Upload
others
View
3
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Valéria Rossi Rodrigues da Silva
A EVOLUÇÃO DO CONCEITO SUSTENTABILIDADE E A
REPERCUSSÃO NA MÍDIA IMPRESSA DO PAÍS
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
São Paulo
2012
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Valéria Rossi Rodrigues da Silva
A EVOLUÇÃO DO CONCEITO SUSTENTABILIDADE E A
REPERCUSSÃO NA MÍDIA IMPRESSA DO PAÍS
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
como exigência parcial para obtenção do título
de MESTRE em Comunicação e Semiótica na
área de concentração Cultura e Ambientes
Midiáticos pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo.
Orientador: Prof. Doutor José Amálio de
Branco Pinheiro.
São Paulo
2012
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
________________________________________
________________________________________
Para meus pais (Dirce e Antônio), que
sempre incentivaram a busca do
conhecimento.
Para João Luiz, Victoria e Matheus, meus
amores!
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Prof. Dr. Amálio Pinheiro, por acreditar e compartilhar comigo sua
experiência. Por conceder orientação e apoio necessário durante os últimos dois anos e meio.
À Prof. Dra. Clotilde Perez, fonte de inspiração, pelo incentivo desde o inicio da jornada e
pelas contribuições na qualificação.
Ao Prof. Dr. Rogério da Costa, sempre disposto a acrescentar e discutir diferentes pontos de
vista.
Aos professores: Norval Baitello, Lucia Santaella e Oscar Cesarotto.
À Cida Bueno, secretária do COS, pela ajuda durante todo o processo.
À minha família, pelo apoio recebido e paciência pelos momentos de ausência: meus filhos
(Victoria e Matheus); meu marido (João Luiz), meus pais (Dirce e Antônio), meu irmão e
cunhada (Evandro e Marta).
Às amigas: Claudia Esposito, Marcela Cintra, Maria Célia Luque, Maria Collier de
Mendonça, Maria Luiza Acedo, Silvia Vampré.
RESUMO
Esta pesquisa investiga o surgimento do conceito de sustentabilidade ambiental e como esse
tema vem sendo tratado pela mídia brasileira ao longo dos anos. A dissertação pretende
trabalhar com a análise do tema sob o ponto de vista de duas abordagens: jornalística e
publicitária. Este trabalho teve início através de um levantamento histórico do tema
sustentabilidade ambiental, desde sua origem até o estágio de discussão atual, estabelecendo
como marca limite o evento Rio +20, que ocorreu no Rio de Janeiro em junho de 2012. A
linha do tempo foi construída com base nos diversos eventos e fóruns que ocorrem
mundialmente desde o ano de 1987, a partir da elaboração do Relatório Brundtland, tido
como um importante documento na origem das discussões sobre meio ambiente. A
fundamentação teórica que acompanha nossa dissertação está baseada no conceito de Mass
Communication de Harold Lasswell, passando pelos estudos de psicologia das massas de Le
Bon e Sigmund Freud. As teorias da comunicação servem como suporte para o entendimento
das estratégias de propaganda utilizadas pelos meios jornalísticos e empresas públicas e
privadas ao longo dos anos na mídia de massa. A investigação da comunicação, seja
jornalística ou publicitária, foi feita a partir da compreensão dos discursos utilizados. Para esta
análise, nos apoiamos na visão crítica de Marilena Chaui quando aborda o Discurso
Competente e suas características. A perspectiva de Marshall McLuhan contribuiu para a
análise da disseminação do tema sustentabilidade ambiental na era da tecnologia da
informação. O corpus de pesquisa são as publicações da revista Veja e do jornal Folha de São
Paulo, através dos seus acervos disponíveis nos meios eletrônicos. A escolha desses veículos
foi feita com base na expressiva veiculação e alcance de tais publicações e a importância que
esses títulos têm para o mercado publicitário.
Palavras-chave: Mídia. Comunicação. Sustentabilidade ambiental.
ABSTRACT
This research investigates the rise of the concept environmental sustainability and how the
topic has been dealt with by the Brazilian media over the years. This dissertation aims at
working on the topic based on two approaches: journalistic and advertising-oriented. This
paper started through the historical collection of the environmental sustainability topic from
its origin all the way to the current stage of discussion having the event Rio+20 held in Rio de
Janeiro in June 2012 as the last milestone. The timeline will be construed over various events
and forums which took place all over the world since 1987 once the Brundtland Report was
drafted, as it is viewed as a major document in environment discussions. The theoretical
foundation which underlies this dissertation is based on the concepts of Mass Communication
by Harold Lasswell, encompassing the psychology of the masses studies by Le Bon and
Sigmund Freud. The theories of communication work as support to understand the marketing
strategies used by the journalism industry and by both state-owned and private companies
over the years in mass media. The investigation on communication - be it journalistic or
advertising - will be conducted through the understanding of the used discourses. For such
analysis, we have found support through the review of Marilena Chaui when the Competent
Discourse and its characteristics are addressed. Marshall McLuhan’s perspective will
contribute to the analyses of the spread of environmental sustainability in the information
technology age. The corpus of the research is comprised of articles from magazine Veja and
newspaper Folha de São Paulo through available collection in electronic format. The choice
of both periodicals was due to their expressive placement and reach as well as their
significance to the advertising market in Brazil.
Key Words: Media. Communication. Environmental Sustainability.
Tistu pôs chapéu de palha para ir à aula de jardim. Era a primeira
experiência do novo sistema. O Sr. Papai havia julgado melhor
começar por aí. Uma lição de jardim, afinal de contas, é uma lição de
terra, essa terra em que caminhamos, que produz os legumes que
comemos e o capim com que os animais se alimentam, até ficarem
bastante gordos para serem comidos...
A terra, tinha declarado o Sr. Papai, está na origem de tudo.
O jardineiro Bigode, prevenido pelo Sr. Papai, já esperava o
aluno na estufa.
– Ah! Você chegou...Vamos ver do que é capaz. Está vendo
este monte de terra e estes vasos? Você vai encher os vasos de terra e
enfiar o polegar bem no meio, para fazer um buraco. Depois ponha
tudo em fila, ao longo do muro. Então a gente coloca nos buracos as
sementes que quiser.
Tistu, ao realizar o trabalho que Bigode lhe confiara, teve uma
agradável surpresa: esse trabalho não lhe dava sono. Ao contrário,
dava-lhe um grande prazer. Ele achava que a terra tinha um cheiro
gostoso.
Apressou-se em terminar e foi ao encontro de Bigode, na outra
ponta do jardim.
Ao longo do muro, ali mesmo, a poucos passos, todos os vasos
que Tistu enchera haviam florescido em menos de cinco minutos!
– Meu filho - disse enfim o jardineiro, após madura reflexão –
ocorre com você uma coisa extraordinária, surpreendente! Você tem
polegar verde...
Tistu, o Menino do Dedo Verde
Autor: Maurice Druon (São Paulo: Livraria José Olympio Editora,
1957).
LISTA DE FIGURAS E GRÁFICOS
FIGURAS
Figura 1 – Curva de Keeling ................................................................................... 16
Figura 2 – Temperatura do planeta nos últimos mil anos. ....................................... 22
Figura 3 – Temperatura do Planeta nos últimos 120 anos ......................................... 23
Figura 4 – Temperatura do Planeta e Atividade Solar nos últimos 100 anos ............ 24
Figura 5 – Matéria Revista Veja “Inferno na fronteira verde” ................................. 25
Figura 6 – Símbolo Reduzir, Reutilizar, Reciclar ..................................................... 41
Figura 7 – Publicidade Unilever Revista Veja (edição 2272).................................... 43
Figura 8 – Exemplo de cálculo de emissão de CO2 ................................................. 44
Figura 9 – Capa da Revista Veja de 24 de outubro de 2007 ...................................... 52
Figura 10 – Publicidade do Banco Real na Revista Veja .......................................... 61
Figura 11 – Capa da Revista Veja (edição 1237 de 3 de Junho de 1992) ................. 63
Figura 12 – Capa da Revista Veja (edição 2274 de 20 de junho de 2012) ................ 65
Figura 13 – Publicidade da Nestlé na Revista Veja (edição 1237) ........................... 67
Figura 14 – Publicidade de O Boticário na Revista Veja (edição 2274) ................... 68
Figura 15 – Publicidade do Banco Real na Revista Veja (edição 720) ..................... 70
Figura 16 – Publicidade do Banco Real na Revista Veja (edição 1913) ................... 71
Figura 17 – Publicidade do Banco Santander na Revista Veja (edição 2274) .......... 72
Figura 18 – Publicidade do Banco Bradesco na Revista Veja (edição 2274) . ........... 74
GRÁFICOS
Gráfico 1 – Número de Menções de Sustentabilidade e Ecologia.......................... 60
Gráfico 2 – Número de páginas dedicadas ao tema sustentabilidade ambiental ..... 62
Gráfico 3 – Número de Menções para Sustentabilidade e Ecologia na Folha de São
Paulo.................................................................................................................... 75
Gráfico 4 – Número de Páginas dedicadas aos eventos Eco 92 e Rio +20 no jornal Folha
de São Paulo ....................................................................................................... 75
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................. 12
2. RETROSPECTIVA HISTÓRICA DAS DISCUSSÕES SOBRE O MEIO
AMBIENTE .......................................................................................................... 15
2.1As discussões sobre o meio ambiente do ponto de vista ecológico e econômico . 15
2.2 O ambientalismo cético ..................................................................................... 19
2.3 Os principais encontros mundiais sobre o Meio Ambiente ................................. 26
3. A CONSTRUÇÃO DE UM VALOR ................................................................... 30
3.1O surgimento do termo Desenvolvimento Sustentável ....................................... 30
3.2O Relatório Brundtland ...................................................................................... 32
3.3A Agenda 21 ...................................................................................................... 38
4. SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL NA MÍDIA: JORNALISMO E
PUBLICIDADE ...................................................................................................... 54
4.1A cobertura da mídia impressa nacional.............................................................. 58
4.2 A presença do tema na Revista Veja ................................................................... 59
4.3A presença do tema na Folha de São Paulo ......................................................... 74
5.CONCLUSÃO .................................................................................................... 81
6.BIBLIOGRAFIA ................................................................................................ 83
12
1. INTRODUÇÃO
Em 1957, quando Maurice Druon1 escreveu a obra Tistu, o Menino do Dedo Verde, a
sociedade vivia o auge da era da produção e consumo e os impactos da industrialização no
meio ambiente ainda não eram motivo de preocupação.
O autor do prefácio da versão de Tistu em português, Nogueira Moutinho, destaca a
comparação entre a obra O Pequeno Príncipe, clássico de Saint-Exupéry, e a obra de Druon:
[...] De fato, o Pequeno Príncipe pertence a uma mitologia; Tistu, o menino do dedo
verde, está, ao contrário, preso às contingências sociológicas do mundo em que
existimos. O primeiro é intemporal, o segundo é filho da era da poluição, da
agressividade e do desentendimento. Sua missão é justamente despoluir, humanizar,
reintroduzir a poesia num universo do qual ela se encontra exilada. Sobre um mundo
cinza e enlutado, Tistu deixa impressões digitais misteriosas que suscitam o reverdecimento e alegria. Tão original quanto o Pequeno Príncipe, sua tarefa é mais
urgente e original (Prefácio do livro Tistu o Menino de Dedo Verde escrito por
Moutinho Nogueira).
Distante da consciência dos impactos da industrialização que enfrentamos atualmente,
em 1973, Moutinho se antecipa e vislumbra a realidade de hoje: “somos todos filhos da era da
poluição, da agressividade e do desentendimento”. Como filhos da era da poluição – preço
que pagamos pelo desenvolvimento econômico – nos vemos diante da necessidade de corrigir
a rota que escolhemos até o momento como sociedade.
As discussões sobre o meio ambiente não são recentes. Em 1896, a comunidade
científica já mostrava preocupações com os efeitos da industrialização e da poluição sobre a
natureza. No entanto, o primeiro fórum de discussões formal ocorreu em 1972, idealizado
pela Organização das Nações Unidas. A partir desse momento, grandes encontros mundiais
ocorreram, abrindo espaço para os Governos e a Sociedade discutirem o tema. Esses eventos,
de repercussão global, reúnem lideres políticos de vários países, representantes de
Organizações Não Governamentais, representantes da sociedade civil e das indústrias com o
objetivo de encontrar soluções e estabelecer metas de preservação do meio ambiente e
desenvolvimento sustentável.
Desde as primeiras discussões formais, já ficou estabelecida a responsabilidade
compartilhada em relação à preservação do meio ambiente. Governos, instituições privadas e
1 Maurice Druon: Escritor francês, decano da Academia Francesa de Letras. Paris, 23 de abril de 1918 – Paris, 14 de abril de 2009.
13
sociedade civil são tratados como corresponsáveis pelos efeitos nocivos do desenvolvimento
industrial. Uma vez responsável, cada agente tem papel fundamental no cumprimento das
regras e metas estabelecidas a cada encontro.
Como veremos a seguir, os países divergem de opinião de acordo com seu poderio
econômico, formando grupos de interesse distintos. As indústrias são pressionadas a investir
em soluções para os seus processos de produção, de forma a preservar o meio ambiente. Além
disso, aprenderam, ao longo dos anos, que ser “ecologicamente correto” proporciona ganhos
positivos para sua imagem junto aos consumidores.
Um dos caminhos escolhidos por esses agentes é o da conscientização dos cidadãos,
para que os nossos atos no presente reflitam um “planeta mais saudável” no futuro. Nesse
cenário, grande parte das ações de conscientização passa por questões relacionadas ao que os
especialistas chamam de consumo consciente. No Brasil, temos uma importante Organização
Não Governamental sem fins lucrativos chamada Instituto Akatu. O Akatu, de acordo com
informações disponíveis em seu site, foi criado com a missão de “mobilizar as pessoas para o
uso do poder transformador dos seus atos de consumo consciente como instrumento de
construção da sustentabilidade da vida no planeta” (AKATU, 2012, informação eletrônica).
Além desse movimento, é evidente o esforço da mídia no sentido de divulgar efeitos
da poluição, sua relação com eventos da natureza e a responsabilidade das ações dos seres
humanos. Seja através do noticiário ou pelas ações de empresas públicas e privadas, o tema
está sempre presente nos meios de comunicação. A cada ocorrência de um evento climático –
chuvas, secas, terremotos, furacões etc – intensifica-se a discussão acerca dos efeitos das
ações do homem sobre a natureza.
A presente dissertação tem como propósito identificar a linha evolutiva do discurso
ecológico, baseado atualmente no tema sustentabilidade, e identificar quais as características
da comunicação jornalística e empresarial mais presentes. O levantamento de informações é
baseado na presença do tema nas mídias de massa, mais especificamente na mídia impressa.
Seguiremos o percurso aqui descrito:
No capítulo seguinte, investigaremos as discussões sobre o meio ambiente do ponto de
vista ecológico e econômico. Através da construção da linha do tempo, será possível
compreender o lugar e relevância das pesquisas dos ambientalistas e fóruns globais para
discussão do tema. Nesse capítulo, temos o compromisso de estabelecer a relação entre os
eventos científicos e a evolução das discussões, demonstrando o posicionamento dos
diferentes grupos de pesquisadores.
14
O desenvolvimento do terceiro capítulo, no qual abordaremos o surgimento do termo
desenvolvimento sustentável, será apoiado nas teorias de comportamento das massas de
Gustave Le Bon, Sigmund Freud e na teoria da comunicação de Harold Laswell. Esse capítulo
também busca inserir o tema no contexto do Discurso Competente de Marilena Chaui.
Investigaremos quais as bases para a questão da sustentabilidade ser tratada como valor para a
sociedade. Como referência para a análise sociopolítica e econômica, seguiremos apoiados
nos pensamentos de Boaventura Souza Santos e Viveiros de Castro.
No quarto capítulo, o foco será a mídia impressa brasileira – mais especificamente a
Revista Veja2 e o Jornal Folha de São Paulo
3. A partir da análise dessas mídias, iremos
construir, com base no número de menções, a intensidade da abordagem do tema nesses
meios, além de investigar e analisar o crescimento do uso do tema na publicidade e
linguagens mais presentes.
2 Revista Veja: criada em 1968 e publicada pela Editora Abril. Atualmente é a revista semanal de maior
circulação no Brasil. Tiragem: 1.221.168 exemplares. (Tabela de circulação geral Editora Abril 11.03.2012) 3 Jornal Folha de São Paulo: jornal editado no Estado de São Paulo com circulação nacional.
15
2. RETROSPECTIVA HISTÓRICA DAS DISCUSSÕES SOBRE O MEIO AMBIENTE
2.1 As discussões sobre o meio ambiente do ponto de vista ecológico e econômico
Não há civilização humana sem energia, e num século em que a população humana
saltou de 1 bilhão para 6 bilhões – o século 20 – o uso de energia cresceu
exponencialmente. Em apenas duas décadas, as de 1980 e 1990, a humanidade usou
o equivalente à metade de toda a energia consumida nos 180 anos anteriores, de
1800 a 1980 (ANGELO, 2007, p. 33).
Claudio Angelo, editor de Ciência da Folha de São Paulo em 2007, reuniu seus artigos
em um livro chamado O Aquecimento Global. Nessa obra, Angelo faz uma relação clara entre
o crescimento populacional, o aumento do consumo de energia e seus efeitos sobre o meio
ambiente. De acordo com Angelo, o PIB mundial subiu 900% desde o pós-guerra e triplicou
dos anos 70 até os dias de hoje (ANGELO, 2007, p. 34). Na leitura da sua obra, podemos
vislumbrar a seguinte linha do tempo:
1896 – O físico sueco Svante Arrhenius inicia uma investigação sobre a origem da era
do gelo e o papel do efeito estufa e do gás carbônico. Pela primeira vez, faz-se a
relação entre o aumento da liberação de gás carbônico e o aquecimento global.
1957 – O oceanógrafo Roger Revelle, em parceria com Hans Suess, publica um artigo
científico comprovando que, diferentemente do que era suposto, os mares só
absorviam 10% do gás carbônico produzido pelas atividades humanas, levando-os a
concluir que a maior parte de CO2 permanecia na atmosfera após ser produzida.
1958 – O geoquímico Charles Keeling inicia um projeto para medições de CO2 na
atmosfera no topo do Vulcão Mauna Loa no Havaí. Já nos dois primeiros anos de
medição, Keeling identificou aumento nos níveis de CO2. As medições ocorreram até
sua morte em 2005 e geraram o gráfico da chamada Curva de Keeling, que mostra o
aumento da concentração de gás carbônico na atmosfera, de 315 partes por milhão, em
1958, a 379 partes por milhão nos tempos atuais (Figura 1).
16
Figura 1 – Curva de Keeling
1962 – A bióloga Rachel Carson publica o livro Silent Spring (Primavera Silenciosa),
no qual faz um alerta contra a poluição química. Em sua obra, Carson demonstra os
efeitos do uso do DDT nas lavouras. A agressividade do produto químico causou
impactos sobre a saúde dos seres humanos, exterminou pragas importantes para o
ecossistema e, como consequência, fortaleceu outras e dizimou animais nas regiões em
que foi aplicado.
1971 – Surgimento de grupos ambientalistas como o Greenpeace, que iniciaram uma
série de protestos contra usinas nucleares. Atualmente, o grupo atua em diversas
questões ambientais pelo mundo.
1975 – Sykuro Manabe e Richard Wetherland publicam um estudo onde comprovam
que, caso dobrasse o nível de CO2 na atmosfera, a temperatura global aumentaria 2°C.
1985 – Descoberta do buraco na camada de ozônio, causado principalmente pela
emissão do gás CFC – clorofluorcarbono –, presente nos aerossóis. Em 1987, ocorre a
assinatura do Protocolo de Montreal, que elimina o CFC da cadeia produtiva.
1988 – O New York Times4 publica uma matéria de teor alarmista, na qual revela que o
mundo iria se aquecer de forma catastrófica até o final do século XXI. Nesse mesmo
ano foi formado o IPCC - Intergovernmental Panel on Climate Change – Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Esse órgão foi criado pela
Organização Meteorológica Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA), para fornecer informações científicas, técnicas e
socioeconômicas relevantes para o entendimento das mudanças climáticas.
