Upload
aender-borba
View
29
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
VULNERABILIDADE SOCIAL E
EDUCAÇÃO
ISSN 1982 - 0283
Ano XX Boletim 19 - Novembro 2010
Sumário
Vulnerabilidade social e educação
Apresentação da série ................................................................................................. 3
Rosa Helena Mendonça
Proposta da série ......................... ............................................................................ 5
Martina Ahlert
Texto 1 - Educação e pobreza
Educação e pobreza: provocações ao debate ......................... .................................. 11
Jane Margareth de Castro
Texto 2 - intersetorialidade e vulnerabilidade
Vulnerabilidade, intersetorialidade e educação......................... ................................ 15
Cynthia Paes de Carvalho e Patrícia Monteiro Lacerda
Texto 3 - Compartilhando experiências......................... ............................................. 22
Daniela Peixoto Ramos
3
Vulnerabilidade social e educação
APrESENTAÇÃo DA SÉriE
O menino Tonho
mexendo no lixo
achou um sonho
e pôs-se a sonhar.
(…)
O sonho era duro
e estava mofado.
E ele desistiu
de sonhar acordado1.
Como garantir a todas as crianças o direito
de sonhar? De que forma a educação, sendo
ela mesma um direito constitucional, “pode
ser ferramenta de combate à desigualdade
social”? Essa é uma das questões presentes
na série Vulnerabilidade social e educação,
que a TV Escola apresenta, por meio do pro-
grama Salto para o Futuro.
Ao trazer para o centro do debate “as tra-
mas da relação complexa entre pobreza e
educação no Brasil” e o “reconhecimento
da vulnerabilidade social como fenômeno
de múltiplas dimensões”, a série, que conta
com a consultoria da antropóloga Martina
Ahlert (DAN-UnB), problematiza questões
como a intersetorialidade na gestão das po-
líticas educacionais, a relação entre a escola
e a família e, ainda, apresenta iniciativas de
acompanhamento dos alunos em situação
de vulnerabilidade.
Tanto nos textos que compõem esta publica-
ção como nos programas televisivos, busca-
se entender de que forma variáveis como
renda, gênero e raça dificultam o acesso, a
permanência e o sucesso dos alunos na es-
cola, em nosso país.
Acreditamos que a temática, por sua urgên-
cia e relevância, contribuirá para a reflexão
de professores, gestores e demais envolvidos
1 Desistência. In: DINORAH, Maria. Barco de sucata. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986.
4
nos cotidianos das escolas, considerando o
significado social da instituição escolar na
promoção de uma sociedade equânime em
que, como o poema em epígrafe retrata,
crianças não sejam impedidas de sonhar
com uma realidade mais justa.
2 Supervisora pedagógica do programa Salto para o Futuro/TV ESCOLA (MEC).
Rosa Helena Mendonça2
5
Vulnerabilidade social e educação
ProPoSTA DA SÉriE
Martina Ahlert1
A relação entre educação e pobreza perpas-
sa diversos debates que educadores e ges-
tores públicos têm se colocado ao pensar
a educação no Brasil: Quais são os impactos
da vulnerabilidade social na trajetória escolar
de um aluno? A educação pode ser ferramen-
ta de combate à desigualdade social? Em que
medida reproduzimos a desigualdade na – e a
partir da – escola? As perguntas são comple-
xas e extrapolam a competência da escola,
dos responsáveis e familiares dos alunos ou
da gestão pública, quando cada uma destas
instituições é pensada isoladamente.
Todos nós temos refletido sobre estas ques-
tões a partir de experiências empíricas de
trabalho, de discussões com os colegas, de
resultados de pesquisas e programas que re-
metem a essas temáticas. Esta série do pro-
grama Salto Para o Futuro é um convite para
pensarmos juntos as tramas da relação com-
plexa entre pobreza e educação no Brasil.
A complexidade desta relação provém das re-
alidades com as quais lidamos: as trajetórias
de crianças e adolescentes provenientes de
famílias em situação de vulnerabilidade so-
cial. Por um lado, partimos do pressuposto
de que “há uma estreita relação entre desi-
gualdades sociais e as diferenças de acesso e
sucesso no sistema escolar” (Barbosa, 2009)
– de maneira que a variável ‘renda’, hoje, é
a mais impactante no acesso e na perma-
nência dos alunos na escola no Brasil2 (em
relação às variáveis gênero e raça, segundo
os dados da Pnad, 2008). Por outro lado, con-
cordamos que as experiências de vulnerabili-
dade social são multifacetadas, assim como
são as experiências de vida dos alunos.
Neste sentido, um dos desafios ao tratar da
relação entre educação e pobreza é partir do
1 Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade de Brasília (DAN-UnB). Consultora da série.
2 Se, por exemplo, lançarmos mão dos dados da Pnad 2008 sobre os anos de escolaridade de pessoas de 25 anos (os 25% mais ricos e os 25% mais pobres da população brasileira) podemos indicar uma diferença significativa: os 25% mais ricos, em 2007, tinham como média 12 anos de escolaridade; por sua vez, para o grupo dos mais pobres os anos de estudo caem pela metade. Os dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios) podem ser encontrados no site: www.ibge.gov.br
6
acesso universal à educação – de fazer valer
o direito de aprender a todos e todas – mas,
também, para além disso, pensar estratégias
específicas e particulares que se relacionam
com o contexto social com o qual estamos
lidando. É um desafio para as escolas na me-
dida em que todas estas questões ingressam
no ambiente escolar, colocando em questão
metodologias de ensino e práticas unifor-
mes de trabalho.
O reconhecimento da vulnerabilidade social
como fenômeno de múltiplas dimensões
coloca no centro do debate três elementos:
a intersetorialidade na gestão das políticas
educacionais, a relação entre a escola e a
família (ou o contexto social no qual está
inserida a escola) e as iniciativas de acom-
panhamento da frequência dos alunos em
situação de vulnerabilidade. O primeiro des-
tes elementos, a intersetorialidade, é uma
estratégia de gestão que dialoga diretamen-
te com a visão multifacetada da pobreza,
concebendo-a não apenas economicamente,
mas também como formada por fatores cul-
turais, sociais, familiares, intergeracionais e
individuais. A intersetorialidade é um olhar
baseado na integralidade e, desta forma, no
enfrentamento coletivo da pobreza, pela ar-
ticulação de redes entre diferentes serviços,
órgãos governamentais e não-governamen-
tais (Bronzo e Veiga, 2005; Bronzo, 2007):
Portanto, para fazer frente à problemá-
tica da pobreza crônica levando em con-
ta sua complexidade, a consequência é
desenhar estratégias de intervenção
capazes de abranger distintos setores
das políticas públicas, remetendo à atu-
ação conjunta e necessária de diversos
programas e iniciativas sociais (Bronzo,
2007, p. 9).
Ao potencializar o atendimento de famílias
vulneráveis a partir da intersetorialidade
busca-se, ainda, fortalecer o papel da esco-
la. Sabemos que a escola é o espaço onde
aparecem muitos dos fatores de vulnerabi-
lidade trazidos pelos alunos, o que constitui
a escola como um local de escuta e conhe-
cimento das experiências de vida dos mes-
mos. Estes fatores vêm à tona na escola por-
que interferem na permanência de alunos
vulneráveis, bem como no seu aprendizado.
Daí a relevância de que a escola esteja aten-
ta aos mesmos. Contudo, sabemos também
que a escola sente-se sobrecarregada ao ter
que lidar com todos os problemas que a al-
cançam. Neste sentido, uma das intenções
desta série do programa Salto para o Futuro
é apontar para a intersetorialidade ao des-
tacar uma rede de proteção social que pode
estar articulada com as escolas no acompa-
nhamento dos alunos em situações de vul-
nerabilidade.
