REVISTA DE DIREITO PBLICO, LONDRINA, V, 4, N. 3, P. 233-253, SET./DEZ. 2009.
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O Mandado de injuno como possibilidade de efetivao dos Direitos Fundamentais Sociais
Camila Talheti Guellero 1 Joo Luiz Martins Esteves 2
Resumo
O mandado de injuno, concebido na Constituio Federal de 1988 para possibilitar o exerccio dos direitos fundamentais constitucionalmente definidos, mas obstado pela falta de norma regulamentadora, pode ser vislumbrado como possibilidade de efetivao dos direitos fundamentais sociais, j que tais direitos carecem de um atuar positivo do Judicirio no sentido de promover a efetivao da cidadania social. Cabe ao Judicirio afastar-se do extremo apego ao princpio da separao de poderes, de sua postura de autorrestrio e dos bices apresentados pela limitao oramentria e trabalhar no sentido de promover a justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais para que, assim, tais direitos possam ser efetivados na realidade social. Um dos caminhos para possibilitar que a efetivao dos direitos fundamentais sociais ocorra na sociedade brasileira o Judicirio, especialmente na figura do Supremo Tribunal Federal, primar pelo bom manejo do mandado de injuno, possibilitando que este remdio constitucional realmente proporcione ao seu impetrante a fruio do direito at ento obstaculizado pela omisso legiferante.
Palavras-Chave: Mandado de Injuno; Direitos Fundamentais Sociais.; Justiciabilidade;. Supremo Tribunal Federal.
Introduo
Desde que foi contemplado na Constituio de 1988, o mandado de injuno
sempre abarcou em torno de si controvrsias a respeito de seu papel como instrumento de
efetivao dos direitos constitucionais, principalmente no que tange efetivao dos
direitos fundamentais sociais.
Em razo de ter sido concebido para tutelar os direitos fundamentais
constitucionalmente definidos, desde que obstados por falta de norma regulamentadora, o
mandado de injuno no poderia deixar de tutelar tambm os direitos fundamentais
1 Graduanda do 5 ano do curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina. 2 Mestre em Direito do Estado, Especialista em Filosofia Poltica, professor de direito constitucional da
Universidade Estadual de Londrina, Procurador do Municpio de Londrina.
Camila Talheti Guellero e Joo Luiz Martins Esteves
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sociais, j que estes integram os direitos fundamentais e retratam um dos fundamentos
maiores da Carta de 1988, qual seja a cidadania.
Portanto, diante da expressiva dimenso que os direitos fundamentais sociais
possuem na sociedade e no ordenamento jurdico nacional, este trabalho objetiva delinear o
liame existente entre esse remdio constitucional e a cidadania, visando demonstrar como
aquele pode ter papel de efetivar esta na realidade social.
Diante da relao intrnseca existente entre o mandado de injuno e os direitos
fundamentais sociais, percebe-se a relevncia em pretender desenvolver o estudo sobre a
justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais e a postura que o Poder Judicirio vem
assumindo frente sociedade que clama efetivao da cidadania, devendo ser despendida
ateno especial tentativa de analisar o mandado de injuno como possibilidade de
efetivao dos direitos fundamentais sociais.
Para tanto, o presente tema encontra-se destrinchado em trs partes principais. A
primeira analisa a justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais e algumas posies
adotadas pelo Judicirio que podem estar colocando empecilhos ao seu papel de
concretizador e efetivador da cidadania social.
Subsequentemente, a parte II dedica-se ao estudo do mandado de injuno, com
nfase ao seu conceito, objeto e efeitos conferidos pelo Supremo Tribunal Federal a suas
decises. Por fim, na terceira parte empreende-se uma anlise jurisprudencial dos julgados
do Supremo Tribunal Federal, com a finalidade de verificar como vem sendo manejado o
mandado de injuno pela Corte Suprema e, se na prtica, este instituto vem conseguindo
manifestar seus efeitos no sentido de possibilitar a efetivao dos direitos fundamentais
sociais.
Justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais
Com o escopo de desenvolver o estudo sobre mandado de injuno como
possibilidade de efetivao dos direitos fundamentais sociais, faz-se necessrio empreender,
antes de qualquer coisa, uma anlise sobre a justiciabilidade destes direitos de segunda
dimenso, ou seja, tentar verificar a possibilidade deles serem cobrados perante o Poder
Judicirio quando no observados pelos Poderes Legislativo e Executivo
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A justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais depara-se com vrias barreiras
que por vezes obstaculizam ao operador do direito dar efetividade aos direitos sociais e,
consequentemente, sanar os graves problemas humanitrios que assolam as sociedades
contemporneas (VANONI, 2008).
A limitao imposta atuao do Judicirio, a limitao de recursos financeiros para
arcar com as despesas do exerccio dos direitos fundamentais sociais, as doutrinas que
buscam o esvaziamento de tais direitos, e a prpria postura muitas vezes autorrestritiva do
Judicirio revelam-se como bices efetizao dos direitos fundamentais sociais.
Vislumbra-se cabvel ao tema em estudo verificar as caractersticas dos direitos
fundamentais sociais que reforam sua justiciabilidade, demonstrando, em contrapartida,
algumas doutrinas que lhe so resistentes.
Breves consideraes sobre a teoria dos direitos fundamentais sociais
importante que seja apresentada a classificao dogmtica dos direitos
fundamentais, que, conforme os estudos de Sarlet (2008, p. 184-185), divide tais direitos
em: direitos de defesa e direitos prestacionais.