4New York Times: Jornal de circulação diária fundado em 1851 e publicado na cidade de Nova Iorque (EUA).
17
Na contramão desse movimento de divulgação de catástrofes ambientais, encontramos
algumas vozes menos alarmistas. Intitulados “ambientalistas céticos”, esse grupo de
profissionais busca comprovar, através de evidências, dois pontos de vista centrais:
Os ambientalistas radicais e a mídia trabalham a informação criando mitos
exagerados e
O desenvolvimento não é tão ruim como parece: alguns indicadores de bem-estar
da população apresentam evolução positiva.
Trataremos de detalhar essa questão mais adiante.
Um dos órgãos mais ativos na divulgação dos efeitos do CO2 é o IPCC (Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), cujo trabalho está baseado em reunir e
divulgar informações que comprovem que o aquecimento global está diretamente ligado ao
desenvolvimento industrial. Seus relatórios trabalham com a certeza de que as mudanças
climáticas tem origem antropogênica.
O ambientalista mexicano Enrique Leff (2010), pesquisador do Instituto de
Investigaciones Sociales do Mexico, pode ser tomado como exemplo desse pensamento. Seu
livro Discursos Sustentáveis traz, de forma bastante dramática, sua posição em relação aos
efeitos do desenvolvimento econômico:
Além de rejeitar a mercantilização da natureza, é preciso descontruir a economia. As
excrecências do crescimento – o pus que brota da pele gangrenada da Terra, quando
a seiva da vida é drenada pela esclerose do conhecimento e pela reclusão do
pensamento – não se retroalimentam do corpo enfermo da economia. Não se trata de
reabsorver seus dejetos, mas de extirpar o tumor maligno. A cirrose que corrói a economia não será curada com a injeção de doses maiores de álcool no motor de
combustão que alimenta as indústrias, os carros e os lares (LEFF, 2010, p. 60).
Esse é o tom que Leff imprime durante toda a sua obra. Com essa dramaticidade, o
ambientalista discorre sobre os efeitos do desenvolvimento industrial ao usar a natureza como
recurso. O autor avança sua análise ao elaborar seu ponto de vista sobre a responsabilidade da
América Latina em criar um pensamento próprio sobre a crise ambiental. Leff defende a
importância da independência no pensamento, na produção de conhecimento científico e
tecnológico. Entendemos que o discurso de Leff é legítimo e concordamos com a demanda
por pensamentos regionais que preservem a especificidade dos povos. No entanto, é
importante considerar a possibilidade de adaptar e incorporar os conhecimentos já adquiridos
pelos países do hemisfério norte, desde que façam sentido para a nossa realidade.
18
Despido das tintas de dramaticidade de Leff, o especialista Lester Brown (2009)
divulga, através de sua obra, seu ponto de vista sobre o desenvolvimento sustentável com
enfoque na economia. Brown defende que só atingiremos o desenvolvimento sustentável a
partir da erradicação da fome e da diminuição da falência dos Estados. Para atingir esse
objetivo, o autor propaga o que chama de Plano B. Em seu livro Plan B 4.0 – mobilizing to
save population (2009) o especialista coloca quatro áreas que devem fazer parte de um plano
de salvação da humanidade: estabilizar o clima, estabilizar o crescimento populacional,
erradicar a fome e restabelecer a economia global.
Em sua obra, Brown determina uma série de recomendações de ordem econômica para
garantir o desenvolvimento das nações de forma sustentável. É defensor da criação de um
sistema de taxação baseado no controle de emissão de carbono, sem que isso afete a oferta no
mercado com aumentos de preços. Não é uma equação simples, uma vez que os mecanismos
econômicos são interligados e o jogo de poder e interesses são barreiras para os acordos. Em
seu livro, Plan B, Brown cita o ex-presidente da Exxon, indústria petroquímica de origem
americana, sobre o risco do capitalismo frente ao desenvolvimento sem controle. O ex-
executivo prevê o fim do capitalismo fazendo a seguinte analogia:
[...] o Socialismo entrou em colapso porque não soube ouvir do mercado as verdades da economia. O Capitalismo pode entrar em colapso se não souber ouvir do mercado
as verdades da ecologia (BROWN, 2009, p.243)
Brown (2009) coloca a necessidade de mobilização global e define três possibilidades
de mudança social. A primeira é o que ele chama de modelo Pearl Harbor – quando a
mudança se dá através de um acontecimento dramático que muda a forma como as pessoas
pensam e agem. O segundo modelo é chamado pelo autor de Muro de Berlin. Nesse modelo, a
sociedade atinge um ponto decisivo após um longo e gradual período de mudança de
pensamento e atitude. O terceiro modelo ocorre quando há um forte movimento de base,
empurrando para uma mudança cujo tema tem forte apoio de uma liderança política.
Nesse caso, estando a questão ambiental fortemente associada ao desenvolvimento
econômico, não há como ocorrer a mudança social sem o apoio dos países de economia forte.
Por mais que os cidadãos estejam engajados, é fundamental que os países estabeleçam os
acordos em prol do desenvolvimento sustentável.
19
Na opinião de Viveiros de Castro, em entrevista para o site Outras Palavras5 (2012), a
mobilização da opinião pública com a questão ambiental está aquém da necessidade de
urgência do tema. Para ele, o empenho dos Governos e empresas é muito tímido e superficial.
O olhar do antropólogo para os problemas ambientais é muito mais amplo e não se restringe
aos temas mais presentes no discurso da mídia, das empresas e dos governos. Para ele, falta a
consciência de que, por exemplo, saneamento básico, dengue e lixo são problemas
ambientais.
A lucidez desse pensamento nos faz acreditar que a mobilização pelas causas
ambientais ainda não atingiu a abrangência desejada, por estar apoiada na divulgação de
consequências catastróficas, muitas vezes distantes da realidade da sociedade. Falar e tratar de
problemas ambientais mais concretos, associados ao dia a dia da população, traria maior
relevância ao tema e consequentemente maior engajamento, através do sentimento de
urgência.
Nesse sentido, são abundantes os fatos dignos de preocupação. Estudos recentes
mostram o crescimento de vários tipos de alergias em todo o mundo. Um levantamento feito
pela Universidade Columbia, em Nova York, mostra que em 1980 somente 10% da população
ocidental tinham algum tipo de alergia. Atualmente, o número de alérgicos representa 30% da
população do Ocidente. Especialistas têm como principal hipótese o aumento da poluição
como causador desses males.
Esse é um problema concreto, que afeta diretamente a saúde e qualidade de vida das
pessoas. É sobre questões como essa que os Governos, empresas e sociedade deveriam
concentrar suas atividades.
No entanto, o que vemos frequentemente é a criação e incentivo de uma atmosfera de
“fim de mundo”, na qual muitos ambientalistas se apoiam. Esse cenário, conforme veremos a
seguir, é rebatido pelos ambientalistas céticos.
2.2 O ambientalismo cético
Em 2007, um grupo dissidente do IPCC, formado por respeitados cientistas e
pesquisadores, decide divulgar, através de um vídeo produzido pelo canal de televisão
britânico Channel 4, o seu ponto de vista sobre o aquecimento global. O documentário,
5 Outras Palavras: site que se propõe a informar e debater sobre a globalização e suas alternativas. Estimula a Comunicação Compartilhada.
Disponível em: <www.outraspalavras.net>. Acesso em: 10 jan. 2012.
20
intitulado The Great Global Warming Swindle (A Grande Farsa do Aquecimento Global),
busca, através de comprovações científicas, contrariar os argumentos dos ambientalistas
defensores da teoria do aquecimento global provocado pela ação dos homens e da
industrialização.
A primeira dúvida lançada sobre o IPCC é em relação ao seu quadro de pesquisadores.
O órgão divulga em seu site que sua estrutura é formada por “milhares de cientistas ao redor
do mundo”. O grupo de dissidentes revela que, mesmo tendo se desligado formalmente da
organização e atuando no sentido contrário dos estudos divulgados pelo IPCC, seus nomes
ainda constam da lista de colaboradores. Para eles, o número de cerca de 2.500 cientistas
divulgado pelo IPCC é falso.
O documentário da Grande Farsa do Aquecimento Global é um material didático que,
fundamentado em dados científicos, busca comprovar que a discussão em torno das mudanças
climáticas é direcionada de forma equivocada pelas seguintes razões:
O IPCC é um órgão politico, portanto trata os dados científicos através de um
viés politico ativista;
Falar sobre aquecimento global e defender medidas de controle da
industrialização tornou-se plataforma de governo e garantia de votos;
O tema tornou-se um grande negócio: a partir da década de 90, altos
investimentos foram direcionados para a pesquisa sobre aquecimento global.
Só os Estados Unidos do Governo Bush aumentou a verba de 170 milhões de
dólares/ano para 2 bilhões de dólares/ano;
Não há interesse dos países do hemisfério norte em investir no
desenvolvimento dos países tidos como de “terceiro mundo”. Ao atribuir o
aquecimento global ao desenvolvimento econômico provocado pela
industrialização, cria-se uma barreira para o desenvolvimento dos países mais
pobres.
Para dar suporte ao seu discurso, esse grupo de cientistas demonstra sua tese baseada
em argumentos históricos, sociais e científicos.
Sob o olhar histórico e político, os pesquisadores destacam as décadas de 70 e 80.
Diante de um importante período de recessão, as discussões sobre questões energéticas
tomaram vulto e, na opinião destes pesquisadores, um dos gatilhos para o movimento
ambientalista contra a produção do CO2 foi a posição de incentivo à energia nuclear do
governo britânico. Através da Primeira Ministra Margaret Thatcher, a Inglaterra iniciou
21
naquele momento um movimento para desenvolver a energia nuclear, considerada energia
limpa, em detrimento do uso do carvão e petróleo. Essa decisão tinha claramente objetivos de
sobrevivência política e econômica, uma vez que a Inglaterra passava por situações de greve
dos mineradores de carvão e a crise no Oriente Médio ameaçava o fornecimento de petróleo.
No Brasil, a mídia noticiava a crise e a preocupação com fornecimento de petróleo. A capa da
revista Veja Edição 548 de 7 de Março de 1979 trazia em tom alarmista a seguinte manchete:
“Vamos ficar sem petróleo?”. A matéria de capa mostrava os conflitos no Oriente Médio e os
impactos no fornecimento de combustível em nível mundial, além da constatação de que o
Brasil não tinha um plano emergencial para sua matriz energética. É nesse período que o
Brasil também inicia seus investimentos em usinas nucleares.
Do ponto de vista social, o documentário traz um interessante depoimento de Patrick
Moore, um dos fundadores do Greenpeace6. A Organização Não Governamental, fundada em
1971, sempre foi reconhecida por suas posições radicais em relação à proteção do meio
ambiente. Moore defende que o sucesso de organizações como o Greenpeace está baseado em
manter a ordem e ganhar seguidores fieis, através de ações cada vez mais extremas. Dessa
forma, os líderes do movimento garantem o interesse e engajamento de seus voluntários em
novas causas. Segundo Moore, a estratégia do Greenpeace é dirigida para criar novas
discussões sempre que algum tema se torna discurso comum. Reconhecemos nessa estratégia
um dos princípios do marketing empresarial, que busca garantir, através da inovação e
diferenciação, o engajamento de seu público alvo.
O documentário, além de criar este cenário histórico, demonstra através de estudos
científicos o grande equívoco em torno da acusação de que o CO2 é o grande responsável pelo
aquecimento global. Os cientistas desse movimento não negam a existência do aquecimento
global ou a ocorrência das mudanças climáticas. No entanto, procuram trazer um ponto de
vista diferente para a discussão, sempre apoiados na constatação de que os ambientalistas que
se baseiam na antropogenia para as suas análises escolheram o vilão errado.
Para esses cientistas contrários ao grupo do IPCC, o clima sempre mudou e vai
continuar mudando independente das ações humanas. O CO2 é um gás natural produzido por
todos os seres humanos, animais, bactérias etc. A maior fonte de CO2 são os oceanos e, além
6 Greenpeace: Organização Não Governamental fundada em 1971 no Canadá por imigrantes americanos. Tem atualmente cerca de três milhões de colaboradores em todo o mundo - quarenta mil no Brasil. Atua internacionalmente em questões relacionadas à preservação do meio ambiente e
desenvolvimento sustentável.. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Greenpeace >. Acesso: 15 dez. 2011.
22
disso, os vulcões em atividade produzem mais CO2 do que todos os carros e aviões produzem
em um ano.
A linha de defesa dos pesquisadores é trabalhada em dois momentos. No primeiro, eles
mostram que os dados históricos da temperatura do planeta não têm relação direta com a
produção de CO2 originada pelo desenvolvimento industrial. Utilizando informações do
próprio IPCC, o grupo demonstra o histórico de temperatura do planeta nos últimos mil anos
(Figura 2). O gráfico abaixo mostra que, no período medieval, as temperaturas eram mais
elevadas que nos tempos atuais. Portanto, além de a elevação da temperatura não estar
associada diretamente ao desenvolvimento industrial, registros históricos demonstram que o
período medieval foi um momento importante de prosperidade agrícola, o que nos faz
concluir que o aumento da temperatura do planeta não teve os temidos efeitos devastadores
sobre a natureza naquela ocasião.
Figura 2 – Temperatura do planeta nos últimos mil anos
Fonte: IPCC (extraído do documentário "A grande farsa do aquecimento global").
Outra informação relevante para acompanhar a teoria do grupo é a analise do histórico
da temperatura global nos últimos 120 anos. De acordo com a teoria dos ambientalistas, o
desenvolvimento econômico iniciado no pós guerra (1940) seria o grande responsável pelo
aquecimento global. No entanto, o que vemos é que, durante o período entre os anos 40 e 70,
momento do boom industrial, as temperaturas médias da Terra assumiram uma curva
23
descendente. Somente a partir de 1975 as temperaturas assumem a trajetória ascendente
(Figura 3). Para os especialistas, a hipótese do CO2 ser responsável pelo aquecimento global
só faria sentido se as temperaturas médias tivessem apresentado curva crescente a partir de
1940.
Figura 3 – Temperatura do Planeta nos últimos 120 anos
Fonte: NASA (extraído do documentário "A grande farsa do aquecimento global").
Em um segundo momento, os pesquisadores mostram, através dos resultados de um
estudo do físico dinamarquês Henrik Svensmark, pesquisador e professor especialista em
sistema solar do DTU Space (Instituto Espacial da Dinamarca), a relação entre a atividade
solar e o aumento da temperatura global (Figura 4). É através desse indicador que os
pesquisadores caminham para a conclusão de que o Sol é o grande responsável pelo
aquecimento global e não a produção de CO2 resultante das atividades industriais.
24
Figura 4 – Temperatura do Planeta e Atividade Solar nos últimos 100 anos
Fonte: DTU (Instituto Espacial da Dinamarca) (extraído do documentário "A grande farsa do aquecimento
global").
Outro representante desse movimento dos ambientalistas céticos é Bjorn Lomborg,
mestre em estatística dinamarquês, que escreveu o livro O Ambientalista Cético – medindo a
real situação do mundo (1998). Lomborg busca mostrar como a mídia, em geral através de
organizações como o Greenpeace, é capaz de criar mitos sobre a questão ambiental. Sua obra
se mostra densa ao trazer exemplos que comprovam, através do confronto de informações, o
exagero da mídia ao noticiar os fatos.
Ao analisar os exemplos trazidos por Lomborg, percebemos os seguintes traços na
atuação da mídia, seja internacional ou local:
Superficialidade ao abordar o tema – em geral, a mídia aproveita uma ocorrência
recente e explora o tema de forma superficial e pontual;
Uso de fontes sem legitimação – na busca por aprofundar o tema, o jornalista faz
uso de variadas fontes, correndo o risco de usar informações de origem frágil, sem
comprovação;
Tom alarmista – abuso das imagens e títulos que destacam as situações de
catástrofes.
25
Ao analisar essas características presentes na forma como as questões ambientais são
apresentadas pela mídia, podemos inferir que, em grande parte das notícias veiculadas, a
comunicação sobre o tema não traz muitas contribuições no sentido de apresentar a real
situação e imprimir concretude para as possíveis ações de responsabilidade das sociedades.
Abaixo, selecionamos uma matéria da revista Veja para ilustrar a conclusão acima. Na
edição 1417 de 1995, a revista aborda o avanço das queimadas na Amazônia em um especial
de oito páginas (Figura 5). A partir do título e do uso de imagens de impacto, o jornalista
responsável pela matéria apresenta uma série de estatísticas que reforçam a ideia da
catástrofe. Ao longo da matéria, revelam-se as falhas na legislação de proteção ambiental e o
desinteresse dos políticos. Apenas no último parágrafo, o jornalista menciona, sem explicitá-
las, as intenções positivas do Governo Fernando Henrique Cardoso em prol da
regulamentação do uso das terras na região.
Figura 5 – Matéria Revista Veja “Inferno na fronteira verde”
Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 1417 de 8 de novembro de 1995). Disponível em: <
http://veja.abril.com.br/acervodigital/>. Acesso em 14 jan. 2012.
26
Em Psicologia das Massas e Análise do Eu, Freud (1941) discorre, apoiado no
conceito de alma coletiva, segundo o psicólogo Gustave Le Bon, sobre o comportamento das
massas frente a um discurso:
A massa é extraordinariamente influenciável e crédula, é acrítica, o improvável não
existe para ela. Pensa em imagens que evocam umas às outras associativamente,
como no indivíduo em estado de livre devaneio, e que não têm sua coincidência com
a realidade medida por uma instância razoável. Os sentimentos das massas são
sempre muito simples e muito exaltados. Ela não conhece dúvida nem incerteza. Ela
vai prontamente a extremos; a suspeita exteriorizada se transforma de imediato em
certeza indiscutível, um germe de antipatia se torna um ódio selvagem (p. 26).
Não aprofundaremos nesta dissertação o conteúdo das notícias e da publicidade na
mídia, mas podemos, através de um panorama geral, discorrer sobre o tom das mensagens
relacionadas ao tema e identificar a proximidade com a afirmação acima feita por Freud. Em
nossa visão, as notícias veiculadas na mídia se aproveitam de imagens de destruição e
catástrofe para influenciar as massas.
2.3 Os principais encontros mundiais sobre o Meio Ambiente
Neste período de grandes avanços em pesquisas científicas sobre o tema ambiental,
três grandes encontros promoveram a discussão sobre os impactos da humanidade no meio
ambiente:
1972 – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (United
Nations Conference on the Human Environment) em Estocolmo: este foi o primeiro
encontro promovido pela ONU para a discussão dos impactos do desenvolvimento no
meio ambiente. Naquele momento, as evidências trazidas pelos cientistas mostravam
que a natureza dava sinais de desgaste. Essa discussão marca o início do discurso em
que era obrigatório se tomar consciência de que as fontes da natureza não eram
inesgotáveis.
1992 – Rio 92 (Earth Summit), no Rio de Janeiro: somente 20 anos depois do encontro
de Estocolmo, que podemos chamar de “momento da constatação”, realiza-se o
encontro no Rio de Janeiro, no qual os países membros da ONU reconhecem a
urgência em tratar os efeitos do desenvolvimento no meio ambiente e geram dois
documentos importantes: a Convenção da Biodiversidade, acordo assinado por 156
27
países para a conservação da biodiversidade7 através do uso sustentável de seus
elementos, e a Agenda 21, sobre a qual vamos discutir mais adiante.
