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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS (ICSA) PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL CURSO DE MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL MARIA ALICE MARTINS DE SOUSA RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA MÃE GRANDE: permanência e mudança no trabalho do pescador artesanal, em Curuçá/PA. Belém, 2008

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE …ppgss.ufpa.br/arquivos/dissertacoes/2006/maria_alice_martins_de... · Ao Messias Meishu-Sama, que através do Johrei e de seus ensinamentos

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INSTITUPROGRAM

CUR

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ TO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS (ICSA) A DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIALSO DE MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

MARIA ALICE MARTINS DE SOUSA RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA MÃE GRANDE: permanência e mudança no trabalho do pescador artesanal,

em Curuçá/PA.

Belém, 2008

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MARIA ALICE MARTINS DE SOUSA RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA MÃE GRANDE:

permanência e mudança no trabalho do pescador artesanal, em Curuçá/PA.

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-

Graduação em Serviço Social, da Universidade Federal do Pará, como requisito para a obtenção do Grau de Mestre em Serviço Social, sob a orientação dos professores Drs. Ariberto Venturini (UFPa) e Lourdes Gonçalves Furtado (MPEG)

Belém, 2008

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Sousa, Maria Alice Martins Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande: permanência e mudança no

trabalho do pescador artesanal em Curuçá-PA / Maria Alice Martins de Sousa. – Belém, 2008.

60 f. : il.

Dissertação (Mestrado) - Curso de Pós-Graduação em Serviço Social – Universidade Federal do Pará, 2008.

Orientador, Ariberto Venturini; Co-Orientador, Lourdes Gonçalves Furtado.

1. Pesca na Amazônia – permanência e mudança. 2. Comunidades

pesqueiras - Patrimônio ambiental. 3. Reserva Extrativista Marinha "Mãe Grande", Curuçá (PA). I. Venturini, Ariberto. II. Furtado, Lourdes Gonçalves. III. Titulo.

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MARIA ALICE MARTINS DE SOUSA

RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA MÃE GRANDE: permanência e mudança no trabalho do pescador artesanal,

em Curuçá/PA.

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-

Graduação em Serviço Social, da Universidade Federal do Pará, como requisito para a obtenção do Grau de Mestre em Serviço Social, sob a orientação dos professores Drs. Ariberto Venturini (UFPa) e Lourdes Gonçalves Furtado (MPEG)

Data de Aprovação: ______/______/______ Banca Examinadora: __________________________________ Ariberto Venturini , D. Sc. Orientador Doutor em Serviço Social __________________________________ Lourdes Gonçalves Furtado, D.Sc. Co-Orientadora Doutorado em Antropologia – USP Pesquisador MCT/MPEG/CCH - PPGCS __________________________________ Nádia do Socorro Fialho Nascimento, D.Sc. Examinador Interno Doutor em Serviço Social

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Aos meus pais, Albano e Célia Sousa, com profunda gratidão e amor.

Aos meus irmãos, cunhadas e sobrinhos, pela compreensão e paciência.

Aos meus amores

Eduardo Souza e Matheus Sousa, esposo e filho, com infinita gratidão, amor, ternura

e felicidade.

