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Paredes divisórias: Passado, presente e futuro, P.B. Lourenço et al. (eds.) 83

CARACTERIZAÇÃO TÉRMICA: UMA PERSPETIVA SOBRE EXIGÊNCIAS DE ENSAIO E DE SIMULAÇÃO

Nuno SIMÕES Professor Auxiliar

Universidade de Coimbra, Coimbra

António TADEU Professor Catedrático

Universidade de Coimbra, Coimbra

Joana PRATA Doutoranda

ITeCons / UC, Coimbra

Igor CASTRO Doutorando

ITeCons / UC, Coimbra

SUMÁRIO

Consoante a natureza do edifício, as paredes de compartimentação poderão ter diferentes níveis de exigência. Considerando-se o grupo de paredes composto pelas soluções de compartimentação de espaços interiores à fração e soluções de separação entre espaços úteis e não úteis, reconhece-se que o desempenho térmico tem tido uma crescente importância. Este aumento de exigências tem conduzido à procura de melhorias nas soluções existentes, ao desenvolvimento de novas soluções e ao estudo de diferentes técnicas construtivas alternativas. Assim, a prévia caracterização do desempenho das soluções reveste-se de crucial importância para que se assegurem os níveis de exigência requeridos. O cuidado e rigor nessa caracterização minimiza os riscos de mau desempenho em contexto real de construção e utilização.

Caracterização térmica: uma perspectiva sobre exigências de ensaio e de simulação 84

O presente artigo pretende dar uma perspetiva sobre exigências de ensaio de caracterização térmica de paredes, assim como apresentar uma reflexão sobre as metodologias de simulação do comportamento térmico das mesmas.

1. INTRODUÇÃO

Numa era em que as preocupações associadas à eficiência energética/alterações climáticas assumem maior relevância, importa desenvolver/escolher soluções construtivas que minimizem as perdas e ganhos de calor através da envolvente ou entre espaços com diferentes condições. Uma apropriada seleção dos materiais de construção pode reduzir consideravelmente estas trocas de calor [1-2]. As crescentes preocupações com o comportamento térmico da envolvente e desempenho energético de edifícios, além de motivar o estudo e aplicação de métodos para efetuar o balanço energético através da envolvente, conduzem à necessidade de utilização/desenvolvimento de métodos de caracterização térmica dessas envolventes e à compreensão da influência de um conjunto de fatores no desempenho das soluções que compõem essa envolvente. Essa caracterização consiste normalmente na determinação do coeficiente de transmissão térmica, U, revelador do comportamento das soluções, em regime permanente. Adicionalmente, a melhoria gradual da envolvente dos edifícios, tem conduzido a que as zonas de ligação entre diferentes elementos da envolvente, responsáveis por perdas de calor adicionais, tenham ganho importância ao longo dos tempos [3-4]. Estas zonas são correntemente designadas por pontes térmicas lineares (PTL) e caracterizam-se por uma variação no fluxo de calor e, consequentemente, numa alteração das temperaturas superficiais interiores [5], que podem potenciar o aparecimento de patologias devido à ocorrência de condensações. Englobam-se nestas ligações as resultantes entre paredes de envolvente interior, ou seja, em contacto com espaços não aquecidos e as ligações entre paredes divisórias e paredes de envolvente exterior. A necessidade de caracterizar o comportamento das PTL tem merecido a atenção de diversos investigadores e a consequente publicação de inúmeros trabalhos de referência. Alguns dos trabalhos centram-se em estudos em regime estacionário, enquanto outros procuram analisar o comportamento dinâmico das pontes térmicas [6-7]. Também em zona corrente das paredes é cada vez mais relevante efetuar simulações dinâmicas para prever mais realisticamente o comportamento das soluções parede, nomeadamente prevendo a sua capacidade de armazenamento de energia, determinante na inércia térmica associada aos espaços. Para condições em regime transiente têm vindo a ser propostas diferentes técnicas numéricas, sendo que estas podem ser distinguidas em três grupos, relativamente à forma como tratam a variável tempo: no domínio transformado por aplicação da transformada de Laplace [8]; no domínio da frequência através de uma transformada de Fourier [9-10] ou diretamente no domínio do tempo [11]. O presente artigo tem como objetivo a apresentação de metodologias de caracterização de comportamento térmico de soluções construtivas, pela via da simulação e/ou da experimentação. São apresentadas as metodologias de determinação dos coeficientes de transmissão térmica e de perdas lineares e, ainda, as técnicas experimentais de determinação do coeficiente de transmissão térmica de elementos construtivos. Na parte final do documento são apresentadas, a título de exemplo, algumas aplicações dos modelos de simulação.