Conforme leciona Sarlet, os direitos fundamentais, na condio de direitos de defesa:
[...] se dirigem a uma obrigao de absteno por parte dos poderes pblicos, implicando para estes um dever de respeito a determinados interesses individuais, por meio da omisso de ingerncias ou pela interveno na esfera de liberdade pessoal apenas em determinadas hipteses e sob certas condies (SARLET, 2008, p. 186).
Pode-se reconhecer, assim, que os direitos de defesa podem ser identificados com
os assim denominados direitos fundamentais de primeira dimenso, compreendidos pelos
tradicionais direitos de liberdade e igualdade (SARLET, 2008, p. 187). Por sua vez,
importante ressaltar, com arrimo nos ensinamentos de Sarlet, que os direitos fundamentais
sociais apesar de possurem um conceito amplo que inclui tanto posies jurdicas
tipicamente prestacionais como tambm diversa gama de direitos de defesa, podem ser
enquadrados nesta ltima enquanto boa parte dos direitos dos trabalhadores, positivados
nos artigos 7 a 11 da Constituio Federal, j que se revelam, neste aspecto, como
concretizaes do direito de liberdade e do princpio da igualdade (ou da no-
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discriminao), ou mesmo posies jurdicas dirigidas a uma proteo contra ingerncias por
parte dos poderes pblicos e entidades privadas (2008, p. 192). Portanto, um exemplo
tpico deste caso o direito de greve, disposto no artigo 9 da Lei Suprema.
Ainda no que concerne aos direitos de defesa, segundo a classificao de Sarlet,
cumpre assinalar que o autor engloba neste rol os direitos polticos, uma vez que, embasado
pelo critrio da funo predominante, entende que a dimenso prestacional dos mesmos,
com exceo do elencado no artigo 17, 3, da CF, assume carter apenas indireto (2008, p.
197), prevalecendo, portanto, o carter negativo prprio dos direitos de defesa.
Por outro lado, apresenta Sarlet (2008, p. 204), em sua classificao, a concepo
de direitos prestacionais, os quais implicam uma postura ativa do Estado, no sentido de que
este se encontra obrigado a colocar disposio dos indivduos prestaes de natureza
jurdica e material (ftica). Na esteira deste entendimento, os direitos prestacionais podem
incorporar tanto direitos sociais quanto direitos individuais. Como exemplos de direitos
sociais prestacionais podem ser citados aqueles arrolados no artigo 6 da Constituio
Federal, e como direitos individuais prestacionais podem ser reconhecidos a maior parte
daqueles elencados no artigo 5, do texto constitucional, que exigem do Estado a
manuteno do aparelhamento administrativo, judicial e policial para sua efetividade e
garantia (ESTEVES, 2007, p. 61).
Assim, diante destas breves explanaes sobre os direitos fundamentais sociais,
urge iniciar a anlise sobre a justiciabilidade de tais direitos.
A aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais
A tentativa de destituir as normas definidoras de direitos fundamentais sociais de
sua aplicabilidade imediata pode ser reconhecida como obstculo justiciabilidade desses
direitos.
O texto constitucional, em seu artigo 5, 1, dispe que as normas definidoras
dos direitos e garantias fundamentais tm aplicao imediata. bem verdade que a leitura
rpida deste dispositivo constitucional poderia ensejar a sensao de ser este enunciado
aplicado apenas aos direitos e garantias individuais descritos no artigo 5 da Carta Magna.
Entretanto, o legislador constituinte, ao expressamente utilizar-se da expresso direitos
fundamentais, teve a inteno de estender os efeitos desta norma constitucional a todos os
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direitos fundamentais consagrados pela Constituio (VANONI, 2008), dentre os quais
figuram os direitos sociais.
Assim, mesmo diante da existncia de normas programticas no texto
constitucional, acredita Sarlet no ser possvel sustentar que a norma do artigo 5, 1, da
CF seja desnecessria ou suprflua (mesmo que no tenha o condo de outorgar s normas
carentes de concretizao sua plena eficcia) (SARLET, 2008, p. 284-285), j que, conforme
observado em suas anlises, todos os direitos fundamentais devem ser considerados como
normas de aplicabilidade imediata, a saber: boa parte dos direitos fundamentais sociais, que
por sua estrutura normativa e por sua funo, enquadra-se nos direitos de defesa so
considerados, sem maiores problemas, normas autoaplicveis; por sua vez, os direitos
sociais prestacionais se inserem na categoria das normas dependentes de concretizao e
efetivao legislativa, mas que, ainda assim, so dotadas de um mnimo de eficcia, porque
geram efeitos jurdicos e servem de parmetro de validade para normas infraconstitucionais.
Diante do posicionamento apresentado, refora-se a ideia de que cumpre ao
Judicirio a tarefa e o dever de possibilitar a efetivao dos direitos constitucionalmente
concebidos, com especial ateno aos direitos fundamentais sociais, principalmente quando
os outros dois poderes se restarem inertes ante a necessidade de cumprimento dos
mandamentos constitucionais.
Contudo, mesmo detendo a responsabilidade da justiciabilidade dos direitos
fundamentais sociais, o Judicirio quando se apega ao princpio da separao dos poderes e
adota uma postura de autorrestriva, coloca empecilhos ao seu papel de concretizador e
efetivador da cidadania social.
O princpio da separao dos poderes
Impossvel pretender analisar o princpio da separao dos poderes sem relembrar
a teoria tripartida de Montesquieu, que pretendeu elaborar:
[...] uma tcnica que permitisse uma forma equilibrada e moderada de governo, e mais que isso, com poderes divididos (atribuio de atividades especficas funes a rgos distintos e autnomos), de tal modo que, no interior da estrutura do Estado, o poder se encarregasse de controlar ou limitar o prprio poder (MONTESQUIEU apud CLVE, 1993, p. 21).