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AGRADECIMENTOS A Deus, que em sua infinita bondade e misericórdia, permitiu-me o dom da vida e através dele o conhecimento e as possibilidades de pô-lo em prática em prol de um mundo melhor. Ao Messias Meishu-Sama, que através do Johrei e de seus ensinamentos pragmáticos, tem me ensinado a vencer obstáculos e a compreender que tudo tem um significado e uma essência, e que através do nosso sonen (razão+sentimento+vontade) e da persistência é possível mudar o rumo de nossa vida. Aos meus antepassados, que representam as raízes de minha existência e para os quais dedico minhas orações e ações. Eterna gratidão! Aos meus pais, Albano e Célia Sousa, que com amor, dedicação e incentivo me permitiram trilhar o caminho que hoje percorro. Eterna gratidão! Aos meus irmãos, Fernando, Geraldo e Albano Jr. e cunhadas, Lucilene e Mônica pelo apoio e paciência em aturar as rabugices. Muito Obrigada! Ao meu filho Matheus Sousa, meu presente de Deus, que sempre me apoiou e incentivou apesar de sentir minha falta e reclamar por isso. Te amo! Ao meu esposo Eduardo Souza, uma pessoa maravilhosa que Deus colocou em minha vida e que tem sido meu companheiro de todas as horas, me apoiando e incentivando a lutar por uma vida melhor. Te amo muito! Ao meu orientador Ariberto Venturini, que desde a graduação acompanha minha trajetória e que tem sido um grande amigo em mais esta etapa de minha vida. Eterna gratidão! À minha co-orientadora e amiga Dra. Lourdes Furtado que com muita paciência e atenção vem acompanhando minha trajetória acadêmica nestes oito anos em que trabalhamos juntas no Projeto RENAS, no qual é coordenadora, e que tem me apoiado e incentivado a superar os limites, com garra e disciplina. Meu carinho e gratidão eternos! Ao Projeto Populações Tradicionais Haliêuticas-Impactos Antrópicos, Uso e Gestão da Biodiversidade em Comunidades Ribeirinhas e Costeiras da Amazônia Brasileira (RENAS), desenvolvido da Coordenação de Ciências Humanas do Museu Paraense Emilio Goeldi, na pessoa da sua coordenadora e co-orientadora deste trabalho, Lourdes Gonçalves Furtado, pelo acolhimento e apoio recebidos em todas as etapas da pesquisa. Muito obrigada! Aos pescadores da comunidade de São João do Abade, pela disponibilidade e atenção durante a pesquisa de campo. Muitíssimo obrigada!

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Aos moradores da comunidade de São João do Abade, por terem permitido a realização desta pesquisa. Muito obrigada! À presidente da Colônia de Pescadores Z-5, de Curuçá, Maria do Rosário, pela atenção e informação dispensadas durante a entrevista. Muitíssimo obrigada! Aos amigos do Museu Goeldi e mais especificamente da Coordenação de Ciências Humanas pelas contribuições e aprendizado ao longo de minha vida acadêmica. Obrigada! Aos amigos do Projeto RENAS, Adriana de Aviz, Elida Moura Figueiredo, Ivete Nascimento, Graça Santana, Isolda Maciel, Helena Doris, Maria José Oliveira que com paciência e carinho sempre me guiaram e contribuíram com seus conhecimentos para minha formação e informação como pessoa e como profissional. Minha eterna gratidão! À amiga Denize Adrião, pelas dicas durante nossas conversas informais, as quais foram de extrema importância para o desenvolvimento deste trabalho. Muitíssimo obrigada! A Igreja Messiânica Mundial, na pessoa do Rev. Isaac Ezagüi, ministros e professores de Ikebana, pela amizade e pelas orientações que me permitem sempre reflexões mais profundas sobre minha missão e sobre a necessidade que tenho em melhorar cada vez mais minha condição de ser e através disso ser mais útil às pessoas. Eterna gratidão. À Ministra Graça Barata (in memoria) que durante suas orientações sempre me ajudou a refletir e a buscar uma vida melhor. Sei que mesmo estando no mundo espiritual continuará torcendo por minha felicidade e pela felicidade de todos aqueles que estiveram por muito tempo em seu convívio. Eterna gratidão! Ao Ministro Gimberlândio Oliveira (Gil) pelas maravilhosas orientações, sempre alicerçadas no carinho, na amizade e na paciência. Orientações estas que têm contribuído para a superação de meus limites e da persistência frente aos obstáculos. Muitíssimo obrigada! À afilhada e madrinha Socorro Velasco, que sempre me ajudou e tem ajudado de todas as formas possíveis e imagináveis desde que nos conhecemos. Um super beijo e eterna gratidão! À amiga Juliana da Silva Cruz, que me viu nascer e crescer e que sempre me apoiou e me ajudou nos momentos difíceis que passei. Eterna gratidão! Aos amigos do Johrei Center Umarizal, pelas contribuições em orações, palavras e gestos. Muito obrigada! Aos amigos em geral que contribuíram direta e indiretamente para a realização deste trabalho. Muito obrigada!

