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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO EDUCACIONAL ALFA
APOSTILA DIDÁTICA E METODOLOGIA DO
ENSINO SUPERIOR
MINAS GERAIS – 2012
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INTRODUÇÃO
Este é o nosso décimo módulo. É um prazer
estar com vocês novamente.
É com imenso prazer que oferecemos esse material didático para você.
Este foi escrito com muito carinho e dedicação, sendo realizadas várias
pesquisas em autores renomados para a construção do mesmo. Esperamos que
esta seja útil para a construção do conhecimento científico de todos vocês.
Por isso, escolham o melhor momento de estudar, visto que, na educação à
distância o aluno é gerenciador de suas atividades e do seu tempo empregado aos
estudos.
Deixamos claro que estamos abertos para
sugestões, críticas e dúvidas sobre este material.
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DISCUTINDO A DIDÁTICA
A didática é um campo de estudo que se ocupa da busca do conhecimento
necessário para a compreensão da prática pedagógica e da elaboração de formas
adequadas de intervenção, de modo que o processo de ensino e aprendizagem se
realize de maneira que viabilize a aprendizagem de toda a população. Quando
falamos toda a população, referimo-nos também àqueles que se encontram entre os
baixos níveis sócio-econômicos na sociedade, mas que tem direito à educação e de
qualidade, para que possam adquirir, segundo Libâneo (1994, p.35) “um
entendimento crítico da realidade através do estudo das matérias escolares...”, e
assim os alunos podem expressar de forma elaborada os conhecimentos que
correspondem aos interesses prioritários da sociedade e inserir-se ativamente nas
lutas sociais, ou seja, defender seus ideais de acordo com sua realidade.
O aluno então aprende e compreende que a educação é fundamental para a
sua inserção na sociedade, bem como a dimensão crítica e política que ela adquire
quando desvendada sua ideologia. Para que o aluno, futuro cidadão, consiga
absorver essa visão crítica e política da realidade, é necessário que seu percurso na
escola seja repleto de conteúdos, atitudes e aprendizagens significativas, ou seja,
contextualizadas em sua realidade social, como afirma Candau (1982, p.15), “[...] se
todo processo de ensino-aprendizagem é ‘situado’, a dimensão político-social lhe é
inerente”.
O principal responsável por articular todos esses fatores no processo
educativo será o professor. Neste ponto chegamos ao auge de nossa “discussão”, o
professor está preparado para aplicar e buscar novos conhecimentos (bem como os
que possuem) de modo a intervir no processo de ensino, possibilitando as melhores
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maneiras para ocorrer à aprendizagem, bem como permear nessas atitudes as
dimensões críticas e política, que didática possui o professor? Muitos outros
aspectos participam destas questões, como formação, realidade, compromisso
profissional e político, amor, enfim, a didática é regida por todas essas dimensões
entre outras, caracterizando-a. A formação do educador se constitui num dos
principais pontos, pois é por meio dela que o professor buscará subsídios para o
exercício de sua função.
A frustração é o mais comum sentimento que o professor iniciante tem
quando “pisa” em uma sala de aula. Este percebe não se sentir (na verdade não
está) preparado suficientemente para lecionar, e que a realidade (prática) está muito
distante do que aprendeu em sua formação (teoria). Há casos em que o professor
possui somente o conhecimento científico, e outros que conhecem apenas as
técnicas de ensino, como afirmam Candau (1982, p. 20) “[...] se um enfatiza o
processo, o outro o produto”.
Inicialmente essa separação gerou críticas em torno da teoria, alegando-se
que nos cursos de formação de professores aprendiam-se “muitos conteúdos e
nenhuma prática”. Devido a essas alegações o foco da formação docente recaiu
sobre a prática o que gerou uma concepção de que o bom professor seria aquele
que aprendesse a “dominar as técnicas e métodos pedagógicos”, pois estaria
preparado para o mercado de trabalho.
O professor necessita sim dominar as técnicas e métodos de ensino, mas
também precisa de uma formação concreta com subsídios teóricos e práticos, e que
um permeie o outro. A prática pela prática torna-se vazia, o processo de ensino não
contextualizado torna-se não significativo para o aluno (para o professor também, às
vezes ele próprio não percebe), não despertando seu interesse e muito menos
proporcionando reflexões críticas que os levem aos seus posicionamentos políticos
futuros.
O próprio professor acentua o processo precário e ideológico em que a
educação brasileira se encontra, e muitas vezes nem possui consciência disso.
Luckesi (1982, p.32) diz que “[...] a didática como vem sendo ministrada e praticada,
creio eu, acentua o senso comum ideológico dominante”, o que constatamos ser
verdade. Acrescenta ainda que “aprende-se o caminho que conduz a algum lugar,
sem saber para onde ir”. Quando o professor não questiona o “como fazer" e o
“porque fazer”, mergulha num equivoco teórico/prático muito grande.
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O professor deve compreender e aprender que sua didática faz parte de um
todo, base teórica, ações práticas, visão crítica e política, organização e
planejamento, etc., e que essas dimensões devem caminhar juntas, pois a
caracterizam e visam um significado real ao seu corpo, norteando seu trabalho.
Luckesi (1983) diz que a “didática, ao exercer o seu papel específico, deverá
apresentar-se como elo tradutor de posicionamentos teóricos em práticas
educacionais” (p.34).
HISTÓRICO DA DIDÁTICA
A história da didática está relacionada ao aparecimento do ensino no decorrer
da evolução da sociedade. Desde os primórdios dos tempos há indícios de
processos de ensino na Antiguidade Clássica (Gregos e Romanos), estes sistemas
de ensino existiam nas escolas, igrejas, universidades, entre outras instituições, mas
a ação didática não estava presente nestas formas de ensino, como afirma Libâneo
(1994, p.57) “[...] pode-se considerar esta uma forma de ação pedagógica, embora
aí não esteja presente o ‘didático’ como forma estruturada de ensino”.
O termo “didática” aparece somente quando há a intervenção intencional e
planejada no processo de ensino-aprendizagem, deixando de ser assim um ato
espontâneo. A escola se torna assim, um local onde o processo de ensino passa a
ser sistematizado, estruturando o ensino de acordo com a idade e capacidade de
cada criança.
O responsável pela “teorização” da didática será Comênio: A formação da
teoria da didática para investigar as ligações entre ensino aprendizagem e suas leis
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ocorre no século XVII, quando João Amós Comênio (1592-1670), um pastor
protestante, escreve a primeira obra clássica sobre didática, a Didática Magna
(LIBÂNEO, 1994, p.58). Foi o primeiro educador a formular a idéia da difusão dos
conhecimentos educativos a todos, criou regras e princípios de ensino,
desenvolvendo um estudo sobre a didática.
Suas idéias eram calcadas na visão ética religiosa, mesmo assim eram
inovadoras para a época e se contrapunham ás idéias conservadoras da nobreza e
do clero, que exerciam uma grande influência naquele período. Algumas das
principais características da didática de Comênio, segundo Libâneo (1994) eram de
que a educação era um elo que conduzia a felicidade eterna com Deus, portanto, a
educação é um direito natural de todos, a didática deveria estudar características e
métodos de ensino que respeitem o desenvolvimento natural do homem, a idade, as
percepções, observações; deveria-se também ensinar uma coisa de cada vez,
respeitando a compreensão da criança, partindo do conhecido para o desconhecido.
Apesar de Comênio ter elaborado e apresentado todas essas novas idéias, cometeu
alguns equívocos, como manter o caráter transmissor do ensino, método único,
ensino simultâneo a todos, entre outros, no entanto, sua contribuição foi muito
significativa, pois foi o primeiro educador a tentar desenvolver reflexões e métodos
que auxiliassem no processo de ensino e aprendizagem, bem como querer que
todos usufruíssem dele.
As idéias de Comênio, infelizmente não obtiveram repercussão imediata
naquela época (século XVII), o modelo de educação que prevalecia era o ensino
intelectualista, verbalista e dogmático, os ensinamentos do professor (centro do
ensino) eram baseados na repetição mecânica e memorização dos conteúdos, o
aluno não deveria participar do processo, o ensino separava a vida da realidade.
Com o passar dos anos e o desenvolvimento da sociedade, da ciência e dos meios
de produção, o clero e a nobreza foram perdendo aos poucos seus “poderes”,
enquanto crescia o da burguesia. Essas transformações fizeram crescer a
necessidade de um ensino ligado ás exigências do mundo atual, que contemplasse
o livre desenvolvimento das capacidades e dos interesses individuais de cada um.