2. SIMULAÇÃO: METODOLOGIAS

Apresenta-se de seguida e de forma sumária as metodologias de cálculo dos coeficientes de transmissão térmica e de perdas lineares de calor.

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2.1.1. Determinação do coeficiente de transmissão térmica

A determinação do coeficiente de transmissão térmica, estabelecido assumindo uma solicitação em regime estacionário, pode ser efetuada com base nas normas específicas para o efeito: EN 1745: 2002 [12], ISO 6946: 2007 [13], ISO 10456: 2007 [14] e ISO 8990:1994 [15]. O cálculo do coeficiente de transmissão térmica (U) para elementos construtivos compostos unicamente por camadas uniformes planas e paralelas entre si, depende de um simples somatório de resistências térmicas, associadas a cada um das camadas [12]. No entanto, a maioria das soluções construtivas apresentam heterogeneidades. O cálculo do U, nestes casos, pode então ser efetuado com o recurso a métodos numéricos. Os modelos de cálculo mais correntes são geralmente baseados no método das diferenças finitas, dos elementos finitos ou dos elementos de fronteira. Estes modelos devem respeitar os critérios definidos na norma EN ISO 10211:2007 [5]. Em alternativa aos métodos numéricos, a determinação do U pode ser feita com o recurso a métodos simplificados ou experimentais. A norma ISO 6946:2007 [13] propõe uma metodologia simplificada que impõe o cálculo de limites superior e inferior da resistência térmica das soluções. A norma ISO 10456:2007 [14] indica os seguintes métodos laboratoriais para determinar valores de condutibilidade térmica ou resistência térmica: “guarded hot plate” [16]; “heat flow meter” [17]; “calibrated” ou “guarded” “hotbox” [15], enquanto que a norma ISO 9869:1994 [18] propõe uma técnica de medição da resistências térmica in-situ. O estudo das metodologias de determinação do U e dos fatores que afetam a resistência térmica das soluções tem inspirado inúmeros autores a desenvolver trabalho nesta área [19-20-21]. “Hotbox” é um equipamento que permite a determinação direta do coeficiente de transmissão térmica de soluções construtivas. Este método tem sido aproveitado na realização de estudos de comparação/verificação de programas computacionais [22]. Apresenta-se de seguida a metodologia de cálculo descrita na norma europeia ISO 6946:2007.

2.1.2. Coeficiente de transmissão térmica de elementos compostos por camadas homogéneas

Para um elemento construtivo constituído por um conjunto de N camadas termicamente homogéneas, o coeficiente de transmissão térmica é dado por:

1

1 1N

T

si j se

j

UR

R R R

=

= =

+ +∑

(1)

em que Rsi e Rse representam, respetivamente, as resistências térmicas superficiais interior e exterior e Rj a resistência térmica da camada j.

j j jR d λ= , em que dj é a espessura da camada

(em metros, m), λj a condutibilidade térmica do material (em W/(m.ºC)) e RT a resistência térmica total da solução. Para o caso de elementos constituídos por camadas termicamente não homogéneas (e.g. paredes de alvenaria e lajes aligeiradas), o cálculo pode ser efetuado com recurso à metodologia descrita na norma europeia ISO 6946:2007.