Dito isto, somos levados ao segundo ele-
mento mencionado acima: a relação entre a
escola e a família (a comunidade ou o con-
texto). A UNESCO e o Ministério da Educa-
7
ção publicaram, no ano de 2009, um relató-
rio composto de um conjunto de subsídios
tratando da interação entre escola e famí-
lia. Quando se pensa sobre esta interação,
um dos questionamentos possíveis trata da
função da escola quando ela se remete ao
contexto no qual se localiza. Versando sobre
esta preocupação, o relatório acima citado
destaca que “aproximar-se da vida de cada
um dos alunos é uma forma de conhecer,
reconhecer e utilizar as lições da realidade
a favor de sua aprendizagem” (Castro e Re-
gattieri, p. 59). Um olhar atento à realidade
social da qual provém o aluno, neste senti-
do, se conjuga com as preocupações peda-
gógicas da escola.
Por um lado, notamos que a escola não
pode mais se distanciar do contexto social
no qual vivem seus alunos, transformando
preocupações tidas como exteriores à esco-
la em preocupações das próprias escolas.
Por outro lado, podemos notar outro mo-
vimento importante: nas políticas públicas
e sociais de combate à pobreza no Brasil,
a educação tem sido concebida como fun-
damental. Hoje, por exemplo, no Programa
Bolsa Família – programa do Governo Fede-
ral de transferência condicionada de renda
– há uma conjugação da política de assistên-
cia social com as políticas de educação e de
saúde. A partir desta iniciativa, o Ministério
da Educação acompanha nominalmente a
frequência e a permanência na escola de
cerca de 16 milhões de alunos em situação
de vulnerabilidade em todo o Brasil3.
O acompanhamento da frequência destes
alunos é antes um ponto de partida do que
um ponto de chegada: ele nos coloca diante
de discussões importantes, relativas à qua-
lidade do ensino, à permanência na escola
e ao aprendizado. Qualificar estas consta-
tações, contudo, não pode ser um pretexto
para nos imobilizarmos. Deve ser, sobretudo,
um incentivo para reconhecermos os novos
desafios que esta situação traz para gesto-
res e escolas. Estamos diante de uma nova
situação no Brasil: o aumento do acesso e
da permanência dos alunos em situação de
vulnerabilidade ao ambiente escolar (Castro
e Regattieri, 2009). Este cenário sugere que a
inter-relação das variáveis ‘pobreza ‘ e ‘edu-
cação’ sejam pauta de nossas agendas como
gestores, educadores e pesquisadores.
3 Este dado remete às crianças e adolescentes de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família. Para mais informações, ver texto 3 desta série.
8
TExToS DA SÉriE VuLnERABiLiDADE sOCiAL E EDuCAçãO4
Esta série tem como proposta pensar as tramas da relação complexa entre pobreza e educação
no Brasil. A complexidade desta relação provém das realidades com as quais lidam professores
e gestores: as trajetórias de crianças e adolescentes provenientes de famílias em situação de
vulnerabilidade social. Ao tratar da relação entre educação e pobreza, o desafio é assegurar o
direito de acesso universal à educação, propondo estratégias específicas e particulares relacio-
nadas ao nosso contexto social. O reconhecimento da vulnerabilidade social como fenômeno
de múltiplas dimensões coloca no centro do debate três elementos: a intersetorialidade na
gestão das políticas educacionais, a relação entre a escola e a família (ou o contexto social
no qual está inserida a escola) e iniciativas de acompanhamento da frequência dos alunos em
situação de vulnerabilidade.
TExTo 1: EDuCAÇÃo E PobrEzA
Educação E pobrEza: provocaçõEs ao dEbatE
O primeiro texto da série pretende contextualizar as discussões sobre educação e pobreza
pensando no acesso e nas trajetórias escolares de alunos provenientes de contextos de vulne-
rabilidade social. A educação tem papel central na reprodução das desigualdades sociais, visto
que alunos oriundos de diferentes situações socioeconômicas têm acesso e permanência desi-
guais no sistema escolar (menor acesso, mais baixa permanência e acesso a escolas de menor
qualidade). Além disso, muitos destes alunos obtêm resultados educacionais que os habilitam
à inserção desigual nas diversas esferas sociais, em especial, no mercado de trabalho. Este
cenário nos faz pensar na necessidade de mudanças no sistema educacional. Estas mudanças
devem garantir tanto o acesso à escola quanto a permanência na escola e a educação de boa
qualidade aos grupos mais vulneráveis, a fim de evitar que a desigualdade social se conjugue
aos processos de desigualdade educacional (Gentili, 2009).
4 Estes textos são complementares à série Educação e Pobreza, com veiculação no programa Salto para o Futuro/TV Escola (MEC) de 22/11/2010 a 26/11/2010.
9
TExTo 2: iNTErSEToriAliDADE E VulNErAbiliDADE
O segundo texto da série compreende a vulnerabilidade como composta de múltiplas dimen-
sões. Há um reconhecimento cada vez maior entre gestores e pesquisadores da gestão pública
de que fenômenos multifacetados necessitam de respostas intersetoriais, a partir da articula-
ção das diversas instâncias e atores. Reconhecendo a complexidade das experiências dos alu-
nos que envolvem situações diferentes de vulnerabilidade, o segundo texto esboça um cenário
do sistema de garantia de direitos e de proteção social às crianças e adolescentes. Uma das
considerações que norteiam esta abordagem é pensar quais são as possibilidades de diálogo
que estão ao alcance das escolas e que funcionam como suporte ao lidar com os problemas
sociais trazidos pelos alunos. Além disso, pretende explorar quais são as articulações possíveis
de serem pensadas pelos gestores municipais para integralizar o atendimento às famílias vul-
neráveis.
TExTo 3: ComPArTilhANDo ExPEriêNCiAS
O terceiro texto da série apresenta iniciativas de acompanhamento da frequência dos alunos
provenientes de famílias vulneráveis. O acompanhamento da frequência, nesta perspectiva,
busca combater a evasão escolar e o abandono, além de incentivar o percurso educacional
regular. O Ministério da Educação, por intermédio da DEAVE (Diretoria de Estudos e Acompa-
nhamento das Vulnerabilidades Educacionais) constituiu, para acompanhamento da frequên-
cia dos alunos beneficiários do Programa Bolsa Família, uma rede de atores formada por ope-
radores municipais, coordenadores estaduais e diretores responsáveis pelo acompanhamento
da frequência e pela informação dos motivos de ausência dos alunos na escola. Este texto da
série privilegia o compartilhamento das informações acerca destas experiências, enfocando as
dificuldades e as iniciativas positivas que se desdobram, pelo Brasil, nas atividades de acompa-
nhamento da presença e permanência de alunos na escola. O acompanhamento da frequência
permite uma análise articulada com questões sobre a relação escola-família, sobre a articula-
ção entre escolas e outras instituições pertencentes à rede de proteção social e, desta forma,
sobre situações de vulnerabilidade.
Os textos 1, 2 e 3 também são referenciais para as discussões do PGM 4: Outros olhares sobre Vulne-
rabilidade social e educação e do PGM 5: Vulnerabilidade social e educação em debate.
10
rEFErêNCiAS biblioGráFiCAS
BARBOSA, Maria Lígia. Desigualdade e desem-
penho: uma introdução à sociologia da es-
cola brasileira. Belo Horizonte: Editora Argv-
mentvm, 2009.
