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Universidade do Minho Instituto de Letras e Ciências Humanas
Dong Xinran
As Mulheres Chinesas no Fim do Século XIX e o Início do Século XX:sob a Influência Ocidental
Setembro de 2019
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Dong Xinran
As Mulheres Chinesas no Fim do Século XIX e o Início
do Século XX:sob a Influência Ocidental
Mestrado em Estudos Interculturais Português/Chinês:
Tradução, Formação e Comunicação Empresarial
Trabalho efetuado sob a orientação da
Professora Doutora Margarida Esteves Peireira
Setembro de 2019
setembro de 2019
setembro de 2019
Instituto de Letras e Ciências Humanas
Nome: Dong Xinran
Número de aluno: PG33962
E-mail: [email protected]
Título da dissertação: As Mulheres Chinesas no Fim do Século XIX e o Início do Século
XX:sob a Influência Ocidental
Orientador: Professora Doutora Margarida Esteves Peireira
Ano de Conclusão: 2019
Designação do Mestrado: Mestrado em Estudos Interculturais Português/Chinês:
Tradução, Formação e Comunicação Empresarial
ii
DIREITOS DE AUTOR E CONDIÇÕ ES DE UTILIZAÇÃO DO TRABALHO POR TERCEIROS
Este é um trabalho académico que pode ser utilizado por terceiros desde que
respeitadas as regras e boas práticas internacionalmente aceites, no que concerne
aos direitos de autor e direitos conexos.
Assim, o presente trabalho pode ser utilizado nos termos previstos na licença abaixo
indicada.
Caso o utilizador necessite de permissão para poder fazer um uso do trabalho em
condições não previstas no licenciamento indicado, deverá contactar o autor,
através do RepositóriUM da Universidade do Minho.
Licença concedida aos utilizadores deste trabalho
Atribuição
CC BY
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
iii
iv
AGRADECIMENTOS
Gostaria de expressar a minha gratidão a todos aqueles que me ajudaram durante
a realização deste trabalho.
Um agradecimento profundo à Professora Doutora Margarida Pereira, como
minha orientadora, pelas suas sugestões e comentários, bem como pela sua paciência
e ajuda.
Agradeço à Professora Doutora Sun Lam, diretora do curso de mestrado em
Estudos Interculturais Português/Chinês: Tradução, Formação e Comunicação
Empresarial, pelo seu apoio, pessoal e académico.
Aos professores do mestrado, pela sua simpatia, ensinamentos e apoio no
processo de aprendizagem da língua portuguesa e nos estudos interculturais, que
frequentei nos últimos dois anos na Universidade do Minho.
Aos meus pais, por sempre me amarem e me apoiarem.
À minha querida amiga Han Yujun, pela sua amizade e ajuda com o meu trabalho.
Ao meu namorado Chen Kuijian, pelo seu apoio e encorajamento durante a minha
vida no estrangeiro, e pela companhia.
Aos meus colegas e amigos, chineses e portugueses, pela amizade e também as
memórias inesquecíveis que levo de Portugal e da vida universitária.
v
DECLARAÇÃO DE INTEGRIDADE
Declaro ter atuado com integridade na elaboração do presente trabalho académico e
confirmo que não recorri à prática de plágio, nem a qualquer forma de utilização
indevida ou falsificação de informações ou resultados, em nenhuma das etapas
conducente à sua elaboração.
Mais declaro que conheço e que respeitei o Código de Conduta Ética da Universidade
do Minho.
vi
As mulheres chinesas no fim do século XIX e início do século XX:sob a influência
ocidental
Resumo
Na consciência cultural chinesa, os homens ocupam uma posição dominante
na política nacional, nos assuntos sociais públicos e nas relações familiares. O
patriarcado moldou a consciência coletiva desde a antiguidade. Por norma, o talento
das mulheres não era recompensado, apenas uma pequena parte da população do
sexo feminino mereceu algum reconhecimento posterior. Apesar desta falta de
reconhecimento, as mulheres fizeram contribuições notáveis para o desenvolvimento
da sociedade. O percurso das mulheres chinesas não pode ser separado da influência
do pensamento ocidental levado pelos missionários. No entanto, nesse longo
processo de comunicações interculturais entre o Oriente e o Ocidente, o lado gentil e
submisso das mulheres chinesas e asiáticas tornou-se gradualmente um estereótipo
aceite pelos ocidentais.
Esta dissertação pretende descrever as mudanças no estatuto das mulheres ao
longo da história chinesa, com especial foco no período que compreende o fim do
século XIX e início do século XX. Propõe-se ainda analisar a fonte e a base histórica dos
estereótipos sobre as mulheres chinesas e asiáticas, com o objetivo de os quebrar,
revelando uma variedade de personalidades e formas de estar no mundo.
Palavras-chave: educação; estereótipos; final do século XIX; mulheres chinesas;
pensamento ocidental
vii
Chinese women in the late 19th and early 20th century: under Western influence
Abstract
In the cultural consciousness of the Chinese nation, it is generally believed that
men occupy a dominant position in national politics, public social affairs, and family
relations. Patriarchy has dominated collective consciousness since ancient times. As a
rule, women's talent was not rewarded, only a small part of the female population
deserved some further recognition. Despite this lack of recognition, women have
made remarkable contributions to the development of society. The path of the
Chinese women cannot be separated from the influence of Western thought carried
by missionaries. However, in this long process of intercultural communication
between East and West, the gentle and submissive side of Chinese and Asian women
has gradually become a stereotype accepted by Westerners.
This paper aims to describe the general changes in the status of women
throughout Chinese history since ancient times, with special focus on the period from
the late nineteenth to the early twentieth century. It also analyses the source and
historical basis of stereotypes about Chinese and Asian women, in order to break it
and show a variety of personalities and ways of living.
Keywords: Chinese women; education; late 19th century; stereotypes; western
thinking
viii
西方影响下的 19 世纪末 20 世纪初的中国女性
摘要
在中华民族的文化意识中,人们普遍认为,男性在国家政治,公共社会事
务和家庭关系中占据主导地位。父权制的概念自古以来就一直存在,由于缺乏
对女性才能的认可,她们中只有很少一部分人被后人所熟知。但无论女性的作
用是否得到承认,妇女都为社会的发展做出了卓越的贡献。除此之外,不可否
认的是,中国女性的发展离不开传教士带来的西方思想的影响和帮助。然而,
在这个漫长的东西方跨文化交流过程中,中国和亚洲女性的温柔和顺从的一面
逐渐成为了刻板印象而被西方人所了解。
本文将描述自古以来,特别是 19 世纪末 20 世纪初中国社会历史进程中妇
女状况的总体变化, 并分析中国和亚洲女性刻板印象的来源和历史基础,旨在
打破这种对今天中国女性的刻板印象,展现她们多元的个性。
关键词:中国女性;19 世纪末;教育;西方思想;刻板印象
ix
Índice
Introdução ............................................................................................................................ 1
Capítulo I - As mulheres na sociedade chinesa primitiva ...................................................... 5
I.1 A lenda de Nu Kua e a origem da civilização chinesa ..................................................... 6
I.2 O legado da civilização agrícola ..................................................................................... 8
I.2.1 Superioridade masculina e inferioridade feminina ................................................. 9
I.2.2 Pés-de-lótus: transformação corporal sob a dominação feudal ............................ 11
Capítulo II - Tentativa inicial de educação das mulheres no século XIX .............................. 18
II.1 Chegada à China dos missionários ............................................................................. 19
II.2 Escolas para meninas: o nascimento da educação moderna das mulheres ................. 21
II.2.1 Educação tradicional das mulheres e crítica dos missionários .............................. 22
II.2.2 A criação de escolas para meninas ...................................................................... 25
II.3 A influência das escolas para meninas na sociedade chinesa ...................................... 29
Capítulo III - O despertar da consciência feminina no início do século XX .......................... 32
III.1 Introdução ao feminismo ocidental .......................................................................... 33
III.2 Consciência feminina e campanhas anti-pés-de-lótus .............................................. 36
III.3 A influência do feminismo ocidental na sociedade chinesa ...................................... 41
III.3.1 Jornais e revistas feministas ............................................................................... 41
III.3.2 Escritoras e literatura feminina representativas ................................................. 47
Capítulo IV - Orientalismo e estereótipos ........................................................................... 51
IV.1 O orientalismo e a formação de estereótipos ........................................................... 52
IV.2 As imagens das mulheres asiáticas ........................................................................... 56
IV.2.1 Madame Butterfly ............................................................................................. 57
IV.2.2 Memórias de uma Gueixa .................................................................................. 60
IV.2.3 Outras imagens.................................................................................................. 64
IV.3 A participação dos asiáticos nos estereótipos ........................................................... 68
IV.3.1 Origem .............................................................................................................. 68
IV.3.2 A incorporação de “Self-Orientalization”............................................................ 69
Conclusão ....................................................................................................................... 71
Bibliografia ..................................................................................................................... 77
Web Links ....................................................................................................................... 85
x
Índice de Figuras
Figura 1 - Nu Kua e Fu Xi ........................................................................................................ 7
Figura 2 - Corpo da dinastia Song do Sul, no Museu de Fuzhou ............................................ 13
Figura 3 - Sapatos de prata desenterrados de um túmulo da dinastia Song do Sul ............... 14
Figura 4 - Pés-de-lótus na dinastia Ming e Qing ................................................................... 15
Figura 5 - Sapatos de mulher com pés-de-lótus na dinastia Qing ......................................... 16
Figura 6 - As mulheres que trabalhavam não tinham pés-de-lótus ....................................... 16
Figura 7 - Mary Ann Aldersey (1797–1868) .......................................................................... 26
Figura 8 - Capa da primeira edição de Uma Reivindicação dos Direitos da Mulher ............... 34
Figura 9 - Algumas mulheres com pés naturais no final da dinastia Qing .............................. 39
Figura 10 - Mulheres com pés naturais na década de 1870 .................................................. 40
Figura 11 - Primeira edição de Progresso da Menina Chinesa .............................................. 43
Figura 12 - Primeira edição do Jornal de Mulheres Chinesas ................................................ 44
Figura 13 - Jornal Nova Juventude ....................................................................................... 47
Figura 14 - Xiao Hong .......................................................................................................... 50
Figura 15 - Ding Ling ............................................................................................................ 50
Figura 16 - Cartaz da ópera Madame Butterfly .................................................................... 58
Figura 17 - Detalhe do enredo de M. Butterfly ..................................................................... 59
Figura 18 - Cartaz de Memórias de uma Gueixa ................................................................... 62
Figura 19 - Capa do livro Geisha of Gion .............................................................................. 62
Figura 20 - Cartaz de O mundo de Suzie Wong ..................................................................... 65
Figura 21 - Dragon Lady em Terry e os Piratas ..................................................................... 67
Figura 22 - Cartaz de Filha do Dragão .................................................................................. 67
1
Introdução
2
As mulheres chinesas foram, sem dúvida, beneficiárias do rápido
desenvolvimento económico registado pelo país na era da globalização. No entanto,
a discriminação e o tratamento injusto das mulheres na sociedade ainda persistem.
Uma filosofia patriarcal causou um desequilíbrio entre homens e mulheres no país, e
a oportunidade de as mulheres receberem educação também é limitada. Para além
disso, existem também estereótipos sobre as mulheres chinesas e asiáticas no
Ocidente, no contexto da comunicação intercultural.
O presente trabalho propõe-se rever a história das mulheres na China antiga,
explorar as causas dos problemas encontrados por elas na sociedade moderna e
analisar as fontes históricas dos estereótipos sobre as mulheres asiáticas. Procura
ainda identificar as formas de expressão das mulheres chinesas, no sentido de
mostrarem a sua individualidade, de dialogarem com os homens e com o Ocidente.
A dissertação divide-se em quatro capítulos. No primeiro capítulo, começa por
descrever a lenda de Nu Kua e a mudança de condição das mulheres chinesas desde
um passado longínquo. Na sociedade matriarcal, a condição feminina era
relativamente elevada; as mulheres eram líderes em todos os setores da sociedade.
No entanto, devido à força física dos homens, eles frequentemente contribuíam mais
no esforço de guerra e nas atividades produtivas. A sociedade matriarcal foi-se
transformando numa do tipo patriarcal. Desde então, a China vive num patriarcado,
que restringiu muito os direitos das mulheres. Neste tipo de sociedade, só os homens
têm direito à educação e as mulheres são-lhes subordinadas. O capítulo analisa o
controlo da sociedade patriarcal sobre as mulheres em dois contextos específicos:
restrição ideológica e transformação corporal.
Depois da primeira guerra do Ó pio (1840-1842), o governo Qing assinou o
primeiro tratado desigual com o governo da Inglaterra: tratou-se do Tratado de
Nanquim, que pôs fim ao isolamento do país e deu início à história da China moderna.
O Cristianismo começou a espalhar-se amplamente na China, os missionários
3
estabeleceram uma variedade de escolas enquanto pregavam - as escolas femininas
da igreja nasceram nessa época.
O segundo capítulo aborda, sobretudo, a primeira tentativa de educação das
mulheres, sublinhando a influência das escolas femininas no movimento de libertação.
Pode dizer-se que a fundação das escolas missionárias significou o início da educação
das mulheres na China. Neste capítulo, identificam-se algumas semelhanças entre as
mulheres chinesas e ocidentais no contexto da educação. Nos registos dos
missionários ocidentais, compreende-se que eles promoveram o direito feminino à
educação, no entanto, quando descreviam a vida das mulheres chinesas, eles
deliberadamente aumentavam o seu sofrimento. Estes registos forneceram
fundamentos históricos para os estereótipos posteriores sobre as mulheres chinesas
e asiáticas, ou seja, as mulheres chinesas foram realmente limitadas pelo conceito de
patriarcado durante a sociedade feudal. Mas isso não explica, pelo menos
completamente, os estereótipos que ainda hoje existem.
No terceiro capítulo, aborda-se o conceito geral e a origem do feminismo,
apontando-se algumas obras ocidentais representativas de filosofia feminista e
literatura feminina. No final do século XIX, quando a doutrina democrático-burguesa
entrou na China, a população tomou contacto com algumas ideias avançadas do
Ocidente. Os escritos feministas ocidentais foram traduzidos para o chinês e tiveram
um significado orientador para a conscientização sobre os direitos das mulheres. De
seguida, analisa-se o movimento feminista na sociedade chinesa, no início do século
XX, e a promoção do conceito de igualdade de género, com a ajuda dos missionários.
Analisa-se a influência da teoria feminista ocidental na sociedade chinesa, incluindo a
promoção de uma série de publicações femininas, como jornais, revistas e literatura.
Na quarta parte, a tese analisa as mulheres asiáticas tal como vistas pelos
ocidentais. Do conteúdo dos capítulos II e III destaca-se a participação dos
missionários e a difusão dos pensamentos ocidentais durante os séculos XIX e XX,
como suporte da evolução do estatuto das mulheres chinesas. Esta foi uma influência
4
positiva da comunicação intercultural entre o Oriente e o Ocidente. Por outro lado, os
missionários - no processo de pregação, administração de escolas e participação no
movimento feminista – passaram uma imagem estereotipada das mulheres chinesas
e orientais, contribuindo assim, inconscientemente, para a criação dos atuais
estereótipos. Isso relaciona-se com a teoria de Orientalismo abordada no capítulo IV.
Começa-se por caracterizar, em traços gerais, o Orientalismo de Edward Said, para
depois se fazer uma análise contrastiva do Oriente e do Ocidente à luz desta teoria,
através de uma listas de palavras. Analisada a origem dos estereótipos sobre as
mulheres orientais à luz do Orientalismo, introduzem-se algumas figuras femininas
típicas do cinema e da literatura ocidental do século XIX ao século XX, nomeadamente
a Madame Butterfly, uma Gueixa e a Dragon Lady. Ao longo dos anos, os chineses
foram-se gradualmente acomodando à impressão do Ocidente sobre o Oriente,
participando mesmo na sua manutenção, isto é “self-Orientalization”, para usar a
expressão de Arif Dirlik. Mencionada a origem desse conceito, procurar-se-á
identificar a sua incorporação em filmes e literatura asiáticos e na vida quotidiana.
Por fim, num momento conclusivo, fornecem-se pistas de leitura sobre a
relação entre a evolução das mulheres chinesas e o pensamento ocidental, numa
tentativa de caracterizar a situação atual e os problemas que as mulheres chinesas
enfrentam hoje em dia. Deixam-se ainda algumas sugestões para se quebrarem os
estereótipos ocidentais sobre as mulheres chinesas e asiáticas.
5
Capítulo I - As mulheres na sociedade chinesa
primitiva
6
I.1 A lenda de Nu Kua e a origem da civilização chinesa
A China é uma das civilizações mais antigas do mundo, mas a história da sua
origem é confusa. Com vários mitos e lendas transmitidos pelos antepassados, a
civilização oriental ganhou um cunho mitológico. Considerando a dependência e
confiança dos antepassados nas mulheres, a atitude em relação a elas evoluiu,
gradualmente, para adoração. Surgiu assim um mito sobre a criação humana1 por
parte de uma mulher, Nu Kua2, que circulou por um longo tempo.
Objetivamente, a mitologia foi uma forma de explicação dos fenómenos naturais
por parte dos antigos e de expressar o desejo da humanidade viver em harmonia com
a natureza, pelo que a história da civilização chinesa tem cores mágicas. Estudos das
áreas da etnologia, história e arqueologia mostram que todos os grupos étnicos na
China têm um mito ou lenda semelhante, para expressar a origem humana: os
ancestrais de todos os grupos étnicos são descendentes de Nu Kua e Fu Xi3. Isto reflete
o simbolismo e a perspetiva espiritual, o caráter e a autoconsciência nacional da
civilização chinesa primitiva (Qian & Tian, 2009, p. 2).
