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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA CONHECIMENTO DE SI E UNIDADE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A ALMA EM PLOTINO RUAN FERNANDES DA SILVA DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO PROGRAMA DE PÓS-GRAUDAÇÃO EM FILOSOFIA PPGFIL, DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE, NA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO HISTÓRIA DA METAFÍSICA, COMO REQUISITO PARCIAL À OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE EM FILOSOFIA. ORIENTAÇÃO: PROF. DR. CICERO CUNHA BEZERRA NATAL 2014

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO … · estudou com seu mestre Amônio Sacas (175 – 240/242 d.C). A busca por conhecimentos filosóficos em outros

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

    CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

    CURSO DE PS-GRADUAO EM FILOSOFIA

    CONHECIMENTO DE SI E UNIDADE: CONSIDERAES SOBRE A ALMA

    EM PLOTINO

    RUAN FERNANDES DA SILVA

    DISSERTAO APRESENTADA AO

    PROGRAMA DE PS-GRAUDAO EM

    FILOSOFIA PPGFIL, DA

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO

    GRANDE DO NORTE, NA REA DE

    CONCENTRAO HISTRIA DA

    METAFSICA, COMO REQUISITO

    PARCIAL OBTENO DO TTULO

    DE MESTRE EM FILOSOFIA.

    ORIENTAO: PROF. DR. CICERO

    CUNHA BEZERRA

    NATAL

    2014

  • RUAN FERNANDES DA SILVA

    CONHECIMENTO DE SI E UNIDADE: CONSIDERAES SOBRE A ALMA

    EM PLOTINO

    NATAL

    2014

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

    CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

    CURSO DE PS-GRADUAO EM FILOSOFIA

    CONHECIMENTO DE SI E UNIDADE: CONSIDERAES SOBRE A ALMA

    EM PLOTINO

    RUAN FERNANDES DA SILVA

    BANCA EXAMINADORA

    _______________________________________________

    ________________________________________________

    ________________________________________________

    NATAL

    2014

  • AGRADECIMENTOS

    Deus primeiramente, por iluminar meu caminho me concedendo humildade, fora e

    sabedoria nesta jornada de conhecimentos;

    Aos mestres e amigos de toda ordem, incansveis no auxlio, no amparo e nas

    orientaes cruciais deste trabalho;

    Aos meus pais, Rui Incio da Silva e Ana Maria Fernandes da Silva por uma vida de

    amor e carinho que sempre me permitiram oportunidades de realizao dos sonhos e

    conquistas, alm da dedicao incansvel em muitas horas de audio e reflexo sobre

    os meus pensamentos;

    Ao meu orientador, Prof. Dr. Ccero Cunha Bezerra, meus sinceros agradecimentos,

    por sua dedicao, pacincia, sensibilidade e apoio ao longo de todo este processo de

    desenvolvimento filosfico;

    Ao meu tio, irmo e amigo Rafael pelo apoio e pelo incentivo nos momentos de

    companheirismo e amizade, bem como a amizade e o carinho de sua esposa, tia Simone;

    minha av Maria Jos Miller (vov Zez) pelo amor e apoio incondicional que

    mesmo a distncia no pde separar, sempre torcendo e incentivando os trabalhos do

    neto;

    minha tia Ione Maciel da Silva que se tornou um porto seguro para dilogos,

    comentrios e audies para todas as instncias do pensar;

    Ao meu grande amigo e irmo Miguel Pereira Neto, que como um verdadeiro guia dos

    navegantes, orientou os primeiros pensamentos e direcionamentos nesta odisseia

    filosfica;

    Para toda famlia do lado carioca que com muito amor acreditaram no trabalho,

    rogando por sucesso o desenvolvimento da rdua construo deste pensamento;

    toda famlia do lado potiguar que com muito carinho incentivaram e apoiaram este

    trabalho, principalmente Vov Luisa de Arajo Silva e in memoriam de Vov Romo

    Incio da Silva;

    Aos meus bisavs in memoriam Rafael Arajo e Elita Arajo

    Ao ns, representando toda a comunidade de amigos e colegas que acreditaram e

    apoiaram este trabalho desde o incio;

    Por fim, gostaria de lembrar algumas instituies que foram fundamentais nessa

    pesquisa: o Departamento de Filosofia da UFRN, pelo Curso de Mestrado e a CAPES,

    pela bolsa que me permitiu a dedicao pesquisa.

    A Plotino.

  • Muitas vezes, despertando do meu sonho

    corpreo e ficando estranho a qualquer

    outra coisa, contemplei no meu ntimo

    uma beleza maravilhosa e acreditava,

    sobretudo agora, pertencer a um destino

    mais alto; realizando uma vida melhor,

    unificado com o Divino e fundando sobre

    este, cheguei a exercitar uma atividade

    que me ala acima de qualquer outro ser

    espiritual. Mas, depois deste repouso no

    seio do Divino, descido do Esprito

    reflexo, eu me perguntei como

    possvel, ento, esta descida e de que

    modo alma conseguiu entrar no corpo,

    sendo o que ela em si mesmo, como me

    mostrou, mesmo estando num corpo.

    Plotino, Enada IV, 8 (6), 1, 1-12

  • RESUMO

    O objetivo desta dissertao desenvolver uma anlise sobre a ideia da

    imortalidade da alma a partir das Enadas de Plotino pela compreenso do discurso da

    alma como eterna, una-mltipla e em busca da simplicidade com o Uno diante da

    temporalidade do corpo mltiplo. Para tanto, iniciamos tentando analisar suscintamente

    as hipstases plotinianas (O Uno, o Esprito e a Alma) para melhor estabelecer as bases

    do pensamento de Plotino ao abordar o tema da ideia da alma e sua imortalidade.

    Procuramos examinar a epistme do pensamento de Plotino e sua dialtica no intuito de

    desenvolvermos uma compreenso das relaes existentes entre as matrias sensvel e

    inteligvel e as formas. Assim, desenvolve-se nas Enadas de Plotino o papel

    fundamental do Logos e dos Lgoi na formao da alma. Analisamos tambm na

    processo (prodos) e no retorno (epstroph) as implicaes dos aspectos da eternidade

    sobre a purificao da alma na temporalidade do corpo. Procuramos, por fim, na ideia

    da imortalidade da alma pelo conhecimento de si mesma a imortalidade na simplicidade

    do Uno, isto , o momento ltimo da busca do autoconhecimento pelo esquecimento de

    si para est s com o Uno: o despoja-te de tudo (Aphele pnta).

    Palavras-chave: Alma; Imortalidade; Autoconhecimento; Simplicidade; Plotino.

  • RIASSUNTO

    L'obiettivo di questa tesi quello di sviluppare una analisi dell'idea

    dell'immortalit dell'anima dalle Enneadi di Plotino attraverso la comprensione del

    discorso dell'anima come eterno, e unit-pluralit ricerca di semplicit con la Uno sulla

    temporalit del corpo multiple. Per fare ci, abbiamo iniziato cercando di analizzare

    brevemente le plotinianas ipostasi (l'Uno, lo spirito e l'anima) per stabilire meglio le

    basi del pensiero di Plotino quando si discute l'idea dell'anima e la sua immortalit.

    Cerchiamo di esaminare il pensiero epistme di Plotino e la sua dialettica, al fine di

    sviluppare una comprensione del rapporto tra materia e forma sensibile e intelligibile. In

    questo modo, si sviluppa nelle Enneadi di Plotino il ruolo fondamentale del Logos e il

    Logoi nella formazione dell'anima. Analizziamo anche la processione (Prodos) e

    ritorno (Epistroph) le implicazioni degli aspetti dell'eternit sulla purificazione

    dell'anima nella temporalit del corpo. Cerchiamo in ultima analisi, l'idea

    dell'immortalit dell'anima dalla conoscenza stessa immortalit sulla semplicit di

    Colui, cio, l'ultima volta che la ricerca della conoscenza di s dalla dimenticanza di s

    per solo con l'Uno: il "Elimina ogni cosa" (Aphele pnta).

    Parole chiave: Anima; Immortalit; Conoscenza di s; Semplicit; Plotino.

  • SUMRIO

    Introduo .................................................................................................................... 09

    1. Captulo I - A HENOLOGIA PLOTINIANA: DO UNO ALMA ..................... 13

    1.1. Uno (Hn) ........................................................................................................ 14

    1.2. ESPRITO (Nos) ............................................................................................... 21

    1.3. ALMA (Psuch) .................................................................................................. 31

    1.3.1. A UNIDADE DA ALMA E A MULTIPLICIDADE ..................................... 41

    2. Captulo II - DA EPISTME AO MTODO DIALTICO NA MATRIA

    SENSVEL E INTELIGVEL E NAS FORMAS ................................................... 49

    2.1. EPISTEME PLOTINIANA ................................................................................. 49

    2.2. DIALTICA PLOTINIANA .............................................................................. 55

    2.3. MATRIA SENSVEL E MATRIA INTELIGVEL ...................................... 58

    2.4. FORMAS ............................................................................................................ 67

    2.5. LOGOS EM PLOTINO ..................................................................................... 71

    2.6. DIFERENA LGICA ..................................................................................... 74

    3. Captulo III - DA IMORTALIDADE DA ALMA .................................................. 77

    3.1. O CONHECIMENTO DA ALMA COMO SUBSTNCIA REAL,

    TRANSCENDENTE E ETERNA PARA ALMA DO HOMEM. ......................... 77

    3.2. DA ETERNIDADE E DA DURAO NA IMORTALIDADE E O VALOR DO

    TEMPO. ..................................... ........................................................................... 85

    3.3. O Nos e o AUTOCONHECIMENTO EM PLOTINO. ........................................... 96

    3.4. A ALMA COM O CONHECIMENTO DE SI MESMA E DA IMORTALIDADE NA

    NA SIMPLICIDADE DO UNO. ........................................................................... 118

    4. CONCLUSO ........................................................................................................... 125

    5. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................... 132

    5.1. Fontes Primrias .............................................................................................. 132

    5.2. Bibliografia Sobre Plotino consultada ......................................................... 132

    5.3. Bibliografia Secundria ................................................................................... 135

  • 9

    INTRODUO

    A questo do autoconhecimento ou conhecimento de si um objeto de investigao

    epistemolgica e a finalidade de uma busca de natureza tica. Quando visto como objeto da

    investigao epistemolgica, o que se busca a explicao do como e o que conhecido.

    Quando visto como projeto tico, o que se busca a realizao de algo que leve

    o indivduo a ser mestre de si mesmo e, consequentemente, um ser humano melhor, ou uma

    alma, na compreenso da unidade, segundo a Filosofia de Plotino1. Filsofos como Scrates,

    Plato e Plotino fazem parte de uma tradio que compreendem o autoconhecimento como

    uma conquista ou realizao que traz sade e liberdade para o indivduo, mais precisamente

    para sua alma. Esse projeto tico tem suas razes no dito do orculo de Delfos que tanto

    influenciou Scrates: Conhece-te a ti mesmo2; ou pelas palavras de Plotino:

    obedeceramos quela recomendao do deus que nos exorta a conhecermos a ns

    mesmos (1985, p.84-85). De acordo com essa tradio, o autoconhecimento

    uma realizao, ao invs de algo dado ou prontamente disponvel ao indivduo. Para

    conhecer-se a si mesmo, o indivduo precisa refletir e interpretar a si mesmo. O conhecimento

    de si distingue-se do conhecimento de outras coisas (as coisas exteriores para o indivduo) por

    ser imediato, no sentido de no depender de evidncias. Pode-se dizer que o

    autoconhecimento fruto da introspeco.