Jean Jacques Rousseau (1712–1778) foi um pensador que percebeu essas novas
necessidades e propôs uma nova concepção de ensino, baseada nos interesses e
necessidades imediatas da criança, sendo esse o centro de suas idéias.
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Enquanto Comênio, ao seguir as “pegadas da natureza”, pensava em “domar
as paixões das crianças”, Rousseau parte da idéia da bondade natural do homem,
corrompido pela sociedade (CASTRO, 2006, p. 17). Rousseau não colocou em
prática suas idéias, nem chegou a elaborar uma teoria de ensino, apesar de ter
contribuído expressivamente para esse novo foco da educação, quem desenvolveu
suas idéias foi Henrique Pestalozzi (1746–1827), pedagogo suíço, que dedicou sua
vida à educação de crianças pobres e a instituições dirigidas por ele próprio.
Pestalozzi demonstrou grande importância ao ensino como meio de educação e
desenvolvimento das capacidades humanas, como o cultivo do sentimento, da
mente e do caráter, valorizava também a psicologia da criança como fonte do
desenvolvimento do ensino.
As idéias de Comênio, Rousseau e Pestalozzi influenciaram muitos outros
pedagogos, um deles foi Johann Friedrich Herbart (1766 – 1841), pedagogo alemão
que exerceu influência relevante na didática e na prática docente, foi e continua
sendo o grande inspirador da Pedagogia Conservadora (Tradicional). Para Herbart,
o fim da educação é a moralidade, atingida por meio da instrução educativa. O
ensino é entendido como um repasse de idéias do professor para a mente do aluno,
a aprendizagem se torna mecânica e automática.
Segundo Castro, Herbart defendia a:[...] educação pela instrução, bem como
pela relevância do aspecto metodológico em sua obra. O método dos “passos
formais” celebrizou o autor, que o considerava próprio a toda e qualquer situação de
ensino (CASTRO, 2006, p.17). Seu intuito consistia em buscar a formulação de um
método único de ensino, seus discípulos baseados em seu trabalho desenvolveram
posteriormente a proposta dos cinco passos formais do ensino que eram a
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preparação, apresentação, assimilação, generalização e aplicação, “fórmula que
ainda é muito usada por nossos professores na atualidade”.
Tanto Herbart, quanto Comênio, Rousseau e Pestalozzi (além de muitos
outros educadores) formaram a base do pensamento educativo europeu, difundidos
depois para todo o mundo, caracterizando as concepções pedagógicas que hoje são
conhecidas como Pedagogia Tradicional e Pedagogia Renovada.
No Brasil, a retrospectiva histórica da didática segundo Veiga (2006a, p.33)
parte do “ano de 1549”, ainda no período colonial, onde os jesuítas foram os
principais educadores de quase toda essa época. A tarefa educativa destes
religiosos estava voltada para a catequese e a instrução dos indígenas, entretanto,
para a elite colonial outro tipo de educação era ministrada. A ação pedagógica dos
jesuítas foi marcada pelas formas dogmáticas de pensamento e a não criticidade,
buscava-se a formação do homem universal, humanista e cristão.
Veiga (2006a, p.34) diz que “[...] dessa forma não se poderia pensar em uma
prática pedagógica, e muito menos em uma perspectiva transformadora na
educação”. A metodologia de ensino (didática) era entendida somente como um
conjunto de regras e normas prescritivas que visam a orientação do ensino e do
estudo. Após os jesuítas não ocorreram no país grandes movimentos pedagógicos,
a nova organização instituída por Pombal representou pedagogicamente, um
retrocesso no sistema educativo, pois professores leigos começaram a ser admitidos
para ministrar “aulas-régias”, introduzidas pela reforma pombalina.
Somente por volta de 1870 com a passagem do modelo agrário-exportador
(cafeeiro) para um modelo agrário-comercial-exportador, é que começou há haver
mudanças significativas na educação brasileira. Em 1890 é aprovada a reforma
Benjamin Constant, onde se sobressaem os ideais burgueses, suprimem-se o
ensino religioso nas escolas públicas, passando o Estado a assumir a laicidade. A
Pedagogia Tradicional começa a penetrar no Brasil como uma vertente leiga que
possui pressupostos da “pedagogia de Herbart” e seus cinco passos formais, caráter
Dogmático aos conteúdos, métodos universais e o professor como centro do
processo de ensino e aprendizagem, o aluno é considerado um ser passivo e
receptivo, como afirma Veiga (2006a, p.36), a atividade docente é entendida como
inteiramente autônoma em face da política, dissociada das questões entre escola e
sociedade. Uma didática que separa teoria e prática. Essa vertente pedagógica
refletia-se nas disciplinas do currículo das Escolas Normais, desde o início de sua
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criação em 1835. A inclusão da disciplina “didática” nos cursos de formação de
professores ocorreu somente em meados de 1930.
Nesta década o Brasil sofre profundas transformações devido à modificação
do modelo sócio-econômico e a crise mundial da economia. Devido a todas estas
transformações, ocorre no Brasil à Revolução de 1930 que indica o início de uma
nova fase na história da República Brasileira. Vargas constitui o Ministério da
Educação e em 1932 ocorre o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, com a
liderança de Anísio Teixeira (entre outros que o apoiaram), que buscava mudanças
no campo educacional. As novas mudanças na educação nesse período baseavam-
se nas idéias do educador americano John Dewey (1859–1952), precursor do
movimento “escolanovismo” ou “Escola Nova”. Essa nova vertente educacional se
opunha a concepção Herbatiana (tradicional), há o predomínio do aspecto
psicológico sobre o lógico, a criança é o centro do ensino, sendo considerada um ser
ativo e que deve ter liberdade, iniciativa e autonomia no processo de ensino. Para
Veiga (2006a, p.38) dada a predominância da influência da pedagogia nova na
legislação educacional e nos cursos de formação para o magistério, o professor
absorveu seu ideário.
O professor passa a entender a didática como um conjunto de idéias e
métodos, privilegiando a dimensão técnica do processo de ensino, não considerando
os aspectos sociais, políticos e econômicos, ou seja, o professor se transforma em
um “técnico” que não considera a realidade. Este modelo pedagógico requeria
muitos recursos, que infelizmente só a classe dominante dispunha, o que acentuou
mais ainda a exclusão da maioria da população.
Ainda em 1932, podemos citar como pontos importantes para a educação à
criação da primeira faculdade brasileira, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
da Universidade de São Paulo, onde se aspiravam esperanças na mudança da
formação através magistério, buscando-se a renovação do ensino, dando origem á
disciplina didática nos cursos de formação, por volta de 1934.
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Em 1937, Vargas com o apoio de grupos militantes e da classe burguesa
(conquistada pela ideologia), implanta o Estado Novo ditatorial que persistirá até
1945. A educação sofre a influência política, e os educadores condicionando-se as
respectivas posições políticas. Por força do artigo 20 do Decreto-lei nº1.190/39, a
didática foi instituída como curso e disciplina, com duração de um ano. A legislação
educacional foi introduzindo alterações para que em 1941, o curso de didática ser
considerado um curso independente, realizado após o término do bacharelado,
esquema três mais um. A didática começa a ser percebida como disciplina
fundamental na formação do educador, mas seu foco está somente na dimensão
técnica, nos métodos.
A partir de 1945, o país sofre novas mudanças econômicas e políticas, há
uma abertura maior para as importações diversificadas e a introdução do capital
estrangeiro, o modelo político é baseado nos princípios de democracia liberal, é o
“Estado Populista”, representado pelo setor empresarial e os setores populares
contra a oligarquia, mas esta união não durou muito, o poder conquistado fez com
que ambas se separassem em busca dos interesses particulares de cada grupo. A
política que rege a educação fica inserida neste contexto de divisão dos grupos no
poder, sendo assim influenciada por elas.
Segundo Veiga (2006a): (...) em 1946, o Decreto-lei nº9.053 desobriga o
curso de didática e, já sob a vigência da Lei de Diretrizes e Bases, lei nº 4.024/61, o
esquema de três mais um foi extinto pelo parecer nº 242/62, do Conselho Federal de
Educação. A didática perdeu seus qualificativos geral e especial e introduziu-se a
prática de ensino sob a forma de estágio supervisionado (p.39).