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Contudo, atenta Clve que a misso dos juristas, hoje, a de adaptar a idia de
Montesquieu realidade constitucional de nosso tempo (CLVE, 1993, p. 42), j que, com a
incorporao nas Constituies Ocidentais do ps-guerra do modelo estatal social, a rgida
separao entre os poderes passou a ser questionada.
Andreas J. Krell constata que o apego exagerado teoria da separao dos poderes
por grande parte dos juzes brasileiros nada mais que resultado de uma postura
conservadora da doutrina constitucional tradicional, que ainda no reinterpretou os velhos
dogmas luz das transformaes sociais trazidas pelo Estado Social (2002, p. 91). Leciona o
citado autor que cada vez mais evidente que o princpio idealizado no sculo XVIII vem
produzindo um efeito paralisante s reivindicaes sociais, devendo, portanto, ser
reinterpretado, j que somente assim poder continuar servindo ao seu escopo de garantir
os direitos fundamentais contra o arbtrio e, hoje tambm, a omisso estatal (KRELL, 2002, p.
88).
Nessa mesma linha de entendimento, refora Esteves que o esquema formalista de
separao de poderes nunca se revelou na prtica, uma vez que sempre houve
interpenetrao de um poder no campo de atuao do outro, isto , as trs esferas sempre
exerceram funes atpicas, administrativas, legislativas e judicirias (ESTEVES, 2007, p. 73-
74). Portanto, conforme as lies de Flvia Piovesan, o princpio da separao dos poderes
deve, pois, ser compreendido luz da sistemtica de freios e contrapesos, ou checks and
balances, em que um rgo do Poder h de ser fiscalizado e controlado por um rgo de
outro Poder (PIOVESAN, 2003, p. 107-171).
Diante das consideraes expostas, nota-se que a atuao do Judicirio na
efetivao dos direitos fundamentais sociais no pretende substituir o Poder Legislativo e o
Poder Executivo, mas sim trabalhar objetivamente com eles para a concretizao deste
objetivo. No se pode negar que preciso que o Judicirio atue de forma ativa, anulando
regras inconstitucionais, dando aplicao norma infraconstitucional no caso concreto de
forma que o resultado seja adequado aos objetivos constitucionais e supra as omisses
legislativas e administrativas, redefinindo polticas pblicas quando ocorrer inoperncia dos
outros poderes (ESTEVES, 2007, p. 76)..
O que se deve ter em mente que a regra elencada no artigo 2 da Constituio de
1988, que define e garante a separao harmnica entre os poderes da Repblica, deve ser
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utilizada como meio (e no fim) do Estado para atingir os seus objetivos fundamentais
proclamados no artigo 3 da Lei Maior (ESTEVES, 2007, p. 80-81).
Vale arriscar dizer que se de um lado vedado ao Judicirio assumir
indiscriminadamente as funes tpicas do legislador e do administrador, sob pena de real
violao ao princpio da separao dos poderes, no menos acertado entender que o
rgo judicirio tambm no se pode manter alheio ao seu dever de efetivao dos
preceitos constitucionais clamados pela sociedade, principalmente no que tange aos direitos
fundamentais sociais.
A autorrestrio do judicirio como empecilho justiciabilidade dos direitos
fundamentais sociais
Outro obstculo justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais pode ser
identificado como a autorrestrio do Judicirio (ESTEVES, 2007, p. 82), pela qual os juzes
consideram que a deciso das prioridades atinentes cidadania no lhes diz respeito,
cabendo tal incumbncia decisria apenas aos rgos polticos do sistema.
Contudo, de acordo com as lies de Esteves (2007, p. 82-90), no parece existir no
contexto ptrio oposio legitimao do Judicirio na tarefa de dar efetividade
Constituio (ESTEVES, 2007, p. 86). Diante disso, parece ser plausvel inferir que a existncia
de dificuldades na efetivao dos preceitos constitucionais pode estar partindo do prprio
Poder Judicirio, em razo de sua postura autorrestritiva quando chamado a resolver os
conflitos sociais e, principalmente efetivar os direitos fundamentais sociais reclamados pela
sociedade brasileira (CAPPELLETTI , 1999, p. 90-91).
Essa posio de autorrestrio do Judicirio pode ter sido fruto da histria
constitucional brasileira (ESTEVES, 2007, p. 86-89), j que este rgo sempre se moldou ao
poder estabelecido, negando a si prprio a tarefa poltica de intrprete e aplicador da
Constituio.
Todavia, a partir do processo de democratizao e promulgao da Constituio
Federal de 1988 e do reconhecimento do conjunto ampliativo dos direitos sociais no Brasil, o
papel do Judicirio de solucionador do apelo social e possibilitador da efetivao da
cidadania passou a ganhar cada vez maior expressividade. Neste aspecto, muito bem
observa Esteves que:
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[...] para efetivao desses direitos no so necessrias somente a declarao e a positivao daqueles, nem to-somente a adoo de amplo e variado leque de opes processuais de controle da constitucionalidade. preciso tambm que, vinculada a esse modelo, exista jurisdio construda sob a concepo de que efetivamente cabe ao Poder Judicirio, por meio do controle jurisdicional de constitucionalidade, a guarda da Constituio, pois aquele deve agir como rgo estatal vinculado aos seus comandos objetivos e no pode se esconder atrs de uma concepo doutrinria que leve sua auto-restrio (ESTEVES, 2007, p. 89).
Com arrimo nas preciosas lies at aqui expostas, perceber-se que a plena
justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais pode ser alcanada na medida em que o
Judicirio abandone as sombras das doutrinas formalistas, desapegando-se da absoluta
separao dos poderes e da postura autorrestritiva que h tempos vem moldando suas
decises, e que passe a aceitar seu papel de concretizador e efetivador dos preceitos
constitucionais, j que a prpria sociedade o legitimou para solucionar os conflitos sociais e
para efetivar os direitos fundamentais de 2 dimenso, principalmente quando o Executivo e
o Legislativo se mostram incapazes ou inoperantes para resolver tais questes.