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“O trabalho é, portanto, inseparável do

conhecimento, de idéias e concepções de mundo,

isto é, de formas de pensar a vida real. O ser que

trabalha constrói para si, através de sua atividade,

modos de agir de pensar, ou seja, uma maneira

especificamente humana de se relacionar com as

circunstâncias objetivamente existentes, delas se

apropriando tendo em vista a consecução de fins

propostos pelo sujeito na criação de objetos

capazes de desempenhar funções sociais, fazendo

nascer valores de uso”.

LUKÁCS

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RESUMO Este estudo insere-se no Projeto Populações Tradicionais Haliêuticas – impactos antrópicos, uso e gestão da biodiversidade em comunidades ribeirinhas e costeiras da Amazônia – RENAS Fase III, em seu Componente Número 1 que trata do estudo sobre patrimônios, usos, mudanças e manejo alternativo de conflitos na pesca, na região costeira do Pará. O objetivo deste estudo é identificar fatores de mudança e formas de preservação no contexto do espaço produtivo das populações pesqueiras tomando por base a comunidade de São João do Abade, no município de Curuçá. Na referida comunidade, procuramos pontuar as situações relacionadas às questões que envolvem o trabalho do pescador artesanal, da Zona Costeira do Estado do Pará. Para isso, tomou-se como fator interveniente a criação da Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande, Unidade de Conservação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) que a priori propõe garantir a sustentabilidade ambiental para uso das comunidades humanas. O que significa dizer que propõe a reapropriação de uso e a re-organização de espaços utilizáveis pelas comunidades locais, à medida que estabelece concretamente limites territoriais, incluindo o critério de extrativismo marinho. A revisão bibliográfica e documental utilizada para esta pesquisa foi realizada no Acervo Documental do Projeto RENAS, na Biblioteca do Museu Goeldi, em arquivos públicos, em Universidades, IBGE, IBAMA, SECTAM. Os dados coletados tiveram por base a observação direta, que nos possibilitou uma proximidade maior com os sujeitos da pesquisa e nos permitiu as ações dos mesmos em seu contexto natural (CHIZZOTTI, 2000); as entrevistas tiveram inicialmente um caráter aberto e não estruturado, para obtenção de informações preliminares, o que nos possibilitou uma maior flexibilidade de diálogo com os sujeitos do estudo (MELLO, 1995). Os registros fotográficos, também utilizados neste estudo, serviram como um aporte para a captação das nuances envolvidas nas falas dos sujeitos, bem como para a visualização das questões abordadas durante o trabalho de campo.

Palavras-Chave: Pesca na Amazônia – Permanência e Mudança; Comunidades pesqueiras - Patrimônio ambiental; Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande, Curuçá (PA)

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ABSTRACT

This study one inserts in the Project Traditional Populations Haliêuticas - antrópicos impacts, use and management of biodiversity in marginal and coastal communities of the Amazônia - RENAS Phase III, in its Component Number 1 that it deals with the study on patrimonies, uses, changes and alternative handling of conflicts in fishes, in the coastal region of Pará. The objective of this study is to identify change factors and forms of preservation in the context of the productive space of the fishing populations taking for base the community of Are João of Abbot, in the city of Curuçá. In the related community, we look for to pontuar the situations related to the questions that involve the work of the artisan fisherman, of the Coastal Zone of the State of Pará. For this, the creation of Sea the Extrativista Reserve was overcome as intervening factor Great Mother, Unit of Conservation of the National System of Units of Conservação (SNUC) that a priori it considers to guarantee the ambient support for use of the communities human beings. What it means to say that considers the reapropriação of use and the reorganization of usable spaces for the local communities, to the measure that establishes territorial limits concretely, including the criterion of marine extrativismo. Used documentary the bibliographical revision and for this research was carried through in the Documentary Quantity of Project RENAS, in the Library of the Goeldi Museum, in public archives, in University, IBGE, IBAMA, SECTAM. The collected data had had for base the direct comment, that in them made possible a bigger proximity with the citizens of the research and in it allowed the actions them of the same ones in its natural context (CHIZZOTTI, 2000); the interviews had had initially an open and not structuralized character, for attainment of preliminary information, what in them it made possible a bigger flexibility of dialogue with the citizens of the study (MELLO, 1995). The photographic registers, also used in this study, had served as one arrives in port for the captation of nuances involved says in them of the citizens, as well as for the visualization of the boarded questions during the field work. Key-Words: It fishes in the Amazônia - Permanence and Change; Fishing communities - ambient Patrimony; Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande, Curuçá (PA)

