“segundo a interpretação tradicional do relato bíblico, a criação de múltiplas línguas se
deu em decorrência do castigo de Deus para o desejo de omnipotência do homem, que
aspirava, por meio da construção da torre, alçar-se às mesmas divinas alturas, ou seja,
pretendia disputar o lugar de autoridade de Deus. Do ponto de vista da história e da teo-
ria da tradução, pois, in principio fuit Babel: confusão, introdução da multiplicidade, da
diferenciação no seio de uma desejada, suposta, plenitude linguística originária”
Walter Benjamin: tradução e melancolia. São Paulo: Edusp, 2007. pp. 29-30,
“O sonho por uma tradução perfeita se equivale ao desejo de que a tradução tenha
ganhos, ganhos sem perdas. É precisamente por este ganho sem perda que devemos
estar de luto até que cheguemos a uma aceitação da diferença intransponível entre o
próprio e o estrangeiro.” (…)
“A luta de qualquer língua com o secreto, o escondido, o mistério, o inexpressável é, aci-
ma de tudo, o incomunicável mais arraigado, o intraduzível inicial”
RICOEUR, Paul. On translation. Trad. Eileen Brennan. New York: Routledge, 2006. pp. 9-10.
“A propósito do relato bíblico de Babel, Ricoeur o lê como mito de origem de um projecto
ético da tradução: ao invés de perceber a diversidade de línguas como símbolo de confusão
e de dispersão, como catástrofe linguística irremediável, podemos entender essa diversida-
de como a oportunidade de passarmos pela experiência-prova do estrangeiro. Se o fratricí-
dio, o assassinato de Abel por Caim, faz da fraternidade um projecto ético, a Babel linguísti-
ca nos chama ao projecto ético da tradução como relação com o “outro”.
Não se trata apenas de pensar novamente a repetição— dos
módulos, portanto formal—mas antes de continuar a percorrer o
percurso da experiência de natureza existencial. Ou seja, ao fazer
esta peça procurei uma espécie de recriação de dados elementares
da nossa humanidade/história. Fazendo cair o conceito kierkegaar-
diano de repetição sobre problemas, primordiais e sempre novos.
Como é o problema da linguagem, a sua utilização frágil e a simul-
tânea pretensão ou aparente possibilidade de estabilidade perene.
Deste modo, a partir do mito de Babel, aconteceu no centro do
átrio uma simples manipulação da matéria. A repetição de uma
construção precária e infantil daquilo que chamei Ensaio para
Babel. Mostra-se uma elevação vertical que vai do chão a uma tan-
gibilidade rigorosa mas insuficiente com o topo, o tecto do espaço.
Assim, esbarrados com o início da peça, subimo-la com o olhar. É
um ensaio porque serve como uma “maquetização” dessa torre por
onde a humanidade/história ia subir a fim de chegar à hegemonia.
Esta torre simbolicamente é o início das diferentes línguas ou dia-
lectos. Com isto é a partir da catástrofe que se dá a necessidade de
tradução. Repetimos constantemente este exercício. O de nos
dizermos, a nós mesmos, e a um outro, que é sempre estrangeiro
em nós.