BRONZO, Carla; VEIGA, Laura da. Desafios,
possibilidades e limites de programas locais
de combate à pobreza e à exclusão: as ini-
ciativas das cidades de São Paulo e de Belo
Horizonte. In: X Congreso internacional del
CLAD: la Reforma del Estado y de la Adminis-
tración Pública, Santiago, Chile, 18 - 21 Oct.
2005.
BRONZO, Carla. Intersetorialidade como
princípio e prática nas políticas públicas:
reflexões a partir do tema do enfrentamen-
to da pobreza. In: XII Congreso do CLAD -
Centro Latinoamericano de Administracion
para el Desarrollo. Santo Domingo. Anais do
CLAD, 2007. CASTRO, Jane Margareth. RE-
GATTIERI, Marilza (orgs.). Interação escola-
família: subsídios para práticas escolares.
Brasília: UNESCO, MEC, 2009.
GENTILI, Pablo. O Direito à Educação a as di-
nâmicas de exclusão na América Latina. Re-
vista Educação sociedade, Campinas, v. 30, n.
109, set./dez. 2009, p. 1.059-1.079.
GOLDEMBERG, José. O repensar da educação
no Brasil. In.: Estudos Avançados, v.7, n.18, p.
65-137, 1993.
JACCOUD, Luciana. Pobres, pobreza e cida-
dania no Brasil: os desafios recentes da pro-
dução social. Brasília: IPEA, 2008. Disponível
em http://www.ipc-undp.org/publications/
mds/37M.pdf
SCHWARTZMAN, Simon. Políticas de renda e
as Prioridades da Educação no Brasil. Dispo-
nível em: www.iets.org.br/article.php3?id_ar-
ticle=751.
SILVA, Maria de Salete; ALCÂNTARA, Pedro
Ivo. O Direito de Aprender: Potencializar
avanços e reduzir desigualdades. Brasília:
UNICEF, 2009.
11
TExTo 1
educação e pobreza
educação e pobreza: proVocações ao debate
Jane Margareth de Castro1
A Constituição de 1988 determina que a edu-
cação é direito social básico de todos os ci-
dadãos brasileiros.
Consolida, assim,
um amplo proces-
so de lutas iniciado
com a urbanização
acelerada do país a
partir da década de
1950. Além disso, a
Carta Magna esta-
belece percentuais
mínimos de investi-
mento na área, por
parte dos governos
federal, estadual e municipal, exigindo de
todos os níveis e esferas de governo propos-
tas e projetos para que esse direito se torne
efetivo, de fato. Assim, se 16% das crianças
de 7 a 14 anos estavam fora da escola em
1988, esse índice caiu para 4% uma década
depois. Considerando apenas o Ensino Mé-
dio, as matrículas aumentaram cerca de
57% no período de 1994 a 1999.
A inegável expansão do acesso à escola
não correspondeu, contudo, a uma efeti-
va democratização
da educação nem à
oferta de uma edu-
cação de qualidade,
elementos essen-
ciais para garantir
tanto a permanência
quanto a conclusão
da educação básica
na idade adequada.
O sistema educacio-
nal, ao mesmo tem-
po em que inclui,
exclui parcela significativa das crianças e
dos adolescentes da escola. Os altos índices
de repetência e evasão, evidenciados pelos
sistemas oficiais de avaliação da educação
básica, são fatores de exclusão produzidos
pela própria escola. Este é o grande desafio
que as escolas e sistemas de ensino enfren-
tam até hoje.
1 Psicóloga, pós-graduada em psicologia experimental e gestão de políticas públicas. Trabalha com consultoria, pesquisa e diagnóstico na área de educação.
Os altos índices de
repetência e evasão,
evidenciados pelos sistemas
oficiais de avaliação
da educação básica,
são fatores de exclusão
produzidos pela própria
escola.
12
Muitos estudos demonstram uma forte cor-
relação entre desigualdades educacionais
e desigualdades de renda e de condições
de vida. Estudo realizado pelo Instituto de
Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) so-
bre desigualdades na educação mostra que
os indicadores educacionais são piores na
população rural e nas regiões mais pobres
em todas as etapas
da educação básica.
Esse estudo eviden-
cia uma relação de
mão dupla: sem solu-
cionar os problemas
educacionais não se
diminuirá a exclusão;
e sem solucionar os
problemas sociais,
não será possível me-
lhorar os resultados escolares.
A expansão do acesso à escola propôs um
difícil desafio às equipes escolares: propi-
ciar que crianças e jovens de famílias po-
bres, muitas em situação de vulnerabilida-
de social, sejam incluídos no universo dos
conhecimentos historicamente elaborados.
Ou seja, o sistema educacional passou a li-
dar, em seu interior e com cada vez maior
intensidade, com desigualdades sociais pro-
venientes da pobreza.
No entanto, a própria definição de pobreza
não é simples, pela multiplicidade e ampli-
tude de situações a que se aplica. Pode va-
riar de uma região para outra, de um esta-
do para outro, ou até de um bairro a outro
numa mesma cidade. De modo simplificado,
pobreza pode ser definida como a situação
em que a criança, o jovem ou a família não
têm condições de efetivo acesso aos serviços
e bens construídos pela sociedade – como,
saúde, educação, lazer, habitação, cultura –
nem de participação
ativa na vida política
do país. Apreender
as múltiplas e diver-
sificadas dimensões
da pobreza pode aju-
dar os educadores
a compreenderem
melhor o processo
de exclusão origina-
do pela evasão, repe-
tência e pela falta de acesso à escolarização.
Seria ingênuo pensar que as políticas pú-
blicas de educação são o único ou princi-
pal fator de mudança social e de inclusão
educacional. O quadro de exclusão exige
que a educação faça parte de uma política
articulada de desenvolvimento do municí-
pio, do estado, da região e da nação. Isto,
contudo, não justifica qualquer imobilismo,
pois uma parte também pode impulsionar o
todo. Não podemos nos conformar com as
condições sociais e individuais dos nossos
alunos de forma que estas características
justifiquem o fracasso escolar. Pobreza não
significa insucesso escolar. O sistema edu-
O sistema educacional –
em todos os níveis, até o
interior da escola – tem
instrumentos que podem
contribuir para a melhoria
e superação da exclusão.
13
cacional – em todos os níveis, até o interior
da escola – tem instrumentos que podem
contribuir para a melhoria e superação da
exclusão.
De acordo com o Art.2º da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional – LDB, a edu-
cação, dever da família e do Estado, inspirada
nos princípios de liberdade e nos ideais de so-
lidariedade humana, tem por finalidade o ple-
no desenvolvimento do educando, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualifica-
ção para o trabalho.
Não se atinge esse objetivo amplo e demo-
crático sem um projeto de atuação adequa-
do. Daí a importância de a escola avaliar seu
projeto pedagógico, sua prática, sua forma
de atuar e os resultados que está obtendo.
• Que referências a escola tem usado na
construção de seu projeto pedagógico
e das suas metodologias de ensino?
• Os conteúdos têm significado no pre-
sente e para o futuro de seus alunos?
• As metodologias são interessantes e
estimulam o pensamento e a desco-
berta?
• A escola conhece seus educandos,
sabe com quem e em que condições
eles vivem moram, conhece seu con-
texto de vida?
• A escola está atenta para o fato de as
desigualdades de cor, raça, gênero e
condição social e econômica serem
fatores que contribuem decisivamen-
te para as desigualdades de acesso à
educação, de oportunidades de apren-
dizagem e interferem na relação entre
professores e alunos?
• Quais são os conhecimentos e infor-
mações que devem ser revistos, adqui-
ridos e que motivem os professores a
avaliarem suas práticas pedagógicas?