2.1.3. Resistência térmica total de um elemento constituído por camadas termicamente homogéneas e não homogéneas

A norma ISO 6946:2007 determina que o cálculo da resistência térmica total, RT, seja calculado através da média aritmética entre dois limites, superior (R’

T) e inferior (R’’T), da

resistência térmica:

Caracterização térmica: uma perspectiva sobre exigências de ensaio e de simulação 86

' ''

2T T

T

R RR

+= (2)

Para calcular estes limites o elemento é dividido em secções e camadas, definidas perpendicularmente e paralelamente à superfície do elemento, respetivamente, conforme representado na Figura 1.

fafb

fcfd

a

b

c

d

1 2 3

d1d2

d3

D

Figura 1: Elemento não homogéneo. Divisão em partes termicamente homogéneas.

Nesta figura, D representa a direção do fluxo de calor, a, b, c e d, as secções e 1, 2 e 3, as camadas. Para cada secção m (m = a, b, c,…,q) é calculada a sua fração de área, fm em relação à área total do elemento. A camada j (j = 1,2,…,n), paralela às superfícies do elemento, apresenta espessura dj. Assim, cada partição elementar do elemento, mj terá uma condutibilidade térmica λmj, espessura dj, fração de área fm e resistência térmica Rmj. O limite superior da resistência térmica total, R

´T, obtido pela expressão (3), é determinado

assumindo que o fluxo de calor é unidimensional e perpendicular às superfícies da solução:

'

1 qa b

Ta Tb TqT

ff f

R R RR= + + +L (3)

em que, RTa, RTb, …, RTq são as resistências térmicas totais de ambiente a ambiente em cada secção e fa, fb, …, fq representam as frações de área de cada secção. O limite inferior da resistência térmica total, R’’

T, é determinado admitindo que todos os planos paralelos às superfícies da solução construtiva são superfícies isotérmicas:

''1 2T si n seR R R R R R= + + + + +L

(4)

Nesta expressão, a resistência térmica equivalente, Rj, é determinada através da seguinte expressão (5):

1 qa b

j aj bj qj

ff f

R R R R= + + +L (5)

A referida norma ISO 6946:2007 define a precisão do cálculo através da relação entre os valores obtidos para os limites superior e inferior da resistência térmica total. O erro máximo, e, é calculado através da expressão (6), em percentagem:

' ''

[%] 1002T T

T

R Re

R

−= × (6)

Este método não é válido quando a razão entre os limites superior e inferior da resistência térmica ultrapassa o valor de 1,5. Caso a razão entre os limites superior e inferior atinja o valor de 1,5, o erro máximo possível é de 20%.

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2.1.4. Determinação do coeficiente de perdas lineares

Apesar da simulação dinâmica de edifício ser determinante quando este é sensível a solicitações não estacionárias [6-7], há muitos casos em que os estudos se podem suportar em metodologias sazonais (assumindo um comportamento estacionário). Na prática, e no que diz respeito às PTL, revela-se de extrema importância introduzir a quantificação das perdas de calor associadas às PTL, convergindo-se para metodologias harmonizadas, dando assim resposta à preocupação das diretivas em se aplicarem metodologias comuns nos diferentes estados membros (Diretiva n.º 2002/91/CE [23] e Diretiva n.º 2010/31/EU [24]). No caso particular de avaliação das PTL, surgiram duas normas de referência, a ISO 14683:2007 [25] e a ISO 10211:2007 [5]. Apresenta-se, de seguida, a metodologia preconizada na ISO 10211: a taxa de transferência de calor, Φ, por metro de PTL é dada pelo produto da diferença de temperaturas entre os ambientes interior, θi e exterior, θe, separados pelo pormenor construtivo, com o coeficiente de transferência de calor (L2D), determinado a partir de modelos de cálculo numérico bidimensional como o método dos elementos finitos, o método das diferenças finitas ou o método dos elementos de fronteira.