Nu Kua, uma deusa da mitologia chinesa, surge na literatura não antes de 350
a.C, ligada à criação humana. Na Enciclopédia Imperial Taiping Yulan4, lê-se: “No início
do mundo, não havia humanidade, Nu Kua usou barro para criar os homens”5 (Li,
1960). Este mito fundador difere da mitologia grega e hebraica. Na mitologia grega,
Prometeu criou os humanos com barro e roubou o fogo de Héstia para lhes oferecer,
sendo punido por Zeus por isso. O primeiro livro do Antigo Testamento diz que: “O
Senhor Deus fez o homem do pó da terra e soprou em suas narinas o fôlego da vida;
1 O mito de Nu Kua criar os humanos foi registada no livro Taiping Yulan (Li, 1960). 2 Nu Kua (女娲, nǚwā), uma deusa da mitologia chinesa. 3 Fu Xi (伏羲, fúxī), irmão e marido de Nu Kua, figura da mitologia chinesa. 4 Taiping Yulan (太平御览, tàipíng yùlǎn) é uma enorme enciclopédia desenvolvida por um grupo de oficiais na dinastia Song, sob orientação do editor principal Li Fang (977 -983). 5 “俗说天地开辟,未有人民,女娲抟黄土作人”, súshuō tiāndì kāipì, wèiyǒu rénmín, nǚwā tuán huángtǔ zuò rén.
7
e o homem foi feito alma vivente”. De seguida: “...tomou uma das suas costelas,
formou uma mulher” (Gênesis 2). A masculinidade desempenha um papel dominante
nos mitos fundadores da Humanidade na cultura ocidental, resultantes da mitologia
grega e mitologia hebraica. O deus masculino criou tudo, incluindo os seres humanos.
Mas na mitologia chinesa, o criador da humanidade é uma mulher. De um certo ponto
de vista, isso pode ser um reflexo da realidade matriarcal pré-histórica.
.
Figura 1 - Nu Kua e Fu Xi6
A civilização chinesa assumia inicialmente um conceito de igualdade entre
homens e mulheres, o seu desenvolvimento foi acompanhado pelo respeito pelas
mulheres. Na mitologia chinesa, Nu Kua não é apenas a deusa geradora da vida, a mãe
da terra, mas também uma heroína que consertou o céu e formou as pessoas a partir
6 https://zh.wikipedia.org/wiki/%E5%A5%B3%E5%A8%B2, consultado em 11 de abril de 2019.
8
da lama. Segundo o livro Huainanzi7, Nu Kua usou uma pedra de cinco cores para
consertar o céu depois de Gong Gong8 danificar um dos pilares que o sustentava. Isto
demonstra o respeito das pessoas pelas grandes mulheres que ousam desafiar a
natureza (Liu & Chen, 2016) e conduziu a uma sociedade de clãs dominada por
mulheres.
Ao longo da história, formou-se gradualmente o conceito do clã. As pessoas
não sabiam quem era o seu pai; a reprodução sagrada feminina e a reprodução étnica
bastavam para manter o clã. A sociedade chinesa entrava num período matriarcal.
Durante esse período, a produtividade desenvolveu-se gradualmente e a cooperação
foi-se acentuando, originando uma divisão do trabalho baseada em diferenças
naturais de género: os homens caçavam, as mulheres estavam envolvidas em
atividades têxteis, de costura e agrícolas. Embora o estatuto económico das mulheres
tenha aumentado, o estatuto dos dois sexos era aproximadamente igual.
I.2 O legado da civilização agrícola
Segundo o livro de Engels, Origin of the Family, Private Property, and the State
(1884), com o advento da agricultura e da pecuária, os homens concentraram o seu
trabalho nessas atividades, fazendo uso da sua força física natural. Eles assumiram
assim, gradualmente, uma posição de liderança na produção agropecuária. A
produção de ferro e de outras ferramentas fortaleceu ainda mais a posição masculina
no contexto agrícola, enquanto as mulheres se concentravam no trabalho têxtil e
doméstico, perdendo sua posição dominante na sociedade. Com o avanço da
produção e a rápida acumulação de riqueza, os homens esperavam que os seus
descendentes herdassem um forte desejo de propriedade e promovessem a
transformação do sistema de propriedade pública do clã matriarcal, para um de
propriedade privada do clã patriarcal. Em suma, o patriarcado substituiu o sistema
matriarcal (Engels, 1980, pp. 73-75).
7 淮南子(huáinánzǐ) é um livro clássico da filosofia chinesa, escrito por Liu An na dinastia Han. 8 Gonggong (共工 , gònggōng) é um deus da mitologia chinesa que bateu a cabeça violentamente contra a montanha Bizhou, um dos pilares que sustentava o firmamento.
9
Também o sistema de poliandria da sociedade matriarcal foi substituído pela
monogamia. A organização da linhagem passou a ser contada em linha paterna, o
trabalho das mulheres passou a estar limitado à família, o estatuto económico dos
homens foi aumentando, enquanto as mulheres recuaram para um estatuto
subordinado na economia familiar. Analisaremos, em particular, o controlo da
sociedade patriarcal sobre as mulheres sob a forma de restrição ideológica e de
transformação corporal.
I.2.1 Superioridade masculina e inferioridade feminina
À medida que o estatuto social e económico das mulheres diminuía, ia-se
afirmando o conceito de superioridade masculina e inferioridade feminina. A
existência social determina a consciência social, pelo que os governantes feudais
criaram inevitavelmente uma teoria para manter o fenómeno de superioridade
masculina e inferioridade feminina.
A teoria confucionista reflete esta mentalidade que discrimina e oprime as
mulheres. Nos Analectos de Confúcio conta-se que o rei Wu, da dinastia Zhou, afirmou
ter dez ministros talentosos. A esta afirmação, Confúcio replicou que havia uma
mulher entre eles, pelo que deviam ser nove ministros talentosos9 (Confúcio & Zhang,
2006). Com isto, ele quis dizer que as mulheres não podem ser contadas como
talentosas.
Durante o Período dos Estados Combatentes, o representante de Legalismo
Han Fei 10 apresentou a teoria dos “três guias cardeais”: o governante guia os
ministros, o pai guia os filhos e o marido guia a esposa (Dong & Ye, 2010). O marido
foi considerado o governante da esposa, a quem esta devia obediência. A teoria foi
aceite pelo dominador e, nas dinastias Qin e Han, a teoria da superioridade masculina
continuou a desenvolver-se. Dong Zhongshu11 combinou a teoria com a filosofia Yin
9 “... 武王曰:予有乱臣十人。孔子曰:有妇人焉,九人而已...”, wǔwáng yuē: yǔ yǒu luànchén shírén. Kǒngzǐ yuē: yǒu fùrén yān, jiǔrén éryǐ. 10 Han Fei (韩非, hánfēi) (279 a.C - 233 a.C) foi um filósofo chinês no Período dos Estados Combatentes. 11 Dong Zhongshu (董仲舒, dǒng zhòngshū) (179 a.C - 104 a.C) foi um estudioso chinês da dinastia Han, apoiador de confucionismo.
10
e Yang, afirmando que “o yang é o princípio do homem e o yin é o princípio da mulher”
e que a esposa não pode ser independente do marido.
Para fortalecer a impressão das mulheres sobre a superioridade masculina, os
dominadores publicaram uma variedade de livros que regulavam os comportamentos
e pensamentos femininos. Biografias de Várias Mulheres12 é um livro compilado pelo
estudioso Liu Xiang (刘向, Liúxiàng), na dinastia Han (20 a.C.). A obra, dividida em sete
partes e com histórias de cerca de 110 mulheres, serviu como material confucionista
para a educação moral das mulheres na China tradicional ao longo de dois milénios.
De uma maneira geral, as mulheres ali representadas eram de um de dois tipos: a
mulher boa que guarda as virtudes femininas e a mulher má que destrói o país. Há
muitas histórias de mulheres inteligentes e virtuosas que aconselham o imperador a
ser diligente nos assuntos do governo; mas também há mulheres bonitas e maldosas
que seduzem os homens e levam à decadência familiar e nacional (Liu & Zhang, 2009).
O livro mostra uma variedade de mulheres com conhecimento e moralidade desde a
antiguidade até a dinastia Han (206 a.C. a 220 d.C.), concentrando-se posteriormente,
em especial na dinastia Song, na castidade. Mas o livro não fala apenas sobre isto.
Ban Zhao (班昭, bānzhāo) (45 d.C. – 117d.C.), a primeira historiadora chinesa,
escreveu em 106 d.C. Lições para Mulheres13. Ban Zhao nasceu no seio de uma família
culta, o pai e o irmão eram historiadores famosos na dinastia Han, pelo que teve
contacto com literatura e história desde a infância e ajudou a completar a História dos
Han após a morte do seu irmão. O livro Lições para Mulheres dirigia-se, originalmente,
às mulheres da família, mas popularizou-se depois. Ali se lista algumas regras para as
mulheres: deviam ser humildes; servir o marido cuidadosamente; manter a castidade;
os vestidos, a língua e os comportamentos deviam corresponder às virtudes femininas
(Ban & Zhang, 1996). Aconselhava ainda as mulheres a seguirem as regras na casa do
marido, a quem deviam completa fidelidade. Lições para Mulheres foi amplamente
difundido durante as dinastias Ming e Qing: numa época em que as mulheres não
tinham direito à educação, as lições tornaram-se leitura obrigatória para as mulheres
alfabetizadas. As mulheres não podiam sair de casa ou receber educação escolar, só
12 Biografias de Várias Mulheres (列女传, liènǚzhuàn). 13 Lições para Mulheres (女诫, nǚjiè).
11
precisavam aprender algumas habilidades domésticas e, antes de se casarem, como
servir o seu marido e os seus sogros. Com isto, a educação das mulheres estaria
completa.
Além de Ban Zhao, outras mulheres tiveram a sorte de receber educação
graças ao seu ambiente familiar. Foi o caso de Cai Wenji (蔡文姬, cài wénjī) (177 d.C.
– 250 d.C.), Shangguan Wan’er (上官婉儿, shàngguān wǎnér) (664 d.C. –710 d.C.) e Li
Qingzhao (李清照, lǐ qīngzhào) (1084 d.C. – 1155 d.C.).
Cai Wenji foi uma poetisa e música da dinastia Han. O seu pai era um famoso
escritor e calígrafo, então ela cresceu numa família culta. Shangguan Wan’er foi uma
concubina de dois imperadores da dinastia Tang, famosa pelo seu talento como
poetisa, escritora e política. O seu avô era um oficial proeminente no início do reinado
do imperador Gaozong (高宗, gāozōng) (682 – 683). Li Qingzhao, uma poetisa da
dinastia Song, também nasceu numa família aristocrática, possuidora de uma grande
coleção de livros, pelo que pôde receber uma educação abrangente.
Estudando as famílias e as realizações de mulheres da Antiguidade, não é difícil
descobrir que talentos notáveis são, em grande parte, motivados por um ambiente
familiar superior. No entanto, na longa história na China, tais mulheres talentosas são
raras, a maioria das mulheres nasceu em famílias medianas, sem condições para lhes
proporcionar uma educação com conhecimentos culturais, como poesia, caligrafia ou
música.
I.2.2 Pés-de-lótus: transformação corporal sob a dominação feudal
Na sociedade tradicional chinesa, havia uma tradição estranha e popular entre
as mulheres: os pés-de-lótus. Pés-de-lótus traduz a prática de apertar os pés para
impedir o seu desenvolvimento normal, enfaixando os pés, forçando-os a ficarem
menores e mais afiados, até que fiquem em arco. Em seguida, coloca-se as meias, para
manter a forma e evitar odores; estas não podem ser retiradas mesmo durante o sono.
As mulheres deviam amarrar os pés ainda em crianças (quatro ou cinco anos de idade),
resultando em deficiências permanentes. Este processo de transformação corporal
era muito cruel, especialmente nas dinastias Ming e Qing. Há um antigo provérbio
12
chinês usado para descrever esse sofrimento: “Um par de pés pequenos é pago com
um balde de lágrimas”. (小脚一双,眼泪一缸。Xiǎojiǎo yìshuāng, yǎnlèi yìgāng).
“Não sabemos quando começou o hábito de amarrar os pés das mulheres. É
um grande sofrimento para uma criança com apenas quatro ou cinco anos, inocente
e sem culpa, aguentar esta dor tão grande”14 (Che & Fei, 1990).
Existem muitos pontos de vista diferentes sobre a origem da prática dos pés-
de-lótus. Um deles envolve a história de Pan Yuru (潘玉茹, pān yùrú), a concubina
favorita de um imperador da dinastia Qi do Sul (南齐, nánqí) (479 d.C. – 502 d.C.), que
tinha pés delicados e dançava descalça num piso decorado com desenhos dourados
de flores de lótus. O imperador expressou a sua admiração e disse que "Lótus brota
de cada passo dela!", uma referência à lenda budista de Padmavati, sob cujos pés
brota um lótus. Esta história pode ter dado origem aos termos "lótus dourado" ou
"pés-de-lótus" usados para descrever os pés atados. Não há, no entanto, nenhuma
evidência de que a concubina Pan tenha amarrado os seus pés (Ko, 2002, pp. 32–34).
Outra opinião mais popular remete para o Período das Cinco Dinastias e dos
Dez Reinos (século X), durante o reinado de Li Yu (李煜, lǐyù) (937 d.C. – 978 d.C.), o
terceiro governador do estado de Tang do sul no século X. A sua bonita concubina,
Yao Niang (窅娘, yǎoniáng), era uma boa dançarina. Li Yu criou uma mesa especial em
forma de lótus dourado, de seis pés de altura, decorada com pedras preciosas e
pérolas, pediu a Yao Niang que amarrasse seus pés em seda branca na forma da lua
crescente e fizesse uma dança semelhante a um balé no lótus (Gao, 1995, p. 6). Diz-se
que a dança de Yao Niang era tão graciosa que as outras mulheres procuravam imitá-
la. Os pés-de-lótus foram então replicados por outras mulheres da classe alta e a
prática espalhou-se (Gao, 1995, p. 12). Na sociedade patriarcal, as mulheres
dependiam dos homens para sobreviver, então atendiam às preferências masculinas,
curvando pés para deixá-los menores, mais graciosos, de modo que os pés-de-lótus
gradualmente evoluíram de um conceito a uma prática.
No início, os pés-de-lótus foram populares apenas entre as dançarinas. Com o
passar do tempo e com a paixão masculina por pés-de-lótus, esta moda influenciou
14 “妇人缠足不知始于何时,小儿未四五岁,无罪无辜,而使之受无限之苦” , Fùrén chánzú bù zhī shǐ yú héshí, xiǎoér wèi sìwǔsuì, wúzuì wúgū, ér shǐ zhī shòu wúxiàn zhī kǔ.
13
gradualmente outras classes na dinastia Song, passando a simbolizar civilização.
Tornou-se um costume inerente às mulheres, fomentando a competição entre elas
por um pé cada vez mais pequeno (Ren, 2017).
Os dominadores que estabeleceram a dinastia Yuan eram mongóis. Eles não
tinham o hábito de amarrar os pés mas, depois de entrarem na Planície Central, foram
atraídos por este costume e passaram igualmente a promovê-lo. No entanto, a forma
dos pés-de-lótus nas dinastias Song e Yuan era um pouco diferente da forma
popularizada no período posterior. Como pode ser visto na foto abaixo, as mulheres
da dinastia Song apenas amarravam os pés mais direitos e finos.
Figura 2 – Corpo da dinastia Song do Sul, no Museu de Fuzhou15
15 http://bbs.sssc.cn/thread-2335067-1-1.html, consultado em 11 de abril de 2019.
14
Figura 3 - Sapatos de prata desenterrados de um túmulo da dinastia Song do Sul16
A obra contemporânea Every Step a Lotus: Shoes for Bound Feet (2002), da
americana Dorothy Y. Ko, menciona a coleção do Museu da Seda de Hangzhou
relacionada com os pés-de-lótus da dinastia Ming. Até meados daquela dinastia, o
estilo de sapatos manteve a aparência das dinastias Song e Yuan e um comprimento
de 13 a 22 cm, não muito inferior às gerações anteriores (Ko, 2002).
Em meados da dinastia Ming surgiu uma nova forma de sapatos, com salto alto,
semelhante ao efeito visual resultante dos saltos altos de hoje. O método de
amarração também mudou consideravelmente: à exceção do polegar, os dedos eram
dobrados para dentro, aumentando a altura e arqueando o peito do pé (Ko, 2002, p.
60). Esse tipo de amarração é muito cruel, as articulações dos dedos dos pés são
partidas e depois dobradas e enroladas com um pano. Esse tipo de pé triangular é
frequentemente comparado aos brotos de bambu, tantas vezes esculpidos em jade.
O tamanho dos pés neste período tornou-se extremamente pequeno, mas só na classe
média alta; as mulheres da classe trabalhadora e as servas não podiam trabalhar com
pés assim.
16 Gao, H. X. 高洪兴 (1995). História de Pés-de-lótus 缠足史 (1ª ed.). Shangai: Editora de Literatura e Arte de Shangai.
15
Figura 4 - Pés-de-lótus na dinastia Ming e Qing17
Na época da dinastia Qing, as pessoas buscavam a beleza suprema e a prática
dos pés-de-lótus tornou-se comum, o tamanho dos pés tornou-se um critério
importante para julgar a beleza das mulheres. Os homens não só gostavam de pés
pequenos, mas também exigiam que as mulheres andassem numa posição flexível e
leve. As mulheres com pés pequenos eram mais amadas pelo sexo oposto.
Naquele tempo, o casamento era a única maneira de as mulheres poderem ter
uma vida melhor. Um par de “pés pequenos” podia proporcionar um futuro melhor
para as meninas e suas famílias, era também interpretado como um símbolo de “boa
vida” ou prestígio social. Isso pode ser confirmado nos romances das dinastias Ming e
Qing. No romance Jin Ping Mei (金瓶梅, jīnpíngméi), Ximen Qing (西门庆, xīmén qìng)
apaixonou-se por Pan Jinlian (潘金莲, pān jīnlián) por causa de um par de "pés-de-
lótus dourado". Embora Pan não tenha tido um bom final no romance, ela melhorou
a sua vida graças aos pés pequenos (Ko, 2005, pp. 211-212).
No final da dinastia Ming, o contexto capitalista permitiu às mulheres
trabalharem em casa, em atividades como fiação, tecelagem ou colheita de chá,
ganhando dinheiro sem trabalho físico pesado, o que proporcionou uma base
17 http://blog.sina.com.cn/s/blog_159cf99b40102x4tv.html, consultado em 21 de abril de 2019.
16
importante para as mulheres da classe operária amarrarem os pés. Elas não
precisavam trabalhar fora, então foram tornando os seus pés cada vez mais pequenos,
isso também passou a simbolizar a superioridade masculina e a inferioridade feminina
na sociedade antiga.