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 01: Mapa do Litoral do Estado do Pará..................................................p.27 FIGURA 02: Mapa do Município de Curuçá mostrando Ilhas, rios e furos......................................................................................................................p.31 FIGURA 03: Croqui da comunidade do Abade, Curuçá-PA.................................p34 FIGURA 04: Delimitação da área da Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande, Curuçá-PA............................................................................................................p.51 FIGURA 05: Manguezal. Praia da Romana, Ilha dos Guarás, município de Curuçá-PA........................................................................................................................p.54 FIGURA 06: Soterramento do Manguezal e aumento da praia. Praia da Romana, Ilha dos Guarás, município de Curuçá-PA.................................................................p.54 FIGURAS 07 e 08: Restinga. Praia da Romana, Ilha dos Guarás, município de Curuçá-PA...........................................................................................................p.55 FIGURA 9: Representação esquemática da cadeia produtiva da pesca no Nordeste Paraense.............................................................................................................p.69 FIGURAS 10,11 e 12: Caminhões-baú nos Portos do Mercado e do jenipapo aguardando carregamento de peixe para ser levado aos estados do Ceará e do Maranhão............................................................................................................p.78 FIGURAS 13 e 14: Trecho da PA-136 que liga a sede municipal ao Distrito de São João do Abade....................................................................................................p.79 FIGURAS 15 e 16: Mercado Municipal antigo e Mercado Municipal novo.........p.80 FIGURA 17: Empresa CAMPASA.......................................................................p.80 FIGURAS 18 e 19: Embarcações no trapiche do Porto do Jenipapo.................p.81 FIGURAS 20 e 21: Bairro Bragantino: área de Mangue ocupada por famílias de pescadores oriundos do município de Bragança................................................p.83 FIGURA 22: Lixão depositado no mangue. Ausência de coleta seletiva............p.84 FIGURAS 23 e 24: Casas de Alvenaria, entregues as famílias do Abade pelo AUREMAG, através do Programa de Assentamento do INCRA.........................p.84 FIGURAS 25 e 26: Desenhos do Porto “Terminal do Espadarte” divulgado pela CDP...................................................................................................................p.89

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LISTA DE SIGLAS

ALFACIÊNCIA Experimentação Científico-Pedagógica: construção do Saber sob a Ótica da Alfabetização Científica AT Apoio Técnico AUREMAG Associação de Usuários da Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande CAMPASA Indústria de Processamento de Camarão CCH Coordenação de Ciências Humanas CD Conselho Deliberativo CDP Companhia das Docas do Pará CONAMA Conselho Nacional de Meio Ambiente CP Colônia de Pescadores DST Doenças Sexualmente Transmissíveis EMATER Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará FLONA Floresta Nacional IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMCB Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INL Instituto Nacional do Livro MADAM Mangrove Dynamics and Management MCT Ministério de Ciência e Tecnologia MEGAM Estudos do Processo de Mudança do Estuário Amazônico pela Ação

Antrópica e Gerenciamento Ambiental MMA Ministério do Meio Ambiente MPEG Museu Paraense Emilio Goeldi ONG Organização Não Governamental PEC Programa de Estudos Costeiros PND Plano Nacional de Desenvolvimento PNOPG Programa Norte de Pós-Graduação RENAS Populações Tradicionais Haliêuticas – Impactos Antrópicos, Uso e

Gestão da Biodiversidade em Comunidades Ribeirinhas e Costeiras da Amazônia Brasileira.