Como podemos notar a teoria e a prática estavam se distanciando cada vez
mais, descaracterizando a didática e suas dimensões, o professor, dada a influência
desta nova corrente pedagógica e a mudança de foco no processo ensino
aprendizagem absorveu um ideário no qual, sua principal preocupação era com os
métodos e técnicas de ensino. Começava a se desenvolver dessa forma uma nova
linha pedagógica para o ensino á partir da escola nova, é o enfoque “renovador-
tecnicista” ou tecnicismo, que crescia na base do escolanovismo. Entre 1948 e 1961,
desenvolveram-se lutas ideológicas em torno da oposição entre escola particular e
defensores da escola pública, a didática se situava neste contexto inspirando-se no
liberalismo e no pragmatismo, enaltecendo os métodos e técnicas de ensino.
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A década de 60 foi marcada pela crise na pedagogia nova e a articulação da
tendência tecnicista, o país foi assumido pelo grupo militar e tecnocrata, era a época
da ditadura militar, que se instalou no ano de 1964. O sistema educacional era
marcado pela influência dos acordos MEC/USAID (influência estrangeira) que
serviram de base às reformas do ensino superior e posteriormente do ensino de 1º e
2º graus. O modelo pedagógico que se instalava era o tecnicismo, sua base estava
calcada na neutralidade científica, inspirada também nos princípios de racionalidade
técnica, eficiência e produtividade, semelhante a uma fábrica, assim o ensino
deveria funcionar. No tecnicismo a desvinculação entre a teoria e prática acentua-se,
o professor torna-se mero executor de objetivos instrucionais, de estratégias de
ensino e avaliação, sem questioná-los, como afirma Libâneo (1994, p.68), “[...] o
professor é um administrador e executor do planejamento, o meio de previsão das
ações a serem executadas e dos meios necessários para se atingir os objetivos”.
Neste período de ditadura, podemos dizer que o sistema educacional
brasileiro se estagnou, somente a partir de 1974 tem inicio a abertura gradual do
regime político vigente e começam a surgir estudos empenhados em fazer a crítica
da educação dominante, sua ideologia e o caráter reprodutor da escola. Em 1972
ocorreu o I encontro Nacional de Didática, realizado na Universidade de Brasília que
buscava construir a identidade da didática.
Esses novos estudos foram denominados por Saviani (2003, p.16) “teorias
críticoreprodutivistas”, ou seja, teorias não críticas verdadeiramente. A didática
infelizmente seguiu este mesmo caminho reprodutivista, e o quadro que se instalou
foi o de uma total crítica ao sistema educacional vigente. A visão de consciência
política estava implícita na educação, mas ao mesmo tempo nasceu uma repulsa
pela dimensão técnica, ou seja, a teoria passou a ser mais valorizada do que à
prática. Este quadro se instalou também nos cursos de formação de professores,
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onde a didática sofreu “distorções” comprometendo sua identidade e especificidade,
como afirma Candau (1982, p.22) “competência técnica e política se contrapõe”.
Alguns autores chegaram até a negar a dimensão prática no processo de ensino,
considerando-a a vilã do caráter reprodutor da escola. No entanto, como diz o ditado
“há males que vem para o bem”, se por um lado à teoria crítico-reprodutivista, gerou
certas distorções na concepção de ensino, por outro fez com que começassem a
germinar a semente da “crítica” na formação dos educadores e também nos
professores, de modo que começassem a repensar sua prática pedagógica e
considerassem o contexto, a realidade em que o processo de ensino, alunos e eles
próprios estão inseridos, surgem então, as “teorias críticas da educação”.
Somente á partir dos anos 80 é que essa nova visão crítica de educação
começa a se disseminar, com o fim da ditadura militar, a instalação da nova
república e a constante luta da classe operária (incluindo os professores), os ideais
educacionais são novamente retomados. Um marco importante dessa nova década
foi o I Seminário A Didática em Questão realizado na Universidade do Rio de Janeiro
no ano de 1982, que buscava entre outras propostas, a discussão e disseminação
dessa nova concepção crítica de educação que estava confusa até o presente
momento.
Devido a essa nova concepção de ensino, surgem então, duas novas
correntes pedagógicas que buscavam contemplar esses novos ideais, a Pedagogia
Libertadora e a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos. A primeira trabalha com a
proposta de Educação Popular, são discutidos temas sociais e políticos referentes à
realidade dos alunos. O ensino não se centra nos conteúdos sistematizados, mas no
processo de ativas discussões e nas ações práticas sobre questões da realidade
social imediata, valorizando temas geradores, relatos de experiências vividas, entre
outros pontos de interesse geral importantes na formação e vida dos alunos.
Libâneo (1994, p.69) afirma que “é uma didática que busca desenvolver o
processo educativo como tarefa que se dá no interior dos grupos sociais [...]”, ou
seja, é uma corrente que visa trabalhar diretamente com o povo, suas necessidades,
direitos e condições reais. Na segunda corrente, a Pedagogia Crítico-Social dos
Conteúdos, para Libâneo 1994, p.70 (...) a escola pública cumpre sua função social
e política, assegurando a difusão dos conhecimentos sistematizados a todos, como
condição para a efetiva participação do povo nas lutas sociais.
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Para o referido autor, a escola deve fornecer o conhecimento (conteúdos
sistematizados) a todos de forma igual, para assim assegurar o acesso aos mesmos
e garantir que cada aluno possa interiorizá-lo confrontando com suas experiências e
realidade, sendo capaz de interpretá-los e usá-los a favor dos interesses de sua
classe. A pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos atribui grande importância a
didática, cujo objetivo de estudo é o processo de ensino inserido em suas relações
com o meio e ligações com a aprendizagem, pois ela direciona esse processo
(intenções), visando fins sócio-políticos e pedagógicos.
Finalizando esta década e baseados nestas novas correntes pedagógicas,
podemos citar uma frase de Veiga 2006a que nos leva a refletir sobre a função da
didática hoje: Nesse sentido, a didática crítica busca superar o intelectualismo formal
do enfoque tradicional, evitar os efeitos do espontaneísmo escolanovista, combater
a orientação desmobilizadora do tecnicismo e recuperar as tarefas especificamente
pedagógicas, desprestigiadas pelo discurso reprodutivista. Procura, ainda,
compreender e analisar a realidade onde está inserida a escola.
As teorias críticas da educação buscam uma didática que proponha
mudanças no modo de pensar e agir do professor, bem como o ideal de
democratização da escola pública, através da aprendizagem dos conteúdos
sistemáticos, realidade social e interesses e direitos da “população”.
Na caminhada em nossa retrospectiva histórica, analisaremos desde a
década de 90 até os dias atuais, que nos aponta um novo foco em nossa realidade
educacional: “o mundo contemporâneo é marcado pela hegemonia do projeto
neoliberal, consolidando-se no contexto internacional e nacional, dominado pelo
pensamento técnico-científico” (VEIGA, 2006a, p.45).
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Acentuam-se e ampliam-se as formas de exclusão social e cultural, o
individualismo e a ideologia de classe dominante através do neoliberalismo. O
mundo globalizado traz novas regras econômicas de grande impacto social, e isso
reflete também sobre a educação. Novas medidas e leis são impostas sobre o
sistema educacional, nossos processos avaliativos são submetidos á modelos e
exigências externas coordenados por interesses políticos globalizados.
Neste novo período na educação, é discutido e questionado o papel da
ditadura sob duas visões segundo Veiga: [...] a primeira voltada para a formação do
tecnólogo de ensino; a segunda procura favorecer e aprofundar a perspectiva crítica,
voltada para a formação do professor como agente social (2006a, p.46).
Percebemos que esta conclusão de Veiga não é positiva na evolução educacional, a
didática modernizadora baseada na legislação de ensino vigente, buscam formar um
profissional com base em uma pedagogia por competências e ligada a avaliação e
controle de resultados. Há uma grande junção de diferentes partes de várias
correntes pedagógicas e enfoques teóricos, com cita Veiga (2006a, p.47), o
“neobehavionismo”, que são impostos e cobrados dos professores.
Nessa concepção, a didática é desvinculada do contexto social mais amplo,
possibilitando a formação do professor como um técnico, mero executor de
atividades rotineiras, impostas, automáticas e burocráticas. Desenvolve-se então,
uma concepção de formação pragmatista em que, o processo de ensino tem por
base a aprendizagem por competências com valorização dos métodos e técnicas, o
educador acaba por fazer, mas não conhece os fundamentos deste fazer,
empobrecendo cada vez mais sua formação e ação. O sistema de avaliação exigido
dos professores é classificatório, autoritário e discriminatório, acentuando a exclusão
e marginalização dos indivíduos do sistema educacional.
A influência neoliberalista permeia essas concepções que distorcem a busca
de uma escola democrática, ligada ao contexto social e a formação comprometida
dos professores, e esta influência, segundo autores da atualidade, é também um dos
grandes desafios presentes em nosso sistema educacional nos dias de hoje.