A limitao dos recursos pblicos financeiros x mnimo existencial: a possibilidade
de efetivao dos direitos fundamentais sociais
Como no possvel desprezar o fato de que h limitao dos recursos pblicos
para realizao das despesas com exerccio dos direitos fundamentais e o fato de que esta
limitao muitas vezes pode-se materializar numa barreira justiciabilidade dos direitos
fundamentais sociais (VANONI, 2008), faz-se por bem tentar desenvolver neste tpico uma
anlise sobre os limites dos recursos oramentrios e de que forma isso pode afetar a
efetividade dos direitos fundamentais sociais.
A elaborao do oramento deva respeitar e contemplar todas as diretrizes
estabelecidas na Constituio, uma vez que, no Estado Social de Direito, questes ligadas ao
cumprimento das tarefas sociais e a formulao das respectivas polticas no esto relegadas
to-somente ao governo e administrao pblica, mas tm seu fundamento principal nas
normas constitucionais sobre direitos sociais (KRELL, 2002, p. 100). Nesse momento torna-se
oportuno repetir a indagao feita por Esteves em sua obra:
[...] se o oramento e a definio de polticas pblicas se encontram adequados aos comandos constitucionais, a quem cabe decidir definitivamente nas situaes em
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que h de existir deciso sobre qual direito deve ser privilegiado e qual dever aguardar sua vez quando no tem receita suficiente para arcar com toda a despesa necessria? (ESTEVES, 2007, p. 57).
Tal questionamento no de simples soluo, tornando-se imperioso atentar,
primeiramente, para as diferentes caractersticas dos direitos fundamentais sociais,
conforme a classificao de Sarlet apresentada no item 2.1 acima.
Segundo o mencionado anteriormente, percebe-se que os direitos sociais
prestacionais esto profundamente ligados s tarefas exercidas pelo Estado na condio de
Estado Social, ou seja, no papel de garantidor de uma adequada e justa distribuio dos bens
existentes. Todavia, diante disso, pode surgir o argumento de que apenas os direitos de
defesa poderiam ser exigidos judicialmente, em razo de no implicarem custos ao Estado,
vez que os direitos a prestao, por exigirem dispndio de verbas pelo Poder Pblico, no
seriam justiciveis vez que a destinao de verbas pblicas depende de aprovao poltica
(VANONI, 2008).
No entanto, antes de decidir qual direito tem privilgio de efetivao quando a
receita oramentria for insuficiente para atender as despesas pblicas necessrias, deve ser
observada a lio de Holmes e Sunstein, que, em sntese, defende que todos os direitos so
positivos, na medida em que at mesmo os direitos tradicionalmente definidos como
negativos acarretam encargos econmicos e financeiros substanciosos para o poder pblico
(um sistema eficiente de segurana pblica e de administrao judiciria, por exemplo)
(HOLMES apud SARLET, 2008, p. 223-224). Sob esta ptica, pode-se verificar que os direitos
de defesa tambm exigem atuao positiva do Estado e, portanto, geram necessidade de
dispndio de verbas pblicas na sua realizao. Assim, restaria fragilizado o argumento de
que devem ser privilegiados os direitos de defesa (e mesmo os direitos individuais) em
detrimento dos direitos prestacionais, levando a concluso de que se os Poderes Legislativo,
Executivo e mesmo o Judicirio do prevalncia efetivao dos direitos fundamentais
caractersticos de primeira dimenso, o fazem por escolha poltica, pois sabem que esses
tambm esto sujeitos escassez de recursos econmicos pblicos como os direitos sociais
prestacionais (HOLMES apud SARLET, 2008).
Deste modo, percebe-se que uma postura ativa do Judicirio que afaste os
argumentos de falta de verbas ou mesmo de falta da prpria competncia para decidir sobre
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a aplicao dos recursos pblicos (SARLET, 2008, p. 342-343) e que, principalmente, pare de
preterir a efetivao dos direitos sociais prestacionais para privilegiar a efetivao daqueles
direitos de feio liberal, revela-se cada vez mais importante para possibilitar que a
prestao dos servios pblicos atenda s necessidades sociais, e, assim, possibilite a
efetivao dos direitos fundamentais sociais reclamados pela sociedade.
Para Barroso o Judicirio teria a responsabilidade de ordenar um padro mnimo
para o cumprimento destas tarefas estatais (BARROSO, 2003, p. 153-154). Torna-se
necessrio, deste modo, realizar o enquadramento dos direitos fundamentais sociais a um
mnimo existencial para que seja possvel sua efetivao pelo Poder Pblico.
Sobre esta temtica, merece ateno a construo terica desenvolvida por Ana
Paula de Barcelos que apresenta entendimento muito pontual sobre quais devem ser os
direitos prestados dentro do conceito de mnimo existencial, merecendo ser destacado o
seguinte trecho de suas lies:
Na linha do que se identificou no exame sistemtico da prpria Carta de 1988, o mnimo existencial que ora se concede composto de quatro elementos, trs materiais e um instrumental, a saber: a educao fundamental, a sade bsica, a assistncia aos desamparados e o acesso Justia. Repita-se, ainda uma vez, que esses quatro pontos correspondem ao ncleo da dignidade da pessoa humana a que se reconhece eficcia jurdica positiva e, a fortiori, de direito subjetivo exigvel diante do Poder Judicirio (BARCELOS apud ESTEVES, 2007, p. 65).
