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Vida de Fotógrafo

Vida de Fotógrafo...Paulo (SP), mesmo com uma viatura policial por perto Apu Gomes Vida de Fotografo 179.QXP_Fotografe 20/07/11 19:23 Page 67 68 • Fotografe Melhor no 179 Vida de

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Ex-motoboy, o fotógrafo Apu Gomes acumulatrabalhos em que a rotina é encontrar oinusitado, enfrentar o medo e procurar umavisão inédita em cenários bem conhecidos

Com oe o

POR GUILHERME MOTA

O uvimos uma rajada de tiros. Abri a porta do carro, mejoguei no asfalto e o cidadão caiu do meu lado, feridona barriga. Ele levava um convite de aniversário quando

a bala atravessou suas costas e saiu pela frente. Nessa hora, asensação de impotência é grande. Tudo não durou cinco minutos,mas pareceu uma eternidade. Não sabia até então, mas o PauloWhitaker (da agência Reuters), estava no carro de trás e tambémfoi baleado. Foi tudo ali, no mesmo momento”.

Estar dentro dos fatos e ainda assim ter sangue frio para registraro momento pode ser, talvez, uma das melhores características queum fotojornalista pode apresentar. É justamente por este impulsoque Apu Gomes, autor do relato acima, entrou para a profissão hádez anos e não parou mais de correr atrás dos fatos e acontecimentos,principalmente se envolverem a realidade agitada (embora por muitas

olho na ruapé no chão

Usuária de crackconsome droga no

centro de SãoPaulo (SP), mesmo

com uma viaturapolicial por perto

Apu

Gom

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vezes esquecida) das ruas dacidade. Trabalhando há quatroanos para a Folha de S.Paulo,ele traz no currículo dezenasde fotos exclusivas, trabalhosautorais e participação diretana cobertura dos principaisacontecimentos nacionais e –quem diria – até mesmo dosrecentes conflitos na Líbia.

Em um misto de emoção,imprevisibilidade e às vezesperigos, a rotina é do tipo queleva qualquer um a questio-nar: o que define o trabalhode um fotojornalista? Seria ocotidiano, atrás dos melhoresângulos e formas de contaruma história? Ou a incessantecorrida contra os prazos im-postos pelo jornalismo diá-rio? Poderia, ainda, tratar-sede algo mais profundo, pes-soal e que traga uma visão crí-tica da realidade? Na históriade Apu, talvez sejam todas es-tas alternativas, pois cada umatraduz, em parte, a essênciade seu trabalho.

Na correriaQuem o encontra pela pri-

meira vez é capaz de enganar-se profundamente sobre o co-nhecimento e a vivência dofotógrafo. Apesar de já ser es-perada alguma bagagem dealguém que trabalha num dosprincipais jornais do País, aos27 anos de idade ele acumulamuito mais experiência doque aparenta. Luís Carlos Go-mes, ou apenas Apu Gomes,é um exemplo de como o fo-tojornalismo pode ser o ca-minho para a realização deum projeto pessoal. Movidoapenas pela vontade de foto-grafar – “dinheiro mesmo ain-da não vi”, brinca –, há dezanos ele começava a trocar asentregas de moto em uma em-presa de publicidade e inicia-va-se no mundo da fotografia,lá dentro mesmo, incentivadoe guiado pelos fotógrafos daempresa. Foi com R$ 400, pa-gos parcelados com o saláriode motoboy e a ajuda do pai,

Homem embrulhado:morador de rua registrado

em 2008 na regiãopaulistana conhecida

como Cracolândia

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Flagrante da ação policial feito em 2006, após ataques do crime organizado (PCC) à polícia paulista

Acima, registrode Paulo Maluf

em 2005, após opolítico sair dadelegacia onde

estava presorumo ao hospital

que ele adquiriu a primeiracâmera, uma Canon FTB, euma lente fixa 50 mm.

Mineiro nascido em Ca-ratinga, foi criado no bairrode Pedreira, na periferia deSão Paulo. Por isso, Apu temsempre um pé no chão, umolho na rua e a cabeça bemcentrada na realidade. Foi comesta combinação que o ex-mo-toboy embrenhou-se pelomundo da fotografia. “As ruasme chamam”, conta, em tomde brincadeira. No fundo,existe uma grande parcela deverdade na frase, já que elenunca conseguiu fincar os pésnum estúdio. Já trabalhou co-mo entregador, cobrador delotação e, por fim, motoboy,sempre “do lado de fora”. Nafotografia não poderia ser di-ferente. “Acordava de madru-gada, às seis da manhã, ligavaTV, rádio, via o que estavaacontecendo, pegava a motoe ia atrás. Se rendesse, a agên-cia vendia as fotos e eu ganha-va 50% das vendas”, conta.