Finalizando podemos concluir que nestas duas últimas décadas, (que ainda estamos
construindo) o esforço de educadores, pesquisadores e autores giram em torno da
concepção política e crítica da didática, percebe-se que há uma maior preocupação
da “ampliação do enfoque crítico” e preocupação da “educação como prática social”,
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compromisso com a democratização da escola pública e qualidade de ensino,
formação consciente de nossa realidade e desenvolvimento de pesquisas na área
de didática. Busca-se então, uma re-configuração da didática crítica, realizada na
perspectiva de uma visão “contextualizada e multidimensional do processo
pedagógico, não enfatizando ou reduzindo nenhuma dimensão, mas sim as
articulando, e tendo o ensino como prática social concreta".
CONCEITUAÇÃO DA DIDÁTICA
A didática não possui exatamente uma palavra ou termo que poderíamos
chamar de seu sinônimo, sabemos que ela está intimamente ligada ao processo de
ensino e aprendizagem. Na atualidade, educadores e pesquisadores defendem a
idéia de que a didática é o estudo do processo de ensino e aprendizagem que
compreendem formas de organização do ensino, uso e aplicação de técnicas e
recursos pedagógicos, controle e a avaliação da aprendizagem, postura do
professor e principalmente objetivos políticos-pedagógicos e críticos sobre o ensino.
O que acontece geralmente é que muitos educadores acabam por enfatizar somente
uma destas dimensões (ou algumas) didáticas e baseiam seu sistema de ensino e
aprendizagem em um único foco gerando um reducionismo didático, que
infelizmente empobrece todo o sistema educativo.
Retomando o conceito de didática, temos Comênio, (como foi visto),
considerado o “pai da didática”, é claro que outros pensadores contribuíram com
pressupostos significativos, mas como afirma Libâneo (1994) ele foi o primeiro
educador a teorizar a didática em sua obra “Didática Magna”, a formular a idéias da
difusão dos conhecimentos a todos e criar princípios e regras de ensino.
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Comênio acreditava poder definir um método capaz de ensinar tudo a todos,
ou como ele cita em sua obra “a arte de ensinar tudo a todos” e esclarece: A proa e
a popa de nossa Didática será investigar e descobrir o método segundo o qual os
professores ensinem menos e os estudantes aprendam mais: nas escolas haja
menos barulho, menos enfado, menos trabalho inútil, e, ao contrário, haja mais
recolhimentos, mais atractivo e mais sólido progresso; na Cristandade, haja menos
trevas, menos confusão, menos dissídios, e mais luz, mais ordem, mais paz, mais
tranqüilidade (COMÊNIO apud VEIGA, 2006a, p.18).
Suas ideais eram aguçados para a época, mas podemos perceber que
Comênio possuía uma visão diferente de sistema de ensino, onde se buscava um
novo meio de ensino e aprendizagem, mesmo com fundamentos religiosos, serviram
de base para primeira conceituação sobre a didática.
Entre outros educadores que contribuíram significativamente para a
conceituação da didática, encontramos Rousseau, que baseava seus estudos sobre
o ensino nos interesses e necessidades imediatas da criança; Pestalozzi que
atribuía grande importância ao método intuitivo e a psicologia, consistindo suas
idéias na educação intelectual; Herbart que acreditava que o fim da educação é a
moralidade atingida através da instrução educativa e que deu origem a proposta dos
cinco passos formais na educação, sendo um grande influenciador da Pedagogia
Tradicional.
Podemos citar também John Dewey (1859-1952) que propunha uma didática
ativa, educação pela ação, colocando o aluno em primeiro plano e o professor em
segundo. Montessori marcou a história da didática com suas teorias cognitivistas,
além das teorias fenomenológicas e interacionistas, baseadas na psicologia genética
de Piaget, grande estudioso francês que contribuiu para a percepção dessa
dimensão no processo educativo. Paulo Freire, grande educador e criador da
Pedagogia Libertadora pensava e concebia uma didática baseada no
desenvolvimento de um processo de ensino e aprendizagem no interior dos grupos
sociais.
Na atualidade encontramos autores como Vera M. Candau e Ilma P. A Veiga
que se preocupam com a dicotomização das dimensões da didática, aspecto crítico
e político que a didática esta tomando, bem como a “fragmentada” formação e
neutra que muitos professores estão recebendo e exercendo. Dois autores da
atualidade, Libâneo e Saviani buscam por meio da Pedagogia Crítico-Social dos
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Conteúdos e da Pedagogia Histórico Crítica uma didática que supere as teorias não
críticas e críticas reproducionistas, numa escola democrática e que cumpra sua
função social e política, num ensino que propicie a verdadeira formação cidadã,
baseadas nos conteúdos sistematizados como preparo para a vida e engajado nas
lutas sociais.
Considerando o contexto histórico que a didática percorreu, percebemos que
ela seguiu diferentes rumos de acordo com o modelo econômico do país (e suas
transformações, interesses políticos e educacionais, influências estrangeiras,
modismos, estudos e pesquisas em torno desta área). Na corrente tradicional, a
didática visava um homem passivo, acrítico e fiel a “religião”. Na corrente Nova a
didática deveria formar um homem capaz de aprender autonomamente, mas não a
pensar e a criticar. Na corrente Tecnicista a didática é voltada para a formação de
um “homem máquina”, que aprenda e viva mecanicamente e de forma neutra. Nas
correntes “críticas da educação” (Pedagogia Libertadora, Crítico-Social dos
Conteúdos e Histórico Crítica) a didática que se propõe visa formar um homem que
possui e usufrui seus direitos e deveres, mediante sua aprendizagem na escola,
posicionamento político e crítico diante da realidade. A formação do professor e do
aluno, a postura política e crítica, os conteúdos, a avaliação, enfim, todos os
componentes que fazem parte do processo de ensino caminham de acordo com as
concepções políticas, somos nós educadores quem poderemos perceber e lutar
para mudá-la.
Concluindo, podemos citar o significado que o dicionário nos traz sobre a
palavra didática que é “a técnica de dirigir e orientar a aprendizagem”, realmente a
técnica deve fazer parte do processo de ensino-aprendizagem, mas para um
18
educador compromissado com a educação de qualidade e democrática, sabemos
que há de existir muitas outras dimensões deste processo e que somente
articulando–as se conseguirá uma educação plena.
METODOLOGIA DO ENSINO SUPERIOR
Quando se fala em “formação de professores”, vem-nos à cabeça o processo
de formação para a docência na educação básica (ensino fundamental e, no
máximo, médio). Dificilmente a abordagem de formação de professores estende-se
para a formação de professores universitários, como se a formação específica para
o magistério nesse nível fosse algo supérfluo, ou mesmo, desnecessário.
No entanto, uma das críticas mais comuns dirigidas aos cursos superiores diz
respeito à didática dos professores universitários, ou seria melhor dizer, à falta dela.
Tal fato pode ser constatado tanto através da literatura específica da área, como
através de conversas com alunos em diferentes tipos de instituição e em diferentes
cursos.
Relatos de que o professor sabe a matéria, porém não sabe como transmiti-la
ao aluno, de que não sabe como conduzir a aula, não se importa com o aluno, é
distante, por vezes arrogante, ou que não se preocupa com a docência, priorizando
seus trabalhos de pesquisa, são tão freqüentes que parecem fazer parte da
“natureza”, ou da “cultura”, de qualquer instituição de ensino superior.
Ao mesmo tempo, amplia-se cada vez mais a exigência de que os
professores universitários obtenham os títulos de mestre ou doutor. No entanto, é
questionável se esta titulação, do modo como vem sendo realizada, possa contribuir
efetivamente para a melhoria da qualidade didática no ensino superior.
19
Os programas de pós-graduação, de maneira geral, tendem a priorizar em
suas atividades a condução de pesquisas, tornando-se responsáveis, mesmo que
não intencionalmente, por reproduzir e perpetuar a crença de que para ser professor
basta conhecer a fundo determinado conteúdo ou, no caso específico do ensino
superior, ser um bom pesquisador.
Numa breve retrospectiva da história das universidades – de maneira geral e,
mais especificamente, das brasileiras –, é possível observar que a formação exigida
do professor universitário tem sido restrita ao conhecimento aprofundado da
disciplina a ser ensinada, sendo este conhecimento prático (decorrente do exercício
profissional) ou teórico/epistemológico (decorrente do exercício acadêmico). Pouco,
ou nada, tem sido exigido em termos pedagógicos.
