24
Apontamentos sobre alguns dos novos negócios da música 1 George Yúdice Quando se pensa na indústria da música, costuma-se pensar apenas na indústria fonográfica, mas o negócio da música é muito mais amplo. Não me refiro aos gêneros e subgêneros musicais (que emergem aos borbotões quase todos os dias na web e no mercado tradicional), mas aos vários modelos de produção e difusão que vêm emergindo em diferentes localidades, mas seguem ignorados pela grande indústria e pela maioria do público. O objetivo aqui não é analisar os gêneros nem a música em si, mas o papel desempenhado pela gestão complexa do fenômeno musical, isto é, busca-se analisar neste artigo alguns “modelos de negócio” que vêm sendo aplicados hoje, tais como os relacionados: a) à música pop das grandes empresas; b) à música sinfônica; c) à música de arte; d) à música independente; e) ao circuito anarcopunk; f) à música popular; g) à música que faz parte de movimentos de arte em ação; h) aos modelos mistos que combinam o comércio e iniciativas sem fins lucrativos; i) à música paralela ou informal; e j) aos novos circuitos e redes. Também é fundamental considerar o papel das associações, festivais etc. Advirto ao leitor que dentre todas essas possibilidades este artigo concentrará sua análise em alguns modelos alternativos de negócio e nas novas formas de gestão da experiência musical. Mas antes, vale a pena destacar que quase todos os comentários nas matérias dos jornais e ainda nos estudos de mercado divulgados enfatizam especialmente o encolhimento do mercado tradicional (venda de CDs) e ressaltam que o grande desafio é o intercâmbio de fonogramas na Internet (chamado de pirataria pela grande indústria da mídia tradicional). É possível encontrar referências também aos novos modelos de negócio realizados na Internet ou com a música ao vivo dos quais a grande indústria quer evidentemente se apropriar. Cabe mencionar ainda a este respeito que a venda de música online vem crescendo de forma expressiva, mas sem compensar de efetivamente a queda veloz das vendas de CDs. Em 2009 e 2010, a taxa de crescimento das vendas online desacelerou, enquanto o mercado encolheu 9% anualmente. Assim, ao que tudo indica, o negócio online nunca vai permitir a esta indústria alcançar o nível de vendas de CDs dos anos dourados (PFANNER, 2011). 1 Texto traduzido para o português e para esta coletânea: elaborado por Fernando A. Pereira e Micael Herschmann.

Yudice - Novos Negócios Da Música

Embed Size (px)

Citation preview

  • Apontamentos sobre alguns dos novos negcios da msica1 George Ydice

    Quando se pensa na indstria da msica, costuma-se pensar apenas na indstria

    fonogrfica, mas o negcio da msica muito mais amplo. No me refiro aos gneros e

    subgneros musicais (que emergem aos borbotes quase todos os dias na web e no mercado

    tradicional), mas aos vrios modelos de produo e difuso que vm emergindo em

    diferentes localidades, mas seguem ignorados pela grande indstria e pela maioria do

    pblico.

    O objetivo aqui no analisar os gneros nem a msica em si, mas o papel

    desempenhado pela gesto complexa do fenmeno musical, isto , busca-se analisar neste

    artigo alguns modelos de negcio que vm sendo aplicados hoje, tais como os

    relacionados: a) msica pop das grandes empresas; b) msica sinfnica; c) msica de

    arte; d) msica independente; e) ao circuito anarcopunk; f) msica popular; g) msica

    que faz parte de movimentos de arte em ao; h) aos modelos mistos que combinam o

    comrcio e iniciativas sem fins lucrativos; i) msica paralela ou informal; e j) aos novos

    circuitos e redes. Tambm fundamental considerar o papel das associaes, festivais etc.

    Advirto ao leitor que dentre todas essas possibilidades este artigo concentrar sua anlise

    em alguns modelos alternativos de negcio e nas novas formas de gesto da experincia

    musical.

    Mas antes, vale a pena destacar que quase todos os comentrios nas matrias dos

    jornais e ainda nos estudos de mercado divulgados enfatizam especialmente o

    encolhimento do mercado tradicional (venda de CDs) e ressaltam que o grande desafio o

    intercmbio de fonogramas na Internet (chamado de pirataria pela grande indstria da

    mdia tradicional). possvel encontrar referncias tambm aos novos modelos de negcio

    realizados na Internet ou com a msica ao vivo dos quais a grande indstria quer

    evidentemente se apropriar. Cabe mencionar ainda a este respeito que a venda de msica

    online vem crescendo de forma expressiva, mas sem compensar de efetivamente a queda

    veloz das vendas de CDs. Em 2009 e 2010, a taxa de crescimento das vendas online

    desacelerou, enquanto o mercado encolheu 9% anualmente. Assim, ao que tudo indica, o

    negcio online nunca vai permitir a esta indstria alcanar o nvel de vendas de CDs dos

    anos dourados (PFANNER, 2011).

    1 Texto traduzido para o portugus e para esta coletnea: elaborado por Fernando A. Pereira e Micael Herschmann.

  • Quanto grande indstria na America Latina, dois macrofatores merecem meno

    logo de cara: a indstria da msica na Amrica Latina tem uma participao

    desproporcionalmente baixa no mercado mundial, de 3,8%, que menos da metade da

    participao da Amrica Latina na populao mundial 8,4% (ver tabela 1). De acordo

    com o relatrio da Price Waterhouse Coopers (PWC), tal participao no mercado subiu

    2,6% em 2003, mas no h espectativa de que este ndice cresa significativamente nos

    prximos cinco anos. PWC estima que ela decresa 0,3%, isto , que de $641 milhes

    movimentados em 2009 passe para $632 milhes em 2014 (a queda seria de 30%,

    analisando-se o perodo de dez anos entre 2005 e 2014). Entre as razes que a PWC d

    para a queda nesta macrorregio estariam: a baixa penetrao da banda larga; poucos

    servios licenciados; a pirataria fsica, que continua a crescer expressivamente; e uma das

    mais altas taxas de pirataria digital no mundo (Wikofsky Gruen Associates, 2010, p. 325).

    Grfico 1:

    H meios de acesso a msica que no so inteiramente considerados em relatrios

    como os do IFPI ou da PWC. Um a troca fsica de arquivos MP3, prtica remanescente

    dos dias em que o povo compartilhava LPs, cassetes ou CDs: possvel constatar que os

    internautas mais pobres vo aos bares com Internet ou Lanhouses e gravam CDRs, que

    custam menos de um real, podendo arquivar mais de uma centena de arquivos de MP3.

    Discos rgidos externos, flash drives, cartes digitais seguros ou players USB de MP3

    (de 1GB) podem acomodar substancialmente mais. Tambm so compartilhados arquivos

    de um telefone celular para outro atravs do Bluetooth. Alm disso, quem tem conexo na

    Internet tambm pode ouvir msica de graa nas rdios online, localizando-as nos portais do

  • Sonicfm e Rdio digital (de Buenos Aires),2 Radio Malpais (San Jose),3 entre outros.4

    Last.fm, a rdio online com maior nmero de usurios, d acesso a 150 milhes de canes

    produzidas por 280.000 produtores e 16 milhes de artistas independentes para 56 milhes

    de usurios. Todas essas emissoras de webrdios tambm podem ser acessadas por celulares,

    empregando ferramentas que tornam a realizao de download cada vez mais irrelevante.

    Com o tempo, nota-se que as receitas do negcio no ambiente digital no provm de

    pagamento pela compra de msica, mas so alcanadas atravs de publicidade e, em alguns

    casos, mediante o pagamento de assinaturas mensais.

