63
SIMONE ROSA VAZ “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”. Monografia apresentada para graduação no curso de História - Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes. Universidade Federal do Paraná. Orientador: Professor Luiz Carlos Ribeiro Curitiba 2004

“VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

  • Upload
    lenhi

  • View
    216

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

SIMONE ROSA VAZ

“VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”.

Monografia apresentada para graduação no curso de História - Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes. Universidade Federal do Paraná. Orientador: Professor Luiz Carlos Ribeiro

Curitiba 2004

Page 2: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

Sumário

Resumo............................................................................................... 1. Introdução........................................................................................... 2 - 3.

Capítulo 1

1. O Paraná do Novo Século............................................................... 4 – 14.

Capítulo 2

2. Perfil Editorial das Revistas O Itiberê e O Olho da Rua................15 – 23.

2.1. Editores e jornalistas no ambiente intelectual paranaense........... 23 - 26.

2.2. Análise do conteúdo veiculado.................................................... 26 - 34.

2.3. Tendência de atendimento das revistas........................................ 34 - 35.

Figuras ................................................................................................ 36 – 44.

Capítulo 3

3. Perspectivas que as revistas construíram da sociedade paranaense. 45 - 48.

3.1. Posicionamento das revistas diante da dinâmica da vida social no Paraná

no início do século XX........................................................................ 48 - 51.

3.2. Proposta de modelo de comportamento social das revistas.......... 52 - 54.

Conclusão............................................................................................. 55 - 57.

Fontes................................................................................................... 58.

Referências Bibligráficas..................................................................... 59 – 61.

Page 3: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

Resumo

O presente trabalho discorre sobre o cotidiano paranaense veiculado pelas revistas “O

Itiberê” de Paranaguá e “O Olho da Rua” de Curitiba na virada dos séculos XIX e XX. Aborda

também a perspectiva que esses periódicos construíram da vida cotidiana no Paraná. Assim,

este estudo procura analisar o olhar de duas importantes publicações paranaenses do século

XX. São os indícios e apreensões de sentido e de apropriações deixadas nos textos que nos

permite aventurar no estudo de uma dada leitura do passado.

A vida social no Paraná se intensifica a partir do século XX. Para essa intensificação

contribuíram inúmeros fatores, como a urbanização, a imigração, o crescimento populacional

das cidades e a modernização geral da sociedade. Curitiba e Paranaguá foram o palco

privilegiado da vida social e das tensões sociais do período. Dado este quadro de uma

sociedade que intensificou a vida social, a questão proposta por este estudo é observar como

dois periódicos - “O Olho da Rua” e “O Itiberê” - se posicionaram perante as transformações

que ocorreram no espaço urbano e social.

O Olho da Rua transformou seus leitores em críticos, permitindo repensar a cidade e

redimensionar a prática da vida urbana. Seus editores, escritores e colaboradores criticaram e

questionaram a sociedade de fortes valores burgueses A revista proporcionou outra concepção

do panorama paranaense, a partir da perspectiva de grupos sociais fora do poder.

O Itiberê fazia parte do corpo de discursos ufanistas elaborados sobre as cidades de

Curitiba e Paranaguá, seus discursos representavam os elementos constituintes da urbe

ordeira, disciplinada e laboriosa, cenário onde se desenrolava a ação contínua e permanente

das cidades no rumo do progresso e do desenvolvimento. O periódico representa os valores da

classe dominante.

Page 4: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

2

Introdução

Pretende-se no trabalho proposto discorrer sobre o cotidiano paranaense veiculado pelas

revistas “O Itiberê” e “O Olho da Rua” na virada dos séculos XIX e XX. Com a análise dessas

revistas, pretendo observar a perspectiva que esses periódicos construíram da vida cotidiana no

Paraná, privilegiando as cidades de Paranaguá e Curitiba. Tratam-se de duas publicações

periódicas veiculadas nas primeiras décadas do século XX, e, para apreender sua proposta editorial

é importante salientar o processo de transformação que ocorre na sociedade paranaense durante o

período. Assim, este estudo procura remontar a historia de duas importantes publicações

paranaenses do século XX. São os indícios e apreensões de sentido e de apropriações deixadas nos

textos que nos permite aventurar na recuperação de uma dada leitura do passado. A obra que foi

executada pelo leitor e pelas leituras do passado é também submetida ao mesmo movimento pelo

leitor-pesquisador do presente. A ela são sobrepostas características que definem o seu lugar no

mundo dos textos. Assim, qualquer análise é antes de tudo uma leitura e uma interpretação. A

análise que se faz hoje das leituras múltiplas realizadas pelo público dos periódicos de outrora nada

mais são do que interpretações de um mundo múltiplo e plural. Interpretações de uma cultura do

impresso que existia somente naquele mundo.

Visamos contribuir para com os estudos relativos à História da vida social do Paraná, no

período de transição entre o século XIX e o inicio do século XX. Tendo como fonte principal à

imprensa periódica, pretende-se discutir o cotidiano social veiculado por tais publicações, não se

tratando, porém, de uma análise de discurso, nos moldes propostos pelos lingüistas. Como afirma

Trindade: “A literatura, por exemplo, tem exercido através dos séculos influência significativa nas

sociedades, como veículo de transmissão do cotidiano, de permanências culturais, de idéias e

ideologias de uma época”.1 Sendo produções organizadas e veiculadas pela intelectualidade local

essas publicações detêm uma proposta de sociedade. A partir desse ponto de vista que se justifica

esse estudo no âmbito do cotidiano social, à medida que se dedicará a observar como determinados

grupos dominantes tentam modelar comportamentos para a vida social.

1 TRINDADE, Etelvina Maria de Castro. Clotildes ou Marias : mulheres na Curitiba da Primeira República. Curitiba : Fundação Cultural, 1996. p. 10.

Page 5: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

3

A vida social no Paraná se intensifica a partir do século XX. Para essa intensificação social

contribuíram inúmeros fatores, como a urbanização, a imigração, o crescimento populacional das

cidades e a modernização geral da sociedade. Curitiba, a capital paranaense, e Paranaguá vão ser o

palco da vida social e das tensões sociais do período. “... Curitiba, graças a propostas de seus

governantes, sobretudo Cândido de Abreu e Moreira Garces, foi objeto de uma série de

modernidades que aprimoraram seu quadro urbano, com traçado mais compacto e arquitetura

inovadora, instalação e expansão as fábricas, novas opções de lazer e serviços de utilidade pública,

entre outros benefícios.” 2 O crescimento urbano gera a criação de novos ambientes para o

convívio social e o lazer dos paranaenses. A imigração traz consigo, novos elementos culturais,

tornando mais complexas as relações sociais. Dado esse quadro de uma sociedade que intensificou

a vida social a questão proposta por este estudo é observar como dois periódicos - “O Olho da

Rua” e “O Itiberê” - se posicionam perante as transformações que ocorrem no espaço urbano e

social, nas duas principais cidades do Paraná no século XX.

2 TRINDADE, op. cit. p. 9.

Page 6: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

4

CAPÍTULO 1

1. O Paraná do novo século

No Estado do Paraná, como em todo território nacional, ocorre um fluxo intenso de

transformações que atingem os mais variados níveis de experiência social, no período que

compreende os fins do século XIX até cerca de meados do século XX. A República viria “para

ficar e com ela o país romperia com a letargia do seu passado, alcançando-se a novas alturas no

concerto das nações modernas”. 3 A partir da República tornam-se presentes no cotidiano social

paranaense, ideal de urbanização e modernização às cidades. A “modernização” vai proporcionar

a transformação não só dos valores sociais, mas traz consigo uma forte e embrionária

industrialização nas primeiras décadas do novo século. “Nenhuma impressão marcou mais

fortemente as gerações que viviam entre o final do século XIX e o início do XX do que a mudança

vertiginosa dos cenários e dos comportamentos (...)”.4 Grandes expectativas surgem perante a

revolução da técnica que se assistia diante da luz elétrica, do telefone, do cinematógrafo, das

estruturas de ferro pré –fabricadas... Curitiba como as outras cidades brasileiras sofre uma

transformação cultural que precede as mudanças materiais. As máquinas e os artefatos da técnica

fascinaram os moradores da pequena cidade de Curitiba naquele inicio do século XX. No começo

do século XX a capital paranaense acompanha , mesmo que de longe, o ritmo dos acontecimentos

das outras cidades brasileiras, como o Rio de Janeiro, onde ocorre um grande aumento da

população, reformas urbanas, alterações no ritmo de vida e nas paisagens. A capital paranaense

ganha ares de modernização, parte pela presença dos imigrantes, parte em função das novas

iniciativas administrativas na cidade. Nas duas décadas separadas pelo ano de 1900, Curitiba teve

um crescimento demográfico considerável. Isso ocorre devido a duas razões principais e

complementares: a imigração maciça, e ao crescimento endógeno, ou seja, ao número de

nascimentos que se sobrepõe ao de óbitos. Em 1890, habitavam na capital paranaense 24.553

pessoas. Em 1900, esse número cresceu para 60.800, ou seja, em apenas 20 anos Curitiba foi o

palco de um crescimento populacional imenso cuja sua precária estrutura urbana não era

suficiente para suportar. Nem mesmo a economia que durante a segunda metade do século XIX

3 NOVAIS, Fernando A. História da vida privada no Brasil. Vol. 3. República : da Belle Époque à era do rádio. São Paulo : Companhia das Letras,1998. p. 34. 4 NOVAIS, Ibid. p. 514.

Page 7: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

5

apresentava um importante crescimento conseguiu acompanhar. O quadro urbano se expandia,

ruas são abertas e edifícios tomam novas feições. Na área destinada ao lazer dos paranaenses, o

teatro fazia grande sucesso, mas sofria a dura competição dos primeiros cinemas, dos parques e

praças construídos para a diversão e o descanso da população curitibana. Na Rua XV, abriam-se

várias lojas que apresentavam aos curitibanos desde calçados, armarinhos, confecções, tecidos...

Inauguram-se também, cafés reservados as discussões intelectuais. Curitiba crescentemente

oferecia condições para uma vida social e cultural sofisticada.

Portanto, a vida social na cidade de Curitiba vai se intensificar com os novos

estabelecimentos criados especialmente para o convívio e para o lazer da população paranaense.

Locais derivados da necessidade de modernização. A modernização da capital paranaense não

ocorre apenas na nova distribuição dos espaços privados, mas sim, no aperfeiçoamento dos locais

públicos, que se transformam em visíveis áreas de lazer. Representam os reflexos de uma

sociedade industrial em que se opõem lazer e trabalho. Curitiba se orna na construção de teatros,

de cinemas, abertura de parques e de clubes e associações.

Do crescente desejo social de equivalência em “tecnologia” às grandes cidades européias e

americanas, o país lançou-se na construção de uma auto - imagem de país moderno. Na área

comercial, Curitiba possuía casas especializadas que traziam as últimas novidades aos curitibanos.

Criava-se a consagração das máquinas enquanto mercadorias. A Casa das Novidades na Rua XV

era o “paraíso dos eletrônicos” do início do século XX, possuía para a venda várias “maravilhas da

modernidade”. Como exemplo: aparelhos fotográficos, discos, cilindros, fonográficos, gramofone,

bicicleta, motocicleta... Ainda, “As máquinas pareciam capazes de tudo e parecia haver máquina

para tudo o que se pudesse imaginar”. 5Através da importação chegaram ao Paraná inúmeras

maravilhas da modernidade entre elas: os polifones “era uma caixinha de música, em tamanho

maior, onde um cilindro de metal, a girar automaticamente, acionava, de acordo com determinada

melodia, as teclas de um piano”.6 Os polifones mais tarde dão lugar aos gramofones: “Quando a

partir de 1900 esse sistema se aperfeiçoou com a substituição dos cilindros pelos discos os

5 BRANDÃO, Angela. A fábrica de ilusão. O espetáculo das máquinas num parque de diversões e a modernização de Curitiba (1905-1913). Curitiba : Prefeitura Municipal de Curitiba : Fundação Cultural de Curitiba,1994. P. 36. 6 BRANDÃO, Ibid. p. 33.