As consideraes sobre o mnimo existencial tambm encontraram espao nos
estudos de Sarlet, defendendo este autor intrnseca correspondncia entre o mnimo
existencial e o princpio da dignidade humana, conforme pode ser observado no fragmento
abaixo transcrito:
Assim, em todas as situaes em que o argumento da reserva de competncia do Legislativo (assim como o da separao dos poderes e as demais objees aos direitos sociais na condio de direitos subjetivos a prestaes) esbarrar no valor maior da vida e da dignidade da pessoa humana, ou nas hipteses em que, da anlise dos bens constitucionais colidentes (fundamentais, ou no) resultar a prevalncia do direito social prestacional, poder-se- sustentar, na esteira de Alexy e Canotilho, que, na esfera de um padro mnimo existencial, haver como reconhecer um direito subjetivo definitivo a prestaes, admitindo-se, onde tal mnimo ultrapassado, to-somente um direito subjetivo prima facie, j que nesta seara no h como resolver a problemtica em termos de um tudo ou nada (SARLET, 2008, p. 372).
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Das lies apresentadas, portanto, pode-se inferir que embora a limitao dos
recursos financeiros pblicos possa constituir uma barreira ftica efetivao dos direitos
fundamentais sociais, aqueles que estiverem presentes no mnimo existencial, conforme a
interpretao adotada no caso concreto, podem ser justiciveis sob a forma de direitos
subjetivos e, por conseguinte, teriam maior possibilidade de virem a ser efetivados na
realidade social.
Assim, delimitada a anlise sobre a justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais
e o papel de Judicirio como meio concretizador e efetivador destes direitos (obviamente
sem qualquer pretenso de esgotar o tema), faz-se necessrio voltar as direes deste
trabalho ao mandado de injuno, com a inteno de desenvolver um estudo na tentativa
verificar se este instituto constitucional introduzido no ordenamento jurdico ptrio pela
Carta Magna de 1988 pode ser utilizado realmente como uma possibilidade de efetivao
dos direitos fundamentais de segunda dimenso.
O mandado de injuno
Conceito do instituto
O instituto em estudo um instrumento do controle de constitucionalidade difuso e
encontra-se delineado na Constituio Federal de 1988, em seu artigo 5, inciso LXXI. Por ser
clara a disposio constitucional, o mandado de injuno pode ser conceituado como
garantia de exaltao constitucional, ao que visa conferir imediata aplicabilidade norma
constitucional nas hipteses de normas fundamentais no autoaplicveis ou de eficcia
limitada (ANASTCIO, 2003, p. 30).
Na mesma esteira de entendimento, acrescenta Jos Afonso da Silva que o
mandado de injuno:
[...] constitui um remdio ou ao constitucional posto disposio de quem se considere titular de qualquer daqueles direitos, liberdades ou prerrogativas inviveis por falta de norma regulamentadora exigida ou suposta pela Constituio. (SILVA, 2005, p. 448).
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Infere-se destas explanaes que o mandado de injuno uma garantia
instrumental de direitos que no podem ser frudos por ausncia de norma
regulamentadora verificada pela inrcia legislativa (SIQUEIRA JNIOR, 2008, 364).
Abrangncia protetiva do mandado de injuno
Neste momento, faz-se por bem tentar esclarecer: qual a abrangncia protetiva
do instituto em tela? Quais so os direitos que o legislador constituinte pretendeu viabilizar
ao implementar o mandado de injuno no texto constitucional de 1988? Sendo a injuno
ptria concedida quando ausncia de norma regulamentadora tornar invivel a fruio do
exerccio de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes
nacionalidade, soberania e cidadania, estaria o objeto deste instituto limitado a esses
direitos e liberdades expressamente previstos no artigo 5, LXXI, CF?
Como resposta para tais indagaes acabam por existir alguns entendimentos
doutrinrios divergentes quanto extenso dos direitos e liberdades tutelados pela
injuno, sendo, portanto, apropriado para o desenrolar deste estudo, tentar verificar quais
seriam essas trs correntes interpretativas: restritiva, intermediria e abrangente
(MACHADO, 2004, p. 70).
Os defensores da primeira corrente reduzem significativamente o campo de
incidncia do writ ao sustentar que o mesmo alcana to somente os direitos que possam
ser deduzidos da condio de nacional e de cidado, vez que a norma constitucional
especificou o objeto da sua tutela expressamente. Este entendimento desenvolvido por
Manoel Gonalves Ferreira Filho (2008, p. 325).
Por outro lado, aponta-se a corrente intermediria representada pelas ideias de
Celso Ribeiro Bastos, segundo as quais mandado de injuno tutelaria somente os direitos
contemplados no TTULO II da Constituio (Direitos Individuais e Coletivos, Direitos Sociais,
Direitos Nacionalidade e Direitos Polticos) (BASTOS, 1998, p. 242).
Partindo-se para anlise da corrente abrangente, verifica-se que esta viso
doutrinria acredita que os direitos, liberdades e prerrogativas tutelveis pela injuno so
quaisquer direitos, liberdades e prerrogativas previstos em quaisquer dispositivos da
Constituio, tendo em vista que inexiste qualquer restrio no art. 5, LXXI, do texto
constitucional (PIOVESAN, 2003, p. 140).
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Diante do exposto, percebe-se que o mandado de injuno cabvel sempre que a
falta de norma regulamentadora seja um obstculo ao exerccio dos direitos fundamentais
definidos nas normas constitucionais que dependem de norma futura para que sejam
efetivadas no plano da realidade social.
