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7/25/2019 Verissimo Coloquo Buber Eu Tu Psicologia http://slidepdf.com/reader/full/verissimo-coloquo-buber-eu-tu-psicologia 1/28 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP,Brasil) Psicoterapia ebrasilidade / ValdemarAugustoAngerami (Org.). - S ão Paulo:  Cortez, 2011. Vários autores. ISBN  978 85 249 74 7 1.Identidade cultural 2. Psicologia existencial 3.Psicologia  feno- menológica 4. Psicoterapia  r. Angeramí-Camon, Valdemar Augusto.  .. ......... Valdemar Augusto Angerami  (Org.) Adriano Furtado Holanda  • André Roberto  Ribeiro Torres • Arlinda  B.  Moreno •  Luiz José Veríssimo  • Paula Unhares Angerami  • Thiago  Gomes  de  Castro Psicoterapia e Brasilidade 11-04270 índices para catálogo sistemático: 1. Psicoterapia fenomenológico-existencial: Psicologia 150.192 CDD-150.192

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP,Brasil)

Psicoterapia ebrasilidade / ValdemarAugustoAngerami (Org.).

- S ão  Paulo:  Cortez, 2011.

Vários autores.ISBN 978 85 249 74 7

1.Ide ntidade cultural 2. Psicologia existencial 3.Psicologia feno-

menológica 4. Psicoterapia  r. Angeramí-Camon, Valdemar Augusto.

 .. .........

ValdemarAugusto Angerami   (Org.)

Adriano Furtado Holanda • André Roberto  Ribeiro Torres •

Arlinda  B. Moreno •  Luiz JoséVeríssimo  •

Paula Unhares Angerami  • Thiago  Gomes  de  Castro

Psicoterapia

eBrasilidade

11-04270

índices para catálogo sistemático:

1. Psicoterapia fenomenológico-existencial:

Psicologia 150.192

CDD-150.192

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230   VALDEMARAUGUSTOANGERAMI   231

 E na verdade nemseisesou apenas fascínio

diante deuma florada humana do Ipê-Roxo

ouseele é a minhacrença em um mundo

sem violência no quala cor  e a esperança

sejam o maior  determinante humano...

diante desuas flores nãohálugar  paradissabores nem tampouco para qualquer 

 forma  deinjustiça social... apenas o amor  e

a solidariedade encontram guarida

emseu esplendor ...

Serra  da  Cantareira, numamanhãdeoutono.

CAPíTULO   6

Colóquio  com  Martin  Buber:

acontribuição  da filosofia

do diálogo para  a psicoterapia

Lu;z José  Veríss;mo 

6.1   Introdução

Quem é Martin Buber? É  filósofo, místico  (uma referência impor-tante na místicajudaica),h ermeneu ta (fez destacada tradução da  Bíblia),

homem de fé, existencialista? Ele é a um só tempo  um a pesso a interes-

sada nessas trilhas, qu e não esgotam o ser, um a vez  qu e Buber descobreum   fundamento  d o ser humano: o dialógico. O ser  humano se faz noe   pelo  diálogo. Ele envolve o intercurso de vivências, a palavra, os

símbolos, o tocar, o olhar, a escuta, a sensibilidade estética, q ue  desig-nam, por sua vez, o sentido e o destino de cada pessoa, e constituem asu a mais  própria existência. Martin Bub er nasceu  e m Viena,  e m 1878,e faleceu e m Jerusalém, em  1965.Seu pensamento permanece atual e amedida é dada pela repercussão no cor ação do interlocutor, na  conver-sa   que  cada u m  mantém c om ele e estende às pessoas, à natureza, aoTodo. Do tradutor e estudioso de Buber, professor  Newton AquilesVon

 

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232VALDEMARAUGUSTO ANGERAMI PSICOTERAPIA EBRASILlDADE   233

Buber: "Assim, o 'diálog o' (a relação dialógica) n ão  é  u ma  categoria à

qual ele chegou po r vias de raciocínio dedutivo, mas, como ele próprio

qualificou em  Eu e Tu, o encontro é essencialmente  u m evento e, como

tal, ele acontece" (apud Buber, 1977, p.  XXI-XXII).

6.2 Considerações sobre o"eu"

Martin Buber apresenta  u ma  concepção do ser  humano  e  s ua  re

lação com os demais seres humanos,  co m o  mundo e com Deus a  par-

tir de dois  modos  básicos de relação: Eu e Tu e Eu-Isso. Esses  modos

nã o são como duas vias que correm paralelas, nem podem ser tratados

como u ma  simples dicotomia  pela qual possamos estabelecer  u m p a-

râmetro de análise moraL Ao revés, esses  modos   se cruzam, entrela

çam-se e formam a  trama  da  qual surge o texto  que narra a história de

nossas vidas. São  tomados   como termos   que   expressam  muito  maisque som   e ar, são termos concretos,   ou   seja, eles criam e enunciam,

através de   um a  gama enorme   de matizes, a disposição com  que nos

lançamos  n a existência.

Primeiramente, precisamos captar como Buber entende o eu. O  eu

não   existe sozinho.  N ão  se trata aqui de afirmarmos que  u ma   pessoa

nã o consegue ficar be m sozinha, ou, de considerar que um a pessoa não

pode pretender viver sozinha todo tempo de  sua vida porq ue isso seria

um  sintoma de  u ma   possível psicopatologia. Trata-se, nesse momento,

de assinalarque, para Buber, a noção do e u não faz sentidoem si mesma.

."Não há EU  e m  si,  ma s  apenas o EU da palavra-princípio EU-TU e o

EU da palavra-princípio EU-ISSO" (Buber, 1977,p. 4).Numa linguagem

psicológica, podemos admitir qu e o sujeito nasce co m a relação: consti

tui-se ao longo dos sulcos que lhe  marcam as suas relações. A analítica

da existência é tomada po r um a fenomenologia fundamental da relação.

Isso  pode parecer óbvio, mas, se voltarmos a nossa atenção  para

a história da   filosofia e d a própria psicologia, veremos qu e o  eu  é  um a

noção  que ganhou  fôlego na   modernidade,  e até hoje se encontra ins

talada em muitas de nossas representaçõ es usuais acerca do q ue  é  o ser1..  

O e u adquire o estatuto de u ma  essência, e va i se constituindo po r

processos de introjeção do   mundo   "exterior" e   de  projeção  d os   seus

conteúdos nesse mesmo mundo. O eu é nomeado como"sujeito", "Self",

"organismo", "ego", "personalidade", "homem" e torna-se o centro de

referência privilegiado, o eixo central da  própria existência. Se ele am a

alguém, essa criatura nã o passa de  u m amor que nutre a si mesmo. Sesente-se afetado  p or  alguém, é porque  essa  pessoa  ativou conteúdos

psíquicos "internos". O  q ue  conhece retrata u ma  identificação que se

espelha no s seres e coisas do  mundo como objetos do  s eu  desejo e da s

suas representações. O mundo exterior é assimilado de tal maneir a qu e

se   torna  u m   cenário  onde   os vários atores ou facetas de   um  mesmo

indivíduo atuam, assim como o outro é identificado a  alguma qualida

de  interior marcante.

Esse eu  t em  um a história considerável, e nã o caberia neste capítu

lo traçarmos um a linha genealógica tão esmiuçada. No  entanto, acredi

tamos que um a referência inesquecívelparece se pautarnas concepções

de René Descartes (1596-1650). Descartes, como sabemos, projeta  duas

essências o u "substâncias" para  explicar as naturezas do  homem e  d o

mundo:  o cogito e a coisa extensa. O cogito é  "e u penso". O pensamen

to ocupa o  andar nobre do sujeito. A ele c be o nascedouro da ciência

moderna, a pesquisa do conhecimento (incluindo o autoconhecimento),

assentar fundações mais sólidas possíveis para a busca pela verdade. O

corpoeo mundo (coisaextensa) são d a ordemde u ma  realidade exterior

e separada do cogito, ou,  quando muito, o corpo se mantém ligado ao

espírito (cogito) pela glândula pineal, mas, ne m po r isso, o e u deixa  d epretender ser soberano, dono e senhor da sua própria casa.

O novo  paradigma, u ma  vez instituído, abre  u ma  discussão  c om

aqueles  q ue  n ão  admitem que  o espírito seja o exclusivo  fundamento

do  conhecimento, e atentam para as percepções sensíveis. Estabelece-se

o debate racionalismo   versus   empirismo.  É  montada   a  estrutura   do

edifício  d a   ciência  e m  seus moldes convencionais, que apresenta e m

um  de seus polos o sujeito, e, no outro, o objeto. Cabe ao sujeito o su

posto  lugar  o saber, a   lupa para   experimentar e explorar o  mundo,

retirando dele a fantasia, a imaginação, transfor mando os símbolos em

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  235

Ao  mundo  é   designada  a   polaridade  "objeto" (em   que  se inclui,

não   raro, o   próprio   corpo   como  parte  dessa   exterioridade). Se esse

objeto é tomado como exterior a  u m sujeito, este pode dispor do  mun-

do   no modo   da   objetivação e   apropriação   - econômica, científica,

política. O encantamento com a natureza e o  mundo é  gradativamente

substituído por instrumentos e procedimentos de medição e exploração.Escrevemos, certa ve z (2008, p. 139-140),que, nesse contexto,

Averdadeé produto deum embateentre díades:sujeito-objeto, as ideias-o

empírico.É concebidoum "dentro" e a esfera de um "fora". O  corpo é

um fora,pois não contémnenhuma racionalidade, muito pelocontrário,

é considerado o território do irracional. A razão é um dentro. Mas ela

deve ser adestrada para o caminho ortodoxo, o método para alcançar a

equação mais exata possível na ordenação da relação do sujeito com o

(agora) seu mundo. (...) A natureza, da qual faz parte a esfera do corpo,

é também um   fora.Estáaberto o caminhopara a dominaçãoe exploração

da natureza, sob inúmeras formas.A natureza se toma o objetode um

sujeito.Na cisão objeto-sujeito, a natureza é despojada, definitivamente,

de uma alma.

Da  mesma  forma  q ue  o encantamento  co m o  mundo, em épocas

mais remotas, foi  submetido à fôrma dos cânones morais e teológicos,

e o que fosse diferente do  dogma instituído era considerado "bruxaria",

desta feita, o  encantamento com  a   natureza  é   taxado de  mera supers-

tição. N ão há  mais sentido e m animar e  povoar o  mundo  com  deuses,

lendas e símbolos. A própria arte, ou  o  que sobrou dela, é  submetida a

um  novo domínio: o mercado. Ea busca pela transcendência é abafada

pelo  ruidoso som das  fábricas,   máquinas e  pelo estilo  de  vida  cosmo

polita:  "Deus está morto."

O modelo de  eu distinto do mundo, qu e vê , entende e deseja esse

mundo como se u objeto,  como instrumento  d e  se u bem-estar, através

do consumismo que devora insaciavelmente um a torrente de produtos,

cujo us o de  muitos deles te m exaurido os recursos naturais do planeta,

aceita a propagação de  u ma  moral narcísica como valor de excelência.

Ele acata de bom grado os apelos ao individualismo, hedonismo, ego-...  

..... 

que deve estar em  disputa, em  destaque e "por cima" na tentativa falaz

para qu e  a  su a existência escape à contingência,  u ma  vez que  a expe

riência d a   transcendência cede  lugar a  u m  imediatismo compulsivo e

a u m conhecimento qu e instala um  poder disciplinar sobre o corpo e o

desejo.

É aqui que dá  entrada no tabuleiro d a história o  pensamento Marti n  Buber.  É  aqui que  começa a se   insinuar  u ma  antropologia e  u ma

filosofia  que têm como parâmetro  gnosiológico e ético o horizonte  d a

alteridade.

6.3 Omodo  Eu-Isso

Vamos começar a  peneirar algumas considerações acerca d a  con

dição humana do ponto  de vista de   Martin  Buber   pelo   nosso  modo

usual de ser, entranhado no cotidiano: o  modo Eu-Isso.

Nesse   modo,   o   outro  é intencionado como  u m   objeto. Tratamos

"intenção" no   sentido   da   intencionalidade fenomenológica,   ou  seja,

tratamos do sentido  dado ao  outro pelo sujeito.

O outro (ser   humano,  natureza,   princípio sagrado  etc.) é visto,

sentido e desejado como um  objeto do m eu interesse, u m ser-para-mim,

um  instrumento para mim. As relações sã o regidas fundamentalmente

po r interesses extrínsecos às pessoas envolvidas.  Nesse modo, o outro

não  tem sua existência afirmada ou  "confirmada" (e m termos buberia

nos), isto é, nã o é   plenamente aceito, desejado e reconhecido.

O outro é intencionado como u m   meio para  u m  fim,  q ue  s ou  eu

mesmo. Viso no  outro à realização do   me u desejo, apelo ao  outro ape

nas  para confirmar minha visão e ação   no   mundo.  Encontramos aqui

a tentativa de apropriação   das  escolhas  d o  outro   de  acordo  c om  u m

projeto qu e basicamente me  d iz  respeito. Em contraste com essas  v -

liações, Kant, antes  mesmo de   Martin Buber, em  pleno século XVIIIjá

meditava: "jamais trate a pessoa como u m meio, e sim, como u m fim".

O   outro é   visado  como  u ma  entidade separada.  Ele só  t em  a ver

comigo na   medida em  qu e atenda  a   alguma demanda minha. Eu só o

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236VALDEMARAUGUSTOANGERAMI   PSICOTERAPIA  EBRASILlDADE   237

tido po r valores, expectativas e a té exigências minhas agregadas à  su a

pessoa. Eu nã o o conheço mais a fundo, sen ão enquanto estabeleço um a

identificação  imediata com o  q ue  ele representa-para-mim.

Na  vivência Eu-Isso,   um a   possibilidade recorrente consiste  em

assumir   um a  posição   na  existência   na   qual   os   indivíduos   esperam

manter um a "identidade" fixa ao longo de  seus relacionamentos. Essaidentidade marca um  modo de se r rígido, qu e quer se conservar como

"eu  s ou   assim mesmo". Os indivíduos,  p or  vezes,  procuram alguém

nos relacionamentos que  lhes traga um a identidade emprestada ao s eu

vazio,  co m o   pensamento mágico de  q ue  obterão um a essência.

Notamos, se m dificuldade, que muitos  relacionamentos, em  seus

vários níveis, amigáveis, amorosos, familiares, profissionais, são con

duzidos e buscados na esperança de  q ue  o outro possa retirar o sujeito

da  falta, realizar  demandas,   sublimar  u m   sentimento de impotência

diante  d a  vida o u   de incapacidade  para  aceitar as responsabilidades.

Não poucas  vezes constatamos, como   resultado  d e   tal  quadro, mais

uma   tentativa de  se escorar no  outro do  qu e u m encontro propriamen

te dito entre as pessoas.  P or  isso, Buber aceita q ue  se   possa  substituir

a designação Eu-Isso   pelo  p ar   Eu-Ele/Ela,   quando  os sujeitos  n ão  se

reconhecem efetivamente a partir da  totalidade  qu e é a pessoa.