    Quanto pirataria, importante distinguir entre a venda de CDs ilegais e a

    distribuio do que Hermano Vianna chama de msica paralela, as formas de consumo

    de msica das classes populares5 (poderamos incluir como exemplos o funk carioca, o

    tecnobrega, o huayno pop, a cumbia villera e a champeta, no cenrio latino-americano), que

    so informais, porm no necessariamente ilegais. As solues que a grande indstria da

    msica espera que tragam de volta os vultosos lucros do passado so as vendas online e os

    servios que utilizam tecnologia streaming. Se, por um lado, os executivos acreditam que

    podem ser capazes de atrair um nmero significativo de ouvintes de classe mdia, por

    outro, pouco provvel que este tipo de estratgias consiga atrair um pblico expressivo

    oriundo das classes populares, que so a grande maioria na Amrica Latina. A seguir,

    examina-se o negcio da msica das classes populares e, posteriormente, problematizam-se

    aqui os outros modelos de produo musical, distribuio e circulao.

    Msicas das classes populares

    Existem milhares de variedades de msica popular contempornea, incluindo o que

    Vianna denomina de msica paralela. Baseio o meu argumento nesta parte do artigo,

    analisando o estudo de caso do huayno pop. O primeiro ponto que gostaria de destacar

    que a emergente indstria de msica e vdeo de Lima nasceu da importncia que o huayno

    e o huayno pop tm entre as classes populares daquela cidade, principalmente entre

    migrantes das terras altas, onde as origens do gnero datam dos tempos do Imprio Inca

    2 Cf. http://www.sonicfm/portal e http://www.radio-digital.net (ltimo acesso em 30/7/10). 3 Cf. http://www.radiomalpais.com (ltimo acesso em 30/7/10). 4 A plataforma Rdios online fm prov uma lista incompleta, mas significativa das emissoras da web na America Latina. http://www.radiosonlinefm.com. 5 Cabe ressaltar que classes populares o conceito latino-americano empregado para designar uma gama de fraes de classes urbanas trabalhadoras, camponeses, trabalhadores informais, desempregados e grupos tnicos minoritrios (indgenas, afro-descendentes etc.) que se mesclam com essas fraes de classes.

  • (sculos XV e XVI). No sculo XX, enquanto os migrantes ocupavam as reas costeiras,

    particularmente em Lima o huayno foi hibridizado com outros gneros mais

    recentemente, a cumbria, o rock, o pop e o tecno.6 Como Santiago Alfaro, autor de um

    estudo sobre o huayno pop, sublinha, este gnero musical foi considerado por Jos Maria

    Arguedas, romancista peruano, linguista e musiclogo, a voz e expresso mais legtimas dos

    indgenas e mestios peruanos atravs do tempo que pelos processos de urbanizao,

    industrializao e globalizao, tornou-se um sucesso comercial nas indstrias da msica e

    televiso, recriando-o e fazendo-o importante para as maiorias mestias e indgenas em vez

    de causar seu desaparecimento (ALFARO, 2009, p. 6). Alm disso, sua hibridizao

    permitiu que se tornasse um hit por todo o Peru, bem como na Bolvia e no Equador.

    Entre as particularidades do gnero, h o fato de que ele teve sucesso sem o

    envolvimento dos selos musicais das majors. Alm disso, salvo algumas excees, a msica

    das classes populares no conta com o star system promovido pela grande indstria. Alm

    disso, como caracterstico de outros fenmenos similares (champeta em Cartagena das

    ndias, tecnobrega de Belm do Par ou a indstria de filmes nigeriana conhecida como

    Nollywood), este gnero musical foi nutrido e sustentado por capital empresarial muito

    pequeno (muitas vezes informal) e das redes sociais (no necessariamente da Internet).

    Como Alfaro argumenta, a produo musical conduzida por unidades econmicas

    familiares com pequenas divises de trabalho, tocadas por gente envolvida na indstria da

    msica ou que decidiu entrar nesse negcio contando com o baixo custo do equipamento

    digital e a popularizao dos aparelhos de DVD nos lares peruanos. Muitos desses

    negcios esto localizados no Shopping Mesa Redonda, localizado em Lima, mas h outros

    shoppings semelhantes em vrias regies do Peru. Os originais so entregues a

    intermedirios-piratas que circulam como camels em todos os cantos das reas mais

    populosas do pas (Alfaro, entrevista realizada pelo autor em 12 de novembro de 2009).

    Devido sua popularidade, o huayno pop e outros hbridos do huayno penetraram

    no rdio e at na televiso. Suas receitas so obtidas no s pela venda de CDs e DVDs

    6 O huayno foi mais conhecido internacionalmente atravs da msica El condor pasa, principalmente porque foi gravada por Simon & Garfunkel em 1967 e tornou-se sucesso mundial. A cano original, j um huayno hibridizado, era parte de uma zarzuela ou opereta escrita por Daniel Aloma Robles em 1913 (e registrada em 1933). Essa opereta pode ser assistida no Youtube em http//www.youtube.com/watch?v=rIYPqc4DpFU&feature=PlayList&p=DBF42957ECE413E3&playnext=1&index=2. Muitas verses foram feitas desde ento, algumas antecipando a instrumentalizao usada por Simon & Garfunkel, como a verso para a msica Los Incas (de 1963): http://www.youtube.com/watch?v=GSwu8-ohoWs&feature=related. ltimo acesso em 30/7/2010. Um exemplo de huayno tecno ou eletro pode ser acessado no link: http://www.youtube.com/watch?v=VbIsd_EsnI4. ltimo acesso em 30/7/2010.

  • (vendidos pelos camels), mas especialmente em concertos que so regularmente

    realizados em danceterias escolhidas ou em lugares arranjados: estacionamentos, campos de

    futebol, lotes vazios, mercados, centros de recreao e espaos industriais em horas livres

    (ALFARO, 2009, p. 74). Esses concertos so a maior fonte de receita e, evidentemente, os

    msicos recebem uma porcentagem da bilheteria e do consumo de cerveja. Como Alfaro

    assinala, o nosso Billboard baseado nas entradas pagas e na quantidade de cerveja

    consumida (ALFARO, 2009, p. 76).7 Em contraste com a indstria de concertos cada vez

    mais concentrada nos EUA,8 na Europa e em inmeras localidades do mundo, a estrutura

    da indstria de concerto encontra-se atualmente descentralizada, com numerosos

    promotores, bem como estaes de rdio e TV e jornais, que usam os concertos como uma

    receita alternativa (ALFARO, 2009, p. 77).

    Alm do huayno pop, a indstria de vdeo andina formada em grande parte por

    milhares de vdeos que gravam festas populares e eventos folclricos, que so

    reproduzidos, vendidos no atacado e revendidos em diversas localidades da regio

    montanhosa dos Andes: como j foi mencionado anteriormente, os produtores tm seus

    escritrios localizados no Shopping Mesa Redonda e seus nomes, telefones e endereos de

    e-mail podem ser geralmente encontrados nas capas dos vdeos (para o caso de se desejar

    contratar seus servios).

    Embora haja uma indstria crescentemente produtiva, os vdeos andinos em sua

    maioria no so dramticos e, portanto, no comparveis com os produzidos em

    Nollywood. Mas tal como no caso nigeriano, eles tratam de assuntos, valores, desejos locais

    e assim por diante, vistos da perspectiva dos peruanos oriundos das classes populares.