Figura 5 - Sapatos de mulher com pés-de-lótus na dinastia Qing18
Figura 6 - As mulheres que trabalhavam não tinham pés-de-lótus19
Os pés-de-lótus foram um símbolo da cultura Han e uma expressão das
mulheres sob os ideais do confucionismo. As mulheres antigas não eram livres, viviam
18 Gao, H. X. 高洪兴 (1995). História de Pés-de-lótus 缠足史 (1ª ed.). Shangai: Editora de Literatura e Arte de Shangai. 19 http://www.laozhaopianxiufu.com/post/1272.html, consultado em 21 de abril de 2019.
17
sob várias restrições impostas pelo confucionismo; não apenas físicas e espirituais,
mas também de comportamento: exigia-se que as suas palavras e ações se ajustassem
ao ideal confucionista.
Os pés-de-lótus eram ainda uma maneira de distinguir entre estatuto alto e
baixo, mostrando estatuto social, pessoal e riqueza. As mulheres com pés-de-lótus
não conseguiam andar normalmente, o trabalho diário e as atividades também eram
afetados. Em geral, apenas no caso de uma mulher não precisar de trabalhar em casa,
seria possível fazer os pés-de-lótus. De acordo com a História de Pés-de-lótus: “Os pés-
de-lótus dificultam cada movimento das mulheres, quando elas saem, devem ter uma
serva ao seu lado” (Gao, 1995, p. 112).
Os pés-de-lótus restringiam as mulheres e limitavam as ações quotidianas para
que elas ficassem em casa. Às mulheres não era reconhecida qualquer personalidade
independente, eram mera propriedade dos homens, existiam como brinquedos, por
isso, os corpos podiam ser alterados à vontade. Por detrás dos pés-de-lótus esconde-
se um conceito de castidade feminina do sistema patriarcal, constituindo também
uma ferramenta para os homens mostrarem a sua riqueza e o seu estatuto social.
Para além dos valores morais, especialmente a aceitação de que "homens e
mulheres devem ser tratados de forma diferente" e da “superioridade masculina”,
que constituíram uma pressão externa para a prática dos pés-de-lótus, existiam
pressões internas, tais como a necessidade matrimonial e os requisitos de virtude
feminina. A tudo isto somou-se o antigo conceito estético chinês, para popularizar
este costume especial.
18
Capítulo II - Tentativa inicial de educação das
mulheres no século XIX
19
A partir de 1840, as mulheres chinesas modernas começaram a receber
educação sob a influência de missionários. Após a primeira Guerra do Ó pio (1840-
1842), as potências ocidentais entraram na China pela força, após a assinatura de uma
série de tratados desiguais20 com o país. Através desses tratados, os estrangeiros
conseguiram o privilégio de administrar uma escola na China. Nasciam assim as
escolas da igreja, que viriam a ser muito importantes para as meninas.
Em essência, as escolas para meninas eram instituições educacionais
estabelecidas por potências ocidentais para difundir o cristianismo na China, no
contexto de uma sociedade semicolonial e semifeudal. No entanto, teve um certo
efeito positivo no desenvolvimento da educação moderna chinesa. A existência de
escolas femininas constituiu uma alternativa na história moderna da educação chinesa
e forneceu condições para o despertar da consciência feminina no século XX.
II.1 Chegada à China dos missionários
Historicamente, as atividades dos missionários na China começaram mais de
duzentos anos antes da Guerra do Ó pio.
Em 1582, o padre jesuíta italiano Matteo Ricci21 chegou à China e, além de um
grande número de livros teológicos, levou também conhecimentos científicos em
matemática moderna, astronomia e geografia. Ele e Xu Guangqi (Paulo Xu) 22
traduziram Elements of Geometry de Euclides e introduziram a teoria matemática no
país. Ricci elaborou o mapa-mundi, apresentando a teoria dos cinco continentes ao
povo chinês. Zhifang Waiji23, escrito principalmente pelo jesuíta italiano Giulio Aleni24,
foi o primeiro atlas detalhado da geografia global disponível em chinês. Deve-se
reconhecer que, além da propaganda religiosa, os missionários também levaram
ciências naturais para a China.
20 O Tratado de Nanquim, o Tratado de Wanghia, o Tratado de Huangpu, entre outros. 21 Padre Matteo Ricci (1552-1610) foi um missionário italiano, que promoveu o catolicismo na China. 22 Xu Guangqi (徐光启, xú guāngqǐ) (1562 - 1633) foi um matemático chinês na dinastia Ming. 23 Zhifang Waiji (职方外纪, zhífāngwàijì), em Inglês, Record of Foreign Lands. Foi um atlas escrito pelo missionário italiano Giulio Aleni na China no início do século XVII. 24 Giulio Aleni (1582 - 1649) foi um missionário jesuíta italiano e um estudioso.
20
Chegados ao século XIX, os padrões e as tendências de desenvolvimento
mundial assentaram mais claramente na globalização e na modernização. Devido à
Guerra do Ó pio, o império chinês sofreu uma turbulência sem precedentes, bem como
mudanças internas.
Em meados do século, depois da primeira guerra do Ó pio, o governo Qing
assinou o primeiro tratado desigual com Inglaterra: o Tratado de Nanquim, que pôs
termo ao isolamento nacional e iniciou a história da China moderna. Assim, o
Cristianismo começou a espalhar-se amplamente na China e os missionários
estabeleceram várias escolas no território. Ao abrigo deste acordo, além das
indemnizações pagas, a China permitiu em 1842 que missionários britânicos
entrassem pela primeira vez na China continental e que comerciantes britânicos
estabelecessem "esferas de influência" nos portos e arredores.25
O Tratado de Wanghia (1844), sino-americano, determinou o direito de
comprar terras junto a cinco portos comerciais, de erguer igrejas e hospitais26 (Gao &
Zhu, 1993). No mesmo ano, a França obrigou o governo Qing a assinar o Tratado de
Huangpu, que estipulava: "Os franceses que vivem em cinco portos de comércio,
independentemente do número de pessoas, podem construir igrejas, hospitais,
escolas, etc.”27 (Gao & Zhu, 1993).
No seguimento destes tratados, jesuítas e outros missionários estabeleceram
igrejas em cinco portos comerciais: Guangzhou, Fuzhou, Xiamen, Ningbo e Shanghai.
Isto permitiu o desenvolvimento do trabalho de evangelização; desde então, um
grande número de missionários ocidentais chegou ao país e iniciou um processo de
agressão cultural e, de certo modo, uma subtil colonização da China.
O propósito fundamental dos missionários era converter os chineses, usando
a religião para conquistar a sociedade chinesa. Com o fluxo de missionários, a cultura
ocidental viria a ter uma grande influência na cultura nativa, nomeadamente no que
respeita à visões das mulheres e à educação feminina. A expansão colonial ocidental
rompeu a barreira entre o Oriente e o Ocidente, levando os pensamentos
educacionais predominantes no Ocidente para a China. Apesar de não ser esse o
25 http://www.newworldencyclopedia.org/entry/Treaty_of_Nanking, consultado em 11 de abril de 2019. 26 Um dos tratados desiguais assinados depois da primeira Guerra do Ó pio. 27 Um dos tratados desiguais assinados depois da primeira Guerra do Ó pio.
21
objetivo dos missionários, alguns fizeram um trabalho útil, ao colocarem as mulheres
chinesas em contacto com o pensamento estrangeiro, o que viria a melhorar as suas
condições de vida. No entanto, o conceito de igualdade de género levado pelos
missionários produziu contradições e conflitos acesos com as ideias tradicionais
chinesas. Então, no início, os missionários sofreram uma forte resistência por parte
das forças feudais. Por forma a facilitar a pregação e expandir a influência cultural,
surgiram as escolas para as meninas.
Devemos atentar no detalhe histórico de que, nesta época (século XIX), a
mulher ocidental também não tinha uma condição igual à do homem. A maioria das
mulheres não tinha uma educação formal, a educação feminina no Ocidente ainda
estava na sua infância. Ou seja, tanto no Oriente como no Ocidente, a educação
feminina esteve sempre atrasada em relação à masculina. Esta situação só começou a
melhorar no início do século XX, a partir de 1914. “Em França, o número de lycées para
rapazes manteve-se aproximadamente estável, 330 a 340, durante todo o nosso
período, mas o número de estabelecimentos do mesmo grau para raparigas passou
de 0 em 1880 para 138 em 1913 (…) Na Grã-Bretanha, onde não existiu qualquer
sistema nacional de ensino secundário até 1902 (...) o número de escolas para
raparigas de 99 para um valor comparável ao do dos rapazes (349) (...) Nem todos os
países revelavam zelo comparável pela educação formal das raparigas das classes
média e média-baixa. Esta avançava muito mais lentamente na Suécia do que nos
outros países escandinavos, quase nada na Holanda, muito pouco na Bélgica, e na
Suíça” (Hobsbawm, 1990, p. 256).
II.2 Escolas para meninas: o nascimento da educação moderna das mulheres
O nascimento das escolas femininas na China beneficiou da compreensão dos
missionários sobre a função da educação escolar na disseminação da cultura religiosa.
Por um lado, a educação escolar podia formar um grupo de cristãos instruídos, para
expandir a influência do cristianismo; por outro lado, a escola educaria os futuros
missionários e líderes espirituais da China, exercendo uma influência permanente e
mais poderosa no futuro (Chen, 2009).
22
II.2.1 Educação tradicional das mulheres e crítica dos missionários
Vale a pena notar que, no início, não havia diferenças na educação das
mulheres na China e no Ocidente, facto confirmado pela análise histórica. Na Europa,
o poder da educação manteve-se nas mãos da igreja por longo tempo, ora as mulheres
também eram restringidas pela religião, acreditava-se que só precisavam obedecer
aos homens e não adquirir conhecimento. Os seus direitos económicos e à educação
verdadeira eram negados: a vida das mulheres era quase inteiramente limitada ao
escopo de responsabilidade de mãe e esposa. A educação escolar era um privilégio
dos homens.
Na classe alta, houve algumas instituições relacionadas com a educação
feminina, dando às meninas uma certa educação primária, sobretudo conhecimentos
básicos de leitura, escrita, cálculo, música, pintura, etc. Algumas destas escolas
forneceram inspiração e formação para as realizações artísticas e literárias das alunas,
mas havia muito poucas escolas desse tipo. A maioria das mulheres de classe média e
baixa não recebiam qualquer educação formal, as oportunidades educativas eram
desiguais para os dois géneros (Bell & Offen, 1983, pp .73-79).
Em Émile, ou de l’éducation, Rousseau explica que naquela época, as mulheres
da sociedade, especialmente da classe alta, passavam a maior parte do tempo em
atividades de entretenimento, ignorando a família e o marido. No sentido de melhorar
os costumes sociais, Rousseau propôs que as mulheres também recebessem alguma
educação (Bell & Offen, 1983, p. 71). Percebe-se que a educação feminina ocidental
tradicional diferia da masculina, o propósito seria formar boas esposas e mães.
Uma situação idêntica ocorreu na China. Por um longo tempo, uma minoria de
pessoas defendeu a educação feminina, algumas mulheres de famílias intelectuais ou
ricas alfabetizaram-se, mas o número era muito pequeno e todas estudavam em casa.
As mulheres chinesas do passado não tinham os mesmos direitos educacionais do
sexo oposto, mas isso não quer dizer que a sua educação fosse ignorada. Muito pelo
contrário, a China atribuiu grande importância à educação feminina, não como um
objetivo de obterem conhecimento e desenvolverem a inteligência, mas para
aprenderem etiqueta e ética, e tornarem-se esposas que atendessem às exigências da
sociedade patriarcal.
23
Não havia escolas femininas integradas no sistema nacional de educação, na
sociedade chinesa antiga, e as mulheres não tinham direito à educação, mas existiu
uma longa tradição de ensino doméstico. Podemos ler acerca do contexto educativo
de mulheres chinesas antigas na dissertação de Wang, Kaiyu. A sua pesquisa confirma
a não existência de instituições de ensino, como escolas, as mulheres eram educadas
em casa, sendo os conteúdos baseados na ética feudal e nas “Três Obediências e
Quatro Virtudes28” confucionistas. As mulheres aprendiam, desde tenra idade, a servir
os pais, sogros, maridos e a cuidar dos filhos. O objetivo seria apenas treiná-las para
serem escravas de uma família feudal, e capacitá-las para serem esposas e mães. As
mulheres seriam meros acessórios dos homens e estariam firmemente limitadas pela
família (Wang, 2017, pp. 5-7). A educação tradicional feminina continuou da dinastia
Qin até o final da dinastia Qing, e a sua influência na China foi muito abrangente. No
fim da dinastia Qing, o sistema feudal declinou gradualmente e a educação tradicional
das mulheres não foi capaz de se adaptar ao desenvolvimento da sociedade. É nesse
contexto histórico que surgem as escolas para meninas.
Como vimos anteriormente, na segunda metade do século XIX, o Cristianismo
começou a espalhar-se pela China e os missionários fundaram uma variedade de
escolas da igreja enquanto pregavam, incluindo escolas femininas. Para além disso,
subsidiaram algumas mulheres para que pudessem estudar no exterior. As primeiras
escolas para meninas na história chinesa foram organizadas junto dos portos abertos
ao comércio com o Ocidente. Mais tarde, alargaram-se a algumas cidades da China
continental, como Pequim, chocando com o modelo tradicional de educação feudal e
lançando as bases para a transformação educativa. Indubitavelmente, durante esse
período, muitos missionários envolveram-se em atividades de ensino na China, como
forma de expressarem a sua fraternidade cristã. Eles foram para a China com crenças
religiosas profundas e as suas atividades conquistaram o entendimento e a
aquiescência da sociedade moderna chinesa (He & Shi, 1996).
28 As “Três Obediências e Quatro Virtudes” (三从四德, sāncóngsìdé) são um o conjunto de princípios morais confucionistas que deviam orientar o comportamento das mulheres.
24
Os missionários defenderam ativamente a educação para as meninas na China.
Num artigo publicado em A Review of the Times29, o missionário Lin Lezhi30 defendeu
que: “a razão pela qual a educação chinesa não pode competir com a educação
ocidental é que não presta atenção à educação feminina" ; “Se uma mulher não recebe
educação, o país não pode realmente florescer” (Li, 1987). Para muitas pessoas, a
educação dos homens ainda não era uma ideia muito popular, quanto mais a
educação das mulheres. A resposta do missionário foi: "Homens e mulheres são iguais
e a sua educação não está em nenhuma ordem particular. As mulheres ocidentais,
envolvidas na agricultura, indústria, negócios, estudos, tornam-se jornalistas,
professoras, médicas, trabalham na Cruz Vermelha, cuidam dos soldados feridos por
balas, quem pode dizer que a sua contribuição é menor do que a dos homens?" O
autor afirmou ainda que se o país quisesse popularizar a educação masculina, devia
primeiro "estabelecer a educação feminina" (Li, 1987). A problemática despertara a
atenção de muita gente naquela época, o que pode ser verificado na extensa discussão
sobre educação feminina publicada em A Review of the Times, e através de um grande
número de relatórios sobre o estabelecimento de escolas para meninas. A divulgação
dos missionários sobre a questão da educação feminina chinesa forneceu forte apoio
para o nascimento e desenvolvimento da educação moderna das mulheres.
Nos registos dos missionários, podemos encontrar a sua defesa ao direito à
educação das mulheres chinesas. Mas, quando registaram a vida quotidiana, eles
concentraram-se na descrição do sofrimento das mulheres, criticando a tradição
costumes bárbaros e um testemunho do baixo nível de civilização da China. Por
exemplo, Lin Lezhi também disse: “O grau de civilização dos países ocidentais é alto,
porque valorizam a educação das mulheres” (Li, 1987). Com esta afirmação quis
mostrar que o estatuto das mulheres deveria ser usado como uma medida do grau de
desenvolvimento civilizacional de um país. A civilização ocidental seria superior à o
oriental para ser próspera e forte, a China precisava converter-se ao cristianismo para
promover o estatuto das mulheres e desenvolver escolas femininas. Os missionários
29 A Review of the Times (万国公报, wànguógōngbào) foi uma publicação mensal publicada na China entre 1868 e 1907. Foi fundada e editada pelo missionário Young John Allen. 30 Lin Lezhi (林乐知 , línlèzhī). O seu nome original era Young John Allen (1836-1907) e foi um missionário metodista americano no final da dinastia Qing.
25
estabeleceram uma imagem ocidental "civilizada" por oposição a uma imagem
oriental "selvagem".
Os estudiosos reformistas chineses acreditam que não havia diferenças
essenciais entre a situação das mulheres chinesas e ocidentais, porque o sofrimento
feminino é um fenómeno comum no mundo. Embora a situação das mulheres na
Europa e na América fosse um pouco melhor, estas ainda eram encaradas como
pertences dos homens (Kang, 2009, pp. 55-58). A este propósito, o pensador francês
Charles Fourier31 afirmou: “O aviltamento do sexo feminino é um traço essencial quer
da civilização, quer da barbárie, com a única diferença de que a ordem civilizada eleva
os vícios, que a barbárie pratica num modo simples, a um modo de existência
composta, de duplo sentido, ambíguo e hipócrita... Ninguém paga mais caro do que o
homem o facto de a mulher ser mantida em escravidão” (Fourier), mencionado no
trabalho de Marx (Marx & Engels, 1976, pp. 299-300).
II.2.2 A criação de escolas para meninas
Como já foi referido, as escolas da igreja desempenharam um papel de
liderança na história da educação das mulheres chinesas. A fundação de escolas
missionárias foi o início da educação feminina na China. A história do estabelecimento
de escolas de meninas por missionários é, até certo ponto, a história da ascensão da
educação das mulheres chinesas modernas (Wang, 2001).
A Sociedade de Promoção da Educação Feminina no Oriente foi fundada em
Londres em 25 de julho de 1834. Tratava-se de uma comunidade religiosa feminina,
que enviou missionários e professores para as escolas da China e de países vizinhos.
Uma delas foi Mary Ann Aldersey, que chegou à China em 1842 e fundou uma escola
para meninas em Ningbo (宁波, níngbō), Zhejiang (浙江, zhèjiāng), em 1844. Foi a
primeira escola feminina fundada por missionários estrangeiros na China continental,
e também foi o início da educação moderna das mulheres chinesas (Li, 1987).
31 Charles Fourier (1772-1837) foi um filósofo francês da primeira metade do século XIX, influente pensador socialista e um dos fundadores do socialismo utópico. Fourier é creditado como tendo originado a palavra "feminismo" em 1837.