Page 8: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

6

gramofones deixaram de constituir curiosidade das ruas e passaram a ser privilégio das famílias de

algumas posses ganhando lugar de destaque entre os móveis da sala...”.7

Curitiba, entre outras cidades brasileiras, foi palco da modernização, da mecanização e

da urbanização idealizada pela República. Os novos locais de lazer da população curitibana

tornaram-se responsáveis pelo contato dessa população com essas “engenhocas” européias

destinadas ao divertimento. Inauguram-se teatros como o Guaíra e o Hauer, parques como o

Colyseu. Os teatros curitibanos cediam suas instalações para cinematógrafos itinerantes, como

exemplo fez por diversas vezes o teatro Guaíra cedendo suas instalações a vários cinematógrafos

europeus famosos. O cinema invade a cidade, as colunas periódicas, as ruas e praças. Inicia,

modestamente, em horários livres dos teatros, mas ocupa, gradativamente, espaços próprios,

afirmando-se cada vez mais no decorrer do período. Esses filmes exibiam primeiramente só com

imagens e, posteriormente, com o aperfeiçoamento da técnica, as imagens produzindo seus

respectivos sons. Curitiba recebe seu primeiro cinematógrafo em 1905 no teatro do Colyseu com

películas com figuras animadas e projeções luminosas.

A invenção do rádio vai ampliar e intensificar o contato da população com a música.

Curitiba é agraciada com o pioneirismo da emissora de rádio aqui inaugurada representando a

terceira emissora de rádio do país. Nasce a Rádio Clube Paranaense, em 27 de junho de 1924.

“Rádio Club Paranaense. Por iniciativa de diversos amadores fundou-se hoje, nesta capital, uma

sociedade denominada Rádio Club Paranaense, com o fim de difundir pela telefonia sem fio,

concertos musicais, palestras instrutivas, centros para crianças, músicas de danças e notícias de

interesse geral”.8

O encantamento perante a mecanização que surge é evidente. À importação dessas

“maravilhas da modernidade” cabe ao homem moderno o que a república almeja construir. É o

sonho de equivalência ora ao europeu ora ao americano que sustenta a ideologia da nova república.

Importam-se os aparelhos, as roupas, copia-se o modo de vida o sistema de governo. As

maravilhas da modernidade que se fazem presentes, e os novos ambientes destinados ao lazer da

população, contribuem substancialmente para a sociabilidade paranaense. Inicia-se em todo o

7 TINHORÃO, José Ramos. Os sons que vêm da rua. São Paulo. Edições Tinhorão, 1976. p. 67. 8 GAZETA DO POVO. Curitiba, 28/06/1924. p. 8.

Page 9: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

7

Brasil no findar do século XIX e nas primeiras décadas do século XX a era dos cafés concerto e

dos cafés cantantes. Esses cafés que desde o século XIX representam o ponto de encontro dos

artistas e intelectuais brasileiros. Na capital paranaense à noite, a animação sadia dos salões de

dança e dos cafés concerto: na rua das Flores, o Parisiense; na Praça Generoso Marques, o Tigre

Royal. O Passeio Público e os parques paranaenses vão ser de suma importância no lazer dos

primeiros anos do século XX. Curitiba na década de 1920 possuía mais de dez parques9 reservados

ao lazer e encontros sociais dos curitibanos. Nos fins de semana, famílias faziam piqueniques em

áreas de lazer, preferencialmente nos parques, ou percorrem animadas às alamedas do Jardim

Botânico, nome dado ás vezes ao Passeio Público.

Alguns divertimentos em Curitiba eram o Eden (1907), na Praça Osório; o Smart

Cinema (1908), na rua XV de Novembro; no Mignon Theatre (1910), também na rua XV; o

Cinema Victoria (1912), na rua Comendador Araújo; Central Park (1908), na rua Dr. Muricy, além

de alguns circos que se apresentavam com frequência e do Coliseu, localizado na rua Aquiban .

No extremo da divisão social, ou seja, as camadas sociais mais privilegiadas vão ter os seus

próprios ambientes de lazer. Inauguram-se em todo o Paraná inúmeros clubes e sociedades em

meados do século XIX e inicio do século XX.

Outras áreas privilegiadas do lazer curitibano são os clubes: recreativos, beneficentes, esportivos, ginásticos ou musicais. Espalham-se pela cidade, em função, inclusive da forte tendência do imigrante alemão às atividades associativas. A elite social e política desfila nos salões do Club Coritibano ou do Cassino Coritibano que oferecem, além das atividades festivas, serviços de restaurante e áreas de esporte, recreação, cultura e arte. Na Praça Osório, a Sociedade Thalia; na rua do Serrito, o Deutscher Sängerbund, congregam altos escalões da sociedade “teutônica”. E enquanto os poloneses exercitam-se na “Junkak”, os italianos divertem-se na Giuseppe Garibaldi e os ucranianos se reúnem na Sociedade dos Amigos da Cultura Ucraína. Percorrendo toda e

9 Curitiba contava com os seguintes parques: Passeio Público, Água Verde, Parque Inglês, Graciosa, Internacional, Prohmann, Recreativo, Providência, Recreio, Cruzeiro, São Lourenço. (Guia Comercial do Paraná, n.º 1, maio de 1919. p. 42).

Page 10: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

8

escala social, multiplicam-se os clubes no centro urbano e na periferia.10

Os clubes e as sociedades surgem como mecanismos de auto-organização da

sociedade paranaense com a finalidade de suprir inúmeras necessidades sociais. O

estruturamento de clubes na sociedade paranaense no inicio do século XX foi organizando

gradualmente pela relação dos indivíduos, os grupos sociais e o Estado, formando redes de

interdependência. O modelo de Estado liberal de administração vigorava nas primeiras

décadas do século XX. Ou seja, um Estado que não atuava na organização política, social e

econômica da sociedade. A sociedade nos moldes liberais era organizada e desenvolvida de

forma independente, sem uma interferência direta do poder público. A sociedade vinha se

organizando com a formação de clubes e de outras entidades. O processo de interdependência

entre governo e sociedade vai se estabelecer a partir da década de 30. É justamente a partir daí

que ocorrem os interesses do governo em oferecer a sociedade um modelo de administração

mais presente. A sociedade começa a se organizar através de clubes por não existir uma ação

direta do poder publico sobre a sociedade.

Nos clubes, as relações entre imigrantes, os operários e a elite econômica, cultural e

política possibilitam verificar algumas relações existentes na sociedade paranaense. A disputa

por espaços na sociedade pode ser vista através da instituição dos clubes esportivos e sociais.

Um elemento somatório a essa explosão de clubes e sociedades paranaenses é a presença do

imigrante no território do Paraná, vários clubes e sociedades, de origem étnica, surgem para

dar apoio a seus compatriotas no Estado. A figura do imigrante é visto como um elemento

necessário que irá impulsionar o desenvolvimento da região, como portador de tradições e

culturas de povos mais adiantados e civilizados. Outro elemento somatório, a explosão de

clubes e sociedades, é o deslocamento do eixo populacional do campo para a cidade

provocando um inchaço urbano, tornando-se claras as falhas governamentais e as necessidades

da população. Dentro do Estado do Paraná datam inúmeros clubes e sociedades do final do

século XIX e inicio do século XX. Como demonstra a tabela a seguir.

10 TRINDADE, op. cit. p. 205.

Page 11: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

9

Clube/ Sociedade Data de Fundação

Clube Concórdia 04/04/1869 *

Cube Literário de Paranaguá 09/08/1872 **

Clube Curitibano 25/09/1881 ***

Sociedade Thalia 04/04/1882 **

Sociedade Protectora dos Operários 28/01/1883 **

Clube Rio Branco 19/07/1884 ****

Clube Duque de Caxias 07/12/1890 ****

Sociedade União Juventus 10/106/1898 ****

Sociedade Operária Inter-Água Verde 01/10/1905 **

Sociedade Beneficente Abranches 15/08/1910 ****

Clube Literário 21/02/1914 ****

Clube Recreativo e Beneficente 15 de Novembro 17/09/1914 **

Clube Recreativo América 18/06/1916 **

Clube Recreativo D. Pedro II 28/10/1916 ****

Grêmio Recreativo Beneficente Victoria Regia 19/06/1926 **

Sociedade Beneficente Universal 30/04/1927 ****

Fontes: * Clube Concórdia 1869-1969, ** Diário Official do Estado do Paraná, *** Clube Curitibano 114

anos de História, **** Dados colhidos junto as Instituições.

Esses clubes e sociedades vêem para proteger, organizar e promover o divertimento e o lazer da população paranaense. Uma das áreas privilegiadas da vida social eram os clubes: beneficentes, ginásticos, literários, recreativos, esportivos, musicais etc. A área destinada a promover “diversões morais aos associados” abrangia encontros sociais, saraus, festas carnavalescas, bailes, “dança, música, leitura, conferencias, jogos lícitos e outros, (...) a aproximação de associações congenes deste e

Page 12: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

10

de outros Estados, mantendo permuta de livros, jornaes, revistas e publicações”.11

Essa separação em grupos distintos possibilitou visualizar a formação dos clubes não

apenas pelo viés das classes econômicas e sociais, mas sim pelas diferentes alternativas

organizacionais existentes na sociedade paranaense.

Compondo esta realidade social, verificaram-se, os signos e as matizes de cada grupo

delimitado. Um primeiro grupo seria formado pelos clubes de interesses políticos e culturais,

que permeavam a sociedade paranaense no final do século XIX. Entre esses se encontram o

Clube Literário de Paranaguá, fundado em 9 de agosto de 1872, de cunho cultural e o Clube

Republicano, também de Paranaguá, criado em 21 de agosto de 1887, de cunho político. Um

segundo grupo social foi sendo organizado pelas elites tradicionais e conservadoras do final do

século XIX. O grupo foi composto pelas seguintes entidades: Clube Curitibano, fundado em

25 de setembro de 1881, pelo Clube Pontagrossense de Ponta Grossa, e pelo Graciosa Country

Clube, em 1927. Estas entidades eram constituídas pelos dirigentes das cidades,

principalmente de Curitiba, onde se localiza o maior numero de integrantes da elite econômica

do Estado. Os clubes, como demonstravam os próprios estatutos e regimentos, eram

representados por indivíduos de alto poder aquisitivo para a época, pessoas extremamente

educadas e com comportamento de fino trato.

Na outra extremidade social paranaense, ou seja, a extremidade dos menos favorecidos,

encontravam-se entidades étnicas, constituídas por imigrantes de uma mesma nacionalidade.

As entidades étnicas, formadas principalmente a partir do século XIX, procuravam auxiliar as

necessidades dos imigrantes em terra estrangeira, auxiliavam seus sócios na adaptação ao

novo território, na colocação ao trabalho, ou, mas principalmente em manter alguns habitus

trazidos durante o processo de imigração, como por exemplo, as praticas esportivas,

educacionais e culturais.

Tanto as atas dos clubes como os convites para as festas e os recibos estavam escritos em

língua estrangeira. Ilucidam a influência da imigração. Entre os clubes étnicos destacam-se: a

Sociedade Thalia, da colônia alemã, fundada em 1882, em Curitiba; a Sociedade União, de

origem polonesa, fundada em 1882, em Curitiba; a Sociedade Giuseppe Garibaldi; de origem

11 DIARIO OFFICIAL DO ESTADO DO PARANÁ. 21/08/1914. p. 4.

Page 13: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

11

italiana, de 1º de julho de 1883; e o Clube Recreativo Germania, também de origem alemã,

fundado em 1896, na cidade de Ponta Grossa; a Sociedade Teuto Brasileira, (Club Concorrida)

de origem alemã, o clube mais antigo de Curitiba, fundado em 1883.

A partir das classes populares da sociedade organizaram-se o seguinte grupo de

entidades: Sociedade Operaria Batel; a Sociedade Operaria Beneficente D. Pedro II, fundada

em 1915 por imigrantes suíços, a Sociedade Operária Beneficente Internacional Água Verde,

fundado em 1 de janeiro de 1905 formada por imigrantes italianos, portugueses, alemães,

poloneses e alguns espanhóis.

Os clubes, as sociedades e as associações que emergem durante o fim do século XIX, vão

durante o início e o decorrer do século XX, ser o palco para os encontros sociais da população

paranaense. Esses novos ambientes vão contribuir diretamente para a intensificação da vida

social no Paraná (Curitiba, Paranaguá). Clubes como o Curitibano, com sede na capital, e o

Cube Literário de Paranaguá, com sede na cidade de Paranaguá, vão desempenhar um papel

social importante. Deve-se ressaltar que as gerações do Paraná, das últimas décadas de 1800,

assistiram a grandes transformações administrativas e políticas, sendo exaltado, o sentimento

cívico, os ideais românticos de liberdade e igualdade. As sociedades secretas, literárias,

políticas, foram as depositárias de todo o ardor romântico do século do liberalismo.