    Estes vdeos fornecem aos peruanos uma alternativa indstria audiovisual do mainstream,

    que perpetua uma cultura do star system que colocada no mercado por players dos Estados

    Unidos, Inglaterra, Mxico e Espanha. No Peru, os produtores e os artistas vm da mesma

    origem tnica dos consumidores e promovem seus estilos de vida: Muitos intrpretes do

    huaylarsh do Vale do Mantaro (msica e dana andinas tradicionalmente realizadas durante

    a colheita de gros), os tocadores de flauta de Pan de Puno ou mesmo os bandolinistas de 7 A quantidade de cerveja consumida tambm usada para avaliar o impacto econmico em muitos estudos de cultura, como indicador substituto das receitas obtidas em apresentaes de msica ao vivo, em pases da Amrica Latina (especialmente nas localidades em que os indicadores culturais de consumo no esto disponveis). 8 Em janeiro de 2010, firmas como a Live Nation e a Ticketmaster obtiveram a aprovao antitruste norte-americana para se fundirem (CONNEALY, 2010): em maio de 2010 receberam a aprovao das autoridades antitruste do Reino Unido (KASTELEIN, 2010). A nova empresa, Live Nation Entertainment, vai controlar 80% de toda venda de tickets nos Estados Unidos. Esta empresa praticamente monopolizar os grandes espaos de concertos do pas e isso vai certamente perpetuar prticas da indstria da msica nesta macrorregio.

  • Cusco procuram reconhecimento na base social qual pertencem, e, ao mesmo tempo,

    colocam suas produes em gravaes de msica, no rdio, televiso e concertos

    (ALFARO, 2009, p. 49).

    Um exemplo disso a cano Wayliya chumbivilcana 2,9 interpretada pela cantora

    Agripina Huayllani, a rainha de Wayliya, que uma msica e ritmo de dana hipnticos

    que acompanham as lutas rituais do festival Takanakuy. Em geral, acontecem na poca do

    Natal nas montanhas de Chumbivilcas. Deliberadamente, escolhi mencionar este vdeo em

    conexo com o trabalho do grupo Micromuseo, concebido na analogia com um nibus (a

    palavra micro significa nibus em algumas localidades das Amrica Latina),10 porque um

    projeto audiovisual que busca atravessar diversos espaos, tornando-se uma espcie de

    zona de contato nmade, na qual as culturas se misturam. O micro tambm se refere

    escala e importncia dos pequenos (isto , classes populares) em processos

    contemporneos de contato urbano (BUNTINX, 2006). O texto que acompanha a

    exibio destes vdeos acentua a inteno do Micromuseo de quebrar as hierarquias

    culturais e criar espaos interculturais nos quais as vrias classes e etnias possam se

    encontrar. Seus integrantes, como muitos outros de classe mdia envolvidos com

    manifestaes culturais (inclusive Santiago Alfaro, autor do livro sobre o huayno pop)

    promovem uma produo local vernacular e procuram ajudar em sua difuso. Eles

    pertencem a um novo segmento de intermedirios que no representam interesses da mdia

    tradicional ou do mainstream, de partidos polticos, de movimentos revolucionrios latino-

    americanos tradicionais (tais como FMLN ou Sandinistas), de ONGs ou de grupos

    acadmicos. Na realidade, trabalham diretamente em redes com uma gama de atores para

    abrir o acesso s esferas pblicas.11

    Algumas das estrelas populares do huayno tornam-se to populares que programas

    de rdio e at estaes de televiso com frequncia agendam seus espaos para eles. o

    caso de Dina Pucar, a linda deusa do amor, [que foi] grandemente venerada muito antes

    de ser filmada em uma minissrie de TV de sucesso (ALFARO, 2009, p. 7). A

    popularidade de Pucar e de outras estrelas do huayno est relacionada com sua adequao

    9 Ver imagens disponveis no link: http://www.youtube.com/watch?v=ni72jP6abeQ&feature=player_embedded. ltimo acesso em 31/7/10. 10 As classes populares so os principais consumidores desta produo. Gustavo Buntinx, fundador do Micromuseo, concebeu-o como um elemento dirio das vidas das classes populares, buscando interagir se possvel com a sociedade inteira. Este museu no para ser uma cmara de tesouro ou modelo de prestgio social ou acadmico, mas um agente crtico de uma nova cidadania (KATZENSTEIN, 2010). 11 Para mais informaes, cf. YDICE, 2007 e 2010.

  • a certas expectativas da audincia da exibio e representao de referncias tnicas e de

    classe social,12 algo que esteve durante muito tempo relativamente ausente da mdia

    tradicional desta localidade (numa sociedade em que as elites brancas tratam os indgenas e

    populaes mestias com condescendncia ou desdm).

    Como em outros exemplos que menciono mais adiante, os vdeos andinos podem

    se constituir numa alternativa para a mdia tradicional ampliar sua audincia, e fornecem, ao

    mesmo tempo, visibilidade a este circuito alternativo. As micro e pequenas empresas

    precisam de capital, tecnologia e da visibilidade proporcionada pelas mdias, e muitas vezes

    se aliam a grandes empresas. O cenrio em geral o seguinte: se, por um lado, os pequenos

    concertos devem atrair pelo menos mil pessoas, por outro, qualquer empresrio deve

    investir no aluguel do equipamento de som e iluminao, pagar folhetos e publicidade nas

    emissoras de rdio, remunerar os artistas, contratar um locutor e guardas para realizarem a

    segurana, pagar licenas municipais, impostos sobre as entradas e venda de cerveja, e os

    direitos da APDAYC (a sociedade peruana coletora de direitos autorais). A venda dos

    tickets e de cerveja, em geral, rende ao empresrio um montante entre mil e 1750 dlares

    por evento.

    Grfico 2: Porcentagem de Pirataria Fsica, 2009

    A popularidade dos msicos ajuda a vender CDs e DVDs que operam totalmente

    fora do regime de direitos autorais. Enquanto h uma pirataria generalizada de msica e

    filmes estrangeiros (a taxa de pirataria de 98%; quase todas as lojas de msica e grandes

    locadoras de filmes como, por exemplo, a Blockbuster, saram do negcio), a reproduo e

    distribuio de CDs e DVDs de msica andina no exatamente ilegal: na realidade, os 12 Cf. trechos de apresentaes disponveis no link: http://www.youtube.com/watch?v=fIYEXbqWee8&feature=related. ltimo acesso em 30/7/10.

  • produtores negociam diretamente com os agentes que realizam as cpias (muitos dos quais

    tambm so camels), contratando-os. Os msicos ganham muito pouco com os

    fonogramas gravados (os preos dos CDs so muito baixos, cerca de 60 centavos de dlar)

    e os vrios intermedirios produtor, copiador e o camel/vendedor ficam com quase

    todo o lucro; mas eles funcionam mais especificamente para a promoo do cardpio

    principal que so os concertos, onde propriamente os artistas realizam a maioria dos seus

    ganhos.

    Na ausncia de selos fonogrficos que forneam servios aos artistas, os msicos

    peruanos tm que fazer sua prpria promoo. Para isso, eles procuram entrar nas redes de

    distribuio de CDs e DVDs, bem como disponibilizar seus vdeos no Youtube e Myspace.