Efeitos da deciso
Para apresentar os efeitos da deciso proferida em sede de injuno, inevitvel
socorrer-se da classificao utilizada por Lenza (2009, p. 740-741) em sua obra. De acordo
com essa classificao, os efeitos do mandado de injuno podem ser divididos em duas
posies iniciais, a no concretista e a concretistas; sendo que esta se subdivide em
concretista geral e concretista individual; podendo ainda esta ltima posio ramificar-se em
concretista individual direta e concretista individual intermediria.
A teoria no concretista se restringe a declarar a mora do rgo omisso, ou seja, do
ente responsvel pela elaborao da norma regulamentadora, no garantindo ao impetrante
do mandado de injuno o exerccio do direito pleiteado (PINTO, 2002, p. 58).
Importante ressaltar que, por muito tempo, a posio no concretista foi
dominante no Supremo Tribunal Federal. Contudo, tal posicionamento sempre foi alvo das
crticas da doutrina, uma vez que apenas declarar a mora legiferante no torna fruvel o
exerccio dos direitos fundamentais obstados, restando a providncia jurisdicional incua,
neste caso (LENZA, 2009, p. 741).
Contudo, hodiernamente, com a renovao dos membros da Excelsa Corte, as
outras posies vm ganhando fora nos julgamentos dos mandados de injuno
impetrados no STF, no sentido de se estar procurando conferir concretude aos direitos
constitucionalmente previstos e carentes de regulamentao. Assim, passa-se anlise de
tais teorias.
Pela concepo concretista, o Poder Judicirio deve declarar a omisso legislativa,
alm de conceder o direito fundamental pleiteado pelo impetrante at que sobrevenha
norma integrativa pelo Legislativo (LENZA, 2009, p. 741). Essa linha concretista, conforme j
mencionado, divide-se em concretista geral e concretista individual.
Na primeira posio, a deciso produz efeito erga omnes, o que, para alguns,
equipara os efeitos do mandado de injuno aos da ADin por Omisso. J na posio
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concretista individual, a deciso manifesta seus efeitos somente inter partes, vinculando
apenas as partes da relao processual, servindo apenas ao caso concreto (PINTO, 2002, p.
58).
Por outro lado, a concepo concretista individual pode-se dividir em mais dois
entendimentos distintos: a posio concretista individual direta e a concretista individual
intermediria. A primeira acredita que, to logo seja julgada procedente a ao, deve-se
implementar a eficcia da norma constitucional, possibilitando o quanto antes o exerccio do
direito; j a segunda defende que, ao ser declarada a mora do Legislativo, deve lhe ser
concedido um prazo para emisso da norma regulamentadora, mas que, sendo transcorrido
in albis, deve o Poder Judicirio dar condies para que o impetrante possa finalmente
exercer seu direito constitucional at ento obstaculizado pela ausncia de norma
integradora (PINTO, 2002, p. 58).
Assim, aps o estudo dos efeitos da deciso do mandado de injuno e com o
desfecho do enfoque sobre algumas particularidades do instituto, parte-se para anlise de
alguns posicionamentos jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal na pretenso de
verificar como vem sendo manejado o referido remdio constitucional pelo Tribunal
Supremo, e se o posicionamento majoritrio adotado por esta corte quanto deciso em
sede de injuno vem possibilitando (ou pode vir a possibilitar) a concretizao e efetivao
dos direitos fundamentais sociais por meio desta via.
O Mandado de injuno na efetivao dos direitos fundamentais sociais e a
interpretao jurisprudencial do supremo tribunal federal
Mandado de injuno e o enfoque no concretista da deciso do mi 107/df
O MI 107/DF foi o primeiro mandado de injuno a ser exaustivamente analisado
pelo STF, tendo sido o teor de sua deciso seguido por outros julgados desde a data de seu
julgamento em dois de agosto de 1991. Nesse caso o impetrante pleiteava que fosse suprida
a ausncia da norma integradora a que se refere o artigo 42, 9 da Constituio Federal,
possibilitando, assim, o exerccio do direito de estabilidade do servidor pblico militar.
A deciso proferida no MI 107/DF possibilitou uma apreciao mais uniforme do
instituto da injuno pela Suprema Corte e tambm pelos demais Tribunais, visto que foi
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fixado entendimento reconhecendo a eficcia plena e auto-aplicabilidade do mandado de
injuno. Alm disso, determinou que em relao ao procedimento esse remdio
constitucional deve utilizar no que couber, o do mandado de segurana (PINTO, 2002, p. 52).
Convm ressaltar ainda que foi aplicada a posio no concretista ao fixar os efeitos
da deciso, j que os Ministros, majoritariamente, decidiram por conceder natureza
mandamental ao mandado de injuno, j que, naquela poca, o objetivo deste instituto
constitucional era to-somente obter do Judicirio a declarao de inconstitucionalidade do
rgo responsvel pela edio de norma regulamentadora faltante, bem como dar-lhe
cincia da omisso para que adotasse as devidas providncias (PINTO, 2002, p. 52).
Assim, nota-se que o MI 107/DF um exemplo tpico do posicionamento que por
muito tempo foi adotado pelo Supremo Tribunal Federal, onde a deciso no conferia ao
impetrante o efetivo exerccio do direito pleiteado, vez que apenas tinha a condo de
comunicar a omisso ao rgo legiferante.
Deste modo, percebe-se que a prestao jurisdicional, nesse e em outros casos
semelhantes, restou-se incua, j que o judicirio cerceou seu papel de efetivador dos
direitos constitucionais ao valer-se de uma postura tmida e autorrestritiva baseada no
respeito cego ao princpio da separao dos poderes. Assim, em razo da finalidade no
concretista conferida ao MI 107/DF, no presente caso no foi possvel verificar que o
mandado de injuno atuou como meio possibilitador a conferir efetivao aos direitos
fundamentais, muito menos aos de cunho social.