De acordo com as informações do Ministério do Meio Ambiente, a Convenção da
Biodiversidade (CDB) é um dos mais importantes instrumentos internacionais relacionados ao
meio-ambiente. A CDB orienta, através de meios legais e políticos, a gestão da biodiversidade
em todo o mundo. O site oficial do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério do
Meio Ambiente mostra o engajamento do Brasil nesse tema:
O Brasil foi o primeiro país a assinar a Convenção sobre Diversidade Biológica e, para cumprir com os compromissos resultantes, vem criando instrumentos, tais
como o Projeto Estratégia Nacional da Diversidade Biológica, cujo principal
objetivo é a formalização da Política Nacional da Biodiversidade; a elaboração do
Programa Nacional da Diversidade Biológica - PRONABIO, que viabiliza as ações
propostas pela Política Nacional; e o Projeto de Conservação e Utilização
Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira - PROBIO, o componente executivo
do PRONABIO, que tem como objetivo principal apoiar iniciativas que ofereçam
informações e subsídios básicos sobre a biodiversidade brasileira (MINISTÉRIO das
Relações Exteriores e Ministério do Meio Ambiente, 2012, informação eletrônica).
2012 – Rio+208 (Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento
Sustentável) – Rio de Janeiro – Junho de 2012 – Encontro de líderes mundiais e
Organizações Não Governamentais, com o objetivo de discutir e firmar um acordo que
seja capaz de conciliar desenvolvimento econômico, bem-estar social e preservação do
meio ambiente. O encontro foi caracterizado pelas diferentes posições dos governantes
divididos principalmente em 2 blocos: “países ricos” e “países pobres e emergentes”.
Baseados em questões econômicas, os países ricos defenderam uma transição lenta
para a chamada economia verde, enquanto os países emergentes reforçaram que a
7 Biodiversidade: é a variedade de vida na Terra. Constituída pelas variedades interespécies, entre espécies e de
ecossistemas. Também se refere às relações entre os seres vivos e o seu meio ambiente. Conjunto de plantas,
animais, microrganismos e ecossistemas que sobrevivem na natureza – estimado em mais de 10 milhões de
espécies. A biodiversidade inclui serviços ambientais responsáveis pela manutenção da vida na Terra, pela
interação entre os seres vivos e pela oferta dos bens e serviços que sustentam as sociedades humanas e suas
economias. Esses bens e serviços incluem alimentos, medicamentos, água e ar limpos, e outros recursos naturais
que suportam a variedade de atividades humanas e indústrias. (c. f. Glossário de termos do Portal do Ministério
das Relações Exteriores e Ministério do Meio Ambiente). 8 Conferência Rio +20: A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, foi
realizada de 13 a 22 de junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro. A Rio +20 é assim conhecida porque marca os vinte anos de realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-
92) e deverá contribuir para definir a agenda do desenvolvimento sustentável para as próximas décadas. (Fonte:
site Oficial Rio +20).
28
migração para uma economia sustentável só acontecerá com a ajuda econômica dos
países ricos.
De forma geral, o documento oficial da Rio +20 foi avaliado como tímido pelos
especialistas da área. O grande entrave é o fato de que cada um dos países participantes tem
uma agenda particular com diferentes interesses baseados em sua situação econômica e
política. De qualquer forma, o documento pode ser considerado mais um passo no sentido de
estabelecer melhores práticas em sustentabilidade. O principal avanço apontado pelos
estudiosos do tema foi a maior presença do setor privado nas discussões e na proposição de
soluções. De acordo com Marina Grossi, presidente-executiva do Centro Empresarial
Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) o saldo da Rio +20 foi positivo. Em
entrevista à Revista Veja, publicada no site da revista em 23 de junho de 2012, a executiva
reforça a importância do setor privado e das cidades como provedores de soluções concretas
em sustentabilidade.
A leitura das 53 páginas do relatório final da Rio +20, intitulado “O Futuro que
queremos”, mostra que o documento não vai além da constatação dos problemas econômicos,
sociais e ambientais, mostrando-se ainda fraco em propostas concretas e no estabelecimento
das metas a serem alcançadas. O documento estabelece como marco o ano de 2015 para que
entrem em vigor os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). O cenário atual de
crise mundial – que afeta em particular os Estados Unidos e a Europa –, economia em fase de
crescimento irregular nos países em desenvolvimento e conflitos no Oriente Médio foram os
grandes responsáveis pelo alargamento dos prazos para as definições de prioridades em
investimentos.
Além da Conferência propriamente dita, o evento contou com outros espaços para
discussão. Os principais foram a “Cúpula dos Povos por Justiça Social e Ambiental”, que
permitiu a participação popular, e o “Fórum de Empreendedorismo Social na Nova
Economia”, no qual foram feitos os debates voltados para o desenvolvimento de negócios
livres de impactos ambientais.
Um dos pontos positivos que percebemos é que a cada evento um número maior de
agentes se envolve nas discussões dos fóruns mundiais. Seja através das discussões
estabelecidas formalmente ou por meio de protestos organizados às margens dos eventos, a
mobilização para o tema ganha mais adeptos a cada ano. Sabemos que os avanços nas
soluções ainda são insatisfatórios, uma vez que interesses diversos norteiam as discussões,
29
mas não podemos deixar de reconhecer que a ampliação de temas em pauta e de públicos
engajados é extremamente benéfica ao desenvolvimento das sociedades.
30
3. A CONSTRUÇÃO DE UM VALOR
3.1 O surgimento do termo Desenvolvimento Sustentável
A palavra “sustentável” tem sua origem do latim sustinere, que significa aguentar,
apoiar, suportar. Sustinere é derivação da palavra citare, que significa encorajar, promover.
Citare, por sua vez, tem sua origem na palavra citus (rapidez, movimento rápido).
Sustentabilidade, portanto, carrega em seu significado dois comandos bastante explorados
pelo movimento ecológico: apoiar e promover, com o senso de urgência muitas vezes
estabelecido pelos diferentes agentes do movimento – empresas públicas e privadas,
Governos, Organizações Não Governamentais, instituições educacionais, entre outros.
O termo “desenvolvimento sustentável” começou a ser utilizado em 1987, quando a
Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento, formada pela Organização das
Nações Unidas (ONU), lançou o documento Nosso Futuro Comum, conhecido também como
Relatório Brundtland9. Esse documento estabeleceu um marco quando definiu
desenvolvimento como “um processo que satisfaz as necessidades presentes, sem
comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”
(RELATÓRIO Brundtland, 1987, p. 9).
A abrangência do termo desenvolvimento sustentável, quando tratado pelo Relatório
Brundtland, é enorme e não se restringe às questões ambientais que são habitualmente
exploradas na mídia. Na primeira parte do relatório, denominada “Preocupações Comuns”, o
texto mostra o cenário de ameaça ao futuro e introduz a expressão. A definição do termo está
baseada na constatação de que o desenvolvimento tem relação direta com satisfazer as
necessidades básicas das populações e esse processo só é sustentável quando garante que as
aspirações humanas serão atendidas sem prejuízo para as gerações futuras:
9 O Relatório Brundtland é o documento intitulado Nosso Futuro Comum (Our Common Future), publicado em
1987. O Relatório, elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, faz parte de
uma série de iniciativas que assumem uma visão crítica do modelo de desenvolvimento adotado pelos países
industrializados e reproduzido pelas nações em desenvolvimento, e que ressalta os riscos do uso excessivo dos recursos naturais sem considerar a capacidade de suporte dos ecossistemas. O nome do relatório tem origem no
nome da primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, chefe da Comissão Mundial sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Relat%C3%B3rio_Brundtland >.
Acesso em 20 dez. 2011).
31
Em essência o desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no qual
a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do
desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o
potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações humanas
(RELATÓRIO Brundtland, 1987, p. 49).
Nesse contexto, as preocupações arroladas no Relatório da ONU abordam as
condições sociais e econômicas da sociedade, erradicação da fome e da pobreza, preservação
dos direitos humanos, planejamento urbano, entre outras questões. Vale situar a condição
internacional em que o Relatório foi elaborado. Nos anos 80, o mundo passou por crises
econômicas, principalmente nos países da África e América Latina. O alto crescimento
populacional com baixo crescimento econômico abaixo da linha do Equador fez com que os
países do “Primeiro Mundo” olhassem para o hemisfério sul com os olhos de quem precisa
garantir seu próprio futuro. O texto do relatório se esforça para colocar suas constatações de
forma abrangente, ressaltando a preocupação com os países do chamado “Terceiro Mundo”.
No entanto, as entrelinhas demonstram que, se necessário, os países desenvolvidos estão
dispostos a garantir seu futuro por meio de intervenções nos países menos desenvolvidos.
O levantamento da ONU feito em 2010 mostra que em 1980 a população dos países
tidos como desenvolvidos representava 24,3 % da população mundial. As projeções mais
recentes para os anos de 2050 e 2100 mostram queda nesse percentual e o grande aumento
que ocorre na população dos países pobres. Nas previsões mais conservadoras, com baixa taxa
de natalidade, a África passa a representar 23,8% da população mundial em 2050 e 38,5% no
ano de 2100. Cada vez mais, os países desenvolvidos encontram-se frente à situação de
estabelecer políticas internacionais que garantam o desenvolvimento dos países pobres. No
entanto, o que encontramos no cenário mundial são ações guiadas por interesses econômicos
ou pontuais, no sentido de minimizar situações emergenciais.
Anterior ao surgimento da definição para o desenvolvimento sustentável proposta pelo
Relatório Brundtland, é preciso registrar a realização da Conferência das Nações Unidas sobre
o Homem e o Meio Ambiente em 1972, na cidade de Estocolmo, Suécia. O objetivo do
encontro era reunir os lideres das nações para a discussão de um caminho de preservação do
meio ambiente. Na base da discussão, estava o estudo realizado pelo Instituto de Tecnologia
de Massachusetts (MIT)10
, sob encomenda de um grupo de empresários americanos, com
10 O Instituto de Tecnologia de Massachusetts (em inglês, Massachusetts Institute of Technology, MIT) é um
centro universitário de educação e pesquisa privado localizado em Cambridge, Massachusetts, nos Estados Unidos. O MIT é um dos líderes mundiais em ciência e tecnologia. O MIT já produziu mais de 70 Prêmios
Nobel, oito dos quais são membros do seu corpo docente atual. Disponível em: <
http://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_de_Tecnologia_de_Massachusetts> . Acesso em 13 ago. 2012.
32
objetivo de definir os impactos ambientais causados pela industrialização. Ficou estabelecido
que o grande vilão, responsável pelas mazelas da humanidade, era o desenvolvimento
econômico perseguido pelo capitalismo. Conclusão inequívoca, até o desdobramento das
discussões em que os países do primeiro mundo afirmaram que seria necessário adotar o rumo
do 'desenvolvimento zero', principalmente nos países em desenvolvimento ou de terceiro
mundo. Esse discurso imperialista fez com que os países mais pobres, incluindo o Brasil, se
posicionassem contrários a essa recomendação. O impasse ficou conhecido como
'desenvolvimento zero' versus 'desenvolvimento a qualquer custo'.
O conceito 'desenvolvimento zero', que surgiu durante o encontro de Estocolmo, era
baseado na paralisação dos investimentos em industrialização principalmente para os países
que se encontravam em estágio inicial de desenvolvimento de seu parque industrial. Nesse
grupo estavam o Brasil, China e Índia, que, comparados aos Estados Unidos e Europa,
estavam em processo de industrialização menos avançado. A ideia de desenvolvimento zero,
caso tivesse sido levada adiante, seria responsável por maximizar as desigualdades sociais e
econômicas no contexto mundial.
A matéria da edição 197 da Revista Veja (junho de 1972), sob o título “A Poluição da
Pobreza”, mostra a posição defendida pelos países chamados de desenvolvidos e questionada
pelos demais. A participação de José Costa Cavalcanti, Ministro do Interior e chefe da
delegação brasileira, colocou a posição do Brasil em destaque através de seu discurso no qual
defendia que “a proteção do ambiente humano não se pode fazer a expensas dos países em
desenvolvimento, aos quais não cabe a responsabilidade pela atual poluição sofrida pelo
mundo” (A POLUIÇÃO DA POBREZA, 1972, informação eletrônica).
Diferente da tônica do Encontro de Estocolmo, que foi marcado pelas posições
radicais dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, o Relatório Brundtland surgiu com
um discurso conciliador.
3.2. O Relatório Brundtland
O Relatório Brundtland está dividido em três capítulos, que mostram, desde o título
até o conteúdo, a intenção de apresentar um pensamento de comunhão de objetivos e
33
solidariedade. Não é por acaso que os títulos de todos os capítulos fazem referência à palavra
“comum”:
Preocupações Comuns
Desafios Comuns
Esforços Comuns
Tratar as preocupações, desafios e esforços como comuns significa tratar essas
questões como pertencentes a todos ou a muitos, reforçando o sentido de comunidade e
sociedade.
A leitura do Relatório Brundtland deixa evidente o uso do discurso competente,
principalmente quando abre um capítulo sobre desenvolvimento sustentável com a questão:
“Como persuadir as pessoas ou fazê-las agir no interesse comum?” (RELATÓRIO
Brundtland, 1987, p.49). A resposta do relatório a essa questão está baseada em educação,
desenvolvimento das instituições e fortalecimento legal.
Ao mencionar a educação como uma das formas de persuadir as pessoas a agirem pelo
bem comum, o documento dedica algumas páginas sob o subtítulo “Ampliando a Educação”
(RELATÓRIO Brundtland, 1987, p. 122), onde podemos identificar a falta de uma estratégia
clara em relação à formação de cidadãos conscientes. O Comitê coloca nas mãos das religiões
a transformação do desenvolvimento sustentável em um valor da sociedade. Sem considerar
que as religiões ao redor do mundo têm diferentes princípios e crenças, generaliza o cenário
quando sugere que as religiões são responsáveis por formar valores de responsabilidade
individual e coletiva. Entendemos que a religião têm um importante papel de formação e
transformação nas esferas sociais, econômicas e políticas. Por reconhecer essa importância,
podemos considerar que o documento menciona esse aspecto de forma superficial, sem
considerar a complexidade do papel das religiões na sociedade.
Ainda sobre o papel da educação, o documento menciona a importância de garantir
altos índices de alfabetização em todos os países, fator diretamente relacionado com o
desenvolvimento econômico de uma nação. O documento também sugere que a educação
ambiental deve integrar o currículo escolar como uma disciplina e também como tema
transversal nas demais disciplinas. Para garantir que o aprendizado não fique restrito às salas
de aula, o Comitê sugere que a introdução da educação ambiental na grade de ensino formal
seja acompanhada de ações de engajamento dos cidadãos.
Ao expor a importância do desenvolvimento das instituições e do fortalecimento legal,
o documento discorre apoiado na ideia de que, por existir a interdependência dos sistemas,
34
existe a necessidade de controles efetivos por agentes externos. O que o Comitê ressalta é que
os efeitos das ações prejudiciais ao meio ambiente não ficam restritos ao agente responsável
pelo ato, impactando outros indivíduos, comunidades e até nações. Coloca ainda que a
percepção da interdependência é pouco presente nos países em desenvolvimento. Embora
tente minimizar o texto afirmando que não há vilões e vitimas, podemos considerar a postura
colonialista nas afirmações.
Nesse momento, encontramos terreno fértil para que os países tidos como
desenvolvidos sejam encorajados a adotar medidas intervencionistas nas atividades
econômicas dos países menos desenvolvidos.
Alguns anos mais tarde, em 1991, Gro Harlem Brundtland, responsável pelo relatório
e enquanto primeira ministra norueguesa, trabalhou a favor da criação de uma agência
ecológica supranacional que teria poderes de fiscalização sobre a Amazônia. Tal agência
nunca foi criada, mas a intenção de se colocar em prática o discurso do poder estava nas
entrelinhas.
Podemos assumir que esse discurso seria baseado no poder do imperialismo cultural,
conforme definido por Herbert Schiller11
, citado por Mattelard:
[...] o conjunto dos processos pelos quais uma sociedade é introduzida no sistema moderno mundial, e a maneira pela qual sua camada dirigente é levada, por fascínio,
pressão, força ou corrupção, a moldar as instituições sociais para que correspondam
aos valores e estruturas do centro dominante do sistema, ou ainda para lhes servir de
promotor dos mesmos (SCHILLER apud MATTELARD, 1999, P. 117).
A partir dessa definição, podemos inferir que, no momento em que se estabelece a
discussão da questão ambiental organizada pelos órgãos mundiais, coloca-se em prática o
poder imperialista cultural no sentido de estabelecer novas crenças e formas de atuação da
sociedade.
O Relatório Brundtland é finalizado com a “Súmula dos Princípios Legais propostos
para a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável”. A súmula deixa evidentes as
responsabilidades do Estado como principal agente na conservação, monitoramento, avaliação
de impactos, análises preventivas e cooperação entre Estados, sempre com o objetivo de ser o
provedor do direito do ser humano a um meio ambiente adequado à sua saúde e bem-estar.
11 Herbert Irving Schiller (1919-2000): sociólogo americano, autor de teorias sobre o capitalismo e imperialismo
americano. Crítico dos meios de comunicação.
35
Boaventura de Souza Santos estudou, por meio de seu projeto A Reinvenção da
Emancipação Social (2006), as alternativas à globalização neoliberal e ao capitalismo global
produzidas pelos movimentos sociais e pelas organizações não governamentais, nas questões
relacionadas ao combate à exclusão e à discriminação em diferentes estratos sociais e países.
Boaventura escolheu seis países, em diferentes continentes, baseado na sua percepção de que
naqueles locais os conflitos entre a globalização neoliberal hegemônica e a globalização
contra-hegemônica seriam mais intensos.
Boaventura apoia sua hipótese na ideia de que esses países, que incluem o Brasil,
existe um terreno propício para movimentos relacionados aos temas que permeiam os
conflitos entre os hemisférios. Entre as cinco temáticas apontadas pelo sociólogo estão:
Sistemas de produção alternativos e economia solidária;
Direitos coletivos;
Alternativas aos direitos de propriedade intelectual capitalistas e proteção da
biodiversidade e diversidade epistêmica do mundo.
Podemos considerar que esses três pontos têm relação com o tema desenvolvimento
sustentável e são os fundamentos para o sucesso ou fracasso de uma ação em busca da
sustentabilidade. Não há como obter êxito sem que todos os aspectos desse tripé sejam
respeitados: solidariedade, coletividade e proteção. Sem a combinação desses princípios, não
há como implementar uma ação de sustentabilidade ambiental perene e eficaz.
Retomando o pensamento de Boaventura de Souza Santos; compreendemos a
dinâmica dos movimentos da sociedade quando o autor discorre sobre as ecologias dos
saberes, mais especificamente sobre a ecologia das produtividades (SANTOS, 2006). O
sociólogo afirma que, para a lógica produtivista, o crescimento econômico é um objetivo
racional e inquestionável. Na sequência, Santos apresenta o que ele chama de “sociologia das
ausências” para nos mostrar como e por que ocorrem os movimentos sociais. Aplicada ao
tema produtividade, a sociologia das ausências analisa os critérios em relação aos quais o
tema foi consolidado para então propor meios alternativos.
Especificamente sobre o tema produtividade, Santos ressalta que a evolução se dá a
partir da
[...] recuperação e valorização dos sistemas alternativos de produção, das
organizações econômicas populares, das cooperativas operárias, das empresas
autogeridas, da economia solidária etc., que a ortodoxia produtivista capitalista
ocultou ou descredibilizou (SANTOS, 2006, p. 113).
36
Em entrevista recente, Viveiros de Castro imagina para o Brasil um novo modelo
político e econômico, que seja baseado nas soluções socioculturais que os povos brasileiros
carregam através de sua história. Castro defende que o Brasil tem em seu legado “condições
ecológicas, geográficas, culturais de desenvolver um novo estilo de civilização, que não seja
uma cópia empobrecida do modelo americano e norte-europeu” (CASTRO, 2012).
Inúmeras ações da iniciativa privada associadas às organizações não governamentais
atuam no Brasil no sentido de implementar ações de sustentabilidade ambiental. Como
exemplo, podemos trazer a experiência da empresa de produtos de higiene e beleza Natura. A
Natura é uma indústria de origem nacional criada em 1969. Ao longo dos anos, a empresa se
apropriou de um discurso altamente focado em meios de produção alternativos com grande
preocupação em minimizar os impactos de sua atividade fabril na sociedade:
Nossos produtos são a maior expressão de nossa essência. Para desenvolvê-los,
mobilizamos redes sociais capazes de integrar conhecimento científico e sabedoria
das comunidades tradicionais, promovendo, ao mesmo tempo, o uso sustentável da
rica biodiversidade botânica brasileira. Na sua produção, não utilizamos testes em
animais e fazemos observância estrita das mais rigorosas normas de segurança internacionais. O resultado são criações cosméticas de alta qualidade, que
proporcionam prazer e bem-estar, com design inspirado nas formas da natureza
(NATURA, 2012, informação eletrônica).