RESEX Reserva Extrativista REMs Reservas Extrativistas Marinhas SECULT Secretaria de Estado de Cultura SEMA Secretaria Especial de Meio Ambiente SIF Serviço de Inspeção Federal SISNAMA Sistema Nacional de Meio Ambiente SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação SUDAM Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia UC Unidades de Conservação UFPA Universidade Federal do Pará UICN União Internacional para a Conservação da Natureza UIPN União Internacional para a Preservação da Natureza UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

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LISTA DE TABELAS TABELA 01: Categorias de Unidades de Conservação da Natureza...............p.45

TABELA 02: Reservas Extrativistas no Brasil...................................................p.47

TABELA 03: Dados das Reservas Extrativistas Marinhas do Litoral Paraense Ibama/CNPT/PA/GEREX I................................................................................p.50 TABELA 04: Seqüência Cronológica do Povoamento Pré-Histórico da Amazônia, segundo Simões, 1982.....................................................................................p.63 TABELA 05: Seqüência Cronológica do povoamento pré-histórico da Amazônia, segundo Roosevelt, 1992.................................................................................p.64

TABELA 06 – Diversificação de espécies capturadas na pesca paraense......p.66

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SUMARIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................... 15

1.1 INTERESSE PELO ESTUDO................................................................. 15

1.2 O PROBLEMA DA PESQUISA............................................................... 17

1.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS............................................... 20

2. O CENÁRIO REGIONAL........................................................................ 24

2.1 A REGIÃO.............................................................................................. 24

2.2 ÁREA DE ESTUDO................................................................................ 26

2.2.1 O município de Curuçá......................................................................... 26

2.2.2 O Distrito de São João do Abade........................................................ 34

3. A PRESERVAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO........................................................................

37

3.1 UMA SÍNTESE HISTÓRICA................................................................... 37

3.2 O SURGIMENTO DOS PRIMEIROS PARQUES PÚBLICOS..............................................................................................

38

3.3 A MUNDIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS DE PRESERVAÇÃO E CONSERVAÇÃO....................................................................................

39

3.4 A IMPLANTAÇÃO E GESTÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO BRASIL.............................................................................................

41

3.5 AS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NA REGIÃO AMAZÔNICA..........................................................................................

43

3.6 RESERVAS EXTRATIVISTAS............................................................... 46 3.6.1 Reservas Extrativistas Marinhas........................................................ 49

4. A RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA MÃE GRANDE................................................................................................

51

4.1 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA.............................................................. 51 4.2 A PESCA NA RESEX MÃE GRANDE.................................................... 57 4.3 ASPECTOS HISTÓRICOS DA PESCA ESTUARINA............................ 61 4.4 A PESCA E SUA COMERCIALIZAÇÃO................................................. 66

4.4.1 O trabalho na pesca............................................................................. 71 4.5 A COMUNIDADE DO ABADE, HOJE..................................................... 77 4.6 OS IMPACTOS SOCIAIS E AMBIENTAIS E SEUS REFLEXOS NA

COMUNIDADE DO ABADE................................................................... 85

5.

CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................

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REFERÊNCIAS

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1 INTRODUÇÃO

1.1 INTERESSE PELO ESTUDO

Nosso interesse pelo estudo de populações pesqueiras surgiu quando

bolsista de Apoio Técnico (AT) do Programa Norte de Pós-Graduação (PNOPG), no

Museu Paraense Emílio Goeldi, (MPEG) no âmbito do Projeto Recursos Naturais de

Populações Haliêuticas - RENAS1.

O referido Projeto desenvolve atividades de pesquisa, repasse e difusão junto

às comunidades pesqueiras do litoral amazônico, águas interiores e estuário, desde

o final da década de 1960 como desdobramento dos projetos Marapanim, Quatipuru

e Marajó além de formar parcerias com outros programas: MADAM, MEGAM, PEC e

ALFACIÊNCIA, originando um acervo escrito, fotográfico e videográfico significativo

do ponto de vista informacional e sócio-cultural para a preservação da memória da

região e do segmento de pescadores amazônicos.