Neste instante surge à   nossa mente  u ma  passagem  d a   literatura

de   Heidegger que   ajuda a explicitar o  próprio  Buber. O   que  define o

ser  humano para  Heidegger é a condição originária  d e  ele se revelar

como u m  se r qu e vai ao encontro do  mundo  nas suas  relações. Nes sa

interação, ele faz a si e constrói o  mundo. Ao  estudar Heidegger, apren

demos qu e o  se r humano nã o é, pura e simplesmente, u m ser localiza

do   nu m  mundo.   O ser   humano   lança-se  n o  mundo e m  u m  modo de

ser relacionado indissociavelmente  c om  o  mundo.  P or   isso, o signifi

cado  d o  "tocar" quanto  ao  mundo  d a  relação é  b em  distinto do tocar

das   coisas   "porque,  em princípio, a cadeira n ão   pode   tocar a  parede

mesmo  qu e  o espaço entre ambas fosse   igual  a zero.   Para   tanto, seria

necessário  pressupor   que   a   parede  viesse ao encontro   'da'   cadeira"

(1989,p. 93).A cadeira pode encostar-se à parede, mas, não pode tocá-la

do   mesmo   modo  q ue   os seres  humanos  s e  dispõem  para  o tocar en-

Na  condição Eu-Isso, tal como o  qu e ocorre co m a cadeira e a  pa

rede imaginadas po r Heidegger, os indivíduos se encostam (podem até

apertar as   mãos   todo  dia, fazer  amor  etc.),  m as  n ão   se tocam,  n ão  se

encontram  efetivamente,  mesmo que   o espaço   entre  eles seja igual a

zero (relacionamentos  que envolvam alguma  espécie de   proximidade

física n ão  refletem, necessariamente, u ma   proximidade afetiva).Pensamos algumas formas de objetivação do outro.

O  outro como objeto utilitário. Nessa forma,  partimos para os re

lacionamentos  munidos  c om  um a  expectativa constante:  " O  qu e  esse

cara  t em  para me   dar?"; "O   que  e u  ganho com ele?". Dirigimo-nos a

ele  n ão  tanto pelo interesse  p or  ele   como pessoa, mas, antes de   tudo,

com  fins p ragmáticos e utilitaristas, tais corno realizar  um a tarefa para

nós,   dar  a sensação de segurança, fornecer prazer, fazer companhia,

obter ganhos, conseguir atenção, resolver problemas etc. O relaciona

mento é  querido como u m  investimento, como se investe  numa bolsa

de  valores   visando  ao lucro,  n a  poupança visando  à   segurança, n um

fundo   de investimentos   visando   à rentabilidade. A pessoa  do  outro  é

nivelada  a  u m meio para u m  empreendimento  individuaL

Aristóteles, n a Ética  a Nicõmaco, elabora três tipos  d e   laços  entre

os seres humanos,  a  q ue  chama "amizade",  u ve m do   grego phylia,

ordenando-os   numa   escala  d e  valor  ascendente. A phylia   deve ser  o

que   rege a organização social   em   prol   do   be m  comum,   e concerne

também,   à  amorosidade, incluindo   o   amor   ao saber,  à  filosofia   (de

 phylia+ sophia -   sabedoria). O  primeiro nível consiste, justamente, na

"amizade" movida  pelo  interesse.   Uma   primeira  motivação  para   aamizade enquanto filiação dos"cidadãos" uns co m os outros pode se r

apoiar nu m certo tipo de   interesse imediato pelo qual alguém se diri

ge a   determinada   pessoa. Isso   nos   lembra   da   relação abelha-mel, a

sedução d a  flor. O   segundo   nível  n ão  quer retirar  nenhum  proveito

objetivo,  mas  subjetivo: são os relacionament os qu e divertem, passam

o tempo, oferecem um a prosa gostosa, são encontros conhecidos pela

expressão popular"os amigos do  bar". E, finalmente, Aristóteles pen

sa a amizade no seu grau mais  refinado, qu e permite as filiações  mais

genuínas e  duradouras, quando o  "cidadão" se  sente imbuído por  um

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de  ponderação qu e conduz a u ma  sabedoria produzida  pela conjunção

da  razão com  as vivências.

Os papéis sociais. Os relacionamentos envolvempapéis que usamos

para seguir normas  de agir e julgar prescritas socialmente. Neste enfo

que, identifico-me e o  outro a  partir  da uma   função:   "0   juiz",   "0  ana

lista", " a mãe",  " 0 filho",  " a esposa",  " 0 homem",   "0  bandido",   "0  re

ligioso",   "0  empregado",   "0  patrão",  "a boa  moça",   "0  b om  partido"

etc. Cada u m desses personagens tem o  se u lugar marcado: o lugar de

professor, o lugar do  aluno, o lugar do  marido, o lugar da  autoridade...

Cada um  dessas representações acha-se  portadora de  u m tipo de cam

po  de ação e de  prestígio o u desprestígio.' A persona o u máscara acaba

tomando a frente de  u m efetivo e mais amplo  conhecimento da  pessoa.

Espera-se q ue  as pessoas se  comportem conforme os  papéis  a elas de

signados. Quando isso n ão  acontece, provoca um a estranheza, quando

nã o  u ma  rejeição  o u  retaliação.  Quem já  n ão  escutou, dirigido a si  o ua alguém, ou  até e m novelas e filmes, a expressão "fiqueno se u lugar!"?

Há  u m  grande temor  reverencial  pela quebra  d o  contrato social e in

terpessoal  n a  atuação dos  papéis.

Ocorrem "acordos implícitos", do tipo "eu não brigo comvocê, você não

briga comigo" (...) ou outros similares.Tais acordos, raramente explícitos,

parecemfuncionarna fantasiadas pessoasenvolvidas,de modo que agem

segundo tal acordo,como se fosseuma regra clarae que envolvenão só a

ela,mas a outra pessoa também. Porém, sendo um produto de uma fan

tasia, nem sempre o outro vai agir exatamente de acordo com o que foi

fantasiado. Eventualmente, o acordo não encontra sucesso ou o "fiel

cumprimento", segundo o critério de uma das partes envolvidas. Pode

ocorrer então a quebra do acordo implícitocom o surgimento simultâneo

da "culpa" por parte de quem não agiu como fantasiou que o outro de

sejaria (Rodrigues, 2002, p.  124).

1.   Hegel  faz   um a  instigante análise desses   lugares cifrada  no   pa r   senhor-escravo,  e  d e

monstra como eles são   processados de  forma  dinâmica pelos atares em jogo, isto  como o  escra

vo se   toma   senhor  e vice-versa.  N o  esteio   dos estudos  de  egelSartre e  Lacan desenvolveram

A quebra do acordo pode suscitar nu m dos parceiros, ou em ambos,

um   sentimento  d e  culpa porque saiu  d e  seu suposto  lugar.  H á  outras

reações possíveis.

Quando uma das partes de um contrato confluente sente que violou a

confluência [a não diferenciação entre o sujeito e o outro], ela se sente

obrigada a se desculpar ou a fazer uma restituição pela quebra do con

trato. Pode não saber por que, mas sente que transgrediu e acredita que

a compensação, a punição ou a expiação estão em pauta. Pode procurar

isto, pedindo ou submetendo-se humildemente a um tratamento, repre

ensão ou alienação severos. Pode também tentar dar a si própria este

tratamento punitivo, (...) onde trata a si mesma cruelmente através da

autodegradação, humilhação ou sentido-se sem valor ou má (Polster e

Polster,1979, p.  96).

Objeto dosaber. Alguém pode ser medido, tratado como um  núme

ro estatístico, colocado  e m u m   laboratório, submetido  a  toda  sorte  d econceitos, sistemas e  esquemas que definem previamente  o  q ue  ele é,

como ele é, o diagnosticam e estabelecem um  prognóstico para ele, o u

seja, determinam u m   destino prévio as   suas escolhas e relações.

O conceito ilumina, orienta,  ajuda  a mapear, clarificar, edificar e

elaborar  u ma  determinada questão, equaciona u m a problemática. N o

entanto, o conceito pode se r tratado apenas como Isso, se começa a  se r

utilizado de   forma  a  monopolizar  as diversas  possibilidades  de com

preensão  e interpretação. Vamos   até   o reino  d os  conceitos  buscando

aprendizagem e orientação. Nisso,  outorgamos autoridade a  u m saber

 já i nst itu ído , pois resta-nos  d ar  u m voto  de confiança àquilo que nos é

transmitido e  qu e no s parece plausível em  determinado  momento. N a

medida em qu e  percorremos ativamente o processo de conhecer,  que

remos o diálogo co m os autores, professores e saberes. Se fizermos essa

trajetória conformados numa  assimilação passiva, acabamos, paulati

namente, nos acomodando aos  conceitos, e nos acostumamos  a enxer

ga r um a  questão, o  mundo,  os seres unicamente sob  o crivo do s  teore

ma s reproduzidos.

Arrolando os conceitos no  reino do  Isso, sem muito esforço, tiramos•  _

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240   VALDEMARAUGUSTOANGERAMI   PSICOTERAPIA EBRASILlDADE   241

 já  pensado. Mantemos o   conhecimento numa esfera muito limitada, eo   usamos   para   confirmar   "nossas"  visões   de mundo  que,   de  nosso,somente detém a ilusão de  q ue  estamos no  domínio d e u m saber. Essalógica  qu e se  torna familiar e se m surpresas quando aplicada indistintamente aos seres  humanos,  rotula-os  e m  u m elenco d e classificações

que ganha legitimidade social, se consegue obter o certificado de "científico", "mediador do  divino", "ético",  assim p or  diante. Tais classificações  dogmáticas  podem  ordenar  a  vida  social  d e  t al   modo que  osindivíduos retraem-se do cuidado com a subjetividade, a liberdade e adignidade,  reduzindo a condição humana a relações institucionalizadas,com lugares e  poderes rigidamente demarcados.

A leitura de  Eu e Tuchama a nossa atenção para nã o dispensarmos

o contato vivo e recíproco entre o se r humano e o mundo, e nã o somen

te  procurarmos  conhecê-lo  p or   formulações teóricas   ou  p or  procedimentos experimentais. O se r humano é um  devir, e se  dispõe como um

desafio permanente  às   lagias:  episte mologias, filosofias, psicologias...O  mundo  desatina a   todo o  momento as   tentativas  d e apreendê-lo. A"experiência",  para Buber, toca a superfície  d as  coisas.  Para conhecero mundo é preciso também entrar em  relação  direta co m ele, u m apelo

ao Eu e Tu. O fechamento  para o mundo, o  conhecimento como vonta

de   de  se   apropriar  e  dominar  é  manifestado   po r  Buber  (1977)  como

mundo d a  "experiência", campo do modo Eu-Isso. " O experimentador

nã o participa do mundo. A experiência se realiza  "nele" e nã o entre eleo mundo. O  mundo não toma parte d a experiência. Ele se deixa expe

rienciar,  ma s ele  nada t em a  ver com isso,  pois, ele  nada faz  c om isso enada  disso o  atinge" (Buber, 1977, p. 6).

6.4Arelação Eu  eTu

No modo Eu e Tua relação é caracter izada pela reciprocidade, pelo

diálogo,   pela  inclusão. Forma-se   um a   identidade   na   qual ambos   seenriquecem na  relação, n a medida e m qu e n ão  permanecem fechadosem si  mesmos. É,  portanto, u ma  modalidade  d e  relação caracterizada

oferta-se,  p or   assim   dizer.   Na s  interações   entre  os seres  humanos,  arelação Eu e  Tu é   caracterizada  p or   um  ir ao  encontro   do  outro  c om

interesse, diligência e consideraçã o recíprocos. Costuma-se denominar

encontro  essa abertura para o outro.

O  Tu implica u ma  forma  d e relação  participativa, inclusiva, inte

rativa e  orientada pelo  cuidado.  Essa  percepção se insere  numa éticado   cuidado, proposta   po r   Leonardo   Boff (1999). O   cuidado  solicitadesvelo, diligência, zelo, atenção, gentileza. É um a  atitude fundamen

tal,   um  modo  d e  ser mediante o  qual a  pessoa sai  d e si e dirige-se aooutro  c om  desvelo e solicitude.   "O  cuidado somente surge quando aexistência d e  alguém tem  importância  para mim.   Passo então a  dedi

car-me a ele;   disponho-me a  participar de  s eu  destino, de suas buscas,de  seus sofrimentos e de  seus sucessos, enfim, de  su a vida." (Boff,1999,p. 91). A existência  d e  alguém adquirir importância é   mais   do  q ue  onascedouro  d a ética:  indica a  ontologia da  pessoa, assentada na  confir

mação dela como alteridade.A  alteridade se conecta co m a  noção d e pessoa. Reconhecer o ou

tro  e si  mesmo como Tupermite aflorar a condição d e pessoa. A pessoa

desenvolve u m modo próprio d e se r na s relações, n a  infindável e complexa rede de  relações co m o mundo, as  outras pessoas, a comunidade,

a  natureza,  a   poética  d o  imaginário,  c om  u m  ente enovelado  p or  u m

sentido de mística, co m as várias expressões e possibilidadeshumanas.

o principal pressupostopa ra o surgimentode um diálogo genuíno é quecada um deveria olhar seu parceiro como a pessoa que ele realmente  é.

Torno-me consciente dele, consciente de que ele é  diferente, essencialmente diferente de mim, de uma maneira única e definida que lhe  é

própria, e aceito a quem assim veja, de forma que eu possa plenamentedirigir o que digo a ele,como pessoa que eleé (Buber,citado por Hycner,1997, p. 27)

O s er humano  deixa de  se limitar a  u ma  "coisa", um  conceito, um

dado   experimental  o u estatístico   quando  vislumbra no   horizonte  d e

su a  existência  u m Tu, e ele  próprio se   apresenta como   um  Tu. Dessaforma, ambos afirmam plenamente a s ua  pessoa. Essa constatação nos

 

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242VALDEMARAUGUSTOANGERAMI   PSICOTERAPIA EBRASILlDADE   243

 

I

!

a reciprocidade: "Relação é reciprocidade.   Meu  Tu  atua  sobre   mi m

assimcomo eu  atuo sobre ele. Nossos alunos no s formam, nossas obrasnos  edificam. (...)  N ós   vivemos no fluxo torrencial  d a   reciprocidadeuniversal, irremediavelmente encerrados nela" (Buber, 1977, p. 18).

Um  cientista se relaciona  c om  o  q ue está pesquisando,  c om  a comunidade científica, com os seus alunos. O artista, c om  a obra, o p ú

blico, a su a temática, a história e a cultura. Assim, infinitamente, vamos

identificando  inúmeras relações, a existência se define como essa  rede

infinita de relações, como L eonardo Boff (1999,p. 92) tenta  no s descrever, a partir da  s ua interpretação do  pensamento de Martin Heidegger,afinado  co m a percepç ão de Buber.

Quando dizemos ser-no-mundo não expressamos uma determinaçãogeográficacomo estar na natureza, junto com plantas, animais e outrosseres humanos. Isso pode estar incluído, mas a compreensão de

ser-no-mundo é algo mais abrangente. Significa uma forma de ex-istirede co-existir, de estar presente, de navegar pela realidade e de relacionar-secomtodas as coisasdomundo. Nessaco-existênciae con-vivência,nessanavegação e nessejogode relações, o ser humano vai constituindoo seu próprio ser, sua autoconsciênciae sua própria identidade.