A comunicação da Natura está repleta de menções à sua preocupação com a integração
do conhecimento científico e o conhecimento oriundo das comunidades; o investimento em
processos de produção sustentáveis e a preocupação com a biodiversidade brasileira, grande
fonte de matéria-prima de seus produtos.
A empresa vem descentralizando parte de sua linha de produção desde 2009. Essa
estratégia está baseada na necessidade de maior proximidade com os fornecedores
responsáveis pela extração de sua matéria-prima (óleos e manteigas de frutos e sementes). A
política de relacionamento com fornecedores prevê o desenvolvimento de fornecedores locais
a partir das comunidades existentes. A empresa, a fim de garantir o padrão de qualidade,
oferece apoio para a organização desses fornecedores em associações e cooperativas. Em
2009, a empresa fechou o ano com crescimento de 18,6% e investiu recursos em 1.714
famílias agroextrativistas na Amazônia. Em Jacarequara (PA), a empresa mantém como
fornecedora uma comunidade formada por cerca de 50 famílias de quilombolas (GLOBO
RURAL, 2010, informação eletrônica).
37
Com essa estratégia de investimento em um sistema de produção alternativo e fomento
da economia local, a empresa se defende de possíveis críticas em relação à ocupação e
exploração da biodiversidade nacional.
A Natura divulga ainda em sua comunicação as seguintes diretrizes de sua Política de
Meio Ambiente: responsabilidade com as gerações futuras, educação ambiental e
gerenciamento do impacto de suas ações no meio ambiente. Sem abrir mão de seus interesses
financeiros, a empresa sinaliza que investe em ações que refletem seu posicionamento como
instituição e marca:
A Natura assume que uma empresa ambientalmente responsável deve gerenciar suas
atividades de maneira a identificar os impactos sobre o meio ambiente, buscando
minimizar aqueles que são negativos e amplificar os positivos. Deve, portanto, agir
para a manutenção e melhoria das condições ambientais, minimizando ações
próprias potencialmente agressivas ao meio ambiente e disseminando para outras
empresas as práticas e conhecimentos adquiridos na experiência da gestão
ambiental. Visa também à ecoeficiência ao longo de sua cadeia de geração de valor;
e, ao buscar a ecoeficiência, favorece a valorização da biodiversidade e de sua responsabilidade social (NATURA, 2012, informação eletrônica).
Entendemos que a Natura se apresenta como uma empresa responsável e atuante,
muitas vezes utilizando um discurso edulcorado do ponto de vista ambiental. Sua linha de
produtos cosméticos Natura Ekos reforça esse posicionamento em todas as suas ações:
proteção à fauna e flora, incentivo às comunidades de produtores locais, processo de produção
seguro etc. A empresa deixa explicito seu interesse econômico, mas a força da comunicação
está no conceito da sustentabilidade.
No entanto, o mesmo não acontece com a maioria das empresas que se aventuram a
levantar a bandeira do ecologicamente correto. O que vemos constantemente por parte das
companhias são ações isoladas de pouco ou nenhum efeito, mas que rendem peças
publicitárias com grande potencial de comunicação para a construção de imagem positiva da
empresa em relação à preservação do meio ambiente. Castro refere-se a esta estratégia como
“histórias da carochinha do capitalismo verde” (2012, informação eletrônica). Para o
antropólogo, “a Natureza foi mediatizada e mediocrizada pelo Mercado” (2012, informação
eletrônica.
Frequentemente nos deparamos com a comunicação de empresas que divulgam ações
básicas e até óbvias voltadas para sustentabilidade e se furtam de investir na construção de um
processo sólido de proteção ao meio ambiente. Um exemplo é a empresa multinacional
Kimberly Clark, indústria do segmento de produtos de higiene pessoal e líder de mercado na
categoria de fraldas descartáveis.
38
A empresa mantém em seu site a divulgação de diversas ações sob o tema
Sustentabilidade: proteção à criança e adolescente; doações às comunidades carentes;
programa de voluntariado. Divulga inclusive que já recebeu os seguintes prêmios em 2011:
Guia Exame de Sustentabilidade e Premio Socioambiental Chico Mendes, sendo esse último
pelo reconhecimento ao seu trabalho de redução de gases efeito estufa.
Na esfera ambiental, qual o real impacto dessas ações da Kimberly Clark, uma vez que
a empresa é líder de mercado em fraldas descartáveis, um segmento responsável por cerca de
30% do lixo mundial não biodegradável? Onde está a responsabilidade da empresa em
desenvolver, por exemplo, um método de logística reversa, onde o fabricante desenvolve
mecanismos para preservação do meio ambiente através de um processo de controle do fluxo
dos resíduos pós consumo de seus produtos
3.3. A Agenda 21
Em 1992, cinco anos após o surgimento do Relatório Brundtland, foi realizada, no Rio
de Janeiro, a Conferência Eco 92. Nesse encontro, também promovido pela Organização das
Nações Unidas (ONU), 179 representantes de suas nações assumiram um compromisso com o
programa estabelecido para as questões do meio ambiente.
A Conferência de 1992 gerou a Agenda 2112
, documento que definiu o compromisso
de cada país no estudo de soluções para os problemas socioambientais, garantindo o
desenvolvimento sustentável. A Agenda 21 é composta por 40 capítulos e está estruturada em
quatro Seções:
Seção I – Dimensões Sociais e Econômicas
A primeira seção é composta de sete capítulos que tratam dos temas: cooperação
internacional para acelerar o desenvolvimento sustentável dos países em
desenvolvimento; combate à pobreza; implementação de programas integrados de
meio ambiente e desenvolvimento; promoção das condições da saúde humana;
promoção do Desenvolvimento Sustentável dos assentamentos humanos; utilização
eficaz de instrumentos econômicos e de incentivos de mercado; entre outros. Entre os
12 A Agenda 21 foi um dos principais resultados da Conferência Rio-92, ocorrida no Rio de Janeiro, Brasil, em
1992. É um documento que estabeleceu a importância de cada país a se comprometer a refletir, global e
localmente, sobre a forma pela qual governos, empresas, organizações não governamentais e todos os setores da
sociedade poderiam cooperar no estudo de soluções para os problemas socioambientais. (Fonte: site Wikipédia)
39
sete capítulos da Seção I, detalhamos mais à frente o Capítulo 4, que trata das
mudanças dos padrões de consumo.
Seção II – Conservação e Gestão dos Recursos para o Desenvolvimento
Esta seção é formada por 14 capítulos com foco em proteção e gestão dos recursos da
atmosfera; gerenciamento dos recursos terrestres; combate ao desmatamento; combate
à degradação do solo; promoção do desenvolvimento rural e agrícola sustentável;
conservação da diversidade biológica; proteção de oceanos e mares; proteção da
qualidade e do abastecimento dos recursos hídricos; manejo ecologicamente saudável
das substâncias químicas tóxicas; manejo ambientalmente saudável dos resíduos
perigosos; manejo seguro e ambientalmente saudável dos resíduos radioativos.
Seção III – Fortalecimento do papel dos Grupos Principais
Nesta seção, constituída de dez capítulos, temos a definição dos principais grupos que
são foco da Agenda 21. São definidos os atores do movimento, sua importância e quais
as suas responsabilidades. Além do Capítulo 25, dedicado às crianças e jovens,
encontramos mais nove capítulos abordando diferentes grupos: a mulher; as
populações indígenas; as Organizações Não Governamentais (ONGs); autoridades
locais; trabalhadores e sindicatos; o comércio e a indústria; a comunidade científica e
tecnológica e os agricultores.
Seção IV – Meios de implementação
O objetivo da Seção IV é estabelecer mecanismos para que as intenções dos capítulos
anteriores sejam cumpridas. Os capítulos tratam de recursos e mecanismos de
financiamento; formas de transferência de tecnologia; promoção do ensino, da
conscientização e cooperação internacional; instrumentos e mecanismos jurídicos;
informação para a tomada de decisões. Nesta seção destacamos o Capítulo 36, que
versa sobre a promoção do ensino como instrumento de propagação das ações de
sustentabilidade.
Selecionamos para aprofundamento cinco capítulos da Agenda 21 que abordam direta
ou indiretamente o tema da presente dissertação. São eles:
Capítulo 4 - Mudanças nos padrões de consumo
40
Capítulo 25 – Infância e juventude no desenvolvimento sustentável
Capítulo 36 – Promoção do ensino, da conscientização e do treinamento
Capítulo 30 – Fortalecimento do papel do Comércio e Indústria
Capítulo 40 – Informação para tomada de decisões
Entre os 40 capítulos da Agenda 21, acreditamos que através da análise desses cinco
capítulos temos a visão de como a conferência pretendia estabelecer a implantação e
fomentação das ideias e a perenidade das ações voltadas para sustentabilidade.
Também com base nesses cinco capítulos, conseguiremos analisar a linha de
comunicação adotada pela mídia e pelas empresas em sua publicidade.
O Capítulo 4 da Agenda 21 – Mudanças nos padrões de consumo
Abrange duas grandes áreas: exame dos padrões insustentáveis de produção e
consumo, além do desenvolvimento de políticas e estratégias nacionais de estímulo a
mudanças nos padrões insustentáveis de consumo. Esse capítulo faz referência à necessidade
de atenção aos padrões de consumo e produção que provoquem o aumento da pobreza e das
desigualdades sociais. O texto procura colocar em discussão a necessidade de que o
desenvolvimento econômico seja baseado em ações sustentáveis. A ideia é fazer com que as
demandas básicas da sociedade sejam atendidas sem que o meio ambiente sofra
consequências. Nesse capítulo, são definidos os diferentes agentes dessa nova postura
(Governo, indústria, famílias e público em geral):
[...] a sociedade precisa desenvolver formas eficazes de lidar com o problema da
eliminação de um volume cada vez maior de resíduos. Os Governos, juntamente
com a indústria, as famílias e o público em geral, devem envidar um esforço
conjunto para reduzir a geração de resíduos e de produtos descartados, das seguintes
maneiras: (a) Por meio do estímulo à reciclagem no nível dos processos industriais e
do produto consumido; (b) por meio da redução do desperdício na embalagem dos
produtos; (c) Por meio do estímulo à introdução de novos produtos ambientalmente
saudáveis. (c) Auxílio a indivíduos e famílias na tomada de decisões ambientalmente
saudáveis de compra (AGENDA 21, 1992, p. 21).
A partir desse pensamento, foi criado o símbolo dos três erres: Reduzir, Reutilizar,
Reciclar (Figura 6). Mediante comandos simples e diretos, a mensagem é transmitida por
meio de três ações consideradas fundamentais para o sucesso da sustentabilidade ambiental:
41
O comando Reduzir determina que o cidadão deve diminuir o consumo de energia,
água, combustíveis etc. A Reutilização exige do cidadão uma postura de menor descarte dos
produtos de consumo: reaproveitamento de sacolas, roupas, móveis etc. A Reciclagem entra
neste ciclo quando já se esgotaram as oportunidades de redução e reutilização. O processo de
reciclagem tem como ponto de partida a coleta seletiva do lixo, onde o cidadão separa o
resíduo reciclável do lixo orgânico. O destino do material a ser reciclado, a partir desse
momento, passa a depender de ações das instituições públicas e privadas. É responsabilidade
dos Governos e das indústrias prover um sistema eficiente e seguro de coleta, transporte e
processo de reciclagem.
Figura 6 – Símbolo Reduzir, Reutilizar, Reciclar.
Em seu livro Vida para Consumo, Zygmunt Bauman (2007) faz uma análise sobre a
sociedade do consumo e desvenda as características de comportamento do “ser consumidor”.
Para ele, a sociedade de consumo é na sua essência “uma sociedade do excesso e
extravagância – e, portanto, da redundância e do desperdício pródigo” (BAUMAN, 2007, p.
112). Como lidar com as novas questões de consumo consciente quando as mesmas têm a
proposta de redução, reutilização, reaproveitamento?
Ainda no quarto capítulo da Agenda 21, fica evidente que há um pensamento
embrionário voltado para a consciência ecológica e que este deverá ser estimulado à medida
que passe a ser do interesse das indústrias de produtos de bens de consumo:
O recente surgimento, em muitos países, de um público consumidor mais consciente
do ponto de vista ecológico, associado a um maior interesse, por parte de algumas
indústrias, em fornecer bens de consumo mais saudáveis ambientalmente, constitui
acontecimento significativo que deve ser estimulado [...] Os Governos, em cooperação com a indústria e outros grupos pertinentes, devem estimular a expansão
da rotulagem com indicações ecológicas e outros programas de informação sobre
produtos relacionados ao meio ambiente, a fim de auxiliar os consumidores a fazer
opções informadas (AGENDA 21, 1992, p. 4).
42
Embora o capítulo tenha previsto, em um de seus parágrafos, o controle da informação
a ser transmitida ao consumidor final, o que vemos atualmente são empresas que utilizam o
discurso ecologicamente correto fazendo uso, muitas vezes, de um tom alarmista e colocando
nas mãos do consumidor a responsabilidade do bem-estar do planeta. É como se a mesma
empresa, que fabricou produtos que agrediram a natureza durante décadas, se isentasse da
responsabilidade dos danos já causados, simplesmente por ter desenvolvido nos últimos anos
produtos com apelo à sustentabilidade.
Segundo Lucia Santaella (2010), em seu livro Comunicação e Pesquisa, a
intencionalidade é um critério que define a comunicação: “intenção é a tentativa consciente do
emissor de influenciar o receptor através de uma mensagem, sendo a resposta do receptor uma
reação baseada na hipótese das intenções da parte do emissor” (SANTAELLA, 2010, p.15).
Como exemplo, trouxemos a comunicação da Unilever, indústria de bens de consumo
de origem inglesa estabelecida no Brasil desde os anos 20. A Unilever mantém um programa
chamado Por um Planeta mais limpo, onde divulga suas ações voltadas à preservação do meio
ambiente. Em seu site, além de mostrar as melhorias em seus processos produtivos, a
Unilever incentiva os consumidores a utilizarem seus produtos a fim de garantirem um
planeta mais saudável:
Se todas as pessoas passassem a usar OMO Poder Líquido Super Concentrado
teríamos uma redução de 130 mil toneladas de gás carbônico por ano, o que
significa 37.000 carros a menos nas ruas. Se todas as pessoas passassem a usar Comfort Concentrado ou Fofo Concentrado, teríamos uma economia de 75 milhões
de litros de água por ano, quantidade equivalente a 2,8 milhões de banhos
(UNILEVER, 2012, informação eletrônica).
A informação não revelada é que, embora a empresa tenha feito investimentos em seu
parque fabril para adequar alguns de seus processos de produção, o grande volume de
negócios é resultante dos produtos tradicionais, ou seja, a empresa ainda investe pesado na
fabricação de produtos não totalmente adaptados ao conceito sustentável.
Em peça publicitária recente veiculada pela Revista Veja de junho de 2012 (Figura 7),
a Unilever lembra a data do Dia Mundial do Meio Ambiente e coloca nas mãos do
consumidor a responsabilidade pela preservação do planeta: “Pequenas atitudes podem fazer
grandes mudanças. Evite o desperdício – Recicle embalagens – Consuma produtos
concentrados”. Sob este texto, a empresa ilustra seus quatro produtos concentrados (sabão
líquido e amaciante das marcas Omo, Comfort, Fofo e Surf – líderes em seus segmentos de
negócio), sugerindo que está fazendo a sua parte em oferecer essas opções à consumidora para
43
que a mesma faça sua escolha de compra consciente. Posterior ao ato da compra, a
consumidora ainda é responsável por evitar o desperdício durante o uso do produto e reciclar
embalagens após o uso. Definitivamente, uma grande mudança nos hábitos de consumo que
pode parecer simples quando tratamos de uma única categoria, como nesse caso dos produtos
para lavar roupas. No entanto, o consumidor tem em média 30 a 40 escolhas de produtos para
serem feitas durante uma compra de supermercado. Após a escolha na loja, há ainda as
decisões sobre como usar o produto e posteriormente como tratar o descarte de maneira
consciente. Não é mudança fácil para hábitos de consumo já arraigados.
Figura 7 – Publicidade Unilever
Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 2272). Disponível em: < http://veja.abril.com.br/acervodigital/>.
Acesso em 14 jan. 2012.
44
O consumo consciente, tão difundido nos últimos anos, pode abranger desde o uso de sacolas
retornáveis para a compra em supermercados até a escolha de uma companhia aérea que tem o
Certificado de Crédito de Carbono. As empresas que recebem este certificado conseguiram
reduzir a emissão de gases do efeito estufa em seus processos produtivos e em sua operação;
portanto, optar por uma companhia com este certificado faz, teoricamente, com que o cidadão
usuário do serviço esteja comprometido com o meio ambiente.
Para que uma empresa reduza a emissão de carbono, uma das ações mais frequentes é
o investimento no plantio de árvores. Hoje, já é possível, através de cálculos específicos,
identificar o quanto uma empresa emite de CO2 em suas atividades diárias. Atualmente, as
empresas especializadas em neutralização de gás carbônico não só oferecem seus serviços a
organizações empresariais, mas também a indivíduos.
A empresa Key Associados disponibiliza na internet a calculadora de Emissão de CO2.
A partir do registro de consumo mensal de energia elétrica, gás e combustível, é possível
calcular o total de emissões de gás carbônico e a quantidade necessária de árvores para
compensar essa emissão. No exemplo abaixo, uma família de quatro pessoas, residente em
São Paulo, é responsável pela emissão de 1,6 ton de CO2/ano. Para neutralizar esse volume de
emissões, a família deveria plantar sete árvores/ano (Figura 8):
Figura 8 – Exemplo de cálculo de emissão de CO2
Fonte: Disponível em: <www.keyassociados.com.br>. Acesso em: 12 jan. 2012.
45
A partir da difusão da existência de empresas como essas no mercado, é possível
concretizar os impactos do consumo e aumentar a responsabilidade do indivíduo comum para
com a preservação do meio ambiente.
Mas o que é verdadeiro e o que é falso nesses movimentos? Esta é a grande questão
que o consumidor tem quando o assunto é o consumo consciente.
Tomemos como exemplo a recente polêmica sobre a proibição do uso das sacolas
plásticas nos supermercados de São Paulo. O movimento, inicialmente liderado pela rede
Walmart, ganhou expressão quando foi adotado pela APAS (Associação Paulista de
Supermercados). A ideia, baseada nas consequências negativas do descarte das sacolinhas, era
fazer com que o consumidor utilizasse sua própria embalagem reutilizável para transporte das
mercadorias compradas nas lojas de supermercados. Para uma preocupação legitima, a APAS
negociou uma solução oportunista com o Governo. Os supermercados simplesmente
deixariam de disponibilizar as sacolas plásticas sem que o custo dessa economia fosse
repassado ao consumidor. Formou-se então um movimento opositor defendendo interesses da
indústria do plástico, a mais afetada pela determinação. Para contrariar a determinação de
proibição, foi acionado o IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), que defendeu
a volta da distribuição das sacolinhas e a implantação do que chamaram de logística reversa:
criar um sistema de troca gratuito, a fim de substituir as sacolas retornáveis danificadas por
novas. Sob o disfarce da preocupação com os direitos do consumidor, a justiça determinou
que as sacolinhas fossem novamente distribuídas pelos supermercados.
Faltou às instituições envolvidas neste caso a iniciativa de buscar uma solução de
responsabilidade compartilhada. O que se viu foi uma oportunidade das redes
supermercadistas de se livrarem do ônus de distribuição das sacolinhas, deixando nas mãos do
consumidor a responsabilidade por uma mudança de hábito.