Enquanto projeto pluridisciplinar, integrado, de pesquisa/ação, o RENAS,

através da produção do conhecimento visa à interação homem/meio ambiente

ressaltando importância do conhecimento local na minimização dos conflitos e

impactos sócio-ambiental, bem como subsidiar a capacidade das comunidades

ribeirinhas, costeiras e estuarinas em aprimorar, definir, desenvolver e implantar

estratégias de gestão de recursos naturais e territórios em áreas pesqueiras, de

modo durável.

Um ponto importante que despertou nosso interesse e nos instigou a fazer

esta pesquisa intitulada RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA MÃE GRANDE:

1 Primeira Fase – Recursos Naturais e Antropologia das Sociedades Marítimas, Ribeirinhas e Estuarinas da Amazônia: estudo sobre as relações do homem com seu meio ambiente; Segunda Fase – Recursos Naturais e Antropologia das Populações Marítimas, Ribeirinhas e Estuarinas – organização social, desenvolvimento e sustentabilidade em comunidades pesqueiras na Amazônia; Terceira Fase (atual) - Populações Tradicionais Haliêuticas – Impactos Antrópicos, Uso e Gestão da Biodiversidade em Comunidades Ribeirinhas e Costeiras da Amazônia Brasileira – RENAS. Durante sua trajetória, foi viabilizado por diferentes fontes de financiamento, como: IDRC/CRDI-Canada (primeira e segunda fases), Governo do Estado do Pará/SECTAM, FINEP – CNPq/PNOPG (segunda fase), PPD/PPG7 e SETEPS.

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permanência e mudança no trabalho do pescador artesanal na comunidade de

Curuçá/PA foi a oportunidade em acompanhar os pesquisadores e tecnologistas,

componentes do Grupo de Pesquisa RENAS, às atividades de difusão,

primeiramente, na comunidade piloto – a vila de Marudá – município de Marapanim,

e mais recentemente no município de Curuçá, ambas situadas na Microrregião

Homogênea do Salgado, no Nordeste Paraense. Através das ações demandadas

pelas comunidades pesquisadas pudemos observar in loco os problemas

enfrentados pelos pescadores, principalmente no que se refere à sua re-organização

sócio-econômica frente aos reflexos da modernização e das especificidades

ecológicas da região. O trabalho que desenvolvem enquanto pequenos produtores

da pesca, vinculados em maior ou menor escala a um sistema de mercado mundial,

remete-os a um fluxo contínuo de mudanças e reconfigurações em seus espaços

produtivos, que de alguma forma são por eles identificados e delimitados como

“fatias” produtivas do mar. Nesses espaços os pescadores estão sujeitos aos

impactos, ocasionados em sua maioria por ações governamentais que

paralelamente aos interesses da sociedade civil pouco se voltam à análise e

compreensão dos saberes nativos.

É nesse contexto que se inserem os resultados da pesquisa em que nos

propusemos pontuar as situações relacionadas às questões que envolvem o

trabalho do pescador artesanal, no município de Curuçá, especificamente na

comunidade do Abade, Zona Costeira do Pará. Para isso, tomou-se como fator

interveniente a criação da Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande, Unidade de

Conservação da categoria de Uso Sustentável do Sistema Nacional de Unidades de

Conservação (SNUC) que a priori propõe garantir a sustentabilidade ambiental para

uso das comunidades humanas. O que significa dizer que propõe a reapropriação de

uso e a re-organização de espaços utilizáveis pelas comunidades locais, à medida

que estabelece concretamente limites territoriais, incluindo o critério de extrativismo

marinho. Ora, isso certamente acentua mudanças que poderão favorecer os

comunitários na sua reprodução sócio-cultural e a gestão pública de recursos

marinhos em áreas costeiras. Uma via de mão dupla para se encontrar alternativa

na fronteira uso de recursos/desenvolvimento, neste novo século.