O sistema de Buber é conhecido  como"filosofia  d o diálogo". Foiadotado e  adaptado com certo entusiasmo p or  psicólogos de diversaslinhas (gestalt terapia, existencial fenomenológica, rogeriana, psicodrama),  e  chegou  a   se r  definido   po r  Richard Hycner   (1995) como

"psicologia dialógica". O qu e nos permite um a primeira compreensãodo   que  seja essa  modalidade existencial resume-se  n a  seguinte premissa:   numa relação dialógica, o centro  dessa relação nã o reside maisno eu, n em no outro. No  modo de relação Eu e Tu, não  é um a instânciane m a  outra que são o eixo central, ma s a relação  na  forma dialogadae recíproca. A relação se constitui  n a interação entre o Eu e o Tu, istoé, entre os integrantes  da  relação. Assim,  podemos introduzir  maisum a noção importante: o entre. O entre  ajudar  a  assentar o terrenoonde se  pretende plantar u ma  atitude dialógica. Para Buber, o significado d o inter-humano "... nã o será  encontrado e m qualquer dos dois

entre qu e é vivido p or  ambos" (Buber citado  po r Hycner, 1995, p. 23).Definimos, portanto, Eu e Tu como o  q ue  designa  u ma  relação entrenós  e o outro, compondo u ma  identidade qu e nã o recusa a diferença,ao contrário, a aceita, e  mesmo a deseja, convida-a para girar em  con

 jun to  a  roda d a vida.

O dialógico envolve u ma  abertura à afetação mútua entre  mi m eo outro. A minha ação suscita u ma resposta no outro, nã o de  u ma  maneira  automática, condicionada,   estereotipada, impessoal,  mas,   na

forma de troca, diálogo, comunicação.   Há  u ma  inter-ação  n a   relaçãocom  o outro.  Minha presença afeta, "toca" o outro, assim como a  s ua

presença me "toca".   Eu  abro o espírito  para que a presença  d o outropossa compor u m sentido significativo. E u falo  c om ele   também como coração e  não apenas com a razão, compartilho u ma  impressão quese formou n a lida co m o mundo. A partir do que apresentei, acrescidoàs  suas vivências, ele  responde a  minha comunicação. Assim, eu  afetoo outro, enuncio u m sentido qu e lhe faz  u ma  provocação: a etimologiadessa palavra denota "chamar para fora", "intimar a sair".

Através do diálogo criamos  u m texto em comum,  u m com-texto,que insufla a ampliação da s possibilidades de c ompreensão e ação. No

dialógico a compreensão não é urdida solitariamente. É compostapelosintegrantes da  relação, é um  dia-logos q ue atravessa a relação, do  gregodia (através de) e  logos (enquanto palavra, discurso, fundamento).  N ão

há  preponderância d e  u m  modo de ser, de   um  modo de ver.   Não  h á

um  logos encerrado numa atitude  centrada no eu.  P or  exemplo, tomar

o   outro  como   um  grande   orelhão (como   um   telefone público)   paraconfessar as  suas dores, faltas, idiossincrasias e fantasias,   se m maiorinteresse pela pessoa dele.

O ser de  ambos se mobiliza e o  s er  é   chamado ao devir.  Hora d e

pegarmos  u ma  cadeira  para  ouvir o  depoimento   de  Frederick Perls:"(...) Eu e Tu é um a fronteira em  constate mudança, onde duas pessoasse encontram. E quando nós no s encontramoslá, eu  me modifico e vocêse modifica através   do  processo de  encontrarmos   um  ao   outro   (...)"(citado po r Hycner, i n Hycne r e [acobs, 1997, p. 23).

Assim, o  qu e acontece  c om  u m  repercute  n o outro.  Ambos assu- 

('  1_-  

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  VALDEMARAUGUSTO ANGERAMI   PSICOTERAPIA  EBRASILlDADE   5

o  egótico toma consciência de si como um ente-que-é-assim, e não

-de-outra-modo. A pessoa diz: "Eu sou", o egótico diz: "eu sou assim".

"Conhece-te a ti mesmo" para a pessoa  significa:   conhece-te como ser;

para o egótico significa: conheceo teu modo de ser. Na medida em que o

egóticose afastados outros,elese distanciado Ser(Buber, 1977, p. 74-75).

Através do  árduo rompimento d as  defesas suscitadas pelo temor

de se expor ao face a face com as pessoas e consigo mesmo,  pela  ex

pressão   das   emoções e pensamentos, no convívio   com   os seres, no

cuidado consigo e c om  o outro é  q ue  constituímos u ma   subjetividade

dialógica,  u m  ser-com, numa  só palavra, a pessoa. Buber contrapõe a

pessoa a outro modo de ser, a  que chama egótico, e m  q ue  aparece u m

nítido centramento do sujeito em torno de si mesmo. Ele age como um a

unidade  fragmentada, fechada  à alteridade e a se transformar.

A condição egocentrada se delicia   em   manter-se tal como "é".

Nesse modo, parte-se  para  os relacionamentos  sem querer   abrir  m ãodo centramento da  "personalidade", com sentimentos como "não que

ro  perdernenhum pedaço, "não quero perder tempo", "não vale a pena

o investimento". Assim, o indivíduo  interessa-se po r conhecer o  mun

do  como objeto para a  su a apropriação, e o  outrocorno u m desfrute da

sua individualidade.  "A pessoa contempla-seno seu si-mesmo, enquan

to qu e o egótico ocupa-se com o seu  "meu": minha espécie, minha raça,

me u   agir,   me u  gênio" (Buber, 1977, p. 75).  U ma  massa   de   unidades

humanas é regida pelo  modo de ser impessoal:  compõe u ma  sinfonia

caótica, um  formigueiro de gente qu e adota os mesmos comportamen

tos, ideias e valores,  persuadidas  através de artifícios ideológicos inje

tados  n as   imagens, de   qu e  os  modos  padronizados  só pertencem ao

indivíduo: se u carro, se u apartamento, se u vestido, se u celular. Sob um

clima de entusiasmo juvenil,  u ma   parafernália tecnomercadológica é

montada para p ôr  e m  cena  u m  palco   onde  brilham  as promessas de

prazer  imediato e felicidade. Você só  será   feliz se  consumir  essa gela

deira, esse carro, essa marca.   Quem não entra na  busca  frenética  p or

aquisições, como se elas acrescentassem algo ao ser, é excluído, é  u m

zero económico.

O egocentrismo escora a s ua  atomização no  eu-separado, no  " eu

outro. N ão  impera a  norma "o  problema é  seu", "não tenho nada co m

isso", "isto é  u ma   questão  sua", "estou  fora". Eu posso  n ão  estar im

plicado diretamente com algo pelo  qual   o  outro  está   passando,  m as

procuro, de   alguma  forma,  compreender   e solidarizar-me com ele: a

su a existência importa para mim, como explicou  supra Leonard o Boff.

Uma  questão que não deve ser esquecida é o trato  q ue  Buber dispensa à articulação entreo existentee o tempo. A modalidade temporal

do  encontro é trabalhada  dentro  d a   ideia de atualidade. Referindo-se

à   intersubjetividade, diz   Martin   Buber: "Pois,   eu   estou   falando,   na

verdade,   do homem  atual, de ti e de mim,  d e   nossa  vida  e de nosso

mundo e  nã o de  u m  e u em  si  ou  de  u m  ser  e m si" (1977, p. 15).

Descobriremos de   que   forma  n os  reconhecemos  mutuamente n a

relação;   ne m  antes, antecipando os nossos passos e os d o  outro, esta

belecendo pre missas logísticas de  causa e efeito,  n em  depois,  quando

retornamos para   o recolhimento e  pensamos   "e u  deveria ter dito ou

feito isso   naquela   ocasião...",   Quando   excessivamente   imbuídos   da

necessidade de n os preparar meticulosamente  para nos  relacionar com

outro, acabamos comprometendo um  qu ê de espontaneidade, e dando

respostas comportamentais como se seguíssemos u m   roteiro previa

mente traçado indistintamente para várias situações e pessoas. Crista

lizamos o ser n a  esfera do Isso, onde tudo  deverá ficar sob controle e

se mostrar previsível. Muitos "mecanismos" de defesa são desenvol

vidos  diante da dificuldade de sair  para o encontro.

Uma  pessoa pode estruturar suas vivências de tal forma  q ue  per

manece estagnada numa espécie de pacto co m se u passado. Ela nã o se

apropria do   passado   como   um a   referência   para  a existência   que  lhe

traga o mote do risco inerente a certas escolhas. Ela  pouco aproveita de

suas experiências, pois, nã o consegue abrir espaços  para a atualização

das  suas relações, mantendo-a s sempre conforme as mesmas represen

tações usuais, qu e lh e dã o a aparência de certeza e segurança na tenta

tiva de conferir estabilidade ao   seu  mundo, por "pior"  q ue  ele esteja

sendo encarado. Essa pessoa segue a  máxima   "é preferível o   ruim  e

conhecido ao desconhecido". E quanto mais ela se enroscano  modo de

ser enclausurado sobre si mesma,  mais  profundamente  é  atirada na~ ~ : I ~ : I ~

 _ I   II     _    ....  J

 

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246   VALDEMARAUGUSTO ANGERAMI   PSICOTERAPIA EBRASILlDADE   247

II

com  o  outro acaba renovando o si-mesmo. A atitude egocentrada dis

pensa   o  mundo porque não  confere  um  sentido  próprio   ao   mundo,

visa, em  primeiro lugar, ao  seu mundo.  O  s eu  entra entre o sujeito e o

mundo,   toma  o   lugar  do   mundo.   O  outro permanece   de fora, ele só

entra   se for   considerado   útil. Ocorre-nos  um a   palestra   do   filósofo

Mario Cortella (A criança em seumundo,s.d.), q ue  trabalhou na  área d a

educação,   muito  chegado à psicologia,   na qual   faz   um  prognóstico

bem-humorado: qualquer dia   desses, os relacionamentos  v ão  ser re

gidos pelo código do  consumidor, "prestação de serviço", ironiza.  N a

atitude  egocêntrica,  para  me sentir seguro preciso ter a sensação de

qu e possuo e  tenho  u m certo controle, enfim, o  outro precisa ser inse

rido  como objeto, e m  geral, fonte de gratificação.  N a  atitude  egocen

trada,   importa  a valorização  da   separatividade. O  outro   é  um  mero

apêndice d a  história de  cada um. Surgem ideias do tipo: "Você preci

sa pensar primeiro  em  você."

O ser humano s em  o  mundo efetivo d a   relação cai  ainda mais nodesamparo. Pululam sintomas a fartar compêndios de psicopatologia.

O indivíduo  perde  a noção  d a  ética como construção do  ethos,  espaço

comum.   Nã o   sabe mais o   qu e   faz sentido,  n em   ao   menos   consegue

discriminar  u ma  vivência fugaz de  u ma   significativa. Cativo d a diver

são, não sente mais nada além d a  compulsão ao espetáculo e ao entre

tenimento. Busca fugir da angústia refugiando-se naquilo que lhe dá a

ilusão de autossuficiência, de dispensar a  todos  os outros e "ficar n a

dele". Asolid ão se insufla em sua vida. Quanto mais ele foge dela per

sistindo no   modo egótico de escolha, mais ela o alcança.

O modo egótico não deve ser associado d e imediato a um  ente em

estado patológico, ainda q ue  alguém possa apresentar o  qu e para nó s

soa como dificuldades psíquicas  advindas   disso. Todos  podemos  ex

perimentar   isso,   quando   mantemos   a   atitude   de recusa   da   relação.

Quando  queremos resolver as coisas fechados entre quatro paredes,

enchemos o peito para dizer que"o inferno são os outros".

Apesar do  quadro mostrado, Buber não  faz  pouco do ser humano:

o ratifica como um  ser de possibilidades. Edeixa-nos um a meiapalavra,

para  que possamos elaborar a frase   po r  inteiro.  "Nestas épocas, a pes-__ 1   1   . . . .1_

  J .; to C 'I 1  

velada e, de  algum modo,  ilegítima - até o momento e m q ue  ela será

chamada"  (1977, p. 75-76). Essa sentença  n os  coloca  n o beiral d o pró

ximoitem.

6.5 Aalternância  doTu com  o Isso

Em última análise, estenderíamos os pares Eu e Tu e Eu-Isso  para

as relações  e m  todas  as direções: Eu e o Outro, pessoa-comunidade,

cientista-natureza, pessoa-sagrado, artista-obra, professor-aluno etc.

Os  modos Eu e Tu e Eu-Isso são originários e descrevem com precisão

a existência. Eles se  alternam  e se entrelaçam no   modo  pelo  qual  os

indivíduos processam u ma  relação.

O jogo do Tu com  o Isso, as várias linhas de p ossíveis relações, que

nã o   se restringem a relação entre seres  humanos,   é  apresentado   na

relação com  u m  animal, c om  u ma  árvore e c om  a  obra de arte.

Buber descreve o se u encontro com  u m gato.  N um  breve instante,

ele teve a nítida impressão de que ambos apareciam um  ao  outro como

um  Tu, mesmo qu e através da expressão  d a linguagem não verbal, po r

um  intenso olhar entre ambos. Buber acredita que os olhos de  u m  ani

mal  tê m o poder de  u ma  grande linguagem. Sem o auxílio da s palavras,

o olhar do animal  desvenda alguma  coisa, apesar  d o  mistério no seu

encobrimento natural.  N a  força  d o  entreolhos, Buber teve a  viva  sen

sação de   que   o gato falava com ele:   "É   possível  q ue   tu   te ocupes de

mim? O que desejas realmente de   mi m  é  outra  coisa do   que  simplespassatempo? Interessas-te p or  mim? Existo  para você, existo?" Nessa

. interação, Buber constata o jogo  d o  outro  como Tu e como Isso, a lin

guagem  da  aurora e  d o  ocaso.

o olhar do animal, esta expressão de   ansiedade apenas abriu-se enorme

mente e já se  apagava.   (...) Há  pouco, o  mundo  d o  Isso n os   envolvia, o

mundo d o Tu   havia emanado das profundezas  no  instante de   um  olhar

e  agora já  caiu d e novo no  mundo d o   Isso. (...) senti (...) profundamente

a  efemeridade d a  atualidade d e todas as relações co m os seres, a melan-

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248   VALDEMARAUGUSTOANGERAMI   PSICOTERAPIA EBRASILlDADE   249

Isso. (...) Comoé poderosa e continuidade do mundo do Isso! e comosão

frágeis as aparições do Tu! (Buber, 1977, p.  113-115).

As análises   de  Buber   alcançam  outras   paisagens.  Quando nos

encontramos diante  de   um a   obra   de arte,   chegamos  ao  portal  d a  -

mensão   estética. Em Buber,   há   nesse   "rito"   um   mais-além:   não   nos

detemos apenas diante da  contemplação ou da produção da  obra, mas

estabelecemos um a  genuína  relação co m ela.

A arte instala  u m  confronto artista-obra.  N ão  cabe  apenas  ao ser

humano a criação estética.  N ão  apenas ele desliza para a forma, mas,

igualmente, um a forma se defronta com ele, anseia tornar-se um a obra

po r meio dele. Ela nã o é um  produto de seu espírito, mas uma aparição

que  se apresenta a ele, "exigindo dele  u m poder eficaz" (Buber, 1977,

p. 11).Buber faz questão de afirmar  q ue  a  obra não  é  propriedade do

artista,  n em   mesmo,  é estritamente  u m   produto   do   se u   espírito.   Por

que  Buber   não   trata   da  subjetividade   como   fundamento   da   criação

artística? Ele pretende ressaltar a interação artista-obra,  pretende des

tacar  tanto  o  fundo   como a figura, artista e   obra elevados ao  mesmo

plano,  sem perderem suas marcas distintivas. A  obra não  fica presa  à

psique  do  artista e do  s eu  admirador. A origem da  obra de  arte é atra

vessada   de ponta   a  ponta  por uma   intencionalidade relacional. Em

outras  palavras, u ma   doação  d e sentido se instaura numa  relação  e m

que obra e artista se criam como seres  e m inter-ação.