    A imortalidade da Alma como resultado de autoconhecimento uma compreenso

    feita pelo exerccio da contemplao que repercute em um conhecimento de sua condio

    1 - Pautado em a Vida de Plotino por Porfrio, pode-se apresentar o seguinte quadro: Nascido na cidade de

    Licpolis, Egito, em 204 d.C., Plotino segue para a grande cidade de Alexandria onde permaneceu por 11 anos e

    estudou com seu mestre Amnio Sacas (175 240/242 d.C). A busca por conhecimentos filosficos em outros

    povos instigou Plotino, e aos 38 anos deixa Alexandria e se junta ao exrcito de Gordiano III na direo da

    Prsia. A campanha militar fracassou aps o assassinato de Gordiano e Plotino agora estava em terras estranhas e

    hostis, mas apesar das dificuldades encontrou um caminho para Antiquia. Na idade de 40 anos, segundo

    Porfrio, Plotino segue para Roma e l inicia as bases de sua escola filosfica, mas s comear a escrever aos 50

    anos e depois pede a Porfrio a ordenao de seus escritos. Seu crculo mais ntimo inclua Porfrio, Amlio da

    Toscana, e o senador Castro Firmo. Plotino tinha alunos de vrias partes do mundo, bem como do prprio senado

    romano. Conta Eunpio que Porfrio, aps haver estudado com Plotino, tomou horror ao prprio corpo e velejou

    para a Siclia, seguindo a rota de Odisseu, e ficou em um promontrio da ilha, sem se alimentar e evitando o

    caminho do homem; Plotino, que ou o estava seguindo ou recebeu informaes sobre o jovem discpulo, foi at

    ele e o convenceu com suas palavras, de modo que Porfrio voltou a reforar seu corpo para sustentar sua alma.

    Para Eustquio de Alexandria, o mdico e discpulo que dedicou-se ao aprendizado de Plotino e o assistiu at sua

    morte, aos 66 anos em 270 d.C. no segundo reinado do imperador Cludio II, Plotino deixou para ele, como

    legado de seu pensamento, as ltimas palavras: Esfora-te para elevar o que de divino existe em ns em

    direo ao que divino no universo. 2 - Conhece-te a ti mesmo quer dizer conhece a tua prpria alma Plato em Alcibadis I 129 a-130 e sobre

    tudo 130 e 8-9.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Plat%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Sa%C3%BAdehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Liberdadehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Or%C3%A1culo_de_Delfoshttp://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%B3crateshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Evid%C3%AAnciahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Introspec%C3%A7%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Porf%C3%ADriohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Am%C3%A9lio_da_Toscanahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Am%C3%A9lio_da_Toscanahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Senado_romanohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Senado_romanohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Eun%C3%A1piohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Sic%C3%ADliahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Odisseu
  • 10

    imortal na temporalidade, e que esta uma imagem (eidolon) de sua ideia original, ou seja,

    da eternidade do ser nos.

    Contudo, o pensamento de Plotino no comea pelo autoconhecimento, ou pela

    contemplao e muito menos pelos nveis de contemplao e tambm no se inicia pelo

    retorno (epistroph) e nem a processo (prodos), mas por uma resposta para entender o

    ponto central de onde todas as coisas partem ou se iniciam. O pensamento filosfico de

    Plotino possui um frontispcio, um prtico, pelo qual tudo comea e a entrada para sua

    filosofia o Uno. Tudo advm, procede e gerado a partir dele num transbordar contnuo e

    infinito. E como tudo advm dele, uma filosofia que possui seus conhecimentos a partir da

    referncia do Uno s poderia ter um sistema de pensamento pautado pela unidade3.

    O pensamento plotiniano se revela em dois sentidos de movimentos em sua

    henologia filosfica da unidade no decorrer da jornada de conhecimento da alma: no primeiro

    movimento h a processo (Prodos) e no segundo o retorno (Epistroph) e apesar de

    parecerem movimentos lineares para a unidade, eles no possuem nenhuma linearidade, muito

    pelo contrrio, pois para cada processo e retorno h um exerccio de contemplao.

    A unidade se revela pelo conhecimento da unidade em todas as coisas, mas,

    mantendo-se a diferena que distingue o Uno das outras coisas. H na filosofia de Plotino

    uma estrutura tridica Uno, Esprito e Alma (Hn, nos, psuch), mas estas trs hipstases,

    na verdade, formam uma unidade (Enada V 1, 6.40-45), pois as duas ltimas se voltam e se

    compreendem com a primeira.

    Essa pesquisa tem como objetivo desenvolver uma anlise sobre a ideia da

    imortalidade da Alma a partir das Enadas de Plotino e toma como ponto de partida o

    discurso sobre o aspecto da alma como eterna, una/mltipla e simples diante da temporalidade

    do corpo mltiplo. Em um primeiro momento feita uma anlise das Hipstases4 plotinianas

    e o papel fundamental do Logos no que concerne alma humana. Em especial uma anlise da

    alma em Plotino, sua unidade e sua individuao. Em um segundo momento feita uma

    anlise da epistme e do logos na alma individualizada e suas implicaes no que tange ao

    nos e o autoconhecimento. E por fim pensamos, a partir dos movimentos de processo e

    converso, as implicaes da eternidade da Alma, bem como as suas implicaes temporais.

    3 - Segundo Maria Simone (1999, p.12): o termo correto utilizado por Plotino ents. Porm, este termo

    quase nunca aparece no texto das Enadas, j que Plotino acaba atribuindo para a unidade o mesmo termo

    utilizado para o Uno (Hn).

    4 -Trata-se dos conhecimentos compreendidos por Plotino sobre as trs formas das quais hierarquicamente

    proveniente as processes, primeiro movimento e a converso ou retorno, o segundo movimento: as trs

    hipstases so o Uno (Hn), o esprito (nos) e a alma (psuch).

  • 11

    Expor a ideia da imortalidade da alma em Plotino na eternidade, na unidade e na simplicidade

    diante da transcendncia do corpo mltiplo no tempo.

    Para tanto a organizao e estruturao da ordem a ser seguida de fundamental

    importncia para que os objetivos propostos sejam alcanados. Assim, a pesquisa teve uma

    diviso de captulos apresentada em trs partes: numa prima parte com o captulo que

    desenvolve as Hipstases plotinias, como j mencionado, em que iniciamos pelo caminho

    processional a partir do Uno, primeira Hipstase. Do Uno seguimos o movimento da

    processo para o esprito e a alma hipstases derivadas do Uno. Em seguida, ainda no captulo

    primeiro, o aprofundamento da alma em Plotino na anlise de sua unidade e aps a sua

    individuao. O segundo captulo inicia-se com a compreenso da epistme abordando a

    unidade e multiplicidade e como a alma reconhece-se individualizada. Em seguida, busca-se

    por compreender a substncia de matria e de forma em ambos os mundos, o sensvel e o

    inteligvel pela matria sensvel e inteligvel e a eidos da alma e do corpo. O logos o

    diferenciador lgico para a individualizao da alma e apresentado, em seguida, para revelar

    o caminho do autoconhecimento no nos, primeira estada no reconhecimento da

    individualidade da alma gerada a partir da alma do mundo. No captulo 3, abordamos o nos

    como ser de autoconhecimento e a alma do mundo como aquela que concede alma

    individualizada a ideia para a introspeco, ou seja, a busca pela contemplao. Os nveis da

    contemplao so propostos para a alma individualizada que busca a converso, o retorno

    para o Uno, mas no sem muito esforo pelo exerccio do autoconhecimento, da fuga do s

    para o s (phyg mnon prs mnon Enadas VI.9[9],11,50-51). Logo, a ideia da

    imortalidade da alma em Plotino, na eternidade, na unidade e na simplicidade tendo a

    transcendncia do corpo mltiplo (poll), pesa como um desafio para a parte da alma dos

    indivduos que caram nos corpos e precisam compreender a si mesmos, ou seja, precisam

    do autoconhecimento para saberem quem so enquanto alma, enquanto Uno-muitos.

    De fato o caminho que conduz para o Uno, a hipstase plotiniana na qual

    transcorrem todas as Enadas, o caminho pela apropriao conceitual do mundo inteligvel.

    O caminho pelo qual no concede alma individual filosofante a solido como um

    afastamento dos outros indivduos, mas muito pelo contrrio, como orienta Peter Szlezk

    (2010, p.12): Plotino usa o termo t hemeis (ns) quando distingue a sua prpria posio

    filosfica da posio dos outros [filsofos]. Esse termo poderia apenas raramente ser

    substitudo pelo eu: pois parece que Plotino sempre fala em nome do conjunto dos que

  • 12

    filosofam de modo platnico, pelo menos em nome daqueles que se encontram numa synousa

    filosfica.

    Diante de todo o arcabouo de conhecimentos que influenciaram o pensamento de

    Plotino sobre a temtica da alma, a imortalidade um tema central no conhecimento da alma

    e, por isso, uma questo mais restrita a determinados tratados, contudo os aspectos que

    envolvem a temtica da imortalidade e que repercutem diretamente no seu conhecimento,

    permeiam grande parte das Enadas e, por si s, tornam a anlise no menos desafiadora do

    seu ponto de vista estrutural. Logo, alguns dos tratados das Enadas foram selecionados como

    base para o estudo, por considera-los ligados mais diretamente ao objetivo do trabalho. Os

    outros tratados sero utilizados sempre que se fizer necessrio, complementando os

    selecionados. Deste modo, os tratados selecionados foram os seguintes: a Enada IV Sobre

    a Alma, e mais especificamente IV.7; II, 4 [12] - A matria; III, 6 [26] A impassibilidade dos

    seres incorpreos; III, 7 [45] A eternidade e o tempo; V, 3 [49] A hipstase que conhece e

    o que est para alm, dentre outros que esto sendo sempre buscados para complementar e

    auxiliar os primeiros5.

    Diante disso, observamos que as Enadas plotinianas oferecem todo um abrangente

    sistema de filosofia e que demanda de todos que se aventuram em seu estudo uma

    aprofundada investigao de seu pensamento. Porfrio esforou-se por organizar as Enadas

    no por uma base cronolgica, mas por afinidade de temas e assim, os cinquenta e quatro

    tratados foram divididos em seis volumes, cada qual contendo nove tratados, chamados

    Enadas. A primeira Enada trata da tica e da moral; a segunda e a terceira Enadas tratam

    do mundo sensvel, ou seja, da fsica e da cosmologia; a quarta Enada trata da alma; a quinta

    Enada do nos e a sexta Enada do Um ou do Bem. Uma anlise mais cuidadosa da

    diversidade dos temas discutidos por Plotino nas Enadas, apresenta como um fator de

    convergncia, a unidade, neste todo heterogneo. Segundo Maria Simone (1999, p.18)

    podemos ento afirmar que: [...] a nostalgia da unidade perpassa serenamente todos os

    tratados e descansa na superabundncia do Uno que gera, sem exaurir-se, e que de nada

    necessita para gerar. Ainda segundo a autora, na compreenso da imagem da unidade

    indivisa temos, segundo Plotino, sua realizao na phyg mnon prs mnon ([a] fuga [do] s

    para o s), que requer, para o seu devido entendimento o autoconhecimento de cada alma.

