do século X e, para
garantir seu domínio sobre a região, nasceu uma entidade norte-israelita chamada Tersa.
Os primeiros dias do Reino do Norte em Israel, que foi governado na cidade de
Tersa, ao norte de Samaria, se deram no período entre o final do Ferro I (1037-913 a.C.)
e os primeiros anos do Ferro II (866-760 a.C.). Chegou-se a essa data depois de muitas
pesquisas. O modelo cronológico baseado em centenas de amostras de radiocarbono
alocou essa fase em aproximadamente 920-880 a.C.
Mesmo com os relatos bíblicos sobre a fundação de Samaria, é razoável propor
que os maiores esforços de construção no Norte não tiveram lugar antes da metade do
Reino do Amri (884-873 a.C.). A lista de reis e seu tempo de reinado, tais como a Bíblia
hebraica apresenta, não é contestado pelo autor, somente no que diz respeito à ordem
desses reis: Jeroboão I, Nadab, Baasa, Ela, Zambri, Tebni e Amri. Mas as datas e as
fases são controversas. As escavações feitas na região mostram outras alternativas de
datas e de regiões possíveis dos reinados. O registro desses reis pode ter sido escrito um
século depois, em Samaria (capital) ou Betel, no início do séc VII a.C. após a queda do
Reino do Norte, e levado por israelitas para Judá.
O autor chama atenção para a necessidade de que toda história bíblica deve ser
lida e estudada, apoiada em informações arqueológicas e numa boa exegese, pois, por
trás dos textos bíblicos que se referem ao período da monarquia de Israel do Norte,
existiria uma tendência, por parte dos judaítas, de denegrir e deslegitimar o Reino do
Norte.
10 Os itens 3 e 4 deste trabalho foram redigidos pela aluna Flávia Mendes S. Nunes. 11 FINKELSTEIN, Israel. O Reino esquecido, p. 85-106.
Departamento de Teologia
A cultura material dessa fase, início do Ferro II, apresenta uma nova tradição de
cerâmica caracterizada principalmente por vasilhames polidos com barbotina vermelha.
Não há evidências de arquiteturas públicas, palácios ou fortificações.
Tersa, citada nos textos bíblicos, é identificada seguramente nas terras altas, em
Tell el- Far´ah, a nordeste de Siquém, em uma região fértil. Nos relatos bíblicos do livro
de Primeiro Reis (12,25) há citações da cidade como primeira capital do Reino do
Norte. Tersa teria sido a capital de pelo menos seis dos sete reis que Israel do Norte
teve, entre um período de 40 a 50 anos. O autor do livro de Reis menciona, em algumas
passagens, que Jeroboão governou uma parte de seu reinado em Tersa. É uma memória
que destaca Tersa como capital que antecede à capital de Samaria. Existe uma forte
relação da pesquisa arqueológica com esse sítio de Tersa, lugar crucial para o estudo
dos primeiros dias do Reino do Norte.
Finkelstein, no terceiro capítulo do seu livro,estabelece a história do assentamento
de Tell el- Far´ah e correlaciona-a às evidências textuais sobre Tersa. Tell el Far´ah, a
região onde ficava o assentamento de Tersa, foi escavada e muito explorada, mas o seu
centro e seu setor oriental não receberam uma investigação satisfatória, e os resultados
dessas escavações deixaram lacunas de como teria sido a ocupação em Tersa nesse
período (Ferro I). Surpreende sua localização: lugar de nascentes, colina que surge em
vale fértil; em suma, um lugar estratégico. Mesmo com essas informações
arqueológicas, é impossível admitir que Jeroboão estabeleceu um assentamento
vultoso. Tersa, nesse período, entre o final do séc. X e o início do séc. IX a.C. foi um
assentamento relativamente pequeno, pouco construído e não fortificado;
possivelmente, foi escolhida por sua localização (terra fértil e rica em fonte de água).
É mencionado em 1Rs, especificamente, Tersa como capital do Reino do Norte,
sendo governado por Baasa (1Rs 15,21.33; 16,6 ), Ela (16,8-9 ) e Zambri e na primeira
metade do governo de Amri (16,23). Segundo dados arqueológicos, no entanto, Tersa
não se parece com uma capital governada por reis; escavações indicam que ela pode ter
sido escolhida como capital por ser um lugar neutro, sem passado relacionado com
antigos feudos do período do Bronze Tardio e Ferro II, mas deixam uma lacuna sobre a
ocupação de Tersa para a maior parte do Ferro I. Um assentamento humilde, no entanto
forte o bastante para expressar a natureza da capital do Reino do Norte e para sustentar
uma memória posterior.