A obra se oferta, mas, ao  mesmo   tempo,  entrega um  risco.  Cada

pincelada, embate com a matéria, apuro do olhar, escorregar do s dedos

ao longo d a obra, tudo isso envolve risco, pois, nã o pode ser   produzido senão   pelo   ser  e m  s ua   totalidade.   Entra   em   foco mais   uma   noção

quando trabalhamos com   Buber (1977, p. 3):  "A  palavra-princípio

EU-TU só pode se r proferida pelo ser na sua totalidade." O sentido de

"palavra" não deve ser   lido sempre de for ma literal. A palavra-princí

pio  (tanto no Eu-Tu quanto na  órbita do Eu-Isso) é um   fundamento qu e

designa  u m  dirigir-se ao o utro, enunciar, levar, enviar, remeter, proje

tar-se n a direção de, chamar.

Então, tudo que ainda há  pouco compunha um  somatório de  par

tes, manti nha-se preso à  determinada perspectiva, deverá ser ultrapas-

do face a face.  Quem se entrega à  obra sob o prisma do Tu,  "não  deve

ocultar  nada  de si,  pois  a   obra nã o  tolera, [assim]  como  a árvore  o u o

homem, qu e eu  descanse, entrando no mundo do Isso. É ela q ue  domi

na; se  e u nã o  a servir corretamente, ela se   desestrutura o u ela  m e de

sestrutura" (Buber, 1977, p. 11).O art ista arremessa  um laço e se emba

raça numa relação desnudada com a obra, nu m diálogo do  espírito coma matéria  e m que pipocam  sons, faíscas e lascas,   esculpindo  as mãos

do escultor,  modelando   as   mãos   do  violonista,  afinando  a audição.

Sublinhemos as palavras que dã o sabor a um a autênti ca relação: a obra

atua sobre mim, assim como e u atuo sobre ela.

O ato criador nã o escapa d a  responsabilidade pela escolha se  va i

acolher o chamado da  obra ou  mantê-lo a distância.   Produzir ao largo

da  relação é nã o só se apropriar artificialmente da  obra, como também

aniquilar o próprio sentido  d a   arte. As apreciações críticas  d a  estética

contemporânea  quanto à  chamada"sociedade do espetáculo" conver

gem com essa meditação. "É  a tirania do  espetáculo. Fora do espetácu

lo não há salvação (...) O artista deve se tomar não só artista, mas alguém

com  poder de  encantar as multidões, o  animador d as  massas. Mesmo

com todo esse esforço, ele  pode acabar n o  fundo  d a cena (Veríssimo e

Bassi, 2007, p. 159). Na  contramão dessa tendência, Buber (1977,p. 12)

enuncia outra possibilidade:

Fazer é criar,inventar eencontrar. Dar forma é descobrir. Ao realizareu

descubro. Eu conduzo a forma para o mundo do   ISSO.  A obra crida é

uma coisa entre coisas, experienciávele descritível como uma soma de

qualidades. Porémàqueleque contempla [aobra] comreceptividade, elapode amiúde tornar-se presente em pessoa.

A esfera dialógica, como acentuamos, é um  autêntico encontro. Ele

sustenta u m  caráter originariamente simples e imediato,  q ue  é preci

samente expresso quando Buber relata a possibilidade de relação co m

uma  árvore. Aárvore pode ser medida e entrarpara alguma estatística,

submetida ao  rigor da  lei científica, q ue  prescreve qual a  su a inscrição

no  reino  d a  natureza,  qual  a  s ua  função: nela nada   mais se reconhece

a n ão  se r u ma   ordenação rigorosa de leis  que regem a composição e a__ J __   c-

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250   VALDEMARAUGUSTOANGERAMI   PSICOTERAPIA  EBRASILlDADE   251

forças. Ela pode ser disposta como  u m objeto: como objeto de estudo,

um  exemplar, classificada n um   conjunto   de  espécies. A árvore  pode

"servir" para alguma coisa,  q ue  passe po r u m trato cujo propó sito seja

um  conhecimento frio e calculista. Posso apropriar-me dela como ma

deira, como matéria-prima   para  alguma produção   comercial, posso

interessar-me p or   ela como essência aromática, como remédio, comoinvestimento econômico, como objeto decorativo.

A enunciação "Isso é um a árvore"  nã o pode ser mais  adequada a

sua   objetivação. Até que ela,  s em  deixar de se enraizar como u ma  ár

vore, mostre-nos ou tras faces. Esse des enho no vo só pode ser compos

to se  n os  dispusermos a conhecê-la de forma renovada,  n ão  simples

mente como  u m   objeto,   mas   através da   nossa  relação  c om  ela. Existe

mais um a possibilidade de se dispor diante de  u ma  árvore. Agora, ela

não  é confinada a  u ma   representação qualquer. Passo a me interessar

por  ela como  u m  ser, u m ser vivo, cujo brilho  d a relação ilumina m eu

olhar para ela, onde nã o mais estou munido de  u ma  fita métrica o u deuma   motosserra. Consigo senti-la, tocá-la, perceber  s eu  aroma, e ser

tocado p or  ela, aceitar a  s ua  presença.

Entretanto, pode acontecer qu e simultaneamente, po r vontade própria e

por uma graça, ao observar a árvore,  e u seja levado a  entrar em relação

com ela;ela não  é mais um Isso. A força de su a exclusividade apoderou-se

de mim. (...) Tudo o  q ue  pertence à arvore,  s ua   forma,  s eu  mecanismo,

sua  cor e  suas substâncias químicas,  sua"conversação" com os elemen

tos   do   mundo   e com as estrelas,   tudo   está  incluído  numa   totalidade

(Buber, 1977,p. 8).

No  momento  em  q ue  abraçamos o face a face  c om  a árvore, per

cebemos que ela nã o nos pertence, ainda que nos sintamos a ela ligados,

ela   não   é   apenas   representação,   um a   reprodução   passiva de nossos

sentidos, u m conteúdo psíquico de nossa subjetividade, nã o  é apenas

o meio pelo qual a nossa subjetividade se faz perceber a si própria. Ela

é aquele ser  q ue  se apresenta a nó s n um  encontr o único. Ela foi reves

tida   pela   intencionalidade  d a  pessoa:  n ão  é só olhada, como aceita e

estimada como um  ser especial e singular, qu e tem seu valor confirma-• -   1  

diante de  m im  e  t em  algo a v er  comigo, e eu, se be m  qu e  de   modo di

ferente, tenho algo a  ve r com ela.  Qu e ninguém tente debilitar o senti

do da  relação: relação é reciprocidade" (Buber, 1977, p. 9).

Esse relato, ao nosso ver,  n ão  trata apenas  de  u ma  relação com a

árvore. Ele ilustra a relação dialógica d o s er  humano com a natureza.

No  avesso disso, temos a apropriação voraz  d a   natureza,  a  naturezaobjetivada, artificial, domada, domesticada, enfim, a natureza na  qua

lidadede objeto, servil ao  homem,  se u "senhor".

A perda do  contato direto c om  a terra, os ritos d e  purificação n a

terra, o cultivo zeloso   da   terra  é   um a   linguagem   do   homem  c om  a

natureza perdida em  face de   um a  apropriação constante e   inarredá-

vel   (até agora)   da natureza  como   um   capital. Os   pés que pisam  no

asfalto   não  mais   caminham  diretamente   na   terra   e   com   a terra, ao

contrário: eles a   pisoteiam  implacavelmente,   construindo  prédios,

fábricas, armamentos,  depósitos de lixo, n um  habitar que desaloja o

ser  humano  de  seus ideais éticos de   "humanidade". As  mãos nã o  se

sujam  n a  terra. A cerebração  humana  inventou luvas   para   evitar o

contato direto.

Quando  o s  homens  n ão  mais sentem  os  p és  descalços  n a   terra,

esse acolhimento fenomenal, eles se esquecem   da s  suas origens, se

esquecem de si   mesmos  naquele sentido já   apontado p or  Sócrates. A

relação com a árvore expressa a relação  co m a terra. Relação debilita

da, combalida, combatida pela apropriação extrativista, econômica. A

árvore coloca  para  n ós  u ma   dura  constatação: objetivar a   natureza  é

desenraizar-se de si mesmo. A árvore coloca   para   nós   um a   dura   eurgente  decisão:   que  mundo   queremos  para nós,   para noss os filhos?

Ouçamos  Leonar do Boff (1999,p. 11):

A sociedade contemporânea,  chamada sociedade d o conhecimento e da

comunicação, está criando, contraditoriamente,  cada vez   mais  incomu

nicação e solidão entre as pessoas. A Internet pode  conectar-nos com

milhões de pessoas se m precisarmos encontrar alguém. Pode-se comprar,

pagar   as contas, trabalhar,   pedir   comida, assistir a   um   filme sem falar

com ninguém.  Para viajar, conhecer países, visitar pinacotecas não pre-

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252VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI   PSICOTERAPIAEBRASILlDADE   253

Arelaçãocom a realidade concreta,comseus cheiros,cores,frios,calores,pesos, resistênciase contradições é mediada pela imagem virtual que ésomente imagem. O pé não sente mais o macio da grama verde. A mãonão pega mais um punhado de terra escura. O mundo virtual criou umnovohabitat para o serhumano, caracterizadopelo encapsulamentosobre

si mesmo e pela faltade toque, do tato e do contato humano.

Faz eco e m nossa linha atual  de   argumentação a filosofia  d e Heidegger.   Para Heidegger, o  mundo  e a   terra  (a natureza)   travam  u m

perpétuo combate. Nele, um faz o outro, e mais, elevao  outro para alémde  si próprio.  N ão  se  trata  d e  u ma  disputa  para a supremacia, e sim,de  u m diálogo  d e opostos q ue institui o jogo do mundo  (simbolizadopela imagem da  clareira)  co m o mistério e a ocultação (a terra).

A partir dessas leituras, podemos nos perguntar como poderemos

resgatar o cuidado. Entre nossas preocupações, assoma à  nossa mente

mais um a pergunta. O mundo da cultura contemporânea precisa renegar a  terra até rasgá-la agressiva mente e exauri-la? Agora, damos vo z

ao  próprio Heidegger (1992, p. 38):

O mundo é a abertura que se abre dos vastos caminhos das decisõessimples e decisivas no destino de um povo histórico. (...) Mundo e terrasão essencialmente diferentes um do outro, e todavia, inseparáveis. Omundo funda-se na terra e a terra irrompe através do mundo. Mas arelaçãoentremundo e terranunca degenera na vaziaunidade de opostos,que não têm que ver um com o outro. O mundo aspira, no seu repousarsobre a terra, a sobrepujá-la. (...) A terra, porém, como aquela que dá

guarida, tende a relacionar-see a conter em si o mundo.

6.6Adificuldade em   realizar omodo  Eu  eTu

Notamos, apoiados na  leitura de Buber,  u ma dificuldade qu e surge  para o ser   humano  n a constituição  d a existência: estabelecer  u ma

relação dialógica (Eu eTu). Uma relação horizontal, de pessoa a pessoa,e nã o vertical (baseada, antes do mais, no autoritarismo e  no  exercíciode  poder de  u ns  sobre os outros).  U ma relação horizontal pede parce-

Chama-nos a atenção  u ma  forma de conceber "relação"  que não

está apenas "na cabeça" de  algumas pessoas: podemos identificá-laem

sistemas psicológicos, filosóficos, teológicos. Trata-se   da  recusa   em

conceber a  mesma medida  ontológica  para   cada  componente  do par

em relação. É como se u m deles fosse  portador de mais ser, mais"substância", fosse mais essencial e importasse mais  qu e o outro. Essa men

talidade identifica "relação" como um a composição d e pares  de  opostos   formado   po r  elementos rigorosamente  distintos:  o sujeito e oobjeto, a alma e o corpo, a razão e a paixão, o ser   humano e  Deus etc.Nessa composição, pode-se até  admitir algum tipo d e relacionamento,mas  insiste-se n a tese  de que cada elemento  sustenta um a  identidade

inflexível, que não se altera na s  suas interações. A partir dessas distinções,  s ão idealizadasescalas hierarquizadas de valor: o homem se achasuperior à natureza, a lógica formal e experimental  prepondera sobre

a afetividade e o desejo, a lógica racional vale  mais do   que  a poéticadas  imagens, o ser  humano não  se nivela  d e modo algum ao divino, amáquina é considerada mais eficiente qu e o ser  humano, a informáticamais sapiente que ele, certos comportamentos são considerados válidos,outros são repr ovados pela s convenções morais, científicas e religiosas.

No  plano do s relacionamentos interpessoais, a ass imetria entre osparceiros  pode se   tornar a tônica de   um  relacionamento,   mesmo que

ambos suponham qu e se estimem.  S em dificuldade,  anotamos algunsmodos d a práxis no  q ue  diz respeito aos relacionamentos. O primeiro:o sujeito se considera o centro  d a relação. Ele  nã o consegue sa ir de si e

entrar  e m empatia com o   universo do outro. A  empatia  implica  u masérie de compreensões, tais como,  " o  outro não s ou  eu",  o u seja, o reconhecimento   da  diferença,   dos  limites   do  outro,  seu modo  de ser eencarar o mundo etc.  Segundo procedimento: quando uma pessoa não

se dispõe para o relacionamento com o o centro dele, é comum ela viverem função do  outro de tal modo que ela experimenta o oposto: suavida

torna-se algo  como um  planeta que  gira em função do  sol (o outro). Há

um a tal identificação co m o outro,  qu e el a mal  reconhece a si própria,e já  n ão  sabe   mais o   que   significa o  s eu  projeto. Se o   outro,  p or  u m

motivo qualquer,  sumir  do   horizonte   da   sua  existência,  e la  se sente

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254 VALDEMARAUGUSTOANGERAMI   PSICOTERAPIAEBRASILlDADE   255

a essa duas atitudes um a terceira, a ambivalência, a oscilação entre um a

modalidade  e  outra com relação à mesma pessoa.

O  estudo d e  Martin Buber no s  convida a ponderar, com   toda  se

riedade: como vamos ao "encontro"? Noss as relações são um  encontro

ou   eterno experimentar,  tentando  permanecer  n a  fonte   da  juventude

para sempre através da  novidade e da descartabilidade ao  menor aceno do trágico? P or  outro lado, cabe perguntar: nossas relações são  u m

encontro  o u u m  confronto,  o u  melhor,  u ma  guerra,  u ma   "disputa de

egos", como de diz? Queremos,de fato, nos conhecere conhecer alguém

ou  nos apoiar  sobre os outros como  u ma  solução para o  desamparo  e

para"ser feliz"?

No enfoque intersubjetivo, observamos,  aqui e ali, a exaltação de

um a  subjetividade insulada,  n a  qual   o que   em   geral se  entende  p or

"identidade"  (ou se  quer  entender) ratifica  u m  modo   de ser descrito

po r Luiz Bicca (1999, p. 56 e 57):

Amaioria dos homens comporta-se segundo a representação habitual de

que  o "eu" significa um núcleo ou palo separado de sensibilidade e ação,

vivendo dentro e limitado  pelo corpo físico -   um  palo q ue  se defronta

com u m mundo"exterior" de pessoas e coisas,faze ndo cantata com  u ma

realidade distinta. (...) O   que  chamamos de "realidade exterior" ou de

"sociedade" (...) atua c om  um a força irresistível a persuadir-nos de  q ue

somos, antes de qualquer  outra coisa, átomos de existência. A partir daí 

torna-se muito fácil e natural o se  comportar como se ser fosse essencial

mente contrapor-se, confrontar, disputar,  em  suma, estar sempre e cons

tantemente em  contraste com alguma  coisa.