• Sabemos que o apoio e a valorização
da família são fatores importantes no
sucesso escolar dos alunos. Como a
escola vem lidando com esta questão?
Estas questões desafiantes são referência
não só para o projeto pedagógico, mas tam-
bém para a prática em sala de aula e para
a avaliação da aprendizagem. Uma das con-
clusões de um recente estudo elaborado pela
UNESCO em parceria com o Ministério da
Educação indica que não podemos persistir
em práticas homogêneas que desconsiderem
as diferenças dos alunos e obriguem todos a
se conformar a um modelo de aluno esperado.
Além de não ser desejável, isso não é possível.
As diferenças linguísticas, culturais, étnicas,
econômicas, físicas, etc. não podem ser con-
vertidas em desigualdades de desempenho e de
oportunidades. isto significa pensar em proje-
tos político-pedagógicos, políticas e programas
que contemplem todos e cada um dos alunos –
o que não impede que se pense em atendimen-
tos e serviços diferenciados de acordo com suas
necessidades (CASTRO e REGATTIERI, 2009).
14
No entanto, sabe-se que a oferta de uma
educação de qualidade não é responsabilida-
de somente das políticas educacionais, pois
o sucesso na aprendizagem e a superação da
exclusão educacional extrapolam as compe-
tências da educação. O desafio está em criar
condições para que nossas crianças e jovens
tenham garantido o direito fundamental
de terem uma educação de qualidade que
lhes permita terem acesso a outros direitos
como saúde, trabalho, lazer, habitação, etc.
rEFErêNCiAS biblioGráFiCAS
BARROS, Ricardo Paes de, Mirela de Carva-
lho, e Samuel Franco. Pobreza, desigualdade
e crescimento no Brasil: Fatos, inter-relações
e recomendações para uma política social
mais efetiva no combate à pobreza. IPEA/
IETS, 2005.
CASTRO, Jane Margareth e REGATTIERI, Ma-
rilza (org.). interação Escola Família: subsí-
dios para práticas escolares. Brasília: UNES-
CO/MEC, 2009.
DUBET, Françoise. A escola e a exclusão – Ca-
dernos de Pesquisa, n. 119, p. 29-45, julho 2003.
IBGE – JOVENS FORA DA ESCOLA – Estudo so-
bre jovens e adultos fora da escola, a partir
de dados da pesquisa sobre padrões de vida.
PPV, 1996/1997.
INEP - Censo Escolar 2005.
LÓPEZ, N. Equidad educativa y desigualdad
social – desafios de La educación em El nue-
vo escenario latinoamericano. IIPE/UNES-
CO; Buenos Aires, 2004
LÓPEZ, N. (coord.). De relaciones, actores y
teritorios: hacia nuevas políticas em torno
a La educación em Americalatina. López, N.
Buenos Aires: IIPE/UNESCO, 2009.
LUFT, H. M. O paradoxal papel da escola:
promete incluir, excluindo. In: BONETI, L.W.
Educação, exclusão e cidadania. Ijuí: EdUni-
juí, 2000.
RIBAS, Rafael Perez e GOLGHER, André Braz.
Vulnerabilidade à pobreza no Brasil: medindo
risco e condicionalidade a partir da função
de consumo das famílias. Trabalho apresen-
tado no XV Encontro Nacional de Estudos
Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu,
MG, de 18 a 22 de setembro de 2006.
IPEA. Brasil: o estado de uma nação. Cap. III
- Pobreza e exclusão social. p. 85-112, 2006.
15
TExTo 2
intersetorialidade e Vulnerabilidade
Vulnerabilidade, intersetorialidade e educação
Cynthia Paes de Carvalho 1e Patrícia Monteiro Lacerda2
André3 tem faltado a muitas aulas e quase nunca traz os deveres de casa. Ele tem 11
anos e está matriculado no 2º ano do Ensino Fundamental da escola perto de sua casa
numa favela da periferia da capital. Ele tem dois irmãos menores, um está na pré-escola
e o outro numa creche comunitária. Depois que seus pais se separaram, a mãe de André
começou a beber e tem ficado cada vez mais difícil conseguir faxinas. O pai de André
se mudou depois da separação, formou nova família em outra cidade e não fez mais
contato.
Desde os anos 60, estudos internacionais4
trouxeram evidências empíricas irrecusá-
veis, do ponto de vista estatístico, sobre a
forte associação entre origem social e de-
sempenho escolar dos alunos. Esta correla-
ção também foi comprovada em inúmeros
estudos nacionais (Barbosa, 2009), deixando
claro que os fatores extraescolares não res-
peitam os muros da escola e perseguem os
alunos em situação social mais vulnerável
nos pátios e nas salas de aula. Desde então,
diversas pesquisas5 desestabilizaram o dis-
curso da escola meritocrática, mostrando a
escola não como promessa de equalização
de oportunidades e superação de distâncias
sociais, mas como um mecanismo de repro-
1 Pesquisadora e professora do Departamento de Educação da PUC-Rio.
2 Mestre e Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Pesquisadora colaboradora do SOCED (Grupo de Sociologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e professora do curso de especialização Educação e Inclusão da mesma universidade.
3 Nome fictício.
4 Pesquisa longitudinal do I.N.E.D. na França (1962-1972), o Relatório Coleman nos Estados Unidos (1966), o Plowden Report na Inglaterra (1967), entre outros.
5 Destacam-se os livros: ideologia e Aparelhos ideológicos de Estado, de Althusser (1970); A Reprodução, de Bourdieu e Passeron (1970); A Escola Capitalista na França, de Baudelot e Establet (1971) e A Escola na América Capitalista, de Bowles e Gintis (1976).
16
dução social, na medida em que convertia
desigualdades sociais em desigualdades
educacionais.
Enquanto na Europa e nos EUA as teses da
reprodução social pela escola repercutiam
e abalavam a visão mais utópica e emanci-
padora do sistema educacional, no Brasil,
essa discussão era
superposta a uma
agenda de luta pela
universalização do
acesso à escola. Os
dados populacionais
indicavam que entre
nós, a segregação
social era ainda mais
perversa6, já que até
a década de 90, um
grande contingente
de meninos e meni-
nas das camadas populares estava fora da
escola. Essa realidade mobilizou uma grande
coalizão de forças em favor da garantia do
acesso à escolarização para todos e ajudou
a criar marcos legais para garantir direitos
para crianças e adolescentes e, em especial,
o direito à educação de qualidade. A Consti-
tuição de 1988, o Estatuto da Criança e Ado-
lescente de 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases
de 1996 reconfiguraram as responsabilida-
des do Estado, da família e da comunidade.
Foram instituídos novos mecanismos de in-
tervenção tanto nas famílias quanto nos sis-
temas de ensino, como Conselhos Tutelares
e Procuradorias da Infância e da Juventude,
para garantir os direitos da população em
idade de escolarização obrigatória. Na es-
teira destas transformações, fortaleceu-se a
doutrina da proteção integral que entende a
condição peculiar da
criança e do adoles-
cente como pessoas
em desenvolvimen-
to, cujos direitos de-
vem ser garantidos
e efetivados atra-
vés de uma Rede de
Proteção Integral.
A proteção integral
supõe a articulação
dos serviços públi-
cos – estatais ou não
– endereçados ao cumprimento dos direi-
tos sociais (saúde, educação e assistência)
de crianças e adolescentes, principalmente
aqueles que se encontram em situação de
vulnerabilidade, ou seja, tem como requisito
a lógica da intersetorialidade.