Nesse exemplo, fica claro que os interesses econômicos prevaleceram em dois
momentos chave: quando se estabeleceu a proibição, houve beneficio para os supermercados;
quando a determinação foi revogada, restabeleceu-se a ordem econômica para as indústrias do
plástico.
Capítulo 25 da Agenda 21 - A infância e a juventude no desenvolvimento sustentável
O Capitulo 25 da Agenda 21, “A infância e a juventude no desenvolvimento
sustentável” (Children and Youth in Sustainable Development), reforça que o envolvimento de
46
gerações jovens será decisivo para o sucesso da implementação dos programas previstos na
Agenda 21:
É imperioso que a juventude de todas as partes do mundo participe ativamente em
todos os níveis pertinentes dos processos de tomada de decisões, pois eles afetam
sua vida atual e têm repercussões em seu futuro. Além de sua contribuição
intelectual e capacidade de mobilizar apoio, os jovens trazem perspectivas peculiares
que devem ser levadas em consideração (AGENDA 21, 1992, p. 1).
Nesse único parágrafo, já temos a evidência de que, na perspectiva dos Governos, as
gerações mais jovens teriam papel fundamental na mudança de comportamento em relação às
questões do meio ambiente.
No Capítulo 25, a Agenda 21 destaca a importância do comprometimento das gerações
mais jovens para o sucesso dos programas estabelecidos a longo prazo. Nesse capítulo, é
evidente o foco na existência de uma característica dos jovens voltada para a mobilização em
prol de uma causa, além da expectativa de que o aporte intelectual dessa geração traga
avanços para a discussão. A orientação do texto é para que se promova o envolvimento dos
jovens no diálogo com Governos. Nesse sentido, é fundamental que cada país invista em
educação formal e oportunidades de emprego para a geração jovem.
No próximo capítulo desta dissertação, iremos exemplificar como o público infantil
tem sido utilizado com frequência na comunicação de ações de sustentabilidade
O Capítulo 30 da Agenda 21 – Fortalecimento do papel do comércio e da indústria
Nesse capítulo, além do reconhecimento da importância do comércio e da indústria
como responsáveis pelo desenvolvimento econômico dos países, fica claro que, a partir desse
documento, as empresas devem investir consistentemente em meios de produção e
distribuição limpos. É o que a Agenda 21 chama de “manejo responsável” e que deve permear
toda a atividade dos grupos industriais e comerciais. Dois programas essenciais devem fazer
parte da atuação das empresas:
Promoção de uma produção mais limpa;
Promoção da responsabilidade empresarial.
É inegável que as empresas nacionais e multinacionais têm se empenhado, em
diferentes níveis, para utilizar esses dois programas em sua estratégia de comunicação. Vimos,
ao longo dos anos, um aumento considerável na divulgação dos relatórios de sustentabilidade
47
das empresas como um importante sinalizador do compromisso das mesmas com o
desenvolvimento sustentável. Itaú, Bradesco, Natura, Vale, Petrobras, Unilever, Philips,
Walmart, entre outras, têm utilizado os relatórios de sustentabilidade para divulgar não apenas
suas ações, mas também seu posicionamento mercadológico. Selecionamos dois exemplos
distintos para análise: Unilever e Petrobras.
No relatório de sustentabilidade da Unilever, a visão da empresa é definida da seguinte
forma:
Trabalhamos para criar um futuro melhor todos os dias. Ajudamos as pessoas a se
sentirem bem, bonitas e a aproveitarem mais a vida com marcas e serviços que são
bons para elas e para os outros. Vamos inspirar as pessoas a adotarem pequenas
atitudes diárias que, somadas, podem fazer uma grande diferença para o mundo.
Vamos desenvolver novas formas de fazer negócios, que nos permitirão dobrar o
tamanho da nossa companhia ao mesmo tempo em que reduzimos nosso impacto
ambiental (RELATÓRIO de Sustentabilidade Unilever, 2010, p. 7).
Como uma indústria de bens de consumo não duráveis, a Unilever optou por inserir
seus produtos e marcas no dia a dia dos consumidores, enfatizando seus benefícios de longo
prazo. A linguagem utilizada para definir sua missão coloca em evidência a contribuição de
suas marcas e serviços em proporcionar bem-estar aos seus consumidores. “Sentirem-se bem,
bonitas e aproveitarem mais a vida” é a promessa de resgatar o individualismo dentro de um
discurso baseado na coletividade, assim como é o discurso ambientalista.
A empresa não esconde sua missão em gerar lucros e crescer, quando menciona seu
objetivo de dobrar seu tamanho, e deixa claro que, para adotar o caminho do desenvolvimento
sustentável, ainda precisa investir no desenvolvimento de “novas formas de fazer negócio”.
Conforme já identificamos anteriormente, a aplicação dos fundamentos que reduzem o
impacto ambiental dos produtos Unilever ainda está concentrada na categoria de produtos
para lavar roupas, sendo que a companhia mantém em seu portfólio de produtos uma extensão
de 28 diferentes marcas em diferentes categorias de alimentos, higiene pessoal e limpeza.
Por outro lado, sem adotar a linguagem edulcorada de uma empresa de bens de
consumo, a Petrobras traz, em seu relatório de sustentabilidade de 2011, uma linguagem mais
assertiva em relação aos seus objetivos enquanto negócio:
Seremos uma das cinco maiores empresas integradas de energia do mundo e a
preferida pelos nossos públicos de interesse. Nossa atuação se destacará por: Forte
presença internacional; Referência mundial em biocombustíveis; Excelência operacional, em gestão, em eficiência energética, em recursos humanos e em
tecnologia; Rentabilidade; Referência em responsabilidade social e ambiental;
48
Comprometimento com o desenvolvimento sustentável (RELATÓRIO de
Sustentabilidade Petrobrás, 2011, p. 1).
Conseguimos identificar portanto diferentes formas de abordar o tema. Encontraremos
um grupo de empresas que utiliza a comunicação de suas ações de sustentabilidade em uma
linguagem romântica, adocicada, distante, em alguns casos, da sua principal atividade
comercial. Outras empresas mostrarão suas ações sem mascarar sua principal missão no
contexto de mercado: o lucro e a rentabilidade do negócio.
O Capítulo 36 da Agenda 21 – Promoção do ensino, da conscientização e do treinamento
Selecionamos esse capítulo para destacar sua importância em relação à menção da
promoção da conscientização pública para o tema. O capítulo 36 coloca que uma das barreiras
para o crescimento do movimento sustentável é a pouca consciência da inter-relação entre as
atividades humanas e o meio ambiente. O texto atribui a baixa consciência à insuficiência e
inexatidão de informações, principalmente nos países em desenvolvimento:
Os países em desenvolvimento, em particular, carecem da tecnologia e dos
especialistas competentes. É necessário sensibilizar o público sobre os problemas de
meio ambiente e desenvolvimento, fazê-lo participar de suas soluções e fomentar o
senso de responsabilidade pessoal em relação ao meio ambiente e uma maior motivação e dedicação em relação ao desenvolvimento sustentável (AGENDA 21,
1992, p. 343).
Não podemos deixar de criticar a forma como o texto se refere às limitações dos
chamados “países em desenvolvimento”, como se o desenvolvimento do hemisfério sul
tivesse que obrigatoriamente passar pelos estágios de desenvolvimento pelos quais os países
norte americanos e europeus passaram. Boaventura Souza Santos (SANTOS, 2006) defende
que o desenvolvimento dos países não é linear e cada país tem suas características culturais
que os levam ao desenvolvimento por caminhos distintos.
Em uma entrevista concedida ao programa Blog do Milênio em agosto de 2012,
Santos discorreu sobre o impacto negativo da herança colonialista no avanço dos países
menos desenvolvidos. Para ele, não há um modelo único de desenvolvimento, principalmente
em termos de padrões de consumo: “[...] estamos vendo o subdesenvolvimento da Europa
desenvolvida [...]” (MILÊNIO, 2012, informação verbal). Assistimos ao empobrecimento de
países como Espanha e Portugal e percebemos que, mesmo frente a essa realidade, a Europa
está longe de assumir que há algo a aprender com os países do hemisfério sul.
49
Entre as atividades previstas nesse capítulo da Agenda 21, em prol da conscientização
pública, o texto reforça as seguintes diretrizes aos países: reforçar os meios de difusão; apoiar
a formação de redes nacionais e locais de informação; promover a relação de cooperação com
os meios de informação, indústria de espetáculos e publicidade; utilizar tecnologia moderna
de divulgação; entre outras ações.
A orientação para que os Governos utilizem os meios de comunicação de massa para
conscientização e mobilização da população é evidente. O texto ainda reforça a necessidade
de colaboração entre os agentes que irão utilizar os meios de divulgação e os grupos de
trabalhos científicos para melhor qualificação da informação.
No capítulo seguinte desta dissertação, veremos como a mídia impressa tratou os
principais fóruns de discussão sobre o meio ambiente e como as empresas se posicionaram
nesses contextos.
O Capítulo 40 da Agenda 21 – Informação para tomada de decisões
No desenvolvimento sustentável, cada pessoa é usuário e provedor de informação,
considerada em sentido amplo, o que inclui dados, informações e experiências e
conhecimentos adequadamente apresentados. A necessidade de informação surge em
todos os níveis, desde o de tomada de decisões superiores, nos planos nacional e internacional, ao comunitário e individual (AGENDA 21, 1992, p. 365).
No último capítulo da Agenda 21, duas áreas de programas são definidas:
Redução das diferenças em matéria de dados;
Melhoria da disponibilidade da informação.
É preciso considerar que, na ocasião da elaboração da Agenda 21, em 1992, os
mecanismos de coleta, avaliação e atualização de informações sobre questões de
desenvolvimento social, demográfico e ambiental já existiam. No entanto, não havia uma
política que estabelecia os parâmetros de investigação e divulgação dos mesmos.
Como vimos no capítulo anterior da presente dissertação, até hoje temos informações
contraditórias no que se refere às causas e efeitos das questões ambientais. Entretanto, o tema
segue como pauta de debates.
Após quase duas décadas da existência da Agenda 21 e com a realização da
Conferência Rio +20, percebemos que o tema ganha maior peso no momento em que os
impactos da produção e consumo são notórios e incontestáveis. Neste cenário, os Governos e
as empresas decidem atuar como agentes. O Governo investe em campanhas de
50
conscientização, as indústrias lançam produtos sustentáveis, o varejo investe em lojas
sustentáveis e incentiva seus fornecedores a investirem em processos de produção que
garantam menor impacto ao meio ambiente.
Nesse contexto, podemos afirmar que, atualmente, recebemos muito mais informação
sobre o tema, comparando com as duas décadas anteriores – fato este que deve ter um impacto
considerável nas nossas relações com o mundo e também com nosso comportamento de
consumo.
O relatório final do encontro Rio + 20 resgata vários pontos da Agenda 21 e reafirma o
compromisso assumido. No texto original, na seção que trata do engajamento das maiorias,
encontramos o seguinte trecho:
50. We stress the importance of the active participation of young people in decision-
making processes, as the issues we are addressing have a deep impact on present and
future generations, and as the contribution of children and youth is vital to the
achievement of sustainable development. We also recognize the need to promote
intergenerational dialogue and solidarity by recognizing their views (RELATÓRIO
“The Future we want”, 2012, p. 8)13.
Nesse parágrafo, o documento reforça a importância das crianças e jovens no sentido
de liderarem parte significante das mudanças necessárias para o sucesso do movimento
sustentável. Colocar a infância e a juventude como atores do processo significa apostar que a
mudança de comportamento de consumo será decisiva para o sucesso dos movimentos
sustentáveis.
Na seção destinada à educação, fica explícita a recomendação para que as instituições
de ensino coloquem em prática os modelos de gestão sustentável e trabalhem o tema
transversalmente às disciplinas:
234. We strongly encourage educational institutions to consider adopting good
practices in sustainability management on their campuses and in their communities
with the active participation of, inter alia, students, teachers and local partners, and
teaching sustainable development as an integrated component across disciplines
(RELATÓRIO “The Future we want”, 2012, p. 44)14.
13 Tradução nossa: “Nós reforçamos a importância da participação ativa dos jovens no processo decisório, uma
vez que os temas que estão sendo tratados têm um profundo impacto nas gerações do presente e do futuro, e a
contribuição das crianças e jovens é vital para que alcancemos o desenvolvimento sustentável. Nós também
reconhecemos a necessidade em promover o dialogo entre as gerações e a solidariedade pelo reconhecimento de
seus pontos de vista.” 14 Tradução nossa: “ Nós encorajamos fortemente que as instituições educacionais considerem a adoção de boas
práticas em sustentabilidade em seus campi e em suas comunidades com participação ativa de, entre outros,
estudantes, professores, parceiros locais, e com ensino do desenvolvimento sustentável como um tema integrado
entre as disciplinas”
51
Uma base sólida para o pensamento voltado para a sustentabilidade está sendo criada
globalmente. Interesses divergentes, por questões econômicas e sociais, ainda são entraves
para o movimento. Mas, mesmo assim, é inegável que os últimos 30 anos representaram um
avanço considerável na direção de melhores práticas para a preservação do meio ambiente.
José Eli da Veiga (2010) defende que, para a sustentabilidade ganhar espaço, é
fundamental que exista uma macroeconomia que reconheça os limites naturais do
desenvolvimento, além de uma mudança nos padrões de consumo. Enquanto caminhamos
para esse cenário a passos curtos, o autor reforça a necessidade de pelo menos pensarmos em
“reduzir a insustentabilidade” (VEIGA, 2010, p. 27).
Em seu livro, Veiga trata da sustentabilidade como um valor que está sendo construído
e chama atenção para os obstáculos cognitivos na questão sócio ambiental. O autor afirma que
o tema ainda é relativamente recente no cotidiano das pessoas e alguns sentidos que já foram
assimilados não são dotados de verdade absoluta. Ele cita como exemplo o slogan “salvar o
planeta”, frequentemente utilizado pela mídia e pelas empresas em sua publicidade. Veiga
explica que tal missão é impossível de ser cumprida, uma vez que a Terra vai desaparecer
independente da ação do ser humano. Cientificamente, “o planeta” utilizado nesse slogan
representa somente a biosfera e seus ecossistemas. É aqui que o ser humano consegue atuar.
“Salvar” também traz mais responsabilidades do que podemos assumir. A ideia deveria ser
construída para agirmos no sentido de desacelerar o processo de danos ao meio ambiente.
Para exemplificar como a mídia se aproveita dessa carga de responsabilidade sobre o
indivíduo, buscamos a capa da revista Veja de outubro de 2007, que destaca a matéria sobre o
meio ambiente e utiliza o titulo “Salvar a Terra: como essa ideia triunfou” (Figura 9). Embora
o título remeta à consolidação do movimento, através do triunfo da ideia, a matéria foi escrita
para mostrar as diferentes posições entre o IPCC e os ambientalistas céticos. O destaque da
foto de capa mostra uma consumidora que assumiu comportamento baseado na
sustentabilidade ao usar fraldas de pano, bicicleta como meio de transporte, sacola reutilizável
etc. Entretanto, o corpo da matéria não mostra como e em que intensidade estes
comportamentos foram incorporados pela população. Ou seja, o título e a foto de capa estão
distantes do conteúdo da matéria.
52
Figura 9 – Capa da Revista Veja de 24 de outubro de 2007
Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 2031 de 24 de outubro de 2007). Disponível em: <
http://veja.abril.com.br/acervodigital/>. Acesso em 14 jan. 2012.
Em mais detalhes, não há como deixar de notar a representação do individuo escolhida
pela publicação. Uma mulher jovem, acompanhada de sua filha, ainda bebê. A criança,
conforme veremos com maior detalhe no capítulo seguinte, é invariavelmente tratada como a
grande beneficiária das ações sustentáveis. A infância representa o futuro e, por isso, o bebê
segura o globo terrestre em formato de balão. A felicidade estampada em seu rosto representa
a segurança de um futuro saudável. Por outro lado, o semblante da jovem mãe, embora remeta
à determinação, tem traços de seriedade e tensão. Suas roupas e acessórios (cantil) em tons
verde e bege remetem ao uniforme militar.
Encontramos então a representação do peso da responsabilidade em “salvar o planeta”.
Quais as consequências para nosso cotidiano quando incorporamos o 'valor sustentabilidade'?
Quais as privações relacionadas aos nossos hábitos de consumo? Qual o custo adicional para
incorporar em nossa cesta de compras os alimentos orgânicos, as roupas com fibras
recicladas?
Diversos projetos de cidades sustentáveis têm sido criados pelo mundo. O título de
cidade sustentável muitas vezes é atribuído à cidade que implementa com sucesso pelo menos
53
um programa voltado para sustentabilidade: transporte coletivo movido a biocombustível,
coleta seletiva, reuso de água etc. Na maioria dos casos, o programa é único e não faz parte de
uma estratégia mais ampla de desenvolvimento sustentável, uma vez que as cidades já estão
estabelecidas e o esforço para mudanças mais radicais seria monstruoso.
Fenômeno recente, com alguns exemplos pelo mundo, são as cidades especialmente
criadas sob conceitos de sustentabilidade: Dongtan na China e SongDo na Coreia do Sul.
SongDo é fruto da iniciativa privada que investiu 40 bilhões de dólares para erguer a primeira
cidade planejada para ser um centro financeiro e administrativo. Chamada de “metrópole
ecológica” o empreendimento tem 40% de sua extensão destinada às áreas verdes. A cidade
tem capacidade para abrigar 65 mil moradores. É imperativo que os moradores dessa nova
cidade sigam as regras de uso de energia, água, coleta de lixo, transporte, consumo de bens
etc. Como será o comportamento dessa nova sociedade, formada a partir de indivíduos
originários de diversas partes do mundo reunidos em um ambiente hermético repleto de regras
de comportamento em sua maioria distintas das regras de suas cidades de origem?
Seria uma nova materialização da sociedade de controle estudada por Gilles Deleuze
(1992)? O controle das ações dos indivíduos será estabelecido independente do espaço que ele
estiver ocupando: residência, trabalho ou lazer. Esse controle será exercido de forma
continuada, 24 horas por dia.
O modelo de SongDo é extremo – no entanto, diariamente somos impactados por
mensagens, conselhos e ordens que nos são transmitidas pelos meios de comunicação.
Estamos frequentemente expostos ao dilema que a questão nos traz: é necessário ter
consciência para a preservação do meio ambiente, mas a ação muitas vezes resulta na perda
da liberdade de escolha já conquistada.
54
4. SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL NA MÍDIA: JORNALISMO E
PUBLICIDADE
Veremos ao longo deste capítulo como o discurso da sustentabilidade cresceu e ganhou
voz através não só através do incentivo dos Governos, mas também por meio de estímulos
veiculados nos meios de comunicação, principalmente jornais e revistas.
Pesquisadores da área de comunicação trabalham em teorias para investigar a
capacidade de dominação da mídia. Para o autores do livro Teorias da Comunicação em
Jornalismo: reflexões sobre a mídia (BARROS; LOPES; PERES, 2011), dois pontos são
fundamentais para o entendimento do fenômeno nas mídias: a dominação é constituída
através da visibilidade que se dá ao tema e pela mobilização de sentidos que alimentam uma
ideologia.
Veremos através de exemplos como o tema sustentabilidade ambiental tem ocupado
espaço da mídia e como os jornais e revistas contribuem para dar visibilidade às questões
ambientais. Além da cobertura jornalística, a publicidade contribui para dar sentido à
problemática.
Em Psicologia das Massas e Análise do Eu, Sigmund Freud (1941) aborda a
psicologia social com a seguinte definição:
[...] a psicologia de massas trata o ser individual como membro de uma tribo, um
povo, uma casta, uma classe, uma instituição, ou como parte de uma aglomeração
que se organiza como massa em determinado momento, para um certo fim. Após
essa ruptura de um laço natural, o passo seguinte é considerar os aspectos que
surgem nessas condições especiais como manifestações de um instinto especial
irredutível a outra coisa, o instinto social – herd instinct, group mind [instinto de rebanho, mente do grupo] – que não chega a se manifestar em outras situações. Mas
podemos levantar a objeção de que é difícil conceder ao fator numérico um
significado tão grande, em que somente ele seria capaz de despertar, na vida
psíquica humana, um instinto novo, normalmente inativo. Nossa expectativa é então
desviada para duas possibilidades: a de que o instinto social pode não ser primário e
indivisível, e de que os primórdios da sua formação podem ser encontrados num
circulo mais estreito como o da família (FREUD, 1941, p. 15).