Essa descrição é fidedigna sobre o  qu e acontece co m muitas pes

soas  n a   contemporaneidade  quando "entram"  n um   relacionamento.

Frequentemente observamos que, apesar de imaginarem ter afinidades

e sentimentos, cada um  tenta fincar os pilares da  su a "personalidade",

e não abrir mã o dela, de tal maneira qu e o  outro é  instado a confirmar

a  autoimagem   do   parceiro. Desse  modo,  reciprocamente,   cada   um

deles nã o ultrapassa u m exercício egótico, o u seja, o de alocar o outro

como u m meio para justificar a baixa o u a alta  autoestima através  d o

O relacionamento deve ser "aprazível" ou, pelo menos,  "tranqui-

lo" o maior tempo possível. As fricções inerentes às diferenças de  cada

um, que se mostram progressivamente  co m a passagem inexorável dos

dias, fruto   da  própria  convivência, são encaradas   como  "desgaste",

"crise", ou, explicitamente " um  saco" (chatice), algo  que põe e m risco

o projeto do   eu   de se   manter  no   que  acredita ser o valor maior,   sua

"personalidade".

Essa moral  t em   como  suporte  ideológico  u ma  cultura  narcísica,

propagada   aos   quatro  cantos do   planeta pela  mídia,   seguindo   um a

economia de mercado qu e se inscreve no seio de  outro veio d a cultura

atual, o consumismo. Ele se apoia  na  apologia do descartável,  e m q ue

nã o se faz tanta diferença se descartam-se latas de  bebida ou  pessoas.

São exaltados valores  d o tipo "seja competente", "goste de si mesmo",

"seja você   mesmo",   "depende de   você", "o   que está  esperando?".

Tenta-se disseminar a crença de  que para alguém se  "dar bem"  com o

outro, é preciso,  e m   primeiro lugar,  cultuar  a personalidade. O outronão passa de  u m veículo para a felicidade própria,  como aquele conto

de fadas em  q ue  a  carruagem da   mocinha é, na  verdade, um a simples

abóbora.

Em   lugar de cativar a consciência  de   que -uma relação implica

esforço, luta consigo mesmo, negociação, resta ter o outro   como  u m

aparato em que se descarrega toda sorte de frustrações e agressividade,

caso falte às  medidas previamente estabelecidas para ele, muitas delas

definidas antes mesmo de conhecê-lo, através da passiva representação

da  moral social. N a redação de Jurandir Freire Costa, a recusa  em  abrir

mão  de  algum a coisa abre espaço para representar o outro nã o somente como um  boneco de pancadas, mas, igualmente,  como um  carrasco,

quando  algu ém se aloja n a trincheira d a vitimização.

No  primeiro [modo de representação],  eu  n ão  devo nada   ao outro, e

aquilo  é palco da execução e da  ação do  m eu  desejo; e u mato, eu  quebro,

eu  esfolo,  e u   roubo,  e u  faço o  q ue  e u b em   quiser e entender,  n ão  devo

nada a ninguém. O  segun o o modo da  vítima, é qu e nã o devo nada ao

outro porque ele está o tempo inteiro em  dívida comigo. Ele não  me deu,

me  fez sofrer, me retirou, e agora peço o   tempo inteiro o ressarcimento.r 1:

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256VALDEMARAUGUSTOANGERAMI   PSICOTERAPIA EBRASILlDADE   257

o que   estamos sinalizando, conduz-nos para o  campo d a reflexão

sobre a  identidade,   a   igualdade   e a diferença. Na teoria  pode   fazer

sentido, mas, n a prática, nã o é tão fácil  assumir a distinção entre iden

tidade e igualdade. Na igualdade, a diferença é assimilada a  u m  todo

indiferenciado. O todo absorve as  partes de   um a  tal  maneira que elas

perdem sua singularidade,e, po r extensão, a su a identidade. Ora, nada

mais   inoperante   do   que tentar perpetuar-se  através   da perda   de si

mesmo n o outro, seja no  modo da  idealização, d a   dominação, d a sub

missão,   da   alienação. Nesse caso, tenta-se transferir   para   o   outro   a

responsabilidade de   da r  sentido   para  a  própria  vida,  para  "pior"   ou

para  "melhor".  É um  peso muito grande jogado no outro, q ue  eclipsa

as pessoas no relacionamento.  É um a   forma corrente de niilismo (ne

gação de si e d a existência autêntica) q ue  resulta n um  provável ressen

timento contra o outro, porque provavelmente ele irá decepcionar, ou

seja, faltar: antes  d o mais, ele nã o é o sujeito  qu e idealizamos, ma s um a

pessoa concreta.

Muitos   relacionamentos -   pais   e filhos, amorosos,  amizades,

sociais - são conduz idos  ou  desejados segundo um  princípio de igual

dade. Essa  postura  crê  q ue  as diferenças  n ão  são bem-vindas, ao con

trário,  muitas  delas são desvalorizadas, senão reprimidas, velada  o u

acintosamente. A diferença é   encarada como   um a   espécie de corpo

estranho, que deve   ser   "curada", "melhorada", "educada",   ou   seja,

nivelada a componentes familiares. As possibilidades são incontáveis.

Por exemplo, u m  p ai  q ue  n ão  se abstém  d a  ideia de   qu e  o filho   deve

realizar profissionalmente aquilo   que   ele   nã o   realizou, ou deve   da r

continuidade a u m projeto "familiar" (como tocar a su a empresa). N umcasamento, u m parceiro q ue  deseja q ue  o  outro seja assimilado ao  s eu

modo d e  ser, está convencido de   qu e  o  outro tem de aceitar suas pre

ferências pessoais, incluindo os amigos,  q ue   isso é  q ue   deverá   da r   o

tom  para a  "harmonia"  d o  casaL U m indivíduo pode querer adequar

seus gostos e preferências ao parceiro, na tentativa desesperada   de

conferir a si mesmo uma identidade através d o relacionamento. Numa

relação amo rosa, a moça,  quando se sente  muito contrariada pelo na

morado, exclama: "é... os  homens são assim mesmo!". E, por sua vez,

sob a égide de  suas representações, ele  iz baixinho  para si mesmo, o u

comenta com os amigos: "isso é coisa de mulher!".   Numa reunião de

pessoas que  adotam u m culto religioso  alguém expressa u ma  opinião

que  vai de encontro ao  pensamento habitual, e é doutrinada para pen

sar  segundo a or todoxia locaL

Os antolhos com que seprocura evitaro efetivo contato com ooutrorecaem  numa  situação  e m que  um  dos sujeitos se  posta como o centro

de referências, e ele se  d á o direito de decidir a  última palavra, de deci

dir o que é justo e de tomar as decisões, "o outro  n ão  interessa, ou ao

menos, está e m  segundo  plano, subordinado. (...) Eu o explico,  e u  o

domino, eu o exploro. E mais:   so u eu q ue   decido  quando h á  domina

ção, quando há  compreensão, quando há  exploração" (Guareschi, 1998,

p. 159-160).

A noção de  identidade é marcada pela afirmação e expressão da s

diferenças. Trata-se de  u ma  totalidade de sentido qu e se constituip elas

próprias  diferenças e m suas relações mútuas. Entre nó s e o outro exis

te  u ma   diferença,  o u   melhor, várias delas. Se a diferença for aceita e

elaborada de forma dialogada, nã o retira as possibilidades de cada ser,

e sim, as enriquece e renova.

Quando as pessoas entram em  interação, são histórias de  vida qu e

secruzam diante da perspectiva de abrir um a cumplicidade de emoções

e projetos. Elas   esperam   abrir concomitantemente   um a   estrada   em

comum. No percorrer o caminho há  infindáveis convites para perceber

que são diferentes. O familiar   não tarda   a revelar o que   há   de mais

estranho. Nesse momento, sente-se como se fosse aberto  u m  abismoentre u m e outro. Esse hiato de sentido  pode ser a constatação d a dife

rença.  "E u achei que o conhecia, ma s você me  surpreendeu." Entre nós

e o outro, seja ele u ma  pessoa, u m  rupo social, a natureza etc., abre-se

um  abismo, a cada esquina da interseção de nossas vidas. A diferença

nã o   é necessariamente  u m   obstáculo: ela   pode  s er  entendida  como o

mistério que fascina e é tremendo. Percorrer a distância q ue  no s sepa

ra  d o  outro é atravessar a  ponte sobre u m abismo.

E o que é, exatamente, aexperiência originária d o mistério? Quem..   _ ~ . . J _ : : T  

~ J _ n _ C r i A

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258VALDEMARAUGUSTOANGERAMI   PSICOTERAPIA EBRA51L1DADE   259

Cada pessoa é um mistério. Podemos conhecê-la através de um longoconvívio, pela intimidade do amor ou pelas abordagens das ciências edas várias tradições da humanidade. Mesmo assim ninguém poderádecifrar e definir quem é Maristela, Márcia, José Américo ou Fernandoou quem quer que seja.A pessoa emergep ara si mesma epara os outrosnum mistério desafiador. Somente sabemos o que cada um revela de si

mesmo ao largo da vida, e pode ser captado pelas várias formas deapreensão que temosdesenvolvido. Mas,apesar de toda diligência,cadaum permanece um mistério vivo e pessoal.

As considerações de Buber se  engatam com as  d e  Boff acerca  d o

mistério   quando  Buber  sublinha  q ue  ao   seguirmos  o nosso  caminho

encontramos alguém que, p or  s ua  vez, segue o  s eu  caminho e  v em  aonosso encontro. Se  ma l conhecemos a  nossa  própria  estrada, imagine

ter a  pretensão  d e conhecer as   veredas  p or  onde anda esse  outro  q ue

se achega.  Quem é aquele  se r qu e ve m ao  nosso encontro, e  acenamos

para ele? Somen te podemos partilhar algum conhecimento no   próprioencontro.

Do evento da relação conhecemos por tê-la vivido, a nossa saída, a nossa parte do caminho. A outra nos acontece, nós não a conhecemos. Elaacontece para nós no encontro. É, na verdade, uma presunção de nossaparte, falarsobreelacomo se fossede algoalém do encontro (Buber, 1977,p.88).

Na  ânsia  d a  busca pelo outro como espelho  de   mi m   mesmo,  e u

nã o atento para a diferença. Quanto mais eu  nego a diferença, mais ela

se   impõe,  porque em algum momento o   outro   se  mostra   como   tal,mesmo  que seu projeto seja jazer n a má-fé: o  s eu  corpo se rebela, elefala algo q ue  "não queria", ele  a ge  d e  u ma  forma dissimulada, amea

çadora o u agressiva. Estabelecer  pontes  entre  m im  e   outro implica oreconhecimento d as  singularidades  n ão  fechadas,   ma s  abertas e dispostas  ao diálogo. Nesse  ponto, revela-se a  aparição  d a mística, a experiência do mistério.   Na  mística  há uma  convocação  para o êxtase,cuja etimologia a ssinala o  sair d e si  para o encontro.

O qu e aparece, numa abordagem existencial como um a dificulda-

compreensão d o  q ue  u ma  questão moral:  n ão  se deseja colocar juízosde   valor nos  âmbitos   dialógico e objetal, e sim,   em   primeiro   lugar,compreender  a existência  à  luz das  formas originárias  q ue  formam acolcha de nossas relações.

O ser humano não permanece todo o tempo lançando-se na esfera

do  E u e Tu. A intencionalidade  d o  outro como Tu  ilumina as relaçõescom  u ma  ética   regada pela consideração, diálogo e  cuidado, e logo éeclipsada p or  modos  usuais  e cotidianos de se estabelecer relacionamentos. O  s er  humano na mesma medida em que  se projeta n a experiência  da  transcendência, da  realização de projetos e desejos, da  supe

ração   dos  limites, é   igualmente remetido   à falta.   Um a  incompletude

originária confere  sentido   à própria   existência.  Há, por   conseguinte,um a alternância na  vivência Eu  e Tu e Eu-Isso.

Uma  frase   muito citada  d e  Buber cabe aqui: "Todavia, a  grande

melancolia  d o  destino é  q ue  cada Tu  e m nosso mundo  deve  tomar-se

irremediavelmente  um  Isso" (1977,p. 19). A express ão da  singularidade  q ue revelou um  genuíno encontro nã o demora a se deixar impregnar

"por meios", isto é,  nã o tardamos a alocar o  outro numa função agendada pelo nosso imaginário. Assim,

o Tu se toma um objeto entre objetos, talvez o mais nobre, mais aindaum deles, submisso à medida e à experimentação.

A atualização da obra em certo sentido envolve uma desatualização emoutro sentido. A contemplaçãoautêntica é breve;o ser natural que acabade se revelar a mim no segredo da ação mútua, se toma de novo descri

tível, decomponível, classificável, um simples ponto de interseção devários ciclosde leis (Buber, 1977, p. 19).

Alguém,  q ue  h á poucos instantes irradiava  um Tu, único e incondicionado, qu e er a notado como presença, qu e não podia sersubmetido

a  medidas e experimentações,  ma s somente tocado, torna-se,  uma vez

mais, Ele  o u  Ela,  seu nome não mais evoca a  totalidade  d a pessoa. Oevento Eu e Tu não  pode ser mantido para sempre. Temos q ue  aprender

a  aceitar" ... o encanto de  s ua  chegada e a nostalgia solene  d e  sua par

tida..." (Buber, citado p or Hycner, 1995, p. 24). Buber joga  c om as pala-

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260

VALDEMARAUGUSTO ANGERAMI PSICOTERAPIA EBRASILlDADE   261

a seriedaded.averdade, ouça: o homemnãopode viver se m o ISSO,mas

aquele que  VIve somente co m o ISSO não  é  homem"  (1977,p. 39).

Será que conseguimos intenc ionar  alguém plenamente como Tu?

Qual d e m a r c a ç ã ~ ~ n t r e os terrenos  d o  Tu e  d o  Isso? Será   qu e  o  q ue

c ~ n t a e um  apuro ético tal  q ue  chegaríamos a  u ma  proposição metafí

s.Ica, um  Tu e  um  Isso em si mesmos? Essa metafísica, p or  s ua  vez, articula-ss com a existência,  o u  é mais  u m papiro  a se refugiar no  reinoda abstração?

Em termos menos rebuscados, será  q ue  conseguimos nos relacio

nar com a,lguém se m querer nada  dele,  apenas nutridos  p or  u ma  p u

reza franciscana? Nossas relações são efetivadas po r seres que se fazem

a cada momento, se conheceme ao mesmo tempo se desconhecem  • • • '   que

S ~ A O consciencía  vIvencial e passional,  muito  antes de   um a  cons-

c l e n c ~ a

yrof ssor l ou   intelectual.  A  ética  n ão   reside   numa  busca   de

p e r f ~ I ç a o , na perenidade de   um  estado  do existir.   A  ética se  funda   a

partir própria convivência,   em   que   ideais e representações serão

revolvidos, e a nossa consciência  será intensamente  afetada  p or  esseprocesso.

Quando, neste trabalho, expomos as instâncias do Tu e do Isso,

fazemos  algumas   diferenciações de forma  didática   para   oddesfi . ,   p   emos

esfiar, em linhas muito gerais, o extenso pensamento  de Martin B   bS b   u   er.

a emos, no entanto, o quão limitada é a tarefa  d e reapresentar o q ue

possa ser concretamente a nossa própria existência.