O presente texto pretende refletir sobre as
articulações possíveis e necessárias para
integralizar o atendimento às famílias vul-
neráveis e as possibilidades de diálogo que
A Constituição de 1988,
o Estatuto da Criança e
Adolescente de 1990 e a
Lei de Diretrizes e Bases
de 1996 reconfiguraram
as responsabilidades do
Estado, da família e da
comunidade.
6 Até o início da década de 80, cerca de 30% das nossas crianças em idade escolar não tinham acesso à escola (Oliveira & Araújo, 2005).
17
estão ao alcance das escolas para dar supor-
te aos alunos que vivem problemas sociais
mais agudos provenientes destas famílias.
VulNErAbiliDADE
Castel (1998), entre outros autores, identifica
uma correlação profunda entre o lugar ocu-
pado pelo indivíduo na divisão social do tra-
balho (trabalho no mercado formal, trabalho
precário sem carteira assinada, eventual),
sua participação em redes de sociabilidade
e seu acesso aos sistemas de proteção social
disponíveis em dada sociedade (educação,
saúde, seguridade social, etc.). O conceito de
vulnerabilidade procura caracterizar a situa-
ção de indivíduos ou grupos sociais expostos
a condições de risco potencial de perda de
seu bem-estar social, que geralmente está
associada à sua inserção precária no mer-
cado de trabalho e à fragilidade de acesso a
possíveis suportes ou oportunidades sociais,
o que, por sua vez, dificulta ainda mais sua
capacidade de enfrentar e superar sua con-
dição de risco social e o potencial destes ris-
cos deteriorarem ainda mais sua condição
de sobrevivência e trazerem consequências
importantes para sua vida (Kaztman, 2000).
A vulnerabilidade, segundo o autor, pode ser
entendida como uma condição resultante de
uma defasagem ou falta de sincronia entre
os requerimentos de acesso às estruturas
de oportunidades oferecidas pelo mercado,
pelo Estado e pela sociedade e os ativos ou
condições dos domicílios que permitiriam
aproveitar estas oportunidades. Nesse senti-
do, o conceito de vulnerabilidade focaliza a
debilidade ou a força dos ativos que indiví-
duos ou famílias dispõem para enfrentar os
riscos existentes no entorno e, de maneira
mais abrangente, as condições do local de
residência das pessoas, o que implica a pos-
sibilidade de degradação parcial ou total de
bem-estar ou de condição de sobrevivência
com dignidade. A ideia de vulnerabilidade
remeteria, portanto, a uma condição de mo-
radia e trabalho que não apenas é precária,
como também fragiliza a capacidade de con-
trolar as forças que determinam esta condi-
ção de vida e combater seus efeitos sobre o
próprio bem-estar.
O fato de a análise enfocar os “ativos” e não
os “passivos” das pessoas ou famílias chama
a atenção para a importância de um conjun-
to de atributos que se considera necessários
para a identificação e o aproveitamento efe-
tivo das oportunidades existentes, enfatizan-
do a dinâmica de formação de diversos tipos
de capital (conhecimentos, informações, re-
lações sociais, etc.), potencialmente mobili-
záveis, e as relações entre eles, assim como
os processos de perda ou desgaste destes
ativos (quando uma família se vê impelida
a mudar de domicílio por não poder mais
pagar o aluguel, por exemplo) ou de outros
fatores limitantes que impedem o acesso às
oportunidades sociais (rede pública de edu-
cação, saúde, assistência, etc.). O grau de
capacidade de resposta às adversidades ou
18
riscos dependerá, obviamente, da diversi-
dade de recursos a serem mobilizados (uma
família ampliada que possa oferecer abrigo
quando se perde a casa numa enchente,
transporte gratuito para a escola, etc.), além
da flexibilidade para a sua utilização.
Diversos estudiosos de estratégias de redu-
ção da pobreza urbana, além de destacar o
caráter dinâmico desse enfoque, valorizam
especialmente a importância dos recursos
materiais e simbólicos das famílias na ca-
pacidade de responder a crises. Isto signifi-
ca que os ativos familiares, mais do que a
posse ou não de bens materiais, abrangem
os conhecimentos e experiências culturais,
bem como traços mais subjetivos, como o
desenvolvimento dos sentimentos de incer-
teza e insegurança em relação à sua capaci-
dade de mobilidade social ascendente.
Os estudos de vulnerabilidade que estão na
base do desenho das políticas sociais mais
recentes de redução da pobreza, como os
programas de transferência de renda para
grupos sociais considerados em situação
de extrema pobreza, a exemplo do Bolsa Fa-
mília no Brasil, costumam enfatizar o gru-
po familiar e não apenas o indivíduo como
unidade de análise e foco de intervenção.
Como o nome indica, o programa incide
sobre famílias e sua perspectiva é articular
três dimensões consideradas essenciais à
superação da situação de vulnerabilidade e
pobreza: 1) promoção do alívio imediato da
pobreza, por meio da transferência direta de
renda à família; 2) reforço ao exercício de di-
reitos sociais básicos nas áreas de Saúde e
Educação, condicionando a continuidade do
benefício à frequência escolar das crianças e
aos check-ups médicos regulares de crianças
e de mulheres grávidas, que deve contribuir
para que as famílias consigam romper o ci-
clo da pobreza entre gerações; 3) coordena-
ção de programas complementares, que têm
por objetivo o desenvolvimento das famílias,
como, por exemplo: programas de geração
de trabalho e renda, de alfabetização de adul-
tos, de fornecimento de registro civil e de-
mais documentos, o Programa de Erradica-
ção do Trabalho Infantil (PETI) e o Programa
de Atendimento Integral às Famílias (PAIF),
desenvolvido nos Centros de Referência de
Assistência Social (CRAS). Ou seja, a ideia é
“dar o peixe” e também “ensinar a pescar”...
Como se pode perceber no desenho do Bolsa
Família, o acesso à educação (tanto dos adul-
tos, como das crianças e jovens) é privilegia-
do como perspectiva de ruptura do “ciclo da
pobreza” entre as gerações, constituindo-se
no caso das crianças em uma das “condicio-
nalidades” do programa.
iNTErSEToriAliDADE
O exemplo do Programa Bolsa Família retrata
mudanças no pensamento político interna-
cional e nacional, que apontam a interseto-
rialidade (enquanto relação entre diferentes
agentes sociais públicos e privados) como
19
medida possível e necessária de potenciali-
zar e integralizar o atendimento aos grupos
vulneráveis no Brasil. A ação intersetorial
implica uma visão integrada dos problemas
sociais e de suas soluções, numa perspec-
tiva integrada e integradora de recursos e
agentes sociais que podem ser acessados
por uma população que ocupa determinado
território (Junqueira, 2004). Busca-se assim
otimizar os recursos através da busca de
soluções integradas, articulando saberes e
experiências no planejamento, realização e
avaliação de ações para alcançar efeito si-
nérgico em situações complexas, visando ao
desenvolvimento social e superando a ex-
clusão social: a complexidade da realidade
social exige um olhar que não se esgota no
âmbito de uma única política social (op. cit.,
p. 27). Essa forma de atuar impõe mudan-
ças nas práticas e na cultura organizacional
das instituições envolvidas, impondo novos
desafios aos diferentes agentes e gestores,
enfrentando não poucas vezes resistências.
Afinal, além de nem todos compreenderem
e aceitarem essa perspectiva de ação social,
frequentemente cada organização tem difi-
culdades de “dar conta” do seu pedaço de
responsabilidade: podem faltar professores
na escola, médicos no Posto de Saúde, ocu-
pações dignas que possam garantir a sobre-
vivência das famílias na região para encami-
nhar as pessoas desempregadas...