26
Outros foram inspirados por Aldersey, concordando na necessidade de
desenvolver os conhecimentos das mulheres chinesas. Surgiram assim outras escolas
femininas junto dos portos comerciais e noutras cidades (Chen, 2009).
Figura 7 - Mary Ann Aldersey (1797–1868)32
Com a crescente expansão capitalista, mais e mais escolas femininas foram
fundadas por igrejas ocidentais na China. Entre 1844 e 1860, missionários estrangeiros
construíram mais de uma dúzia de escolas para as meninas, a maioria de ensino médio.
O estabelecimento dessas escolas permitiu às mulheres chinesas receberem a
primeira educação escolar (Xiong, 2011).
32 http://www.pipspatch.com/2012/12/29/mary-ann-aldersey-and-the-first-girls-school-in-china/comment-page-1/, consultado em 23 de abril de 2019.
27
Diretório de escolas femininas da China entre 1844-186033
33 Chen, X. 陈欣, Chénxīn. (2009). A Influência Sobre a Criação da Escola Missionária Feminina na Dinastia Qing
清末教会女校的创兴及其影响研究, Qīngmò jiàohuì nǚxiào de chuàngxīng jí qí yǐngxiǎng yánjiū. (Dissertação de mestrado). Universidade Normal de Liaoning: Liaoning.
Ano Localização Nome da escola Fundador Observações
1844 Ningbo Escola de Meninas de
Ningbo
Mary Ann Aldersey
1844 Hongkong Internato para
Meninas
Igreja Batista Britânica,
Henrietta Hall Shuck
1846 Hongkong Escola de Meninas de
Ying Wa
Sociedade Missionária de
Londres
1847 Cantão Internato para
Meninas
Andrew Patton Happer
1850 Shangai Escola de Meninas Congregacionalismo,
Elijah Coleman Bridgman
Mudou para Escola
Secundária de Shangai
nº 9
1850 Shangai Escola de Meninas Igreja Batista Britânica
1850 Fuzhou Escola de Meninas de
Fuzhou
Metodismo, Robert
Samuel Maclay
1851 Shangai Escola de Meninas Igreja Episcopal dos
Estados Unidos
Mudou para Escola
Feminina de Santa
Maria
1851 Hongkong Escola de Meninas Igreja Batista Britânica
1853 Shangai Escola de Meninas Igreja Católica da França Mudou para Escola
Secundária de Penglai
1853 Cantão Escola de tempo
integral para
mulheres
Andrew Patton Happer
1854 Fuzhou Internato para
Meninas
Congregacionalismo,
Justus Doolittle
1854 Cantão Escola de Meninas Metodismo
1855 Shangai Escola de tempo
integral para
mulheres
Presbiterianismo
1855 Shangai Escola de Meninas de
Xuhui
Igreja Católica da França Mudou para nº. 4
Escola Secundária de
Shangai
1857 Ningbo Escola de Meninas Presbiterianismo
1859 Fuzhou Escola de Meninas de
Yuying
Metodismo
28
Os conteúdos de aprendizagem das escolas para meninas incluíam os Quatro
livros34, a Bíblia, matemática, geografia, história, biologia, fisiologia, etc. Mas os temas
centrais seriam a Bíblia e os clássicos confucionistas chineses (Chen, 1979). No início
havia muitas dificuldades e o desenvolvimento foi extremamente lento. Por um lado,
como as escolas estavam ligadas aos missionários e os chineses odiavam os
“agressores capitalistas estrangeiros”, sentiam relutância em enviar as suas filhas para
a escola. Por outro lado, o povo estava profundamente condicionado pelos conceitos
tradicionais, que impediam as mulheres de irem à escola.
Para resolver estes problemas, as escolas implementaram inicialmente a
educação gratuita. A escola chegou a subsidiar as meninas que frequentavam a escola,
para atrair alunas. Mesmo assim, a Escola de Meninas de Ningbo recrutou apenas
algumas alunas no primeiro ano, 15 no segundo ano e, após sete anos, o número de
alunas aumentou para 40. Até que, na década de 1880, as escolas da igreja se
tornaram populares.
Após a segunda Guerra do Ó pio (1856-1860), as potências ocidentais
expandiram o poder político e os direitos económicos na China, com benefícios para
as atividades missionárias. Em 1868, o Tratado de Burlingame, assinado entre os
Estados Unidos e a China, estipulou que os americanos podiam criar escolas no país,
onde os estrangeiros vivessem de acordo com as regras (Wang, 1957). Isso permitiu
que estrangeiros abrissem escolas formais.
A partir de então, as igrejas passaram a poder pregar não apenas nas
localidades portuárias, mas também estabelecer igrejas livremente em várias
províncias. O número de alunas aumentou e os níveis de ensino expandiram-se,
passando a abranger também escolas secundárias e universidades. De acordo com o
relatório da “Conferência Missionária Cristã na China” realizada em Shangai em 1877,
havia 82 escolas femininas de tempo integral em 1876, com 1.307 alunas, 39
internatos femininos e 794 estudantes (Du, 1995).
34 Os quatro livros (四书, sìshū) são textos clássicos do confucionismo: O grande ensino, A Doutrina do Meio, Analectos de Confúcio e Mêncio.
29
Após meio século de desenvolvimento, nascia o ensino superior dirigido às
mulheres, surgindo universidades influentes como a Universidade Feminina do Norte
da China (1905), a Universidade Feminina do Sul da China (1907) e a Faculdade de
mulheres de Jinling (1915). Ao mesmo tempo, o número de estudantes no estrangeiro
aumentava gradualmente.
No final do século XIX, quatro jovens foram estudar para o exterior, elas foram
as primeiras estudantes do sexo feminino a irem para os Estados Unidos. A primeira
foi Jin Yamei (金雅妹, jīn yǎmèi), uma mulher influenciada desde a infância pela
educação religiosa. Ela nasceu numa família de pastores em Zhejiang (浙江, zhèjiāng)
em 1864, mas os seus pais morreram quando era pequena e a menina foi adotada
pelo Dr. Divie Bethune McCartee, um missionário americano. Em 1881, Jin foi para os
Estados Unidos para estudar medicina. Ela graduou-se na Faculdade de Medicina
Feminina de Nova York em 1885, tornando-se a primeira mulher chinesa a receber um
diploma universitário nos Estados Unidos (William & Akiko, 2016). A segunda foi He
Jinying (何金英, hé jīnyīng) de Fuzhou (福州, fúzhōu), que se formou na Universidade
Médica Feminina da Filadélfia em 1892, regressando à China um ano depois.
Juntamente com Kang Aide (康爱德, kāng àidé) e Shi Meiyu (石美玉, shí měiyǜ), elas
foram pioneiras na medicina chinesa moderna, criando uma tendência precursora
para as mulheres estudarem no exterior, ao mesmo tempo que valorizaram
socialmente as mulheres intelectuais (Chu, 1934).
II.3 A influência das escolas para meninas na sociedade chinesa
Como uma parte da educação chinesa, as escolas femininas da igreja
experimentaram um caminho difícil e tortuoso até ao seu reconhecimento, formando
um sistema educativo relativamente independente e completo. Tornou-se uma parte
importante da educação chinesa moderna, especialmente da educação das mulheres,
contexto em que obteve um impacto profundo. Estas escolas formaram as professoras
para o desenvolvimento futuro da educação e os primeiros talentos do movimento
que promoveu o iluminismo das mulheres chinesas.
30
As escolas religiosas melhoraram, gradualmente, o sistema de educação escolar
das mulheres. As disposições específicas relativas à gestão das escolas para meninas
tiveram efeitos óbvios no desenvolvimento da educação formal das mulheres chinesas,
fornecendo um modelo de referência. Isso estimulou os pensadores iluministas no
início dos tempos modernos da China, que propuseram que os próprios chineses
criassem escolas femininas, libertassem as mulheres e desenvolvessem a sua
educação.
Zheng Guanying35, um antigo reformador, comentou em Educação Feminina: “A
educação das mulheres ocidentais é tão importante quanto a dos homens. As crianças
têm oito anos, e tanto os meninos como as meninas devem receber educação”. O
autor sugeriu que o governo chinês aprendesse com o Ocidente, disponibilizando os
fundos necessários para criar uma escola para meninas (Dong, 1990).
O líder da Reforma de Cem Dias36, Kang Youwei37, defendeu também a igualdade
de género, nomeadamente no contexto educativo (Kang, 2009). Liang Qichao 38
também enfatizou a importância de estabelecer escolas para meninas, pois acreditava
que o nível de educação das mulheres era um indicador importante para medir a
prosperidade do país. “O país com o nível mais alto de educação das mulheres é
também o mais forte, como os Estados Unidos. O país com o segundo nível mais alto
de educação das mulheres, é o segundo mais forte, como é o caso do Reino Unido,
França, Alemanha, Japão” (Liang & He, 2002).
Graças à defesa de partidários reformistas, a primeira escola feminina fundada
pelos próprios chineses seria criada em 31 de maio de 1898 - Escola de Meninas de
Jingzheng, em Shangai. Esta primeira tentativa dos chineses inaugurou uma nova
tendência na educação formal das mulheres chinesas. Em 1907, o governo Qing
promulgou o "Estatuto da Educação das Mulheres", reconhecendo oficialmente o
direito das mulheres de receberem educação escolar e incorporando a educação
35 Zheng Guanying (1842 - 1922) (郑观应, zhèng guānyìng) foi um reformador chinês ativo no final da dinastia Qing. 36 A Reforma de Cem Dias foi um movimento de reformas nacionais em 1898, promovido pelo imperador Guangxu e partidários reformistas, incluindo Kang Youwei e Liang Qichao. A reforma demorou apenas três meses, e foi terminada por oponentes conservadores. 37 Kang Youwei (康有为, kāng yǒuwéi) (1858 - 1927) foi um pensador chinês e um dos líderes da Reforma de Cem Dias. 38 Liang Qichao (梁启超, liáng qǐchāo) (1873 - 1929) foi um estudioso, filósofo e um dos líderes da Reforma de Cem Dias, inspirando muitos estudiosos chineses com os seus escritos e movimentos de reforma.
31
feminina no sistema educativo. O estatuto estipulava que as mulheres com idades
entre 4-18 podiam candidatar-se à escola. Pela primeira vez na história da China, foi
aprovado um estatuto legal feminino da educação escolar: as mulheres chinesas
passaram a desfrutar dos mesmos direitos educacionais que os homens.
O movimento de libertação das mulheres modernas na China é resultado da
colisão entre as culturas chinesa e ocidental. As escolas da igreja treinaram não apenas
um grupo de clérigos e seguidores leais, mas também profissionais do sexo feminino,
contribuindo ainda para o despertar da consciência feminista no século XX.
32
Capítulo III - O despertar da consciência
feminina no início do século XX
33
III.1 Introdução ao feminismo ocidental
Segundo Margaret Walters39, a palavra “feminismo” surge em inglês na década
de 1890, a partir da expressão francesa. Ao longo dos séculos e em muitos países
diferentes, as mulheres manifestaram-se em defesa do seu género e articularam, de
diferentes maneiras, as suas queixas, necessidades e esperanças (Walters, 2005, p. 1).
O feminismo foca-se principalmente no estatuto, nos direitos das mulheres e
na igualdade em relação ao sexo masculino. A problemática que mais preocupa as
feministas relaciona-se com “igualdade”. A igualdade é o objetivo, o valor supremo
perseguido pelo feminismo e o ponto de partida de todas as ideias feministas (Li, 2016,
p. 154).
De acordo com o livro Feminism: A Very Short Introduction, de Margaret
Walters, o feminismo ocidental tem uma relação com a religião. No final do século XI,
Hildegarda de Bingen, também conhecida como Sibila do Reno, uma freira europeia,
adquiriu conhecimento num mosteiro feminino e começou a pregar. Esta foi a
primeira voz feminina no contexto religioso, antes disso, as mulheres tinham sido
excluídas desses assuntos. Várias mulheres foram julgadas no século XV pelas suas
ações “não femininas” (como explicar a Bíblia ou ser linguista), excluídas do grupo de
cidadãos e rotuladas de "irracionais". A luta das mulheres pelos direitos humanos
também levou muito tempo (Walters, 2005, pp. 10-50).
A génese do feminismo ocorreu nos séculos XV, XVI e XVII. As mulheres
afirmaram que, como sujeitos racionais e dignos, elas deveriam ser respeitadas pelos
outros e receber educação. A “primeira onda” do feminismo começou no final do
século XVIII e continuou até o início do século XX, em países como a França, o Reino
Unido, o Canadá, os Países Baixos e os Estados Unidos. Essa onda conseguiu
transformar muitas reivindicações centrais em instituições sociais e, ao mesmo tempo,
incitou forte resistência e repressão (Donovan, 2012).
Este movimento de mulheres surgiu após a Revolução Francesa. No primeiro
ano da Revolução Francesa (1789), algumas mulheres propuseram à Assembleia
39 Autora do livro Feminism: A Very Short Introduction.
34
Nacional “direitos politicamente iguais entre homens e mulheres”, mas tal
reivindicação não foi amplamente reconhecida na sociedade da época (Honma, 1935,
pp. 2-10).
Em 1872 Mary Wollstonecraft, uma proto-feminista britânica, escreveu um
livro intitulado Uma Reivindicação dos Direitos da Mulher, uma das primeiras obras de
filosofia feminista. Ali, dWollstonecraft criticou o pensamento de Rousseau e de
outros por insultarem as mulheres (Li, 2018, Capítulo 1). O livro também enriqueceu
o significado do feminismo para incluir a defesa de oportunidades iguais para homens
e mulheres, a independência económica e a participação política das mulheres
(Wollstonecraft, 1988).
Figura 8 - Capa da primeira edição de Uma Reivindicação dos Direitos da Mulher40
Na segunda metade do século XIX, surgiram alguns movimentos organizados
no Ocidente, com o objetivo de melhorar a educação e as oportunidades de trabalho
das mulheres, alterar as leis que envolviam os direitos das mulheres casadas e o direito
40 https://en.wikipedia.org/wiki/A_Vindication_of_the_Rights_of_Woman, consultado em 3 de maio de 2019.
35
de voto. As principais exigências das mulheres ocidentais no final do século XIX e início
do século XX podem ser resumidos da seguinte forma: as mulheres devem ter os
mesmos direitos e tratamento que os homens na sociedade, na política e na educação
(Hobsbawm, 1995, capítulo 8).
O desenvolvimento da teoria feminista ocidental também trouxe luz à
literatura feminina. Durante aquele período, as mulheres conquistaram gradualmente
o direito de voto e de propriedade, e passaram a ser livres de fazerem a maior parte
dos trabalhos. Como elas podiam escrever sem saírem de casa, mais e mais mulheres
talentosas se juntaram às filas dos escritores. Com o progresso da sociedade e as
realizações das mulheres em várias profissões, surgiram os escritores do sexo
feminino (as escritoras) e muitas obras excelentes. Quatro grandes romancistas
britânicas - Jane Austen, Charlotte Bronte, Emily Bronte e George Eliot - bem como
poetisas famosas, como Emily Dickinson, Elizabeth Barrett Browning e Christina
Rossetti são representantes desse período. As escritoras prestaram atenção ao
tratamento desigual das mulheres na vida real. Nesse período da literatura, a
consciência das mulheres recebeu grande atenção, as mulheres nas obras começaram
a resistir conscientemente à sociedade patriarcal e a livrarem-se da imagem de
"fraqueza". "Fraqueza, teu nome é mulher"41 deixou de ser adequado ao estatuto em
desenvolvimento das mulheres.
Durante o século XX, os direitos das mulheres no ocidente foram melhorando
e as mulheres passaram a ter mais oportunidades de emprego. Na segunda metade
do século, entraram em quase todas as áreas profissionais. Ao nível do pensamento,
o movimento feminista floresceu e as suas características foram-se alterando. Tendo
começado por "lutar pelos direitos das mulheres", foi progressivamente colocando
outras questões, desde a análise dos papéis dos dois sexos até ao questionamento da
cultura patriarcal. Os temas das obras femininas também foram ampliados, refletindo
sobre todos os aspetos da sociedade. Embora na sociedade patriarcal as vozes
masculinas ocupem uma posição dominante, a literatura feminina cresceu e
enriqueceu.
41 “Frailty, thy name is woman!”, são palavras pronunciadas por Hamlet na famosa peça de Shakespeare com o mesmo título (Ato 1, Cena II).
36
Na obra O Pioneers! (1913), a famosa escritora americana Willa Cather, através
da representação dos imigrantes americanos do século XIX, criou uma imagem de
pioneira feminina do deserto inesquecível. Um Quarto Só para Si (1929) de Virginia
Woolf aponta, até certo ponto, o caminho para as mulheres se encontrarem. Woolf
acredita que, se uma mulher se quer tornar uma grande escritora, deve primeiro
esforçar-se por obter independência económica e estatuto social, isto é, um quarto só
para si.
As obras literárias femininas do século XX têm outras características: as
mulheres são os principais temas da escrita; os seus sentimentos, impressões,
pensamentos e emoções merecem atenção; exploram o mundo interior das mulheres
e criam novas imagens femininas a partir das próprias experiências e valores das
mulheres.
III.2 Consciência feminina e campanhas anti-pés-de-lótus
No início do século XX, nasceu um movimento intelectual destinado a difundir
a doutrina democrático-burguesa e o feminismo ocidental entrou na China.
Ma Junwu (马君武 , mǎ jūnwǔ) (1881 – 1940) traduziu para chinês alguns
escritos feministas, como Os Direitos das Mulheres de Herbert Spencer42, A Sujeição
das Mulheres [The Subjection of Women, 1869], escrito por John Stuart Mill43 e a
Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã (1791) de Olympe de Gouges44. Os
livros acima foram publicados pela primeira vez na China em 1902 e 1903. A
introdução das doutrinas feministas ocidentais teve, indubitavelmente, um significado
orientador para a conscientização sobre os direitos das mulheres no país.
No contexto das grandes mudanças políticas, económicas e sociais registadas
desde o início do século XX, as mulheres chinesas começaram a receber maior atenção,
e a ascensão dos movimentos de libertação das mulheres despertou a autoconsciência
42 Herbert Spencer foi um escritor e biólogo inglês do século XIX. No seu livro Social Statics (1850) dedica um subcapítulo aos Direitos das Mulheres. 43 John Stuart Mill foi um famoso filósofo e economista britânico do século XIX. 44 Olympe de Gouges, feminista, dramaturga e ativista política francesa, sentindo que as mulheres haviam sido excluídas da Déclaration du droits de l’homme et du citoyen, escreveu um texto paralelo com ênfase nos direitos das mulheres.