~ e w t o n A.  Von  Zuben  (2003, p. 155) desenv olve   um a   crítica às

t e n ~ a t I v a s

de se manter as noções Eu e Tu e Eu-Isso como  meras  categonas metafísicas,   quer  dizer, essencialistas e  puras,   completamenteseparadas um a da outra.

Agora, se nós  n os  voltarmos à  nossa  experiência cotidiana concreta  d e

nossas relações   com   nossos semelhantes,   vemos   qu e   as coisas  n ão   se

passam   exatamente do   modo   tal   qual  descreveu   Buber.   Na  verdade

existem atitudes que,  embora nã o  sejam autênticas relações Eu-Tu

por   i s s ~ são   meramente  Eu-Isso. Se,  p or   acaso,  numa  relação   int:r-hu

m a ~ a nao  se estabelece um a relação Eu-Tu, m eu  parceiro deve ser neces-c : : . ~ r l ~ f l l o n D r o l \ c > ~ . . - J  

_ ....__   ~ l _ ~ _ L _

Richard  Hycner admite que existem centenas  d e mal-entendidos

quanto à  atitude Eu-Isso. O psicólogo  chama a atenção para nã o  olvi

darmos qu e a atitude Eu-Issoé  u m aspecto necessário d a vida humana.

De fato,   não  se  trata d e  "demonizar"  a intencionalidade Eu-Isso, con

siderá-la inferior, patológica  o u  condenável de  imediato, ma s  sim, de

procurar demonstrar  e   denunciar  a  predominância  esmagadora  c omque   ta l  atitude   se manifesta  n a   moderna   sociedade tecnocrática.   "0

perigo é não  conseguirmos reconhecer como é limitadora, no final, u ma

relação Eu-Isso, e seguirmos aplica ndo-a indiscriminadamente a situa

ções   qu e   clamam  por um   encontro   genuíno  entre pessoas" (Hycner,

1995, p. 24-25).

A   obra   Eu e Tu  é redigida  n a  forma   de  aforismos. Vários de seus

pensamentos  são como   um a   poesia  viva: situam-se   numa   interface

entre a poesia e a filosofia. Imagens são  usadas como expressões sim

bólicas. Daí a dificuldade que  algumas  pessoas t êm  n a  leitura  d a  obra

referida, se elas   esperam algo   mais   formal, com nexos lógico-causaisexplícitos e  u ma  ordenação convencional d e  início - meio - fim. O

leitor é  convidado  a refletir e a dialogar, ele   também  d á   sentido   ao

texto. O  autor não quer ser o mentor solitário do significado.

Imergindo n o  universo   das   imagens,  Buber   admite   o entrelaça

mento do Tu co m o Isso.   "0  isso é a crisálida, o Tu a borboleta. Porém,

nã o como se fossem  sempre estados qu e se   alternam nitidamente, mas,

amiúde são processos que  se entrelaçam confusamente numa profunda

dualidade" (1977, p. 20).

6.7 Perspectiva dialógica  na psicoterapia

Convidarmos, nesse instante, nossos leitor para u ma   caminhada

na   senda da ética d a alteridade e  d a relação aplicada à psicoterapia.

Co m  o  estudo  e a prática   da  psicologia,   aprendemos   acerca  d a

importância de entrar em contato consigo mesmo, lidar consigomesm o,

falar a partir de si  mesmo,   expressar a si próprio.   Nas  relações   qu e

estabelecemos, após depararmo-nos com alguns desafios e dificuldades• -  

l _ ~ _ 1 1 _ :1_   1 .. .

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262   VALDEMARAUGUSTOANGERAMI   PSICOTERAPIA EBRASILlDADE   263

há  pouco espaço para expressar autenticamente o qu e se  passa conos

COoComumente, responsabilizamos o outro  pela nossa própria mudez

e inércia, mas,  ma l  percebemos  q ue  somos  nós mesmos quem muitas

vezes corta os elos de comunicação  co m o  mundo.

A psicologia descreve um a  tendência qu e atinge u m considerável

número   de pessoas. O sujeito se fecha em   um  mundo  voltado  paracolocar o sentid o da  existência na aprovação de si através do outro, de

um  outro especial qu e ele elege como o  lugar de  sua busca de felicida

de.   Uma vez  frustrado   em  s eu  projeto de   ter  n o   outro   a realização

desse ideal,  passa a construir defesas psíquicas (e somáticas),  e m q ue

se abandona: relega a  u m plano de  fundo vago e distante os seus pro

 jeto s pess oai s, ass im com o sen te des con for to  e m vivenciar e assumir

determ inadas emoções e desejos, como se estivesse desistindo de afir

ma r a existência e lhe   dar  valor, e sentido-se impotente  para mudar  o

curso  da s coisas.

Podem  surgir vários sintomas como insônia, ansiedade, fobias,depressão, embotamentos sexuais etc. Nesse momento, ele  pode pro

curar um profissionalpo r iniciativa própri a ou po r indicação de alguém

(amigos, filhos, pessoas de convívio próximo). Uma primeira impressão

que se pode formar acerca d o trabalho psicoterápico é a de que ele visa

promover o resgate da subjetividade: a autoestima, o autoconhecimen

to, a autoimagem. Sobretudo, tem-se  e m vista  q ue  a psicoterapia po

derá ajudar a desenvolver a  autonomia do sujeito,   segundo  u m prin

cípio   em  q ue   ele deverá ser, finalmente, o   condutor  d a  sua vida  e o

autor do seu comportamento. Essa autonomia norteará as suas escolhas,

libertando-o do s grilhões da  introjeção e acatamento de valores sociais,

familiares, dogmáticos, morais reinantes  que não respondem às   suas

verdadeiras necessidades interiores.

A autono mia do sujeito tomou tamanha magnitude que promoveu

a instituição de  u ma  moral qu e se impõe na  cultura  tecnocêntrica, nã o

raro, como valor maior de vida. A autonomia  do sujeito foi  u m   tema

po r excelência  d a  filosofia kantiana. Kant nos ajudou  a  entender que

nã o devemos permanecer o resto  d a vida sob a tutela de um autori

dade". Seu pensamento pode ser lido como um a mensagem de quenão

pria,  n ão  devemos  acatar passivamente o discurso de   alguém   ou as

normas   sociais instituídas, que são estimadas  o u  temidas como o su

posto lugar d o   saber, o modelo da ação. Pouco a pouco, foi se degra

dando o sentido filosófico de autonomia , descambando para um dese

 jo   cada vez mais   irrefletido   de   autossuficiência  qu e   incorre   no

esquecimento da relação com o outro como constituinte imprescindível

da  subjetividade. No  escala axiológica, passou-se a adotar um a ligadu

ra entre  autonomia e centramento  d o   sujeito, de tal forma a engastar

na  visão de   mundo uma   forma privilegiada: o  ponto de vista".  É  o

 ponto de vista"   tendo  como referência  para  as   múltiplas   linhas de

relação o próprio "eu", dele   partindo, a ele retornando:   "0  me u ponto

de vista", como   "e u   me sinto", "como aparece   para   mim",   "0   me u

desejo", "a  minha  consciência",  " a  minha  demanda", "as minhas  ne

cessidades". A alteridade se   transformou  em   um   mero apêndice   da

subjetividade de   cada um.

Devemos, agora, confessar:   nós   mesmos,  vez por   outra, ocupamo-nos com a autonomia do sujeito em  nossa abordagem psicoterápi

ca. E falamos sobre isso em sala de aula, debatemos com os alunos,

lemos sobre isso  em  muitos livros  d a  área Psi. Mas, parece que o  hu

mano  aponta u ma  condição  q ue  merece a no-ssaatenção, é o que  n os

ensina Buber. O  problema é  q ue  ele  n ão  se encerra  em  si mesmo,  n ão

faz sentido somente para si mesmo, nã o se desenvolve apenas a partir

de si mesmo. Já compreendemos  q ue  a  s ua  "interioridade"  n ão  pode

ser constituída se m o  mundo d a relação.

Isso  quer dizer qu e a autoimagem, a autoestima, a autonomia, as

escolhas, a liberdade nã o são categorias rigorosamente individuais. Se

alguém   se estima e se deseja de   um a  determinada   forma é  porque

atravessou uma série de encontros e desencontros, passou po r interações

tais que nelas se reconheceu e agiu.   Não  foram  apenas processos  nt -

riores reagentes, ne m os processosexteriores agenciadores, ou seja, não

foram prioritariamente as condições sociais e culturais, o histórico  d e

vida, ne m apenas as escolhas  individuais de  u ma   consciência solitária

que  originaram e processaram o  qu e agora se "é".

Sabemos,  pela filosofia e  pela psicologia existencial, q ue  a  enun-1 1_ _ _

o

  ....1_

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264VALDEMARAUGUSTOANGERAMI   PSICOTERAPIA EBRASILlDADE   265

o é, na verdade é um  sendo. Pois, a esse gerúndio, devemos acrescentar

outro: o se relacionando. O mundo da relação como constituinte do  se r

humano nem, ao menos, é um a exclusividade do  pensamento de Buber.

Para Heidegger   (1989), a essência do   ser-no-mundo  é se   apresentar

como u m ser-com: o  mundo do  dasein  é  u m mundo  compartilhado. O

ser-em  como ser  e m u m  mundo  é  u m   ser-com os outros.  Na medida

em  que  o  dasein é, ele  possui o modo de se r da  convivência. Impressio

na  n a   obra d e Merleau-Ponty  como o  mundo  e o   corpo importam de

maneira   decisiva  para   a constituição  d a   subjetividade. Em Sartre, ao

contrário   da s  críticas ao   seu pensamento como   de   teor   solipsista, a

subjetividade é entendida enfaticamente como  intersubjetividade, não

só na  famosa máxima escolhendo-se o homem escolhe todos os homens,

como nessa passagem da  conferência O existencialismo é um humanismo,

em  que  ele  procura discutir e  aprofundar publicamente a  su a filosofia:

Porém, a subjetividade que alcançamos a título de verdade não é uma

subjetividade rigorosamente individual, visto que, como já demonstramos, no cogito eu não descubro apenas a mim mesmo, mas também os

outros. (...) Desse modo, descobrimos imediatamente um mundo a que

chamaremos de intersubjetividade e é nesse mundo que o homem deci

de o que ele é e o que são os outros (Sartre,1987, p.  15-16).

O psicólogoencontra-sedentro de um a culturaque ressalta o modo

de ser egótico.  É  u ma  cultura  que   produziu   extremos. De   um   lado,

notamos o fermento de  u ma  subjetividade  individualista e isolacionis

ta, que toma cada vez mais inúmeros campos e práticas antes compar

tilhados coletivamente,  como  o espaço  e m  comum d a  casa (cada  u m

na  su a toca), o espaço do   trabalho (invade a  vida privada, pois, agora

se trabalha também em  casa), o espaço da  comunicação intersubjetiva,

ou  seja, d a conversa face a face,  constantemente interrompida por uma

mensagem de texto ouuma chamada de celular. De outro, identificamos

um a alteridade se m rosto, u ma  massa uniforme, impessoal e condicio

nada. E m ve z  d e pessoa, intersubjetividade, relação recíproca, fala-se

em  termos de   mercado e  su a  segmentação. Nesse quadro, como situar

eticamente a psicoterapia? N ão  é  u ma  pergunta  ociosa.   Numa  obser

vação de  inspiração buberiana, a exaltação do  polo d o eu  não deve ser

A psicoterapia,   sem   a   perspectiva   de uma   ética dialógica e   do

cuidado, pode enfatizar de  u ma  tal  maneira a "subjetivação" do clien

te   que não  v á   muito   além  de   um   exarcebado exercício constante   de

narcisismo. Assim, encontramos um  sujeito cada vez mais perdido em

seus afazeres, afagos, razões e carências. A psicoterapia vira, nesse caso,

um   instrumento e m  q ue  o sujeito e o   psicoterapeuta massageiam  os

seus  próprios  umbigos:   um,  através  d e  u m  falar   que  gravita quase  o

tempo todo  e m torno  de si; o outro,  pela  contemplação  (quando n ão

reforçamento) de   tal  atitude. Desse  modo,  o  outro não passa  de   um a

apólice de   identidade  para   o eu. O  outro  é   incorporado, n ão   ao  nós,

mas,  ao Isso, ele é objetivado. S ua  condição d e  pessoa é rarefeita  pela

condição  d e objeto. Então, nã o mais existe o desejo  p or  pessoas, dese

 jam -se   nas pessoas   os objetos   de   um   eu   centrado sobre   si   mesmo.

Hycner  (1995, p. 56) acentua qu e

Issopode parecer desconcertante para aqueles terapeutas que veem sua

tarefa primordialmente comouma ajuda para que o cliente se diferenciee se individualize. Predomina aqui a suposição de que a melhor forma

de ensinar-lhe é ter um terapeuta que modele essa "individualidade". A

partir de uma perspectiva dialógica, é insuficiente!Nessa perspectiva, a

verdadeira singularidade surge da relação genuína com os outros e com

o mundo.

Hycner nã o fica n a radiografia q ue  expõe u ma  problemática ética

lançada para os psicoterapeutas. Ele aponta um a perspectiva dialógica,

qu e d á sentido à própria psicoterapia.

Emnossa era moderna, a alienação dos outros, de nossopróprio self e da

natureza é endêmica. Muito do sofrimentohum ano poderia ser diminuí

do se houvesse uma maior preocupação em se estabelecer um diálogo

genuíno entre as pessoas. Se isso é verdadeiro, então compete aos tera

peutas criarem uma atmosfera na qual a atitude dialógica sejasemeada

e floresça. Issorequer que o terapeuta vá alémda cura técnica,em direção

à   cura do "entre" - aquela dimensão invisível e ainda assim muito

profunda da interconexão humana. Embora tal cura não seja sempre

possível,é essencial tentar se aproximar dela. Ironicamente, a psicologia

moderna tem feitomuito poucono sentido de voltar-se para essadimen-1 1 _ 

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266   VALDEMARAUGUSTOANGERAMI   PSICOTERAPIA EBRASILlDADE  267

o que Hycner chama d e  "cura", nós imaginamos  como a tecela

gem  da teia de relações. Se, a partir do  paradigma dialógico, chegamos

à conclusão de   qu e a psicoterapia faz  sentido  u ma  vez que  a  pessoa

se relaciona,   não vemos   como   a   psicoterapia   possa   ficar restrita à

pessoa trazer  para   o consultório   seus  conteúdos  e encerrá-los n um

cofre.  " Eu  e o  me u terapeuta", encerrados entre quatro paredes, ondese reproduz um a falação dantesca acerca de como o me u inferno foram

os outros. Essa é u m típica posição  que demarca o  qu e Buber chama

ria de "falar sobre".

No   falar sobre as pessoas utilizam o   pensamento para soterrar o

qu e sentem sob o peso de palavras qu e se esmeram em  racionalizar os

processos vivenciais. Essa  atitude pode revelar u ma  forma de esquiva

do outro, de evitar o face.a face, a confrontação  c om  o outro. Essa  p a-

liçada desfaz apossibilidade do colóquio para assentar-se no solilóquio.