    5 - Para a devida anlise da documentao textual, procuramos trabalhar com duas tradues das Enadas. Uma

    traduo bilngue grego-italiano de Giussepe Faragin utilizada como principal referncia para o estudo das

    Enadas e uma traduo espanhola organizada por Jess Igal que reconhecida pela particularidade de seus

    comentrios e anlises ao longo da traduo. As citaes retiradas do texto das Enadas traduzido para o italiano

    e para o espanhol so apresentadas neste trabalho traduzidas para o portugus, procurando uma padronizao das

    mesmas. Assim, como tambm as citaes que fazem referncia as anotaes e aos comentrios de Jess Igal em

    relao ao texto das Enadas. As referncias da documentao textual encontram-se completas nas referncias

    bibliogrficas no final deste trabalho dissertativo.

  • 13

    Logo, podemos perceber que, o conhecimento de si mesmo revela a unidade de cada um como

    uma totalidade de todos os seres, de todas as almas.

    CAPTULO I A HENOLOGIA PLOTINIANA: DO UNO ALMA

    A filosofia de Plotino caracterizada pelo seguinte princpio fundamental: a

    realidade existe em uma estrutura tridica. A base do seu pensamento est fundada em dois

    eixos: as trs Hipstases: o Uno (Hn), o esprito (nos) e a alma (psuch) estruturadas por

    dois movimentos descritos como Processo (prodos) e Retorno (epistroph). Enquanto que

    as hipstases tem sua origem, em parte, na distino ontolgica de Plato entre o ser e o devir,

    mundo inteligvel e perceptvel, este ltimo deriva de uma inter-relao dinmica aristotlica

    entre ato e potncia, a prioridade e o posterior.

    Plotino demonstra o esboo de sua metafsica na Enada V.1. De acordo com este

    tratado, qualquer hipstase superior participa de um grau de perfeio, unidade e inteleco

    pura e qualquer hipstase menor gerada pelo contemplar da maior hipstase anterior a esta

    ltima.

    No nvel mais alto de pureza da unidade e simplicidade, reside o Uno, o princpio

    primrio de toda a existncia. O Uno plotiniano absolutamente inefvel e transcendente; o

    Uno o princpio anterior mais simples e, por isso, no-composto. A partir de seu estado

    unificado, gera todos os compostos e mltiplos posteriores a ele. Uma vez que a existncia do

    Uno mais simples e unificada, cada posterior depende e refere-se ao Uno.

    O esprito, a segunda hipstase, uma sntese do mundo de Plato, das formas e da

    autorreflexo do intelecto de Aristteles, deriva do Uno por uma autocontemplao

    intemporal. O esprito , para Plotino, a dade indefinida, o nvel em que ser e pensar se unem

    e onde todas as formas platnicas so auto includas na condio mais perfeita e mais

    verdadeira. O esprito possui o autoconhecimento perfeito e a vida eterna infinita.

    A alma, a terceira hipstase, um derivado do esprito. A alma inquieta produz,

    anima, formula e governa o mundo perceptvel, derramando sua luz inteligvel sobre a

    impassibilidade insubstancial da matria. A perfeio e pureza dos trs nveis do ser so

    designadas pela iluminao eterna do Uno. A iluminao por processo de cada hipstase

    acompanhada, quase que simultaneamente, por uma presena contemplativa ascendente sua

    maior hipstase.

  • 14

    Esta ordem orgnica fundamenta o conceito das hipstases de Plotino e significa sua

    originalidade filosfica. Seu esquema de hierarquias ontolgicas sustenta o princpio

    fundamental do neoplatonismo: que a realidade consiste em uma hierarquia de graus de

    unidade. No entanto, a ideia da unidade no exclusiva de Plotino. Como Svetla Slaveva-

    Griffin observa, o esquema uma sistematizao de identificao da tradio pitagrica-

    platnica da bondade e da ordem com a forma, medida e limite, que por sua vez implica

    nmero e proporo matemtica e, portanto, em ltima anlise, a presena de uma unidade de

    organizao (2009, p.24).

    Nesse sentido, referente metafsica de Plotino para a tradio filosfica grega,

    Heinrich Drrie (apud Slaveva-Griffin, 2009, p.24) caracteriza Plotino tanto como

    "tradicionalista" e "inovador". Cada inovao no sistema de Plotino tem suas razes na

    tradio, e nas teorias tradicionais, podendo claramente serem observadas nas Enadas.

    Os critrios que Plotino usa para criticar ou avaliar as teorias antigas eram tambm

    os critrios de sua originalidade. Na verdade, o objetivo fundamental de Plotino era

    harmonizar, sistematizar e, principalmente, subsumir seu pensamento metafsico, no contexto

    da tradio filosfica grega.

    necessrio, num primeiro momento, ressaltar que buscamos provir uma completa

    abordagem sobre o tema da alma em Plotino, pela qual se justifica a necessidade de atender a

    demanda principal deste trabalho que a imortalidade da alma prescrita na Enada IV.7 [2] 8.

    Contudo, importante acrescentar que dada magnitude do trabalho deste grande pensador

    praticamente impossvel responder por todo o seu contedo, mesmo que especificando a

    temtica da alma, pois no s o tema se encontra adstrito a um s de seus tratados, a Enada

    IV (que por si s j possui uma complexa dificuldade de anlise em toda a sua dimenso de

    conhecimentos), como tambm Plotino recebe de seus antecessores socrticos e pr-socrticos

    muitas contribuies e por diversos pensadores em variados campos do conhecimento6.

    Logo, ser importante analisar em um, primeiro momento, a henologia de Plotino

    (hn, nos e psuch). A alma por se tratar da hipstase de maior interesse para este trabalho

    ser analisada de forma mais detida em toda a sua multiplicidade e dimenso cosmolgica e

    metafsica para que seja possvel ensejar os aspectos que compreendero sua caracterstica

    psicolgica proveniente do nos.

    6 - Para um estudo das influncias pr-socrticas e socrticas no pensamento de Plotino consultar Giannis

    Stamatellos Plotinus and the presocratics: a philosophical study of presocratic influences in Plotinus

    Enneads.

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  • 15

    1.1. O Uno (Hn)

    Existe, sim, alguma coisa que poderia chamar-se um

    centro: em torno a esse um crculo irradiando o

    esplendor que emana daquele centro; em torno a esses

    (centro e primeiro crculo), um segundo crculo: luz da

    luz! Enadas, IV, 3, 17 O pensamento da unidade representa o motivo pelo qual Plotino ficar imortalizado

    na histria da filosofia. O Uno a primeira das trs hipstases que compem todo o sistema

    tridico plotiniano e que, por sua vez, perpassa toda a obra do pensador atravs das relaes

    pensadas entre o Uno e o mltiplo.

    O Uno a primeira hipstase plotiniana e Plotino, pelo tratado VI 9 [9], mostrar por

    intermdio de um roteiro de mtodos, a demonstrao do que se aproximaria de uma resposta

    a pergunta O que o Uno?

    Segundo Saffrey (1990, p.45) o tratado que melhor expressa a transcendncia Uno-

    Bem platnico como um dos temas da filosofia neoplatnica e que trata-o, como Princpio

    Primeiro de uma realidade primeira de todas coisas, ao mesmo tempo em que est para alm

    de toda essncia e que, neste ponto, encontra-se para alm de toda possibilidade discursiva o

    tratado VI 9 [9]7. Segundo a ordem temtica de Porfrio, o tratado possui o privilgio de ser o

    primeiro texto de Plotino, e alm disso na histria da filosofia, o primeiro pensamento e

    abordagem textual em que se coloca decisivamente essa problemtica, ainda segundo Porfrio.

    O tratado VI 9 [9] possui uma estrutura muito prxima dinmica cosmolgica, ou

    seja, compreende-se de forma geral de que tudo por meio do Uno. Na continuidade do

    pensamento desenvolvido pelo tratado percebe-se uma argumentao ascensional que inicia-

    se no corpo at a alma, da alma para o esprito, e do esprito para estar com o Uno. Esta

    argumentao representa toda uma tradio teolgica e filosfica, reconhecida como teologia

    7 - Francisco Razzo em comentando sobre o tratado VI 9 [9] nos orienta para o sentido de que ele: [...] ocupa,

    na organizao sistemtica, um lugar no mnimo curioso, sobretudo problemtico, uma vez que se compreende o

    sentido filosfico proposto artificialmente pela sua compilao. Na edio de Porfrio, este tratado no foi

    simplesmente e inadvertidamente colocado em ltimo lugar na ordem dos escritos. H uma inteno filosfica

    muito precisa que teria motivado Porfrio a optar por colocar este tratado ao final, sob o ttulo de Sobre o Bem ou

    o Uno. conhecida a compilao da obra de Aristteles, por Andrnico de Rodes, a partir de um critrio

    temtico; Porfrio, alm de adotar um critrio anlogo, deixou-se guiar por uma inspirao numrica pitagrica

    cujo sentido metafsico da combinao do nmero seis e nove corresponde a uma ideia de perfeio cosmolgica

    (2012, p.86).

    O autor ainda aduz que (2012, p.86): O termo Enadas, utilizado como ttulo das obras de

    Plotino, literalmente, significa seis conjuntos de nove. Cada conjunto trata de uma temtica especfica

    relacionada ao todo do sistema filosfico, que parte das questes mais simples, por exemplo, do mundo sensvel,

    do aqui (entatha), e segue uma escala de ascenso at ao mundo inteligvel, o l, (ekei), tal como a

    (Psuch), o (Nos), at chegar ao Primeiro Princpio supremo ou Uno-Bem. Umas das perguntas que a crtica

    moderna tem feito a respeito dessa problemtica em relao ao sentido de Porfrio ter colocado o tratado 9 no

    fim da compilao. Segundo Pierre Hadot, essa escolha deixava entender que esse escrito era o cume da

    teologia plotiniana. Nesse sentido, o tratado Sobre o Bem ou o Uno seria uma espcie de coroamento dessa

    filosofia cujos pontos de partida e de chegada o Uno-Bem.

  • 16

    negativa ou teologia apoftica, que surge de uma construo sistemtica que se inicia pelas

    obras de Plotino. Para Pierre Hadot (1989, p.15) no obstante o contedo do texto seja

    propriamente o problema da unidade absoluta, fundamento ontolgico de todas as coisas, e,

    sobretudo, o procedimento de apreend-la, tambm h uma srie de perguntas que so

    formuladas a respeito das razes que motivaram Porfrio a optar colocar o texto ao fim da

    compilao8.