37
coletiva, alterando a relação tradicional entre os sexos. As mulheres gradualmente
libertaram-se da tradição dos pés-de-lótus e conquistaram alguns direitos sociais. Este
tipo dos direitos refere-se principalmente aos exercidos como cidadãs de acordo com
a lei, incluindo o direito à igualdade de oportunidades na educação, direito de herança,
direitos trabalhistas, parte do direito de voto, um certo grau de autonomia
matrimonial e direitos civis, bem como direito de associação e liberdade de
comunicação. Embora os reformadores e os revolucionários burgueses tenham feito
esforços para defender os direitos políticos e económicos das mulheres, a consciência
feminina devia ser descoberta pelas próprias mulheres (Huang, 2012, p. 18). A
consciência feminista surgiu inicialmente durante o movimento do Reino Celestial
Taiping, um Estado revolucionário de unidade política e religiosa no final da dinastia
Qing, governado por um místico cristão, Hong Xiuquan (洪秀全, hóng xiùquán) (1814
– 1864). Influenciados pelo lema cristão “todos são iguais perante Deus”, os
seguidores de Hong defenderam a igualdade entre homens e mulheres, desafiando a
autoridade masculina pela primeira vez na sociedade patriarcal. Contudo, o estatuto
das mulheres não foi substancialmente alterado. Nas áreas controladas pelo Reino
Celestial de Taiping, “igualdade entre homens e mulheres” foi apenas um slogan e
uma medida paliativa. As mulheres continuaram sem direitos substantivos,
nomeadamente o direito à liberdade e à propriedade e os direitos políticos (Cui & Hu,
1994).
Em meados do século XIX, um grande número de missionários estava a pregar
na China, lançando campanhas anti-pés-de-lótus em pequena escala. Originalmente,
os missionários exigiam que os crentes chineses e as suas filhas não seguissem a
prática, e um grande número de panfletos foi lançado para promover a "igualdade
entre homens e mulheres" na fraternidade de Deus. Eles anunciavam que Deus fixou
a estrutura física de homens e mulheres quando criou a humanidade, os pés-de-lótus
constituíam uma mudança desse corpo, sendo um desrespeito a Deus, pelo que devia
ser proibido. Os missionários intervieram nesta prática em nome da religião, pelo
menos no sentido físico, a ideia de igualdade de géneros começou a ter impacto.
No início da década de 1870, muitos jornais e revistas começaram a divulgar
ideias anti-pés-de-lótus, criticaram, numa perspetiva religiosa, o dano e o sofrimento
que estes traziam ao corpo feminino. Em 1874, a Sociedade do Pé Natural foi formada
38
em Xiamen por um missionário escocês, John MacGowan. Foi a primeira organização
na China que proibiu as mulheres de amarrarem os pés. Ao longo da década seguinte,
desenvolveram-se sociedades anti-pés-de-lótus apoiadas por igrejas católicas em
vários lugares (Wang, 2015).
Devido às limitações religiosas e à falta de familiaridade do povo chinês em
relação ao cristianismo, desde 1880 que alguns autores substituíram o conceito de
"Deus" por “lei natural”; usando-o como uma base para a igualdade física entre
homens e mulheres. Isso fez com que os chineses pensassem que os pés-de-lótus
eram uma violação da ordem natural.
Em 1895, Mrs. Archibald Little 45 fundou a Sociedade do Pé Natural.
Independente dos ensinamentos da Igreja Católica, esta organização criou filiais em
Wuxi, Suzhou, Yangzhou, Nanjing e outros lugares, publicou livros e revistas para
combater os pés-de-lótus e teve uma grande influência nas campanhas posteriores
(Marshall, 2007, p. 103). A infiltração de ideias ocidentais tornou-se uma
oportunidade, as pessoas começaram a discutir o impacto dos pés-de-lótus na ordem
moral.
45 Alicia Little (1845-1926) foi uma escritora britânica, ativista pelos direitos das mulheres e contra os pés-de-lótus na China.
39
Figura 9 - Algumas mulheres com pés naturais no final da dinastia Qing46
Em 1897, Liang Qichao e Kang Guangren47 também fundaram a Sociedade
Anti-pés-de-lótus em Shangai, cujos membros não se podiam casar com mulheres que
seguissem essa prática. Isso resolveu as preocupações das mulheres com pés naturais.
A ascensão da educação feminina foi praticamente simultânea às campanhas anti-pés-
de-lótus. No artigo Na educação das mulheres (1897), Liang Qichao apontou: “Se não
se acabar com a prática dos pés-de-lótus, não se pode estipular uma educação
feminina”48 (Liang & He, 2002). O Gabinete de Jornais Oficiais de Beiyang compilou a
“A História Evolutiva da Educação Feminina Mundial”, na qual a reclusão e os pés-de-
lótus são listados como costumes femininos que deviam ser banidos no mundo
oriental. Os britânicos usaram cera para recriarem os pés-de-lótus das mulheres
chinesas, para serem colocados em exposição no Museu de Londres (Fan, 1998, p. 53).
A tradição dos pés-de-lótus também foi criticada por estrangeiros, era motivo
para os países ocidentais pensarem que a China era um país extremamente atrasado.
Embora os missionários comparassem os pés-de-lótus da China ao espartilho, os seus
46 http://www.sohu.com/a/256489642_100178530, consultado em 21 de abril de 2019. 47 Kang Guangren (康广仁, kāng guǎngrén) (1867 - 1898) foi irmão mais novo de Kang Youwei e participou a Reforma dos Cem Dias. 48 “缠足一日不变,则女学一日不立” (Chánzú yírì bú biàn, zé nǚxué yírì bú lì).
40
pontos de vista eram obviamente tendenciosos: “Este uso (pés-de-lótus) supera
qualquer coisa que encontramos no Ocidente como exemplo da tirania de um gosto
pervertido, incluindo a paixão por uma cintura de vespa, ou por um crânio liso. Um é
esporádico ou tribal, o outro é nacional” (Martin, 1900, p. 25, tradução livre). Isso
reflete a parcialidade dos missionários — eles não conseguiam tratar o sofrimento das
mulheres na China e no Ocidente da mesma maneira. Mas é inegável que a sua crítica
aos pés-de-lótus realmente ajudou as mulheres chinesas a livrarem-se dessa
transformação corporal. No final da dinastia Qing, quando a civilização ideológica
ocidental se infiltrou na China, a classe intelectual e até mesmo as pessoas comuns
perceberam que os pés-de-lótus eram um mau costume, um símbolo do atraso da
civilização chinesa. A autoconfiança nacional começou a vacilar, a popularidade
interna dos pés-de-lótus perdeu-se.
Figura 10 - Mulheres com pés naturais na década de 187049
Desde o Reino Celestial Taiping que a cultura ocidental foi bem recebida pelo
povo chinês; os "direitos civis" e os "direitos humanos" passaram a ser discutidos
frequentemente, o entusiasmo do público em participar da discussão aumentou
49 https://zhuanlan.zhihu.com/p/24287847, consultado em 21 de abril de 2019.
41
gradualmente. Depois da independência física, da liberdade feminina e da igualdade
de direitos, o termo “direitos femininos” apareceu oficialmente na China. De acordo
com o testemunho de Mizuyo Sudo, a palavra “Nvquan” (女权, nǚquán) [direitos
femininos] apareceu, pela primeira vez, no artigo “Comunicação entre Homens e
Mulheres”, publicado no jornal Qingyibao (清议报, qīngyìbào), em 1900 (Sudo, 2007).
Além dos direitos mencionados acima, o termo também incluía o direito das
mulheres à educação, direitos de propriedade, bem como a prática da monogamia,
proibindo a venda de servas. O significado de “igualdade entre homens e mulheres”
estendeu-se da igualdade corporal à igualdade de direitos, o seu uso também passou
a traduzir “direitos iguais”. O direito das mulheres à educação e à independência física
contida nos “direitos femininos” passou a ser reconhecido e promovido por todos. No
entanto, continuou a ser difícil reconhecer os direitos políticos das mulheres, sendo
apenas clamados por alguns radicais e mulheres que aceitavam a cultura ocidental.
Essencialmente, as campanhas anti-pés-de-lótus despoletaram o
aparecimento do feminismo na China, antes do conceito de “direitos femininos”.
Pode-se dizer que as campanhas anti-pés-de-lótus promoveram a germinação do
feminismo chinês e plantaram as bases do rápido reconhecimento dos direitos das
mulheres.
III.3 A influência do feminismo ocidental na sociedade chinesa
No início do século XX, a autoconsciência das mulheres chinesas ia-se
desenvolvendo, lançou-se a base ideológica para o desenvolvimento do movimento
de libertação das mulheres e promoção de uma série de publicações femininas.
III.3.1 Jornais e revistas feministas
Tal como acontecera no Ocidente, a introdução do conceito feminista
influenciou em primeiro lugar as mulheres de classe alta da burguesia, que viajavam
para o exterior e tinham ideias mais avançadas. Elas começaram a partilhar os seus
pontos de vista sobre as mulheres e a formar os seus próprios pensamentos. A fim de
42
ajudar mais mulheres a adquirirem conhecimentos e libertarem-se dos grilhões que
as limitavam, elas criaram vários jornais e revistas, proporcionando às mulheres um
lugar para expressarem as suas opiniões.
O jornal Progresso da Menina Chinesa (女学报, nǚxuébào) foi fundado em
1898 por Qiu Yufang (裘毓芳 , qiú yùfāng) (1871-1904), uma das representantes
femininas da revolução democrática. Qiu tinha uma base sólida de estudos chineses e
sabia línguas estrangeiras. As suas ideias revolucionárias absorveram elementos
progressistas ocidentais, ela defendeu a garantia do direito à educação, liberdade de
expressão e participação política; foi a primeira mulher na China dedicada ao
jornalismo (Yi, 2003). No entanto, o jornal teve apenas em 12 edições. Em 1902, foi
republicado por Chen Xiefen (陈撷芬 , chén xiéfēn) (1883-1923), promovendo a
discussão de vários temas, entre eles:
1. A promoção da igualdade entre homens e mulheres e a liberdade do
casamento;
2. A defesa do estabelecimento de escolas femininas e a proteção do direito
das mulheres à educação;
3. A defesa do sufrágio feminino.
O jornal contratou mais de 20 redatoras, todas eram mulheres conhecidas,
incluindo a filha de Kang Youwei, Kang Tongwei (康同薇, kāng tóngwēi) (1879 – 1974),
e a esposa de Liang Qichao, Li Huixian (李蕙仙, lǐ huìxiān). Elas assinavam os seus
artigos com o seu próprio nome, abrindo assim a porta à liberdade de expressão das
mulheres chinesas.
O preço do jornal Progresso da Menina Chinesa era baixo, acessível a pessoas
de todas as classes. O conteúdo era quase totalmente relacionado com a libertação
das mulheres, as ideias progressistas defendidas esclareceram as mentes da maioria
das mulheres e foram acolhidas por muitas pessoas (Zhu, 2000).
O estabelecimento do jornal Progresso da Menina Chinesa veio alterar o longo
isolamento intelectual das mulheres. Mais importante, registou o “discurso” das
mulheres na China nos séculos XIX e XX, refletindo a jornada de crescimento de uma
nova geração de mulheres.
43
Figura 11 - Primeira edição de Progresso da Menina Chinesa50
O Jornal de Mulheres Chinesas (中国女报, zhōngguó nǚbào) foi fundado em
Shangai em 1905 por Qiu Jin51, para defender a igualdade de género e a educação de
mulheres. Qiu Jin foi uma famosa revolucionária democrática na China moderna, que
criticou a ética feudal e defendeu ativamente a ideia da libertação das mulheres (Guo,
1987).
No seu artigo “Carta para as minhas irmãs” pode ler-se: “Meus 200 milhões de
compatriotas ainda estão na escuridão... Gostaria de perguntar-vos, em toda a vossa
vida, vocês já foram livres e felizes?” Acrescentou ainda, “hoje em dia, há mais escolas
para meninas, há alguns empregos adequados para mulheres, contando que as
mulheres tenham o conhecimento e as habilidades, podem tornar-se professoras,
abrir fábricas e viver independentemente. Não precisam depender dos homens” (Qiu
50 Fonte: https://www.chinesepen.org/blog/archives/100827, consultado em 5 de maio de 2019. 51 Qiu Jin 秋瑾 (qiūjǐn) (1875 - 1907) foi uma revolucionária chinesa, escritora e feminista. Foi executada pelo governo Qing.
44
& Guo, 2004). Analisando o ensaio “Profissões para mulheres” e outras obras de
Virginia Woolf, constata-se que as ideias feministas de Qiu Jin e Woolf têm muitas
semelhanças: 1. Enfatizam a importância da educação feminina; 2. Pensam que as
mulheres devem ter independência financeira; 3. Ambas defendem o slogan
“Igualdade entre homens e mulheres” (Woolf, 1974).
Qiu usou os factos e a esperança para despertar a consciência das mulheres,
tal como aconteceu nos discursos feitos pelo feminismo ocidental numa fase inicial.
Ainda assim, a consciência feminista de Qiu tinha enormes limitações. Ela adorava
heróis masculinos da história, preferia roupas masculinas, gostava de andar a cavalo,
fazer bombas e tinha boa pontaria. Tudo isso mostrou que ela estava a imitar e a
desafiar os homens, portanto, a consciência feminista de Qiu ainda era baseada num
sistema hierárquico em que a superioridade masculina predominava, as mulheres
ainda eram passivas e não centrais. Ela participou da revolta contra a dinastia Qing e
foi executada após o fracasso, em 1907.
Figura 12 - Primeira edição do Jornal de Mulheres Chinesas52
Chen Zhiqun (陈志群, chén zhìqún) criou o Jornal de Mulheres de Shenzhou53
(神州女报, shénzhōunǚbào) em 1907, para homenagear Qiu Jin. O jornal publicou os
52 http://www.chnmuseum.cn/zp/zpml/201812/t20181218_26420.html, consultado em 5 de maio de 2019. 53 Shenzhou é outro nome para a China.
45
comentários e artigos de Qiu Jin sobre os direitos das mulheres e criticou a
perseguição Qing à feminista. Basicamente, o jornal continuou o propósito das duas
publicações acima: defender a libertação das mulheres, a igualdade de género, a
liberdade do casamento, o direito à educação etc.. Mas, devido aos pensamentos
radicais, ele foi rejeitado pelos governantes da dinastia Qing e forçado a parar em
1908.
Zhang Zhanyun (张展云, zhāng zhǎnyún) organizou o Jornal de Mulheres de
Pequim (北京女报, běijīngnǚbào) em 1905, o primeiro jornal feminista na região norte.
Zhang atribuiu grande importância ao direito das mulheres à educação, sugeriu que o
governo ajudasse a desenvolver escolas femininas: “A base do desenvolvimento
feminista está na educação das mulheres” (Xia, 2006). Além disso, o jornal também
prestou atenção à vida quotidiana, afirmando que as mulheres deviam estar em
contacto com o mundo exterior, em vez de ficarem em casa. Sob os esforços dos
fundadores, as mulheres da capital puderam sair à rua e participar de alguns eventos
públicos (Zhan, 2008).
Estes foram apenas alguns dos jornais dirigidos às mulheres chinesas, nos
séculos XIX e XX. As mulheres com conhecimento avançado sempre estiveram à frente
da onda revolucionária, liderando as outras mulheres. Entretanto, em comparação
com a população feminina total, o número de mulheres envolvidas nestas publicações
e o número de leitoras era ainda diminuto. As atividades feministas concentraram-se
principalmente em grandes cidades costeiras, como Pequim, Shangai e Cantão; a
distribuição de jornais femininos também era muito pequena, já que as mulheres em
zonas rurais constituíam a maioria da população feminina do país e eram quase todas
analfabetas. Ainda assim, a ascensão dos jornais femininos despertou a consciência
das mulheres e pode ser considerada um avanço histórico. Por outro lado, a longa
opressão feudal fez com que a maioria das mulheres trabalhadoras permanecesse em
estado de dormência, sem autoconsciência, o conceito de direito era-lhes estranho.
Em suma, as chamadas novas ideias não foram aceites pela maioria das mulheres
chinesas, o feminismo permaneceu apenas um conceito teórico.
A Revolução Xinhai aconteceu em 1911, liderada por Sun Yat-sen 54 . Esta
54 Sun Yat-sen (孙中山, sūn zhōngshān) (1866 - 1925) foi um político e líder revolucionário chinês.
46
primeira revolução chinesa derrubou a dinastia Qing e estabeleceu a República
Chinesa em 1912. A revolução estabeleceu um governo central provisório, mas vários
conflitos internos persistiram. Em 1916, o país entrou na "Era dos Senhores da
Guerra"55, altura em que surgiu um movimento conhecido na história chinesa como o
Movimento Quatro de Maio (1919). Na opinião de Wang Qisheng, professor de
História na Universidade de Pequim, o conceito do Movimento Quatro de Maio
contém uma combinação de dois movimentos: um movimento político que ocorreu a
4 de maio de 1919 (movimento patriótico organizado pelos estudantes) e um
movimento cultural, chamado Movimento da Nova Cultura (Wang, 2007).
Para protestar contra o fracasso da diplomacia chinesa e o Tratado de
Versalhes56 na Conferência de Paz de Paris de 1919, especialmente a permissão do
Japão manter o território da província de Shandong devolvido pela Alemanha, os
estudantes em Pequim realizaram uma série de manifestações (Ven, 1991, p. 15). Esse
movimento foi inesperado, enquanto outro movimento cultural influenciou
lentamente a mente das pessoas. De uma maneira geral, a criação da revista Nova
Juventude, fundada por Chen Duxiu57em 1915, foi considerada o início do Movimento
da Nova Cultura. No artigo Aconselhar a juventude publicado na revista, Chen
apresentou ideias avançadas de liberdade, progresso e ciência (Chen, Li, Qu, Lu & Hu,
2011). Outros intelectuais famosos também publicaram artigos em revistas para
explicarem os seus pontos de vista. Sob a influência do Movimento Quatro de Maio,
apareceram muitas escritoras e obras literárias femininas.