Esse Paraná do seleto grupo de intelectuais vai promover desde reuniões culturais,

conferências literárias, criação e manutenção de bibliotecas próprias, concertos, serões, cursos

e claro, os grandes bailes. O Clube Curitibano em especial possuía o “Grêmio das Violetas”

(que surge em 1894). Grêmio constituído por moças da alta sociedade curitibana que se

reúnem para promover eventos no clube. O Grêmio torna-se responsável pelos bailes, festas

carnavalescas, saraus, chás, sessões de dança, sessões de arte... “A curitibana dos salões” do

início do século é figura marcante nos bailes e serões da cidade. Informada e culta, ela deve

saber conduzir-se nos eventos sociais, servindo de adorno ao marido, ou dando resposta

satisfatória às expectativas ansiosas dos pais”.12

O Clube Literário de Paranaguá (inaugurado no ano de 1882), traça nos seus estatutos as

finalidades da sociedade: manutenção de uma biblioteca, publicação de um jornal, uma tipografia

própria, instrução dos seus membros e a realização de “recreios dançantes” e divertimentos. A

12 TRINDADE, op. cit. p. 64.

Page 14: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

12

Igreja Católica durante o período vai impor seu discurso moralista perante a sociedade paranaense

(Curitiba, Paranaguá). Espalham-se inúmeras restrições de conduta social. A luta entre lascismo e

catolicismo nos meios curitibanos é evidente, o que se questiona é a disputa entre o

desenvolvimento obtido pela ciência, e as posições conservadoras da Igreja Católica que condena o

modernismo Ainda, segundo os clérigos a dança, as festas mundanas, o cinema, o teatro e a

literatura contemporânea introduzem no mundo um comportamento lascivo, imoral. Criticam-se

desde os decotes as danças consideradas imorais como o maxixe e o tango.

Uma moça católica de nenhuma forma pode se prestar à dança a repugnante dança denominada tango. E ainda que muitas jovens dancem o tango sem malícia, as mães que sabem o que significa esta ou aquela atitude não devem conceder ás suas filhas uma permissão que nem o próprio Deus poderia conceder. Porque se um ou outro dança o tango sem malícia, preciso é que fique sabendo que se presta a tentar qualquer rapaz... Não deve também uma pessoa católica executas tangos ao piano.13

Os clubes e as sociedades seguiam as tendências da sociedade curitibana. Onde são

freqüentes os bailes e as valsas, que segundo seus freqüentadores ficariam gravados nos registros da

sociedade de vida elegante. A vida social intensificada proporcionará a sociedade paranaense das

primeiras décadas do século XX, a criação de novos espaços de sociabilidades, enriquecendo e

estreitando os ramos de relações entre a população paranaense.

As fontes analisadas constituem-se em periódicos, especificamente duas Revistas

paranaenses: “O Itiberê” de Paranaguá, e “O Olho da Rua” de Curitiba. A preferência pela análise

desses periódicos, justifica-se pela riqueza encontrada no documento-revista.

Decisiva, contudo, foi a atração suscita pelo “documento-revista”, conjunto lúdico irresistível, que numa só publicação reunia texto, imagem, técnica, visões de mundo e imaginários coletivos. Todos os seus componentes, aparentemente corriqueiros – formato, papel, letra, ilustração, tiragem –

13 REVISTA VERITAS, Tangos ao Piano, 1917.

Page 15: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

13

sugeriam uma série de indagações que prenunciavam a carga de historicidade presente nas, hoje, velhas e amarelecidas publicações.14

“O Itiberê”, denominado Revista Ilustrada, denominada também Mensária Artístico e

Literária, devido à literatura que se coloca presente no periodismo da época, dado ao engajamento

daquela geração com a prosa e a poesia. Além dos propósitos literários a revista no seu interior

apresentava, sobretudo, ilustrações, notas sociais, críticas ou exaltações políticas e as crônicas. A

revista era produzida (editada) pelo Clube Literário de Paranaguá, compunha-se de artigos,

reportagens, crônicas. Destacam-se no periódico os poemas de publicação paranaense, e as seções

mensais “Página Feminina”, a mulher leitora desde o Império, fora presença assídua no contexto do

impresso, a leitura como prática feminina das revistas era recorrente. A figura feminina mostrava-se

interessada naquela produção e sua consumidora em potencial. Além da seção destinada as

mulheres, O Itiberê possuía a seção mensal “O cinema e seus Intérpretes”.

A revista “O Olho da Rua” produzida em Curitiba, era composta de reportagens, artigos e

crônicas, possuía uma proposta distinta da revista anterior “O Olho da Rua, por isso, não se define

assim, com rutilancias de lantejoulas e malacachetas, fazendo solemmes promessas: não queremos

ficar sujeitos a voto algum, a rota nenhuma que norteie nossos atos. Não vimos combater moinhos

de vento, nem accender bombas de escândalo”.15 O Olho da Rua possuía um caráter diversificado,

destacando o elemento humorístico. O humor está presente em grande parte da produção periódica,

sobretudo na quadra de 1908-1922.

O Olho da Rua apresentava charges, poemas e partituras musicais de produção paranaense. A

revista possuía ainda, como a revista O Itiberê, uma seção feminina denominada “Álbum das

moças”. Ambas Revistas O Itiberê (Paranaguá) e O Olho da Rua (Curitiba), apresentam e dão

destaque as propagandas publicitárias locais e nacionais.

A revista O Itiberê de produção parnanguara, e O Olho da Rua de produção curitibana

estão disponíveis para pesquisa na Biblioteca Pública do Paraná, na Divisão Paranaense. No acervo

da Biblioteca Pública do Paraná encontra-se o primeiro exemplar da revista O Itiberê datado de

14 MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revista : Imprensa e Práticas Culturais em tempos de República, São Paulo (1890-1922) – São Paulo : Editora da universidade de São Paulo : Fapesp : Imprensa Oficial do Estado, 2001.p. 17. 15 O OLHO DA RUA, O Olho da Rua, Curitiba, abril de 1907.

Page 16: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

14

1919, juntamente com mais de 30 volumes da revista, no período que compreende os anos de 1919 a

1923. Encontra-se também, no mesmo acervo o 1º exemplar de O Olho da Rua e outros 50 volumes

que compõem os anos de 1907 a 1911.

Pretendo tomar conhecimento da vida social paranaense no início do século XX,

analisando as Revistas o Itiberê e O Olho da Rua. Os periódicos “O Itiberê” e “O Olho da Rua” são

representações do universo de idéias que havia no inicio do século XX, em torno da urbanização e

modernização, em torno do progresso técnico, do tempo e do espaço, da mecanização do trabalho,

das relações sociais e do lazer. Espero apreender a vida social paranaense (Curitiba e Paranaguá) a

partir da representação das duas revistas.

A análise das duas revistas ganha importância no sentido de permitir uma incursão ao

passado. “O jornal ou a revista ganham importância não porque sejam lidos pela comunidade, nem

porque estabeleçam uma determinada leitura dela, mas porque são produzidos por homens que

fazem parte dessa cultura, e que, a menos sejam gênios ou loucos, usam de uma linguagem

comum”. 16

O estudo das duas revistas permitirá observar qual a proposta de vida social veiculada

por estes dois periódicos paranaenses “O Olho da Rua” e “O Itiberê” (Curitiba e Paranaguá), no

início do século XX, permitirá ainda, examinar o papel das relações sociais, e verificar qual a

sociedade paranaense que elas retratavam.

Através da análise dos editoriais das revistas pretendo verificar a presença de figuras

influentes no ambiente intelectual paranaense na produção desses dois periódicos. Por meio do

exame do conteúdo das revistas (reportagens, crônicas, charges, poemas) almejo detectar seu

público alvo e as tendências de atendimento das revistas. Ainda, através do exame do conteúdo das

revistas, procurarei perceber o modelo de sociedade que esses periódicos desejam construir, e o

posicionamento das revistas diante a vida social que se intensifica no século XX. Com a pesquisa

das seções mensais das revistas procurarei constatar se essas duas produções periódicas paranaenses

propõem um modelo de comportamento social, e se afirmativo, quais os elementos que compõem

esse modelo. As revistas e jornais representariam as várias correntes de pensamento, enriquecendo

os debates intelectuais da época.

16 BRANDÃO, Ibid. p. 47.

Page 17: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

15

CAPÍTULO 2

2 - Perfil das Revistas O Itiberê e O Olho da Rua

Escritas principalmente a partir de meados do século XIX, em um amplo contexto,

de diversos comportamentos, essas obras traziam uma parte do universo reduzido de leitores

paranaenses, e o ambiente intelectual de Curitiba e Paranaguá, nas primeiras décadas do

século XX. Buscar-se-á, na profusão intelectual de então, as representações sociais que

estavam sendo feitas, pelos leitores propriamente ditos, e pelos jovens escritores e intelectuais

responsáveis por um grande número de publicações. Buscar-se-á aqui uma história da leitura,

ou das leituras que eram possíveis a serem feitas e intercambiadas dentro daquela sociedade.

Assim, este estudo procura remontar, ou melhor, reinterpretrar a história daquelas publicações

paranaenses do século XX. São os indícios de apreensões de sentido e de apropriações

deixados nos textos que nos permite aventurar na recuperação de uma dada leitura do passado.

É essa leitura que vai montando a história do periódico e não o contrário. As estratégias de

publicação moldam práticas de leitura. Criam-se, em conseqüência, novos gêneros de texto e

novas fórmulas de publicação. Ao diversificar a forma e o conteúdo dessa imprensa diária ou

semanal alarga-se, a rigor, esse auditório fugaz e nem sempre visível. Cada nova publicação

cria novas formas de organização e de transmissão dos textos, consolidando uma certa cultura

escrita.

Como afirma Ana Luiza Martins: “A revista é o gênero de impresso valorizado por

documentar o passado através de registro múltiplo: do textual ao iconográfico, do extratextual

- reclame ou propaganda – à segmentação, do perfil de seus proprietários àqueles de seus

consumidora ... as revistas em geral matizam a realidade, veiculando imagens conciliadoras

de diferenças, atenuando contradições, destilando padrões de comportamento, conformando o

público leitor às demandas convenientes à maior circulação e ao consumo daquele impresso.

Ou seja, expressavam o comprometimento apriorístico com aquilo que o leitor queria ler e

“ouvir”.

Page 18: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

16

A revista O Itiberê, era um periódico mensal auto intitulada Ilustrada, que circulava

em Paranaguá e região, de 1919 a 1923 (período neste trabalho priorizado). A revista teve seu

primeiro exemplar lançado em 1919. Custava 1000 réis o número avulso, a assinatura de um

ano 10.000 réis e de seis meses 5000 réis. A publicação do periódico era mantida pelo clube

Literário de Paranaguá. Os sócios fundadores e redatores da revistas seriam Dr. Francisco

Accioly R. da Costa, João Regis Pereira da Costa, Manuel G. Maia Junior, Zenon Pereira Leite

(secretario). (Figuras 1/2). A revista compunha-se de 20 a 30 páginas e sua capa colorida

trazia sempre uma das reportagens em destaques no volume, o titulo da revista no rodapé da

página, além da data e número do exemplar. Tudo delineado ao estilo da belle epoque. As

páginas seguintes seriam de 3 a 4 páginas de anúncios, seguido de uma espécie de folha de

rosto contendo novamente o título, a periodicidade, redatores e o sumário do volume. A

revista continha várias seções escritas como: Traços sobre a arte da escrita, Reparos crônicas

sobre atualidade, Pinheiros seção dedicada a contos, Actualidades seção sobre ciência e

literatura, Noticiario coluna de acontecimentos sociais, Bibliografia coluna contendo crítica

sobre obras publicadas, O Itiberê Junior seção dedicada às crianças, Pagina Feminina coluna

dedicada às mulheres contendo dicas de moda e comportamento, Notas diversas seção

contendo diversos assuntos, Assumptos sociais seção contendo assuntos do clube Lierário, O

Cinema e seus interpretes seção sobre cinema americano e artistas de Hollywood, e ainda,

uma seção sem título permanente contendo poesias, sonetos e contos. Além de inúmeros

anúncios ilustrados entre outros.