    Ainda segundo o interprete, Pierre Hadot, um outro problema que deve aparecer e ser

    levado em considerao ao se pretender estudar o Tratado VI 9 [9] em relao ao ttulo.

    Hadot compreende que como no era comum para aquele perodo um pensador nomear os

    ttulos dos textos escritos, percebe-se que o prprio Porfrio os tenha nomeado (HADOT,

    1989, p. 17). O tratado VI 9 [9] o nico que possui a conjuno ou; uma problemtica

    para os questionamentos modernos, isto , qual o sentido deste ttulo?

    Ou pela pergunta, contundente de Pierre Hadot, num certo sentido o nomeador dos textos

    manifestou a vontade de direcionar o ttulo para o objeto do tratado 9 como demonstrao da

    equivalncia entre o Uno e o Bem? (1989, p.21).

    De forma clara, podemos dizer que o ttulo do tratado Sobre o Bem ou o Uno est

    diretamente ligado tradio filosfica platnica, e que, segundo Hadot (1989, p.21),

    revelado pelo princpio interpretativo que combina o Parmnides e a Repblica de Plato,

    desenvolvendo-os pela concepo do Uno-Bem, no seentido para alm da essncia, (epkeina

    ts ousas)9. Hadot (1989, p.32) ainda orienta para o fato de que, o problema da equivalncia

    metafsica entre o Uno e o Bem em Plotino deve ser compreendido como a chave da

    8 - Francisco Razzo de forma elegante coloca que, Porfrio escolheu essa ordem por que encontrou no ltimo

    captulo uma ideia que lhe era cara: a unio com o Divino poderia ser atingida graas a uma vida filosfica e no

    pela prtica tergica? Ou julgava que esse tratado poderia ser considerado no somente como um excelente

    resumo de todo pensamento de Plotino, mas como uma exortao entusiasta e ardente a se elevar at o fim

    supremo: a experincia unitiva? Ou ainda, Porfrio gostaria que as quatro ltimas palavras do tratado fugir s

    para o S aparecessem como a concluso de todo o corpus, como a quintessncia da mensagem plotiniana?

    (2012, p.87)

    Ainda segundo o autor, felizmente, Porfrio, ao publicar as Enadas, publicou, junto, uma biografia em

    homenagem vida filosfica de Plotino e nela apresentou uma suposta ordem cronolgica de todos os escritos,

    bem como um critrio de agrupamento dos textos e um pequeno resumo de cada grupo. O tratado Sobre o Bem

    ou o Uno aparece em nono lugar e o primeiro, segundo essa ordenao cronolgica, a expor a problemtica a

    respeito do Uno, bem como sua equivalncia metafsica em relao ao Bem. No entanto, a crtica moderna

    levanta uma srie de questes a respeito da possibilidade de Porfrio realmente ter encontrado uma ordem

    cronolgica, sobretudo, em relao aos vinte e um tratados que j estavam redigidos antes da sua chegada em

    Roma. Diz Hadot, possvel que Porfrio jamais pudesse reconstituir a cronologia exata desses textos, pode-se

    ter dvidas a respeito da ordem desses escritos e mesmo sobre o tamanho exato de tal e tal tratado dessa poca.

    No cabe aqui uma anlise minuciosa sobre essa problemtica: nosso objetivo foi apenas destacar o quanto ela

    motivo de discusso e ponto fundamental para se compreender como foram organizados os textos de Plotino.

    9 - Maurcio Marsola (apud Razzo, 2012, p.89) em Epekeina ts ousia. Estudo sobre a exegese plotiniana

    da Repblica 509b9, cita Pierre Hadot, que comenta a respeito desse problema na obra de Numnio (em seis

    volumes), Sobre o Bem, que no sculo II j teria feito uma aluso identidade entre o Bem e o Uno em Plato

    (2005, p. 17).

  • 17

    interpretao e da apropriao de sua filosofia das teses platnicas desenvolvidas nos

    respectivos dilogos (Parmnides e a Repblica), bem como no Timeu, no Fdon e

    no Banquete.

    O tratado VI 9 [9], um escrito de suma importncia na filosofia de Plotino. O

    interprete mile Brhier, no seu estudo e traduo das Enadas, mais especificamente na

    introduo, assevera sobre o tratado VI 9 [9]: tambm o mais claro, o mais clssico, e nele

    frequentemente os comentadores tiram suas afirmaes sobre a doutrina do Primeiro

    Princpio. (1936, p.7). De fato, Plotino neste tratado nos conduz a uma reflexo mpar de seu

    estudo filosfico, seja pela tica de uma ordem sistemtica, seja pela tica de um sentido de

    ordem cronolgica. Este o profcuo estudo em que Plotino exercita as diretrizes

    especulativas centrais no que diz respeito ao Primeiro Princpio como Princpio Inefvel10.

    Dito isso, o tratado VI 9 [9], portanto, o texto que nos conduz gradualmente pelo

    pensamento de Plotino acerca da primeira hipstase. Este sentido gradativo altamente rico, e

    s possvel perceber a extrema riqueza deste caminho entendendo cada uma das vias,

    mtodos e definies exortadas por Plotino ao longo de todo o seu esforo por mostrar desde

    as explicaes comparativas de cada uma das hipstases posteriores em relao ao Uno, as

    vias para entender o Uno e por fim o prprio distanciamento da questo ontolgica do ser

    na filosofia de Plotino que no se confunde com o Uno. Assim, que se inicia e se procede o

    desenrolar da metafsica da unidade, ou aquilo que ser compreendido atualmente como a

    Henologia11 plotiniana.

    O Uno plotiniano possui como base de seu fundamento as ideias de Plato, mais

    precisamente, os que aparecem nos dilogos do Parmnides e da Repblica. O Uno e o Bem,

    respectivamente, analisados nestes dilogos so utilizados por Plotino de uma forma

    hermenutica e de reinterpretao para as suas teses, dando ao pensamento de Plotino uma

    posio de originalidade que lhe permitiu um sistema filosfico definido pela organizao de

    temas e teses que perpassam toda a sua obra de forma conjunta.

    Plotino apresenta o retorno da ideia de infinitude ao seu conceito original e ainda o

    emprega como caracterstica do Uno, quando diz:

    10 -Como explica bem Hadot, na sua Introduction, (1994, p.18), o problema central desse tratado representa ao

    mesmo tempo a demonstrao, na obra de Plotino, da existncia necessria de um alm do Intelecto e a primeira

    descrio desenvolvida da experincia supra-intelectiva graas a qual pode-se entrar em contato com esse para

    alm. 11 - A ideia de uma metafsica da unidade (henologia) defendida por Franois Bousquet no seu livro Lespirit

    de Plotin lintinraire de lme vers Dieu, onde o autor defende tal ideia, expondo, para isto, razes de ordem

    histrica e de ordem metafsica segundo Maria Simone (1999, p.23).

  • 18

    O Uno [...] nem se encontra em outro nem se encontra em meio ao divisvel,

    e tambm no indivisvel como o termo mnimo matemtico; antes, entre

    todas as coisas, ele mximo no por extenso dela, mas por potncia, de

    sorte a estar privado de grandeza justamente pela sua potncia; tanto

    verdade que os seres que vm logo depois dele so indivisveis e sem partes

    por potncia e no por volume ou massa. Deve-se, pois, conceb-lo infinito

    no porque no tenha limite seja em grandeza seja em nmero, mas pela

    ilimitao de sua potncia (Enada. VI, 9-6)

    Para G. Reale (2008, p.46) o infinito plotiniano compreendido no o infinito do

    espao nem da quantidade (ligada espacialidade), o infinito entendido como ilimitado,

    inexaurvel e imaterial potncia produtora12. Plotino esclarece estes aspectos da no

    espacialidade quando aduz:

    Mas, se algum insiste em procurar o modo, lembre-se de que a potncia no

    determinada quantidade, mas mesmo dividindo-a ao infinito com o

    pensamento sempre se obtm a mesma potncia abissalmente infinita; j que

    ela no tem matria, de sorte a que com a grandeza da massa possa diminuir

    tornando-se menor. (Enada, VI, 5, 12)

    Plotino se preocupou em colocar o Uno para alm de qualquer ontologia, bem como

    tambm para alm do pensamento, tendo em vista que, esta posio e condio plotiniana se

    repete em todo o corpo de seu trabalho e uma clara concepo de transcendncia. O

    princpio supremo no somente transcende o mundo fsico, mas transcende tambm toda

    forma de finitude.

    Da primeira hiptese do dilogo do Parmnides de Plato, Plotino resgata a

    caracterizao das negaes, observadas em 138 a-b, que no existe o Uno: [...] em nenhuma

    parte, nem em si, nem em outro [...]. Em Plotino j podemos vislumbrar a transcendncia ao

    que segue em V 5, 9, 1-26: [...] o Uno est em todas as coisas porque as contm, ao mesmo

    tempo que no est em nenhuma porque no contido por nenhuma das coisas.

    O uso que o filsofo licopolitano faz de analogias negativas como por exemplo:

    enquanto o Uno infinito, no lhe convm nenhuma das determinaes do finito, que so a

    ele posteriores ou quando, Plotino, o declara inefvel.

    Daqui que, entre outras coisas, ele inefvel no verdadeiro sentido da

    palavra. Visto que com qualquer palavra que venhas a pronunciar, sempre

    exprimirs alguma coisa. No entanto, a expresso alm do todo ou essa

    outra alm do esprito sumamente venervel so as nicas que, entre todas

    as outras, correspondem verdade porque, definitivamente, no so

    denominaes que sejam alguma coisa de diferente daquilo que Ele , e nem

    uma coisa em meio s outras: e Ele inominado exatamente porque no

    sabemos dizer nada a seu respeito, mas somente tentamos, como melhor nos

    12 - Nesse contexto, a palavra potncia (dunamis) assume no a significao de potencialidade, por que essa

    significao aristotlica estava estruturalmente ligada matria e ao ser corporal, mas de (atividade) como j

    acontecia em Flon de Alexandria.

  • 19

    suceda, dar alguma indicao acerca Dele, entre ns e para nosso uso.

    (Enada, V, 3, 13)

    J quando faz uso de analogias positivas Plotino no se contradiz, ele apenas tenta

    esclarecer aspectos que poderiam parecer contraditrios, como quando percebe o Uno no

    como uma unidade particular ou determinada, mas sim, como Ele por si mesmo, ou seja, o

    Uno Uno-em-si, a causa e a razo de ser da unidade de todas as outras coisas. O Uno

    significa, na concepo de Plotino, o absolutamente simples que razo de ser do complexo e

    do mltiplo. Nesta passagem Plotino faz um pequeno exerccio de anlise sobre as questes

    apresentadas.