Dos tempos de motoboy,ele herdou não só a necessi-dade de ser rápido ao pensare agir, como adquiriu, namoto, uma ferramenta amais de trabalho e um dife-rencial. Foi por causa delaque Apu conseguiu, inclusi-ve, o “passaporte” para en-trar de vez no fotojornalis-mo: uma imagem exclusiva

de Paulo Maluf, após ummês preso, longe de todas ascâmeras, em 2005. “Quandoele deixou a delegacia a ca-minho do hospital, ninguémconseguia acompanhar a am-bulância, apenas eu, que es-tava de moto”, conta. A fotonão só estampou as primei-ras páginas em todo o Brasilcomo, inclusive, foi um di-

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visor de águas na vida do re-pórter fotográfico.

Nessa época, ainda não eraApu, não acumulava fotos im-portantes nem tinha empregofixo na área. O apelido, con-ferido por outro fotógrafo – oamigo Paulo Bravos, que mor-reu em 2008, o achava pare-cido com um personagem deOs Simpsons –, surgiria exata-mente naquela semana, entreum plantão e outro, duranteas horas de espera por Maluf.“Assinava como Luís CarlosGomes, mas já existiam o LuísCarlos Leite, o Gomes, o Cos-ta, o Varela. Foi quando decidiaceitar a sugestão”, afirma.

Daí para o trabalho comofreelancer e, posteriormente,como fixo nos jornais, foi umaquestão de tempo, passandopelas redações do Diário deS.Paulo e, há quatro anos, daFolha de S.Paulo, onde entroucomo fotógrafo da madruga-da, ficando responsável pela“ronda” de ligações em dele-gacias, hospitais e outras re-portagens da noite. “Tinhaque correr atrás de pautas efotos. Os meus contatos é queme salvaram durante todo es-se tempo”, lembra. A mudan-ça para as pautas diurnas veiohá um ano e meio. “Estava hátrês anos no jornal e ainda nãotinha encarado a redação bor-bulhando. Sou novo nisso ain-da”, diverte-se.

À paisanaNo dia a dia, nada de muito

pesado, complicado ou cha-mativo integra o equipamento.Apenas uma Canon EOS 1DMark III, duas lentes (16-35 mm e 70-200 mm) e umacaracterística fundamental: na-da de flashes. “Mesmo come-çando meu aprendizado emestúdio, confesso que nunca

Acima, garoto brinca no bairro de Pedreira, periferia paulistana; abaixo, homem ferido poruma bala perdida durante a tomada do Complexo do Alemão pela polícia, no Rio

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fui fotógrafo de usar flash.Adotei essa ausência como lin-guagem”, informa.

A leveza do conjunto, alémde agilizar o trabalho nas ruas,permite “esconder” o equipa-mento caso a situação exija,adquirindo um aspecto total-mente “à paisana”, já que nãochamar a atenção, inclusive, étarefa fundamental para certaspautas. “A 70-200 cabe no bol-so da calça, a máquina fica soba jaqueta, no pescoço. Muitosnem percebem que sou fotó-grafo”, revela. “Muitas vezesisso dá mais acesso do que che-gar todo paramentado, poispode assustar. O simples apon-tar de uma câmera já trava apessoa. Mas se você está ali aolado, com ela mais à vontade,dá para tirar a câmera sem pro-blema”, ensina.

Enquanto o estilo tranqui-lo e discreto de Apu garantepassagem em praticamentetodos os ambientes, é a ex-

Em 2006, váriosônibus foram

destruídos emataques do PCCpara intimidar apolícia paulista

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periência na noite (vivida nosanos de frila e como planto-nista da madrugada) que pro-porcionou a ele uma extensarede de contatos, necessáriapara garantir fotos e pautasexclusivas. Durante a entre-vista, o celular não demoroua tocar. “Ainda converso mui-to com bombeiros, policiais,médicos e fontes, muitas da-queles tempos”, conta.

Essa rede de relacionamen-tos ajuda, também, no tratocom os colegas de profissão.“É uma mistura de camarada-gem e disputa, pois existemmuitos com o ego lá em cimacompetindo para ver quem éo melhor. Ao mesmo tempo,na rua, na pauta, há os maisamigos, mais unidos”, revela.

Sob outros olhosComo a fotografia não se

resume apenas a cliques parao jornal, quando está fora daredação Apu mantém a rotinade fazer fotos mais livres e au-torais, mas nem por isso menosinteressantes. Ao longo desses

anos, ele destaca dois trabalhosimportantes – um ainda emandamento – que resumem suanecessidade de manter uma li-nha mais documental e menosimediatista, ao contrário dasnecessidades exigidas pelo fo-tojornalismo. “O que tento écontar mais as histórias daspessoas”, simplifica.