( )2 (W/m)D

i eLφ θ θ= − (7)

Sabendo que a taxa total de transferência de calor, através de um pormenor construtivo da envolvente de um edifício, resulta da soma dos fluxos térmicos que ocorrem pelos diferentes elementos que o constituem, calculados segundo a norma EN ISO 13789, determina-se o valor do coeficiente de transmissão térmica linear, ψ, através da expressão:

( )2

1

. (W/m)jN

D

j j

j

L U bψ=

= −∑ (8)

onde bj é o comprimento do elemento construtivo j no modelo geométrico e Uj é o coeficiente de transmissão térmica do mesmo elemento, calculado segundo a metodologia descrita na secção anterior. O modelo geométrico do pormenor construtivo de PTL usado na simulação deve ser elaborado de acordo com regras impostas pela ISO 10211. A título de exemplo, a Figura 2 representa o modelo geométrico de uma PTL do tipo ligação entre fachada e parede divisória.

Exterior

Interior Interior

b b

Figura 2: Modelo geométrico do pormenor construtivo de ligação entre uma parede divisória e

uma parede de fachada.

As linhas de corte do modelo geométrico correspondem a planos através dos quais não existem trocas de calor (condições adiabáticas). A extensão do modelo geométrico deve ser suficiente

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para que as isotérmicas junto aos planos de corte do modelo sejam paralelas entre si, ou seja, que as linhas do fluxo de calor deixem de apresentar a influência da ligação.

3. EXPERIMENTAL: EXIGÊNCIAS DE ENSAIO

Na presente secção descreve-se o método experimental para obtenção do coeficiente de transmissão térmica de elementos construtivos

3.1.1. Hot Box: método de ensaio para a determinação do coeficiente de transmissão térmica

Existem dois possíveis esquemas de Hot Box: a “Guarded Hot Box” e a “Calibrated Hot Box” (ver Figura 3 e 4). A construção e modo de operação da “Hot Box” está descrita na norma EN ISO 8990. Na “Guarded Hot Box” existe uma caixa de medição que envolve grande parte do provete e que é rodeada por uma caixa exterior de proteção. As temperaturas e as condições de circulação do ar dentro da caixa de proteção são ajustadas às existentes dentro da caixa de medição para que as perdas pelas paredes da caixa de medição sejam quase muito reduzidas ou mesmo nulas. Na “Calibrated Hot Box” não existe nenhuma caixa de medição interna. As paredes exteriores da câmara quente e da câmara fria são construídas com uma grande resistência térmica para minimizar as perdas por condução e o fluxo de calor através dessas paredes será medido nos ensaios para uma vasta gama de temperaturas usando painéis de calibração. No caso da “Guarded Hot Box” não é necessário o uso de painéis de calibração.

(a) (b)

Figura 3 : Esquemas de Hot Box; (a) “Guarded Hot Box”; (b) “Calibrated Hot Box”.

Figura 4: Vista geral exterior da “Calibrated Hot Box” existente no ITeCons. A determinação do coeficiente de transmissão térmica envolve essencialmente duas fases. Na primeira fase, as medições são feitas em dois painéis de calibração com propriedades térmicas conhecidas, a partir das quais são determinados os coeficientes de transferência térmica superficiais (componente convectiva e de radiação) dos dois lados do painel de calibração, e a

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resistência térmica do painel envolvente. Na segunda fase as medições são feitas com os provetes na abertura, e o equipamento “Hot Box” é utilizado com as mesmas configurações de ventilação como no procedimento de calibração, no lado frio.

3.1.2. Procedimento de ensaio

Procedimento com painéis de calibração Antes de se testar o provete é primeiro necessário o uso do equipamento com dois painéis de calibração. Durante este processo de calibração, devem ser medidas as temperaturas nas superfícies do lado quente e frio (ver Figura 5(b)). Os sensores de temperatura e sistemas de aquisição devem estar rigorosamente calibrados. O sensor de temperatura recomendado para medições de temperatura superficial é o termopar do tipo T (de cobre), não superior a 0,5 mm. Deve ser usado o mesmo esquema da grelha da temperatura superficial do painel de calibração (um mínimo de 9 termopares) para a temperatura do ar e para as medições nas barreiras difusoras (baffle). O número de termopares mínimo para que possa decorrer um ensaio na “Hot Box perfazem um total de 96.