    Com efeito, se no fosse simples, livre de toda a causalidade e composio e

    verdadeiramente e propriamente Uno, ele no seria princpio; s pelo fato de

    ser simples ele possui independncia soberana e primazia sobre todas as

    coisas; pois que o no-primeiro tem necessidade do que o precede e o

    no-simples tem necessidade dos elementos simples nele contidos para

    que seja constitudo por eles. (Enada, V, 4, 1)

    Em seguida, Plotino expe quatro aspectos em relao ao Uno quando diz que:

    necessrio que o princpio seja simples, anterior a todas as coisas e diverso

    de tudo o que vem depois dele, existe em si mesmo, no se mistura com os

    seres que derivam dele e no entanto, capaz de estar presente, sua maneira,

    nas outras coisas, Uno que realmente Uno e no um uno que primeiro seja

    um outro ser e depois seja Uno; falso dizer que ele Uno, porque ele no

    se v conceito nem tampouco cincia. (Enada, V, 4, 1, 5-10)

    So exatamente questes como essas que poderiam gerar contradies em uma

    leitura desatenciosa em Plotino, pois sua explicao sobre a simplicidade do Uno no

    representa uma pobreza, mas muito pelo contrrio, representa a potncia infinita, pois uma

    infinita riqueza. J que o Uno, no sentido da simplicidade, potncia primeira de todas as

    coisas e no se confunde ou deturpa ou se mistura, mas puro, simples, no sentido de que,

    por si mesmo, ele leva a potncia ao ser e no ser as mantm (Enada, V,3,15). Alm deste

    aspecto da simplicidade, o Uno tambm anterior a tudo que lhe posterior, ou seja,

    autoprodutor, transcende a sua produo e , ao mesmo tempo, onipresente, porque est

    presente nos outros seres. Orienta Plotino sobre o aspecto da onipresena: O Uno veio como

    algum que no veio, ou seja, o uno apresenta-se como algo j sempre presente13.

    13- Sobre o aspecto da onipresena em Plotino comenta Lloyd P. Gerson (2005, p. 292): A singularidade do Uno

    juntamente com a recusa do monismo parece tambm eliminar o pantesmo como uma descrio do sistema de

    Plotino. O pantesmo seguiria a partir de premissas de que o Uno est em todos os lugares e que existe uma

    pluralidade de entidades realmente distintas, se a onipresena do Uno for tomada literalmente. Mas, em Plotino a

    presena do Uno no a presena da causa; a presena dos efeitos da causa. Tudo aquilo que existe tem como

    complemento sua natureza o que o Uno por natureza, ou seja, a essncia do Uno. Mas no se deve

    compreender o Uno como um indivduo ou espcie que possui uma natureza genrica, por que o Uno no

    assim. O Uno possui a si mesmo de acordo com sua prpria natureza, e isso sempre algo que o distingue de

    tudo onde ele se faz presente. Assim, o Uno to intimamente presente a algo como a sua prpria existncia,

    mas a sua presena um efeito da de sua atividade, e no o prprio Uno.

  • 20

    Plotino compreende ainda que o Uno o agathon, isto , o Bem. Em suas palavras na

    Enada II, 9, 1:

    Pois que a essncia simples do Bem se nos revelou como primeira j que

    tudo o que no primeiro no simples e como no tendo nada em si alm

    de ser algo Uno; e se o assim chamado Uno idntico a essa essncia e,

    na verdade, tal essncia no primeiro outra coisa e somente depois Uno;

    nem o Uno outra coisa e somente depois Bem ento, quando dizemos

    o Uno e quando dizemos o Bem devemos julgar que se trate desse Ser; e

    o termo Uno no lhe atribudo como predicado mas somente o indica a

    ns na medida do possvel.

    possvel entender que o sentido de Bem compreendido por Plotino, no o de um

    bem particular, mas do Bem em si ou, se assim o quisermos, no de algo que tem o bem, mas

    que o prprio Bem (Enada, V, 5, 13). Por isso, Plotino acaba tornando o Uno e o Bem

    como sinnimos ao longo de suas Enadas, utilizando-se, portanto, da ideia de Bem como

    fundamento do ser de Plato, o aspecto de transcendncia superior do Bem aparece

    isoladamente destacado em passagem da Repblica (508e-509d), onde podemos ver o quanto

    o Uno est muito acima ou alm de todas as coisas: [...] perguntar por sua causa, lhe

    procurar um outro princpio; ora, o princpio universal no tem princpio[...].

    Saindo da via da negao possvel apreender de Plotino uma outra via, a analogia.

    Em VI 9 [9], 5, 30-45, quando diz:

    Ele (o Uno) no entidade, caso contrrio, seria predicado de outro ser,

    no lhe convm nome algum, mas j que inevitvel dar-lhe um nome,

    podemos dizer vulgarmente, com uma certa convenincia, Uno, no entanto,

    no no sentido de que ele seja primeiro uma coisa e seja Uno em um

    segundo momento. difcil conhec-lo por esta via (da analogia), mas ele

    conhecido mais por intermdio de sua criatura, o ser; e a inteligncia que

    porta os seres.

    E sabendo-se que necessrio chama-lo por um nome, Plotino no pargrafo 6,

    linhas 42 a 45 o denomina de Uno, porm salienta que [...] no convm, pois, pensar nessas

    coisas seno como analogias do simples (analogais ti hapli) e do que carece de toda

    multiplicidade e divisibilidade (VI.9). A via analgica, portanto, o mtodo que examina o

    sentido da simplicidade e o primado da unidade do Uno. A anlise do Uno pela via da

    analogia se estende ainda por outros textos das Enadas como no tratado III 8, em que Plotino

    busca pela analogia potica, retirada das imagens do mundo sensvel, entender a natureza do

    Uno e ainda quais as possibilidades das relaes analgicas de um pensamento da unidade.

    A via mais utilizada como mtodo de anlise do Uno a da transcendncia, e para

    Plotino, da natureza do Uno estar mais alm de todas as coisas, e esse aspecto

    corroborado, pelo prprio Plotino em VI 9 [9], 6, 10-15:

  • 21

    Na verdade, se voc o pensa assim como a inteligncia ou a Deus, ele

    ainda maior; se voc o compreende como unidade com o seu pensamento,

    ento Ele ainda mais do que possa representar seus pensamentos, pois Ele

    em si mesmo, sem qualquer acidente (sem qualquer efeito que possa

    interferir na substncia ou essncia).

    Segundo Maria Simone (1999, p.32): Na analogia, podemos dizer que Plotino

    confirma, de certa maneira, que o Uno todas as coisas. E na a via da transcendncia o

    filsofo licopolitano aponta positivamente a ideia de que o Uno est para alm de todas as

    coisas. possvel ento apreender que o caminho seguido pelo mtodo das trs vias no

    exame da natureza do Uno, no se trata de raciocnios isolados, mas, muito pelo contrrio,

    pois so compreenses que estabelecem uma complementaridade entre si, ou seja, elas

    formam um todo de um raciocnio. Neste mesmo sentido corrobora Jess Igal (1985, p.42-43)

    quando diz:

    Se impe, pois o uso conjunto das trs vias, como se diz, complementares,

    [e] no autnomas. E assim como se usam nas Enadas, em meio a tenses

    de expresso e de pensamento as trs ideias de negao, transcendncia e

    analogia se entrecruzam potencializando-se mutuamente em um esforo para

    pr ao alcance da mente uma realidade inaprecivel.

    No tocante a entender e pensar a natureza do Uno, Plotino na segunda parte do

    captulo 11 do Tratado 3 da V Enada dir que o caminho seria pelas trs vias

    correspondentes a inefabilidade, a simplicidade e a anterioridade do princpio. Maria Simone

    (1999, p.23) de forma suscinta coloca o caminho de entendimento da natureza do Uno pelas

    trs vias quando coloca que: O Uno ento princpio, simples e inefvel. Princpio,

    porque tudo o que existe por ele, deriva dele e, mesmo havendo princpio de unidades em

    vrios nveis, todos eles pressupem uma unidade absoluta de onde provm. Logo, no h

    como limitar o Uno pelo pensamento, mas apenas pela contemplao seria possvel alcana-

    lo. Como veremos nos captulos seguintes deveremos estar distantes de ns para o puro

    contemplar em atualidade. Mas, antes ser examinado a segunda hipstase plotiniana: o

    Esprito ou nos, a primeira gerao do Uno.

    1.2. Esprito14 (nos)

    14 - Para Plotino o termo nos representa o ser originalmente emanado. simultaneamente ser e pensamento,

    idia e mundo ideal, e trata-se do mais prximo do Uno em perfeio, mas como derivado totalmente

    diferente. No pensamento de Plotino o nos a representao da mais elevada esfera acessvel a mente do

    homem ainda no corpo, alm claro do nous ser o prprio intelecto em si. A dificuldade para interpretar o termo

    nos no pensamento de Plotino levou muito estudiosos a difersas posies de traduo Segundo Maria Simone

    (1999, p.34), Brhier comenta sobre a diversidade de aspectos que envolvem o conceito da natureza para uma

    responsvel traduo do termo. Assim, como Bouillet traduz por inteligncia na verso de suas Enadas, na

    percepo de Brhier. Segundo Brhier, os comentadores do incio do sculo passado, como Arnou, Inge e

    Heinemann, adotaram a traduo spirit ou geist apesar do inconveniente de no representar em toda a sua

  • 22

    Comumente traduzido como "mente" ou "intelecto", a palavra grega nos um

    termo-chave para as filosofias de Plato, Aristteles e Plotino. O que d ao nos um

    significado especial no principalmente o seu significado de dicionrio (outros

    substantivos em grego tambm podem significar a mente), mas o valor atribudo sua

    atividade e para o estado metafsico de coisas que so "noticas" (inteligvel e incorpreo)

    como distintas de ser perceptvel e corporal. Em dilogos posteriores de Plato, e de forma

    mais sistemtica em Aristteles e Plotino, nos no apenas a maior atividade da alma

    humana, mas tambm o princpio divino e transcendente da ordem csmica.

    Em seu uso pr-filosfico nos apenas um entre uma srie de termos para a

    mente. principalmente distinto das palavras mencionadas anteriormente, pois a sua

    tendncia para significar atividade "inteligente" - percepo, compreenso, planejamento,

    visualizao - ao invs de processos mentais mais gerais, incluindo as emoes. Os primeiros

    filsofos gregos tinham vrios usos para este termo. No fragmento 4015 de Herclito, por

    exemplo, o filsofo reclama que: muito aprendizado no ensina o nos.

    Em Parmnides, o verbo cognato noein e outras palavras relacionadas (noma,

    "pensamento" e notos, pensvel) so cruciais para o seu argumento. Desenhar uma

    distino absoluta entre a opinio (doxa) com base em percepo sensorial e verdade

    (altheia), Parmnides argumenta que a atividade "notica", propriamente falando, est

    indissoluvelmente ligada ao discurso verdadeiro, o raciocnio vlido e a cognio da

    realidade. O que no verdade no pode ser dito ou pensado, uma regra que se aplica no

    s ao nada, mas tambm para os dados ilusrios da percepo sensorial. A realidade que o

    nos de Parmnides deduz e apreende o inqualificvel "ser", homogneo e invariante no

    tempo e lugar.