55 Era dos Senhores da Guerra (1916 - 1928) foi um período histórico em que a China foi dividida sob o domínio de vários chefes militares. 56 O Tratado de Versalhes foi um tratado de paz assinado pelas potências europeias depois da I Guerra Mundial, sendo que alguns artigos envolviam os interesses da China. 57 Chen Duxiu (陈独秀, chén dúxiù) (1880 - 1942) foi um intelectual chinês e também um dos principais fundadores de Partido Comunista Chinês.
47
Figura 13 - Jornal Nova Juventude58
III.3.2 Escritoras e literatura feminina representativas
A libertação do pensamento das mulheres é demonstrada nos escritos do final
da dinastia Qing. Neste período, as escolas femininas começaram a estabelecer-se em
maior número, pelo que a quantidade de mulheres com conhecimento cresceu. Os
trabalhos que defendiam a igualdade de direitos entre homens e mulheres também
foram discutidos extensivamente, entre eles, o mais representativo terá sido
Nvjiezhong59 de Jin Tianhe (金天翮, jīn tiānhé) (1874 – 1947), publicado em 1903.
O livro é dividido em sete capítulos, que discutem, respetivamente,
“Moralidade das mulheres”, “Carácter das mulheres”, “Capacidade das mulheres”,
"Método de educação das mulheres ", "Direitos das mulheres", "Participação política
das mulheres" e “Evolução matrimonial”. Jin usou o conhecimento da fisiologia
moderna para provar que não há diferenças na estrutura entre homens e mulheres,
58 http://www.chnmuseum.cn/zp/zpml/201812/t20181218_26446.shtml, consultado em 5 de maio de 2019. 59 Nujiezhong (女界钟, nǚjièzhōng) significa “o sino que acorda as mulheres”.
48
portanto, não há superioridade e inferioridade. Ele defende a educação feminina,
acredita que esta tem uma grande relação com a formação da habilidade humana, se
as competências femininas não são tão boas quanto a dos homens, deve-se ao facto
de não terem oportunidades de educação. Além disso, Jin também propôs a
participação das mulheres na política: as mulheres deveriam participar na revolução
junto com os homens, derrubar o governo Qing e estabelecer um sistema republicano
(Jin, 2003). O nome do livro, Nvjiezhong, significa o “sino que acorda as mulheres”.
Sobre a obra, Wang Zheng, professora de estudos sobre mulheres na Universidade de
Michigan, nos Estados Unidos, diz que quebrou o modelo de boas mães e esposas do
confucionismo, que a revolução feminina preconizada por Jin era muito radical para a
época, oferecendo um estímulo considerável para as mulheres que queriam saltar a
barreira do género (Wang, 2003).
Depois do Movimento da Nova Cultura, o conflito entre a consciência feminina
e a cultura patriarcal tornou-se um tema importante da literatura feminina, retratado
por muitas escritoras. Isto pode ser confirmado a partir das obras de Xiao Hong (萧红,
xiāohóng) (1911 – 1942) e Ding Ling (丁玲, dīnglíng) (1904 – 1986).
Xiao Hong nasceu em Harbin, em 1911. Foi uma escritora e uma excelente
representante das mulheres intelectuais educadas após o Movimento da Nova Cultura.
Os seus trabalhos refletem fortes ideias feministas: as mulheres podem não ser
pequenas e os homens podem não ser grandes. As personagens femininas nas suas
obras são fortes e corajosas, desejam uma vida independente, revelam ideias
feministas e nunca cedem ao sistema feudal. De uma maneira geral, a imagem dos
homens é de egoísmo e vulgaridade, constituindo uma sátira ao machismo (Liu, 2002).
As obras de Xiao descrevem a dura vida dos pobres, especialmente das
mulheres na base da sociedade. A autora expressa a sua preocupação pela vida
quotidiana e a sua consideração sobre problemas humanos básicos, nomeadamente
as dualidades “humano e natureza”, "feminino e masculino", "vida e morte" (Guo,
2011). O Campo da Vida e da Morte (生死场, shēngsǐchǎng), um dos seus romances,
publicado pela primeira vez em 1935, examinou as dificuldades da vida agrícola
durante a década de 1920 e início dos anos trinta, em particular, o sofrimento
feminino. A maioria das mulheres retratadas foi privada de uma noção de tradição,
49
vivia em áreas rurais remotas pouco civilizadas; as suas preocupações resumiam-se ao
quotidiano - comer e vestir, casar-se e ter filhos (Xiao, 2005).
Para Wang Dewei, professor chinês da Universidade de Columbia, "quando
falamos sobre a criação de escritoras chinesas modernas e as atividades das primeiras
feministas, Ding Ling tem sempre um papel indispensável" (Wang, 1993). Ding Ling foi
uma escritora do século XX. O Diário da Senhorita Sofia ( 莎菲女士的日记 ,
shāfēinǚshìderìjì) é uma das suas obras mais famosas. Ali, a autora retratou a
consciência sexual feminina delicadamente, causando uma grande sensação durante
o período do Movimento Quatro de Maio. A história, de 1927, tem relação com as
experiências pessoais de depressão, cansaço e pobreza de Ding Ling durante esse
período, e foi influenciada pelo romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert60. O
romance usa um diário como ponto de entrada para a narrativa, explorando os
pensamentos e sentimentos de uma mulher, Sofia, especialmente as suas relações
interpessoais, sexualidade e identidade. Sofia é uma mulher pessimista, neurótica e
depressiva, não está interessada no homem feio que a ama, mas sim no homem
bonito e infiel, Ling. A personagem espera conseguir o amor de Ling, mas quando o o
conquista, ela recua (Ding, 2009). A tragédia não é apenas sua, mas também das
pessoas da época que ela simboliza. A imagem de Sofia representa as mulheres
durante o Movimento Quatro de Maio, que nasceram numa sociedade velha e
cresceram na nova era, foram acorrentadas pelas ideias velhas, mas também
receberam o impacto dos novos pensamentos.
A atenção de Ding Ling às mulheres concentra-se na revelação do seu
sofrimento mental. Uma Menina Chamada Ah Mao (阿毛姑娘, āmáogūniang) é uma
das primeiras obras de Ding Ling e conta a história de Ah Mao. A personagem vivia no
campo, foi influenciada pela vida e pensamentos burgueses, estava cheia de ilusões
sobre uma vida bonita que não se concretizou, pelo que acabou por suicidar-se (Ding,
2007). O romance descreve a angústia mental de Ah Mao, que recebeu a satisfação
material, mas não está feliz, isso é o sinal de que a sua consciência "humana" começa
a despertar.
Segundo o psicólogo americano Maslow, as necessidades humanas podem ser
60 Gustave Flaubert (1821-1880) foi um escritor francês. O seu romance Madame Bovary foi escrito em 1857.
50
divididas em cinco níveis: primeiro surgem as necessidades físicas, depois as
necessidades de segurança, em terceiro lugar, necessidades sociais (como
relacionamentos e amor), seguidas da necessidade de estima. Finalmente, a
necessidade de autorrealização.61
Figura 14 - Xiao Hong62 Figura 15 - Ding Ling63
A história de mais de dois mil anos dos direitos chineses é uma história onde
falta a literatura e a consciência feminina. Por causa das grandes mudanças ocorridas
na sociedade chinesa no início do século XX, o feminismo emergiu gradualmente na
China com o Movimento Quatro de Maio. Nesse contexto, a literatura feminina
também floresceu, sendo o anti-imperialismo e o anti-feudalismo temas recorrentes
nesse período. Defender a igualdade e a libertação do feudalismo foram temas
predominantes na voz das mulheres avançadas da época. Elas não só desafiaram a
sociedade patriarcal, mas também contribuíram com as suas vozes para a cultura
dominante.
61 Abraham Harold Maslow (1908-1970) foi um psicólogo americano, conhecido pela teoria da hierarquia de necessidades. 62 Fonte: http://www.sohu.com/a/279235192_166075, consultado em 5 de maio de 2019. 63 https://zh.wikipedia.org/wiki/%E4%B8%81%E7%8E%B2, consultado em 5 de maio de 2019.
51
Capítulo IV - Orientalismo e estereótipos
52
No final do século XIX e início do século XX, as Guerras do Ó pio abriram as
portas do Oriente. Os chineses contactaram com o conceito de “direito natural” e com
a cultura ocidental, ao mesmo tempo que o Ocidente conheceu a China e outros países
asiáticos. Com o fortalecimento da ligação entre Oriente e Ocidente, as mulheres
asiáticas e chinesas inspiraram obras literárias e artísticas ocidentais mas, através
dessas obras literárias e artísticas, formaram-se estereótipos acerca delas.
IV.1 O orientalismo e a formação de estereótipos
No passado, o colonialismo baseou-se na invasão militar por parte dos países
ocidentais, como Espanha e Portugal, que tinham a hegemonia marítima no século XV.
No século XVI, a Grã-Bretanha e a França tornaram-se os países imperialistas mais
fortes, a Grã-Bretanha ficou mesmo conhecida como o império onde “o sol nunca se
põe. Até que as nações colonizadas conquistaram sucessivamente a sua
independência, na segunda metade do século XX, depois da Segunda Guerra Mundial.
O colonialismo diminuiu, as nações ocidentais procuraram influência nas áreas da
política, economia e literatura. Damos a este neocolonialismo o nome de pós-
colonialismo, termo relacionado com a multi-comunicação e influência política, que
permitiram nova invasão do mundo oriental.
O Orientalismo é uma subdivisão do colonialismo que remonta ao século XIX,
mas ganhou o seu lugar na investigação académica desde a publicação da obra
Orientalism de Edward Said64, em 1978. O livro foi uma das maiores realizações de
Said no mundo. Contudo, o autor raramente se refere à China no livro, não inclui uma
análise detalhada sobre o país no sistema do Orientalismo. Enquanto o maior país do
Oriente, a importância da China nesta discussão é, na verdade, evidente por si só.
Edward Said incluiu uma famosa citação de Marx junto ao título da obra: "Não
podem representar-se a si próprios; têm de ser representados" (Said, 2004). Esta
sentença de Marx foi originalmente usada para falar sobre as diferenças de classe;
64 Edward Said (1935-2003) foi um intelectual palestiniano, crítico literário e ativista.
53
"eles" simbolizavam o proletariado oprimido e privado do direito de falar. Said usou
esta frase para descrever a situação do oriental na literatura ocidental.
De um modo geral, existem três características proeminentes do Orientalismo.
Em primeiro lugar, Said aponta um território especial: “o Oriente” ou “o terceiro
mundo”, que não representa apenas a sua localização geográfica, mas também uma
maneira de pensar, falar e representar o mundo.
Em segundo lugar, o orientalismo é essencial: pode-se falar (na Europa) de uma
personalidade oriental, uma atmosfera oriental, um conto oriental, um despotismo
oriental ou um modo oriental de produção, e ser-se compreendido. Assim, a descrição
sobre o Oriente, mesmo que ridícula, pode ser aceitável para os ocidentais. O
orientalismo é “um estilo de pensamento baseado numa diferença ontológica e
epistemológica estabelecida entre ‘o Oriente’ e (na maioria dos casos) ‘o Ocidente’”
(Said, 2004, p. 2). Nessa perspetiva, Said descreve o Orientalismo como “uma
instituição corporativa que lida com o Oriente - que se relaciona com ele emitindo
juízos sobre ele, autorizando visões dele, descrevendo-o, ensinando-o, colonizando-o,
governando-o: em suma, o orientalismo é um estilo ocidental para dominar,
reestruturar e exercer autoridade sobre o Oriente”(Said, 2004, p. 3).
Em terceiro lugar, o Orientalismo divide o mundo em duas partes: o Ocidente
e o Oriente, com um forte contraste e criação de hierarquias. Há um forte sentimento
de que o Oriente e o Ocidente devem ser comparados. Os seguintes pares de palavras
mostram como “o Oriente” é produzido como algo perigoso e desejável, “o Oriente”
dá ao “Ocidente” um sentimento misto, revelando características contrastivas.
54
(Luo, 2007)
Esta representação simples derivou numa série de antíteses: Ocidental vs.
Oriental, superior vs. inferior, avançado vs. atrasado, civilização vs. selvagem, rico vs.
pobre e assim por diante. Nessas oposições binárias, os países do Leste são
frequentemente considerados como nações retardatárias com pessoas não civilizadas.
Mas, para muitos pesquisadores, essas oposições binárias estendem-se a um
significado profundo, com o processo de alteridade como algo típico. Na diferenciação
dos sistemas de crenças não ocidentais, os ocidentais estabelecem os seus próprios
valores e padrões como naturais e justificados, que falam pela sua vontade de poder.
O Orientalismo expressa a oposição entre o Oriente e o Ocidente, mas os
homens e as mulheres do Oriente também são percecionados pelos ocidentais como
tendo características opostas: os homens são maus, astutos e insidiosos e as mulheres
são obedientes, exóticas e sedutoras. No orientalismo, os ocidentais são racionais,
pacíficos, liberais e lógicos, mas os orientais (árabes) não possuem nenhuma destas
características (Said, 2004, p. 56). O Oriente é um regime autoritário, sinónimo de
Oriental Ocidental
Despotismo Democracia
Crueldade Tratamento justo
Sensualidade Autocontrole
Sem auto-governo Auto-governo
Artístico Prático
Místico Sensato
Irracional Racional
Ilógico Lógico
Intriga Franqueza
Destreza Confiança
Letargia Atividade
Depravado Virtuoso
Infantil Maduro
Exótico Não-exótico
Passivo Ativo
Misterioso Ó bvio
Silencioso Articular
Fraco Forte
Escuro Claro
55
crueldade e devassidão. Insidioso, preguiçoso, lascivo, antiquado, etc. são adjetivos
todos eles apontados ao Oriente.
O escritor francês do século XIX Gustave Flaubert acreditava que “a mulher
oriental é uma máquina e não distingue entre um homem e outro” (Lowe, 1994). Said
mencionou que em Voyage en Orient de Nerval65, o autor reconhece que o Oriente é
"le pays des rêves et de l'illusion" que, como os véus que ele encontra por toda a parte
no Cairo, esconde um fundo profundo e rico de sexualidade feminina (Said, 2004, p.
213). A maioria das impressões orientais de Flaubert e de outros escritores ocidentais
vem dos árabes do Médio Oriente, e não do Extremo Oriente da civilização
confucionista. O orientalismo da Europa resulta sobretudo do mundo árabe, mas os
Estados Unidos estão mais preocupados com o Orientalismo da China e do Japão. Mas
tanto o médio como o extremo Oriente deve ser salvo.
No livro The Asian Mystique (2005), da americana Sheridan Prasso, a autora
analisa a origem dos estereótipos das mulheres orientais no Orientalismo. O fascínio
pelas mulheres orientais pode remontar à descrição da China de Marco Polo no século
XIII. O livro As Viagens de Marco Polo foi escrito na prisão por Rustichello da Pisa,
baseado nas histórias que este ouviu de Marco Polo, sobre as viagens do italiano à
Ásia Central e à China. O segundo capítulo do livro não apenas descreve a majestade
do palácio chinês, mas também expressa a sua fantasia sobre as mulheres orientais.
Ele descreve as mulheres orientais dentro de um padrão generalizado de beleza,
mistério, gentileza e obediência. O livro foi traduzido para muitas línguas e, embora a
autenticidade de muitos dos conteúdos não possa ser determinada, despertou a
curiosidade da Europa sobre o mundo oriental e, indiretamente, promoveu a
interação entre a China e o Ocidente. A impressão inicial dos ocidentais sobre as
mulheres orientais também foi estabelecida.
65 Gérard de Nerval (1808-1855) foi um escritor francês do século XIX.
56
IV.2 As imagens das mulheres asiáticas
Aos olhos ocidentais, a imagem da China, um país estagnado que mantém os
seus antigos costumes, tradições e sistemas, é estereotipada. Nas descrições dos
orientalistas ocidentais, as imagens desfavoráveis das mulheres chinesas estão
firmemente enraizadas: os pés das mulheres são amarrados quando são muito jovens;
as mulheres obedecem ao pai antes do casamento e ao marido depois do casamento;
os homens podem-se casar com várias mulheres, mas uma mulher só se pode casar
com um homem; as jovens são vendidas a prostíbulos ou enviadas como
trabalhadoras para casas dos futuros maridos; as viúvas devem cometer suicídio para
manter a sua castidade.
É claro que essas imagens não representam apenas as mulheres da China, mas
todas as mulheres asiáticas. De acordo com Said, “O Oriente era quase uma invenção
europeia, e tinha sido desde a Antiguidade um lugar de romanesco, de seres exóticos,
de memórias evocadoras, de paisagens e experiências extraordinárias” (Said, 2004, p.
1). Portanto, ao estudar o Oriente, os estudiosos ocidentais colocavam-se na posição
central, enquanto o Oriente era o marginalizado, o “outro”. Assim, o Oriente é
inconscientemente distorcido pelos padrões e disciplinas culturais ocidentais. As
imagens femininas da China e da Ásia foram enfraquecidas em várias obras literárias,
elas têm duas camadas de significado. Em primeiro lugar, é uma imagem que justifica
a dominação imperial do Oriente, retratando-o como fraco e degenerado. Em segundo
lugar, é uma visão romantizada do que falta ao Ocidente – espiritualidade e exotismo.
Assim, no século XX, com o desenvolvimento da literatura, do teatro e do
cinema, os estereótipos das mulheres orientais não apenas continuaram a existir, mas
também se enraizaram mais profundamente nos corações das pessoas. Para Sheridan
Prasso, as obras literárias e filmes americanos posicionaram as mulheres orientais em
três tipos especiais: a inocente "Butterfly", a sensual e lasciva "Gueixa" e a maldosa
"Dragon Lady".
57
IV.2.1 Madame Butterfly
Como os orientais eram vistos como enfraquecidos, feminilizados e exóticos,
as mulheres orientais, como uma combinação cultural de etnicidade e sexualidade,
tornaram-se objeto de fascínio para os ocidentais. Suaves, gentis e obedientes, eram
consideradas a melhor escolha para mostrar a elegância e força de um homem branco.
O iniciador da imagem da mulher oriental foi John Luther Long, um escritor americano
do final do século XIX, que escreveu um conto sobre uma mulher japonesa
abandonada por marinheiros americanos. É a versão inicial da ópera Madame
Butterfly. Long nunca foi ao Japão, o material original baseia-se numa história que a
sua irmã e cunhado ouviram quando estavam no Japão: uma gueixa japonesa deu à
luz um filho de um empresário britânico, o empresário decidiu levar o filho, a gueixa
tentou suicidar-se, mas foi resgatada.