    Pesquisas realizadas no Peru indicam que todas as classes sociais possuem aparelhos de

    televiso em casa, isto , que os aparelhos de DVD alcanam 90% da populao. Segundo

    dados divulgados pela Associao Peruana de Empresas de Pesquisa de Mercado, a

    cobertura da Internet no muito alta aproximadamente 27% no total13 , mas est em

    ascenso (APEIM, 2009). Alm disso, o Peru tem um dos melhores retrospectos no

    estabelecimento de centros pblicos de acesso Internet atravs do pas. A Rede Cientfica

    Peruana, por exemplo, fundada em 1991, estabeleceu os primeiros centros em 1995. Ao

    fim dos anos de 1990 havia no s mais de 400 centros de Internet estabelecidos no Peru

    (LPEZ COLOMER, 2002, p. 38), mas tambm numerosos bares e cafeterias com

    disponibilizao de web.

    Pode-se constatar a emergncia de uma indstria de msica fora do mbito das

    majors com larga participao das classes populares na produo e no consumo (atravs do

    acesso generalizado a TVs, DVDs, cmaras digitais e Internet). interessante atestar que a

    diversidade de expresses culturais que emergem e so reproduzidas entre as classes

    populares vem rompendo as fronteiras sociais, isto , este gnero musical consegue ganhar

    visibilidade na mdia tradicional (como, por exemplo, no caso da cantora Dina Pucar).

    Tendo em vista a popularidade de artistas como ela, os anunciantes foram atrados a este

    universo musical.

    Entretanto, a histria da distribuio de msica na Amrica Latina, com poucas

    excees, tem sido pouco veiculada nas emissoras de rdio e TVs comerciais. Consideresse

    como outro exemplo o contexto da Costa Rica. Em pesquisa realizada em janeiro de 2008,

    entrevistei vrios funcionrios da Associao de Compositores e Autores Msicais (ACAM)

    de Costa Rica, que monitora todas as execues de msicas nos meios de comunicao e 13 Conferir material disponvel no link: http://www.internetworldstats.com/south.htm. ltimo acesso em 14/5/11.

  • distribui os direitos autorais s sociedades arrecadadoras: constatei que 95% desses direitos

    vo para a ASCAP (dos EUA), SACM (do Mxico) e SGAE (da Espanha). Somente 5% da

    msica ouvida nas rdios deste pas so efetivamente tocados por msicos da Costa Rica. A

    situao ainda pior na televiso. O maior problema que a msica executada

    principalmente nas listas das top 40 ou das top 100 oriunda dos Estados Unidos e do

    Mxico, duas grandes potncias na distribuio de msica pop e latina (IFPI, 2009, p. 82).

    Majors e indies na Amrica Latina

    preciso mencionar que h uma grande diversidade de situaes na Amrica

    Latina. Costa Rica e Peru so estudos de caso interessantes porque esto em posies

    distintas no que se refere ao acesso dos cidados msica de seus conterrneos ou mesmo

    aos fonogramas que no esto nos grficos das top 40 ou top 100. O Peru tem uma

    proliferao de produtores, com uma indstria vigorosa, como pudemos descrever acima.

    Na Costa Rica h muitos msicos, mas muito poucas companhias produtoras ou

    gravadoras de msica. Em contraste, na Argentina, Uruguai e Colmbia h numerosas

    empresas de msica, embora sua participao no mercado mundial varie notadamente. De

    um lado, constata-se que na Argentina (e, especialmente em Buenos Aires) atuam um

    grande nmero de companhias independentes,14 alm da presena das quatro majors. Neste

    mercado tambm h uma lei de incentivo efetiva para promover a msica local, na cidade

    de Buenos Aires. Contudo, nenhuma empresa independente figura entre os dez sucessos

    listados no relatrio da IFPI (IFPI, 2009, p. 73).

    Tabela 1:

    14 Segundo a Direo General de Indstrias Criativas da Cidade de Buenos Aires, essa cidade tem 120 selos independentes, com 23% do mercado nacional.

  • Este fato conduz seguinte observao: quanto mais um mercado musical

    desenvolvido pelas majors, mais difcil fica para as empresas verdadeiramente independentes

    realizar seu comrcio. Por gravadoras verdadeiramente independentes quero dizer as que

    no so subsidirias das majors ou de grandes conglomerados nacionais, tais como o Grupo

    Clarin, que na realidade so holdings gigantescas que movimentam bilhes de dlares. O

    sucesso nmero 1 da Argentina, intitulado A vida uma festa, por exemplo, foi

    produzido por Ideas del Sur, uma companhia de TV da qual um tero pertence Artear,

    que uma diviso do Grupo Clarin, a maior companhia de comunicao da Argentina.

    Clarin propriedade de um grupo nacional com participao minoritria da Goldman

    Sachs (dos EUA). Adicionalmente, tem joint ventures com Fintech Advisory, MasCanosa,

    Hughes Entertainment e Disney (todos dos EUA), alm de parcerias com o Grupo

    Cisneros (da Venezuela, agora sediado nos EUA).

    Em contraste com a situao na Argentina ou no Mxico (na qual as majors

    predominam entre os lbuns mais vendidos), na Colmbia quase metade dos fonogramas

    mais vendidos pertence a empresas colombianas (descontando o fato de que EMI

    Colmbia faz parte do conglomerado transnacional).

    Tabela 2:

  • De forma similar, no mercado uruguaio pas em que no s a compra de CDs

    gera em mdia apenas 0,16 centavos de dlar por pessoa por ano, mas tambm de pequena

    dimenso territorial e demogrfica, que limita a possibilidade de ganhos significantes com

    importao (STOLOVICH, 2002; CASACUBERTA e STENERI, 2009) possvel

    atestar que cinco dos dez dos lbuns de maior vendagem so de artistas locais e de

    gravadoras independentes nacionais.

    Tabela 3:

    O Uruguai investiu significativamente nos ltimos anos na rea cultural,

    incentivando o crescimento das indstrias da cultura tradicionais e promovendo tambm a

    circulao no meio digital de forma mais equilibrada da produo cultural, isto , a

    distribuio mais equitativa entre o governo, o setor privado e a sociedade civil. O Uruguai

    tambm liderou na Amrica Latina projetos de acesso Internet, tais como Plan Ceibal

    (que forneceu um laptop por criana nas escolas). Alm disso, o atual Ministro da Cultura,

  • Hugo Achugar, trabalhou duro para ampliar as condies de acesso ao ensino pblico

    superior por parte das camadas menos favorecidas da populao. Alm disso, entidades

    culturais abriram espaos prestigiados do pas para o gnero popular cumbia villera,

    considerado pelas elites locais como msica vulgar (e prtica cotidiana de jovens

    delinquentes15), e Achugar observou que semelhantemente o tango foi considerado da

    mesma maneira quando era danado nos bordis no incio do sculo XX (ACHUGAR,

    2009).16

    A meno da cumbia villera nos leva do domnio da msica produzida

    preferencialmente para gravao para a msica tocada principalmente em concertos

    populares. Ela segue uma lgica muito diferente da praticada pelos selos independentes,

    pois como no caso do huayno pop, as receitas provm das vendas de entradas e cerveja.

    Alm disso, de forma similar ao huayno pop, os fs da cumbia villera tendem a comprar CDs

    propriamente piratas. Em seu trabalho etnogrfico entre os cumbieros, Pablo Vila

    descobriu que ao contrrio dos puristas do rock nacional que do mais valor gravao

    original, que se torna um item de colecionador os cumbieros preferem as cpias.17 Os fs

    tambm carregam no Youtube vdeos de concertos de grupos de cumbia villera e deles

    prprios danando. O gnero uma ocasio para a realizao de prticas de sociabilidade,

    no s no baile, mas tambm na web. A msica talvez o meio perfeito para socializao,

    motivos pelos quais tantos sites das redes sociais incluem de forma destacada o gosto

    musical como caracterstica dos perfis dos usurios. Como teremos a oportunidade de

    analisar a seguir, o choque entre classes sociais e a manifestao do preconceito tambm

    ocorrem no universo do Tecnobrega, organizado em Belm do Par, no norte do Brasil.