Outra cidade ao norte, Dã, citada na Bíblia, certamente não foi governada por
Jeroboão. Dã tinha sido destruída, estava deserta em 886-760 a.C., tempo de Jeroboão,
Departamento de Teologia
e só se tornou israelita em 800 a.C. Esses são argumentos que o autor utiliza para dizer
que Dã, nesse período dos primeiros dias da formação do Reino do Norte, era uma
região deserta. Betel, pela localização bíblica, foi também profundamente escavada nos
anos 1930 e 1950, pelo que se concluiu que não havia itens indicativos que
sustentassem nela um reinado, um governo de Jeroboão.
Examinando as passagens bíblicas, Finkelstein fala de uma construção não
histórica no que se refere a 1Rs 12,26-33. O autor Deuteronomista se utiliza de uma
realidade tardia para projetar um passado; são fatos ocorridos tempos depois que o autor
bíblico coloca no tempo anterior; segundo as pesquisas arqueológicas, não teriam
acontecido. O Deuteronomista constrói realidades históricas tardias a partir de sua
realidade mais próxima. Trata-se de um dado mais teológico do que histórico.
A arqueologia indica uma atividade significativa no vale de Jezrael na fase inicial
do Ferro IIA. Assentamentos na região de Meguido, os primeiros a exibir uma cultura
material, podem ser vistos como israelitas nessa fase. Quanto ao domínio egípcio nessa
região, o faraó não destruía as cidades porque tinha interesse econômico nas cidades
conquistadas. Os egípcios parecem não ter avançado para regiões mais ao Norte; o
limite dessa divisão seria o vale de Jezrael, região com pouca habitação.
Tudo isso parece indicar que a unidade política de Tersa governou sobre as terras
altas ao norte de Jerusalém, o vale Jezrael e o oeste de Galaad. Essa unidade foi
governada de um assentamento modesto e não fortificado. Os reis do Norte dominaram
uma área principalmente rural, sem grandes arquiteturas e monumentos. Tersa perdeu
sua importância no início do séc. IX a.C., quando Amri mudou a capital para Samaria.
A queda da unidade política de Gabaon/Gabaá pode ter facilitado a ascensão de
Jeroboão e do Reino do Norte, que tinha seu centro na região de Siquém-Tersa. A
intervenção egípcia na unidade Gabaon/Gabaá certamente ajudou na ascensão de
Jeroboão.
Nos seus primeiros dias de formação, Israel do Norte governou uma área mais
ampla e rica, em uma região fértil, e mais densamente ocupada do que Judá; ainda
assim, tratava-se de um assentamento humilde, não fortificado. A parte norte das terras
altas sofreu com tentativas frustradas de governos que não conseguiram se estabelecer.
Todas essas pesquisas inserem-se dentro da tentativa de explicar, mais adequadamente,
a fase inicial formativa do Reino do Norte.
Departamento de Teologia
4. Israel-Norte sob a dinastia omrida12
O território governado pelos Omridas13 No capítulo 4, “O Reino do Norte sob a dinastia Omrida”, Finkelstein nos
apresenta os limites geográficos do território governado por esta dinastia. Considerando
o ciclo Elias-Eliseu do livro de Reis, que se desenvolve geograficamente numa região
limitada, pode-se supor que o Reino do Norte estava focado no vale de Jezrael, sem se
estender muito ao norte; portanto, numa área estrategicamente cercada, tendo como seu
núcleo a capital Samaria.
O autor lista uma série de locais, mencionados no livro dos Reis, que podem
ajudar a traçar uma linha limite entre os territórios governados pelos Omridas, sem
levar em conta a ordem cronológica, mas considerando somente o período em que
ocorreram os confrontos entre Israel e Aram pela conquista de territórios (séc. IX a. C.).
A Estela de Dã indica que um rei israelita tinha conquistado territórios
pertencentes a Aram, ou seja, territórios legítimos de Aram-Damasco foram
conquistados por Israel. Isso deve ter ocorrido, provavelmente, no tempo do rei Jorão e
explicaria a expansão Omrida dentro do território de Damasco.