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Diante da grande importância que a pesca e a coleta de crustáceos e

moluscos tem para a região amazônica, busquei com esse estudo identificar os

impactos mais recorrentes sobre o trabalho dos pescadores de São João do Abade

e compreender qual a percepção dos pescadores sobre a criação da RESEX e seu

significado para o setor pesqueiro da região, como forma de compreender o universo

mais amplo em que se incluem os valores atribuídos pelos pescadores sobre suas

práticas, o que pensam para o futuro enquanto categoria, agora que estão inseridos

em uma RESEX. Além disso, busquei identificar o nível de participação do pescador,

enquanto categoria, no processo de criação e gestão da RESEX, uma vez que os

saberes nativos são pouco considerados, como contributivos na implementação de

políticas.

A realização deste estudo, particularmente, nos oportuniza uma somatória de

esforços que, em conjunto com outros trabalhos já realizados no âmbito da atividade

pesqueira poderá servir como contributivo à efetivação de novas discussões apenas

aqui iniciadas, visto que, em se tratando de região amazônica, há sempre

descobertas a serem feitas e lacunas a serem preenchidas principalmente no que se

refere a realidade que envolve as populações pesqueiras artesanais.

1.2 O PROBLEMA DA PESQUISA

Durante as três últimas décadas do século XX, os debates em torno da

questão ambiental, em nível global, se acirraram em busca de soluções e/ou

respostas que minimizassem o avanço da degradação ambiental, a qual

compromete a qualidade de vida da sociedade, uma vez que reduz os fluxos de

bens e serviços que a natureza pode oferecer à humanidade.

Na região Amazônica, um dos principais cenários de disputa por recursos

naturais em termos mundiais, grandes mudanças vêm ocorrendo desde a década de

1970, resultantes da aplicação de ações políticas desenvolvimentistas, tanto

econômicas quanto sociais que desconsideraram os povos tradicionais que aqui

viviam, violando o seu patrimônio cultural e genético, incentivando a grande

18

propriedade, o desmatamento, o extermínio de povos indígenas e a extinção de

riquezas naturais (CASTRO, 2004).

Como reflexo destas transformações, danos ambientais e sociais

incalculáveis são sentidos pelas populações tradicionais2, que pela escassez dos

recursos naturais buscam formas alternativas de sobrevivência, em sua maioria

distantes de seu habitat, contribuindo para a intensificação do processo migratório3

rumo aos centros urbanos, agravando ainda mais os problemas sociais existentes

nestes centros, como: a violência, ausência de moradia e de saneamento básico,

etc. (CASTRO, 2004).

Estas questões, de forma particular, estão relacionadas às populações

ribeirinhas, especialmente as pesqueiras que, ao longo deste processo, foram

afetadas pelo comprometimento de sua qualidade de vida material e social, onde a

falta de emprego, a educação e saúde precárias, além da ausência de apoio, no que

se refere à organização social do pescador4 no desenvolvimento de suas atividades

diárias contribuem para o desestímulo em torno da preservação de seus hábitos

tradicionais (FURTADO, 1987).

Como tentativa para solucionar os problemas resultantes do desequilíbrio

ambiental, a proposta de criação de Reservas Extrativistas – RESEX, adquire

especial relevância, a partir da década de 1980, na Amazônia com a organização do

movimento dos seringueiros, no Acre, cujos objetivos demandados deram início à

modificações importantes na legislação ambiental e à criação do Instituto Brasileiro

do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) como órgão

executor da política ambiental.

2 Expressão aqui entendida “como geradora da noção de simplicidade tecnológica, que remete para procedimentos e comportamentos em que as relações comunitárias tendem a se sobrepor às societárias, nas quais a modernidade vai assumindo aos poucos o lugar de tendências mais tradicionais à medida que escolhem seus substantivos para suas tradições” (FURTADO & FORLINE, 2002 p. 30) 3 Ver os trabalhos de: LIMA, Marta Goreth Marinho. Estratégias de sobrevivência de famílias de pescadores migrantes num centro urbano da Amazônia: um estudo de caso. Projeto RENAS, Belém, 1996; POTIGUAR JR, Petrônio Lauro Teixeira. Um exercício etnográfico sobre a migração de pescadores no nordeste do Pará. Projeto RENAS, Belém, 1996. 4 A organização social característica das comunidades tradicionais ribeirinhas, especificamente as pesqueiras, baseavam-se no predomínio das atividades masculinas, que nos últimos anos vem se modificando, principalmente no agir e no pensar coletivo, onde a mulher no contexto da organização social pesqueira, passa a desenvolver atividades antes exercidas pelo universo masculino. (MANESCHY, 1995)