Legenda: 1 Painel envolvente 2 Efeito de fronteira 3 Lado frio 4 Lado quente 5 Painel de calibração

Legenda: 1 “baffle” do lado frio 2 “baffle” do lado quente X Localização dos sensores de temperatura x Sensor de velocidade do ar a É recomendado que os sensores de velocidade do ar estejam alinhados ao centro para fluxo paralelo

(a) (b) Figura 5: (a) Representação dos principais fluxos térmicos no painel envolvente e no painel de

calibração (dimensões em milímetros); (b) Exemplo de localização dos sensores de temperatura e velocidade nos vários elementos da”Hot Box”.

Relativamente à velocidade do ar do lado frio, esta deve ser medida numa posição que represente a condição de fluxo livre, e deve ter uma velocidade adequada (não menos que 1,5 m/s no primeiro teste de calibração), enquanto que do lado quente deve prevalecer a velocidade do ar que representa a convecção natural no lado quente (inferior a 0,3 m/s). As medições de calibração devem ser efetuadas com um mínimo de 3 fluxos de calor em cada painel de calibração: três diferentes temperaturas médias do ar através da variação da temperatura do ar do lado frio (10ºC, 0ºC e -10ºC), mantendo constante as condições de circulação do ar no lado frio e a temperatura do ar e convecção natural no lado quente (20 ºC).

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Através deste procedimento podem ser determinadas as resistências superficiais e coeficientes de transferência térmica em função do fluxo de calor por unidade de superfície total através do painel de calibração. Para o cálculo da resistência térmica total da superfície do lado quente e frio, Rs,t, expressa em m2.ºC/W, usa-se a equação (9):

Rs,t =∆θn,cal − ∆θs,cal

qcalc

(9)

onde ,n calθ∆ é a diferença entre as temperaturas ambientes em cada lado do painel de

calibração, em ºC; ,s calθ∆ é a diferença de temperatura entre superfícies do painel de

calibração, em ºC; calc

q é o fluxo de calor por unidade de superfície do painel de calibração,

em W/m2, determinado a partir do valor da resistência térmica, Rcal, do painel de calibração (à temperatura média, θcal) e a diferença de temperatura à superfície. Com base nas temperaturas medidas determina-se também as resistências térmicas superficiais interior e exterior, Rsi e Rse. A partir do conjunto de dados da espessura do painel de calibração, pode calcular-se a resistência térmica, Rsur, do painel envolvente em função da sua temperatura média, bem como dos fluxos de calor representados na Figura 5 (a), através da equação:

Rsur =Asur∆θs,sur

∅in − ∅cal − ∅edge

(10)

onde sur

A é a área projetada do painel envolvente, em m2; ,s surθ∆ é a diferença entre as

temperaturas médias da superfície do painel envolvente, em ºC; in

φ é o calor que entra para a

câmara quente devidamente corrigido para fluxo de calor através da medição das paredes da caixa e das perdas pelos flancos, em W;

calφ é o valor do fluxo de calor através do painel de

calibração, em W, e edge

φ é o débito do fluxo de calor entre a zona de fronteira do painel de

calibração e do painel envolvente, em W. Procedimento com provetes Após o procedimento com os painéis de calibração substituem-se os painéis de calibração pelo provete a testar. O ensaio dos provetes deve ser feito nas mesmas condições das calibrações, com uma temperatura do lado frio de 0ºC e do lado quente a 20 ºC. As áreas de condensação ou formação de gelo no provete podem afetar as medições da transmissão térmica, portanto a humidade relativa na câmara de medição deve ser mantida o mais baixo possível para evitar esta situação. O fluxo de calor por unidade de superfície, qsp, expresso em W/m2, através do provete durante a medição deve ser calculado através da equação:

qsp=∅in − ∅sur − ∅edge

Asp

(11)

onde sp

A é a área projetada do provete, em m2, e sur

φ é o fluxo de calor na ligação com o

painel envolvente, em W. A medição da transmissão térmica global, Um, expressa em W/(m2.ºC), do provete deve ser calculada usando a equação:

Um =qsp∆θn

(12)

onde n

θ∆ é a diferença entre as temperaturas ambientes dos dois lados do provete, em ºC.