Acreditamos que possam existir pelo menos três fatores contribuindo para
que, na cultura universitária, a tarefa de ensinar – e conseqüentemente a formação
pedagógica dos professores – sejam relegadas a segundo plano.
Em primeiro lugar, a formação para a docência universitária constituiu-se
historicamente como uma atividade menor. Inicialmente, havia a preocupação com o
bom desempenho profissional, e o treinamento profissional, acreditava-se, poderia
ser dado por qualquer um que soubesse realizar bem determinado ofício.
Acreditava-se (como alguns ainda hoje acreditam) que “quem soubesse fazer,
saberia automaticamente ensinar”, não havendo preocupações mais profundas com
a necessidade do preparo pedagógico do professor (MASETTO, 1998, p. 11).
Posteriormente, com a crescente aproximação das universidades do modelo
humboldtiano, voltado à produção de conhecimentos, a preocupação com a
formação de professores para o magistério superior centrou-se na preparação para
a condução de pesquisas e, da mesma maneira, o pedagógico continuou a ser
negligenciado, como se as atividades realizadas com os alunos de graduação não
se configurassem como produção de conhecimento, mas, simplesmente, repetição
do que já havia sido realizado por outros.
Em segundo lugar, também decorrência dessa ênfase na condução de
pesquisas, os critérios de avaliação de produtividade e qualidade docente
concentram-se, hoje, na produção acadêmica destes professores. Ou seja, ensino e
pesquisa passam a ser atividades concorrentes, e como os critérios de avaliação
premiam apenas a segunda, uma cultura de desprestígio à docência acaba sendo
20
alimentada no meio acadêmico, comprometendo, como ressalta Pimentel (1993, p.
89), a almejada indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão.
É possível, portanto, concluir que a prática usual nas universidades concorre
para esta desvalorização do ensino, transmitindo em sua cultura valores díspares
para as duas atividades (ensino e pesquisa).
Finalmente, observamos a inexistência de amparo legal que estimule a
formação pedagógica dos professores universitários. A título de exemplo, é válido
mencionar que a legislação brasileira sobre educação, mais especificamente a LDB
(Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) é omissa em relação à formação
pedagógica do professor universitário. Num acompanhamento detalhado dos
diversos momentos de discussão da LDB (cf. SAVIANI, 1998, p. 144), é possível
observar-se que na proposta inicial do então senador Darcy Ribeiro, a preocupação
com a formação pedagógica dos professores universitários era contemplada: art. 74
– A preparação para o exercício do magistério superior se faz, em nível de pós-
graduação, em programas de mestrado e doutorado, acompanhados da respectiva
formação didático-pedagógica, inclusive de modo a capacitar o uso das modernas
tecnologias do ensino.
No entanto, num processo de “enxugamento” do texto da LDB – além, é claro,
das pressões feitas por diversos setores da sociedade cujos interesses podem ser
contrariados com a exigência de maior capacitação docente –, omitiu-se do texto
final a necessidade de formação pedagógica do professor universitário,
configurando-se o texto final como segue: “Art. 66 - A preparação para o exercício
do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em
programas de mestrado e doutorado.”.
Assim, não encontrando amparo na legislação maior, a formação pedagógica
dos professores universitários fica a cargo dos regimentos de cada instituição
21
responsável pelo oferecimento de cursos de pós-graduação, refletindo, e ao mesmo
tempo regulamentando, a crença na não necessidade de que esta formação seja
oferecida.
FORMAÇÃO PEDAGÓGICA DO PROFESSOR
UNIVERSITÁRIO: UMA NECESSIDADE
Como mencionamos, a formação do docente universitário tem se concentrado
na sua crescente especialização dentro de uma área do saber. De acordo com
Vasconcelos (1998, p. 86), há “pouca preocupação com o tema da formação
pedagógica de mestres e doutores oriundos dos diversos cursos de pós-graduação
do país. A graduação tem sido ‘alimentada’ por docentes titulados, porém, sem a
menor competência pedagógica”. Tal constatação nos leva a um questionamento
acerca da correlação entre a crescente especialização oferecida pelos cursos de
pós-graduação e a melhoria da qualidade docente dos professores universitários.
Marcelo García (1999, p. 244), fazendo referência a trabalhos realizados por
Aparício e Felman, ressalta que, em diversas investigações, a correlação encontrada
entre a produção científica dos professores e a avaliação que seus alunos fazem
deles tem sido muito baixa (em torno de 0,21), concluindo as relações entre
produtividade científica e eficácia docente são escassas, ou como refere Felman
(1987) apud García (1999), são essencialmente independentes uma da outra.
A esse respeito, Pimenta e Anastasiou (2002, p. 190-196) observam que a
formação atualmente oferecida aos pós -graduandos separa-os de qualquer
discussão sobre o pedagógico, desconsiderando, inclusive, que os elementos-chave
do processo de pesquisa (sujeitos envolvidos, tempo, conhecimento, resultados e
22
métodos) não são os mesmos necessários à atividade de ensinar, e elaboram uma
comparação entre as características dos elementos constituintes de cada atividade.
Considerando as diferenças entre as atividades de pesquisar e ensinar, as autoras
concluem que não seja difícil compreender por que ser um reconhecido pesquisador,
produzindo acréscimos significativos aos quadros teóricos existentes, não é garantia
de excelência no desempenho pedagógico e, conseqüentemente, por que os
programas de pós-graduação não oferecem, necessariamente, melhoria na
qualidade docente: como a pesquisa e a produção de conhecimentos são objetivos
da pós-graduação, os docentes, quando participam desses programas, sistematizam
e desenvolvem habilidades próprias ao método de pesquisa, deixando de lado o
desenvolvimento das características necessárias para o desenvolvimento do ensino.
Assim, podemos perceber que os cursos de formação, quando voltados
exclusivamente para a realização de pesquisas, não atendem às necessidades
específicas dos professores no tocante a suas atividades de docência. Ou seja, a
qualificação oferecida pelos cursos de pós-graduação, como atualmente
estruturados, possibilitam aos professores a titulação, porém, a maior titulação não
significa, necessariamente, melhoria na qualidade docente.
É válido ressaltar que os próprios pós-graduandos criticam o despreparo
pedagógico com que iniciam seu trabalho em sala de aula, como levantado por
Macedo, Paula e Torres (1998, p.1). Ainda a respeito da falta de preparo pedagógico
dos futuros professores universitários, Kennedy (1997) introduz uma observação
bastante interessante. Segundo o autor, a vasta maioria dos doutorados acadêmicos
são produzidos em universidades, mas grande parte dos professores nelas
formados irá lecionar em instituições de ensino superior bastante diferentes
daquelas onde foram titulados. Dessa forma, “chegam ao trabalho com poucas
noções sobre como realizar a transição de aprendiz experiente para professor
novato, ou mesmo sobre o que é esperado deles como profissionais” (p. 30).
Embora Kennedy esteja se referindo à situação das instituições de ensino
superior americanas, o que ocorre no Brasil não é diferente. Aqui, também, grande
parte dos professores universitários é titulada em universidades, prioritariamente em
instituições públicas (estaduais ou federais), pelas quais não serão necessariamente
contratados. Assim, embora muitos professores sejam formados, ou titulados, em
instituições universitárias, com tradição em pesquisa, o mercado de trabalho que
23
para eles se abre é, muitas vezes, em instituições não-universitárias, com tradição
em ensino.
Tendo em vista as recentes políticas de expansão e flexibilização do sistema
de ensino superior brasileiro, essa situação de diferenciação entre instituições
voltadas predominantemente ao ensino ou à pesquisa, e conseqüentemente a
discrepância entre a formação oferecida ao pós-graduando e as tarefas a serem
exercidas em sua futura atuação como professor, torna-se mais acentuada.
O Brasil tem vivenciado um período de diversas alterações no sistema de
ensino superior, que englobam, além do crescimento destacado anteriormente, a
expansão e flexibilização do sistema, mudanças na estrutura curricular (diretrizes
curriculares), alterações nos critérios de ingresso nas IES, exigência de titulação do
corpo docente, processos sistemáticos de avaliação, tanto em âmbito institucional
como nacional, entre outros indicadores, muitos dos quais decorrentes da introdução
de novas tecnologias na educação.
Esse processo, no entanto, não tem se dado de modo proporcional entre os
diferentes tipos de instituição existentes no país, havendo uma diferenciação cada
vez maior entre os programas que incentivam a pesquisa e programas que priorizam
o ensino (GAMBOA, 1999; SAVIANI, 1998).