A revista apresentava um excelente padrão gráfico e era impressa em papel de

primeira qualidade. Percebe-se nos frisos, vinhetas, cantoneiras nas letras que utilizavam um

esmero de técnica, diferenciando-se e dando efeito maior que as demais publicações. (Figuras

3/4/5). Nas duas primeiras décadas houve no Paraná um aprimoramento da especialização

gráfica, além do aumento do numero de tipografias reconhecidas nacionalmente pela acuidade

técnica e artística. Na revista atuava um grupo seleto de escritores que tinham em comum seu

amor pela escrita poética e sua posição social privilegiada. Características apresentadas até a

exaustão em cada número da revista publicado. Segundo seus idealizadores, a revista surgia,

com o intuito de ‘alimentar’ o intelecto e romper com o senso comum das publicações já

existentes:

Page 19: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

17

Tudo atiramos ao lado, como banalizada: e nós, destruidores que nos tornamos, nada criamos para manter a nossa existência no meio commum, com a perfeição de ente sociável. Somos de um snobismo especial: derruimos, abandonamos: não substituímos, nem procuramos copiar o que de novo transfigura entre os povos.17

Materializando o que definem como ideal em sociedade, divulgam nas páginas

internas reportagens, contos e crônicas, nos quais a ilustração tem sempre destaque. O cunho

nacionalista domina o discurso da revista. Além disso, O Itiberê deixou sua impressão sobre os

mais variados assuntos, traz nas suas edições informações sociais, uma vez que idealizada,

pelo Club Literário de Paranaguá, os Estatutos do Clube traçam suas finalidades sociais,

culturais e literárias:

Capitulo I: Dos fins Sociais: Art 1º - O Club Literário de Paranaguá, fundado em 9 de Agosto de 1872, é uma associação literária e recreativa, tendo nesse intuito os seguintes fins: a) manter uma biblotheca em condições de facilitar a leitura de obras literárias e scientificas, de jornaes, revistas e outras publicações; b) manter aos sócios , toda a espécie de diversões, como sejam: Dança, musica, leitura, conferencias, jogos lícitos e outros, procurar por meio de correspondência continua, a approximação de associações congeneres destes e outros Estados, mantendo permuta de livros, jornaes, revistas e publicações. 18

A revista chama a atenção pela riqueza de seus textos e exaltação as mais variadas

publicações: livros, revistas, periódicos, folhetins. Seus textos entregavam-se e integravam-se

ao espaço social que os circundava, de modo essencialmente poético, mágico. Na sociedade

paranaense idealizada que somos convidados a entrar, os escritores encontram no Clube

17 O ITIBÊRE. Anno I. Nº 2.1919. 21 DIÁRIO OFFICIAL. Estatutos do Club Literário de Paranaguá. Anno III, nº 741. p. 4.

Page 20: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

18

Literário, o local adequado à socialização de suas experiências nos mais variados campos.

Revista esta produzida por figuras da elite Parnanguara e Curitibana, em especial os que

atuavam diretamente no exercício do poder. Por representar os valores da camada elitista da

população os volumes da revista demonstram sua postura conservadora. Espelhando de certa

forma o chamado pensamento conservador, o periódico, adquire características peculiares. As

atividades informativas do Itiberê giravam em torno de temas amenos, sociais, e suas

publicações, em virtude de pertencerem a um clube literário, traziam muita produção literária

como poesias e contos.

No Baile... Vasto salão. Decorações, combinantes. Lustres de luz, pingentes, luminárias, Chromos gentis, vestidos elegantes. Flores esparsas, attitudes várias. Todos gosavam Jovens amorosos. Permutavam-se o mel das ambrosias... E eu triste, a um canto, (ó Deus dos invejosos) Dizia mal d”aquellas alegrias Meus olhos viam tudo mal disposto Um chalé, um cinto azul, um lugar, um rosto... Tudo raso, banal e sem figura! Mas Laura entrou!... Que suggestão immensa! Todo o salão brilhou, á luz intensa, Vinda d”aquelle sol de formosura!19

Além da divulgação de acontecimentos sociais: bailes, visitas ilustres.

... Em seguida realizaram-se as danças, que transcorreram animadas. A família paranaguense satisfeita, festejava com jubilo o anniversário da sociedade que tanto tem contribuído para a sua união e progresso. Causou agradável surpreza a “Orchestra Mexicana” que pela 1ª vez se fez ouvir. É um

19 O ITIBERÊ. Anno II. N.º 14/1920. p. 116.

Page 21: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

19

conjunto de rapazes da nossa sociedade sob a direção do professor Arzua. Tocou também a Banda da Força Militar do Estado, cedida pelo presidente Munhoz.20

Os escritores d’ O Itiberê davam destaque especial às informações literárias

bibliográficas, e às personalidades do ano. Possuía muita divulgação cultural, apresentando

diversos intercâmbios com outras nações, publicações estrangeiras, e educacionais. O tema

feminino também está por toda à parte, indicando um público potencial que pretende

conquistar. A perspectiva e as linhas do periódico nos remetem a temática urbana, o periódico

passa a ser o contato com o que acontece no espaço público parananguara.

O Olho da Rua era uma revista quinzenal auto-intitulada humorística, que

circulou em Curitiba e região, de 1907 a 1911. Olho da Rua Com uma tiragem inicial de 2000

exemplares, dobrando a partir do segundo número. Custava 200 réis e o endereço da redação

era a rua Ébano Pereira, número 4. Os sócios-fundadores da revista seriam Seraphim Franca,

Heitor Valente e Mario de Barros. A revista compunha-se, geralmente de 28 a 30 páginas e

sua capa trazia sempre uma charge colorida, o título da revista ao alto da página, alem da data,

do número do exemplar, e do preço. Tudo definido por linhas curvas e sinuosas, bem ao gosto

do art noveau e da belle epoque. O destaque da capa e a charge que se completa com o titulo

de cena, com as palavras-chaves incorporadas ao desenho e o texto fora de cena, na margem

inferior, tratando-se normalmente de um diálogo. Em seguida constam duas ou três paginas de

anúncios e uma espécie de folha de rosto, contendo novamente o titulo, e, ainda, a tipografia, a

periodicidade, a tiragem, o endereço da redação. Isso tudo no terço superior da página.

(Figuras 6/7).O restante era o espaço da charge que abria a revista, sendo geralmente uma

sátira política, em preto e branco, possuindo um titulo e um texto-diálogo que a completava. A

revista possuía diversas seções escritas, como a Cronica das Ruas e Cartas de um Caipira,

cujo forte teor político, comparava o meio urbano e o rural, onde apareciam o sotaque e as

expressões da fala regional, as diferenças entre os coronéis e a política da capital. Comentava

a cidade e os problemas urbanos pelo olhar interiorano. Letras Caricaturadas era a seção de

poesias, sonetos ou contos ilustrados. Nela se percebe uma marcante influência simbolista.

Autores como Emiliano Pernetta, Euclides Bandeira, Silveira Netto, Nestor Vitor, Leite

20 O ITIBERÊ. Anno II N°s 28/29. 1920. p. 36/37.

Page 22: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

20

Junior, Domingos Nascimento, Julio Pernetta, Gilberto Beltrão, entre muitos, deixaram seus

versos serem destacados com a pena de algum caricaturista. Outros colaboradores para os

textos foram Ildefonso do Serro Azul, Roberto Faria, Miranda Rosa Junior, Rodrigo Junior,

Jansen de Capistrano, José Gelbke.

Nela, um grupo de escritores que tinha em comum seu amor pela arte e seu

anticlericalismo ferrenho (o anticlericarismo do Olho assume, portanto, o papel de afirmação

da liberdade individual, do patriotismo e dos ideais republicanos), características expressadas

em cada um dos números d' O Olho, deixou suas impressões sobre inúmeros assuntos. Esses

escritores manifestavam, simultaneamente, uma complexa rede de representações do espaço

urbano que podem tornar mais fácil compreendermos escritores e espaço. Eles, ao menos em

seus textos, entregavam-se e integravam o espaço de sociabilidade que os circundava de modo

avassalador, perscrutando-o e construindo-o.

O Olho da Rua chama a atenção pela profusão de opiniões transmitidas e assuntos

abordados. A partir de suas páginas pode-se ambientar a vida social paranaense do inicio do

século XX. Chama a atenção também, pela sua proposta editorial contestadora:

É de velha uzança o clássico dever de consagrar-se as primeiras linhas d “um orgam que se funda ao expositivo dos fins a que elle se propõe, ao programma que lhe norma atravez dos tempos Este programma, porem, nem sempre é comprido e muitas vezes modificado na sucessão dos dias de publicidade chega a termos de perder o mais remoto ar de família, a parecença consigo mesmo. O Olho da Rua, por isso, não se define assim com rutilancias de lantejoulas e malacachetas , fazendo solemnes promessas: Não queremos ficar sujeitos a voto algum, a rota alguma que norteie os nossos actos... Queremos voar livres de peias, em busca de simples ilusões, embora, mas que sejam ao menos suaves como uma alfombra onde possamos adormecer sonhando os nossos sonhos de futuro... Não vimos combater moinhos de vento, nem acender bombas de escândalo.

Page 23: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

21

Mas é certo também que não reputamos a loteria uma industria extractiva digna de protecção official, nem nos conformaremos com os votos de castidade do Clero Romano, emquanto forem detidas nas repartições aduaneiras castissimas Freiras conduzindo contrabando de artigos suspeitos. E, assim, surge hoje á luz da publicidade O Olho da Rua, em terras Paranaenses, nestas plagas queridas onde o vento põe vozes ethereas no cimo do pinheiraes.21

No editorial a revista deste o seu primeiro número, a revista se declara imparcial, sem

filiação política, iluminada pela razão, utilizando-se do símbolo do sol, declarando-se guiada

pela analise lúcida dos fatos, em busca da literatura moderna, com uma forte tendência

anticlerical. Temendo trair suas propostas no futuro, ou ficar a mercê de compromissos com os

anunciantes, a revista não se define, num primeiro momento: proposta. Segundo a proposta

editorial da revista os colaboradores eram livres, soltos, utópicos, buscando um novo projeto

de vida, uma certa dose de fuga da realidade, na medida em que procuravam a suavidade e a

sombra, os sonhos de futuro. Pretendiam seguir seus próprios caminhos, sem se apoiar em

estilos ou escolas literárias, e veemente a crítica contra a versão oficial da imprensa e contra o

clero.

Na idealização do espaço urbano a que somos convidados a penetrar, os escritores

encontram um local adequado à socialização de suas experiências nos mais variados campos.

O espaço urbano em que nossos autores circulavam - e que era circulado em seus textos - é

essencialmente boêmio, mágico. Os cinemas e os teatros, bares e bordéis, são descritos com a

familiaridade dos assíduos freqüentadores. O espaço não é descrito detalhadamente, ele é

apenas o ambiente natural por onde eles - e, na maior parte dos casos, seus leitores – circulam:

Apesar do frio intenso reinante as casas de diversões, especialmente o Coliseo, Éden e Smart, têm tido grande freqüência. É que os cinematógrafos cada vez mais atthraem empolgam e deliciam o nosso Zé povo e a burguezia dinheiruda.

21 O OLHO DA RUA. O Olho da Rua. Anno I. N° 1. p. 2.Curitiba, abril de 1907.

Page 24: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

22

Com o magro 500 réis tanto o mais pobre como o mais rico viajam pela Europa, Azia, isto é, em Cairo em Malta, em Nazareth e no Egypto. Differente gênero de diversão, próprio para o inverno, são as dansas bellamente iniciadas nesta estação pelo grêmio das Violetas, que resurgio revigorado e álacre. Assim foi que o gentio gremio constituido pelas violetas coritibanas, orgqnisou um esplendido sarau com cotillon e quadrilha das flores, proporcionando-nos em começo de jumho nos salões do fidalgo Club Curitibano, esplendida e adorável noitada que hade ficar imorredora em nossos corações. 22

São freqüentes os anúncios publicados nos volumes do Olho:

Eden Paranaense: Este bello logradouro funcionará amanhã, sabbado e Domingo, apresentando magnificos programmas, organisados com as ultimas novidades das principais fabricas para as quais chamamos a attenção do respeitavel publico. Colyseo Curitibano: A activa empreza Jayme Muricy, tem proporcionado ao publico, magnificas soiríes theatraes. Brevemente os cartazes annunciarão explendidos numeros de novas attrações.23

Além do seu contexto informativo retirado de notícias sociais, culturais, O Olho da

Rua apresentava um cunho político contestador, avançado e que caminhava em busca da

identidade brasileira. A revista expressava o movimento simbolista24 que tomava conta do

cenário intelectual da época. A influencia literária vinha da Europa com Verlaine, Mallarmè, e

principalmente Baudelaire. A estética simbolista possui uma relação direta com o romantismo,

extraindo da estética romântica suas bases, buscando o espiritualismo e o idealismo. O

22 O OLHO DA RUA. Anno I. N° 1. Diversões. p. 14. 23 O OLHO DA RUA. Anno III. Nº 3. 24 Estética pós-romântica, moldada pela Grande Depressão e pela influência da "filosofia da vida" que a orienta para o antipositivismo, o simbolismo é antes de tudo uma arte sofisticada, marcada por um universo cultural de valores elitistas e aristocráticos.

Page 25: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

23

simbolismo passa a criticar as outras vertentes como o Naturalismo, Realismo e o

Parnasianismo.