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Cálculo do coeficiente de transmissão térmica

A resistência total da superfície, Rs,t, em m2.ºC/W, correspondente à transmissão térmica medida, Um, deve ser avaliada a partir dos dados da calibração em função do fluxo de calor por unidade de superfície, obtido por interpolação. Assim, para obter a transmissão térmica uniformizada, Us,t, em W/(m2.ºC), usa-se a seguinte equação:

Ust = �Um−1 − Rs,t + R�s,t�,st �−1

(13)

Para alguns produtos, o valor do coeficiente de transmissão térmica é sujeito a um ajuste tendo em conta um determinado valor uniformizado de R(s,t)st (normalmente assume-se R(s,t)st = 0,17 m2.ºC/W).

4. APLICAÇÕES

Na presente secção apresentam-se alguns exemplos de simulação ou de resultados experimentais para demonstrar a importância de uma correta caracterização das soluções construtivas. Inicialmente apresentam-se exemplos em que se avalia a influência da junta de assentamento no valor de cálculo do coeficiente de transmissão térmica de paredes de alvenaria. De seguida, mostram-se exemplos de coeficientes de perdas lineares na ligação entre paredes divisórias e paredes de fachada.

4.1.1. Coeficientes de transmissão térmica

Em paredes de alvenaria com requisitos térmicos, a consideração das juntas de argamassa entre os elementos constituintes das paredes é fundamental na caracterização térmica da envolvente opaca [1]. O efeito da espessura das juntas depende das suas características térmicas. Se a junta apresentar maior resistência térmica que as unidades de alvenaria, a utilização de juntas mais expressivas, com maiores espessuras, conduzem a melhores resultados. No entanto, geralmente, as juntas apresentam piores características térmicas que as unidades de alvenaria, ou seja, é frequente que esta heterogeneidade térmica prejudique o desempenho térmico das soluções. Neste caso é preferível a utilização de juntas de assentamento horizontais reduzidas e, se possível, a ausência de juntas de argamassa verticais (embora possa comprometer o desempenho acústico). A título de exemplo considerem-se as soluções compostas por tijolo 30x20x15 e Bloco 27 (ver Figura 6). Os cálculos foram efetuados de acordo com a norma ISO 6946:2007 [13], tendo sido efetuada uma validação com o recurso ao cálculo numérico previsto na norma EN ISO 10211:2007 [5]. No estudo das duas soluções de parede [26], considerou-se que a condutibilidade térmica da argamassa podia variar entre os 0,3 e os 1,8 W/(m.⁰C). Para a espessura das juntas, admitiu-se uma variação entre os 6 e os 15 mm, com base no Eurocódigo 6. Considerou-se ainda a possibilidade de se ter uma descontinuidade preenchida por ar ou por isolamento térmico (EPS, com uma condutibilidade térmica de 0,04 W/(m.⁰C)). Fez-se esta descontinuidade variar entre zero (junta de assentamento horizontal contínua) e um afastamento máximo entre cordões de argamassa inferior a metade da dimensão disponível (7 cm no caso do tijolo e 4cm no caso do Bloco 27). Assumiu-se que o material cerâmico possui uma condutibilidade térmica igual a 0,6 W/(m.⁰C) e o betão utilizado no Bloco 27 uma condutibilidade térmica de 1,52 W/(m.⁰C).

Caracterização térmica: uma perspectiva sobre exigências de ensaio e de simulação 92

arg. arg.desc.

(a) (b)

Figura 6: Geometria dos blocos estudados: (a) Tijolo cerâmico (30x20x15 cm3); (b) Bloco 27 (50x20x27 cm3).