Baseados nessa discussão aberta por Freud, compreendemos como um tema colocado
em pauta em 1987 levou mais de duas décadas para ser considerado relevante para a
sociedade, a ponto de iniciar uma mudança de comportamento. O cenário que temos no
momento garante que os círculos mais estreitos das relações humanas já estejam impactados
pelas preocupações ambientais, ainda que de forma não atuante. Famílias, professores,
amigos, colegas de trabalho, vizinhos: em todas as esferas de relacionamento, encontraremos
55
indivíduos mais ou menos engajados em alguma ação voltada para sustentabilidade. A base
para a mudança de comportamento da massa está formada.
Esta dissertação aborda como ocorreu a disseminação do tema sustentabilidade ao
longo dos anos e investiga o discurso utilizado. Do nosso ponto de vista, as diversas
instituições que se apropriam do tema o fazem através de um discurso competente. Para a
definição do discurso competente, recorremos a Marilena Chaui (2005) em seu livro Cultura e
Democracia:
O discurso competente é aquele que pode ser proferido, ouvido e aceito como
verdadeiro ou autorizado porque perdeu os laços com o lugar e o tempo de sua
origem [...] O discurso competente é o discurso instituído. É aquele no qual a
linguagem sofre uma restrição que poderia ser assim resumida: não é qualquer um
que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer
circunstância (CHAUI, 2005, p. 19).
Chaui cita o filósofo francês Claude Lefort para afirmar que o homem passa a se
relacionar com os demais e com o mundo guiando-se por estes discursos em todas as esferas:
[...] O homem passa a se relacionar com a criança por meio do discurso pedagógico
e pediátrico […] com a natureza, pela mediação do discurso ecológico [...]. Em uma
palavra: o homem passa a relacionar-se com a vida, com seu corpo, com a natureza e
com os demais seres humanos através de mil pequenos modelos científicos nos quais
a dimensão propriamente humana da experiência desapareceu. Em seu lugar surgem
milhares de artifícios mediadores e promotores de conhecimento que constrangem
cada um e todos a se submeterem à linguagem do especialista que detém os segredos
da realidade vivida e que, indulgentemente, permite ao não especialista a ilusão de
participar do saber. Esse discurso competente não exige uma submissão qualquer,
mas algo profundo e sinistro: exige a interiorização das suas regras, pois aquele que
não as interiorizar corre o risco de ver-se a si mesmo como incompetente, anormal, a-social, como detrito e lixo (CHAUI, 2005, p. 25).
Retrocedendo ao ano de 1987, constatamos que, para a mídia no Brasil,
especificamente para a Revista Veja (edição 974, 06 de maio de 1987, p. 68), o destaque do
Relatório Brundtland estava na declaração de Gro Harlem Brundtland15
, responsável pela
direção dos trabalhos que geraram o relatório, que pontuava que o documento tinha como
objetivo mudar a imagem do desenvolvimento econômico como sendo o grande vilão. Para os
especialistas envolvidos na elaboração do relatório, a contaminação do meio ambiente se dá
pelas condições de pobreza e atraso tecnológico das Nações.
15 Gro Harlem Brundtland: Primeira-ministra da Noruega, de 1986 a 1996, e diretora geral da Organização
Mundial de Saúde, de 1998 a 2003.
56
Nesse contexto, se torna fértil o discurso que coloca nas mãos do Estado desenvolver e
fiscalizar os mecanismos que alavancam o desenvolvimento tecnológico e econômico de suas
sociedades e ainda esconde o fato de que, na maioria dos casos, as nações pobres se
encontram nessa situação de desvantagem por conta dos efeitos do processo de
desenvolvimento dos países ricos.
O consultor em meio ambiente Andres R. Edwards (2005) faz um comparativo entre a
Revolução Industrial e o que ele chama de Revolução da Sustentabilidade, em seu livro de
mesmo nome. Edwards trabalha a anatomia das revoluções sociais em três fases: Gênesis,
Massa Crítica e Difusão. A partir dessas três fases, o autor desenvolve um paralelo com a
Sustentabilidade.
Gênesis: na Revolução Industrial16
, o acúmulo de commodities17
incentivou a
criação da indústria. Na Revolução da Sustentabilidade, a origem estaria na
discussão iniciada em 1972 e aprofundada em 1987 no Relatório Brundtland, que
mostrava a necessidade de se estabelecer mecanismos de proteção da Terra levando
em consideração aspectos econômicos e sociais.
Massa Crítica: a Revolução Industrial toma corpo em 1769, quando a máquina a
vapor leva a produção industrial a um novo patamar de eficiência. Já a Revolução
da Sustentabilidade ganha uma discussão mais aprofundada a partir de 1992, com a
Conferência Rio 92, no Rio de Janeiro.
Difusão: enquanto a Revolução Industrial começou na Grã Bretanha e se espalhou
pela Europa e Estados Unidos, a Revolução da Sustentabilidade teve origem nos
Estados Unidos e na Europa e está se espalhando pelo mundo todo.
Edwards apresenta como origem da Revolução da Sustentabilidade o momento a partir
do qual a discussão do tema ganha certo lugar em fóruns internacionais. Ou seja, para o autor,
o marco estabelecido pelo Relatório Brundtland em 1987 resgata todos os efeitos da
Revolução Industrial no meio ambiente e passa a trabalhar a necessidade de mudança na
forma de produção e consumo.
16 Revolução Industrial: teve início no século XVIII, na Inglaterra, com a mecanização dos sistemas de produção
mediante o uso de tecnologia em transportes e maquinário. 17 “Commodities (significa mercadoria em inglês) pode ser definido como mercadorias, principalmente minérios e gêneros agrícolas, que são produzidos em larga escala e comercializados em nível mundial. As commodities
são negociadas em bolsas de mercadorias, e portanto seus preços são definidos em nível global, pelo mercado
internacional”. Disponível em: < http://www.suapesquisa.com/>. Acesso em: 20 fev. 2012.
57
A Revolução da Sustentabilidade se apoia nos efeitos da Revolução Industrial,
atribuindo ao desenvolvimento econômico o ônus sobre a situação ambiental atual. A
industrialização, o uso de fontes de energia naturais e matérias-primas extraídas da
biodiversidade no sistema produtivo, o fomento ao consumo, o surgimento das grandes
metrópoles, passam a ser os grandes vilões da era moderna. Recursos que eram abundantes no
início da Revolução Industrial caminham em direção à escassez ao longo dos anos. Os efeitos
negativos resultantes do aquecimento global começam a ser percebidos com maior frequência
e intensidade.
A partir do discurso baseado na catástrofe eminente, surge o grande vilão: a indústria.
Veremos ao longo desta dissertação como as empresas industriais utilizam a seu favor a
discussão sobre sustentabilidade, no sentido de minimizar a imagem de predadores da
natureza. A partir de exemplos da indústria nacional, conseguimos identificar como elas
investem no sentido de ser, ou muitas vezes somente parecer, responsáveis pela preservação
do meio ambiente.
Outro ponto importante a ser considerado nessa comparação com a Revolução
Industrial seria relativo às fases de geração de Massa Crítica e Difusão. A chamada Revolução
da Sustentabilidade, que se estabelece a partir da década de 90, ganha expansão com as novas
tecnologias de comunicação em rede. Ou seja, nesta revolução, as ideias têm tomado corpo e
se dispersado pelo mundo através da internet, alimentando, assim, as opiniões das massas.
Sistemas de comunicação em rede sempre existiram para a humanidade. O que vivemos
atualmente é o ambiente vislumbrado por Marshall McLuhan em 1967 ao criar o termo
“aldeia global”:
A circuitação eletrônica envolve profundamente as pessoas umas às outras. As
informações são despejadas sobre nós, instantaneamente e continuamente. Assim
que a informação é adquirida, é muito rapidamente substituída por outra ainda mais
nova (MCLUHAN, 1967, p. 60).
Mesmo situado no final da década de 60, quando os meios de transmissão eletrônicos
e cibernéticos ainda não estavam inseridos no dia a dia da população geral, McLuhan
escreveu em sua obra O Meio é a Mensagem, de 1967: “Nosso tempo é um mundo novo em
folha do ‘tudoaomesmotempoagora’. O ‘tempo’ cessou, o ‘espaço’ desapareceu. Vivemos
agora em uma aldeia global... um acontecimento simultâneo” (MCLUHAN, 1967, p. 56).
Com a expansão das redes digitais, a aldeia global de McLuhan toma corpo e a transmissão de
mensagens adquire o caráter de simultaneidade em sua potência máxima.
58
Para Santaella (2010) os sistemas cibernéticos são responsáveis pela “ampliação do
sentido de comunicação” (SANTAELLA, 2010, p. 17). O aumento das redes de
telecomunicação tem a capacidade de expandir a comunicação em escala global em tempo
cada vez mais reduzido. Tal fato não necessariamente significa que temos um ganho em
mobilização e engajamento, mas temos certamente uma maior rapidez na dispersão de uma
mensagem.
Como exemplo, podemos citar a atuação do Greenpeace, uma Organização Não
Governamental com atuação mundial fortemente presente nas mídias sociais digitais.
Atualmente, as ações do Greenpeace ganham alcance global em segundos, através da
divulgação de seus atos e protestos pelo mundo. Somente no Facebook, rede social digital de
grande alcance, o Greenpeace mantém mais de 1 milhão de seguidores. Uma das plataformas
do discurso da ONG está baseada na defesa da Floresta Amazônica. Mediante seus posts,18
o
Greenpeace se propõe a denunciar ações de desmatamento e impactos ambientais decorrentes
da exploração do território da Amazônia. Basta a publicação de um comentário para que a
informação seja distribuída para um exército de ativistas ao redor do mundo.
4.1 A cobertura da mídia impressa nacional
Para efeito de pesquisa, selecionamos a Revista Veja e o jornal Folha de São Paulo
para representar a mídia nacional em nossa investigação a respeito do tema sustentabilidade.
Para justificar a escolha desses dois representantes da mídia nacional, seguem algumas
informações sobre o alcance dos dois títulos e perfil do leitor, em termos de classificação
social.
A Revista Veja, publicada pela Editora Abril, tem circulação nacional de 1.125.025
exemplares (IVC19
, 2005). Seu perfil de leitor, de acordo com dados divulgados no site da
Editora, é formado majoritariamente pela classe média sendo 83% de Classe AB20
de acordo
com a EGM Marplan.
O Jornal Folha de São Paulo, com periodicidade diária, tem distribuição nacional e
alcança 330.023 exemplares no domingo e 293.899 exemplares nos dias úteis. De acordo com
18 Posts: comentários publicados nas redes sociais digitais. 19 IVC – Instituto de Verificação de Circulação é uma entidade sem fins lucrativos que tem por objetivo
certificar as métricas de desempenho de veículos impressos e digitais (Fonte: site IVC). 20 Critério de Classificação Social ABEP (Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa) – Classe B =
população com renda mensal média de R$ 3.492,00 e Classe A = população com renda mensal média de R$
10.672,00.
59
informações disponíveis no site da Folha de São Paulo, o veículo tem 2.204.000 leitores e o
perfil de classe social está fortemente concentrado na classe AB (73%). O jornal, segunda
pesquisa do Ibope TGI, referente aos meses de agosto de 2010 a agosto de 2011, atinge
diversas faixas etárias de 12 a 75 anos, sendo que 81% se concentram entre 25 e 64 anos.
A pesquisa teve como fonte o acervo digital dos dois veículos, considerados de grande
circulação nacional. O objetivo era identificar, em um primeiro momento, o surgimento da
palavra “sustentabilidade” nas matérias e publicidades dos dois meios. Posteriormente, a
pesquisa incluiu a busca pela palavra “ecologia”. O período pesquisado considera a
disponibilidade das informações no acervo – Veja a partir de 1968 e Folha de São Paulo a
partir de 1921. No entanto, nossas pesquisas mostraram que as palavras sustentabilidade e
ecologia, objetos da busca, não apresentam um número relevante de menções em períodos
anteriores a 1992. Com base neste fato, concentramos a análise nas datas a partir de 1992,
quando ocorre a Conferência Rio 92.
Sabemos que a mídia se interessa pela cobertura jornalística de grandes eventos
principalmente quando estes têm as características de gerar discussões conflitantes e impactar
no dia a dia do cidadão. Como veremos a seguir, a cobertura da mídia para o tema
sustentabilidade ambiental carrega estes elementos.
No rastro das discussões promovidas pelos fóruns globais, as empresas se apropriam
do tema e incorporam as praticas de sustentabilidade ao seu negócio. Algumas o fazem
verdadeiramente investindo em processos produtivos que visam o desenvolvimento
sustentável. São empresas que podemos chamar de engajadas. Estas empresas divulgam seus
relatórios de sustentabilidade anualmente com seus compromissos e metas.
Outras se apropriam do tema somente na fala sem agir efetivamente em prol do meio
ambiente. Usam o discurso “ecologicamente correto” sem ações concretas ou com ações de
resultados insignificantes frente aos danos causados pela sua atuação. São as empresas que
dão um toque de verde na sua comunicação sem que isso reflita no seu processo produtivo ou
na forma como se relaciona com o consumidor.
4.2 A presença do tema na Revista Veja
Ao pesquisar o Acervo Digital da Revista Veja, entendemos que, conforme visto no
texto introdutório desta dissertação, o termo “desenvolvimento sustentável” começou a ser
60
utilizado em 1987, quando a Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento
lançou o documento Nosso Futuro Comum, conhecido também como Relatório Brundtland.
Até 1987, data do Relatório Brundtland, as menções ao tema “ecologia” na Revista
Veja não alcançam mais que 30 menções ao ano. Em 1989, dois anos após a divulgação do
Relatório, ocorrem 78 menções de “ecologia” nas edições de Veja. A partir de 1993, o tema
passa a ser mencionado com menor frequência, mas novas palavras como “sustentabilidade”,
começam a aparecer com maior intensidade (Gráfico 1).
Gráfico 1 – Número de Menções de Sustentabilidade e Ecologia
Aprofundando o conteúdo de nossa investigação, percebemos que a partir de 2005 e
2006 as empresas começam a usar o termo “sustentabilidade” em sua comunicação. Uma das
empresas pioneiras na utilização do termo foi o Banco Real21
, atualmente Banco Santander.
Em 2005, o Banco Real publica na revista Veja (edição 1913 – 13 de julho de 2005) uma peça
publicitária para divulgar sua preocupação com o meio ambiente (Figura 10). O foco da ação
do banco naquele momento era mostrar suas atividades relacionadas à reciclagem de papel e
reforçar o papel da empresa como uma transformadora de comportamento. A partir de 2005, o
Banco Real trabalhou de forma consistente seu posicionamento voltado para a
sustentabilidade. Após a aquisição do Real pelo banco espanhol Santander, a instituição
21 Banco Real: Instituição financeira brasileira fundada em 1927. Em julho de 1998 o ABN AMRO compra o
Banco Real de seu antigo controlador, Aloísio de Faria. Em 2007, é vendido para o consórcio formado pelo
Royal Bank of Scotland, pelo espanhol Santander e pelo belga-holandês Fortis. Disponível em: <
http://pt.wikipedia.org/wiki/Banco_Real>. Acesso em: 10 jan. 2012.
61
continua utilizando a sustentabilidade como um dos pilares de sua comunicação e de suas
ações.
Figura 10 – Publicidade do Banco Real na Revista Veja
Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 1913 de 13 de julho de 2005). Disponível em: <
http://veja.abril.com.br/acervodigital/>. Acesso em 14 jan. 2012.
Para termos uma visão da intensidade com que a mídia e a publicidade têm utilizado o
tema sustentabilidade, investigamos as edições da Revista Veja em três períodos:
Junho de 1982: dez anos antes da Conferência Rio 92
Junho de 1992: mês de realização da Conferência Rio 92
Junho de 2012: mês de realização da Conferência Rio + 20
Em um primeiro momento, fizemos a contagem das páginas dedicadas ao conteúdo
sobre sustentabilidade e meio ambiente (Gráfico 2). Para todos os períodos, consideramos as
quatro edições semanais da revista representando o mês de junho em cada ano. Partimos de
uma base de três páginas de matérias dedicadas aos temas em 1982 para 47 páginas de
matérias de conteúdo jornalístico em 1992. Com crescimento de 51% em relação ao mesmo
período em 1992, a Revista Veja veiculou 71 páginas de material jornalístico sobre a questão
do meio ambiente, aproveitando a oportunidade do grande encontro Rio +20.
62
Gráfico 2 – Número de páginas dedicadas ao tema sustentabilidade ambiental
Além do conteúdo jornalístico, investigamos o número de páginas dedicadas à
publicidade. Enquanto em 1982 apenas três páginas de anúncios foram veiculados no mês de
junho, em 1992 e 2012 foram veiculados respectivamente 29 e 31 páginas de propagandas
cujo tema central era o meio ambiente.
Em 1992, a primeira edição do mês, datada de 03 de Junho (Edição 1237), tinha sua
capa dedicada ao tema com o título “O mundo se encontra no Rio” (Figura 11). O subtítulo da
capa dessa edição tratou de prenunciar a situação de conflito que iria permear o encontro:
“Estrelas, temas e brigas da maior conferência ecológica da História”.
63
Figura 11 - Capa da Revista Veja (edição 1237 de 3 de Junho de 1992)
Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 1237 de 3 de junho de 1992). Disponível em: < http://veja.abril.com.br/acervodigital/>. Acesso em 14 jan. 2012.
Com demandas distintas, assim como ocorreu em 1987, dois grupos se formaram para
a discussão: os “países ricos” e os “países em desenvolvimento”. Fácil compreender essa
separação, uma vez que os assuntos a serem discutidos impactariam diretamente na economia
e desenvolvimento das nações. O Brasil, como sede do encontro, tomou posição de destaque
na defesa dos interesses dos países em desenvolvimento. Com posições antagônicas aos
Estados Unidos, em relação às políticas de transferência de tecnologia, adoção de processos
de conservação do meio ambiente e origem dos recursos financeiros, o Brasil procurou
explicitar em seu discurso a necessidade de um maior compromisso dos países ricos em
relação à preservação do meio ambiente e ajuda financeira aos países menos desenvolvidos.
Havia também naquele momento a expectativa de que a arena da Rio 92 fosse um espaço para
que o Brasil se mostrasse como um país independente e responsável, melhorando sua imagem
frente ao cenário internacional.
Embora tenha evoluído na discussão, o saldo da Rio 92 ficou aquém das expectativas.
Os principais compromissos assumidos foram relacionados ao meio ambiente (preservação
das florestas, redução de CO2, regulamentação da exploração da biodiversidade) e
transferência de recursos financeiros dos países ricos para os países em desenvolvimento.
Críticos do evento consideraram o resultado tímido e superficial, no sentido de estabelecer
metas e prazos para as ações.
64
Analisando os resultados após 20 anos, podemos concluir que a Rio 92, apesar da forte
presença e influência dos países ricos, foi o primeiro grande fórum onde houve espaço para
gerar visibilidade para os países tidos como pobres e em desenvolvimento.
A mídia, na ocasião, representada aqui pela revista Veja, utilizou imagens e títulos
impactantes para trazer à luz do público geral a postura hegemônica e egocentrada dos
Estados Unidos. Os números mostravam que o país, com 5% da população mundial, era
responsável pelo consumo de 25% da energia do planeta e por 25% das emissões de CO2 no
mundo. Como um país com tal responsabilidade poderia criticar o desmatamento da
Amazônia, uma área fora de sua jurisdição? Claro que a falta de controle e políticas
ambientais do Brasil não podiam ser justificadas pelo comportamento errático da nação mais
rica do mundo. No entanto, é importante pontuar que éramos corresponsáveis pelas situações
vigente e futura, e que os países ricos teriam um importante papel de financiadores e modelos
em gestão ambiental.