No caso do estudante André, relatado no
início do texto, a escola – através dos pro-
fessores e gestores – precisa estar atenta às
faltas e, caso a família esteja inscrita no Bol-
sa Família, informá-las ao órgão municipal
que monitora as condicionalidades do bene-
fício. A equipe do Posto de Saúde precisa se
articular com a escola de André, as institui-
ções que atendem a seus irmãos menores, e
a equipe do CRAS para buscar perspectivas
de trabalho para a mãe... Todas essas arti-
culações dão trabalho, implicam conheci-
mento mútuo e compreensão das responsa-
bilidades e competências de cada um para
alcançar um atendimento integral a André e
à sua família. Nessa perspectiva, a articula-
ção entre setores sociais supõe uma decisão
política e profissional de cada um dos agen-
tes em prol de objetivos comuns. Além de
compartilhar objetivos, é preciso viabilizar
as relações de colaboração através de víncu-
los interpessoais e interinstitucionais – esta-
belecendo momentos de troca e avaliação,
canais de comunicação e fluxos de decisão
coordenados –, preservando as diferenças e
as especificidades de cada componente que
contribui da sua maneira na construção de
uma política que preserve os princípios da
cidadania, da liberdade e da justiça.
EDuCAÇÃo
Retomando nosso ponto de partida. Sabe-
mos que a escola não está apartada dos seus
contextos sociais e que fatores extraescola-
res atravessam e ajudam a definir os resulta-
dos da educação escolar. Diversas pesquisas
20
têm demonstrado que há escolas e redes de
ensino que conseguem possibilitar a apren-
dizagem mesmo dos alunos oriundos de
contextos sociais vulneráveis – promovendo
o que consideramos equidade (Albernaz et
al., 2002). A busca dos fatores intraescola-
res e intraeducacionais (relativos às redes de
ensino) que favoreceriam a equidade resul-
tou em estudos so-
bre o chamado “efei-
to-escola” (Bressoux,
2003) e “efeito-rede”
(UNICEF, 2009). Nes-
te caminho, identifi-
cou-se que determi-
nados processos de
gestão educacional,
de administração
escolar e de inter-
venção pedagógica
aumentavam as chances de sucesso escolar
mesmo dos alunos em situação de vulnera-
bilidade.
Dois estudos coordenados pelo UNICEF e
pelo MEC abordam esse tema, baseando-se
em resultados da Prova Brasil. Ao nível da
escola, estes estudos indicaram que a edu-
cação deve ser contextualizada, ou seja, o
aluno deve ter seus contextos de vida social
e cultural conhecidos e respeitados para
aprender, que o professor é central, mas não
pode ser o responsável isolado pela apren-
dizagem dos alunos e que nenhuma práti-
ca isolada pode gerar condições efetivas de
aprendizagem. No caso das redes municipais
de educação, dentre os fatores que promo-
vem a aprendizagem dos alunos se encon-
tram as parcerias intersetoriais articuladas
em torno do direito de aprender.
Uma observação importante do mergulho no
interior dos sistemas de ensino que os estu-
dos de Efeito Escola
e Efeito Rede trazem
é que o conhecimen-
to das condições de
vida dos alunos, o
relacionamento com
outros serviços so-
ciais e a participação
na rede de proteção
integral de crianças
e adolescentes são
aspectos fundamen-
tais das práticas que promovem aprendiza-
gem com equidade. Nesse sentido, a escola
– ao reconhecer as condições de vulnerabili-
dade que afetam seus alunos e encaminhá-
los e as suas famílias aos serviços públicos
que podem apoiá-los – desenvolve melhores
chances de realizar sua função específica de
promover sucesso escolar.
Nessa perspectiva, a educação escolar e os
sistemas ou redes de ensino podem atuar
como “nós” importantes da rede de prote-
ção social, colaborando para superar e não
apenas reproduzir as desigualdades sociais.
Cabe ainda lembrar que escolas são um dos
Sabemos que a escola não
está apartada dos seus
contextos sociais e que
fatores extraescolares
atravessam e ajudam a
definir os resultados da
educação escolar.
21
equipamentos públicos mais presentes nos
mais diferentes espaços sociais, âncora pri-
vilegiada da garantia do atendimento públi-
co aos direitos sociais da população, o que
realça sua responsabilidade social.
Finalmente, sabendo que as intervenções em
escala micro são mais eficazes em contextos
em que são apoiadas por políticas sociais
de natureza macro, que criam condições de
base mais propícias à superação da situação
de pobreza, no longo prazo a redução das
desigualdades que assolam nosso país de-
pende também da eficácia da escola e sua
articulação com os demais serviços sociais.
rEFErêNCiAS
ALBERNAZ, A.; FERREIRA, F.; FRANCO, C.
Qualidade e eqüidade no ensino fundamen-
tal brasileiro. Pesquisa e Planejamento Econô-
mico, Rio de Janeiro, v. 32, n. 3, 2002.
ALVES, F., FRANCO, C., RIBEIRO, L. C. Q. Se-
gregação residencial e desigualdades escolar
no Rio de Janeiro. In: RIBEIRO, L. C. de Q. &
KAZTMAN, R. (orgs.) A cidade contra a esco-
la? segregação urbana e desigualdades educa-
cionais em grandes cidades da América Latina.
Rio de Janeiro: Letra Capital/FAPERJ; Monte-
vidéu, Uruguai: IPPES, 2008.
BARBOSA, M. L. de O. Desigualdade e Desem-
penho: uma introdução à sociologia da escola
brasileira. Rio de Janeiro: ARGVMENTVM,
2009.
BRESSOUX, P. As pesquisas sobre o efeito-es-
cola e o efeito-professor. Educação em Revis-
ta, Belo Horizonte: n. 38, p. 17-88, dez. 2003.
CASTEL, R. Metamorfoses da questão social.
Petrópolis: Vozes, 1998.
CUNHA, J. M. P. et al. A vulnerabilidade so-
cial no contexto metropolitano: o caso de
Campinas. Trabalho apresentado no XiV En-
contro nacional de Estudos Populacionais,
ABEP, Caxambu / MG – Brasil, 2004.
JUNQUEIRA, L. A. P. A gestão intersetorial
das políticas sociais e o terceiro setor. Revis-
ta saúde e sociedade, v. 13, nº. 1, São Paulo,
jan./abr. 2004.
KAZTMAN, R. (coord.) Activos y estructura de
oportunidades. Estudios sobre las raíces de la
vulnerabilidad social en uruguay. Uruguay:
PNUD-Uruguay e CEPAL-Oficina de Montevi-
deo, 1999.
OLIVEIRA, R. P. & ARAUJO, G. C. Qualidade
do ensino: uma nova dimensão da luta pelo
direito à educação. Revista Brasileira de Edu-
cação, n. 28, 2005, p. 5-23.
UNICEF. Aprova Brasil: o direito de aprender
– boas práticas em escolas públicas avalia-
das pela Prova Brasil, 2007.
UNICEF. Redes de Aprendizagem: boas práti-
cas de municípios que garantem o direito de
aprender, 2009.