    Anaxgoras ( 4), com uma cosmologia fortemente influenciada por Parmnides,

    adotava o nos como o princpio controlador do universo. Fazendo do nos bastante isolado

    de tudo o mais, ele caracterizou como "a melhor e mais pura de todas as coisas, que tem todo

    o conhecimento sobre tudo e o maior poder". O nos faz com que a mistura primordial de

    outras coisas girem e separem-se em seres distintos.

    clareza o conceito de nos em Plotino, ao menos no possui a limitao da compreenso equivocada do termo

    inteligncia quando atribui um sentido de pensamento discursivo ao termo nos e no intuitivo que o correto

    no pensamento plotiniano, segundo Brhier (1928, p.110). Portanto, ser utilizado em todo este trabalho o termo

    esprito para a traduo do nos plotiniano exatamente devido aos motivos apresentados pelos comentadores

    atuais.

    15 - Para o filsofo de feso, segundo Flaksman (2001, p.48), a polimathia no ensina sabedoria, logo no se

    poderia alcanar o conhecimento apenas por meio de uma ampla experincia.

    http://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/A055.htmhttp://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/A079.htmhttp://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/A008.htm#A008SECT4
  • 23

    Nos dilogos de Plato o tratamento de nos foi fortemente influenciado por essas

    concepes antecedentes. No Fdon, 100d-78c (no nos no sentido de que participa da ideia)

    Scrates favorece a ideia de que o nos organizou o universo da melhor maneira possvel

    (uma ideia, que ele sugestiona, que Anaxgoras no conseguiu realizar). Essa concepo

    de nos foi totalmente desenvolvida em outros dilogos platnicos, incluindo o Timeu, 28ss

    (imita a ideia) e 47e onde figurativamente expressa no pensamento teleolgico do produtor

    divino do mundo (demiurgo).

    Na Repblica, a principal discusso pode ser encontrada nos livros VI e VII, em que

    as trs grandes imagens do sol, a linha dividida e a caverna so formas de nveis distintivos da

    realidade e assim, modos de cognio. Comuns a todas as trs imagens uma distino entre

    o mundo visvel dos fenmenos 'desconhecidos' e do mundo "notica" de formas estveis e

    inteligveis. Nosis - a maior atividade do componente racional da alma - tem conhecimento

    das Formas como seu objetivo, que prossegue buscando entendimento de que absolutamente

    seguro.

    Os variados usos do termo nos feitos por Plato deixaram a sua marca em

    Aristteles, este ltimo chegou a ideias sistemticas sobre nos como a faculdade distinta da

    alma humana16. Na concepo geral da psuch em Aristteles, suas funes psquicas so

    aes realizadas como potncias do corpo. E ainda num sentido amplo de anlise o exerccio

    das faculdades do nos no pensamento de Aristteles podem ser percebidos de forma clara em

    suas concepes gerais, contudo, no que tange a sua estrita aplicabilidade pelos princpios das

    potncias e do ato carregam uma sria de obscuridades. Isto devido ao reconhecimento das

    16 - Aristteles argumenta que a crena requer razo e inferncia, que os animais no-humanos no tm sua

    opinio, eles no tm qualquer compreenso de um universal, e tm apenas as aparncias e a memria de dados

    (tica a Nicmaco 1147b4-5). As operaes dos sentidos, da memria e a experincia so necessrias, mas no

    suficientes, para a compreenso de um universal que se expressa em conceitos e crenas (Posterior Analytics II

    19; Metafsica I 1). Conceitos e crenas requerem intelecto (nous) atualizado em "compreenso" ou "pensar"

    (noein; Sobre a Alma III 4). Pensar difere da percepo na medida em que agarra essncias universais - por

    exemplo, o que a carne , em oposio prpria carne. A percepo no inclui compreenso do universal como

    tal, na compreenso do universal, reconhecemos alguma caracterstica da nossa experincia como fundamento

    para a atribuio do universal a um particular que ns experimentamos. Para explicar como a mente capaz de

    apreender os universais quando interagimos causalmente com objetos particulares perceptveis, Aristteles

    distingue dois aspectos do intelecto o passivo e os 'produtivos' (ou 'ativo' ou 'agentes') -, alegando que estes

    dois aspectos devem combinar a produzir o pensamento dos universais (Sobre a Alma III 5). Ele no diz como o

    intelecto produtivo contribui para a nossa compreenso dos universais. Intrpretes posteriores sugerem que o

    intelecto produtivo abstrai os aspectos relevantes para o universal das outras caractersticas de elementos que so

    combinados com eles na percepo. Aristteles leva a presena deste intelecto produtivo, ser necessrio para

    qualquer pensar. Alm disso, ele acredita que o intelecto produtivo capaz de existir sem um corpo. Ele ainda

    mantm sua crena na inseparabilidade da alma do corpo, pois o intelecto produtivo no um tipo de alma, a sua

    existncia separada no a existncia separada de uma alma.

    http://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/A088.htmhttp://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/a075.htm#A075BIBENT4http://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/a075.htm#A075BIBENT6http://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/a075.htm#A075BIBENT5http://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/a022.htm#A022WKENT24http://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/a022.htm#A022WKENT10http://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/a022.htm#A022WKENT21http://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/a022.htm#A022WKENT22http://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/a022.htm#A022WKENT22
  • 24

    distines no interior das concepes das faculdades da alma. Por exemplo: o sentido dado

    para o intelecto prescinde ser potencialmente qualquer coisa que a alma atualmente conhece.

    Todavia, a transio da potncia ao ato exige um princpio atualmente em ato (esta a mesma

    idia concebida para o sentido que conduzir ao Primeiro Motor). Em contrapartida

    Aristteles desenvolve em seu pensamento outra concepo de intelecto que faz todas as

    coisas. O reconhecimento das distines (diaphorai) que se apresentam na alma e ainda mais

    as duas representaes do intelecto postuladas por Aristteles esto um em relao ao outro

    como se pode perceber tambm com a matria para com a forma (De anima III, 430a). No De

    Anima possvel perceber que o intelecto passivo (pathetikos nos), que ulteriormente ser

    chamado de hlico (hylikos), perecvel. E que o outro intelecto postulado como uma

    espcie de estado (hexis) semelhante ao sol, concebido de forma separada (khoristos), no

    se encontra afetado, ou seja, no se afeta (apathes), bem como tambm no se mistura

    (amiges), e ainda compreendido necessariamente como enrgeia. Esta concepo de

    intelecto em Aristteles se apresenta sempre em separado, sua natureza imortal e eterna

    (aidion).

    Esta anlise toda balizada pela leitura feita em uma passagem no texto do De

    Anima, III, 5 e ainda por uma leitura de outro trecho que se encontra em De Anima, II, 736b,

    onde se apreende a concepo do intelecto (nos) como divino em sua essncia e que no

    possui qualquer contato com a enrgeia fsica, pois este nos exterior (thyrathen) as coisas.

    Em uma passagem da Metafsica 1049b Aristteles nos diz que podemos perceber de foram

    clara que o fato de conhecermos algo devido as nos pathetikos que se apresenta atuando,

    ou seja, ele se revela como a forma inteligvel daquilo pelo qual pensamos, o objeto

    conhecido em decorrncia de uma outra diviso ou parte deste mesmo nous que j

    atuante.

    J para Plotino, o nos compreende a realidade primria, o domnio da inteligncia

    e dos seres inteligveis. Ele interpreta este domnio como uma "progresso" do Uno inefvel,

    o princpio supremo de tudo. Tomado universalmente, o nos corresponde mais ou menos a

    um sincretismo das Formas de Plato com o Motor Imvel de Aristteles. Brhier (1953, 82)

    traduz o nos por inteligncia, assim eternamente contemplando o Uno, o nos interpretado

    como uma equivalncia entre o pensamento pensando em si e os seres inteligveis como os

    nicos verdadeiros possveis.

    A atividade do nos um transbordar para a alma. Como um menor nvel de

    realidade, a alma s pode pensar sobre as coisas, tratando-as de forma sucessiva e

    http://platon.hyperlogos.info/taxonomy/term/4997http://platon.hyperlogos.info/taxonomy/term/4335http://platon.hyperlogos.info/taxonomy/term/4211http://platon.hyperlogos.info/taxonomy/term/4257
  • 25

    separadamente. Os seres humanos vivem principalmente ao nvel da "alma", isto , sua alma

    inferior imortal, mas tambm, em virtude de sua imortal e no descensional alma, que tm

    acesso a uma identificao com o nos e, assim, para um modo de ser no qual ser e

    pensamento so completamente unificados. Nesta condio transcendente, a mente a prpria

    realidade.

    No cabe fazer um estudo aprofundado sobre o nos em Plotino, que apesar de ser

    um tema de grande fascnio para os estudiosos, no o ponto central de discusso para este

    trabalho. Contudo, mesmo o nos em toda sua complexidade no pensamento de Plotino,

    levando em conta todos os aspectos que envolvem suas caractersticas elementais

    heterogneas em sua composio (como por exemplo, a da cosmologia e metafsica platnica:

    pelas ideias; na metafsica aristotlica: pelas formas; e na cosmologia estoica: pelo deus

    estoico), bem como, pela anlise que estes elementos suscitam, devemos abordar esta temtica

    ao menos no intuito de esclarecer a continuidade da navegao plotiniana pela progresso

    saindo do nos para a alma.

    De que forma possvel compreender a possibilidade da idia do retorno est

    presente no mago da idia da processo? Apenas pela possibilidade do entendimento

    construdo na imagem da intuio intelectual17, que nos remete ao sentido da apreenso das

    idias. Numa passagem Plotino ajuda a compreender melhor esta questo:

    Ele [o Uno] perfeito porque nada procura, nada possui e no tem

    necessidade de nada; porque, dizemos isto, ele transborda, e este

    transbordamento gera uma outra coisa. Mas sendo a coisa assim gerada se

    volta a ele [o Uno], e logo est preechida, e uma vez carregada, volta para si

    mesmo e se v como esprito. (V 2, 1, 6-13)

    Mas, porque, o esprito para comtemplar-se deve persistir em si mesmo,

    tornar-se- tanto esprito e ser ao mesmo tempo. (V 2, 1, 13-14)

    Alm de sua rica elucidao sobre o Uno e a processo, Plotino revela a necessidade

    de compreender a atividade que est para todo o percurso da processo, a atividade do

    voltar-se para o princpio do qual cada uma das hipstases deriva, para olh-lo e para

    contempl-lo. Esta particularidade da metafsica plotiniana condio essencial para o

    entendimento do indeterminado ou informe gerado antes da prpria processo do Uno

    para a gerao do nos e do nos para a gerao da alma. Assim, este indeterminado se

    determina e torna-se mundo das formas voltando-se para o Uno, olhando e contemplando o

    17 - As ideias possuem um verdadeiro ser, no so imagens, nem cpias, nem abstrao de uma realidade, elas

    so a prpria realidade e, desse modo, pode-se afirmar que as ideias constituem a essncia do esprito e que, para

    apreend-las, precisa-se, no de uma inteleco discursiva, e sim, de uma inteleco intuitiva ou uma intuio

    intelectual. E ainda interessante notar que esta intuio intelectual nos permite chegar at o esprito, mas no

    suficiente, segundo Plotino, para se atingir o Uno que s pode ser alcanado por uma presena superior cincia

    (all kat parousan epistmes krettona).