O dramaturgo americano David Belasco usou este material para criar o drama
romântico Madame Butterfly (1900). O compositor italiano Giacomo Puccini foi
profundamente tocado pelo drama, pelo que o adaptou a uma ópera que estreou em
Milão em 1904. Durante muito tempo, a ópera Madame Butterfly foi considerada por
muitos estudiosos como um texto modelo para explicar o orientalismo.
A história aconteceu em Nagasaki, no Japão, no final do século XIX. Pinkerton,
um oficial americano estacionado no Japão, encontrou uma jovem e bonita gueixa de
15 anos, Cio-Cio-San, eles apaixonaram-se e casaram-se. Para provar a sinceridade dos
seus sentimentos, Cio-Cio-San converteu-se à religião do marido e quebrou os laços
com os amigos e a família. No entanto, os bons tempos não duraram muito. Pinkerton
foi chamado de volta ao seu país, prometendo que voltaria “quando os pintarroxos
fizerem os seus ninhos”. Passaram-se três anos, Pinkerton não voltou e casou-se “de
verdade com uma esposa americana”. Sharpless, cônsul dos Estados Unidos, levou
uma carta de Pinkerton que exigia a dissolução do casamento com Cio-Cio-San.
Sharpless e a serva pediram-lhe que aceitasse a proposta de Yamadori, um homem
rico perdidamente apaixonado por ela, mas ela recusou, revelando o filho com
Pinkerton. Finalmente, a esposa americana apareceu, pedindo-lhe que entregasse o
seu filho. Cio-Cio-San percebeu completamente que o marido a tinha abandonado, e
terminou a sua vida com um punhal.
58
Figura 16 - Cartaz da ópera Madame Butterfly66
Madame Butterfly produziu um efeito sensacional, não só porque conta uma
bela história de amor, mas também porque moldou uma imagem idealizada da mulher
oriental nas mentes dos ocidentais. A beleza, a timidez, a paixão e a lealdade de Cio-
Cio-San satisfizeram as expectativas estéticas do público ocidental relativamente aos
orientais. Depois da estreia, a ópera de Puccini tornou-se mundialmente famosa,
“Madame Butterfly” converteu-se num protótipo cultural da imagem da mulher
oriental e o seu modelo tem sido continuamente replicado e adaptado. Miss Saigon,
um musical da década de 1970, passado em Saigão durante a Guerra do Vietname,
também usou essa trama: uma terna mulher oriental apaixona-se por um homem
ocidental implacável, oferece-lhe tudo sem arrependimentos, incluindo a vida e a
dignidade.
Não há dúvida de que o sucesso de Madame Butterfly e as suas obras irmãs é
inseparável do conceito de "Orientalismo". Madame Butterfly coincide com a
imaginação ocidental do mundo oriental, faz com que o público se sinta estimulado e
66 https://www.pinterest.com/pin/563231497120270893/,consultado em 5 de maio de 2019.
59
extasiado, ao sublimar o amor desolador das mulheres orientais com o suicídio (Liu,
1997, p. 116). "Butterfly" quase igualou a mulher oriental no vocabulário dos
ocidentais e tornou-se um estereótipo cultural, ajudando os ocidentais a formalizarem
a etnia e o sexo do Oriente: os homens foram usados para descreverem e as mulheres
para representarem o Oriente.
Visando os estereótipos culturais sobre o Oriente, o dramaturgo Huang Zhelun
(David Henry Hwang) criou uma obra dramática dedicada a derrubar o Orientalismo.
Em 1986, ele foi inspirado por um caso de espionagem estranha, criou o drama M.
Butterfly, encenado na Broadway em 1988 e ganhou um Tony Award. Desconstruindo
o estereótipo trazido por Madame Butterfly e invertendo o papel suicida na ópera, o
público tem uma nova compreensão sobre o Orientalismo. A ópera conta uma história
de amor entre um diplomata francês, René Gallimard, e uma atriz da Ó pera de Pequim,
Song Liling. Na verdade, a heroína é um espião e um homem. No final, René trai o seu
país e é julgado por traição, depois de descobrir que o seu amor é realmente um
homem, ele veste-se como Madame Butterfly e suicida-se em frente de todos.
Figura 17 - Detalhe do enredo de M. Butterfly67
Através das memórias de René, os preconceitos, as fantasias e os desejos dos
homens ocidentais relativamente às mulheres orientais são exibidos vividamente
67 https://www.youtube.com/watch?v=rS2SVmORJao, consultado em 5 de maio de 2019.
60
diante do público. Na imaginação de René, a China é um país antigo, decadente e
pobre, e a arte é o seu único orgulho. Sob a influência da ópera Madame Butterfly, ele
acredita que as mulheres chinesas têm medo, mas admiram os homens ocidentais.
Quando ele vê Song Liling pela primeira vez, um ator com a feminilidade oriental
retratada na ópera Madame Butterfly, René acredita firmemente que é uma "mulher
oriental” à espera de ser conquistada, e posiciona o seu relacionamento num estado
de poder e fraqueza.
Obviamente, o diplomata não está apaixonado por uma pessoa, mas por uma
imagem fantasiosa da perfeita mulher oriental. Através do monólogo de René,
sabemos que ele não é bonito nem talentoso. Embora esteja casado há muitos anos,
ele não tem filhos, e também não tem muito sucesso na sua carreira, está sempre
perto de ser demitido. Ele foge para a fantasia do Oriente, espera conseguir uma
mulher perfeita que lhe é absolutamente obediente. Por causa da relação mestre-
escravo entre Oriente e Ocidente, uma mulher oriental absolutamente obediente
permite reforçar a sua superioridade étnica e de género e reconquistar a
autoconfiança. Isso também confirma o ponto de vista de Said: “...a essência do
orientalismo é a distinção inalienável entre a superioridade ocidental e a inferioridade
oriental” (Said, 2004, p. 48).
O processo de reprodução do drama pode, intencionalmente ou não, impor o
valor cultural de um grupo étnico aos membros de outro grupo étnico: ao mesmo
tempo que diz mostrar as suas características diferentes, representa-os como uma
caricatura; ao mesmo tempo que diz querer mostrar o seu valor, mata a sua existência
(Roach & Reinelt, 1992. p. 14). Madame Butterfly é um exemplo e o surgimento de M.
Butterfly é, na verdade, uma tentativa de quebrar os estereótipos de longo prazo
sobre as mulheres orientais.
IV.2.2 Memórias de uma Gueixa
Pode-se dizer que a gueixa é outra imagem típica do Orientalismo. Como uma
cultura tradicional antiga e misteriosa, a gueixa surge pela primeira vez no Japão no
final do século XVII. Portanto tem uma história de mais de 300 anos. No início, a
61
profissão de gueixa era desempenhada por um homem, mais tarde substituído por
mulheres com trajes e maquilhagem tradicionais. As gueixas não eram o mesmo que
as prostitutas do Oriente, elas passavam por um processo de instrução rigoroso,
aprendiam a cultura e artes tradicionais, como dança, canto ou a tocarem um
instrumento musical. As gueixas não se casavam e raramente apareciam em público,
as pessoas só podiam conhecer um pouco sobre as suas vidas em filmes ou na TV, o
que exacerbou a curiosidade do Ocidente em relação a elas.
No início do século XX, muitas famílias pertencentes a uma classe cultural
elevada orgulhavam-se por a filha conseguir entrar nessa profissão. No entanto, não
era fácil crescer como uma gueixa qualificada. Quando uma menina tinha cerca de 10
anos, era enviada para a casa de gueixas (okiya) e iniciava um estudo sistemático que
se prolongava por cinco anos ou mais. No Japão, os critérios para se ser uma gueixa
eram muito exigentes e o custo de aprendizagem alto, não acessível a uma família da
classe média. Além disso, o processo de aprendizagem era difícil, nem todas as gueixas
conseguiam persistir. Após a década de 1970, sob o impacto da nova cultura popular,
a indústria tradicional de gueixas diminuiu gradualmente de 80 mil no início do século
XX, para menos de 2 mil nos dias de hoje. Todavia, como representante típica da
cultura tradicional japonesa, a cultura das gueixas influenciou profundamente o Japão.
Enquanto essência da cultura japonesa, a gueixa tem a sua história específica.
O filme Memórias de uma Gueixa (艺伎回忆录 , yìjìhuíyìlù) é um representante
proeminente da imagem das mulheres orientais na perspetiva masculina e ocidental.
A imagem da cultura tradicional da gueixa foi reescrita pela cultura ocidental, de
acordo com os estereótipos dos média populares no Ocidente sobre a cultura oriental.
O filme Memórias de uma Gueixa foi adaptado de um livro com o mesmo nome
de Arthur Golden68. O livro é baseado na história de uma gueixa famosa em Kyoto,
Iwasaki, e conta a sua vida da perspetiva de um homem ocidental. Após a publicação,
o livro foi traduzido para 32 idiomas e vendido em vários países. No entanto, no Japão,
o livro e a adaptação do filme foram fortemente criticados. Golden não cumpriu o
acordo de confidencialidade, usou o nome original da gueixa diretamente no prefácio
do livro, foi levado ao tribunal por Iwasaki, o modelo de Sayuri no livro. Iwasaki acusou
68 Arthur Sulzberger Gordon (1956 - ) é um escritor americano.
62
Golden de distorcer os factos, a fim de atender à curiosidade dos leitores ocidentais,
confundindo o conceito de gueixa com o de prostituta e violando a cultura tradicional
japonesa (Iwasaki & Brown, 2003). Em 2003, ela publicou o livro Geisha of Gion,
contando a sua história verdadeira; o livro foi distribuído no Japão com 250 mil cópias,
exportado para a Europa e os Estados Unidos.
Figura 18 - Cartaz de Memórias de uma Gueixa69 Figura 19 - Capa do livro Geisha of Gion70
Aos olhos dos ocidentais, o mundo da gueixa oriental tem uma atmosfera
exótica, misteriosa e distante. No início do filme, Sayuri, a heroína da história, resume
a sua vida através do seguinte monólogo: “Uma história como a minha nunca deveria
ser contada, pois o meu mundo é tão proibido como delicado. Sem os seus mistérios,
não pode sobreviver” 71 . Pode dizer-se que este mistério é uma mulher para um
homem, mas também é o Oriente para o Ocidente. A história conta que, na véspera
da Segunda Guerra Mundial, Sayuri, uma menina de 9 anos, foi vendida a uma casa de
gueixas pela sua pobre família. Para atrair a atenção do presidente que ela ama, com
69 https://pt.wikipedia.org/wiki/Mem%C3%B3rias_de_uma_Gueixa_(filme), consultado em 5 de maio de 2019. 70 https://www.amazon.com/Geisha-Gion-Japans-Foremost-Iwasaki/dp/074343059X, consultado em 5 de maio de 2019. 71 Memórias de uma Gueixa (Drama). Rob Marshall (Realizador), 2005. EUA.
63
a ajuda da famosa Mameha, tornou-se a gueixa mais popular daquela época. O filme
construiu uma imagem de menina fiel, que está disposta a tudo por amor. A
feminização e o exotismo do mundo oriental refletem-se em Memórias de uma Gueixa,
em certo sentido, o filme é uma imaginação subjetiva da cultura das gueixas japonesas
a partir da perspetiva ocidental.
A maior parte das personagens masculinas deste filme são nobres, têm
estatuto alto, a existência das gueixas serve para atrair a sua atenção. Muitas cenas
do filme criam uma atmosfera erótica do Oriente misterioso. É o caso da cena do leilão
do direito à primeira noite de Sayuri, algumas ações sugerem atividade sexual das
gueixas. Isso reflete uma filtragem seletiva sobre a cultura oriental. O filme formou
um estereótipo sobre a imagem da gueixa oriental, confundiu gueixa com prostituta,
expressando intencionalmente este conceito ambíguo: diz ao público ocidental que
gueixa é uma profissão destinada a vender a virgindade e o corpo. Esta é uma
compreensão unilateral da cultura das gueixas e também é uma negação do seu valor
artístico e cultural.
Além de fomentar o estereótipo de que a gueixa é uma prostituta, o filme criou
outro estereótipo: o de que a gueixa é uma escrava. O enredo do filme cria uma vida
trágica das gueixas; Sayuri foi forçada a receber instrução, as gueixas não têm
liberdade... Na verdade, no Japão, embora as gueixas devessem receber instrução
rigorosa desde pequenas, elas recebiam uma educação de qualidade a que as
japonesas comuns não tinham acesso. Através da aprendizagem de várias habilidades
e de regras de etiqueta, as gueixas normalmente tinham acesso a uma cultura elevada.
De facto, ser uma gueixa converteu-se numa maneira de as mulheres de famílias
pobres receberem educação de qualidade e subirem na escala social.
Memórias de uma Gueixa apresenta a cultura das gueixas ao público, porém,
não apresenta a cultura oriental real, mas passa um estereótipo da cultura oriental à
imaginação ocidental.
64
IV.2.3 Outras imagens
Desde o século XX, com a popularidade dos meios de comunicação social,
especialmente o cinema e a televisão, as imagens das mulheres chinesas assumem,
normalmente, dois tipos extremos simbolizados por “Flor de lótus” e “Dragon Lady”.
“Flor de lótus”, também conhecido como “China Doll”, teve origem na heroína
do filme silencioso de 1923, The Toll of the Sea 72 , cujo papel principal foi
desempenhado pela atriz sino-americana Anna May Wong 73 . O enredo era uma
variação da história de Madame Butterfly passada na China. Uma jovem chinesa
chamada Flor de lótus apaixona-se por um homem branco, mas é abandonada e
suicida-se. Esse tipo de história tornou-se quase um modelo fixo, as “flores de lótus”
são caracterizadas pela fraqueza, fragilidade e espírito de sacrifício. Elas admiram a
civilização ocidental, ajudam e apaixonam-se por homens ocidentais, mas estes
acabam por as abandonar, deixando-as murchar de tristeza. Sob a influência do
Orientalismo, as obras literárias ocidentais descrevem a China como um "mundo a ser
salvo". Além de retratar a pobreza e o desastre, também expressam uma forte
consciência de salvação, frequentemente combinada com amor. Construindo um
enredo em que os homens ocidentais “salvam” as mulheres orientais, fazem uma
ligação entre o Ocidente e o “mundo a ser salvo”.
O Mundo de Suzie Wong [The World of Suzie Wong] 74 , de 1960, é outro
exemplo típico. O filme foi adaptado do romance com o mesmo título do britânico
Richard Mason e a heroína Suzie foi interpretada pela atriz sino-americana Nancy
Kwan75. Nesta história, o papel do salvador é do protagonista masculino Robert, um
pintor americano, e a pessoa a ser salva é Suzie, uma dançarina de Hong Kong. Suzie
vive num bairro de lata de Hong Kong, que representa o atraso e a confusão. O amor
de Robert vai "salvá-la" deste mundo pobre e atrasado, levando-a para os Estados
Unidos, um lugar de liberdade e felicidade. Outro significado de "salvar" é conquistar
e dominar. No relacionamento, Robert está sempre numa posição dominante, o seu
72 The Toll of the Sea, filme americano silencioso, dirigido por Chester M. Franklin e produzido pela Technicolor Motion Picture Corporation. 73 Anna May Wong (黄柳霜, huáng liǔshuāng) (1905-1961) foi uma estrela de cinema de Hollywood. 74 O mundo de Suzie Wong é um drama romântico britânico-americano realizado por Richard Quine. 75 Guan Nanshi (关南施, guān nánshī) (1939- ) é uma atriz americana nascida em Hong Kong.
65
processo de se apaixonar por Suzie também é o processo de ensiná-la, conquistá-la e
governá-la.
Figura 20 - Cartaz de O mundo de Suzie Wong76
No filme, Suzie veste roupas caras de estilo ocidental para agradar a Robert,
que a olha de cima a baixo e a chama de "prostituta europeia barata", deixando-a
furiosa. Robert explica que ela não precisa daqueles artifícios, preparando-lhe roupas
chinesas tradicionais. O que ele realmente quer dizer é que a aparência de Suzie deve
corresponder à da mulher tradicional chinesa que ele imaginava (Hamamoto & Liu,
2000). Esta exigência reflete claramente o posicionamento oriental estabelecido pelos
ocidentais. Suzie não tem reclamações sobre isso, ela é como Madame Butterfly,
conquistada pelo homem ocidental que mudará o seu destino. Essa relação racial e de
género é típica do Orientalismo: a “salvação/dominação” das mulheres chinesas por
homens ocidentais é uma metáfora para a “salvação/dominação” ocidental da China
e transforma os problemas sociais sérios em dramas românticos. As pessoas aceitaram
inconscientemente esse conceito: as mulheres chinesas não conseguem ser
76 https://www.amazon.com/World-Suzie-Wong-William-Holden/dp/B0001ZWLTM, consultado em 5 de maio de 2019.
66
independentes, só podem confiar na civilização ocidental para salvá-las de uma
sociedade escura e atrasada.
Nos antípodas de “Flor de lótus” encontra-se outro estereótipo: “Dragon Lady”.
Geralmente, “Dragon Ladies” são assistentes de Fu Manchu 77 (personagem
masculino estilizado chinês), representam tentações mortais, mistérios e enganos,
pretendem atacar sociedades civilizadas. O termo foi cunhado pela primeira vez na
banda desenhada publicada em 1935, com o título Terry e os Piratas78, onde o nome
da vilã é "Dragon Lady". Ela é a líder da resistência contra a invasão japonesa à China,
lidera os piratas do mal e envolve-se em várias atividades criminosas. Devido ao
sucesso comercial e encantamento da personagem, a expressão tornou-se muito
famosa.
Acredita-se que a inspiração do nome “Dragon Lady” vem de um filme de 1931,
baseado na série de romances de Sax Rohmer, intitulado Filha do Dragão. A heroína
foi interpretada por Anna May Wong. Desde os anos 1930, quando "Dragon Lady" se
fixou na língua inglesa, o termo tem sido aplicado inúmeras vezes a poderosas
mulheres asiáticas, como Soong Mei-ling, também conhecida como a esposa de
Chiang Kai-shek79, Madame Nhu80 do Vietname e Devika Rani81 da Índia, etc.