Como observado por Pimenta e Anastasiou (2002, p. 141), as oportunidades
de emprego vêm aumentando com a expansão das instituições particulares de
ensino em todo o território nacional, o que pode ser observado por uma análise dos
dados estatísticos divulgados recentemente pelo MEC/INEP (Pachane, 2003),
expansão esta que não é acompanhada de um processo de profissionalização, nem
inicial nem continuada (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002, p. 128-129).
Para as autoras, o conhecimento deste sistema é de extrema importância pois
as condições de trabalho dos professores são bastante diversas entre os diferentes
tipos de IES brasileiras e, dependendo do tipo de instituição ao qual o professor se
vincula, um tipo de produção diferente será exigido dele, seja ela relativa a
atividades de docência, de extensão ou pesquisa, cabendo lembrar que a docência
estará presente em todos.
A este movimento de expansão desigual entre os diferentes tipos de IES
brasileiras alia-se outro: o processo de flexibilização do sistema (diversificação da
oferta), diferenciação que tende a se aprofundar, refletindo a adequação do sistema
em face do crescimento da demanda e dos novos perfis profissionais exigidos pelo
24
mercado. Aponta-se, hoje, para a necessidade de criação de cursos mais curtos
e/ou voltados a novas especialidades, sejam elas decorrentes de abordagens
interdisciplinares, do avanço da ciência e da tecnologia, da flexibilização dos campos
do saber ou das necessidades criadas pelo gerenciamento de sistemas de novas
tecnologias. Questiona-se, inclusive, qual a formação que o ensino superior deve
oferecer e a quais interesses deve atender.
Paralelamente a estas mudanças, o sistema educacional tem observado um
movimento no sentido de democratização do acesso ao ensino superior, como é
possível de ser observado nos resultados do Censo da Educação Superior. A
expansão do número de vagas, e a conseqüente ampliação do acesso ao ensino
superior, proporciona uma maior heterogeneidade do público que se dirige às
instituições de ensino superior. Este abre-se a parcelas da população a quem a
possibilidade de graduação era, anteriormente, dificultada.
Hoje, portanto, é necessário ao professor saber lidar com uma diversidade
cultural que antes não existia no ensino superior, decorrente do ingresso de um
público cada vez mais heterogêneo. Um público que pode, por um lado, não estar
tão bem preparado, tanto emocional quanto intelectualmente, para o ingresso no
ensino superior; um público talvez mais jovem, mais imaturo, e, por vezes, pouco
motivado e comprometido com sua aprendizagem, tendo em vista que o ensino
superior hoje não é mais garantia de um emprego estável no futuro, mas um público
que pode, por outro lado, ser muito mais exigente quanto à qualidade do curso
oferecido, tendo em vista especialmente o alto grau de competitividade do mercado
de trabalho (MILLAR, 1996, BRIDGES, 1995; SANTOS, 1997; RIBEIRO JÚNIOR,
2002).
Além disso, os professores passam a ter necessidade de aprender a lidar com
turmas cada vez mais numerosas, pois a baixa correlação do número de alunos por
professor, antes tomada como índice de qualidade de um curso, hoje passa a
identificar a “ineficiência do sistema”.
É necessário destacar também que o ensino superior, por muito tempo
considerado ponto terminal da educação e voltado à formação profissional, tem
agora para si outras funções e, dependendo do ponto de vista que adotarmos,
configura-se apenas como um primeiro passo rumo a um processo de “lifelong
learning” (educação permanente), fenômeno que vem ocorrendo não apenas no
Brasil.
25
Tais constatações nos levam a uma preocupação em relação à formação dos
professores para atuar no ensino superior e que culminam nos questionamentos
propostos por Morosini (2000, p. 11): “quem são (serão) esses novos professores?
Estarão preparados didaticamente?”.
Atualmente, a preocupação com a aferição da eficiência do sistema
educativo, seja através do sistema nacional de avaliação ou de programas de
avaliação institucional, começa a desvelar as precariedades e os pontos positivos da
área e por influenciar, direta ou indiretamente, o trabalho dos professores. Como
destaca Morosini (2000, p. 13), embora o sistema nacional de avaliação não
estabeleça normas de capacitação didática do docente, há uma íntima relação entre
o desempenho didático do professor e o desempenho do aluno e, dessa forma,
sugere que tais avaliações, mesmo não incidindo diretamente na qualidade docente,
indiretamente, afetam-na.
A partir dos pontos até aqui abordados, podemos concluir que o professor
universitário não se forma, hoje, para atuar necessariamente em uma universidade,
porém, num complexo sistema de ensino superior, que envolve diferentes
instituições e tipos de cursos. Mas, mais que isso, além de preparar-se para agir
neste meio, para trabalhar com o novo perfil de alunos que chegam ao ensino
superior, como também com o novo perfil exigido dos egressos do ensino superior,
acreditamos que seja necessário a este professor conhecer esta realidade e saber
entendê-la e analisá-la, ou seja, torna-se necessário que o professor desenvolva
estratégias que permitam a ele refletir sobre sua docência e o contexto mais amplo
no qual ela se acha inserida.
26
Vimos até aqui destacando o trabalho dos professores universitários em
termos da docência (ensino de graduação e pós-graduação) e da realização de
atividades de pesquisa (trabalho na pós-graduação, orientação de alunos, condução
de pesquisas próprias, publicações, participação em encontros científicos, etc.). No
entanto, não podemos reduzir as tarefas dos professores somente a estas duas
dimensões. Benedito, Ferrer e Ferreres (1995) ressaltam que a própria docência tem
sido vista com excessivo reducionismo ao ser identificada somente com as
atividades que os professores realizam quando estão na sala de aula com seus
alunos (p. 170).
Os autores apontam que as funções que fazem parte do trabalho do professor
universitário são, principalmente, as seguintes: o estudo e a pesquisa; a docência,
sua organização e o aperfeiçoamento de ambas; a comunicação de suas
investigações; a inovação e a comunicação das inovações pedagógicas; a
orientação (tutoria) e a avaliação dos alunos; a participação responsável na seleção
de outros professores;
o a avaliação da docência e da investigação;
o a participação na gestão acadêmica;
o o estabelecimento de relações com o mundo do trabalho, da cultura etc.;
o a promoção de relações e intercâmbio departamental e interuniversitário, e a
contribuição para criar um clima de colaboração entre os professores
(BENEDITO, FERRER e FERRERES, 1995, p. 119).
Pimenta e Anastasiou (2002, p. 39), por sua vez, lembram que, para além da
docência, espera-se dos professores seu envolvimento na administração e gestão
em seus departamentos, na universidade, tomando decisões sobre currículos,
políticas de pesquisa e financiamento, não apenas no seu âmbito, mas também no
âmbito dos sistemas públicos estaduais, do sistema nacional de educação e das
instituições científicas de fomento, de políticas de pesquisa, de ensino e de
avaliação, aspectos que, de maneira geral, não são contemplados num processo de
formação profissional do docente do ensino superior.
27
FORMAÇÃO DO PROFESSOR DO ENSINO
SUPERIOR: PROCESSO QUE SE APRENDE?
A reflexão aqui proposta aponta alguns elementos essenciais para a
construção das competências necessárias e desejáveis para a atuação docente na
universidade. Assim, os achados de pesquisa cujas preocupações envolvem a
temática dos desafios contemporâneos, visam formar docentes para atuarem no
ensino superior. Os desafios são delineados a partir de duas questões iniciais:
1. Como se aprende a ser professor?
2. Como se constrói o conhecimento pedagógico necessário para este aprender?
A primeira questão focaliza a necessidade dos professores tomarem
consciência de seus processos formativos, refletindo sobre os mesmos e, ao mesmo
tempo estarem cientes de que este é um dos caminhos para aprenderem a ser
docentes.
A segunda trata da tessitura de uma rede de interações para a construção do
conhecimento pedagógico compartilhado, possibilitando, através do diálogo, a
reflexão sobre idéias, opiniões e contradições, oriundas deste processo interativo e
mediacional, permitindo a produção de um “novo” conhecimento pedagógico. A partir
dessas discussões, apontamos para a importância da construção de uma rede de
mediações capaz de propiciar a formação de professores vista como um espaço
interdisciplinar de compartilhamento pedagógico e epistemológico, para o qual
convergem os saberes da docência, a integração e a troca de experiências,
necessárias a essa formação.
28
MUDANÇAS NO MUNDO COMTEMPORÂNEO E SEU
REFLEXO NO ENSINO SUPERIOR
Até aqui, analisamos um pouco das mudanças que vêm se processando no
contexto que podemos chamar de “intrínseco” ao ensino superior. No entanto, as
modificações não se processam isoladamente do contexto social, político e
econômico mais amplo no qual as IES se acham envolvidas.