Neste estudo [26], o coeficiente de transmissão para parede com tijolo 30x20x15 varia entre 1,48 W/(m2ºC) e 1,95 W/(m2ºC) . A melhor solução corresponde à junta de maior espessura (1,5 cm) e descontinuidade de maior dimensão preenchida com isolamento térmico, sendo cerca de 30% mais eficaz do que a obtida considerando uma junta horizontal contínua. No caso da descontinuidade formar caixa-de-ar, a melhor solução corresponde à descontinuidade com 2 cm (28,5% mais eficaz que o caso de junta horizontal contínua), garantindo um coeficiente de 1,52 W/(m2ºC). Embora a melhor solução corresponda à colocação de EPS, esta não apresenta uma diferença significativa em relação à melhor solução com caixa-de-ar. Como o tijolo, per si, tem piores características do que a junta quando esta é formada por argamassa com baixa condutibilidade térmica (0,3 W/(m.⁰C)), a melhor solução, quer a descontinuidade seja ou não preenchida por isolamento, corresponde a uma espessura máxima da junta (1,5 cm). Para o Bloco 27, a melhor solução, com um U=1,51 W/(m2.⁰C) corresponde à situação da junta ser constituída por 15 cm de EPS (4x2 cm de descontinuidade + 7 cm na zona central), 13,2% melhor do que a pior solução termicamente (sem descontinuidade). Os resultados obtidos são idênticos aos obtidos para o caso da parede constituída por tijolos cerâmicos. O Bloco 27 apresenta a particularidade da melhor solução apresentar apenas uma melhoria cerca de 10% relativamente à pior solução (junta com dois cordões com descontinuidade de 7 cm (com caixa-de-ar) sobre os alvéolos centrais). Para blocos otimizados termicamente, verifica-se que a descontinuidade das juntas de argamassa, a utilização de argamassas de menor condutibilidade térmica e a aplicação de juntas de menor espessura permitem melhorias do coeficiente de transmissão térmica na ordem dos 40% [26].

4.1.2. Coeficientes de perda linear

De seguida é apresentada uma análise de comportamento térmico de pontes térmicas lineares (PTL) do tipo ligação entre fachada e parede divisória, na qual são comparados os resultados do cálculo dos valores dos coeficientes de transmissão térmica linear, ψ, segundo o método preconizado na ISO 10211:2007 [5], para a referida PTL, tendo em conta diferentes soluções construtivas de paredes exteriores e de paredes divisórias. Para isso foi utilizado um programa de simulação computacional, baseado no método numérico dos Elementos Finitos, o GID, ao qual foi anexado o módulo Caltep, dedicado a problemas de condução de calor. Na análise consideraram-se dois tipos de paredes exteriores: paredes simples constituídas por um pano de betão com 22 cm de espessura e paredes simples constituídas por um pano de alvenaria de tijolo com 22 cm. As paredes exteriores encontram-se isoladas termicamente com um camada de poliestireno expandido extrudido (XPS) com 6 cm de espessura e revestidas em ambos os lados com 1,5 cm de argamassa. Afim de avaliar a influência da parede divisória no comportamento térmico da ligação, consideraram-se, para cada uma das soluções de paredes exteriores, dois casos de estudo: o

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Caso 1 correspondente à ligação da fachada com uma parede divisória constituída por um pano de alvenaria de tijolo com 11 cm de espessura, revestido em ambos os lados por 1,5 cm de argamassa e o Caso 2 relativo à ligação entre a fachada e uma parede divisória constituída por uma camada de lã de rocha entre dois painéis duplos de gesso cartonado, com 2,6 cm de espessura cada (solução leve). Analisou-se ainda a influência da localização da camada de isolamento térmico da parede exterior no desempenho térmico das diferentes soluções construtivas. A Tabela 1 apresenta os materiais constituintes das soluções construtivas de PTL considerados no presente estudo e respetivas propriedades.

Tabela 1 - Características dos materiais construtivos considerados no presente estudo.

Material λ W/(m.°C)) R (m2.°C/W) ρ (kg/m3)

Betão 2,0 - 2300 - 2400

Alvenaria (22cm) - 0,52 1800 - 2000

Alvenaria (11cm) - 0,27 1800 - 2000

XPS 0,037 - 25 - 40

Lã de rocha 0,04 - 35 - 100

Argamassa 1,3 - 1800 - 2000 Gesso cartonado 0,25 - 750 - 1000

A Erro! Auto-referência de marcador inválida. apresenta os valores dos coeficientes de transmissão térmica linear, ψ, para a ligação da fachada com paredes divisórias, tendo em

conta as diferentes soluções construtivas de paredes exteriores e de paredes divisória. Apresenta-se ainda os resultados para diferentes localizações do isolamento.