Mandado de Injuno e o direito de greve dos servidores pblicos
O mandado de injuno n 670/ES impetrado pelo Sindicato dos Servidores Policiais
Civis do Esprito Santo SINDIPOL, ao lado do mandado de injuno 708/DF impetrado pelo
Sindicato dos Trabalhadores em Educao do Municpio de Joo Pessoa SINTEM, e do
mandado de injuno n 712/PA impetrado pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder
Judicirio do Estado do Par SINJEP pretendia que fosse garantido aos seus associados o
exerccio do direito de greve previsto no artigo 37, VII, da CF.
Em 25 de outubro de 2007, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento das
trs aes constitucionais. Por unanimidade, foi declarada a omisso legislativa e, conforme
a posio majoritria adotada pelos Ministros, decidiu-se tambm em determinar a
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aplicao das Leis n 7.701/1988 e 7.783/1989 aos conflitos e s aes judiciais que
envolvam a interpretao do direito de greve dos servidores pblicos civis (MI 670/ES,
2007, p. 51).
Nota-se, ento, que nestes trs julgados o entendimento majoritrio dos membros
do STF foi no sentido de conceder efeito erga omnes s decises, na medida em que props,
para soluo da omisso legislativa, no que couber, a aplicao das leis que dispem sobre o
exerccio do direito de greve no setor privado, sem, todavia, restringir esta aplicao apenas
ao caso concreto, estendendo o efeito a todas as aes judiciais que discutam a
interpretao do direito de greve do funcionalismo pblico.
Portanto, seguindo as orientaes da classificao estudada no ltimo item do
captulo passado, pode-se dizer que no caso dos mandados de injuno aqui analisados, o
Supremo Tribunal Federal, majoritariamente, optou por utilizar-se da teoria concretista geral
(LENZA, 2009, p. 742).
Percebe-se que o entendimento prolatado nestes julgados apresentou-se muito
diferente da interpretao at ento dada pelo STF em relao aos efeitos do mandado de
injuno, j que este tribunal costumava valer-se de uma postura no-concretista, conforme
j analisado, limitando-se a constatar a inconstitucionalidade da omisso e a determinar
que o legislador empreendesse as providncias requeridas (MI 670/ES, 2007, p. 19).
Entretanto, no caso do direito de greve dos servidores pblicos civis, a Corte
Suprema ao conferir ao mandado de injuno efeito erga omnes teria confundido-o com a
ao de inconstitucionalidade por omisso, sendo importante destacar as lies de Volney
Zamenhof de Oliveira Silva sobre o assunto:
[...] a amplitude dos efeitos de uma declarao de inconstitucionalidade por omisso genrica e abstrata, enquanto que em relao ao mandado de injuno, a deciso individual, o que implica dizer que para cada caso concreto, o rgo julgador tem que emanar norma regulamentadora (SILVA, 1993, p. 62).
Alm disso, merece ser ressaltado o posicionamento do Ministro Joaquim Barbosa
que se mostrou contrrio a concesso do efeito erga omnes aos mandados de injuno ora
analisados. Nesse sentido, manifestou-se o voto do Ministro:
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Tenho reservas sobre a natureza objetiva que se quer conferir ao mandado de injuno. Nesse sentido, ponho-me de acordo com as restries manifestadas pelos Ministros Ricardo Lewandowski e Carmen Lcia, por exemplo. Mas no se pode negar que os efeitos se repetiro. Nos termos em que se forma a maioria, o resultado prtico de negar-se o efeito erga omnes que a Corte repetir o julgamento, apenas para afirmar em diversas oportunidades o mesmo que afirmou nessas ltimas sesses. Mas, por outro lado, essa constatao prtica no me parece suficiente para alterar a natureza do mandado de injuno, que via vinculada ao interesse. Talvez fosse o caso, para resolver uma parte desse problema de repetio de feitos, j que no h dvidas sobre a omisso legislativa, de editar-se uma smula vinculante sobre a matria (MI 670/ES, 2007, p. 183).
Assim, analisando as jurisprudncias acima, percebe-se que, mesmo sendo o direito
de greve um direito de defesa, que, conforme classificao de Sarlet exige apenas uma
absteno do Estado para com o indivduo, importante reconhecer que nos casos em tela
os direitos fundamentais sociais reclamados foram efetivados na realidade social mediante a
utilizao do mandado de injuno que, graas posio concretista geral conferida pelos
Ministros da Corte Suprema deciso, seus efeitos puderam ser desfrutados tanto no caso
concreto como por terceiros s relaes processuais ora elencadas.
Mandado de Injuno e o direito aposentadoria especial por atividade insalubre
Por sua vez, o mandado de injuno 721/DF, ao lado do MI 788/DF e do MI 795/DF,
pleiteou que fosse suprida a falta de norma regulamentadora a que se refere o artigo 40,
4 da Constituio Federal, a fim de viabilizar o exerccio do direito aposentadoria especial
por atividade insalubre. O primeiro foi julgado em 30 de agosto de 2008, tendo sido sua
deciso seguida nos outros dois, os quais foram julgados em 15 de abril de 2009.
No caso do MI 721/DF, o voto do relator, Ministro Marco Aurlio, asseverou que
cabe ao Judicirio no apenas declarar a omisso ao poder incumbido de regulamentar a
norma faltante, mas sim viabilizar ao impetrante, no caso concreto, o exerccio do direito at
ento obstaculizado pela inrcia legiferante (MI 721/DF, 2008, p. 9-10).