    Da msica paralela aos novos modelos de negcio Analisando o contexto mais recente envolvendo o circuito de msica de Belm, o

    antroplogo Hermano Vianna destaca que os msicos do tecnobrega que antes usavam

    15 Para uma caracterizao da cumbia villera, conferir o link: http://www.youtube.com/watch?v=ZJ7yzGclo0I& feature=related. ltimo acesso em 3/8/10. 16 O termo cumbia villera deriva, como o nome sugere, da cumbia: entretanto, cumbia villera no tanto um gnero propriamente originrio da Colmbia parece mais uma variao da cumbia peruana, tal como chicha e tecnocumbia (tambm tem influncias da cumbia mexicana). denominada de villera porque se enraizou nas villas ou nas favelas de Buenos Aires e de Montevidu, nos fins dos anos de 1990. Como outras msicas tocadas em favelas (como por exemplo o hip hop, reggaeton e o funk carioca), o contedo das msicas trata do duro cotidiano ali vivido, isto , uma realidade que envolve drogas, delinquncia, machismo, violncia do Estado etc. (VILA, SEMN, 2006). 17 Entrevista concedida ao autor por Pablo Vila no dia 17/3/2007.

  • discos de vinil para misturar suas canes migraram agora para a tecnologia MP3. Neste

    sentido, so completamente diferentes dos DJs brasileiros de classe mdia, que trabalham

    com msica eletrnica e que se organizam em movimentos pr-vinil: que tentam manter a

    tradio analgica das casas noturnas. Diferentemente, os msicos do tecnobrega no

    hesitam em jogar fora os equipamentos velhos. Querem ser reconhecidos como pioneiros,

    como os primeiros a adotar inovaes tecnolgicas snicas. A audincia, segundo ele,

    valoriza essa atitude (VIANNA, 2003). Como nos bailes jamaicanos, o funk carioca, o

    huayno pop peruano, a champeta de Cartagena (e outros espaos dedicados a gneros que

    Vianna identifica como msica paralela), no tecnobrega a aparelhagem de som muito

    importante, consistindo de computadores, mixers, teclados eletrnicos, microfones e

    paredes com dzias ou at centenas de caixas de alto-falantes. Os DJs executam msicas

    que recriaram a partir de fonogramas que baixam da Internet (no formato MP3) e que

    samplearam e mesclaram com a instrumentao caracterstica do tecnobrega. Executam

    suas inovaes em lugares semelhantes aos do huayno pop (desde sales de dana a

    estacionamentos ou reas em mercados locais), competindo com outros sistemas de som

    que esto presentes nestes espaos. Os CDs geralmente coletneas de sucessos em MP3

    so os principais recursos promocionais, ou seja, so estratgias importantes e integram

    esta cadeia produtiva do tecnobrega.

    Diferente da indstria tradicional de msica, o produto final no a gravao, mas

    sim o baile, no qual os fs danam e curtem a criatividade dos produtores e DJs, que

    misturam espontaneamente sons e rebolados que atraem grande audincia. Embora os

    direitos autorais estejam totalmente ausentes no universo do tecnobrega, h um sistema de

    pagamentos que vai premiar a criatividade: quanto mais inventivas as canes dos DJs e

    produtores, mais obtm rendimentos das equipes de aparelhagem de som que as tocam. O

    poder e os lucros so distribudos de forma desigual entre os atores desta cadeia produtiva

    descentralizada que inclui msicos, produtores, intermedirios, profissionais da indstria

    caseira de CDs, distribuidores, vendedores/camels, responsveis pelos programas de

    rdio, donos e profissionais das equipes de aparelhagem de som e DJs.18

    Vianna, inspirado por esse modelo de produo musical e disseminao, criou uma

    nova plataforma para circular msica e outras formas de cultura na web. Em 2000, ele viajou

    mais de 80.000 quilmetros e esteve em aproximadamente 82 cidades, buscando mapear os

    vrios estilos musicais do Brasil. Deste projeto, intitulado Msica do Brasil, nasceram dois

    18O documentrio que analisa as polmicas musicais em torno do copyright, Good Copy, bad copy, d uma excelente noo do universo do tecnobrega. Cf. http://www.youtube.com/watch?v=xo2sv3jjJi8. Acessado em 3/8/10.

  • produtos: um documentrio exibido em vdeo na MTV Brasil e quatro CDs reunidos numa

    caixa (VIANNA, 2000). Ele se deu conta de que o programa da MTV e o jogo de CDs no

    so mais do que a ponta do iceberg de uma enorme quantidade de msicas que ele nunca

    tinha ouvido no eixo RioSo Paulo. Na realidade, a produo dos escritrios das

    gravadoras e das mdias est concentrada nestas cidades e dissemina aquilo que os

    brasileiros recebem para ver e ouvir (num pas de dimenses continentais). Associado a

    profissionais e ativistas culturais interessados em tornar disponvel a diversidade cultural do

    pas que a mdia tradicional e as indstrias culturais isolam da esfera pblica Vianna

    organizou a plataforma Overmundo, que torna possvel a qualquer um, em qualquer

    Estado e municpio do Brasil, fazer o upload de suas msicas, textos, filmes ou vdeos,

    atingindo assim diferentes pblicos. Licenas da Creative Commons so usadas de modo que

    os contedos desta plataforma podem ser apropriados de acordo com as preferncias

    particulares dos usurios. Os profissionais que atuam no Overmundo so sensveis ao tipo

    de mistura caracterstico do tecnobrega e outros modelos de negcio aberto que vm

    emergindo no mundo da msica. Lanado em maro de 2006, o Overmundo tem

    disponibilizado aos usurios ferramentas da web 2.0 que permitem uma integrao com as

    redes sociais. O site tem em mdia 1,7 milhes de visitas por ms e 46.000 usurios ativos

    que carregam contedo, bem como representantes em cada estado do pas, que interagem

    com todos os usurios. Este projeto apoiado pelo Ministrio da Cultura e financiado

    pela Petrobrs. Da mesma forma que outras plataformas da web 2.0 tal como Facebook e

    Youtube (que se tornaram muito populares) o Overmundo criou seu prprio instituto de

    pesquisa para modelos de negcio aberto (de todos os tipos), direcionados a refletir entre

    outras coisas em novos caminhos que poderiam ser adotados por vrios gneros musicais

    (tais como o tecnobrega, funk, cumbia villera, champeta, entre outros),19 bem como

    oferecendo servios de negcio aberto.

    O Overmundo, posteriormente, estabeleceu parceria com outra iniciativa da

    Amrica Central desenvolvida pelo organismo Sector Cultura e Integracin (SCI) , que

    criou uma plataforma para fazer contato entre todos os produtores culturais dos sete pases

    do Istmo (Belize, Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicargua, Costa Rica e Panam), de

    forma que se pudesse organizar e disseminar o trabalho dos msicos para um mercado

    19 Conferir The paraense tecnobrega open business model (LEMOS, CASTRO et al., 2008). Outro estudo inovador mais recente, em que colaborou o Instituto Overmundo, Media piracy in developing countries, do Social Science Research Council em Nova Iorque (KARAGANIS, 2011).