Tabela 2 - Coeficiente de perda linear, ψ [W/(m.ºC)] Parede Divisória Parede Exterior

Caso 1 Alvenaria de Tijolo 11

Caso 2 Solução Leve

Alvenaria de Tijolo de 22 com isolamento pelo exterior

0,06 0,04

Betão com isolamento pelo exterior 0,07 0,05 Alvenaria de Tijolo de 22 com isolamento pelo interior

0,19 0,10

Betão com isolamento pelo interior 0,32 0,14 Isolamento pelo interior da fachada Através da A Erro! Auto-referência de marcador inválida. apresenta os valores dos coeficientes de transmissão térmica linear, ψ, para a ligação da fachada com paredes divisórias,

tendo em conta as diferentes soluções construtivas de paredes exteriores e de paredes divisória. Apresenta-se ainda os resultados para diferentes localizações do isolamento. Tabela 2, é possível verificar que, na solução em betão, o valor de ψ é cerca de 1,7 vezes

superior ao da solução em alvenaria de tijolo 22, para uma parede divisória em alvenaria de tijolo 11 (Caso 1) e cerca de 1,45 vezes superior para soluções leves de paredes divisórias (Caso 2). A solução construtiva com parede exterior em betão e parede divisória correspondente ao Caso 1, apresenta um valor de ψ cerca de 2 vezes superior ao da mesma solução com parede divisória constituída por uma solução leve (Caso 2). Para paredes exteriores em alvenaria de tijolo, na solução de parede divisória correspondente ao Caso 1, o valor de ψ é igualmente mais elevado que o da mesma solução com parede divisória constituída por uma solução leve (cerca de 2,27 vezes superior).

Caracterização térmica: uma perspectiva sobre exigências de ensaio e de simulação 94

A Figura 7 ilustra, a título de exemplo, a distribuição da temperatura na ligação entre uma parede exterior em alvenaria de tijolo e os dois casos de paredes divisórias analisados, com isolamento pelo interior da fachada. É claramente visível a zona de PTL, caracterizada por temperaturas mais baixas na superfície interior devido a uma concentração do fluxo de calor.

(a) Caso 1 (b) Caso 2

Figura 7: Diagrama de temperaturas da PTL do tipo ligação entre fachada em alvenaria de tijolo e parede divisória, com isolamento pelo interior da fachada: (a) Parede divisória em

alvenaria de tijolo 11; (b) Solução leve de parede divisória. Isolamento pelo exterior da fachada Através dos resultados apresentados na A Erro! Auto-referência de marcador inválida. apresenta os valores dos coeficientes de transmissão térmica linear, ψ, para a ligação da

fachada com paredes divisórias, tendo em conta as diferentes soluções construtivas de paredes exteriores e de paredes divisória. Apresenta-se ainda os resultados para diferentes localizações do isolamento. Tabela 2, é possível verificar que a solução em betão apresenta valores de ψ ligeiramente mais

altos que os da solução em alvenaria de tijolo: cerca de 1,2 vezes superior para ambas as soluções de parede divisória. As soluções construtivas com paredes divisórias em alvenaria de tijolo 11 (Caso 1) apresentam valores de ψ cerca de 1,4 vezes superiores aos das soluções com paredes divisórias constituídas por uma solução leve (Caso 2). As soluções construtivas com isolamento contínuo pelo exterior da fachada são caracterizadas por valores de ψ mais baixos que os das soluções com isolamento descontinuo pelo interior.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente artigo, apresenta-se de forma sumária metodologias de simulação e de caracterização experimental do comportamento térmico de paredes. Adicionalmente, descrevem-se algumas aplicações que evidenciam a importância de uma correta caracterização das possíveis soluções de modo a garantir um adequado desempenho.

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