22
TEXTO 3
compartilhando experiências
Daniela Peixoto Ramos 1
iNTroDuÇÃo
Este terceiro texto tratará de alguns dos
principais resultados de pesquisas avaliati-
vas, promovidas pela SECAD/MEC, a respei-
to da implementação do acompanhamento
da frequência escolar dos alunos benefici-
ários do Programa Bolsa Família. O texto
aborda a necessidade de pensar a relação
entre educação e pobreza por meio da in-
vestigação sobre as percepções de atores
da política educacional a este respeito e da
tentativa de conhecer os diversos cenários
subnacionais de acompanhamento da fre-
quência escolar de alunos em situação de
vulnerabilidade. Buscou-se investigar a qua-
lidade da gestão deste acompanhamento
escolar e os resultados que ele tem gerado,
tanto no âmbito das administrações locais
quanto nas escolas. Portanto, uma preocu-
pação fundamental das avaliações levadas
a cabo era a de compreender em que me-
dida este acompanhamento, que tem sido
estimulado e coordenado em nível federal,
teria sido institucionalizado, de acordo com
princípios intersetoriais. Outra intenção era
a de identificar as percepções de alguns dos
principais envolvidos no acompanhamento
– secretários de educação, coordenadores
estaduais da frequência escolar, operadores
municipais máster, diretores escolares, pro-
fessores e alunos – a respeito das mudanças
geradas por esse acompanhamento sobre
o trajeto educacional dos alunos. Ao longo
deste processo avaliativo, foram identifica-
das fragilidades institucionais que sinalizam
a necessidade de intervenção para correção
de rumos, mas também muitas referências
positivas que necessitam ser divulgadas, a
fim de que o Ministério da Educação conti-
nue desempenhando seu papel de indutor
e propositor de políticas que visam reduzir
desigualdades educacionais.
1. Avaliação de políticas públicas –
uma prática em consolidação
A avaliação de políticas públicas – objeto
deste texto da série do Salto para o Futuro
1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade de Brasília e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental.
23
Vulnerabilidade social e Educação – pode ser
definida como um processo de coleta e aná-
lise sistemáticas de informações sobre in-
sumos, processos e resultados de uma ação
governamental, com base em critérios de
eficiência, eficácia e efetividade, de forma a
gerar recomendações para aperfeiçoar a ges-
tão. A avaliação é, portanto, um instrumen-
to de promoção da governança democrática,
que contribui para tornar mais transparen-
tes as relações entre
Estado e sociedade e
para assegurar que o
Estado seja capaz de
responder adequada-
mente às demandas
sociais, implemen-
tando intervenções
ajustadas à resolu-
ção dos problemas
diagnosticados. O
Governo Federal e os
governos estaduais e municipais têm se pre-
ocupado cada vez mais em submeter suas
ações à avaliação, de forma a se poder re-
visar, de forma cuidadosa e criteriosa, pro-
cessos que não geram os retornos desejados.
Como afirma Rua (s.d., p. 2), a avaliação é
“decisiva para o processo de aprendizagem
institucional” pois, por meio dela, as insti-
tuições adquirem ganhos de racionalidade e
de conhecimento e aprimoram o desenho de
suas ações.
A SECAD, a partir da DEAVE (Diretoria de Es-
tudos e Acompanhamento das Vulnerabili-
dades Educacionais) promoveu uma série
de pesquisas das quais se esperava que pu-
dessem gerar subsídios para a melhoria da
gestão do acompanhamento da frequência
escolar e, consequentemente, efeitos posi-
tivos para o público-alvo, que atinge hoje
aproximadamente 17 milhões de alunos
(32% do total de alunos da Educação Bási-
ca em todo o Brasil).
Nestas avaliações,
privilegiou-se o uso
de métodos qualita-
tivos, caracterizados
pela valorização das
percepções e inter-
pretações feitas pe-
los atores a respeito
dos bens e serviços
públicos que cons-
tituem o objeto da
avaliação. O uso destes métodos pressupõe,
segundo Deslandes (2006, p. 5), que o suces-
so de uma intervenção depende dos signifi-
cados atribuídos a ela pelos sujeitos sociais,
os quais variam conforme a inserção cultu-
ral, social e econômica destes sujeitos. Por-
tanto, a avaliação qualitativa procura com-
preender como se combinam expectativas
e necessidades de beneficiários, gestores,
políticos e outros atores com os serviços
oferecidos por elas.
Em termos metodológicos,
as avaliações, cujos
resultados são discutidos
neste texto, envolveram a
realização de trabalho de
campo em municípios do
Brasil inteiro.
24
2.As avaliações do acompanhamento
da frequência escolar – caracteriza-
ção geral
Em termos metodológicos, as avaliações,
cujos resultados são discutidos neste tex-
to, envolveram a realização de trabalho de
campo em municípios do Brasil inteiro. Ini-
cialmente, ainda em 2009, foi enviado for-
mulário eletrônico a todos os chamados
“operadores munici-
pais máster” (atores
encarregados de pro-
mover, em nível mu-
nicipal, a gestão da
condicionalidade de
educação do Progra-
ma Bolsa Família) e,
em seguida, realizada
pesquisa telefônica
em amostra nacional
de municípios, com
os seguintes objetivos: investigar o grau de
padronização dos processos de acompanha-
mento da frequência, identificando gargalos
e inovações, em especial no que se refere à
articulação intersetorial entre as áreas en-
volvidas (educação, assistência social e saú-
de); verificar o perfil dos operadores muni-
cipais e sua qualificação para a função, bem
como sua articulação com as escolas; inves-
tigar percepções sobre distinção entre bene-
ficiários e não beneficiários em termos de
vulnerabilidade e indicadores educacionais
relativos à frequência à escola, ao abandono/
evasão e ao desempenho escolar. Atenção
especial foi dirigida a comunidades quilom-
bolas e indígenas, por meio da contratação
de consultores específicos para pesquisar
algumas dessas comunidades e investigar
suas especificidades e a relação delas com
o acompanhamen-
to da frequência.
Foram empregadas
técnicas de pes-
quisa diversas, tais
como questionários
semiestruturados,
entrevistas em pro-
fundidade com de-
terminados atores,
grupos focais com
outros, observação
in loco, diários de campo, instrumento de
completamento de frases2 e análise de do-
cumentos.
Em termos gerais, as avaliações se distingui-
ram por privilegiar eixos temáticos distintos,
que determinaram seu escopo metodológico
e amostral. Em uma delas, que teve foco na
gestão do acompanhamento da frequência,
Se é na escola que
a avaliação adquire
materialidade, é na vida
cotidiana de professores,
estudantes e suas famílias
que ela deposita seus
desdobramentos.
2 Trata-se de um instrumento composto por 19 frases a serem completadas livremente, aplicado antes do início dos grupos focais, a alunos beneficiários e não beneficiários, com o intuito de captar percepções subjetivas a respeito de temas como: escola, educação, futuro e Programa Bolsa Família. Exemplos de frases: Meus professores...; O Bolsa Família...; Meus colegas...; Quando não consigo aprender...; Aqui na escola...; O que eu mais quero...).
25
os objetivos eram: (i) avaliar o nível de insti-
tucionalização deste acompanhamento, com
ênfase na implementação de uma de suas
principais dimensões – a intersetorialidade –
no âmbito da gestão da educação tanto nas
secretarias de educação quanto nas escolas;
e (ii) identificar fragilidades institucionais e
obstáculos à intersetorialidade e demandas/
necessidades de capacitação. No caso de ou-
tra avaliação, centrada nas escolas, o eixo te-
mático priorizado foi o de vulnerabilidade e
seus objetivos foram: (i) avaliar os resultados
do acompanhamento da frequência escolar
entre alunos e diretores/professores/secre-
tários escolares); (ii) captar percepções de
atores escolares sobre a vulnerabilidade do
público beneficiário; (iii) mapear estratégias
pensadas pelas escolas para atender ao pú-
blico beneficiário, incluindo encaminhamen-
tos dados às situações de baixa frequência
ou não-frequência dos alunos.