  • maior do que o da pequena populao de cada nao isoladamente.20 Alm disso, cabe

    ressaltar que a Amrica Central ainda mais refm dos conglomerados de comunicao e

    entretenimento dos Estados Unidos e do Mxico do que outras regies da Amrica Latina,

    pois no h praticamente qualquer espao para a distribuio da produo local. Mesmo na

    Amrica Central poucos so os consumidores que conseguem lembrar o nome de um

    msico desta regio (eventualmente, lembram-se de Ricardo Arjona, o roqueiro nascido na

    Guatemala, mas que fez sua carreira no Mxico). Rarssimos so aqueles que se lembram

    do panamenho Rubn Blades e s um punhado de especialistas so capazes de evocar o

    nome do compositor Luis Enrique Meja Godoy. Apesar da riqueza de trabalhos

    apresentados pelos msicos em mercados locais, ficou evidente a falta de visibilidade destes

    fonogramas no mercado.

    Tentando melhorar este quadro, foi elaborada uma plataforma para integrar atravs

    da Internet o disperso e heterogneo setor cultural da Amrica Central (iniciativa financiada

    inicialmente pela Unio Europeia): este projeto foi organizado no mbito do SCI (Sector

    Cultura e Integracin) e a princpio este portal se constituiu em uma espcie de catlogo da

    produo cultural desta macrorregio (cf. http://www.culturaeintegracion.net/). Foram

    criados naquela oportunidade uma campanha de publicidade e materiais de comunicao

    para criar condies de identificao entre os cidados dos diversos pases da Amrica

    Central. O objetivo era facilitar a integrao social, econmica e cultural no Istmo. Alm

    disso, realizou-se o intercmbio de estudantes, spots e material impresso, destacando figuras

    notveis da campanha; incluiu msicos e outros produtores culturais de pases vizinhos,

    bem como CDs promocionais para o setor de turismo; e um concerto de msicos de todos

    os sete pases. Conseguiram-se tambm espaos nas emissoras de rdio e nos canais de TV

    a cabo. Essa experincia revelou aos envolvidos e s lideranas os desafios financeiros e

    estratgicos que as instituies enfrentam quando tentam promover contedos locais: no

    s o quanto difcil obter espao na mdia tradicional, mas tambm que preciso buscar

    resolver problemas estruturais.

    Como estratgia seguinte, o SCI desenvolveu ainda uma proposta orientada para a

    sociedade civil apoiada por uma rede dos Centros Culturales da Espaa (CCE) e pela

    Agncia Espanhola para Cooperao Internacional e Desenvolvimento (AECID) ,

    procurando promover visibilidade e efetividade para projetos de atores culturais e redes

    sociais da regio. As ferramentas da web evoluram para um portal mais complexo (com

    20 Para compreender a atuao do SCI, cf. http://culturaeintegracion.net, ltimo acesso em 3/5/11. E para mais detalhes sobre setor de msica do SCI, cf. http://culturaeintegracion.net/?cat=22, ltimo acesso em 3/5/11.

  • ferramentas de web 2.0) e geraram um ecosistema cultural de informao no qual

    produtores culturais passaram a trabalhar uns com os outros. Alm de reunir produtores

    culturais, o projeto procura informaes que ainda no existem sobre todos os aspectos da

    cadeia de produo e consumo cultural.

    preciso ressaltar que o IFPI e outras insituies de pesquisa musical no fazem

    um trabalho muito bom de medio do consumo em pases com baixas vendas e com um

    nvel alto de informalidade, tais como os da Amrica Central. De acordo com a IFPI, as

    vendas de msica gravada geraram na macrorregio apenas 20,8 milhes de dlares, e

    destes as vendas digitais totalizaram 6,3 milhes de dlares. A grande surpresa que

    metade de todas as vendas de fonogramas na Amrica Latina veio da Amrica Central,

    apesar das economias frgeis desses pases (COBO, 2009). Fica evidente a falha na gerao

    destes dados e estatsticas parciais.

    Entretanto, enfocar apenas a indstria fonogrfica ignorar os muitos outros

    modos pelos quais centro-americanos consomem msica: atravs de concertos realizados

    em clubes, sales de baile, em espaos pblicos, numerosos festivais, atravs das emissoras

    de rdio etc. Alm disso, a atuao do SCI leva em conta interesses sociais e coletivos

    (relacionados com a cultura da juventude e dos povos rurais e indgenas) aspectos no

    levados em considerao pela IFPI, PWC ou Billboard que devem ser considerados para

    compreender a dinmica da produo de msica e cultura e consumo desta macrorregio.

    S assim ser possvel criar novas oportunidades de trabalho e ampliar a renda dos atores

    sociais locais. O objetivo do SCI assegurar os direitos culturais dos cidados centro-

    americanos: isto , garantir e incentivar a produo e consumo de uma produo com

    vnculos e comprometida com a herana cultural local variada.

    Um resultado importante do trabalho do SCI a aliana entre os selos mais

    destacados da regio, que passaram, a partir de 2010, a se apresentar na Feira Internacional

    WOMEX, na qualidade de Rede Centro-Americana de Msica do Mundo. Integram essa

    rede a Stonetree Records (www.stonetreerecords.com), de Belize, Costa Norte Records

    (www.costanorterecords.com), de Honduras, Moka Discos (www.mokadiscos.com), da

    Nicargua, e Papaya Music (www.papayamusic.com), da Costa Rica. Nesta ocasio,

    lanaram tambm The central american music box, uma coletnea com os mais destacados

    artistas em cada um dos contextos nacionais.

    Ilustrao 1:

  • Fonte: Programa de Apoyo a la Integracin Regional Centroamericana

    Encontra-se em estgio de planejamento a construo de uma emissora de webradio,

    provavelmente em colaborao com a Radio Malpis. H uma rede de selos trabalhando

    para promover a msica centro-americana: entre os consumidores do Istmo que ali vivem

    ou que migraram para outros pases; entre turistas e fs de world music (especialmente

    direcionada para a Europa, onde h maiores possibilidades de receita). As avaliaes

    realizadas indicam que os msicos locais em pequenos pases com baixo PIB devem: a)

    desenvolver novas formas de promoo; b) trabalhar as inmeras redes sociais tal como as

    majors esto fazendo cada vez mais; c) buscar novas oportunidades de receita, trabalhando

    de diferentes maneiras com a juventude, o turismo ou mesmo o meio ambiente; d) buscar

    integrar mais nas aes os setores pblico e privado; e e) fazer lobby sobre os governos

    locais para exigir quotas de mercado para a msica centro-americana, tal como vem sendo

    feito por pases como Argentina e Uruguai. Evidentemente, os resultados no so

    imediatos (as metas no so alcanadas naturalmente) e devem ser trabalhados de forma

    sistemtica. Uma das provas de que os msicos centro-americanos tm um pblico

    significativo so os concertos lotados que ocorrem nos ltimos anos, sempre que estes

    eventos contam com msicos importantes tais como, por exemplo, Guillermo Anderson

    (Costa Norte Records), Perro Zompopo (Papaya Music) ou o grupo rock fusion Malpas

    (Papaya Music).