As escavações de Hasor, e de duas fortalezas situadas na Alta Galileia,
demonstraram traços da arquitetura Omrida, podendo assim dar uma pista para o limite
geográfico do Reino Omrida. Tais fortalezas, construídas possivelmente pelos reis
nortistas, teriam a função de centro de controle.
As planícies costeiras e as colinas baixas estavam nas mãos dos fenícios. Ao
norte, a fronteira com Aram-Damasco pode ser localizada na região do mar da Galileia.
A oeste, os territórios Omridas deveriam ir até Dor, porém os dados não são
conclusivos, já que a existência de Dor é testemunhada só no séc. VIII a.C.; no período
da dinastia Omrida poderia ter sido uma porta marítima na Fenícia do Reino do Norte,
visto que Acab se casou com uma princesa fenícia (1Rs 16, 31). Ao sudeste, o território
Gezer pode ter alcançado a fronteira do Reino do Norte com o Sul e parece ter passado
bem próximo de Jerusalém. O ponto mais importante a respeito dos territórios Omridas
é indicar que suas fronteiras iam muito além do vale de Jezrael e que alcançavam o sul
da alta Galileia.
12 FINKELSTEIN, Israel. O Reino esquecido, p. 106-145. 13 Dinastia Omrida (884-842), período governado por quatro reis: Amri, Acab, Ocozias e Jorão. Tendo, no governo de Acab, experimentado total potência militar e seu auge de prosperidade.
Departamento de Teologia
Nas suas fronteiras, a dinastia Omrida fixou fortes construções e centros
administrativos; havia construções de casamata e edifícios militares.
Figura 3. “Território do Reino do Norte em seus primeiros dias e no tempo da
dinastia omrida”.14
Composição demográfica do Reino Omrida Israel, no período da dinastia Omrida, estava densamente povoado, o que permitiu
e facilitou a mão de obra para as grandes construções sem afetar o setor agrícola, de
onde vinha o sustento do Reino. A estimativa de um grande número de habitantes nesse
período está baseada em resultados de pesquisas de superfície, considerando o material
de vasilhames encontrados. A população era formada por israelitas, canaanitas e por
uma mistura de descendentes de grupos locais, moabitas e fenícios.
A diversidade demográfica e cultural indica que, na política Omrida, havia o
objetivo de legitimar-se. A expansão dos territórios para regiões vizinhas; pacificando-
14 FINKELSTEIN, Israel. O Reino esquecido, p. 102.
Departamento de Teologia
as, garantiam-lhe lealdade. Era uma estratégia melhor do que a simples conquista. Esta
foi uma característica da dinastia Omrida, foi a forma usada para sua expansão: eles
visavam lugares lucrativos e estratégicos, onde erguiam suas construções, cercando seus
limites, com uma propaganda da legitimidade de seu Reino; As grandes construções e
projetos arquitetônicos impunham dominação e poder e, com isso, impressionavam o
povo local, garantindo lealdade e submissão.
Nenhuma outra região próxima ao Reino do Norte, nessa época, tinha tantas
construções e uma tal organização estrutural como Israel teve. A única região próxima
que se assemelhava ao reino Omrida era Aram-Damasco, que possivelmente disputava
os limites dos dois territórios. Conclusões
Com o estudo desses capítulos do livro do professor I. Finkelstein, fica clara a
importância de uma pesquisa arqueológica na área bíblica e o quanto esse tipo de
pesquisa pode contribuir para um melhor entendimento da História do Antigo Israel e
do povo bíblico. Fornecendo datas aproximadas para os acontecimentos narrados nos
textos bíblicos, a arqueologia permite compreendermos melhor o processo formativo de
Israel e como essa História se manteve durante tantos anos. Ao mesmo tempo, é certo
que uma leitura crítica da Bíblia auxilia na compreensão do seu texto, e o que esse texto
nos diz para nossos dias atuais.
O livro de Finkelstein é rico e consistente e muito adiciona ao processo de
compreensão da história bíblica. Fundamentado em recentes estudos arqueológicos, seu
texto proporciona um novo entendimento da história do Antigo Israel, especialmente no
que diz respeito aos aspectos de sua cultura material, das transformações nos
assentamentos e da história territorial da Idade do Ferro nas terras altas e baixas do
Israel Norte. Enfim, muito ainda se pode explorar nessas áreas, e muito ainda temos a
descobrir.
Referências
1 - FINKELSTEIN, I. O Reino esquecido: Arqueologia e História de Israel Norte. São Paulo: Paulus, 2015.
2 - Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.