O Paraná foi considerado um caso a parte, dada a aceitação e penetração desse movimento, alguns críticos pretenderam compreender isso através da "diferença" entre o mesmo e o resto do país. Tratava-se de um estado europeu no clima, na paisagem e nos habitantes. Outros, como Silveira Neto, acreditavam que assim como o simbolismo francês teve como pano de fundo a revolta de 1870, a corrente simbolista no Paraná teve suas origens na Revolução Federalista, na qual alguns poetas estiveram envolvidos, como Leôncio Correia ou Euclides Bandeira. Em sua maioria, ao que parece, eram legalistas, mas receberam grande influência de Luis Murat, poeta que veio do Rio Grande do Sul para Curitiba acompanhando o líder revolucionário Gumercindo Saraiva. Através de Murat, aprofundaram o contato com as leituras esotéricas. Quando esteve preso, Murat era visitado pelos colegas paranaenses, que levavam seus textos para serem apreciados por ele e que procuravam se inteirar da sua produção. 25

2.1. Editores e jornalistas no ambiente intelectual paranaense.

Os escritores e cronistas se esforçaram no sentido de nos passar a imagem de “uma

cidade que, de sonolenta, pacata e provinciana, transformou-se, graças à ação benfazeja de

seus governantes e índole de seu povo, numa urbs moderna, higiênica e ordeira, apresentada

25 BERBERI, Elizabeth. Impressões: A modernidade através das crônicas de revistas no início do século em Curitiba. Monografia, Departamento de História, Universidade Federal do Paraná. p. 84. 29 BONI, Maria Ignes Mancini de. O espetáculo visto do alto: vigilância e punição em Curitiba (1890-1920). São Paulo, 1985. (Tese de Doutorado/USP). p. 19.

Page 26: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

24

como cidade ideal e harmônica”.26 Embora aqui não tenhamos o mesmo desenvolvimento das

capitais européias, mantém–se um contato estreito com o desenvolvimento intelectual.

Parece-nos a nós que Coritiba, agora, sacode aos poucos a apathia que lhe vai victimando para marchar ao lado das capitaes que avançam (...) o que nos faz experimentar promissoras sensações de progresso é o caminho que a architetura em Coritiba, vae trilhar. Esta cidade, calçando sapatos e sendo rendilhada por casas feitas com arte, será uma cidade ideal. 27

O Paraná era de uma surpreendente efervescência intelectual. Enriquecido pelo

comércio do mate e preocupada com sua própria urbanidade. Tanto Curitiba como o pólo

regional do Paraná, e Paranaguá cidade Porto, manifestavam suas qualidades através de um

grande número de publicações periódicas e de livros escritos por filhos da terra.

Na revista Itiberê, as atividades informativas giravam em torno de temas amenos,

sociais, e suas publicações, traziam muita poesia, divulgação de acontecimentos sociais

relevantes, informações literárias e muita divulgação cultural. Cada edição da Revista

transparecia seu caráter elitista e conservador. Dentre seus escritores, editores e colaboradores

destacam-se figuras ilustres da sociedade paranaense: Francisco Accioly, Leôncio Corrêa,

Francisco Negrão Maia Júnior, Júlia da Costa, Lamenha Lins, Emiliano Perneta, Ermelino de

Leão, João Eugenio G. Marques, Aluízo F. de Abreu, Rocha Pombo, Nestor Victor, Silveira

Neto, Zanon Leite, entre outros.

O Olho da rua era parte integrante e signo da "efervescência" cultural da cidade.

Alguns dos autores que escreviam ali eram Alberto Teixeira (Columero), João Baptista

Carvalho (Rodrigo Jr.), Ildefonso Pereira Correia - o filho - (I. Serro Azul, Jeca Rabecão),

Augusto de Carvalho (Braz Patife), Euclides Bandeira, Silveira Neto, João Candido, Candido

de Abreu, Otávio do Amaral, Hélia Lair, entre outros.

Para realizar seu trabalho, escritores, cronistas e jornalistas e caricatos que atuavam na

Olho da Rua, eram mais reservados. Muitos assinavam por meio de pseudônimos,

Page 27: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

25

conservando o anonimato, em especial defendendo-se dos temas controvertidos que

abordavam. Uma herança deixada pelo simbolismo. Muitos desses escreviam também para

outros periódicos como Fanal e Club Coritibano. Um dos grandes colaboradores da revista foi

Euclides Bandeira (1876-1947), livre pensador e republicano convicto, que sob os

pseudônimos de Helio, Gil, Gil Pachola, Shop Nhauer, Diavolo, Ruy Pacheco, Stellio, Fra

Diavolo, Hermann, DelmiroCaiuby, D. Juan Lascivo, Marques de Val Vinos, Flavius, Max,

participou também do Diário da Tarde, da Noticia, das revistas Jerusalém e da redação de A

Esfinge. Entre os caricaturistas, uma das figuras mais importantes foi a de Mario de Barros,

sob o pseudônimo de Heronio ou Sá Christão. Mario de Barros também foi colaborador das

revistas A Carga, O Sapo, Paraná Moderno, A Bomba, entre outras.

Em Curitiba, por exemplo, a maior parte deles colaborou em várias revistas, pois elas além de serem a continuação de sua formação, reuniam os grupos de intelectuais mais destacados, influenciando o trabalho de algumas gerações. As revistas e jornais eram veículos apropriados para a disseminação de idéias e para as discussões sobre os acontecimentos presentes, além de serem o espaço para aqueles que ainda estavam começando a escrever(...) Em Curitiba a movimentação intelectual através das revistas, clubes, grupos de pensadores que se reuniam para "lutar" pelas artes e pelo desenvolvimento da sociedade foi muito forte. Os jovens literatos tinham como seus modelos às figuras de Dario Vellozo28, Emiliano Perneta,

27 O OLHO DA RUA. Chronica da Rua. 22/07/1911. 28 Dario Velozo pregava o combate ao clericarismo, a liberdade de consciência, a consolidação da Republica, opunha-se ao ensino confessional, defendia o operariado e atacava a burguesia.

Page 28: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

26

Rocha Pombo, Emílio de Menezes, entre outros. Procuravam levar adiante as propostas de divulgação da literatura local, bem como formar uma intelectualidade atuante que, além de acompanhar o desenvolvimento, ajudasse a promovê-lo. (...) É um momento em que a intelectualidade se vê como portadora de novos caminhos, como elemento que irá ajudar no desenvolvimento da sociedade...29

2.2. Análise do conteúdo veiculado

O conteúdo veiculado pelas revistas em evidência possibilita uma pequena

reconstituição da cidade de Curitiba, no final do século XIX e início do século XX. Conteúdos

identificados com as classes culturais, onde editores, escritores, artistas divulgam seus

pensamentos e pareceres. São textos de escritores, jornalistas, historiadores e cronistas, que

partindo da ótica da elite intelectual e também da própria população de Curitiba e Paranaguá,

constroem e contextualizam as cidades, segundo sua visão particularizada.

No discurso da imprensa aqui privilegiado havia a nítida divisão de posturas

políticas. Na revista “O Itiberê” tradicional e “Olho da Rua”, contestador, os discursos que

evidenciam o posicionamento político dos jornais e revistas paranaenses do período.

O discurso que a elite paranaense elaborava na revista O Itiberê sobre a cidade de

Paranaguá, através de seus cronistas, escritores e historiadores, era marcado por forte ênfase

29 BERBERI, Elizabeth. Impressões: A modernidade através das crônicas de revistas no início do século em Curitiba. Monografia, Departamento de História, Universidade Federal do Paraná. p. 63. 33 BARTHES, Roland. O mito, hoje. In: Mitologias. São Paulo, DIFEL, 6º ed. 1985. p 132.

Page 29: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

27

num enfoque "progressista", típico de uma cidade em processo de urbanização. O Itiberê tinha

um cunho acentuado de divulgação moralista, elitista, diferenciando muito sua linguagem com

termos eruditos, clássicos. “Criava-se uma urbe sem problemas, sem mazelas, habitada por um

povo ordeiro, saudável e trabalhador, que a construía para seu grande destino de metrópole dos

paranaenses”.30

Todos os componentes desta formação discursiva apontavam, para a noção de

progresso, em seus diversos aspectos: arquitetônico, urbanístico, comercial, industrial,

educacional, político. Curitiba e Paranaguá do final do século XIX e início do século XX já

eram cidades em final de transição urbana. Os principais jornais da época manifestavam

seu parecer positivo sobre a revista como exemplo:

O Itiberê... Entre bellas revistas que possue nosso Estado, uma merece logar de destaque, quer pela parte litteraria, que pela esthetica, que sem duvida nenhuma é a revista mais elegante que possuimos actualmente... (da Gazeta do Povo). A bella revista paranaense vae dia a dia mais se aperfeiçoando cumprindo impavida a sua elevada missão social. O Itiberê insere varias produções de escritores patricios, presta uma homenagem a memória do saudoso poeta Emiliano Pernetta e estampa um cliché da familia Imperial quando esteve naquella cidade em 887. O cliché da capa é um pittoresco aspecto da Ilha das Cobras, sitio encantador da Bahia de Paranaguá. (D’A Republica).31

O perfil editorial da revista “Olho da Rua”, retrata de forma mais informal, trazendo

as notícias sociais, culturais, difusão de possibilidades de entretenimento, e com um enfoque

mais contestador, inovador e que procurava conduzir seus leitores a um comportamento

comedido, mas com opinião formada na política, em especial voltada para o crescimento e

desenvolvimento democrático. O Olho possuía uma idéia de progresso diferenciada de

31 O ITIBERÊ. Assumptos sociais. Nº 22, fevereiro de 1921.

Page 30: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

28

algumas revistas mais conservadoras, como o periódico Itiberê, uma idéia de progresso que

não exclui, mas inclui. Progresso que abrange o prédio da prefeitura ao bordel, das redações

das revistas e dos jornais ao Hotel Paris, do Ginásio ao botequim, do cassino ao

cinematógrafo. Todos esses aspectos configuram-se no próprio progresso. Tudo que surge é

novo é moderno.

Angela Brandão na obra A Fabrica de Ilusão, demonstra sua opinião sobre a revista:

Periódico curioso O Olho da Rua. Criada e levada adiante por um grupo de jovens intelectuais provincianos, a revista publicava acidas criticas políticas e sociais, sempre com um humor às vezes infame, as vezes inocente e algumas vezes timidamente obsceno. Através do riso chegava a inverter certas ordens e valores, desmascarando um pouco as hipocrisias sociais da época e da cidade. Trazia ainda algumas intenções literárias, crônicas em forma de poema, etc., estilo revelação de talentos. O que mais chama a atenção, aqui, e a presença de fotografias e charges humoristicas-desenhos feitos as pressas, reduzidos aos traços principais, com um certo realismo muitas vezes grosseiro.32

São encontradas muitas charges vinculadas a personalidades políticas

locais.(Figura 8). A revista era povoada por personagens relacionados ao cotidiano e a política

local, mostrando fragmentos das redes de relações entre diferentes camadas sociais e a sua

convivência tumultuada com o poder. Ela revela uma cidade como palco e cenário de tensões

socais. O Olho da Rua não e apenas espelho, mas espaço de uma possível tradução de

32 BRANDÃO, op. cit. p. 46.

Page 31: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

29

cidadania. Assim os personagens, através de suas reclamações, reivindicações, ironias,

dúvidas, decepções, parecem procurar exercer de alguma forma um papel ativo. As demais

temáticas se desenvolvem em torno da política convencional, delimitando um retrato do

domínio oligárquico, da cidadania, da modernização da cidade e do controle social, do

anticlericarismo. Conforme ilustra o texto do olho abaixo:

Curytiba obedecerá á lei de Peletan, e irá pouco a pouco no seu cortejo bizarro de cousas novas, conquistanso a fama de ... prima inter pares. Sim, he de ser calçada (talvez a asphasto?...), há de Ter (porque não?) empreza de saneamento, bondes eletricos da “ligth”, ruas varridas meticulosamente por uns cortezes garçons (...) Teremos tudo: As polacas não gritaram mais insolentemente á nossa porta offerecendo batatas e feijão, nem o pipeiro com estardalhaço enchera nossa casa de plastas de lama em dias de chuva. Há de tudo se reformar, e, até o chafariz do Juca Enéas rolará por terra mutilado, desfeito, pela clava possante dos obreiros do progresso. 33

O Olho da Rua diferentemente do periódico Itiberê questiona os caminhos tomados

para se chegar a uma identidade paranaense e a busca da civilidade. Revela-se ao

distanciamento entre o discurso da imprensa e a verdadeira realidade paranaense. Revelam

ainda, nas linhas do periódico uma análise crítica do papel da imprensa na função de

formadora de opinião.