As mudanças que vêm ocorrendo no mundo contemporâneo, assim como das
mudanças nos campos das diversas ciências, inclusive da educação levam, elas
também à necessidade de se repensar a formação atualmente oferecida aos futuros
professores universitários e mesmo àqueles que já exercem suas funções.
Temos hoje configurado um processo de mudanças no contexto global no
qual se inserem as instituições de ensino superior, mudanças relacionadas, em
especial, ao avanço científico-tecnológico, a alterações na organização do trabalho
(processo produtivo), à sociedade de informação, aos processos de globalização da
economia e a alterações na relação dos sujeitos com o conhecimento (MORAES,
1997; RIBEIRO JÚNIOR, 2002). Tais mudanças acabam por afetar, direta ou
indiretamente, a organização das IES, assim como o trabalho realizado em seu
interior.
Em complementação às alterações e aos questionamentos suscitados pelas
mudanças decorrentes da “nova ordem mundial” e dos avanços tecnológicos, as
29
instituições de ensino superior encontram-se imersas em um outro processo de
mudanças, não desvinculado dos outros dois.
Como apontado por diversos autores (Santos, 1997; Kuhn, 1991; Pimentel,
1993; Cunha, 1998; Leite et al., 1998; Pereira, 2002, entre outros), vivemos um
período de transição em que crenças absolutistas e de neutralidade da ciência,
assim como de diversos pressupostos da modernidade, que vigoraram como
verdades absolutas durante muito tempo, passam a ser questionados.
As “verdades” passam a ser vistas como sínteses provisórias, o saber é
historicizado e relativizado e a divisão entre disciplinas estanques é questionada. A
confiança do homem na razão é abalada e, conseqüentemente, todo o trabalho
realizado dentro das instituições universitárias.
A reestruturação na forma como se concebe o saber, a influência dos
aspectos tecnológicos e toda uma reestruturação na organização social clamam,
portanto, por mudanças na estruturação e nos objetivos do ensino superior,
eminentemente marcados pelo paradigma moderno.
Conseqüentemente, o trabalho a ser realizado pelo professor universitário
sofre também alterações. Torna-se necessário ao professor pensar numa nova
forma de ensinar e aprender que inclua a ousadia de “inovar as práticas de sala de
aula, de trilhar caminhos inseguros, expondo-se e correndo riscos, não se apegando
ao poder docente, com medo de dividi-lo com os alunos e também de desvencilhar-
se da racionalidade única”, pondo em ação outras habilidades que não apenas as
cognitivas. Torna-se necessário, ainda, que os professores passem a pensar-se
como “participantes do desvelamento do mundo e da construção de regras para
viver com mais sabedoria e mais prazer” (CASTANHO, 2000, p. 87).
Não se pode mais entender o professor como “detentor do saber”, nem o
ensino como transmissão de um conhecimento pronto e acabado. O modelo pelo
qual se pautava a organização do ensino superior não dá mais conta da
complexidade do momento que vivenciamos e é constantemente impulsionado a
mudanças. Neste contexto, professores e alunos passam a construir conjunta e
continuamente o conhecimento, embasados nas teorias e na revisão constante
destas, nos questionamentos e nas leituras da realidade e do presente histórico
(PEREIRA, 2002, p. 42).
A indissociabilidade ensino-pesquisa, a perspectiva de produção de
conhecimento e a autonomia de pensamento, o incentivo à criticidade e à
30
criatividade, a flexibilização de espaços, tempos e modos de aprendizagem, a
emergência da interdisciplinaridade, a necessidade de integração teoria e prática, a
necessidade de separação de dicotomias (teoria/prática, forma/conteúdo entre
outras), a necessidade de domínio de novas habilidades decorrentes de avanços
tecnológicos (como uso de realidade virtual), o resgate da ética, a incorporação da
afetividade, a ênfase ao posicionamento político do professor e a centralização do
processo educativo na aprendizagem do aluno, entre outros fatores que aqui
poderíamos enumerar, alteram profundamente o perfil necessário ao professor numa
instituição de ensino superior e nos chamam a atenção para a necessidade de que
estes professores, ou futuros professores, estejam conscientes desses processos
nos quais se acham envolvidos.
Percebemos, portanto, que as características necessárias aos professores
universitários hoje, extrapolam – e muito – os limites do conhecimento aprofundado
da matéria de sua especialização e a aquisição de habilidades necessárias à
condução de pesquisas, e seguem-se a dimensões muito mais amplas, que nos
levam a argumentar em favor da importância da formação pedagógica do professor
universitário.
PROCESSOS DE APRIMORAMENTOS
O problema e seu encaminhamento
Este texto retoma e sintetiza algumas das idéias acerca da formação docente
na universidade. Assim, tendo em vista as questões colocadas sobre a formação
dos professores do ensino superior, torna-se necessário refletir sobre como se
aprende a ser docente nesse nível de ensino. A reflexão, aqui proposta, aponta
alguns elementos essenciais para a construção das competências necessárias e
desejáveis para a atuação docente na universidade. As questões daí decorrentes
voltam-se para o entendimento de:
1. como estes sujeitos se formam como professores?
2. qual o processo de aprender a ser professor?
3. como se constrói o conhecimento pedagógico compartilhado na docência
superior?
31
4. qual a importância de uma rede de interações nesse processo?
Os fios teóricos constituem-se a partir de conceitos como: trajetórias de
formação, concepções de docência, processos de aprender a ser professor,
conhecimento pedagógico compartilhado e rede de interações e mediações em
constante consonância com as conceituações relativas a como se constrói o
conhecimento pedagógico necessário para este aprender.
Nos caminhos da docência: tecendo os fios
o a não valorização de uma preparação específica para função de
professor é explicitada mesmo quando eles são conscientes de seu papel
profissional;
o a consciência da responsabilidade pela formação de futuros profissionais,
bem como do compromisso com a cultura acadêmica, embora existentes,
não são levados em conta na formação docente, uma vez que a
progressão na carreira estão calcadas na titulação e na produção
científica, enfatizando a área de conhecimento específico e a função de
ser pesquisador, o que parece não garantir um ensino de qualidade e o
conhecimento de ser professor;
o a carência de um espaço institucional, voltado para a construção de uma
identidade coletiva de ser professor, no qual o compartilhar de
experiências, dúvidas e auxílio mútuo favoreçam a construção do
conhecimento pedagógico compartilhado constituindo-se em fator
preponderante na construção do papel de docente;
o a conseqüência de falta de espaços dessa natureza é um sentimento de
solidão pedagógica, uma vez que o espaço departamental, orientado
prioritariamente para o gerenciamento administrativo de disciplinas e
professores inviabiliza, muitas vezes, a construção conjunta de
estratégias educativas.
o a valorização da formação como meio de propiciar um caminho de
qualificação do trabalho docente, implica a possibilidade de aproximar as
teorias apropriadas da prática exercida.
o a consciência de que a apropriação de uma teoria produz um novo nível
de compreensão que corresponde a uma transformação da prática,
mesmo que isso ocorra prospectivamente. A possibilidade de continuar
32
aprendendo e melhorando a abordagem didático-pedagógica utilizada
favorece a visão otimista que estes sujeitos têm de sua profissão e,
conseqüentemente, de si mesmos, ressaltando que os docentes, apesar
de ainda não terem transformado efetivamente suas práticas,
demonstram a possibilidade de fazê-lo, evidenciando, assim, a busca de
uma postura reflexiva.
o a construção do conhecimento pedagógico compartilhado pressupõe a
constituição de uma rede de interações e mediações capaz de
potencializar o processo reflexivo docente.
O que os docentes pensam sobre ensinar e aprender está relacionado às suas
experiências e a sua formação profissional, o que exige que pensemos sobre quem
ensina e quem aprende no processo de formação. As crenças e concepções
teóricas implícitas que os professores têm acerca de seu fazer pedagógico podem
sinalizar a maneira como eles processam as informações e como percebem as
formas de intervenção didática, como marco de referência para sua prática,
construindo seu conhecimento pedagógico de forma compartilhada.
Esse conhecimento pedagógico é um conceito base, por tratar-se de um
conhecimento amplo, implicando no domínio do saber fazer (estratégias
pedagógicas) e do saber teórico e conceitual e suas relações. Nesse sentido,
compreender o processo de construção de conhecimento pedagógico compartilhado
é tão fundamental, quanto compreender o aprender a aprender, o que equivale a ser
capaz de realizar aprendizagens, em diferentes situações e contextos que
favoreçam a aquisição de estratégias cognitivas, considerando-se as condições
individuais de cada sujeito na sua interação com pares. Esse processo implica em
trocas cognitivas e socioculturais entre ensinantes/aprendentes, sendo possível
destacarem-se condições a serem levadas em conta pelos professores, ao longo de
suas trajetórias de formação.