Houve, ainda, a pesquisa centrada na cap-
tação de referências positivas, cujo objetivo
foi o de identificar e categorizar práticas de
acompanhamento da frequência escolar e
manutenção das crianças nas escolas desen-
volvidas pelos atores da condicionalidade de
educação, no âmbito do programa Bolsa Fa-
mília. Utilizando um conjunto de métodos
de enfoque qualitativo e quantitativo de for-
ma complementar, elencou-se um conjunto
de práticas que poderão ser adotadas como
referências positivas para os próximos perí-
odos.
A decisão pelo direcionamento das avalia-
ções a cada um destes enfoques se deveu ao
entendimento de que estas são as dimensões
constituintes da ação de acompanhamento
da frequência escolar que necessitam ser
priorizadas, conjugado à lacuna informacio-
nal a respeito delas. O acompanhamento é
percebido, no âmbito da SECAD, como re-
sultado da implementação de quatro fatores
que, em conjunto, são responsáveis pelos
altos índices de informação da frequência3:
o sistema de informação criado pelo MEC, a
rede de parcerias estaduais e municipais, o
monitoramento do acompanhamento pelo
Governo Federal, a cada período, por meio de
indicadores e as capacitações promovidas pe-
riodicamente. Todos estes fatores deveriam
contribuir para apoiar a institucionalização
desta ação nos demais níveis de governo. No
entanto, havia a necessidade de investigar
até que ponto esta institucionalização está
de fato acontecendo, em que medida secre-
tarias de educação estariam incorporando
o acompanhamento a suas políticas locais,
com as adaptações necessárias, e integran-
do-o a outras políticas educacionais.
De forma análoga, a preocupação com o con-
ceito de vulnerabilidade se justifica em razão
da suposição de que o acompanhamento da
3 Em todo o período de outubro de 2006 até março de 2010, a taxa percentual média de beneficiários com registro de frequência escolar foi de 95,6%.
26
frequência, para ser tomado como uma ação
de cunho educacional, e não como apenas
uma contribuição da educação para uma
ação assistencial, requer que o problema a
ser atacado – a vulnerabilidade dos alunos be-
neficiários, definida em sentido amplo – seja
compreendido como perpassando também
a esfera educacional. Ou seja, seria preciso
investigar como os atores locais e estaduais
entendem os objetivos a serem alcançados
por meio da condicionalidade de educação e
como este entendimento se relaciona com a
percepção destes atores a respeito da condi-
ção socioeducacional em que se encontram
os alunos beneficiários do Bolsa Família.
3. Alguns resultados gerais
A avaliação concluiu, de forma geral, que há
um avanço em termos da institucionaliza-
ção da implementação da condicionalidade,
dado que se constatou um elevado grau de
padronização dos procedimentos de levan-
tamento dos dados relativos à frequência
escolar nas gestões municipais. Os opera-
dores têm se mostrado capazes de cumprir
com sucesso, o que é demonstrado pelo alto
percentual de informação da frequência, um
processo que já se tornou rotina nas admi-
nistrações locais em todo o país, como ex-
tensamente comprovado pela pesquisa de
campo: o acesso ao sistema, a impressão
de formulários, a distribuição deles às esco-
las (com soluções variadas e informais em
municípios de grande dispersão geográfica
de escolas, em especial as da zona rural) e
o recolhimento dos formulários nos perí-
odos previstos para inserção dos dados no
sistema. Desta forma, pode-se afirmar que
o nível mais elementar de institucionaliza-
ção – o nível operacional, relativo às “roti-
nas de trabalho e atividades desenvolvidas”
(Carneiro, 2007, p. 60) – teria sido superado,
restando agora o desafio mais difícil, que é o
de alcançar os níveis mais estratégicos e de
enraizamento dos objetivos que norteiam a
implantação da condicionalidade.
A intersetorialidade aplicada à gestão da
condicionalidade de educação, a incorpo-
ração desta gestão às demais políticas edu-
cacionais locais e o entendimento dos seus
objetivos por parte de atores educacionais
– desde secretários de educação até secre-
tários escolares – são dimensões relevantes
do processo de institucionalização que ain-
da não foram alcançadas plenamente. Em
razão disso, não se tem promovido o uso
estratégico de dados relativos aos motivos
da baixa frequência como subsídio para in-
tervenções públicas mais amplas, inclusive
de cunho educacional, junto a famílias em
situação de risco (incapazes de cumprir o re-
quisito da frequência escolar).
No entanto, o passo inicial para a institucio-
nalização desta ação junto às Secretarias de
Educação já foi dado e o funcionamento re-
gular da rede de operadores municipais com
acesso ao sistema online de acompanha-
27
mento é o maior indicador disso. Ademais,
a condicionalidade consiste num procedi-
mento já incorporado à rotina de escolas e
beneficiários, ou seja, as escolas já tinham
o dever de acompanhar a frequência de seus
alunos e mesmo de tentar descobrir os mo-
tivos pelos quais ocorrem as faltas junto às
próprias famílias devido a normas legais an-
teriores ao programa - Lei de Diretrizes e Ba-
ses da Educação, que
estipula um percen-
tual de frequência
mínima (75%) me-
nor que o estabele-
cido pelo PBF, que é
de 85% para alunos
de até 15 anos – as-
sim como as famílias
já haviam internali-
zado o requisito da
frequência escolar
como condição para aprovação dos alunos.
Desta forma, o programa não criou exigên-
cias desconhecidas e incompatíveis com a
rotina escolar. Esta é uma base sobre a qual
é possível avançar no sentido de institucio-
nalizar os demais procedimentos necessá-
rios para que escolas e Secretarias de Edu-
cação enxerguem no acompanhamento da
frequência escolar dos beneficiários do PBF
um instrumento relevante de identificação
de vulnerabilidades que podem resultar em
evasão escolar ou baixo rendimento de par-
te significativa de seus alunos. A maximiza-
ção do potencial redistributivo do programa
Bolsa Família depende de um investimento
maior na articulação com o setor educacio-
nal.
rEFErêNCiAS biblioGráFiCAS
CARNEIRO, Carla
Bronzo. intersetoria-
lidade como princípio
e prática nas políticas
públicas: reflexões
a partir do tema do
enfrentamento da po-
breza. XX Concurso
del CLAD sobre Re-
forma del Estado y
Modernización de la
Administración pública, 2007.
DESLANDES, Suely. Metodologia de avaliação
III: introdução aos métodos qualitativos.
Brasília: ENAP, 2006.
RUA, Maria das Graças. A avaliação no ciclo
da gestão pública. http://www.pr.gov.br/sepl/
avalciclogestpubl.doc
A maximização do
potencial redistributivo
do programa Bolsa
Família depende de um
investimento maior na
articulação com o setor
educacional.
28
Presidência da república
ministério da Educação
Secretaria de Educação a Distância
Direção de Produção de Conteúdos e Formação em Educação a Distância
TV ESColA/ SAlTo PArA o FuTuro
Coordenação-geral da TV Escola
Érico da silveira
Coordenação Pedagógica
Maria Carolina Machado Mello de sousa
Supervisão Pedagógica
Rosa Helena Mendonça
Acompanhamento Pedagógico
Carla Ramos
Coordenação de utilização e Avaliação
Mônica MufarrejFernanda Braga
Copidesque e revisão
Magda Frediani Martins
Diagramação e Editoração
Equipe do núcleo de Produção Gráfica de Mídia impressa – TV BrasilGerência de Criação e Produção de Arte
Consultora especialmente convidada
Martina Ahlert
E-mail: [email protected]
Home page: www.tvbrasil.org.br/salto
Rua da Relação, 18, 4o andar – Centro.
CEP: 20231-110 – Rio de Janeiro (RJ)
novembro 2010