Reclamando da propaganda feita pela imprensa, divulgando o desenvolvimento do

estado, as maravilhas que produzimos, ignorando a real situação de seu povo. As críticas do

Olho da Rua, imbuídas de ceticismo em relação à modernização da cidade, do receio diante do

crescimento urbano, contribuíram, através das reclamações de seus personagens, para

reelaborar o universo de espanto e admiração face à rapidez das mudanças.

33 O OLHO DA RUA. A Reforma. 08/06/1907.

Page 32: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

30

A análise de O Olho permite a constatação de que a revista era um espaço de

manifestações. Enquanto o Itiberê defendia os interesses de uma elite O Olho preocupava-se

em defender os interesses do povo.

O Olho teria visto o que o povo sentia, contando a historia da forma como foi

interpretada por aqueles que realmente a viveram. Em relação aos serviços públicos O Olho

denunciou um serviço público urbano bastante rudimentar no que diz respeito ao fornecimento

de água e ao saneamento da cidade, temas constantemente usados para inúmeras charges no

periódico.(Figura 9).

A reação popular se fazia presente através de personagens que em seus diálogos, em

seus pensamentos, em seus gestos, denotavam ceticismo e frustração: é esse o caso do homem

que caminha se perguntando onde anda o saneamento, o esgoto de que tanto falam. O Olho

retratou uma dura realidade cotidiana. Retrataram as reclamações da população contra os

bondes e a sua desconfiança no transporte urbano, na sua segurança e eficiência. São várias as

caricaturas e reportagens a respeito. Críticas e sátiras sobre obras públicas como a higiene e

saneamento básico povoam as páginas do Olho:

Agora sim, bonito, vamos ouvir coisas do arco da velha. Foi concedido ao Saneamento o direito de contar os transes dolorosos por que tem passado. Vamos ver com certeza em audiência no fórum, presidido pelo doutor Octavio, sizudo e grave na sua compustura de juiz, canos, manilhas, entroncamentos, e etc, em miseráveis cacos, a contar suas tristíssimas histórias mais ou menos assim: Uma manilha da rua da Liberdade – foi uma lástima Dr. Octavio, naquela rua não se obedeceu uma prescrição técnica. O Simonds mandava abrir um valo a torto e a direito záz nos enchafurdava no meio de uma lama preta, onde mal a terra nos cobria ficávamo assim como um bodoque e nào havia espinha que resistisse... O Dr. Pernetta protestou mil vezes contra aquele abuso, compadecido do nosso doloroso sofrer, mas qual, gritava no deserto...34

34 O OLHO DA RUA, Nº. 1, 13/04/1907.

Page 33: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

31

O Olho retratou uma dura realidade cotidiana em face às mudanças ocorridas na

sociedade, o crescimento da população, a modernização e a urbanização da cidade. Tais

mudanças provocam a insegurança das classes dominantes face ao aumento do número de

pessoas marginalizadas, pobres, desempregadas e exploradas. Torna-se necessário e urgente

redefinir a ordem social. A manutenção da ordem torna-se fundamental para a continuidade

do progresso. Impõe-se a vigilância redobrada da população e o esquadrinhamento dos locais

públicos, levando a polícia a atingir o cotidiano da cidade, no trabalho e no lazer das classes

menos favorecidas. Foram satirizadas e mesmo colocadas em contradição pelo O Olho os

discursos repressivos e as próprias autoridades policiais. O enfoque dado pela revista, em

relação e a população e o poder constituído, reforçava sempre a imagem da polícia como

ineficaz e incompetente.

As críticas expressas pela revista e delineadas em suas charges referem-se a política

vigente, aos conchavos e coligações, as fraudes eleitorais, a relação do cidadão/poder, a

imagem do povo, sintetizado, muitas vezes, no personagem Zé do povo ou simplesmente Zé.

Sobre a questão dos limites, entre o Paraná e Santa Catarina, o Olho publicou uma entrevista

com o personagem Zé Povo sobre o assunto:

Questão de limites Importante Interview. O Olho da rua entrevista o Exmo. Sr. Zé Povo

- Vá dizendo. Eu como sabe sou pão, pão, queijo, queijo.

- Pois então lá vào obra . Como a Excellencia é o mais interessado na questão de limites com S. Catarina, quizeramos ouvir sua opinião.

- Esta ahi. E Zé Povo apontou para o

revolver. Era por demais synthetico. [ A tiro? _ Pois com certeza. Estão a me

fazer de bobo. Aquelles terrenos são meus, muito meus. Couberam-me por herança legitima: tenh-os zelado, amo-os com todas as vétas; como agora m”os querem extorquir?

_ Perfeitamente. Duas o Supremo Tribunal resolveu...

Page 34: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

32

- Que tribunal nem meio Tribunal. Elle, de sucia com os catharinetas, está bobeando os paranaenses. O que me damna é o nosso governo estar com tanto luxo. Não há quem não saiba por esses Brazis afora que o tribunal julgou por politica e não pelo direito. E sendo assim, respeite-o quem quizer menos eu.

- Pelo que diz, a Excellencia já perdeu toda fé nos políticos dirigentes do Paraná?

O Zé Povo desandou numa gargalhada.

- Há q”annos, moço: hs q”annos. Entonces, si elles tivessem algum valor as cousas marchariam neste geito?

Embatucamos. - Creia moço. Não valem dez

reis de mel coado na politica nacional. - Entretanto (aventuramos) o

senador Alencar Guimarães, conhece-o? - Não conhecesse eu outra

bisca! O homem dos dois pareceres ou das duas caras. Esse, moço, é o maior culpado, porque desencabeça os outros. Não viu a pouco com a nomeação de um advogado auxiliar? Os deputados Carlos Cavalcanti e Correia Defreitas, o Romario e eu, Zé Povo, queriamos o Moacyr ou o Irineu, dois turunas feitos para a hora. O senador Alencar metteu na cachimonia do monge que elles, embora turunas, são contrarios ao Pinheiro Machado!!

- Coisas da politica... - Alto lá, que tenho eu, que

tem o Paraná com os interesses politicos de seu Alencar? Já de outra vez foi assim e que fez o tal de Pinheiro Machado pelo Paraná?

Embatucamos de novo. - Fez lhe uma figa de mão

fechada. Por isso, entendo que devo me defender como posso. Tenho no Estado perto de 3.000 moços que conhecem intrucção militar e mais de 15.000 caboclos que só querem uma carabina.

- E o governo federal?

Page 35: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

33

Que tenho eu com elle? Defendo meu direito e si elle mandar me fuzilar, ficara com essa gloria vermelha e eu com a de Ter sabido bater-me pelo que me pertence.

Cebo para o resto. A Excellencia exaltara-se. Deu

algumas passadase depois, parando. - Desculpe, este assumpto me

tira fora dos eixos. Só lamento o Paraná não Ter um homem no governo.

- Ora essa! Então o dr. Xavier da Silva?

- O dr. Xavier...35

O personagem Zé Povo foi presença constante nos volumes d’ Olho e de outros

periódicos nacionais, representava o anseio de participação ativa do povo no governo. O

personagem representava o povo e sua relação direta com o poder instituído. O personagem

raras vezes era representado consciente de sua atuação efetiva, de sua participação, exigindo

direitos. Apresentava-se muitas vezes, como vítima, impotente, enredado pelas artimanhas das

relações de poder, algumas vezes astuto, maroto, perspicaz, de olho atento às articulações e

conchavos políticos, outras vezes conivente com a situação, reiterando o discurso das elites

dominantes. Estão nas charges do Olho as críticas mais expressivas da revista sendo povoadas

por personagens relacionados ao cotidiano e à política local. Onde seus personagens através de

suas ironias, dúvidas, reclamações e decepções parecem obter um papel ativo em sociedade.

Representando os ideais do povo.

O sucesso do periódico entre a população paranaense constata-se através de uma

das colunas do segundo volume da revista, coluna encarregada por responder as cartas

enviadas pelos leitores:

Mario Ribas – Ponta Grossa – Não há mais “O Olho da Rua” nº 1 O Sr. Não soube que a edição foi esgotada no mesmo dia? Pois fique sabendo. Entanto para satisfazer o uns 500 pedidos iguaes ao seu, vamos proximamente

35 O OLHO DA RUA. Questão de limites. A Bala. s/p. Anno IV. 22/6/1911.

Page 36: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

34

reeditar o 1 número ahi então o Sr ficará servido.36

2.3. Tendência de atendimento das revistas

A revista O Olho da Rua era um periódico quinzenal, com uma tiragem inicial de

2000 exemplares sua tiragem dobra a partir do segundo número. Pelo preço a revista que

custava 200 réis, seu público alvo era o povo. O periódico procurava se inserir em meios

populares defendendo os ideais políticos das classes populares e os interesses das classes

menos favorecidas em todos os aspectos. A revista era extremamente popular e sua linha

editorial. Sempre procurou enfocar o ponto de vista não oficial, mas próximo da opinião

pública. No interesse de procurar uma cumplicidade com o leitor, houve uma forte tendência

de se buscar o tipo caricato, os aspectos típicos de um dado personagem, nos chamados tipos

da cidade, fixados por uma pose, um gesto, um hábito, um detalhe identificado apenas pelos

que compartilhavam o cotidiano da urbe. Ambulantes, marginais ou cidadãos reconhecidos

pela população, que pontuavam a paisagem curitibana, desfilaram pelas paginas do Olho da

Rua, revelando segredos e locais estratégicos da cidade, construindo um outro olhar,

percebidos pelos mais diversos olhares.

O Itiberê, por sua vez, dedicava-se a divulgar cultura, literatura, como práticas

esportivas (as regatas o futebol), também divulgações de livros e revistas de autores famosos

da época, além dos eventos sociais. Custava 1000 réis o número avulso. Seu público alvo era a

elite paranaense, atendia e divulgava nas suas páginas interesses das classes mais favorecidas.

Defendia ferozmente o progresso e nacionalismo em suas páginas. Relatava em seus números

a sua utópica a urbe perfeita.

36 O OLHO DA RUA. Anno I. Nº 2. p. 53.

Page 37: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

35

Festival campestre Sob a claridade de um dia magnifico, realizou-se no dia 15 do corrente, no Rocio, a festa campestre organizada pelo Club Litterario. A despeito de se terem effectuado no mesmo dia, na cidade, a procissão do D. E. Santos um importante match de foot-ball no Rio branco, o lindo arrabalde tradicional regorgitou do que havia de mais selecto em nosso meio social, para assistir essa festa elegante, que em boa hora a Diretoria do Club resolveu organisar. Do exito da festa, dirão comnosco todas as pessoas que lá estiveram: foi o mais completo.37

37 O ITIBERÊ. Noticiário. Festival Campestre. Numero 2, junho 1919.

Page 38: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

36

Figura 1. Anno I. Nº 2. Paranaguá, junho de 1919.

Page 39: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

37

Figura 2. O Itiberê. Sumário. Anno II. Nº 14.Paranaguá, junho 1920.

Page 40: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

38

Figura 3. O Itiberê. Anno III. Nº 27. Paranaguá, julho, 1921.

Page 41: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

39

Figura 4. O Itiberê. Sumário. Anno III. Nº 22. Fevereiro, 1921.

Page 42: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

40

Figura 5. O Itiberê. Anno II. Nº 15. Paranaguá, julho de 1920.

Page 43: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

41

Figura 6. O Olho da Rua. Anno 1. N º 1. Curitiba, abril de 1907.

Page 44: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

42

Figura 7. O Olho da Rua. Anno 1. N º 3.

Page 45: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

43

Figura 8. O Olho da Rua. Anno II. Curitiba, fevereiro de 1908.

Page 46: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

44

Figura 9. O Olho da Rua. Anno I. Curitiba, maio de 1907.

Page 47: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

45

CAPÍTULO 3

3. Perspectivas que as revistas construíram da sociedade paranaense

As revistas apresentam um enfoque diferenciado da qualificação moral da população. Esta se

apresenta em seu discurso como a visualização concreta das relações urbanas que se apresenta

como uma população civilizada. Os intelectuais que escrevem no início do século XX seguem

de perto o movimento urbano, engajados na idéia de transformação do espaço urbano e da

modernização. Confiando no novo através da imprensa deixaram os mais variados registros.

O periódico O Itiberê discursava conforme o discurso oficial do período. Enaltecia a

urbanidade e todos os símbolos instituídos por ela. Deixava de lado as mazelas que a própria

urbanidade trazia as cidades. Seu discurso criava a urbe utópica. Não privilegiava as

complicações urbanas e socais que o urbanismo e o modernismo traziam consigo. Ao contrario

de O Olho, que mostrava os dois lados do crescimento da urbe, o Itiberê desconhecia os

problemas políticos e sociais. O Itiberê relata que as pessoas tornaram-se mais comedidos e,

sobretudo menos familiares, mais urbanos. A par das modificações nas atitudes, surgiu, com o

progresso da cultura e a melhoria da cidade, um ar de contentamento geral da população,

comparada às cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.