A primeira aponta para a necessidade dos professores, além de considerarem
seus domínios específicos, investirem na dimensão pedagógica da docência, sendo
que esta envolve atividades e valores traduzidos em:
sensibilidade frente ao aluno;
valorização dos saberes da experiência;
ênfase nas relações interpessoais;
aprendizagem compartilhada;
33
integração teoria/prática;
o ensinar enfocado a partir do processo de aprender do aluno, tudo
isso voltado para o desenvolvimento do aluno como pessoa e
profissional.
A segunda indica a importância da transposição didática na prática educativa
do professor, contudo, a organização departamental das Instituições de Ensino
Superior, especialmente as das federais, pode dificultar esta intenção, na medida em
que um mesmo professor desenvolve a mesma disciplina para diferentes cursos,
para os quais não tem formação específica.
A terceira refere-se à necessidade dos professores considerarem a
especificidade própria à educação superior, compreendendo seu estatuto
epistemológico e metodológico que é qualitativamente diferente daquele da
educação básica. A universidade tem sua própria cultura epistemológica - sua
própria maneira de compreender e manifestar a teoria assumida em ação - que
pressupõe um conjunto de procedimentos básicos, identificados através das regras
educacionais que têm funções, tanto sociais, quanto cognitivas. Essas regras
representam o conjunto de convenções acadêmicas e envolvem a normatização do
conhecimento científico, através da definição da rotina das aulas/procedimentos, da
organização da sala de aula, da listagem de conteúdos, dos tipos de avaliação,
compondo o processo de formação. Assim, os limites do processo de formação vêm
continuamente sendo marcados e redimensionados pela reflexão sobre o saber, o
saber-fazer e suas relações.
34
BIBLIOGRAFIA
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
1- A prática educativa é um fenômeno universal e uma atividade humana
necessária à existência e funcionamento de todas as sociedades. É o
processo de prover os indivíduos:
A) Dos conhecimentos e habilidades que os tornam aptos a manter o meio social
conforme as necessidades econômicas e a política clientelística.
B) Dos conhecimentos e das práticas culturais que os tornam aptos a atuar no meio
social e a transformá-lo conforme as necessidades da coletividade.
C) Do senso comum capaz de dar uma ordem ao sistema de ensino e a manter os
privilégios de quem já tem conhecimento.
D) De valores excludentes pois quem se esforça para estudar é quem deve ser
atendido pelo professor e pela escola.
E) De conhecimentos prévios como ponto de partida e de chegada na escola
pública.
2- A Didática investiga as condições e formas que vigoram no ensino e os
fatores reais (sociais, políticos, culturais, psicossociais) condicionantes das
relações entre:
A) A burguesia e o proletariado
B) A instrumentalização do aluno e a alienação do/a professor/a.
C) A neutralidade das práticas docentes e a natureza da domesticação dos
estudantes
D) O ensino e a necessária exclusão dos alunos que não devem permanecer na
escola.
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E) A docência e o ensino.
3- O processo de ensino visa alcançar determinados resultados em termos de
domínio de conhecimentos, habilidades, hábitos, atitudes, convicções e
desenvolvimento das capacidades cognoscitivas dos alunos. O ensino tem,
portanto, como principal função assegurar:
A) O processo de transmissão e assimilação ativa dos conteúdos do saber escolar e
o processo evolutivo dos alunos.
B) O processo de transmissão dos conhecimentos que o docente domina e a
assimilação passiva dos conteúdos do saber escolar.
C) O senso comum haja vista que as crianças das classes populares não
apreendem o conhecimento científico.
D) Os saberes supostamente neutros, pois a postura política é de natureza
parlamentar.
E) De forma acentuada e unilateral os conteúdos de ensino.
4- Segundo Libâneo as capacidades cognoscitivas são as energias mentais
disponíveis dos indivíduos, ativadas e desenvolvidas no processo de ensino, em
estreita relação com os conhecimentos. O desenvolvimento dessas capacidades é
uma condição para:
A) Que o professor possa excluir os alunos indisciplinados
B) Excluir os alunos indisciplinados, desinteressados e pouco inteligentes.
C) Classsificar os alunos e disponibilizar salas conforme a capacidade cognoscitiva.
D) A aquisição e a aplicação dos conhecimentos
E) Estereotipar os alunos que não evoluem, por serem incompetentes.
5- A condução do processo de ensino requer uma compreensão clara e segura do
processo de aprendizagem e deve levar em conta em que consiste esse processo,
como as pessoas aprendem, quais as condições externas e internas que o
influenciam. É possível distinguir a aprendizagem casual e a aprendizagem
organizada. A aprendizagem organizada é aquela que é:
A) Espontânea e que surge naturalmente das interações sociais.
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B) Acumulada informalmente.
C) Planejada e sistemática, tarefa específica do ensino.
D) Adquirida desde que nascemos de forma assistemática.
E) Adquirida na convivência cotidiana, de forma não intencional.
6- A professora Francisca entende que a condução do processo de ensino requer
uma compreensão clara e segura do processo de aprendizagem: em que consiste,
como as pessoas aprendem, quais as condições externas e internas que o
influenciam. Conforme Libâneo existem duas formas de aprendizagem: a casual e a
organizada. A aprendizagem organizada é:
A) a planejada pelas várias instâncias sociais, pois não é mais tarefa específica do
ensino.
B) a espontânea que surge naturalmente na sala de aula, conforme os
conhecimentos prévios dos alunos que não precisam ser sistematizados.
C) aquela que surge naturalmente da interação entre as pessoas que acumulam
experiências , adquirem conhecimentos e formam atitudes e convicções.
D) aquela que ocorre em vários lugares, e se torna uma tarefa específica da escola
por ser assistemática.
E) a intencional, planejada e sistemática das finalidades e condições da
aprendizagem escolar e, embora ela possa ocorrer em vários lugares é tarefa
específica do ensino
7- Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais o processo de ensino deve
estabelecer exigências e expectativas que os alunos possam cumprir e, com isso,
deve contribuir para mobilizar as suas energias. Assim, desenvolve a função de:
A) estimular os alunos a memorizar tudo o que é transmitido em sala de aula
B) concentrar no professor a exposição da matéria
C) não envolver o aluno em atividades significativas
D) impulsionar a aprendizagem e, muitas vezes, a preceder
E) monopolizar o saber assistemática e impulsionar a aprendizagem nessa
perspectiva
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8- Os métodos de ensino são determinados pela relação objetivo-conteúdo, e
implicam uma sucessão planejada e sistematizada de ações, tanto do professor
quanto dos alunos. Assim o método de ensino define:
A) A utilização dos meios, ou seja, o “como” viabilizar o processo de ensino e a
aprendizagem.
B) A utilização dos conteúdos, ou seja, para quê ensinar.
C) O que se deve ensinar, ou seja, que conteúdos são necessários no processo de
ensino e a aprendizagem.
D) O que se deve avaliar, ou seja, que conteúdos são necessários no processo de
ensino e na aprendizagem.
E) O que se deve aprender, ou seja, que conhecimentos devem ser transmitidos no
processo de ensino e para a aprendizagem.
9- Os conteúdos de ensino devem estar em correspondência com os conhecimentos
científicos atuais. Ao elaborar o plano de ensino o/a professor/a deve selecionar
conteúdos que ampliem as capacidades e habilidades dos alunos de modo a
enriquecer:
A) Somente a prática cotidiana dos alunos.
B) A sua atuação no trabalho desde a infância e como uma forma de contribuir para
desenvolver capacidades e habilidades necessárias para bem executar as
atividades laborais.
C) O trabalho realizado desde os primeiros anos de vida.
D) A sua atuação na vida prática e como uma forma de contribuir para desenvolver
capacidades e habilidades necessárias a convivência na sociedade.
E) A inserção do aluno no mundo virtual e nas atividades laborais.
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10 - Segundo Paulo Freire, o esforço e a competência dos educadores que
avaliam as suas práticas pedagógicas no intuito de reduzir a distância entre a
teoria e a prática, partindo do reconhecimento de que “ensinar não é transferir
conhecimentos, mas criar as possibilidades para sua produção ou
construção”, são denominados de
(A) assimilação.
(B) bom senso.
(C) transgressão.
(D) coerência.
(E) reflexão crítica.
Apostila Produzida por: Ana Paula Rodrigues.