Em 2012, a Revista Veja destinou a capa da edição de 20 de Junho para o evento Rio
+20 (Figura 12). Sob o título “Verdades inconvenientes - As reais questões ambientais que
afetam as pessoas aqui e agora foram esquecidas”, a publicação destinou 34 páginas para a
conclusão sobre os resultados do evento. Permanece, 20 anos após o primeiro grande
encontro, a sensação de impasse nas decisões e necessidade de um longo caminho para as
soluções.
65
Figura 12 – Capa da Revista Veja (edição 2274 de 20 de junho de 2012)
Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 2274 de 20 de junho de 2012). Disponível em: <
http://veja.abril.com.br/acervodigital/>. Acesso em 14 jan. 2012.
Essa edição especial da Revista Veja foi dividida em oito seções: Diplomacia, História,
Demografia, Ideias, Índios, Vida Marinha, Biodiversidade e Ponto de Vista. Na seção
Diplomacia, a revista detalha o entrave político do qual participam delegações de 190 países.
Uma das principais questões que estavam em discussão era a ajuda financeira dos países ricos
para os países em desenvolvimento. Para essa questão, dois blocos econômicos se formaram:
os “contra” – União Europeia, Estados Unidos, Coreia do Sul e Japão – e os “a favor” - Brasil,
Rússia, China e Índia. Afetados pela crise, o bloco formado por Europa e Estados Unidos
mantém posição reticente em relação a sua responsabilidade como financiador da economia
sustentável.
Na seção Ponto de Vista, a Revista Veja traz uma entrevista com o jornalista inglês
James Delingpole, adepto à corrente dos ambientalistas céticos. Delingpole defende que a tese
dos ambientalistas sobre o aquecimento global se tornou uma grande indústria. O jornalista
afirma que o aquecimento global não é uma questão científica e sim um movimento politico
contrário à democracia. Na sua opinião, a agenda política do movimento verde “explora a
histeria publica para contornar o processo democrático”. Para ele, o pânico criado em torno do
aquecimento global desvia a atenção de questões mais relevantes como a pesca predatória e
escassez de água potável.
66
A mensagem dos ambientalistas céticos é clara: crescimento econômico e preservação
do meio ambiente não são incompatíveis, como os ambientalistas mais radicais pregam. É
necessário ter uma visão descolada do radicalismo para caminhar no sentido do crescimento
sustentável.
Viveiros de Castro (2012) critica a postura da imprensa quando se refere às questões
ambientais referindo-se a ela como “suspeitamente lacônica, distraída e incompetente”
(CASTRO, 2012, informação eletrônica). Concordamos com esse ponto de vista quando
analisamos a presença do tema na mídia impressa. Embora tenha evoluído nos últimos 20
anos, a abordagem ainda é superficial, inconstante e pouco esclarecedora no sentido de
propostas de soluções e ações de mobilização.
Para a análise da publicidade nas edições especiais da Revista Veja, selecionamos
alguns anúncios que acreditamos demonstrar a evolução da linguagem publicitária das
empresas. Para mostrar diferentes abordagens do tema, situadas em momentos distantes e
distintos, selecionamos duas peças publicitárias antagônicas.
Na edição de 1992, selecionamos o anúncio da empresa Nestlé (Figura 13),
multinacional suíça atuante no segmento de alimentos. O anúncio veiculado na Veja mostra
uma imagem de devastação da natureza sob o título “Voa sanhaço, foge ligeiro que o homem
vem ai”. Ao lado da foto, o seguinte texto:
O que o homem ganha queimando as florestas, poluindo os rios e envenenando o ar?
Quando o verde é vivo, o ar é puro e a água é limpa, os pássaros se aproximam de
nós cantando com alegria. Em vez de voar para bem longe fugindo de medo. Até
quando vamos continuar afugentando a vida? Preserve o meio ambiente. Respeite a
fauna e a flora. Proteja a natureza (O QUE o homem ganha..., 1992, informação
eletrônica).
67
Figura 13 – Publicidade da Nestlé na Revista Veja (edição 1237 de 3 de junho de 1992)
Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 1237 de 3 de junho de 1992). Disponível em: <
http://veja.abril.com.br/acervodigital/>. Acesso em 14 jan. 2012.
A logomarca da Nestlé é conhecida mundialmente por utilizar a imagem de um ninho
com filhotes e a mãe pássaro alimentando a cria. A origem de sua logomarca está vinculada ao
primeiro produto comercializado pela empresa: a Farinha Láctea Nestlé, cuja principal função
é a nutrição infantil. Nesse anúncio, a Nestlé utilizou a ameaça à fauna e flora, associando-a
ao principal elemento de sua logomarca: o pássaro. A imagem mostra o fogo ainda em ação,
destruindo a mata. A logomarca da Nestlé ganha vida na imagem de um pássaro voando,
remetendo ao titulo do anúncio. O título, por sua vez, foi retirado da música Passaredo, de
Francis Hime e Chico Buarque. A letra dessa canção desfila uma série de espécies de pássaros
e suas estrofes são concebidas como um alerta à fauna para a presença do ser humano como
predador.
A construção do texto desse anúncio enfatiza a preocupação com os danos ambientais
causados pelo homem, através do uso da contraposição de ideias: queimando florestas versus
verde vivo, envenenando o ar versus ar puro, cantando com alegria versus fugindo de medo.
O texto é finalizado com o discurso impositivo: “Preserve o meio ambiente. Respeite a fauna
e a flora. Proteja a natureza”. Não há em momento algum a menção a atividade da empresa no
68
sentido de preservação da natureza. A Nestlé se apropria de um fato isolado e sem relação
alguma com sua atividade industrial para vincular sua marca ao tema de proteção ambiental. A
empresa perde a oportunidade de mostrar como atua sobre esse tema e ainda coloca nas mãos
do consumidor toda a responsabilidade pela preservação da natureza.
Investigando a história da marca no Brasil e sua atuação em programas sustentáveis,
concluímos que a Nestlé não se coloca, em 1992, como agente de preservação em sua
comunicação, simplesmente porque não tinha nenhuma política de sustentabilidade na
ocasião. O relatório “Criando Valor Compartilhado 2011”, disponível no site da empresa,
mostra que somente a partir de 1998 a empresa trouxe para o Brasil o modelo de sua matriz,
chamado NEMS – Nestlé Environmental Management System (Sistema Nestlé de Gestão
Ambiental).
Portanto, no ano de 1992, a empresa aproveitou o momento de um grande evento
ecológico para dar visibilidade à sua marca sem ter ações concretas para divulgar. Poderia ser
apenas um caso de oportunismo, mas a linha de comunicação escolhida para a marca
demonstra um desejo de se isentar de suas responsabilidades, colocando a obrigação nas mãos
dos seres humanos, nesse caso, seus consumidores.
Avançando nossa investigação em 20 anos, selecionamos a comunicação veiculada
pelo Grupo Boticário na Revista Veja, edição especial para a Rio +20 (Figura 14).
Figura 14 – Publicidade de O Boticário na Revista Veja (edição 2274 de 20 de junho de 2012)
Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 2274 de 20 de junho de 2012). Disponível em: <
http://veja.abril.com.br/acervodigital/>. Acesso em 14 jul. 2012.
69
O Boticário é uma indústria brasileira estabelecida em 1977, que comercializa seus
produtos de higiene pessoal e cosméticos através de sua rede de lojas. Em 1990, a empresa
criou a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, hoje referência mundial no
respeito à biodiversidade. Segundo dados divulgados pela empresa, a Fundação já investiu
mais de R$ 20 milhões em ações de preservação da natureza.
O anúncio de O Boticário veiculado na revista Veja mostra a fauna e flora da Mata
Atlântica e do Cerrado, duas áreas de preservação que recebem recursos da Fundação
Boticário. Diferente do anúncio da Nestlé, analisado anteriormente, o Boticário decidiu
mostrar os resultados das ações de preservação e não os efeitos da devastação. O título do
anúncio, “Beleza não é só o que a gente vê e admira. Beleza é o que a gente faz. Há 22 anos”,
tem relação direta com o negócio da empresa que produz e vende produtos de beleza,
perfumes e cosméticos. A explicação para as frases “Beleza é o que a gente faz. Há 22 anos”
está no texto do anúncio, no qual a empresa detalha sua atuação na Mata Atlântica e no
Cerrado.
Esse é um exemplo de como uma empresa pode usar a publicidade para comunicar seu
posicionamento no mercado, através da divulgação de ações concretas. A empresa aproveita o
evento Rio 20+ para reforçar seu compromisso com o meio ambiente. Compromisso esse já
estabelecido há 22 anos, portanto dois anos antes da Eco 92. Mais uma indicação de que a
empresa se antecipou ao movimento de proteção ao meio ambiente, sem a intenção única de
vincular sua imagem ao evento. Isso indica que, para o Boticário, a preocupação com o meio
ambiente realmente deve fazer parte da sua essência e que a empresa age nesse sentido em seu
processo de produção.
A próxima análise que faremos visa mostrar a evolução da comunicação de uma marca
ao longo dos anos. Escolhemos para esta analise a comunicação do Banco Real, instituição
incorporada pelo Banco Santander.
Como já mencionamos anteriormente, o Banco Real utilizou constantemente o tema
meio ambiente em sua comunicação. O que vamos analisar a seguir são as diferentes
linguagens e abordagens utilizadas em momentos distintos.
A primeira peça publicitária selecionada foi extraída da edição nº 720 de 23 de Junho
de 1982 (Figura 15), 10 anos antes da Eco 92. Nesse período, o Banco Real tinha seu
principal negócio voltado para o crédito rural e sua comunicação mostrava a preocupação do
banco com os cuidados com a terra e agricultura.
70
Figura 15 – Publicidade do Banco Real na Revista Veja (edição 720 de 20 de junho de 1992)
Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 720 de 20 de junho de 1992). Disponível em: <
http://veja.abril.com.br/acervodigital/>. Acesso em 14 jan. 2012.
O tom da comunicação do Banco Real nessa peça é de consultor em cuidados com a
terra. O banco se propõe a orientar o seu cliente do segmento rural a cuidar da sua terra de
forma mais eficiente. O Real não camufla suas intenções quando se coloca como consultor
técnico em agricultura. Os objetivos de ganhos financeiros são explícitos no texto da
propaganda:
O Banco Real, como banco profundamente ligado ao campo, sabe que a terra
cansada pode ficar mais fértil do que ela já foi um dia. Basta que você acredite nela
e adote as Práticas de Conservação do Solo. Divida sua propriedade em glebas,
destinando cada uma para a cultura mais adequada, pasto ou reflorestamento.
Abandone a aração sem critério e faça seus tratoristas e administradores aprenderem
a riscação e o plantio em nível. Analise a terra e reponha o que ela perdeu. A
adubação exagerada e desnecessária, leva o seu dinheiro e ainda vai poluir rios, afetando o equilíbrio ecológico. Você vai ver que, mesmo as terras cansadas, vão
produzir mais, colheita após colheita. O investimento em Práticas de Conservação
do Solo é sempre lucrativo, aumenta muito o valor do seu patrimônio (O BANCO
REAL..., 1982, informação eletrônica).
71
O Banco Real coloca com habilidade os riscos do não uso das práticas de conservação
do solo. Sem usar a palavra sustentabilidade, o banco já estava em busca de orientar seus
clientes para o desenvolvimento sustentável. O mérito do Real nessa peça publicitária é
colocar-se como expert em conservação de solo, sem perder o foco em seu negócio central.
Como instituição financeira, não mascarou o interesse pela lucratividade e aumento de
patrimônio.
A segunda peça publicitária selecionada, já citada anteriormente, foi veiculada no ano
de 2005 (Figura 16). Neste material, embora o Banco Real não mencione a palavra
sustentabilidade no texto, já usa o conceito para divulgar suas ações. A ação escolhida entre
tantas que o banco promovia é a do uso de papel reciclado em sua comunicação interna e
externa. Pelo texto do anúncio, o banco reforça seu compromisso com a sociedade através de
práticas socioambientais corretas e pede a colaboração do consumidor no sentido de reduzir o
consumo, reciclar e reutilizar. Importante destacar o tom de sugestão adotado pelo Banco Real
na orientação ao consumidor. Em um primeiro momento, o banco divulga a sua ação e, ao
final do texto, sugere: “Faça como o Banco Real: reduza o consumo, reutilize quando não for
possível reduzir e recicle sempre que puder”.
Figura 16 – Publicidade do Banco Real na Revista Veja (edição 1913 de 13 de julho de 2005)
Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 1913 de 13 de julho de 2005). Disponível em: <
http://veja.abril.com.br/acervodigital/>. Acesso em 14 jan. 2012.
As imagens desse anúncio do Banco Real enfatizam a importância do movimento
socioambiental para garantir o futuro da humanidade. O verde da natureza e os personagens
infantis serão usados em profusão na construção da ideia de sustentabilidade em anúncios de
empresas de todos os segmentos. Não aprofundaremos a análise destes signos, mas podemos
afirmar, através da observação ao longo dos anos, quais os signos que trazem de imediato o
72
significado de sustentabilidade: natureza, fauna, flora, crianças, planeta Terra garantem forte
associação ao tema. Exemplificaremos essa afirmação mais a frente.
O Banco espanhol Santander adquiriu o Banco Real no ano de 2007 e incorporou o
posicionamento voltado para sustentabilidade que havia sido trabalhado pelo banco brasileiro
durante décadas. Para exemplificar o estágio atual da comunicação da instituição,
selecionamos uma peça publicitária veiculada na edição especial da Revista Veja sobre a
Rio+20 (Figura 17).
Figura 17 – Publicidade do Banco Santander na Revista Veja (edição 2274 de 20 de junho de 2012)
Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 2274 de 20 de junho de 2012). Disponível em: <
http://veja.abril.com.br/acervodigital/>. Acesso em 14 jul. 2012.
Neste terceiro anúncio selecionado, o banco reforça sua escolha por assumir o
compromisso com o desenvolvimento sustentável, sem ignorar seu objetivo de fazer negócios
que tragam benefícios para a instituição, para os clientes e para sociedade. Seu objetivo
principal como instituição financeira é explicito. É evidente que, quando envolto neste clima
de bem-estar da sociedade, o objetivo financeiro tem sua aspereza e antipatia atenuadas.
Os personagens escolhidos, uma criança e o pai, preenchem a comunicação com o
significado de preocupação com o futuro. A natureza está presente, assim como na
comunicação de 2005, compondo o cenário que traz o meio ambiente como destaque.
No texto da comunicação de 2012, o Santander se auto define como um banco
sustentável e afirma que participa da Rio+20, patrocinando fóruns para a discussão de novas
ideias e apoiando projetos sustentáveis. As palavras “sustentável” e “sustentabilidade”
aparecem seis vezes no texto do anúncio, demonstrando que seu uso já foi incorporado pela
73
comunicação de massa. Na comunicação de 2005, a palavra aparecia somente uma vez no
rodapé do anúncio para divulgar o site do banco.
Percebemos uma evolução importante da comunicação da instituição financeira ao
longo dos anos avaliados. O banco partiu de um público alvo e tema restrito, agricultores e
tratamento do solo em 1982, evoluiu para a abordagem mais próxima da sociedade com o
anúncio de 2005, no qual comunicava uma ação especifica, para em 2012 firmar seu
compromisso com a sociedade e o meio ambiente de forma mais ampla. Podemos concluir
que suas ações e sua imagem de instituição preocupada com o desenvolvimento sustentável
estão consolidadas.
O último exemplo servirá para ilustrar como o tema sustentabilidade ambiental já está
incorporado pelo cidadão comum. Através do anúncio do Banco Bradesco, veiculado na
edição especial da Revista Veja de 20 de Junho de 2012 (Figura 18), percebemos como já é
possível substituir palavras por imagens que têm significado relevante para o tema. Na
propaganda do Bradesco, a presença de três elementos tem potencialidade para comunicar a
mensagem de sustentabilidade: o globo terrestre, a criança e o verde da natureza. A
representação do Planeta Terra pelo globo terrestre reúne todas as áreas de preocupação
relacionadas ao desenvolvimento sustentável: preservação do meio ambiente, bem-estar dos
povos, qualidade de vida, economia sustentável. O globo terrestre nas mãos de uma criança
tem a capacidade de mostrar, por um lado, a urgência da preocupação com o futuro das
gerações mais jovens. Mas, por outro lado, coloca nas mãos desta geração a responsabilidade
em garantir que o planeta seja preservado. A infância é beneficiária do movimento desde que
seja atuante em prol da sustentabilidade. Na foto, a criança mantém a inocência infantil em
sua aparência e ainda agrega, através de seu olhar, a determinação e segurança que o
movimento ecológico espera das novas gerações. O verde que preenche o cenário remete
diretamente à natureza e os tons vivos mostram a pujança da mesma. A mensagem é clara: o
futuro está nas mãos das novas gerações. Conforme vimos anteriormente, essa ideia está
sendo propagada desde a elaboração da Agenda 21 e tem sido constantemente utilizada pela
comunicação das empresas.
74
Figura 18 – Publicidade do Banco Bradesco na Revista Veja (edição 2274 de 20 de junho de 2012)
Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 2274 de 20 de junho de 2012). Disponível em: <
http://veja.abril.com.br/acervodigital/>. Acesso em 14 jul. 2012.
4.3. A presença do tema na Folha de São Paulo
O acervo digital da Folha de São Paulo, nossa segunda fonte de pesquisa, também
demonstra um pico de menções do termo Ecologia em 1992, com 561 menções durante o ano.
A partir de 1992, as menções de Ecologia atingem a média de 200 a 300 menções/ano. É a
partir de 2002, dez anos após a Rio 92, que o termo Sustentabilidade começa a ganhar maior
espaço na mídia (Gráfico 3). A partir de 2010, o termo Sustentabilidade ultrapassa as menções
de Ecologia nas páginas da Folha de São Paulo.
Temos como hipótese que o amadurecimento do tema demorou cerca de 10 anos e
ganhou força à medida que passou a ser discurso das indústrias. Nesse período, centenas de
empresas, que até então eram predadoras da natureza, iniciaram a revisão de seus processos
produtivos e de distribuição. Dessa forma, investiram em uma plataforma de comunicação
baseada em ações “ecologicamente corretas”. Note-se que estamos mencionando o fenômeno
como “comunicação baseada em abordagem ecológica” e não necessariamente ações efetivas.
Não trataremos nesta dissertação das diferenças entre o que a empresa comunica e o que
efetivamente faz para o bem-estar da sociedade. Sabemos que muitas vezes empresas
oportunistas usam o discurso politicamente correto e resvalam para o incorreto em suas ações,
sejam elas relacionadas ao trato do meio ambiente ou até mesmo de sua cadeia produtiva.
75
Gráfico 3 – Número de Menções para Sustentabilidade e Ecologia na Folha de São Paulo
Investigando o conteúdo dessas inserções na Folha de São Paulo, encontramos, além
de notícias, alguma publicidade de empresas e do Governo brasileiro. O aumento das menções
a sustentabilidade, a partir de 2002, está fortemente concentrado no uso da palavra em
matérias de conteúdo jornalístico e campanhas de conscientização.
Analisando a cobertura jornalística dos dois principais eventos mundiais, Eco 92 e Rio
+20, pelo jornal Folha de São Paulo, encontramos a seguinte situação em termos
quantitativos (Gráfico 4):
Gráfico 4 – Número de Páginas dedicadas aos eventos Eco 92 e Rio +20 no jornal Folha de São Paulo
76
Para esse levantamento, foi considerado o período de realização dos eventos,
adicionando um dia anterior ao inicio e um dia posterior ao término dos encontros. Portanto,
para a Eco 92, o período investigado compreende 14 dias, de 2 de Junho a 15 junho de 1992.
Para a Rio +20, o período é de 12 dias, entre 12 de Junho e 23 de Junho de 2012. O objetivo
era compreender o tamanho do interesse dos veículos pelo tema e o tom atribuído aos eventos
durante a cobertura.