77 Dr. Fu Manchu é um vilão fictício introduzido numa série de romances do inglês Sax Rohmer, durante a primeira metade do século XX. 78 Terry e os Piratas foi uma banda desenhada americana de ação e aventura criada pelo cartoonista Milton Caniff. 79 Chiang Kai-shek (1887-1975) serviu como Presidente da República da China, de forma intermitente, de 1928 a 1949, e depois de Taiwan de 1950 a 1975. 80 Madame Nhu (1924-2011) foi a primeira-dama de facto do Vietname do Sul entre 1955 e 1963. 81 Devika Rani (1908-1994) foi uma atriz de filmes indianos, considerada como a primeira dama do cinema indiano.
67
Figura 21 - Dragon Lady em Terry e os Piratas82 Figura 22 - Cartaz de Filha do Dragão83
Depois dos filmes de Hollywood se popularizarem, a imagem de “Dragon Lady”
tornou-se poderosa não apenas na política, mas também nas artes marciais. Na
maioria dos meios de comunicação, as personagens “Dragon Lady” estão associadas
ao Kung Fu. Desde que o género de ação começou a tornar-se sinónimo da
representação asiática de Hollywood, vários filmes e programas de televisão
apresentam continuamente a “Dragon Lady” como uma mulher asiática forte, para
contrabalançar a imagem frágil. As duas atrizes mais proeminentes que interpretaram
estes papéis foram a atriz malaia Michelle Yeoh e Lucy Liu, que se tornou uma das
atrizes asiáticas mais reconhecidas na América. Lucy Liu representou uma imagem do
tipo “Dragon Lady” como O-Ren Ishii, no filme de Quentin Tarantino, Kill Bill84. Ali
surge como uma imagem sem emoção ou humanidade, usando sempre roupas com
características culturais orientais: o quimono.
82 https://www.pinterest.com/robertamsler/dragon-lady/, consultado em 5 de maio de 2019. 83 https://filmow.com/filha-do-dragao-t263097/, consultado em 5 de maio de 2019. 84 Kill Bill é uma série de dois filmes americanos de 2003 e 2004, do realizador Quentin Tarantino.
68
IV.3 A participação dos asiáticos nos estereótipos
Tanto “Madame Butterfly” como “Dragon Lady” representam estereótipos das
mulheres orientais aos olhos do Ocidente. Nos últimos anos, embora cada vez mais
personagens femininas asiáticas tenham aparecido na literatura, cinema e televisão
ocidentais, elas ainda caem inevitavelmente nesses dois estereótipos extremos. Isto
resulta, por um lado, da influência do Orientalismo, mas o Oriente também ajudou a
estabelecer essas imagens típicas e praticou o “self-Orientalization”.
IV.3.1 Origem
De acordo com o estudo de Arif Dirlik 85 , a teoria “Orientalismo” é uma
construção do Oriente pelos europeus, no entanto, os asiáticos também participam
na construção do Orientalismo através da exibição das imagens. O “self-
Orientalization” significa que os orientais veem a sua própria cultura da perspetiva do
Ocidente, ou seja, é o orientalismo do Oriente (Dirlik,1996).
A expansão colonial do Ocidente moderno não só transformou muitos países
asiáticos em colónias, mas também influenciou profundamente a sociedade oriental
em termos de pensamento e cultura, incluindo as fantasias europeias sobre o Oriente.
Nesse processo, a Ásia tal como perspetivada pelos ocidentais está integrada na auto-
imagem dos asiáticos.
No processo de contacto com o Ocidente, os chineses gradualmente
acostumaram-se à impressão ocidental sobre o Oriente. Vale notar que, na era da
globalização, com o desenvolvimento da economia de mercado da China, o
Orientalismo com uma forte cor europeia ainda não desapareceu completamente,
tornou-se algo que os chineses gostam de expressar. Este fenómeno é muito comum
na Ásia de hoje e a razão é óbvia: quando os chineses acham que a "diferença" pode
satisfazer melhor a imaginação estrangeira dos ocidentais sobre a China e atraí-los
85 Arif Dirlik (1940 - 2017) foi um historiador americano de origem turca, publicou extensivamente sobre historiografia e ideologia política na China moderna, bem como questões de modernidade, globalização e crítica pós-colonial.
69
para viajarem, consumirem e investirem na China, “self-Orientalization” surge como
uma escolha natural.
IV.3.2 A incorporação de “Self-Orientalization”
As imagens estereotipadas do Oriente criadas pelo orientalismo ocidental são
cegamente aceites por algumas pessoas orientais, o que, na verdade, significa a sua
aquiescência em relação à superioridade ocidental. Esta ação do Oriente é a
participação no Orientalismo (Zhang, 2008, p. 100). O Orientalismo criou imagens
estereotipadas sobre o Oriente, e este continua a criar e reforçar essa imagem sobre
si mesmo. As pessoas estão sempre conscientes da Orientalização pelo Ocidente, mas
não conseguem perceber a “self-Orientalization” dos próprios orientais.
Hoje em dia, para obter lucro comercial, muitos orientais tentam comprazer as
expectativas do orientalismo ocidental na literatura, no cinema, nas notícias, fotos,
estudos, etc. A escritora sino-americana Yan Geling (严歌苓, yán gēlíng) criou uma
imagem feminina que segue o estilo típico do orientalismo no seu romance Fusang
(扶桑, fúsāng) (1996). O romance conta a história de amor entre um jovem ocidental
e uma mulher chinesa vendida a um prostíbulo americano (Yan, 2002). Apesar de se
passar quase há um século, Fusang não é essencialmente diferente dos temas de
Madame Butterfly e Miss Saigon. Eles inconscientemente ajudam os ocidentais a
construírem estereótipos orientais. O mesmo acontece com os famosos realizadores
de cinema Zhang Yimou (张艺谋, zhāng yìmóu) e Chen Kaige (陈凯歌, Chén Kǎigē),
cujos filmes são populares no Ocidente, porque transmitem uma sensação misteriosa
e tentadora da China. O filme As Flores da Guerra (金陵十三钗, jīnlíngshísānchāi)
(2011), baseado no romance de Yan Geling e dirigido por Zhang Yimou, conta a história
fictícia de 13 prostitutas durante a Segunda Guerra Mundial. Ao apresentar as
prostitutas chinesas de qipao 86 , o realizador sabe que essa personagem atrai
facilmente a atenção do público ocidental. O filme explora a sexualidade das
prostitutas em cenas eróticas, em vez de se concentrar nos factos históricos.
86 Qipao (旗袍, qípáo) é um tipo de vestido na China, também conhecido como cheongsam.
70
“Self-Orientalization” tem-se tornado mais comum, porque algumas pessoas
obtêm grandes benefícios ao aproveitarem a imagem estereotipada de sua própria
raça para encontrarem o favor dos ocidentais. Como resultado, imagens
estereotipadas do Oriente estão profundamente enraizadas na mente não só dos
ocidentais, mas também dos próprios orientais. Apesar da crescente comunicação
intercultural, ainda podemos ver esse tipo de "self-Orientalization" em muitos lugares.
Nos países estrangeiros, os restaurantes chineses parecem sempre iguais: decorados
com uma grande área de vermelho, com lanternas chinesas ou dragões para remeter
para o Oriente. E as lojas chinesas também não são exceção, têm vários produtos
baratos, de fraca qualidade, a colocação de produtos também é muito confusa, etc. A
autoapresentação do Oriente não é melhor do que a interpretação ocidental, tudo
isso aprofundou ainda mais os estereótipos sobre o Oriente. Portanto, como afastar-
se dos estereótipos inerentes e criar o seu próprio sistema de expressão tornou-se um
problema sobre o qual o Oriente devia refletir enquanto critica o orientalismo.
71
Conclusão
72
Pelo exposto, podemos ver que, sob a influência de um milenar patriarcado
feudal, o desenvolvimento das mulheres chinesas ficou aquém do dos homens em
quase todos os setores. O conceito de superioridade masculina e inferioridade
feminina condicionou sempre os comportamentos e pensamentos das mulheres, a
popularidade dos pés-de-lótus também estreitou o escopo das atividades femininas.
No final do século XIX, o capitalismo ocidental e o conceito de direitos naturais
entraram gradativamente na China e, com o nascimento das escolas missionárias
femininas, as mulheres começaram a sair de casa e a receber educação. Embora o
número de mulheres inscritas neste período não fosse grande, o desejo de criar uma
escola feminina estava profundamente enraizado nos corações dos reformistas,
estimulou os pensadores iluministas no início dos tempos modernos da China.
No início do século XX, o direito à educação das mulheres foi reconhecido e a
educação feminina foi incorporada formalmente no sistema educativo nacional. O
sistema feudal estava em declínio, a sociedade passava por grandes mudanças e o
processo de reivindicação dos direitos das mulheres sofria mudanças e um
enriquecimento constantes. Com a ajuda de missionários ocidentais, foram
estabelecidas organizações anti-pé-de-lótus por toda a China. Os patriotas defendiam
que as mulheres recebessem educação e saíssem de casa para melhorar a força
nacional. De facto, os direitos feministas nessa época não partiam do valor das
próprias mulheres e a independência de personalidade, mas eram defendidos em
nome da nação e do país. Por um lado, os direitos das mulheres estavam ligados ao
anti-feudalismo, contra as relações familiares patriarcais feudais, por outro lado, aos
anti-imperialistas, para estabelecer um Estado-nação. O movimento de libertação das
mulheres constituiu apenas parte de todo o movimento político. De acordo com Li
Xiaojiang, da Universidade de Dalian, a questão das mulheres tornou-se, nesse
período, uma fronteira entre revolução e não-revolução, progresso e atraso,
feudalismo e anti-feudalismo. As mulheres deviam ser revolucionárias, porque a
revolução feminina traria inevitavelmente revoluções familiares e sociais (Li, 1994).
Para Marx, a primeira condição essencial para a liberdade é o
autoconhecimento, e o autoconhecimento é uma impossibilidade sem autoconfiança
(Marx, 1842). Com o aumento do conhecimento das mulheres, a sua autoconsciência
despertou gradualmente, o foco das suas preocupações começou a mudar do
73
desenvolvimento da nação para o desenvolvimento da sua própria condição. Além
disso, um grande número de obras feministas ocidentais foi traduzido para o chinês.
Na sequência do Movimento da Nova Cultura, surgiram também muitas escritoras
chinesas que se concentraram na autoconsciência das mulheres, descrevendo, através
das suas obras literárias, o conflito entre a consciência feminina e a cultura patriarcal
e o mundo interior de diferentes mulheres.
Durante os séculos XIX e XX, no processo de comunicação entre o Oriente e o
Ocidente, os missionários levaram pensamentos ocidentais, ajudaram as mulheres
chinesas a obterem educação e a ampliarem os seus horizontes. Por outro lado,
também originou estereótipos das mulheres orientais, o que atingiu o
desenvolvimento das mulheres, especialmente as mulheres asiáticas, até certo ponto.
Na sua obra homónima, Said redefiniu o termo Orientalismo para descrever as
interpretações preconceituosas do mundo oriental, moldadas pelas atitudes culturais
do imperialismo europeu nos séculos XVIII e XIX. À luz do Orientalismo, o mundo foi
dividido em duas partes: o Ocidente e o Oriente, o Oriente era uma invenção quase
europeia, representava um lugar romântico e exótico. Segundo uma visão
eurocêntrica, a influência de determinados aspetos das culturas orientais foi
marginalizada por parte de escritores e artistas ocidentais, que acabaram por
convertê-los em estereótipos.
Nesse contexto orientalista, o estereótipo das mulheres asiáticas é óbvio. Ao
longo deste trabalho de investigação, constatou-se que as mulheres asiáticas sempre
estiveram em posição de obediência nos filmes e obras literárias ocidentais mais
populares dos séculos XIX e XX, o que reflete o entendimento unilateral sobre a
história das mulheres asiáticas. Sob a influência ideológica provocada por essa
"fantasia oriental", e pela tentação de interesses atuais, inconscientemente, os
chineses também estão presos a uma "self-Orientalization". Pode dizer-se que as
fantasias de há cem anos sobre o Oriente foram causadas pela limitação de
informação, o que pode ser perdoado. Mas hoje, em 2019, após décadas de
globalização, o pós-colonialismo tem muitos críticos. Mas, no Ocidente, alguns artistas
contemporâneos e empresários ainda são viciados na imagem oriental: o “estilo
chinês” exibido nos principais desfiles de moda; as edições limitadas de ano novo
chinês lançadas por marcas de moda, etc. ainda fazem antever uma compreensão
74
unilateral sobre os elementos orientais no Ocidente. Quando os ocidentais
removerem esta impressão subjetiva, verão claramente que as mulheres orientais não
são ilusões misteriosas, mas mulheres verdadeiras que têm a mesma conotação
profunda e caráter complexo das ocidentais.
Através da presente dissertação, alcançamos uma compreensão básica sobre
o desenvolvimento das mulheres chinesas no final do século XIX e início do século XX.
Por um lado, sob a influência dos pensamentos ocidentais, o estatuto das mulheres
foi grandemente melhorado neste período de mudança social, por comparação com
os tempos feudais. Especialmente no aspeto da educação feminina, que forneceu uma
base muito importante para as mulheres adquirirem conhecimento e formarem uma
autoconsciência independente. Por outro lado, no processo de intercâmbio cultural,
o Oriente e o Ocidente não estão numa situação de igualdade para realizar o diálogo,
o que também leva à criação de estereótipos.
Hoje, no século XXI, as mulheres chinesas ainda enfrentam muitos problemas
e obstáculos. Embora a família patriarcal tenha desaparecido, o sistema patriarcal
permaneceu, a única mudança foi que o Estado assumiu a posição do pai. “Um grande
número de relatórios indica que nos últimos anos tem havido casos repetidos de
tráfico e violência doméstica, e o número de suicídios femininos aumentou, a
interferência dos pais no casamento de seus filhos, bem como as atitudes sociais que
discriminam as mulheres. Estas são provas poderosas da teimosia dos valores
patriarcais” (Li, 1994. p. 4). Embora o estatuto das mulheres tenha melhorado, em
certa medida, após a fundação da República Popular da China, temos de notar que,
em algumas áreas rurais atrasadas, os direitos das mulheres ainda não estão
garantidos, a educação feminina não é universal, o tráfico de mulheres também é
muito desenfreado nesses locais. Para resolver esses problemas, é preciso
desenvolver a economia social, melhorar o sistema legal (especialmente na prática),
aumentar a conscientização sobre os direitos das mulheres (especialmente entre as
mulheres rurais), e aumentar a inclusão social.
No livro Feminism: A Very Short Introduction, Margaret Walters mencionou
que, de acordo com a feminista americana Estelle Freedman, a palavra “feminista”
carrega conotações negativas desde as suas origens; que surpreendentemente poucas
mulheres politicamente engajadas se intitularam feministas (Walters, 2005, p. 3). Esta
75
situação também ocorre na China: "Há pouquíssimas escritoras chinesas que se dizem
feministas. Pelo contrário, muitas pessoas não admitem que tenham a ver com esse
nome com futuro imprevisível" (Li, 1994, p. 298). Todavia, na verdade, as escritoras
realmente tentam reverter as perceções das pessoas sobre as mulheres de várias
maneiras. De facto, o objetivo das feministas é conseguir a libertação das mulheres.
Do nosso ponto de vista, a libertação das mulheres é semelhante à libertação
dos seres humanos, é o respeito e proteção da sociedade pelos valores humanos. O
problema encontrado pelo feminismo é a discriminação e a privação do valor das
mulheres, elas não são reconhecidas como tendo o mesmo valor que os homens.
O conceito patriarcal tradicional dificulta o despertar da autoconsciência das
mulheres. Para se livrarem dos grilhões do pensamento tradicional, é preciso atuar e
três grandes setores fundamentais.
1. Em termos de cultura, as mulheres deveriam receber educação escolar em
idade apropriada, reconhecendo as suas próprias forças e habilidades, e fornecendo
uma base cultural sólida para a sua independência económica. Somente quando as
mulheres recebem educação, elas têm a oportunidade de conquistarem o direito igual
aos homens de falarem, e podem expressar os seus pensamentos e personalidades.
2. Em termos de economia, as mulheres podem-se desenvolver melhor na
sociedade moderna se forem economicamente independentes. Portanto, as mulheres
deveriam, em primeiro lugar, sair de casa, conseguir um emprego próprio e não
dependerem economicamente dos homens. Em segundo lugar, o trabalho doméstico
deve ter o mesmo estatuto que o trabalho social, já que também cria valor. E para
conseguir essa mudança, impõe-se o apoio e promoção da sociedade e de todo o país.
3. Em termos de política, o país precisa melhorar o sistema legal, resolver os
problemas femininos na sociedade, salvaguardar os direitos e interesses legitimados
das mulheres.
Em cada um destas áreas, ainda há um longo caminho pela libertação das
mulheres. Diante de um mundo diverso, enfrentando novos problemas humanos, o
estudo sobre as mulheres precisa da participação de todos, o estudo sobre o Oriente
precisa da participação de orientais e ocidentais. O mundo atual regista muitas
mudanças fundamentais mas, nas nossas mentes, ainda persistem muitas ideias
antigas e estereotipadas. Entre aqueles que defendem o conceito de "diversidade",
76
também há algumas pessoas que habitualmente querem representar os outros. Se
calhar a verdadeira era das múltiplas vozes não chegou e, nesse percurso, as partes
do diálogo — homens e mulheres, orientais e ocidentais - ainda precisam aprender.
77
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4. As mulheres trabalhadoras não tinham pés-de-lótus
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10. Primeira edição de Progresso da Menina Chinesa
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12. Jornal Nova Juventude
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15. Cartaz da ópera Madame Butterfly
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16. Detalhe do enredo de M. Butterfly
https://www.youtube.com/watch?v=rS2SVmORJao
17. Cartaz de Memórias de uma Gueixa
https://pt.wikipedia.org/wiki/Mem%C3%B3rias_de_uma_Gueixa_(filme)
18. Capa do livro Geisha of Gion
https://www.amazon.com/Geisha-Gion-Japans-Foremost-Iwasaki/dp/074343059X
19. Cartaz de O mundo de Suzie Wong
https://www.amazon.com/World-Suzie-Wong-William-Holden/dp/B0001ZWLTM
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20. Dragon Lady em Terry e os Piratas
https://www.pinterest.com/robertamsler/dragon-lady/
21. Cartaz de Filha do Dragão
https://filmow.com/filha-do-dragao-t263097/
22. Rheinische Zeitung
https://www.marxists.org/archive/marx/works/download/Marx_Rheinishe_Zeitung.