    Mas o SCI tem buscado complementar esse resultado com esforos mais capilares,

    reunindo, alm dos selos, encontros com toda a diversidade de trabalhadores do setor da

    msica de toda a regio: msicos, managers, programadores, jornalistas, publicistas e outros

    geradores de contedo musical para a web. Esses encontros tambm incluem ativistas que

    trabalham com msica destinada aos jovens que vivem em reas consideradas de risco,

  • isto , nas reas perifricas das cidades centro-americanas trabalho semelhante ao que

    fazem grupos como Afro Reggae e a CUFA (no Brasil) , com o objetivo de organizar e

    potencializar a produo e consumo junto s camadas mais pobres da populao. Portanto,

    o SCI busca tambm estabelecer o dilogo e a colaborao entre todos os atores do

    universo da msica, seja aqueles associados msica erudita ou msica popular, visando

    integrar a multiplicidade de classes e expresses culturais desta macrorregio. Pode-se

    oferecer um esquema, como se v no grfico abaixo e na tabela 1, localizada no comeo

    deste artigo.

    Grfico 3:

    A informao necessria para compreender como esta indstria da msica funciona

    no est disponvel, e os participantes do SCI esto buscando melhorar esta situao.

    Como assinala um recente estudo do setor cultural do PNUD El Salvador, a informalidade

    do setor requer novas estratgias para a construo indutiva do conhecimento (TENORIO

    et al., 2009). Isso requer um dilogo multilateral dentro e fora da regio. Para esse efeito, o

    SCI estabeleceu dilogos com tcnicos e ativistas do Mxico (o sistema de informao

    cultural do Conselho Nacional de Cultura e Artes), do Brasil (Overmundo), da Argentina (o

    Escritrio das Indstrias Criativas do Departamento de Comrcio Exterior e do Ministrio

    do Desenvolvimento Econmico da cidade de Buenos Aires), do Circuito Fora do Eixo

    (Brasil) etc.

  • Infelizmente o nmero de artistas locais que atingem esse nvel de participao e de

    busca de conhecimento sobre o entorno ainda muito reduzido. Este quadro tende a

    mudar com a participao do Circuito Fora do Eixo (FDE), em uma rede latino-americana

    de coletivos que tende a se formar. O Fora do Eixo surgiu com a proposta de reunir

    coletivos da indstria da msica independente, oriundos de reas perifricas do pas (isto ,

    fora do eixo RioSo Paulo) e, efetivamente, depois de alguns anos, pode-se dizer que vem

    realizando um dos mais interessantes e inovativos trabalhos dentro do cenrio cultural

    brasileiro. Essa rede de economia solidria criou at moedas prprias para realizar escambo

    entre os coletivos de artistas e produtores da sua rede e, com isso, realizou uma srie de

    experincias bem-sucedidas no setor da msica, especialmente envolvendo a msica ao

    vivo (organizando festivais). Destas experincias acumuladas desenvolveram uma

    metodologia e passaram a compartilh-la com outros grupos de outras cidades. Assim, em

    2005, criaram a rede Circuito Fora do Eixo (CFE) com trs outros coletivos, de Rio

    Branco, Uberlndia e Londrina.

    Ilustrao 2:

    Fonte: site do Fora do Eixo

    A principal atividade desta rede trabalhar sinergisticamente para fomentar a

    criao de oportunidades para as bandas, como os festivais, e trocar novas tecnologias de

    produo e gesto da msica. O CFE ajudou a criar a Associao de Festivais

    Independentes (ABRAFIN), que foi importante na organizao do boom dos festivais

    independentes nas reas perifricas do Brasil. Hoje, o CFE tem 73 unidades nos 27 estados

    do Brasil e rene afiliados na Argentina, Bolvia, Uruguai e todos os pases da Amrica

    Central. Est colaborando com o Setor de Cultura e Integrao da America Central (SCI)

    para criar uma rede semelhante no Istmo. Colaborativamente, o CFE faz circular mais de

    mil bandas e organiza cerca de mil eventos e iniciativas por ano. As mais importantes e

    influentes so o Grito Rock Amrica do Sul, o Fora do Eixo Festival e o Toque Rock

    Festival. Alm disso, so responsveis pelos encontros plenrios do Congresso Fora do

  • Eixo, Agncia Fora do Eixo, Fora do Eixo Card, Fora do Eixo Records, Fora do Eixo

    TEC (pesquisa e reflexo sobre tecnologia), Fora do Eixo Rdio, Fora do Eixo TV, bem

    como um centro de pesquisas, o Observatrio Fora do Eixo (no qual os membros e

    convidados pesquisam e aprimoram tecnologias que permitem a tais estruturas

    descentralizadas operar e crescer). Recentemente, criaram um escritrio em So Paulo, que

    chamam Fora do Eixo no Eixo, de onde coordenam atividades atravs do Brasil e com

    grupos em cidades nas Amricas e na Europa. Quinhentas pessoas trabalham no CFE para

    garantir a sustentabilidade dessa empresa alternativa de produo e gesto. Todas as suas

    atividades e arquivos, inclusive os que tratam de suas finanas, so arquivados na Internet,

    para garantir a transparncia, usando software de open source.

    Nas palavras do fundador Pablo Capil, o Circuito Fora do Eixo uma grande

    rede de coletivos que trocam tecnologias e investem na economia do conhecimento,

    criando ferramentas para facilitar a construo de instrumentos favorveis difuso de

    produtos culturais, envolvimento na discusso de atividades da juventude, e para agregar

    mais gente preocupada em ocupar espao de real fora poltica.21

    Gabriel Cardoso, do Lumo (colectivo de Recife, Pernambuco), acrescenta que o

    CFE ajudou os artistas e produtores, que a realidade mudou e preciso atuar de forma

    mais colaborativa e polivalente: Os artistas no so somente membros das bandas, eles

    tambm atuam de diferentes maneiras. Eles transmitem ao vivo, vo para a estrada, so

    tcnicos de som, diretores de palco. Dentro da rede de coletivos eles executam vrias

    outras funes. Esta a lgica em que queremos investir nossas energias, para usar a fora

    de trabalho do msico e no simplesmente prosseguir como visionrios (AGUSTINI,

    2009).

    O CFE no est livre de controvrsias: as lideranas desta rede esto firmes no seu

    propsito de usar todos os recursos para expandir a capacidade da rede de criar eventos e

    iniciativas (baseado nos princpios de modelo de negcio aberto e na economia solidria).

    Isto significa que cada um recebe Cubos, no a moeda brasileira regular. Certamente, o

    Cubo aceito na maioria dos lugares nos quais os afiliados do CFE tm direito a obter

    comida, roupas e outras comodidades. Apesar disso, alguns msicos sentem-se

    prejudicados porque o CFE no paga em reais pela apresentao nos festivais, embora seus

    eventos sejam financiados em parte com recursos pblicos. Capil explica que o propsito

    principal dos festivais apresentar as bandas e criar pblico. Os fundos que o CFE utiliza

    so investidos em infraestrutura para tornar essas funes possveis. Alm disso, o grande

    21 Cf. depoimento de Pablo Capil, apud: AGUSTINI, GABRIELA, 2009.

  • nmero de bandas que viajam para os festivais espalhados pelas regies Norte e Centro

    Oeste do pas no gera bilheteria suficiente para bancar todas as despesas. Outro ponto

    controverso o uso das licenas Creative Commons, que permitem que fonogramas dos

    artistas sejam apropriados e reagenciados de diferentes maneiras pela rede.22 Em recentes

    debates, houve crticas da institucionalizao do CFE, sobretudo a sua participao em

    editais para verbas pblicas, que os inserem em processos de gubernamentalidade. Essas

    crticas vm de pessoas que acham que o CFE est perdendo seu utopismo. Eu argumento,

    ao contrrio, que essa institucionalizao necessria para ter ainda mais incidncia na

    reestruturao dos circuitos de oportunidade para a atividade cultural. O interessante do

    CFE que so ao mesmo tempo utpicos e pragmticos. Isso muito evidente nas suas

    aes polticas, como o papel organizador na Marcha da Liberdade ao comeo de junho.