O primeiro, lembra ele, éum ensaio sobre o garimpo naAmazônia, feito em 2007,quando Apu e o fotógrafoLeandro Soares passaram cercade duas semanas retratando ocotidiano da caça ao ouro emplena selva. “Foram quatrodias de viagem apenas parachegar lá. No local, havia doismil homens trabalhando. Umuniverso à parte, com armasna cintura, terras delimitadas,disputas por ouro”, revela. Aexperiência de vivenciar e re-tratar o cotidiano dos garim-peiros rendeu não só boas his-tórias como também uma ma-téria na revista Brasileiros, des-tacando o trabalho e as emo-ções vividas pela dupla. “Eram

caras malucos. Fomos emboraantes que algo pior aconteces-se. Se a gente morresse lá, nun-ca encontrariam nossos cor-pos”, imagina.

O segundo exemplo (e seutrabalho mais recente) é umaimersão no universo da regiãoconhecida como Cracolândia,no centro da cidade de SãoPaulo. Avesso às fotos de longe,com tele, o estilo adotado pelofotógrafo pede, invariavelmen-te, grandes doses de intimidadecom cada envolvido, aspectoconseguido, segundo ele, “ape-nas no diálogo franco e abertocom todos os fotografados”.

Ainda em desenvolvimen-to, trata-se de um ensaio hámuito desejado. “Sempre pen-sava: como mostrar algo queestá lá todos os dias e, aindaassim, conseguir que as pes-soas deem atenção ao fato?”.Os resultados têm chamado aatenção, tanto que, nos últi-mos meses, com a chegada dooxi (um subproduto do crack)aos noticiários, cada vez maisele tem sido requisitado para

Acima, foto feitaem 2007, emensaio sobre ogarimpo de ouroem plena florestaamazônica

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registrar a área, passando ho-ras no local, “mergulhado” narealidade dos usuários. “É amelhor forma de levar o pú-blico que vê foto a entrar nacena e se perguntar: é isso mes-mo?”, observa. “Procuro fazeralgo que retrate aquilo da ma-neira como é. Por mais que se-

ja de um modo plástico, tra-balhado, continua a ser algoviolento”, conclui.

Repórter de conflitos Com vocação e interesse

pelo “chamado” das ruas, nosúltimos anos Apu Gomes foiescalado para cobrir não só a

Cracolândia, como tambéma maioria dos principais con-flitos em curso, como os ata-ques do PCC à polícia paulis-ta, em 2006. Mais recente-mente, ele esteve no Rio deJaneiro para cobrir a “guerra”entre Exército e traficantes,com a invasão do Complexo

A experiência perigosa dofotógrafo em garimpo naAmazônia foi relatada em

matéria na revista Brasileiros

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do Alemão, local onde viven-ciou o depoimento do come-ço dessa matéria.

Essa experiência lhe ren-deu, também, uma passagempara um dos mais recentes, pe-rigosos e importantes conflitosde 2011, a guerra civil na Líbia,uma “aventura” para a qualfoi escalado sem aviso prévio.“Ligaram da redação às noveda noite para embarcar no ou-tro dia, às sete da manhã. Masa ficha de que você está indo

para uma guerra só cai quandovocê chega ao local e vivenciao que está acontecendo”, re-lata, após ter acompanhadode perto o desenrolar dos fatose registrado ao máximo osconflitos. “Fui testemunha decoisas inimagináveis, como ci-dades sitiadas, inocentes so-frendo, ódio irracional e muitomais. São cenas bárbaras”, con-ta. As imagens, obviamente,acompanharam a tensão domomento. “Nessas horas, você

até pensa sobre o que podeacontecer, claro. Ao mesmotempo, fotografa no auto -mático, não precisa nem pen-sar”, explica.

Com a guerra ainda frescana memória (ele retornou pa-ra o Brasil no final de maiode 2011) após viver uma rea-lidade muito mais intensa eavassaladora do que imagi-nava, o fotógrafo pensa agoraem continuar seu trabalhospessoais, em especial as in-cursões na Cracolândia paraenriquecer o material até es-tar “no ponto” de ser apre-sentado ao público. Mas nãodescarta, claro, novos traba-lhos em regiões de conflito.“Quando você sai de lá, sentefalta. É uma sensação estra-nha, mas acontece”, alega.

Apu Gomes dá uma pre-ciosa dica de como e ondebuscar inspiração. “Todomundo fotografa o normal,o cotidiano, o que todos fi-zeram e o que todos já viram.O interessante, na realidade,é contar as suas próprias his-tórias. É o que realmente dáprazer”, ensina.

Escalado para viajar na noite anterior ao seu embarque, Apu Gomes foi à Líbia paracobrir os recentes confrontos da guerra civil que marcou o país no início de 2011

Acima, o fotógrafo Apu Gomes,especialista em conflitos

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