Nesse sentido, em uma comparação entre Curitiba e São Paulo, Nestor Victor afirma:

No que as duas capitaes muito se assemelham é no ar cosmopolita, ou melhor, na feição européa que offerecem, com a differença de que em S. Paulo o italiano ainda predomina muito, ao passo de que em Coritiba já não há predominio patente de qualquer nacionalidade estrangeira sobre outras.38

No periódico Itiberê é evidente o caráter classicista do discurso abordado pelo

periódico, procurando impor uma moralidade, relatando o progresso como algo ideal, sem

38 VICTOR, Nestor. op. cit. p. 117.

Page 48: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

46

contradições. “Quando os autores falam da capital passam a imagem de uma sociedade

perfeita. Uma civilização fundada nos mais altos princípios de disciplina e progresso”.39

O periódico O Olho atua como catalisador cultural num mundo onde a camada letrada da

população já não passa sem ele. Registrando momentos do cotidiano.

Por mais que as correntes de pensamento fossem divergentes - havia os que enalteciam o progresso e a ciência e os que lamentavam-nos eram, de qualquer forma, propostas alternativas. Mesmo que esta alternativa fosse marginal - caso do jogo e da boemia - ela estaria sendo moderna, pois a própria marginalidade conferia uma aura de modernidade à cidade. A intelectualidade se coloca portadora desse novo tempo.40

O escritor representa o indivíduo que incorporou seu tempo, que assumiu a

modernidade na dimensão em que ela se manifestou. Ele, o escritor, faz parte desse quadro

como um dos símbolos da modernidade, como figura típica.

O Olho nos seus volumes demostra curiosamente o “progresso do espaço público” que a

capital apresentava:

Bendicta a lama que por estes dias últimos tem tapetado as ruas da cidade com suas formidáveis camadas peganhentas. Eu digo bendicta porque as damas gostam immenso de arrepanhar as saias por luxo mais do que por asseio, e, ainda mais do que por isso, para a exibição da perninha roliça.41

Choveo aos potes por ahi [...] Enquanto lá por cima, pelas nuvens, roncavam trovões pesados e redondos e as ruas intransitáveis a vão impediam o flirt delicioso do bom tom, os

39 RIBEIRO, Luiz Carlos. Memória, trabalho e resistência : Curitiba,1890-1920. São Paulo, 1985. Dissertação (Mestrado), Universidade de São Paulo. p. 27. 43 BERBERI, op. cit. p. 76. 44 O OLHO DA RUA, Chronica Elegante. N º. 05, s./p., 08/ jun./ 1907

Page 49: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

47

povos empenhados na boa conducta dos destinos pátrios se ficavam por casa resolvendo o sério e momentoso problema do povoamento do solo.42

Era há muito tempo cantado em verso e prosa o mau tempo curitibano, as ruas, da

mesma forma, ainda que constantemente enlameadas são espaços merecedores de

representações para o olhar crítico da revista.

Sobre o projeto de embelezamento da cidade prometido pelo Dr. Caio Machado e divulgado

na imprensa, "Licério" tem uma opinião muito clara de qual deve ser a função da cidade

moderna:

- Mas, eu pergunto, sae ou não sae este projecto?

[...] - Eu quero ver logo o início desta transformação nella. porem, nem mais se fala siquer? Isso dá para a gente duvidar. - Pois sim, duvidando, fiquemos a imaginar o subito progresso de Coritiba - longas avenidas, por onde hão de passar suaves perfis de virgens sonhadoras e almas de moças recebendo a alegria communicativa da luz... e outras cousas que não podemos dizer, porque estamos, neste assumpto social, como os crentes de Moyses, - si me não trae a memória - contemplando, de longe, a Terra Prometida, que o profeta mostrava... 43

Devido ao caráter oposicionista do Olho torna-se possível perceber que as condições

da cidade não eram tão belas e magnânimas. O Olho:

Deixa de lado a idéia de uma Curitiba opulenta, suntuosa e democrática dos senhores Rocha Pombo e Romario Martins, porta-vozes da memória dominante, e busca conhecer outras

42 O OLHO DA RUA Chronica da Rua. N º 11, s./p., 07/ set./ 1907. 46 O OLHO DA RUA. Criticando. Nº 02, p. 18, 27/ abr./ 1907.

Page 50: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

48

memórias e percorrer becos ocultos, ouvir também o discurso surdo do submundo, o andar pesado e maltrapilho dos operários, a luta sofrida dos pobres contra a tísica e a crupe, a carestia e o desemprego. Mas, o profundo abismo que separava trabalhadores e proprietários, dentro do espaço curitibano que se urbanizava, parecia inviabilizar qualquer política que tentasse concilia-los.44

3.1. Posicionamento das revistas diante da dinâmica da vida social no Paraná no início do

século XX

As revistas descrevem a afirmativa da urbanidade de Curitiba de forma visível e por

vários enfoques, como por exemplo, pela arquitetura e urbanização; desenvolvimento

comercial e industrial; incremento da vida cultural e intelectual; ampliação do sistema

educacional; e ampliação e desenvolvimento dos bairros, e colônias da cidade.

O Itiberê sobre estes aspectos, desenvolve-se o discurso ufanista e com grande ênfase

nas concepções de civilização, progresso e modernização como um todo integrado e

interdependente. Seu relato confunde-se com o discurso extremamente progressista do

período. Posição similar a do periódico se afirma na obra do historiador José Francisco da

Rocha Pombo, O Paraná no Centenário: (1500-1900), publicada em 1900:

A nossa Capital é uma das mais belas, das mais opulentas e grandiosas do Sul. Quem viu aquela Curitiba, acanhada e sonolenta, de 1853, não reconhece a Curitiba suntuosa de hoje, com as suas grandes avenidas e boulevards, as suas amplas ruas alegres, as suas praças, os seus jardins, os seus magníficos edifícios. A cidade é iluminada a luz elétrica. É servida por linhas de bonds entre o Batel e o

44 RIBEIRO. op. cit. p.38.

Page 51: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

49

Fontana e a estação da estrada de ferro, aproveitando quase toda a área urbana. O tráfego diário conta, além do que fazem os bonds, com mais de 1.000 veículos diversos. Há em plena atividade, dentro do quadro urbano, mais de trezentas fábricas e oficinas e no município todo, perto de 600! Já se funde em Curitiba tão perfeitamente quanto no Rio. Já se grava e já se fazem, em suma, todos os trabalhos de impressão tão bem como os melhores da Europa. O movimento da cidade é extraordinário, e a vida de Curitiba já é a vida afanosa de um grande centro. Existem para mais de trinta sociedades, clubes e instituições de ordem popular. Contam-se seis colégios particulares, cinco livrarias, nove tipografias, muitas de primeira ordem, e uma litografia importantíssima. Entre os estabelecimentos de ensino, além do Ginásio e da Escola Normal, que são oficiais, contam-se a Escola de Artes e Indústrias, o Conservatório de Belas-Artes, o Seminário Episcopal, etc., Publicam-se presentemente na Capital paranaense oito jornais, sendo quatro diariamente. Aos estrangeiros que têm entrado naquela terra devemos o concurso mais esforçado e mais eficaz, que um país novo pode esperar da imigração. As colônias mais numerosas e importantes, incontestavelmente são a portuguesa, a alemã e a italiana. A essas colônias cabe uma parte notável no progresso do Paraná. (...) Mas devemos também a imigrantes de outras nacionalidades, menos notáveis pelo número, mas tão operosos e tão dignos da nossa fraternidade como aqueles. Curitiba, como S. Paulo, como tantas cidades de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, é um centro cosmopolita. A heterogeneidade da população, no entanto, nunca impediu o sincero congraçamento moral em que se funda sobretudo a ordem e de que derivam a coesão e o vigor do espírito cívico local. Nas nossas festas públicas, ao lado dos estandartes dos nossos clubes e associações, figuram os estandartes das associações e dos clubes de todas as colônias. (...) Elas têm sabido trabalhar

Page 52: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

50

pelo futuro daquela terra; têm sabido amá-la, e, com razão, porque afinal é a pátria de seus filhos; e todas têm sabido até sofrer conosco, resignadas e discretas, nos momentos mais difíceis de nossa vida.45

A comparação entre a velha e a nova Curitiba está presente e em destaque, bem

como se reafirmam categoricamente os conceitos de civilização e progresso como

determinantes para o futuro da cidade.

A população paranaense é vista, no tocante a seu caráter, como ordeira, disciplinada,

empreendedora e, principalmente, civilizada. Com ênfase em aspectos diferentes deste quadro,

os cronistas e historiadores constroem discursos que se manifestam diante de uma população

portadora de requisitos adequados para habitar a urbe formada dentro de um discurso burguês.

Neste aspecto, os discursos são curtos, incisivos mostrando as qualidades do caráter da

população como sendo algo inato, que merece uma descrição cuidadosa de sua mudança e

aperfeiçoamento, que paulatinamente ocorre.

Por mais que as correntes de pensamento fossem divergentes - havia os que enalteciam o progresso e a ciência e os que lamentavam-nos eram, de qualquer forma, propostas alternativas. Mesmo que esta alternativa fosse marginal - caso do jogo e da boêmia - ela estaria sendo moderna, pois a própria marginalidade conferia uma aura de modernidade à cidade. A intelectualidade se coloca portadora desse novo tempo.46

O escritor representa o indivíduo que incorporou seu tempo, que assumiu a modernidade

na dimensão em que ela se manifestou. Ele, o escritor, faz parte desse quadro como um dos

símbolos da modernidade, como figura típica.

No Olho da Rua Euclides Bandeira na sua coluna relata nitidamente a visão da rua do

homem moderno no início do século:

45 POMBO, José Francisco da Rocha. O Paraná no Centenário (1500-1900). 2 ed. Rio de Janeiro: José Olympio; Curitiba : SECE/Pr., 1980. P. 141-143. 49 BERBERI, Elizabeth. Impressões: A modernidade através das crônicas de revistas no início do século em Curitiba. Monografia, Departamento de História, Universidade Federal do Paraná. p. 76.

Page 53: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

51

D' aqui eu vejo a rua toda. (...). Aqui é o meu ponto favorito; é como se estivesse na platéia de um grande theatro, attento para o palco onde se desenrolassem, trágicas e terríveis as scenas palpitantes de um drama real. A rua é um tablado e quem ficar para ahi, acantoado ao desvão de um palacete ha de assistir lances multiformes, imprevistos, terrificante, buffos; ha de apanhar no ar trechos de ineffaveis dialogos de amor, imprecações brutaes de carrejões, lamurias de mendigos, risadas e blasphemias; ha de auscultar enfim, esse organismo que estua, vibra, e é alegre e triste, faustoso e miseravel, cheio de sol e cheio de lama. (...) Detesto, porem, as viellas de pardieiros acaçapados, as ruas d' amargura da pobreza; não pelo receio e um punhal rebrilhando na sombra que a miseria esmola não assalta, mas porque achi o pensamento se abaixa, nivelando-se ao rez do chão. Os edificios, obervou perfeitamente Stanislas de Guaita, deveriam ser elevados; obrigariam os transeuntes a erguer a cabeça e com ella as aspirações. Guaita, deveriam ser elevados: obrigariam os transuentes a erguer a cabeça e com ella as aspirações. Muito bem. Os gregos foram inegualaveis porque estavam habituados a olhar para o alto, para afolha de acantho dos capiteis precisa que se lhe ensine a voar, não como a aguia de desde os primeiros sustos flecha o infinito (...)47

É evidente, pela própria maneira como o cronista resolve expor o texto, a presença da

técnica, como elemento que está se colocando no cotidiano das pessoas. Estamos na era do

cinematógrafo, da máquina. Esses novos elementos se colocam no dia - a - dia, invadindo, ou

melhor, passando a fazer parte do cotidiano das pessoas.

47 O OLHO DA RUA. Na esquina. p. 3.

Page 54: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

52

3.2. Proposta de modelo de comportamento social das revistas

A vida em sociedade é resultado de um processo cultural que se concretiza pelas

relações sociais, que instituem símbolos, que expressam uma determinada visão de mundo

comum, manifestando-se em linguagens e comportamentos. Os símbolos instituídos têm

capacidade de influenciar e controlar o comportamento, transmitindo um sistema ideológico

pré - moldado.