No atendimento psicoterápico fica be m nítida a  atitude de falar sobre

por parte de a lguns clientes. Ocorre-nos o falar sobre si, e nã o a  partirde si. Esse falatório resulta  numa  entediante análise interminável de

razões e lucubrações na s quais o qu e se  passa com a totalidade da pes

soa acaba esvaecendo como fumaça. O falar sobre se  perde e m u m la

birinto de explicações e justificativas que  passam de sobrevoo sobre o

corpo e o desejo. As especulações sobre si mesmo não  expressam algum

conteúdo mais  significativo   Por   vezes, os raciocínios especulativos

tomam a palavra, "representam" os seus sentimentos, mas não conse

guem atingi-los,  da r vazão a eles. As falas e os p ensamen tos produzem

um   debate autorreferende interminável de fatos, memórias, detalhes,

argumentosdesarticulados da vivênciaautêntica que não têm mais fim.

Como ondas, alternam-se,  chamam  a consciência de volta   para   um

labirinto restrito ao virtual, e assim, ela se dispersa.

O falar sobre aparece também como um falar sobre o outro. Vamos

nos deter agora naquele típico modo  do falar sobre, o falar de alguém

sem se colocar na  presença dessa pessoa. O sujeito nesse modo procura

um  auditor. Fala  da s suas "coisas", de seus critérios judicativos,de  suas

expectativas,   da s   suas   frustrações, revela  algumas   fantasias e senti

mentos,  "denuncia"   o  q ue   fizeram  c om  ele, preocupa-se  c om  o   que

pensamentos e palavras. Co m frequência,  s ua  falação se dirige às pes

soas conhecidas  o u  de   alguma   forma autorizadas  em sua  confiança:

familiares, amigos, pesso as  e m qu e deposita alguma confiança, o psi

coterapeuta, o médico, o analista, o  padre, o astrólogo, a cartomante...

O sujeito no falar   sobre"divide"   um a  parte  de si com   um a  ou  mais

pessoas, menos  c om  aquela c om  quem  se sente envolvido  n a  cumplicidade da   su a vivência.  Quando perguntamos se ele se dirigiu ao su

 jeito a qu al a s ua  fala está diretamente remetida,  v em u m  silêncio, até

uma  sensação de surpresa, de   quem não  esperava  a  proposta  dessa

possibilidade. É um a intervenção que pode funcionar como uma rup-

tura na s representações usuais. Ela tenta chamar a consciência a ques

tionar certas as percepções e padrões familiares.

Quando alguém   consegue dirigir a   palavra,  "do fundo   de   se u

coração", como se diz,  partilhar   su a  intimidade   com alguém, nesse

momento começa a se  pronunciar  a  passagem d o  outro  d o  estado de

objeto à condição de pessoa.   Quando  conseguimos  dizer  e expressar

corporalmente algo  d o  que sentimos  para  o  outro,  em   vez  de  n os  re

metermos para "Deus  e  todo mundo",  estamos  abrindo   o caminho

para desenhar no  outro o rosto do Tu.Estamos passando do  falar sobre

para o falar com. Esta mos no s arriscando a tocar o outro e a sentir-nos

tocados.

Para alguns nã o é fácil, pois implica risco, risco de se deparar co m

a resposta do  outro, e a própria resposta que   poderá ficar fora do con

trole habitual. Lançar   um a   ponte   e ir ao   encontro   do   outro   é   um a

empreitada que requer   dialogação, expressão  de  si, disponibilidadepara escutar o outro. Se essa instância é desafiadora, a relação entre

Eu  e Tu pode  cair  nu m  solo  em que  n em  todos se  sentem firmes: ex

por-se   diante   do rosto do outro.   Carl  Rogers é   quem nos   chama   a

atenção sob re isso.

Rogersnão defende simplesmentecolocarpara fora os sentimentos. Ele

sugere que devemos nos comprometer tanto com os efeitos que nossos

sentimentoscausamem nossoparceiro quanto com a expressãooriginal

dossentimentosem simesmos.Isto é muito mais difícil do que simples-

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268 VALDEMAR AUGUSTOANGERAMI   PSICOTERAPIA EBRASILlDADE   269

os riscos reais envolvidos: rejeição, desentendi mento, senti mentos feridos

e [retaliação] (Fadim an e Frager, 1986,p.  233).2

Frente a essas dificuldades, o sujeito pode evitar a relação e passar

a sustentar   um  distanciamento crónico  em suas   relações. O   outro  se

torna temível. O sujeito perde a  espontaneidade pelo temor do outro,

da   perda  do  objeto-outro, da desaprovação  p or  parte do outro. Nessa

lógica,  perder  o outro é  perder  a si mesmo, perder-se,  o u  constatar o

que não se  quer constatar, o  quanto já se está perdido. Resta somente

o fantasma do  qu e o outro pode fazer, n um   relacionamento cujo proje

to de ser se liquefaz e se   reduz  ao de   desempenhar  b em  papéis  q ue

deem  a si mesmo segurança, estabilidade, previsibilidade, controle, o

sentido viscoso, a consistência de ser   alguma  coisa.

A elaboração psicoterápica pelo cliente, quando responde ao dia

lógico, envolve  u m   retorno a si e u m  sair de si concomitantes e siste

máticos, em que identificações com figuras e valores sociais, assim comoaquelas adquiridas desde tenra idade, originadas d a convivência co m

os adultos que cuidam (ou descuidam) d a criança, matéria-prima para

os papéis qu e os sujeitos  desempenham mutuamente, são convocadas

po r um a fissura na s representações usuais, pois de  alguma forma acei

ta m   a provocação  para   uma ruptura   com   modos   de ser arraigados,

mediante a abertura a si e ao outro. Assim, a formação da identidade,

processo  nunca esgotado, que toma toda  um a vida, pode ser  em parte

redimensionada,  s em o que estamos fadados exclusivamente à repeti

ção não criadora.

É possível descobrir possibilidades  para  s er  e m  conjunto  c om  a

abertura ao outro.  H á espaço no ser  humano para  a comunicação en

viada  ao falar com,   para o olho qu e encontra o olho, ao face a face, ao

toque, ao acolhimento   da   diferença. Todo esse conjunto configura a

constituição   da   intersubjetividade,   um   evento  cuja possibilidade e

amplitude  são definidas  pela abertura mútua, a  q ue  Buber chama po r

um a simples denominação, Eu e Tu.

  1 .. I

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r \ n r l O l ~ r n p ~

P  Novas formas de amor: n r s me ntne suas

O fazer-se presente e aceitar a presença de alguém, a abertur a para

descobrir as possibilidades próprias através dos veios relacionais q ue

se apresentam numa biografia, o olhar cuidadoso  para como a pessoa

costura sua rede de fios entrelaçados de afetos, histórias, desejos, sonhos,

fé, a compreensão empática acerca de como ela interage  com o mundo,

devem ser o espírito qu e anima um a psicoterapia na  perspectivabuberiana. Não se   buscam   fórmulas gastas, simples receitas de atuação,

através de técnicas rígidas que  deem a sensação de "competência", ou

que, no fundo, escondam a insegurança do psicoterapeuta quanto a si

e quanto a estar diante de  u ma  pessoa.  N a verdade, tais atitudes nada

mais fazem do que jogar um  monte de entulho - interpretações alheias

à vivência - entre o psicoterapeuta e o cliente. Frederick Perls, para a

surpresa de alguns de seus críticos, acredita que o terapeuta não deve

se respaldar principalmente nas   técnicas: ele usa a si mesmo na e para

a situação de atendimento com   toda   a   sua   habilidade profissional e

experiência de vida já acu mul ada . Na ver dad e, não  deveríamos admitirnem  que ele us a a si mesmo, mas, q ue  ele se apresenta em pessoa, dian

te de outra pessoa. Então, a relação pode se instituir e oferecer espaço

para  que a relação terapêutica seja inventada e reinventada a todo o

momento. Perls conclui que"existem tantos estilos quanto existem te

rapeutas e clientes  q ue   descobrem a si mesmos e aos outros e juntos

inventam  su a  relação" (citado po r Hycner, 1997, P: 24).A mudança te

rapêutica deslancha quando  o cliente inventa, junto às pessoas de  s ua

convivência, as suas relações, e pode,  assim, ter   um  condição mais fa

vorável para quebrar discursos e fantasias cheias  d e bolor.

No processo psicoterapêutico, o cliente e o psicólogo deparam-se

com  deter minadas questões cruciais. Corno o cliente consegue proces

sar  o peso dos fardos carregados de certos valores através do s quais ele

tem dado  sentido aos seus encontros, de   modo   a liberar a temporali

dade do retorno ao  q ue  tem sido repetitivo? Corno ele efetiva as  suas

vivências de tal forma a abrir possibilidades para se arriscar sem tantas

defesas no  mundo da relação, e poder, assim, atual izar a realização d a

pessoa?

A psicoterapia convida o sujeito a experimentar a condição   de

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l VALDEMARAUGUSTOANGERAMI  PSICOTERAPIA  EBRASILlDADE   271

A vida  é a   "vida   interior",  como  se   diz  n a  psicologia e,   também,  é a

vida qu e se faz  n a relação. A psicoterapia deve ser um a modalidade de

encontro que  vise aos encontros:   qu e   trabalhe   a  linguagem  (verbal,

corporal) e as  imagens psíquicas  d o sujeito a  partir da  abertura à   des

coberta   de   si e   do   outro,   procurando compreender   como   o cliente

processa o   entrelaçamento d o Tu  co m o Isso.A psicoterapia deve se r um  espaço de   contribuição para a expres

são da   subjetividade nã o só  em seu aspecto d e   afloramento d a  singu

laridade,  como, sobretudo,  d o   âmbito  relacional. Ela   trabalha  as difi

culdades  d e   estabelecer relações e se vincular, os laços afetivos,  u ma

história   de   vida,   a   imaginação,   o desejo, os projetos, as escolhas, a

mgústia,   a   trama   histórica   e  própria de   um a   existência.  Inúmeras

osicopatologias são desenvolvidas ao   longo  d e processos  relacionais.

  se   estamos   no   campo  dialógico,   também   entramos no âmbito   da

.nterlocução, da  atenção para como as  pessoas assimilam seus relacio

aamentos.   Importa-nos a consciência do  fundamento relacional do  se r

.urmano,  s em  a  qual  ele  pode  se  v er  vitimado  p or  u ma   antropologia

  ju o reconhece dentro de um  modelo tipo caixa fechada, em que suas

.elações são determinadas sobremaneira po r processos endopsíquicos

Boss,   1975).  Donde   se   passa   a   pensar   e a   trabalhar   o   se r  humano

:aplicação de   técnicas) a partir de  estratificações psíquicas sobrepostas

io existir   em   su a   concretude,  singularidade   e dialogicidade.   Buber

 977 p. 5-6)   considera  essa   concepção   um a   "experimentação"  q ue

nstitui  o  mundo do  Isso.

Eu experiencio alguma coisa.

Seacrescentarmos experiências internas às externas, nada será alterado,

de acordo com uma fugaz distinção que provém do anseio do gênero

humano em tornar menos agudo o mistério da morte. Coisas internas,

coisas externas, coisas entre coisas!

E, por outro lado, se acrescentarmos experiência "secretas" às experiên

cias "manifestas", nada será alterado de acordo com aquela sabedoria

autoconfiante que apreende nas coisas um compartimento fechado, re

servado aos iniciados cuja chave ela possui. Oh! Mistério sem segredo.

6.8 Ocaráter  imediato do encontro: breve estudo de

casos

Um a  consideração  q ue  n ão   queremos   deixar  d e  pontuar  d iz  res

peito  ao caráter  originariamente simples e   direto d o  encontro.  Eu e Tu

trata da   proposta de  u m encontro se m mediações. Essa concepção  te mcomo  u ma  de suas  inspirações a mística. A mística é  u m   encontro  di

reto   entre  o  s er  humano  e o  sagrado.  Ela   dispensa mediações   intelec

tuais, dogmáticas, sacerdotais, convenções morais e, sobretudo, hierár

quicas. N ão   queremos com isso  dizer  algo   parecido q ue  a mística  nã o

é ética,  o u  q ue  u m  sacerdote   está excluído  d a  mística.   Queremos res

saltar  é  que não há um  interlocutor privilegiado para experiência mís

tica fora  d a  relação   direta  entre  o  E u  e o "Tu   eterno".  P or   isso, a con

templamos como u ma  relação  direta e  imediata, acessível a   todos que

possam reconhecer a presença d o sagrado em  seus corações.

Da  mística saltamos para a  condição humana. A relação Eu  e Tu é

um a mística, seja  porque ela abraça o  mistério (aquele calar-se do  inte

lecto brincalhão que  n ão  entende  o   mistério  e,  em sua   ansiedade  p or

respostas,  quer  d ar  explicações a rodo), seja   pelo  q ue   se   forma  entre

duas pessoas no  encontro:  u m face a face direto e   imediato.

A relaçãocom o Tué imediata. Entre o Eu eo Tunão se interpõe nenhum

 jogo de conceitos, ne nhum esque ma e nenh uma fantasia; e a própria

memória se transforma no momento em que passa dos detalhes à tota

lidade. Entre o Eu e o Tunão há fim algum, nen huma avidez ou ante

cipação; e a própria aspiração se transforma no momento em que

passa do sonho à realidade. Todo meio é obstáculo. Somente na medi

da em que todos os meios são abolidos, acontece o encontro (Buber,

1977, p.  13).

Essa é um a da s proposições mais fortes de  Buber. Afinal, quantas

coisas e pessoas são  colocadas entre o  E u e Tu? São complexos psico

lógicos, expectativas, condicionamentos sociais, valores, moral, pessoa s

representadas o u concretas. Eles n ão  são meros entulhos descartáveis.__

  ~ : : _ ~

 

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273

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272   VALDEMARAUGUSTOANGERAMI   PSICOTERAPIA EBRASILlDADE  273

espécie de  "redução fenomenológica" existencial, ou  seja, nã o  teórica,

com   respeito ao conhecimento epistemológico, mas,  pela práxis  co m

relação ao   que interpomos  entre  nó s e o outro. Projetamos toda  sorte

de  representações sobre o outro.   Queremos antecipar como ele é, o qu e

vai  fazer, o  que vai comer, o  que vai sofrer, alguns querem até o mapa

astral do  parceiro. Controle. Controle sobre o  imponderável. Controleque  deixa  d e  lado  o mais importante: o   encantamento  misterioso  d o

encontro.

Ah, esquecemo-nos em nossa lista do  passado, sob várias formas.

A primeira qu e no s ocorre é a acusatória: "Você fez isso, você fez aqui

lo (comigo)!" Uma mágoa tem sua razão  de ser, nã o po r juí zos  morais

de  "certo"  e  "errado" e m primeiro lugar,  ma s porque a   pessoa sente.

A dor não  é algo  apenas  simbólico, como ela é concreta.  Como a  d or

psíquica n ão  sangra,  n ão   se   dá   muita   atenção a ela. Mas,  p or  vezes,

um a mágoa não  se justifica senão no modo de  ser cultivada para man

te r um  estado de  eterna vitimização e, assim, tentar agrilhoar do  outro

a atenção. O outro é  levado ao  umbral da  retaliação e do ressentimen

to. No  modo   de escolha pelo Isso, conhece-se o  outro pelo s eu  currí

culo. Aliás, pede-se u m antecipadamente, através  de  perguntas indi

retas que visam escaloná-lo numa régua de  aprovação ou  reprovação.