  • 26

    Uno, e sendo fecundado e plenificado por Ele justamente por meio de tal contemplao (e

    depois contemplando-se a si mesmo, ao ser fecundado pela contemplao do Uno).

    Na observao e entendimento de Maria Simone (1999, p.36) Plotino identifica o

    nos como uma alteridade inteligvel (alteridade de l - hetertes h ekei ae)18. Esta

    alteridade inteligvel ou matria inteligvel tambm chamada por Plotino de primeiro

    movimento, ou seja, movimento inteligvel (movimento do plano do esprito). E aqui cabe

    uma pergunta muito importante, como no plano inteligvel pode existir movimento,

    alteridade, se deveria existir apenas repouso? Plotino esclarece com uma passagem:

    Na verdade, a alteridade de l (do inteligvel) que cria a matria eterna;

    j que ela o princpio da matria, ela com o primeiro movimento; por isso

    este tambm era chamado alteridade, pois o movimento e a alteridade

    nasceram juntos; e so indeterminados tanto o movimento como a

    alteridade, que derivam do primeiro e tm necessidade Dele para serem

    determinados: alcanam a determinao todas as vezes que se voltam

    para Ele; antes, porm, tambm a matria algo indeterminado e

    puramente o outro, no ainda o bem, mas est privada do seu esplendor.

    Vale dizer que, se a luz se difunde a partir Dele, o que receptculo da luz

    antes de receb-la no tem por si eternamente luz, mas tem a luz como algo

    distinto de si, uma vez que a luz derivada de um Outro. (Enadas, II, 4,

    5, 29-39.) (grifo nosso)

    Para Plotino, a eternidade no constitui sinnimo com o repouso, no sentido de estar

    plenificada somente por este princpio. Para Plotino, a eternidade conhece tambm o

    movimento que, no tendo lugar no tempo, absolutamente distinta do movimento sensvel.

    Reale (2008, p.62) elucida esta questo de forma simplificada quando diz: Esta linguagem

    esotrica de Plotino sobre a matria e movimento inteligvel no seno o pensamento

    indefinido (ou, como ainda se poderia dizer, o ser indefinido) que se determina exatamente

    voltando-se para o Uno. Assim, o nos uma substncia singular embora intrinsecamente

    complexa e mltipla na sua atividade de pensamento e movimento, seu objeto fornece o limite

    a sua natureza: [...] porque o movimento no comea a partir de ou termina em movimento.

    E mais uma vez a forma em repouso o limite que define o esprito, e o esprito

    movimento (Enada, VI, 2, 8, 22-24).

    Segundo Maria Simone (1999, p.37): A ideia do movimento responde justamente

    questo de se saber como a primeira produo do Uno a alteridade torna-se Esprito.

    Retomando a passagem citada das Enadas (VI, 2, 8, 22-24), nota-se que a coisa engendrada

    se volta para o Uno, sendo fecundada por Ele e, voltando o seu olhar para Ele, ela torna-se

    18 - Segundo Jess Igal deve-se observar que esta alteridade de l referente ao Uno-Bem e no deve ser

    confundida com outro tipo de alteridade sobre tudo a que gnero do ser, ou seja, alteridade dos inteligveis

    entre si. A alteridade constitutiva da matria inteligvel no outra que a da Dada indefinida. Portanto, deve-

    se ter cuidado com as muitas classes de alteridade em Plotino. (IGAL, 1982, p. 414)

  • 27

    Esprito. No entanto e esse tambm um ponto muito importante -, mesmo esse voltar-

    se para o Uno no ainda o esprito e sim a causa e a condio que o faz ser. Assim,

    enquanto a causa do esprito o Uno em si, a existncia do esprito delimitada e formulada

    pelas Formas e a primeira manifestao mltipla do Uno e objeto substancial do Intelecto de

    inteleco. Nesta base, a dade Indefinida novamente descrita como "viso indefinida"

    (aoristos hpsis - Enada, V.4.2.6) por tempo indeterminado at que seja definida e

    delimitada pela contemplao para o Uno (VI.7.16-17; V.3.11.1-12), e em seguida torna-se

    vista na realidade (V.1.5.19). Como Jonh M. Rist observa dois textos, em Plotino, a dade

    Indefinida pode ser entendida a partir de dois pontos de vista complementares: por um lado, a

    primeira gerao do Uno, o processo da "alteridade" e, em seguida, retornar para a unidade e

    "semelhana" da sua origem, por outro lado, a base para o mundo das formas construdas como um

    complexo de formas e matria inteligvel (Rist, 1962, p.101 e 1967, p.25)19.

    Mark J. Nyvlt (2012, p.152) em um importante estudo sobre as relaes entre o nos

    em Aristteles e em Plotino, esclarece que: O plano inteligvel um organismo vivo e

    eterno, uma substncia unificada, ainda que diversa, ativa, que ao mesmo tempo indefinida e

    definida, devido ao poder do Uno, em que so estabelecidos os dois aspectos. O infinito,

    argumenta Plotino:

    [...] est presente no intelecto no como uma massa uniforme' ou como

    uma srie de unidades ou momentos, mas sim como uma face com todas as

    suas relaes orgnicas j includas ou como um logos que ,

    simultaneamente, uno-muitos, de modo que no se pode entender uma

    caracterstica sem o outra. (Enada, VI 7,14, 1-3.)

    Plotino ainda esclarece que as potncias advindas do Uno se diversificam na

    multiplicidade no intuito de melhor sustentar a atividade que est definida e indefinida ao

    mesmo tempo. Esta atividade determina-se pela multiplicidade:

    Da sua inteligncia traz [o esprito] o poder de gerar e de manter-se grvido

    de sua prpria prole, porque o Bem [o Uno] oferece a ele [o esprito] o que

    ele mesmo no possui. Do Uno deriva para o esprito, a multiplicidade:

    incapaz de conter a potncia que carrega dentro de si, o esprito a quebra e

    reduz a unidade e multiplicidade de modo a suportar parte por parte. (VI 7,

    15, 18-24) Segundo Maria Simone (1999, p.37): A multiplicidade, dessa forma, no se

    encontra no interior do Uno (neste h apenas unidade), e sim, nasce juntamente com o

    19 - Reale tambm esclarece a mesma questo observando a metfora do espelho: a) o voltar-se da potncia

    ao Uno, o qual fecunda, enche e plenifica a potncia, e b) o refletir-se dessa potncia sobre si mesma j

    fecundada. Esta diviso esclarece Reale, seria lgica e no cronolgica e espelham as duas faces do esprito. No

    primeiro momento, nasce a substncia (ousia), a essncia, o ser (ou seja o contedo do pensamento); no segundo

    momento, nasce o pensamento propriamente dito. Essa a duplicidade de momentos que explica igualmente o

    nascimento do mltiplo: no somente a dualidade pensamento-pensado, mas tambm a prpria multiplicidade do

    contedo (a multiplicidade das ideias - 2008, p.62).

  • 28

    esprito, na sua incapacidade de conteno da infinita potncia do Uno. A autora ainda

    elucida o fato de que: Apesar dessa incapacidade, o esprito no v o Uno como mltiplo,

    mas a si mesmo como tal, j que ao mesmo tempo contemplante e contemplado, pensamento

    e pensado e, nesse sentido, multiplicidade ou sntese de todas as ideias (1999, p.37).

    O esprito exerce a inteleco, a fim de conceber a perfeio infinita do Uno. Mas

    como esprito no pode apreender uma viso completa do Uno e foi incapaz de manter a

    potncia recebida pelo Uno, o esprito fragmentou este poder e transformou o poder recebido

    do Uno para "muitos (Enadas,VI.7.15.1024; V.3.11; V.7.15.). Desta forma, tornou-se o

    esprito uma unidade na pluralidade, um organismo vivo mltiplo, contendo em unidade a

    pluralidade dos inteligveis (t nota). Como tal, os inteligveis so os subprodutos da sua

    atividade de auto-reflexo (Enada, VI.2.22.26-7):

    Em efeito, ainda quando contempla o Uno, no o contempla como Uno;

    seno, no se faz esprito. No, seno que o esprito, ainda que tenha iniciado

    como algo do Uno, no perseverou como comeou, seno sem dar-se conta,

    se fez mltiplo, como quem est sobrecarregado, e se desenvolveu assim

    mesmo desejando possuir todas as coisas [...], pois, como um crculo que,

    ao desenvolver-se por si mesmo convertido em figura, superfcie,

    circunferncia, centro, raios, parte superior e inferior. (Enada,III.8.8.32

    39.)

    O esprito, em Plotino, portanto, no o nos de um nos inteligvel, mas um esprito

    universal de muitos inteligveis (Enada, III.8.8.41-2). O esprito universal o um20

    inteligvel universal, um conjunto dos "muitos" inteligveis individuais. Enquanto, por um

    lado, o esprito potencialmente auto-inclui todos os inteligveis, como um "grande animal

    vivo", por outro lado, os inteligveis efetivam uma potencialidade que o Intelecto universal

    inclui (Enada, IV.8.3.6-16).

    Neste sentido, o esprito a primeira imagem do Uno, "um" e "muitos"

    simultaneamente, isto , muitos devido aos muitos inteligveis, e um por causa de sua

    perfeita identidade interna entre o intelecto e os inteligveis em um unificado e todo inteligvel

    indivisvel.

    Cada inteligvel perfeito e contempla todos os inteligveis em todos os outros

    inteligveis. Todos os inteligveis esto por toda parte na esfera inteligvel e, portanto, cada

    um abraa a todos os outros inteligveis simultaneamente: Todos os inteligveis so

    transparentes para os outros inteligveis como a luz transparente luz (Enada, V.8.4.1-

    11).

    20 - O um em minsculo est representando o sentido de unidade das formas para multiplicidade e no do

    Um platnico.

  • 29

    Em outras palavras, todos os inteligveis dentro da esfera do Esprito esto na

    verdade em si mesmo, mas "potencialmente em todos os outros", como os teoremas

    euclidianos, contendo em cada um, no s a sua prpria verdade matemtica, mas tambm por

    implicao a verdade da geometria (Enada, III.9.2).

    Devido perfeita auto-identidade do esprito, Plotino frequentemente atribui ao

    esprito o prefixo auto (auto-), de modo que o esprito descrito como ser determinado

    (auteksousion - Enada, VI.8.4.2), como a vida em seu prprio direito, ou seja, absoluto e

    incondicional (autozn - Enada, III.8.813); como auto-esprito (autonos - Enada,

    V.9.13.3), e como absoluto autoconhecimento (auto epistme - Enada, V.8.4.40). Apenas

    a autointeleco e o autoconhecimento so capazes de manifestar a perfeio absoluta e

    unidade da realidade inteligvel.

    A verdade s pode ser alcanada quando o pensamento autorreflexivo, conseguindo

    uma coerncia autorreferencial entre o objeto inteligvel e o sujeito inteligvel. J que para

    Plotino o objeto inteligvel no o esprito exterior e o objeto do esprito so as formas, o

    eterno "verdadeiro ser" em si, ento a infalibilidade do esprito est firmemente estabelecida,

    e com ela a perfeio absoluta da vida eterna inteligvel.