Vale ressaltar que, entre as 36 páginas dedicadas à Eco 92, encontramos sete páginas
que tratavam do caso do Cacique Paiakan, acusado de estupro. Excluindo esse fato, podemos
concluir que o espaço dedicado aos dois eventos no jornal Folha de São Paulo foi
praticamente o mesmo: 29 páginas para a Eco 92 e 28 páginas para a Rio +20. Mesmo
considerando que utilizamos, em função da duração dos eventos, números de dias diferentes
para cada ano, temos uma média de 2,07 páginas por dia para a Eco 92 e 2,33 páginas por dia
para a Rio +20. Como não há diferença significativa entre estas médias, podemos concluir que
o espaço cedido para o tema em 1992 e 2012 foi praticamente idêntico.
Outra semelhança entre as duas coberturas feitas pela Folha de São Paulo foi o espaço
cedido para o tema na primeira página da publicação. Tanto a Eco 92 como a Rio+20 foram
citadas na primeira página em caixas de texto de 15 a 20 linhas sem destaque, como manchete
principal.
Ao analisar o conteúdo jornalístico, percebe-se que, tanto em 1992 como em 2012, o
veículo explorou os conflitos econômicos e a dúvida sobre a eficácia dos eventos. A chamada
para a Eco 92 na edição do dia 2 de junho, um dia antes da abertura do evento, era a seguinte:
“Ciência teme ideologia irracional na Eco 92”. Sob este título, o jornal expunha a
preocupação de um grupo de cientistas com as posturas radicais em torno do tema. Esse
grupo, formado por renomados especialistas da área, destacava a importância em se tratar o
problema de forma a não retardar o desenvolvimento das nações. Para eles, as resoluções da
Eco 92 não poderiam se opor ao progresso científico e econômico.
O título do fechamento da cobertura da Rio 92, na edição de 15 de junho, foi: “Tom de
decepção marca discursos no encerramento da Cúpula da Terra”. Embora os críticos tenham
concordado positivamente com a evolução da discussão concretizada pela Agenda 21, a
decepção foi atribuída às questões de ordem financeira. Os investimentos previstos para
colocar em prática as determinações da Agenda 21 ficaram aquém da real necessidade e os
países detentores das verbas não se comprometeram com prazos para realizar os
investimentos.
77
Para o Brasil, o evento foi de grande importância para sua exposição, em nível
mundial, e o país fez jus ao papel de anfitrião. Além desses aspectos, assim como ocorreu em
1972, por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre o Homem e o Meio Ambiente em
Estocolmo, o Brasil liderou a discussão sobre a necessidade de desenvolvimento dos países
mais pobres, contrariando a posição de países ricos que tinham como objetivo impedir o
progresso das nações mais pobres como forma de preservação do meio ambiente.
Em 2012 no dia 12 de junho, dia anterior ao inicio da Rio +20, a manchete que abriu a
cobertura do evento destacava: “Cúpula já tem impasse entre países ricos e pobres”. O
impasse, mais uma vez, estava relacionado às questões financeiras. Os acordos firmados na
Eco 92 previam que os países ricos seriam responsáveis por um aporte maior de investimentos
em prol do desenvolvimento sustentável. Decorridos 20 anos, com agravamento da crise
mundial que afeta principalmente os países da Europa e Estados Unidos, as nações mais
desenvolvidas ainda questionam essa determinação. Diante desse cenário, compreendemos
que a possibilidade de grandes avanços estava limitada.
A manchete do fechamento da cobertura da Rio +20 feita pela Folha de São Paulo
apresentava o título: “Lideres adiam decisões e fim de cúpula tem tom melancólico”. Como as
manchetes iniciais já prenunciavam, os interesses divergentes impediram avanços mais
concretos na elaboração do documento final do encontro.
Citadas as semelhanças acima entre as coberturas da Folha de São Paulo para os
eventos Eco92 e Rio +20, identificamos duas diferenças em relação à localização editorial das
mesmas. A primeira delas se refere ao caderno escolhido pela Folha para tratar os temas dos
eventos. Enquanto, em 1992, a cobertura da Eco 92 mereceu um caderno especial somente no
primeiro dia e nas outras datas estava inserida no Primeiro Caderno, o periódico optou por
inserir a cobertura da Rio +20 no caderno Cotidiano.
O Primeiro Caderno tem como temário principal economia e política. Já o caderno
Cotidiano traz informações sobre o dia a dia das cidades, com foco em São Paulo. A seção
“Atmosfera”, na qual o jornal divulga previsões do tempo para o estado de São Paulo e para o
Brasil, também migrou do Primeiro Caderno para o caderno Cotidiano, no período entre os
anos de 1992 e 2012.
A hipótese para essa mudança ter ocorrido nesse período de 20 anos é o fortalecimento
da discussão sobre o meio ambiente e o conceito de sustentabilidade nas esferas da sociedade
civil. A Folha de São Paulo, acompanhando esse fortalecimento, reconheceu que o tema
tomou corpo e relevância para os cidadãos sendo, portanto, inserido em seu dia a dia.
78
Atualmente, o conceito sustentabilidade tem forte presença na comunicação das
empresas públicas e privadas e, para o cidadão comum, está diretamente associado ao
consumo consciente. Dessa forma, faz sentido a Folha de São Paulo tratar a cobertura da Rio
+20 como uma tema do cotidiano.
Embora tenhamos constatado que, quantitativamente, a Folha de São Paulo destinou o
mesmo numero de páginas para a cobertura da Eco 92 e da Rio +20, um importante veículo de
mídia de massa foi incorporado pelo jornal em 2012. A Folha criou um site especial para a
cobertura na internet: www.folha.com/riomaisvinte. Criado por ocasião do evento, o site
permanece no ar até os dias de hoje, com atualizações diárias para o tema. De acordo com
dados do estudo realizado pelo instituto de pesquisas Ipsos,22
44% da população brasileira tem
acesso à internet (Pesquisa Cetelem BGN / Ipsos – 2011). Junto à classe AB, público alvo do
jornal Folha de São Paulo, 78% dos entrevistados possui acesso à internet. Com o
crescimento da base de usuários de internet também junto à classe C, concluímos que cada
vez mais o meio digital é um importante canal de comunicação a ser utilizado pelas empresas.
Dados históricos do levantamento da Ipsos mostram que o acesso à internet junto a Classe C
cresceu de 30% em 2008 para 43% em 2011.
A publicidade na Folha de São Paulo
A segunda diferença percebida na análise da Folha de São Paulo está relacionada às
propagandas veiculadas no jornal ao longo da cobertura dos eventos.
Tradicionalmente, as propagandas veiculadas na Folha de São Paulo têm caráter
comercial. Assim, encontramos, tanto em 1992 como em 2012, uma profusão de propagandas
de concessionárias de automóvel, imóveis e bancos com oferta de produtos financeiros. Em
1992, não encontramos, ao longo do período investigado, nenhuma propaganda de empresas
de bens de consumo ou com menção ao tema meio ambiente e sustentabilidade.
Em 2012, por ocasião da cobertura da Rio +20, a Folha de São Paulo apresentou
veiculação de anúncios utilizando o tema sustentabilidade. A principal característica dos
anúncios está baseada no fato de que foram veiculados por Instituições ou Governos
promovendo seus projetos e ações em sustentabilidade: FIESP (Federação das Indústrias do
22 Ipsos – Instituto de Pesquisa multinacional líder no segmento de pesquisa Adhoc no Brasil
79
Estado de São Paulo), FIRJAN (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), CNI
(Confederação Nacional da Indústria) e Governo da Bahia.
Temos aqui dois pontos a serem comentados. O primeiro diz respeito ao desinteresse
das empresas de bens de consumo em utilizar o jornal como veículo para sua comunicação. O
jornal, por seu caráter de veiculação diária, exige uma estratégia de mídia diferenciada. Criar
uma peça publicitária que esteja inserida no contexto da noticia diária exige um esforço nem
sempre compensatório. A efemeridade do veículo diário também é um ponto a ser
considerado. Diferente de uma revista semanal, que tem a oportunidade de ser lida mais de
uma vez durante a semana e por um número maior de pessoas, o jornal tem vida útil menor.
Segundo Santaella (2010), a natureza descartável do jornal traz ao meio o sentido de
provisoriedade, requisito básico das culturas de massa.
Outra característica importante é a forma como a imprensa jornalística trata o tema em
suas matérias. A ANDI (Agência de Noticias dos Direitos da Infância) realizou um estudo em
2008 sobre a presença do tema “mudanças climáticas” na imprensa brasileira. Nesse estudo, o
órgão investigou 50 jornais no período de julho de 2005 a junho de 2007, incluindo a Folha
de São Paulo em sua análise. Uma das conclusões do estudo é que quase 42% dos textos
avaliados tratavam da mitigação dos efeitos do desenvolvimento econômico no meio
ambiente. Nesse contexto de divulgar ações e tecnologias de mitigação, os agentes mais
citados são as empresas privadas: 23,8% das matérias sobre o controle dos efeitos da
industrialização no meio ambiente trazem exemplos de indústrias privadas. O Governo
brasileiro é citado em 22,7% das matérias sobre mitigação. Dessa forma, as empresas privadas
ganham um espaço importante para expor suas ações em prol da sustentabilidade. A ação da
empresa, quando inserida em um contexto jornalístico de um veiculo de credibilidade, ganha
peso junto à opinião da sociedade. No caso da cobertura da Rio+20, diferente da tendência
apontada pelo resultado da analise da ANDI, as empresas privadas não foram citadas nas
matérias de cobertura do evento. Somente as associações como FIESP e FIRJAN marcaram
presença na pauta, sempre como defensores da discussão, em busca de soluções sustentáveis
que não coloquem em risco o desenvolvimento econômico.
Podemos identificar uma estratégia de comunicação das indústrias privadas no jornal
Folha de São Paulo para o período de cobertura de um evento do porte da Rio 20+.
Aparentemente, as indústrias escolheram as Federações Estaduais como porta-vozes de suas
ações em prol do meio ambiente. Com essa estratégia, as empresas otimizam seus
81
5. CONCLUSÃO
Na investigação sobre o tema “meio ambiente”, encontramos duas correntes
ideológicas: os ambientalistas e os ambientalistas céticos. É fato que a origem das discussões
foi impulsionada por interesses econômicos. Os grandes fóruns mundiais, embora não tenham
sido totalmente eficazes na definição de objetivos e metas, certamente têm sua importância
por abrir espaço para as discussões e colocar o tema na ordem do dia.
Enquanto os países ricos defendem sua posição imperialista, os países mais pobres
querem garantir o direito ao desenvolvimento. Nesse cenário, surgem os países em
desenvolvimento, bem representados pelo Brasil, e que se esforçam para ganhar espaço cada
vez mais influente nas decisões de ordem econômica.
Por sua vez, a imprensa brasileira, mais especificamente a mídia impressa, tem se
mostrado presente nas coberturas dos encontros e adotando postura crítica em relação aos
temas discutidos. De forma geral, a conclusão da cobertura dos principais eventos é finalizada
com o sentimento de que ainda há muito por fazer. Os meios de comunicação são claros ao
apontar os principais entraves de ordem econômica na busca por soluções de desenvolvimento
sustentável.
Concluímos que a linha editorial dos dois meios investigados manteve-se constante
durante a cobertura dos dois importantes eventos mundiais, Eco 92 e Rio+20. Os eventos
mereceram o mesmo destaque em termos quantitativos e o editorial se manteve questionador
em relação à efetividade dos eventos, no sentido de avançar para ações concretas.
Ao tratar o tema, o jornalismo usa em geral o tom alarmista. O senso de urgência está
presente nas matérias sobre a preservação do meio ambiente e, em geral, associado às
catástrofes da natureza.
Na avaliação da publicidade das empresas, percebemos uma evolução no discurso
utilizado, uma vez que a comunicação do tema sustentabilidade passa a exigir da empresa a
divulgação de ações concretas. Nem sempre são ações efetivas por si só, mas certamente têm
a pretensão de indicar que a empresa tem consciência ecológica.
No meio desse turbilhão de informações, está o consumidor. Este ser que é chamado a
todo instante a adotar uma postura “ecologicamente correta”. A responsabilidade de mudar o
curso da destruição da natureza é colocada nas mãos do ser humano e, para isso, ele precisa
decidir por algumas mudanças em seu comportamento, estilo de vida e hábitos de consumo.
A tendência aponta para que a sustentabilidade ambiental seja cada vez mais
incorporada como valor da sociedade, embora não possamos ocultar os aspectos que
82
dificultam esse movimento. Ser sustentável custa muitas vezes a liberdade. Liberdade de
escolher o produto mais barato, o produto mais adequado à sua rotina, o produto mais atraente
etc.
Pensamos que, ao longo dos anos, com a chegada das gerações mais jovens ao
mercado de consumo, essa dinâmica de escolha seja menos cerceadora. Os novos
consumidores surgem com um repertório maior sobre o tema e o mercado terá evoluído no
sentido de trazer soluções eficazes e adequadas às necessidades dos indivíduos.
83
6. BIBLIOGRAFIA
AGENDA 21. Relatório da Conferência Rio 92. Rio de Janeiro, 1992.
ANGELO, Claudio. O aquecimento global. São Paulo: Publifolha, 2007.
BARROS Carlos; LOPES Felipe; PERES Luiz. Teorias da Comunicação em Jornalismo:
reflexões sobre a mídia. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.
BAUMAN Zigmunt. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio
de Janeiro: Zahar, 2007.
BROWN, Lester R. Plan B 4.0: Mobilizing to save civilization. New York: W.W. Norton &
Company, 2009
CALOMARDE, José Vicente. Marketing ecológico. Madrid: Pirâmide, 2000.
CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação ambiental: a formação do sujeito
ecológico. São Paulo: Cortez Editora, 2008.
CASTRO, Eduardo Viveiros de. Outros valores além do frenesi do consumo. Milenio.
Disponível em: < http://www.outraspalavras.net/2012/09/20/outros-valores-alem-do-frenesi-
de-consumo/>. Acesso em: 20 set. 2012.
CHAUI, Marilena. Cultura e democracia – o discurso competente e outras falas. São Paulo:
Cortez Editora, 2005.
CORTEZ, Ana Tereza. Consumo sustentável. São Paulo: Unesp, 2007.
DELLEUZE, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
DIAS, Reinaldo. Marketing ambiental. São Paulo: Atlas, 2007.
DIAZ BORDENAVE, Juan E. O que é comunicação. São Paulo: Brasiliense, 1982
ECO, Humberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Perspectiva, 2010
EDWARDS, Andres R. The sustainability revolution. Canada: New Society Publishers, 2005.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979
FREUD, Sigmund. Psicologia das massas e análise do eu e outros textos. Tradução Paulo
Cesar de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
GLOBO RURAL. Disponível em:
<http://revistagloborural.globo.com/GloboRural/0,6993,EEC1709667-4527,00.html>. Aceso
em 13 jan. 2011.
HAMILTON, Jack. What is market research. ESOMAR. The Netherlands: Casparie, 1989.
84
HOFMEYR Jan; RICE Butch. Commitment-Led Marketing. The key to brand profits is the
customer`s mind. Cape Town, Juta &Co, 2000.
HORN, Greg . Living green: A practical guide to simple sustainability. Topanga: Freedom
Press, 2006.
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. Ensaio de antropologia simétrica . Rio de Janeiro,
Editora 34, 1994.
LEFF, Enrique. Discursos sustentáveis. São Paulo: Cortez Editora, 2010.
LINDSTROM, Martin. Brand sense: sensory secrets behind the stuff we buy. New York: Free
Press, 2005.
_____. Buy-ology. Truth and lies about why we buy. New York: Doubleday, 2008
LINO, Geraldo Luís. A Fraude do Aquecimento Global: Como um fenômeno natural foi
convertido numa falsa emergência mundial. Capax Dei, Rio de Janeiro, 2011
LOMBORG, Bjorn. The skeptical environmentalist: measuring the real state of the world.
United Kingdom: Cambridge University Press, 2001.
MALHOTRA, Naresh. Pesquisa de mercado. Uma orientação aplicada. Porto Alegre:
Bookman, 2001.
MARSHALL, Dave. Understanding children as consumers. London: Sage Publications,
2010.
MCLUHAN, H. M. O meio é a massagem. Rio de Janeiro: Record, 1967.
MATTELARD, Michèle; MATTELARD, Armand. História das teorias da comunicação. São
Paulo: Edições Loyola, 1999.
MCCRAKEN, Grant. Culture & consumption. Bloomington: Indiana University Press, 1951.
MCDONOUGH, William; BRAUNGART Michael. Cradle to Cradle: Remake the way we
make things. New York: North Point Press, 2002.
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Disponível em:
<http://www.mma.gov.br/biodiversidade/biodiversidade-brasileira>. Acesso em: 15 jan. 2012.
_____. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/cidades-sustentaveis/urbanismo-
sustentavel>. Acesso em: 15 jan. 2012.
_____. Disponível em: <http://hotsite.mma.gov.br/rio20/>. Acesso em: 15 jan. 2012.
NATURA. Disponível em: <http://scf.natura.net/NaturaESociedade/>. Acesso em: 14 jan.
2011.
85
PEREZ, Clotilde. Signos da marca: expressividade e sensorialidade. São Paulo:
ThomsonLearning, 2004.
PEREZ, Clotilde. Universo sígnico do consumo: o sentido das marcas. Tese de livre-docência
defendida junto à ECA – USP. São Paulo: EDUSP, 2007.
PINHEIRO, Amalio. O meio é a mestiçagem. São Paulo, Estação das Letras e Cores Editora
Ltda., 2009
PORTILHO, Fátima. Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania. São Paulo: Cortez,
2005.
PROGRAMA PARAMETROS EM AÇÃO. Meio ambiente na Escola. Ministério da
Educação, Brasília, 2001.
R. EHRENFELD, John. Sustainability by design: A subversive strategy for transforming our
consumer culture. Langley: Many Rivers Press, 2008.
RELATÓRIO BRUNDTLAND. Nosso Futuro Comum. ONU, 1987.
RELATÓRIO ESTADO DO MUNDO. Inovações que nutrem o Planeta. The Worldwatch
Institute – Instituto Akatu, 2011.
RELATÓRIO Mudanças Climáticas na Imprensa Brasileira. ANDI, 2007.
RELATORIO PETROBRAS DE SUSTENTABILIDADE. Disponível em:
<http://www.petrobras.com.br/pt/noticias/lancamos-nosso-relatorio-de-sustentabilidade-
2011/>. Acesso em: 10 ago. 2012.
RELATÓRIO PRONEA. Ministério do Meio Ambiente, Brasília, 2005.
RELATÓRIO Rio +20. O Futuro que nós queremos (The Future we want), Rio de Janeiro,
Junho de 2012.
RELATÓRIO Sustainability for Tomorrow’s Consumer. World Economic Forum, 2009.
RELATORIO UNILEVER DE SUSTENTABILIDADE. Disponível em:
<http://www.unilever.com.br/sustentabilidade/planodesustentabilidadeunilever/>. Acesso em:
10 ago. 2012.
SANTAELLA, Lucia. Semiótica aplicada. São Paulo: ThomsonLearning, 2004.
______. A teoria geral dos signos – Semiose e Autogeração. São Paulo: Ática, 1995.
______. Comunicação e Pesquisa. São José do Rio Preto: Bluecom, 2010.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São
Paulo: Cortez Editora, 2006.
86
SANTOS, Boaventura de Souza. Globo News, São Paulo. Disponível em: <
http://g1.globo.com/globo-news/milenio/videos/t/programas/v/cientista-social-faz-analise-do-
desenvolvimento-no-mundo-atual-e-a-crise-europeia/2099412/>. Acesso em: 20 set. 2012.
SOLOMON, Michael R. O comportamento do consumidor – comprando, possuindo e sendo.
Porto Alegre: Bookman, 2002.
VEIGA, José Eli da. Sustentabilidade: a legitimação de um novo valor. São Paulo: Editora
Senac, 2010
WEBER, Karl; SAVITZ, Andrew. A empresa sustentável. Rio de Janeiro; Campus, 2007.
WORLD ECONOMIC OUTLOOK. Fundo monetário internacional, Washington D.C., 2012.