    Poder-se-ia dizer que o CFE na verdade um amplo e diverso movimento social.

    Consideraes finais

    Buscou-se assinalar nos diversos casos de modelos de negcios alternativos

    apresentados que muitas iniciativas esto sendo desenvolvidas fora das estruturas

    construdas pelas indstrias da msica do mainstream. Os dados de vendas, nmero de

    assinantes, sucessos em sites da web etc. so elementos importantes para a compreenso da

    produo, distribuio e consumo, mas no so os nicos e nem mesmo os indicadores

    principais das mudanas que esto ocorrendo hoje. A reorganizao do negcio da msica

    evidente no huayno pop (e outras msicas paralelas), Overmundo, SCI, Circuito Fora do

    Eixo, entre outros revela uma experincia musical mais integrada vida social. A msica

    sempre foi uma experincia social, que sempre esteve presente na vida humana (como

    trabalho, ritual, vinculao social, arte e assim por diante).

    As novas tecnologias interativas da Internet reforam esses aspetos sociais da

    experincia musical. Por exemplo, Rose Marie Santini, na sua anlise do popular portal

    Last.fm, ressalta que mesmo em sites de recomendao musical o conhecimento gerado

    provm da interao com outros, cujas preferncias encontramos tambm em sites das

    redes sociais. A indstria da msica e especialmente seus mtodos de medir o que

    consumido no est em sintonia com essa experincia muscical mais variada. O que se

    ouve no rdio e na TV no corresponde necessariamente ao gosto dos consumidores.

    Neste sentido, Santini argumenta:

    22 Para um aprofundamento das crticas feitas ao Circuito Fora do Eixo, cf. OTANER, 2010.

  • Os repertrios transmitidos via meios de comunicao tradicionais representam os catlogos de produtos oferecidos e impostos pelas indstrias culturais que controlam os principais canais de distribuio em massa e escondem a informao sobre os gostos de diferentes indivduos e grupos. (...) Alm disso, catlogos de msica em sites (lojas de venda online) tambm no refletem fielmente os gostos dos usurios, como verificado pelo grande nmero de canes que nunca so acessadas pelos usurios (...) somente 2% da msica ouvida nos sites vem a ser comprada (SANTINI, 2010, pp. 304-305).

    Tendo em vista essas condies, Santini analisou as listas dos usurios da Last.fm e

    dados sobre o nmero de vezes que eles ouvem as canes o que inclui toda msica em

    seus computadores ou que eles ligam via tocadores de MP3 e iPods e conseguiu um

    quadro mais exato do que os usurios habitualmente ouvem.

    Fonte: Elaborao prpria

    O que se pode constatar que os consumidores, especialmente os novos

    consumidores (jovens), tm hoje um acesso mais variado a fonogramas, que no so

    necessariamente os que esto sob a gesto das majors. Isto no quer dizer que no exista

    comentrios e interesse nas redes sociais sobre Lady Gaga ou Justin Bieber. Contudo, h

    outras preferncias musicais que no podem ser explicadas utilizando os parmetros de

    medio de consumo tradicionais. O fato de no existirem ou de no terem visibilidade na

    esfera pblica (com estatsticas publicadas) faz com que seja muito difcil construir outras

    interpretaes a partir de outras referncias.

    Alm disso, tomando como parmetro os dados do Last.fm, uma anlise superficial

    do nmero de canes, usurios, artistas e produtores levanta mais questes do que

  • respostas. Em primeiro lugar, quando se considera que h 16 milhes de artistas e 56

    milhes de usurios, fica-se com a observao estranha de que um em cada quatro usurios

    um artista. Ser que isso real? E se isso um retrato mais preciso da situao, a questo

    que se coloca a seguinte: Como esse nmero de artistas pode ser gerenciado? Segundo

    este portal, h aproximadamente 57,14 artistas para cada produtor. E a Last.fm

    presumivelmente tem s uma frao de todos os artistas e usurios da Internet no

    ciberespao, portanto, o problema ainda mais assustador. Se levarmos em considerao

    que s 2,1% ou 2.050 dos 97.751 lbuns publicados em 2009 venderam mais do que cinco

    mil cpias, torna-se bvio que ganhar visibilidade numa escala de massa impossvel para

    quase todos os artistas. Para que isso ocorra, as majors precisam investir muito na

    divulgao e promoo de um artista. Tendo isso em vista, a estratgia do Circuito Fora do

    Eixo bastante inovadora: o grande desafio conseguir alcanar algum nvel de

    sustentabilidade num mundo globalizado, num mercado bastante desigual (em funo

    especialmente da atuao dos grandes conglomerados transnacionais de comunicao e

    entretenimento).

    Evidentemente, no se pode propriamente constatar apenas analisando o Last.fm e

    Facebook como as classes populares consomem msica e qual o lugar da msica na vida

    social destes segmentos sociais. Vale lembrar que h muitos consumidores da camada

    menos privilegiada da populao que pouco usam a Internet. Se a msica do Malpas, o

    maior grupo de rock fusion de Costa Rica, est praticamente ausente da frequncia do

    rdio, como que seus concertos em diferentes localidades esto sempre lotados (com a

    presena de adultos e adolescentes)? Obviamente, existem redes familiares e outras formas

    de troca face a face, nas quais estes gostos so compartilhados.

    Tanto a Last.fm quanto o Facebook so o tipo de plataforma que faz negcios com

    grandes empresas. Na realidade, o Last.fm foi adquirido pela CBS e o Youtube, pelo

    Google. Apesar disso, esses sites interativos da web 2.0 permitem com suas mediaes

    compreender melhor o que os usurios fazem com a msica, entender o ecletismo do

    consumo. Porm, no se pode esquecer que estas plataformas da web esto comprometidas

    em gerar lucro. Portanto, se a neutralidade na web fico, como vamos poder confiar nos

    resultados das medies que encontramos nas plataformas da Internet?

    Em resumo, informaes importantes sobre a produo, circulao, distribuio e

    consumo do negcio da msica e (de outras indstrias culturais) no pode ser gestionada

    por insituies da prpria indstria e nem mesmo deixada nas mos de acadmicos,

    acostumados com protocolos de objetividade que so enganados com frequncia pelo

  • prprio arranjo do objeto que estudam. H necessidade de entidades de poltica pblica,

    trabalhando junto com iniciativas democrticas, tais como Overmundo, SCI, Circuito Fora

    do Eixo etc., os quais tm os seus prprios institutos de pesquisa.

    Frequentemente, diz-se que na era da Internet produtores e consumidores podem

    dispensar os intermedirios. Isso um mito, pois como acabamos de assinalar, plataformas

    como Youtube, Myspace e Last.fm (e outras), as quais presumivelmente dispensam

    intermedirios, na realidade se constituem em outra gerao de intermedirios. Essa a

    razo pela qual as iniciativas alternativas que examinei se posicionaram tambm no campo

    da intermediao, em nome de interesses especficos, tais como, por exemplo, os dos

    artistas e produtores do huayno pop, do tecnobrega, da cumbia villera etc. So novos

    intermedirios de finalidade aberta, tais como Overmundo, SCI, Circuito Fora do Eixo,

    que procuram abrir espao pblico para quem quer ocup-lo. O consumo de msica hoje,

    portanto, no pode ser discutido sem que se examine cada aspecto da cadeia de produo e

    as relaes de poder, as quais so fundamentais no contexto em que operam.