    Ao trabalhar a partir dessa concluso, Plotino prossegue com a tese metafsica crucial

    das Enadas, que "[...] cada vida inteligncia." ([...] pasa ze noesis - Enada, III.8.8.17).

    Dentro do sistema das trs hipstases, o princpio da "vida" (ze) significa a natureza tanto do

    Esprito quanto da alma. No nvel da segunda hipstase, ze significa a eternidade da esfera

    inteligvel.

    No autointeleco discursiva do esprito em direo ao Ser (Enada, III.7.3), ao

    nvel da alma, ze significa tempo: pensamento discursivo da alma em direo ao esprito

    (Enada, III.7.11).

    O princpio da vida (ze), no entanto, no tem uma posio clara dentro do sistema,

    mas pode ser o obscuro e o sujeito de controvrsia. Considerando que, em alguns casos, ele

    aparece como o terceiro princpio inferior do mundo inteligvel aps o ser e o esprito

    (Enada,VI.6.8 e 17), em outros casos, a vida equiparada tanto com a fase de processo,

    onde o esprito recebe a vida do Uno, e a fase de retorno, quando o esprito autoformulado

    (Enada, VI.7.17.14-26, e 21,2-6).

    O ltimo caso parece estar intimamente relacionado com a interpretao

    neoplatnica depois de ze como um princpio intermedirio entre o Ser e o esprito, mas isso

    no explicitado nas Enadas. Podemos observar que, no contexto das trs hipstases, ze

  • 30

    para Plotino torna-se um princpio metafsico subjacente a todos os nveis ontolgicos do ser,

    incluindo a vida humana e perceptvel. Todas as formas de ze, mesmo nos nveis inferiores

    do ser, so logoi, e, assim, exercem em seu prprio caminho inteligncia (nesis). Com base

    nisso, temos a inteligncia do crescimento21 (phutiken noesis), a inteligncia da percepo

    (aisthetik noesis) e a inteligncia da alma (psuchik nesis - Enada, III.8.8.14-16).

    Mas essas formas de vida so menos brilhantes do que a vida inteligvel real do

    esprito e por isso tm menos clareza e fora. A eternidade do Ser mais manifestada no nvel

    do esprito, onde a identidade entre sujeito e objeto inteligvel substancial e infalvel. Uma

    vez que o esprito a "primeira forma de inteligncia" (protos nos), e "cada vida

    inteligncia" (pasa ze noesis), ento a vida do esprito a "primeira e mais perfeita forma de

    vida" (Nesis oun h prte ze kai ze [...]).

    Neste relato da vida como inteligncia, Plotino distingue duas formas de pensamento

    cognitivo correspondentes a diferentes nveis ontolgicos: a de pensamento discursivo da

    Alma (diania), movendo-se progressivamente a partir de um conceito para outro, e a no

    discursiva como atividade de pensamento autocontemplativa do esprito (noesis).

    Considerando que a atividade autocontemplativa do esprito uma inteleco contemplativa

    no-discursiva, a atividade de pensamento da Alma um pensamento discursivo transitrio

    para ambos os inteligveis em nvel superior ou os perceptveis em um nvel mais baixo.

    Plotino associa o pensamento discursivo com dois modos de alteridade: alteridade

    conceitual (transio de um conceito para outro), e alteridade ontolgica (distino entre o

    sujeito pensante e o objeto pensado). O pensamento discursivo realmente exercido somente

    pela alma, e exatamente esta forma transitria da atividade de pensar que constitui o

    "tempo" (Enada,III.7.11.44). Mas esta uma discusso para o captulo 3, que analisar a

    eternidade. Retomando, o pensamento discursivo da alma absolutamente externo,

    combinando e dividindo em duas direes, por um lado as imagens mentais derivadas dos

    sentidos (Enada,V.3.2.7-8), e por outro as brilhantes imagens impressas do Intelecto

    (Enada,V.3.2.9-10).

    Por outro lado, no que diz respeito ao pensamento discursivo do esprito, o intelecto

    no est sujeito a qualquer modo de alteridade ou a qualquer forma de pensar transitrio. O

    21 - A inteligncia do crescimento no sentido orientado por Pierre Hadot em Les niveaux de conscience dans

    les tats mystiques selon Plotin, onde o comentador orienta, segundo uma tradio platnica, qual Plotino se

    liga, que a alma possui diferentes partes que tendem a ser como que almas superpostas e constituem, por seu

    agrupamento, a realidade humana. E que a parte inferior desta alma exerce as atividades da alma animal, ou seja,

    a sensao e o movimento, e da alma vegetativa, para qual direcionamos a explicao, compreende e est

    relacionada ao crescimento (1980, p.246-247).

  • 31

    pensamento do esprito "atemporal" (akronos), "inextenso" (oud dixodos), "no-transitrio"

    (oud metabasis), "indivisvel" (ouk diresis), no envolvendo a memria de qualquer tipo

    (adunatn mnemn Enadas, IV.4.1 0,12-15). O esprito engloba todos os seres imortais e

    inteligveis em uma condio estvel e perfeita.

    Segundo Plotino:O esprito no tem nada que no pense, mas pensa no como um

    que procura, mas como um que possui (Enada,V.1.4.16). Ao nvel da Segunda Hipstase, O

    esprito e o Ser so apenas dois aspectos da mesma natureza (Enada,V.9.8.15-16). Logo,

    quando o esprito pensa, ele realmente pensa em si, quando o esprito sabe, ele realmente

    conhece a si mesmo (Enadas,V.3.5.45-6; V.9.5.14-6).

    A atividade de autorreflexo do intelecto interna. A autointeleco e o

    autoconhecimento so subjacentes da verdadeira natureza do pensamento contemplativo no

    discursivo do esprito, onde objeto inteligvel e o sujeito inteligvel so idnticos.

    Como Plotino afirma claramente em V.5.1, os inteligveis so completos, com

    inteligncia e vida, inteligveis primrios, que certamente no so "proposies" (protaseis),

    ou "axiomas" (axiomata), ou "expresses" (lekta), para ento eles apenas dizerem alguma

    coisa sobre outras coisas e no seria as prprias coisas (Enada,V.5.1.32-39).

    Por estas razes, a atividade de autorreflexo do esprito deve ser considerada no

    como discursiva ou proposicional, mas mais apropriadamente como contemplativa. A

    contemplao uma forma especial de pensamento que traz os muitos inteligveis em uma

    atualizao inteligvel unificada.

    No captulo 3, a ltima parte deste trabalho, ser mostrado como o autoconhecimento

    o caminho para a alma, isto , para o verdadeiro ser, buscar a sua autoconscincia de suas

    prprias caractersticas enquanto ser-imortal uno-muitos na temporalidade do corpo,

    revelando numa primeira instncia a conscincia sobre a atemporalidade do ser-alma eterno

    diante do corpo no-ser temporal.

    1.3. A alma

    O tema da Alma como j foi mencionado no prembulo deste captulo por si s

    muito complexo no pensamento de Plotino. Muitos so os questionamentos e outros mais

    aparecem com os novos comentadores. O prprio Porfrio, um dos mais proeminentes

    discpulos de Plotino, reservou uma Enada inteira (a Enada IV) para este tema. Esta

    temtica terica da alma, se remonta em anlises e investigaes, h tempos e pensamentos

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    ainda mais antigos que Plato e Aristteles, ao tempo dos pr-socrticos, estes que esto

    presentes em toda a Enada IV.8. a nica ocasio em que Plotino faz referncia pelo nome

    a vrios pensadores, apenas em um nico tratado. Duas vezes, para Herclito (IV 8, 1.11,

    5.6), trs vezes para Empedcles (IV 8, 1.17, 1.33, 5.5), e uma vez para Pitgoras e seus

    seguidores (1,21). Ao longo destas passagens, Plotino se refere aos fragmentos de Herclito

    em 60, 84a, 84b, 90 e 101; Fragmentos de Empdocles em 115 e 120 e a doutrina pitagrica

    da alma, sem qualquer referncia especial a um fragmento existente.

    O esprito, como foi visto, potncia infinita (peire dname), ou seja, inexaurvel,

    justamente porque tal, transborda, por assim dizer, e gera outra realidade,

    hierarquicamente inferior, que justamente a alma.

    A alma (psuch), como a terceira hipstase uma expresso do nos (o esprito),

    assim como o nos do Uno (t Hn), e, como o intelecto ilumina a alma contemplando o

    Uno, a alma ilumina o cosmos contemplando o intelecto. medida que contempla o intelecto

    em si, a alma jorra (derrama) sua inteligvel luz viva, a beleza e a perfeio na matria e

    formula o cosmos.

    O que chamamos natureza uma alma, produto de uma alma anterior de

    vida mais poderosa, possuidora em si mesma de uma contemplao serena

    que no se dirige nem para cima nem para baixo e, estabelecida no que, em

    sua prpria estabilidade e em um tipo de conscincia de si (synasthesis), e

    v com essa inteligncia (snesis) e autoconscincia (synasthesis), o que lhe

    posterior, conforme lhe possvel, e no mais procura, porque concluiu um

    esplndido (aglan) e amvel (kharen) sujeito de contemplao. (Enada,

    III.8.4.15-20)

    Logo, o cosmos uma unidade orgnica originalmente dirigida pela vitalidade

    inteligvel da alma, a imagem expressa de um arqutipo inteligvel na multiplicidade

    perceptvel. Como tal, o mundo perceptvel uma obra de beleza, luz e esplendor, gerado a

    partir de um ato de contemplao, a autocontemplao da alma para a excelncia do Intelecto.

    Para tanto a natureza e os homens no podem enfraquecer sua contemplao, no intuito de

    manter ou buscar este esplendor e beleza e, por isso, Plotino na Enada III.8 explica por que

    deve-se manter a contemplao:

    Um homem, quando est dbil no contemplar, produz uma ao, que

    sombra da contemplao e da razo (skan theoras kai lgou). E sendo

    incapaz, pela debilidade de sua alma, de elevar-se contemplao, e por isso

    no sendo preenchidos pela viso, nem se quer podero alcanar e saciar as

    suas vises (idosin), mas continuam ansiosos por v-la, e assim recorrem

    ao de ver com os olhos, o que no puderam ver com o intelecto.

    (III.8.4.35)

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    Esta ao de ver com os olhos, tendo por efeito a causa de se negar a buscar pelo

    intelecto e pela contemplao a produo das coisas, analisada por Plotino no exemplo da

    criana menos estudiosa:

    [...] a criana menos estudiosa, que sendo incapaz de dedicar-se ao

    conhecimento intelectivo (mathseis) e a contemplao (theoras), reduzidos

    s artes (tkhnas) e ao trabalho manual (ts ergasas kataphrontai).

    (III.8.4.45-48)

    Assim, a mente humana deve estar aberta atravs da esfera perceptvel para conhecer

    a esfera inteligvel. Quando a mente humana contempla as imagens perceptveis, ela se lembra

    de seus arqutipos inteligveis, e atravs deste processo ela capaz de reconhecer a