Ele já é   "conhecido"  antes  d a  efetividade  d a   relação.   Muitas  vezes é

rotulado  o u  desejado  p or   representações  q ue  distorcem a percepção

das próprias escolhas.  N a verdade,  oque se deseja é u m molde, onde

se encaixem as peças, desculpe, as pessoas. Tem-se o  outro lado  d a

moeda: "E u fiz isso no passado, então não me  sinto merecedor de você,

resta-me  gostar platonicamente". É um a forma  de  se  manter fiel a u m

fantasma  d a relação, através  d o cultivo de  uma  solidão, qu e se encas

tela   nu m  muro   contra o assalto  d a  angústia,   como b em  apontou An

gerami-Camon  (1997, p. 77), ao   trabalhar   um   estudo   de   caso sobre

suicídio, citando Buber: "(...)se a solidão é um a fortaleza da  separação,

onde o  homem mantém um diálogo consigo mesmo, não com o intui

to de  pôr-se à  prova e dominar-se e m vista d o q ue  o espera, ma s para

desfrutar-se a complexão d e  s ua  alma, tal é a decadência do espírito

tividade, a reação ao outro,  e m ve z  d a  ação direta:  e u  ajo a  partir  d o

qu e ele fizer  o u deixar de  fazer,  assim como ativa o ressentimento: " eu

me  culpo, e u te  culpo...".

O falar sobre,   comentado  p or  nós, abre  u ma  brecha  para  q ue  os

participantes da  relação permitam a interferência de  terceiros, ou mes

mo  a desejem,  numa  atitude  de  má-fé, como se precisassem desesperadamente de  juí zos extr ínse cos ao d esaf io de  estar frente a frente.  N ão

raro,   pa i   e   mãe   são   muito usados  para   isso.   Quando   deixam  de   ser

convenientes são depositários  d e   toda sorte de culpas, c om  alto   grau

de  severidade  p or  parte  dos filhos.   Nã o  é  para menos que  Frederick 

Perls (1977,p. 67) indica que, nesse sentido, deixar os pais, no sentido

de  assumir as  próprias responsabilidades, "e especialmente   desculpar

os pais, é a coisa  mais difícil  para a maioria da s pessoas".

A questão  d o   terceiro é u m  ponto  interessante  após  a leitura  d e

Buber. Uma pessoa pode ajudar a  alinhavar uma  relação ao   admoes

ta r  amorosamente,   ao se   preocupar   zelosamente.   Mas,   em algum

momento,  el a mesma sente que deve se retirar para abrir espaço para

que   os parceiros,  como  se  d iz   correntemente,  " se  resolvam". A pre

sença   de   um   terceiro  n ão   é  benévola  n em  perniciosa   a  priori.   Tudo

depende de   como  os parceiros   permitem  e  lidam  c om  a   entrada  d e

terceiros. Se eles os   usam  como uma  forma  d e  escape d e  si   mesmos,

estão evadindo-se da relação, como por  exemplo, numa  atitude cari

cata  d e   alguém que pensa  secretamente   quanto  ao relacionamento:

"hoje eu nã o vo u  discutir isso,  porque somente na  próxima quinta-fei

ra   eu   tenho terapia".   O  psicoterapeuta deve   estar  atento   para   nã oservir   de   instrumento   para   qu e   o cliente  procure escapar das   suas

relações, transformando  a   psicoterapia numa saída para  vivenciar a

relação   apenas   na   imaginação.   O   outro, nesse   caso,   nã o   participa

efetivamente   da s   decisões,   apenas   elas lhe  são,   em   geral,   quando

muito, comunicadas parcialmente.

Angerami   (2004) relata   um   caso   em   que   um   casal   de   formação

religiosa diferente se apaixona.  Maria é divorciada,  t em uma  filha,  d e

formação católica praticante,  d o   tipo q ue  v ai  à   Igreja   todo   domingo.  ___

_ _  _

275

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274   VALDEMARAUGUSTO ANGERAMI   PSICOTERAPIA EBRASILlDADE  275

confissão comunitária, e as pessoas  eram aconselhadas por um pastor.

O rapaz passou a frequentar a casa de Mariae logo seencantou também

com  a  s ua  filha. "E todos  viviam de uma  maneira muito  harmoniosa,

com momentos  d e  muita   alegria e  prazer"   (Angerami, 2004, p. 235).

Quando o  rapaz  expõe a  sua vida  pessoal, o pastor  se volta violenta

mente contra a relação, considerando-a impura pelo "pecado do divór

cio". De  nada  adiantou a  argumentação  d o  rapaz, que "ganhou"   um

prazo de  u ma  semana para terminar o relacionamento. Eis qu e o rapaz

entrou numa situaçãono  melhor estilo sartriano: escolherentre assumir

o relacionamento   com  s ua  parceira   ou   submeter-se aos   ditames   do

pastor para permanecer na  su a igreja. Ele acaba optando pelasegunda

opção. Aqui, parece-nos um  típico exemplo de  um a relação qu e é atro

pelada pela entrada de  u m terceiro.  N o entanto, não podemos admitir

que  o  demônio soprou no s ouvidos de Rogério para se  separar de  Ma

ria.  Entendemos que  Rogério   abriu   espaço   para   que   um   terceiro, o

pastor, decidisse os   rumos  d e  s eu  relacionamento, na   verdade, não  é

mais um a questão  entre ele e Maria. Ele o entregou a  Deus através  d o

pastor.  Nada  mais   típico  d a  má-fé.  Deus usado  como desculpa tanto

para o  pastor se sentir no direito  d e  interferir n a  vida  d o   casal, como

para  Rogério   tomar  a  s ua   opção,  porque   talvez  não suportasse viver

distante da sua comunidade. Sua relação com a comunidade é um modo

de  ser Eu-Isso, já qu e tal relacionamento exigia de  Roberto certas esco

lhas, s em  d ar   liberdade de consciência alguma: a "solução" já estava

designada po r alguém qu e se intitulava representante de  Deus na  ter

ra, acatado pela comunidade.  Trata-se d e mais  u ma  d as  mil maneirasde   se  transformar  até Deus  em um   Isso, objeto  d e  culto, objeto  para

definir destinos, o u seja, escolhas. Maria, por sua vez, tornou-se dian

te de Roberto   um   Isso,   um a   vez   qu e   su a  opinião,   seus   apelos,   sua

dignidade   e,  sobretudo,   se u   sofrimento,   pouco importavam  para   a

"decisão"  qu e  o  rapaz  tomou.

Não  estamos   aqui  fazendo   campanha   contra   a religião,   ou   insi

nuando que a religião A é melhor ou  pior qu e a religião B.A atitude do

pastor poderia  t er  sido  produzida  p or  outra pessoa  e m  outros cultos  _   L :_ :;::: :L ; _ ..   1 _ ~ r  _    _   t l :_L_ _

nesse  ponto  é a falência do caráter  imediato   e simples do encontro, a

quebra  d o  selo   que resguarda  u ma  relação dialógica: entre o Eu e Tu

não devem   se   interpor  conceitos, conselhos   sem ser  discutidos   po r

ambos, juízos de  valor extrínsecos e até ordens.

Vamos encontrar casos nos quais a intolerância religiosa determina a

separação de duas pessoas que se achavam envolvidas em uma relação

harmoniosa. Não deixa de ser significativatambém perceber-seo núme

ro de pessoas que simplesmente entregam os desígnios de suas vidas  à

orientação do pastor (Angerami,2004, P:241).

Roberto anunciou o   seu rompimento p or  e-mail.  É mais um a ma

neira d e evadir-se d a  relação, defend er-se d e estar frente a frente  c om

a pessoa de Maria. Ao enviar o e-mail, Roberto reduz Maria a um a tênue

imagem, talvez saudosa, talvez inconveniente. O rapaz, um a vez mais,

evita encarar o outro,  mantendo-a à distância, como u m objeto imagé

tico, assim ele nutre a ilusão de cont rolar as suaspróprias emoções. No

contato ao vivo, trata-se  de  u m encontro face a face,  carne a carne, em

qu e o contato co m o sofrer do  outro dificilmente é evitado, assim como

dificilmente se anula um a resposta do  corpo e da  consciência (dialogi

cidade) diante d o  fato concreto  de  se  p or  diante de  alguém.  N ão  estar

co m o  outro nada mais é  do  q ue  nã o estar consigo mesmo. A religião,

nesse caso, é  apropriada  como u m Isso,  u ma  rota de   fuga d a   angústia

existencial.

Um  atendimento  clínico   qu e  n os  suscita a lembrança  d e  Martin

Buber é relatado  p or  Tereza Erthal (1992), sob o tít ulo   "Conversandoco m a máquina". Trata-se de  u ma  mulher que procurou Tereza através

da  secretária eletrônica, deixando  u ma  série de recados. Ela  n ão  con

seguia se ve r frente a frente  co m a psicoterapeuta, somente se comuni

cava vi a recados eletrônicos. Percebendo o  lançamento de   um a  corda

visando  ao contato, Erthal  abriu  espaço para q ue  a  corda se transfor

masse numa ponte: deixou um espaço grande para qu e a cliente virtual

deixasse os seus recados. A cliente sentiu-se acolhida, e aceitou o con

vite  d e  Tereza Erthal,   da  mesma  forma  q ue  Tereza aceitou o convite,

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276   VALDEMARAUGUSTOANGERAMI   PSICOTERAPIA  EBRASILlDADE   277

Era tal a dificuldade   da  cliente  e m   enfrentar estar diante  de alguém, que ela só  conseguiu fazê-lo da  forma qu e descrevemos. No  se u

segundo contato ela afirma  s ua  autoimagem:  "Alô,  será a   máquina?

É, é você. Tudo bem, você pode me ouvir de qualquer forma!   Quero aajuda de  alguém, mas  de  alguém distante, qu e não me conheça ou que

não  se   envolva comigo. Quem sabe você nã o seja a solução?" (Erthal,1992, p. 15).

O  q ue  significava a secretária eletrônica? Apenas  u ma  máquina?

Uma  esperança?  U m desabafo? A secretária  era uma coisa. Mas,   sem

dúvida, não  mais apenas um  objeto. Ele estava  "humanizando-se" po r

ambas. A dialogicidade foi se estabelecendo. Primeiro,  na  abertura do

espaço  para a cliente virtual falar e se sentir escutada. Até   que  Erthaldeixa um  recado, mostra a su a voz:   "Algumas pessoas nã o compreen

de m o qu e se  passa conosco, ma s sempre há  alguém com quem a gente   possa   dividir..." A   resposta   imediata  foi   de   surpresa:  "Ué! Você

agora fala só para mim? E se   alguém resolve ligar de   madrugada? Vaiachar q ue  a louca é você!".  Após outras ligações, a cliente desaparecedurante   seis meses, e Tereza Erthal confessa   que sentiu   um   grande

vazio ao chegar ao consultório e não ouvir mais a vo z da Clientevirtual.Até  q ue  u m  dia,  u ma   ligação dessa cliente acena calorosamente  q ue

sentiu   saudades  e   que   quer   conhecê-la pessoalmente,   ou  seja,   quer

concretizar um a vivência do Tu que  a instigasse a encontrar a si mesma.E, nesse momento, a cliente começa a se  da r a conhecer, inicia o sair de

si, ela se apresenta. Essa atitude não nos passa despercebida: a entendemos como a afirmação de  que não deseja mais refugiar-se no anon imato. Ela  anuncia e m alto e bo m som:  "Sou Cristine".

O encontro nã o foi efetivado  apenas pontualmente, porque ele seconstruiu ao longo  d e   todo  u m processo,   mesmo no silêncio d os  seis

meses. Tereza E rthal  (1992, p.  19) ressalta a   importância  d a aceitaçãopara todos nós.

No dia seguinte, no primeiro horário, Cristine apareceu com um grandesorriso. Abraçamo-nos como velhas amigas e uma relação começou.Aprendemos muito, uma com a outra, mais eu do que ela. (...) Aprendi

que algum tipo de ajuda ocorra.A meu ver, a ajuda maior é a aceitação.Não importa se esta se origine de uma máquina, de um amigo, de umpai, de um terapeuta .... (...)É a luz no quarto escuro! Fico feliz que Cristinetenhaencontradoseu caminho.Ficofelizpor perceberque acendemos

 jutas esse interruptor!

6.9 Após  a sobremesa

Estamos  chegando  ao ocaso   do  nosso   pensar.   Gostaríamos  deconvidar  o leitor   para   um  cafezinho,   numa   conversação   que  tentou

 justi ficar a reci pro cidade relacional  nã o só como  um a psicologia: chegamos também ao  platô da  ética,  d e acordo co m a proposição  de  compreender a existência segundo uma ética da reciprocidade que descobre

no  s eu verso u ma psicologia da  pessoa.

Uma   última provocação. Buber  nos surpreende ao  anunciar que

não  faz sentido se   procurar pelo Tu. A relação Eu e Tu se   irradia comouma   "graça",   ou  seja, ela   não  pode   ser   forçada. Esforçamo-nos   por

zelar para sustentar um a ética promiss ora, mas, o encont ro acontece, éum evento:  nã o podemos forçar  ninguém a  vi r até nós. Ao revés,

A relaçãopode perdurar mesmo quando o homem a quem digo Tu nãoo percebeem sua experiência, pois o Tu é mais do que aquilo de que oIssopossaestar ciente.O Tué mais operante e acontece-lhemais do queaquilo que o Isso possa saber.Aí não há lugar para fraudes: aqui se encontra ao berçoda verdadeira vida  (Buber, 1977, p. 10).

Assim, o Tu é nã o é procurável  porque não pode ser encontradose nã o for atualizado co mo presença. Eu encontro o outro a  cada passodo caminho, não  poruma procura que tenta antecipar como espero que

ele seja.

Ao  estudar e  trabalhar com a psicologia  passamos a aceitar a importância do   movimento   socrático, que, como sabemos, prescreve oconheça a ti mesmo. Mas,   lendo Buber, demo-nos   conta  d e  q ue  essasentença  ainda nã o d iz  tudo. Até   porque Sócrates foi u m do s maiores

PSICOTERAPIA EBRASILlDADE  279

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sentido, q ue  o filósofo Olinto Pe goraro (ln  Hühne,  1997, p. 36) dá otoque final no nosso estudo de Martin Buber.

Não basta ser senhor de  si; ninguém é ético para si  mesmo. Ninguém é

virtuoso  diante  d o   espelho. Somos éticos e m  relação  aos outros, visto

que  o comportamento é sempre transitivo e recíproco. Esta reciprocida-

de   de   comportamento entre   os   seres  humanos  constitui  a família, ogrupo e a pólis.

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Carta  ao Amor Espontâneo

André Roberto Ribeiro Torres

Para  minha Bella AnnieZUBEN,  Newton Aquiles Von.   Martin  Buber.  Cumplicidade   e diálogo.  Bauru:Edusc, 2003.   No meio de tanto movimento,

 Derepente paro.Vejo o céulindoeazul

 Arvores crescem com as chuvas fortes   da primaveraPenso  em você...

Sorrio ...

Sorrio  com gosto Demostrar  os dentes  pra ninguém.

 Nunca poderia  sentirminhavida tão boaComo neste intervalo deum terrível  turbilhão.Queria você aqui comigoPara sermos como somos.

 Nos abraçamos, beijamos,Conversamos,  brincamosE amamos tão bem!

 Incrível... Não tenho medo!É incrível!

 Amo como nunca amei.Parece  mais fácil agora, não sei.

 Não   seisesoueuou vocêOu os dois  que facilitam Este processo que parece impossível

Para grande parte da humanidade

Sintoseu gosto,  seu rosto, sua presençaSinto também seu desejo De querer  estar comigoFator  quase inédito pra mim.

Será queéo nosso encontro quefaz isso1 ::: ,