Nesse sentido, pode-se alcançar com grande profundidade a influência do pensamento

cultural e social demonstrado por escritores, editores e jornalistas, em especial, aqueles que

atuaram na fase de transição do século XIX para XX, alvo deste trabalho. Mais sensíveis às

mudanças e vivendo simultaneamente ao desenvolver dos acontecimentos os poetas,

romancistas, literatos e jornalistas transferiram para seus escritos seus choques, impressões e

anseios.

O modelo do comportamento social das revistas basicamente está direcionado ao seu

público alvo. Distinguem o que é civilizado para a época, o que é conveniente, dentro da visão

paranaense de ser. A revista O Itiberê prega o comportamento tradicional moderado (em

especial da mulher), mantendo-se mais conservadora do que inovadora. O periódico possuía

uma seção especial dedicada a moldar o comportamento feminino denominada Pagina

Feminina, como demostra o trecho a seguir:

Seis conselhos : A escritora portenha Emilia Pardo Bazan, que tem um bello estyloe pensa com singular simplicidade, acaba de dirigir ao escól de seu sexo os seguintes conselhos, que vertemos do castelhano: As Solteiras I – Não acceites noivo de vossa edade, nem mais jovem. O noivo que pode chegar a ser marido deve ter alguns annos mais que sua noiva pelo menos seis. II – Quasi todas as moças acceitam um noivo porque o encontram, ainda que o não amem. Falai com as vossas amigas, falai comvosco mesmas ou não faleis; mas nunca admittaes, por só o encontrar um noivo que vos não falle

Page 55: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

53

ao coração. As circunstancias podem nos fazer-vos esposas de homens que tomastes como passa-tempo e que vos não despertam ao menos sympathia; e com taes maridos nunca chegareis a ser felizes. III – Nunca vos apresenteis ao vosso noivo em desalinho, descalça ou vestida com desmazelo. O amor vive das illusões e não admittem que lh’as tirem. As Casadas I – Fazei que a lua de mel se não assucare demais; assim a prolongareis por muito tempo. II – Vesti-vos, para vosso marido, como vestirieis para o vosso noivo. III – Tornae o lar num refugio e não num carcere para o vosso esposo.48

A coluna delimita um comportamento social conservador para a mulher, inova apenas

no que diz respeito à felicidade feminina e a sua liberdade de escolha. Considera-se que

senhoras de distinção caminhavam e faziam compras com liberdade, o que era considerado

uma medida de civilização, ou seja, dentro da civilidade as senhoras têm liberdade de

movimentos. “As moradoras da capital apresentavam um porte nobre, em contraste com o ar

acanhado e provinciano que elas apresentavam há vinte ou trinta anos atrás.”49

O Olho da Rua possuía uma coluna para o público feminino. A seção feminina do Olho

costumava apresentar, por exemplo, sugestões de comportamento e beleza:

Quando o espelho lhe disser que a sua fisionomia está má, procure descansar algumas horas dormindo. Para conservar os cabelos formosos, é preciso lavá-los em água morna, ao menos uma vez por semana. Para ter a boca fresca; é necessário fazer todos os dias massagens das linhas que vão do nariz aos cantos dos lábios. Façam-se também massagens nos contornos da maçãs do rosto. Massagens também no nariz; e, caso este principie a se alterar nas cores, compressas

48 O ITIBERÊ. Página Feminina. Seis conselhos. N º 15. Junho de 1920.

49 VICTOR, Nestor. A terra do futuro (Impressões do Paraná). Rio de Janeiro, Tipografia do "Jornal do Commercio", de Rodrigues & C., 1913. p. 116.

Page 56: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

54

quentes. Banhem-se os olhos com um pouco de água de rosa para conservar o frescor da tez.50

Além de buscar modelar o comportamento feminino ambos periódicos delimitavam

nos seus volumes o comportamento socialmente aceitável.

O Olho da Rua diferentemente do Itiberê possuía uma postura menos rígida, mas sim,

crítica e sátira no que tratava comportamento social. Porém a visão crítica da revista acerca de

comportamento dos cidadãos de um modo geral, era expressiva. As páginas do Olho

evidenciam o desejo de seus criadores de transformar o povo em seres críticos, pensantes.

Buscavam retirar os cidadãos comuns paranaenses da situação na qual estavam, ou seja,

deslocados, alienados das decisões e desprovidos de poder. Uma vez que a revista era

extremamente popular e sua linha editorial sempre procurou enfocar o ponto de vista não

oficial, mas próximo da opinião pública.

50 O OLHO DA RUA. O segredo da beleza. Curitiba, 5 de junho de 1909.

Page 57: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

55

Conclusão

Concluímos, portanto, que o Paraná do início do século XX, foi marcado por

profundas mudanças e contradições que fizeram a riqueza de sua história.

O quadro que nos fica é que no estado do Paraná, as principais cidades no período,

(Paranaguá e Curitiba), tinham realmente um meio intelectual ativo e interessante, cujas

expectativas podemos resgatar da análise de seus textos.

Como exemplos de uma rica produção editorial, esses dois periódicos podem dar uma

pequena idéia do ambiente intelectual em que os leitores paranaenses se situavam no período.

Além das revistas e jornais, esse período também é marcado por uma intensa atividade

editorial, abrindo caminho para vários dos escritores locais que têm seus livros publicados,

seja em Curitiba, seja no Rio de Janeiro.

O Olho da Rua, O Itiberê e outros periódicos mais ou menos efêmeros que circularam

desde a última década do século XIX, serviram de veículos para toda uma geração de

escritores paranaenses. Esses periódicos, essencialmente simbolistas, caracterizam-se pela

profusão de nomes a eles ligados. Esses escritores escreviam simultaneamente para vários

jornais e revistas, em uma contínua troca de estilos, experiências e opiniões.

Alguns textos, como os de O Olho da Rua, satirizavam o conceito de respeitabilidade

burguesa e à estabilidade social. Seus editores, escritores e colaboradores criticavam e

questionavam essa sociedade de fortes valores burgueses. Se considerarmos que a

respeitabilidade burguesa é o freio aplicado à sociedade e as suas manifestações, podemos

concluir que tais visões sociais soavam terrivelmente perturbadoras a ordem vigente. Esses

textos relatavam o fracasso das classes dirigentes no intuito de dar à burguesia um elemento

que a diferenciasse das "promíscuas" classes baixas e da "libertina" aristocracia. Seus

personagens desfilaram ao olhar do leitor, mostrando novas perspectivas, questionaram

valores, dialogaram com o público, conversaram com os representantes do poder, dividiram

suas dúvidas e certezas sobre o sistema, reelaboraram o cotidiano, revistando os

acontecimentos recentes, reclamaram e reivindicaram.

Page 58: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

56

O Olho transformou seus leitores em críticos permitindo repensar a cidade,

redimensionar a prática da vida urbana. As cenas caricatas presentes na revista

proporcionaram outra concepção do panorama paranaense, a partir da perspectiva de grupos

sociais fora do poder.

O Itiberê fazia parte do corpo de discursos ufanistas elaborados sobre as cidades de

Curitiba e Paranaguá no século XIX e início do século XX por cronistas. Estes discursos

representavam os elementos constituintes da urbe ordeira, disciplinada e laboriosa, cenário

onde se desenrola a ação contínua e permanente das cidades no rumo do progresso e do

desenvolvimento. O periódico representa os valores da classe dominante, que têm expressão

privilegiada nos cronistas da elite paranaense do século XIX e inícios do século XX, e nos

porta-vozes da "história oficial" do período. As cidades são construídas pelo discurso oficial.

Sobre elas se exerceram práticas discursivas diversas, embora marcadas por uma conotação

comum: a necessidade de normatizar, regulamentar e ordenar o espaço urbano e seus

habitantes. Assim se elaborava o discurso dos cronistas do Itiberê, através da construção de

uma cidade harmônica, bela e em franco progresso, habitada por cidadãos trabalhadores e

ordeiros. Um espaço urbano ideal, sem conflitos de qualquer natureza.

Apesar do desejo de muitos intelectuais e profissionais das camadas dominantes de

espelhar homens e mulheres brasileiros pelas imagens da burguesia das duas maiores cidades

do período - Rio de Janeiro e São Paulo, as capitais do progresso -, essa não era a realidade

vivida pela grande maioria de brasileiros. Os padrões de comportamento burgueses, a

modernidade e o consumo foram absorvidos de forma desigual pelas diferentes camadas da

população. Nem todas as cidades puderam realizar a modernização desejada. Enfim, pode-se

perceber como, no discurso dito oficial, Curitiba é exaltada como uma grande urbe moderna.

O Paraná burguês, precisa de uma capital à altura e para tanto é necessário, além das

transformações práticas, um discurso que a produza.

Aqui é possível compreender como toda uma mentalidade compartilhada por

indivíduos diversos, inseridos em uma cultura em comum, não é mera conseqüência de uma

mudança social, mas sim fenômeno simultâneo e complementar. Assim como é possível

entender toda a construção desta mentalidade em nível discursivo. Portanto, a elite paranaense

estampa o que é belo e esconde as deformações. A bela urbe burguesa que era produzida pelo

discurso da elite escondia a província que era a cidade.

Page 59: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

57

Havia, felizmente, além do discurso dominante, um contra-discurso, enquanto um

percorria os esgotos, os becos e cortiços da cidade, o outro só era pronunciado nos palacetes e

nos grandes casarões das classes abastadas.

Page 60: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

58

Fontes O Olho da Rua O Itiberê

Page 61: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

59

Referências Bibliográficas BERBERI, Elizabeth. Impressões: A modernidade através das crônicas de revistas no início do século em Curitiba. Monografia, Departamento de História, Universidade Federal do Paraná. BONI, Maria Ignês Mancini de. O Espetáculo Visto do Alto: vigilância e punição em

Curitiba (1890 - 1920). Tese de Doutoramento. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1985.

BRANDÃO, Angela. A fábrica de ilusão. O espetáculo das máquinas num parque de

diversões e a modernização de Curitiba (1905-1913). Curitiba : Prefeitura Municipal de

Curitiba : Fundação Cultural de Curitiba,1994.

BURGUIÉRE, André. Dicionário das ciências históricas. Rio de Janeiro : Imago Editora,

1993.

CARONE, Edgard. A República Velha : Instituições e classes sociais. São Paulo :

DIFEL,1975.

CARVALHO, J. M. A formação das almas : o imaginário da república no Brasil. São Paulo

: Companhia das Letras, 1987.

Dicionário histórico-biográfico do Paraná. Curitiba : Chain; Banco do Estado do Paraná,

1991.

FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo : Editora da Universidade de São

Paulo / Imprensa Oficial do Estado, 2001.

LINHARES, Maria Yeda (org.). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro : Campus,1990.

Page 62: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

60

MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revista : Imprensa e Práticas Culturais em tempos de

República, São Paulo (1890-1922) – São Paulo : Editora da universidade de São Paulo :

Fapesp : Imprensa Oficial do Estado, 2001.

MARTINS, Romário. Catálogo dos jornaes publicados no Paraná de 1854 a 1907. Curityba

: Impressora Paranaense, 1908.

MOTA, Carlos Guilherme (org.). Brasil em perspectivas. Rio de Janeiro : DIFEL, 1977.

NOVAIS, Fernando A. História da vida privada no Brasil. v. 3. República: da Belle Époque

à era do rádio. São Paulo: Companhia das Letras,1998.

PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e as políticas no Brasil : entre o povo e a nação. São Paulo

: Ática,1990.

PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Semeando Iras Rumo ao Progresso. Curitiba: Ed.

UFPR, 1996.

RIBEIRO, Luiz Carlos. Memória, trabalho e resistência : Curitiba,1890-1920. São Paulo,

1985, 264 p. Dissertação (Mestrado), Universidade de São Paulo.

SABÓIA, América da Costa. Curitiba de minha saudade; 1904-1914. Curitiba : Lítero

Técnica, 1978.

SABÓIS, América da Costa. Curitiba de Minha Saudade: 1904-1914. Curitiba, 1978.

SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão : tensões sociais e criação cultural na

primeira república. São Paulo: Brasiliense,1983.

SEVCENKO, Nicolau. O Orfeu extático na metrópole. São Paulo, sociedade e cultura nos

frementes anos 20. São Paulo : Companhia das Letras,1992.

Page 63: “VIDA SOCIAL PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX”

61

SQUEFF, Enio; WISNIK, José Miguel. O nacional e o popular na cultura brasileira.

Música. São Paulo : Brasiliense,1982.

TINHORÃO, José Ramos. Os sons que vêm da rua. São Paulo. Edições Tinhorão, 1976.

TRINDADE, Etelvina Maria de Castro. Clotildes ou Marias : mulheres de Curitiba na

Primeira República. Curitiba; Fundação Cultural,1996.