Por unanimidade, neste julgado, o Pleno do STF acompanhou o voto do ministro-
relator para estabelecer para o caso concreto e de forma temporria, at a vinda da lei
complementar prevista, as balizas do exerccio dos direitos assegurados
constitucionalmente (MI 721/DF, 2008, p. 8), ou seja, foi deferido ao impetrante o direito
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aposentadoria, nos termos do artigo 57 da Lei n 8.213/1991, que dispe sobre o plano de
benefcios da Previdncia Social (LENZA, 2009, 742).
Nota-se que, tanto no julgamento do MI 721/DF, como nos outros dois que o
sucederam, foi adotada a posio concretista individual direta, visto que Judicirio
posicionou-se no sentido de efetivar, no caso concreto e imediatamente, o direito
fundamental social reclamado pelo impetrante.
Assim, o Supremo, em sua atual composio e mediante o bom manejo do remdio
constitucional estudado, vem conferindo ao mandado de injuno a possibilidade de
colaborar com a efetivao das normas constitucionais carentes de regulamentao,
especialmente daquelas que dispe sobre os direitos fundamentais sociais, j que estes, por
carecerem de um agir positivo do Judicirio, no podem deixar que a omisso legislativa
obstaculize sua efetivao no mundo real.
Concluso
Verificado que o mandado de injuno foi concebido na Carta Magna de 1988 para
possibilitar o exerccio dos direitos fundamentais constitucionalmente definidos, mas que se
encontravam obstaculizados em razo de falta de norma regulamentadora, inegvel
observar que este instrumento constitucional no poderia deixar de tutelar tambm os
direitos fundamentais sociais. Tal liame se estabelece em virtude da abrangncia protetiva
do mandado de injuno abarcar todos os direitos fundamentais elencados no texto
constitucional (e no apenas os descritos no inciso LXXI, do artigo 5, da CF), j que a
inteno do legislador originrio na dico deste enunciado constitucional no foi restringir
o objeto do instituto, mas apenas exemplificar algumas possibilidades.
Assim, a partir da constatao da intrnseca relao entre o mandado de injuno e
os direitos fundamentais sociais, passou a ser traada uma anlise com o intuito de verificar
se esta ao constitucional seria uma possibilidade de efetivao dos direitos fundamentais
sociais infruveis em virtude da omisso legiferante.
Deste modo, iniciou-se o presente trabalho com o estudo sobre a justiciabilidade
dos direitos fundamentais sociais e a postura que o Poder Judicirio vem assumindo frente
ao anseio social que clama efetivao dos direitos sociais.
O mandado de injuno como possibilidade de efetivao dos direitos fundamentais sociais
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Quando do estudo da justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais, foi
desenvolvida uma breve anlise sobre tais direitos, com base na classificao de Sarlet que
os divide em direitos de defesa e direitos prestacionais. Importante ressaltar que a definio
desses termos teve suma relevncia para o desenvolvimento do tema proposto, j que foi a
partir dela que pde ser percebido que os direitos fundamentais sociais possuem maneiras
diferentes de justiciabilidade, em razo das prprias peculiaridades da natureza de cada um,
a saber: os direitos de defesa exigem uma absteno do Estado e os direitos prestacionais
requerem uma atuao positiva do mesmo para que possam ser justiciveis e efetivados.
Foi apontado tambm que as normas constitucionais que instituem tais direitos
merecem ter reconhecida sua aplicabilidade imediata, por mais nfima que esta possa
parecer, j que, principalmente no caso dos direitos prestacionais, esta aplicabilidade
somente ganha efetividade com a interveno de comandos integrativos.
Percebeu o expressivo papel que o Judicirio deve desempenhar na concretizao e
efetivao dos direitos fundamentais sociais, j que cabe a este rgo agir ativamente no
sentido de conferir aplicabilidade s normas instituidoras de direitos fundamentais sociais,
possibilitando a efetivao destes ao suprir as omisses legislativas que os obstavam. Deste
modo, detendo a responsabilidade da justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais, o
Judicirio no deve se apegar cegamente ao princpio da separao dos poderes nem adotar
uma postura autorrestriva, j que isso configura, conforme o exposto, empecilhos
gravssimos ao seu papel de efetivador da cidadania social.
Alm disso, foi analisado tambm que cabe ao Judicirio no permitir que a
limitao dos recursos financeiros pblicos constitua uma barreira ftica efetivao dos
direitos fundamentais sociais, devendo este rgo enquadr-los no mnimo existencial
para que possam ser justiciveis sob a forma de direitos subjetivos e, consequentemente,
garantir maior possibilidade de virem a ser efetivados na realidade social.
Vale lembrar que a ideia de mnimo existencial compreendeu varias
interpretaes conforme a linha de pensamento adotada por cada autor, entretanto, parece
que a posio defendida Sarlet possui maior apelo frente aos posicionamentos
jurisprudenciais do STF, vez que, conforme o observado com a anlise dos julgados, parece
que este tribunal vem priorizando zelar pelos direitos fundamentais sociais intimamente
ligados ao princpio da dignidade da pessoa humana, j que somente atravs de prestaes
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que atendam s necessidades sociais e melhorem a condio de vida humana que os direitos
sociais passam a ser efetivados na meio social.
Assim, o Supremo, em sua atual composio, conferiu efetividade ao mandado de
injuno ao afastar-se da teoria no concretista, priorizando as teorias concretistas geral
e/ou individual ao proferir as decises. Ao agir desta maneira, o STF no est ferindo o
princpio da separao de poderes, j que, conforme os dizeres de Piovesan, atravs do bom
manejo do mandado de injuno o Judicirio est tornando vivel o exerccio de direitos e
liberdades constitucionais no caso concreto, assumindo, assim, embora em dimenses mais
alargadas, sua funo tpica e prpria, qual seja a funo jurisdicional, respondendo
satisfatoriamente ao caso concreto (2003, p. 169).
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