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As Reservas Extrativistas se configuram como desdobramento da Ação

Pública que teve início nos anos de 1987, quando projetos de assentamentos

extrativistas foram criados através do Programa Nacional de Reforma Agrária, sob a

responsabilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),

como tentativa de resolução de conflitos entre seringueiros autônomos e grupos

antagônicos que, apoiados pelo governo, visavam a implantação de projetos

agropecuários e de madeira na região (CUNHA & COELHO, 2003).

Segundo Allegretti (1994), as Reservas Extrativistas,

[...] são espaços territoriais protegidos pelo poder público, destinados à exploração auto-sustentável e conservação dos recursos naturais renováveis, por populações com tradição no uso de recursos extrativos, reguladas por contrato de concessão real de uso, mediante plano de utilização aprovado pelo órgão responsável pela política ambiental do país. (ALLEGRETTI, 1994, p.19)

No âmbito das Reservas Extrativistas o conhecimento tradicional que as

populações humanas herdam pela acumulação de saberes de geração a geração ao

longo do tempo, pela oralidade ou mesmo pela participação direta nas experiências

do quotidiano (UETELA, 2006) reforçam o valor da relação dialética que se

estabelece entre homem e natureza alargando o domínio daquele sobre esta, em

constante interação.

Assim, a combinação de desenvolvimento com proteção aos recursos

naturais, proposto pela legislação que cria as Reservas Extrativistas “deve ter como

finalidade a valorização do capital humano para o desenvolvimento, uma vez que

todo o processo depende, por um lado, dos recursos naturais disponíveis e, por

outro, da forma como são utilizados pelo homem” (ISAAC & BARTHEM, 1995,

p.321).

Porém, será que realmente esse “capital humano” é valorizado em se

tratando de desenvolvimento sustentável no âmbito das Unidades de Conservação?

Como estas populações se percebem enquanto habitantes de um espaço que

outrora era regulado apenas pelos limites impostos pelo uso e manejo dos recursos

20

ali dispostos? O que permanece e o que muda no trabalho destas populações? Há

participação efetiva dessas populações no processo de gestão das UC’s?

Diante desse quadro, estudos5 foram realizados no litoral do Nordeste

Paraense, especificamente no município de Curuçá, que atualmente compõem a

Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande e que apontaram problemas sócio-

econômicos, ambientais e políticos relevantes ocasionados por diversos fatores

nessa região, tais como a expansão da industrialização de pescado; revitalização

em estrutura e pavimentação da PA 136; a afluência de população migrante de

municípios vizinhos, a criação da Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande e, mais

recentemente a construção do Terminal Pesqueiro do Espadarte, que se localizará

na Ilha dos Guarás, na costa norte do município de Curuçá.

Assim, esta proposta se torna relevante uma vez que, pretende, através de

levantamentos bibliográficos, pesquisas e sistematização de

informações/conhecimentos gerados anteriormente, e outros ainda em construção,

identificar os impactos da implementação da RESEX Marinha Mãe Grande sobre a

atividade pesqueira no município de Curuçá, particularmente na comunidade de São

João do Abade buscando-se compreender o significado concreto das Unidades de

Conservação de Uso Sustentável na melhoria da qualidade de vida das populações

que nela habitam.

1.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A definição da área de estudo, do problema e dos objetivos desta pesquisa

foram ações iniciais desenvolvidas à realização da mesma. No entanto, algumas

indagações se fizeram presentes: como trabalhar o tema? Como identificar os

impactos ocasionados pela criação de uma Reserva Extrativista sobre o trabalho do

pescador?

5 FURTADO, L.G et al. Diagnóstico Etno-Ecológico da Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande – Curuçá, Zona do Salgado-Pará. Relatório de Pesquisa. Belém: Museu Paraense Emilio Goeldi, 2003a (Inédito); AVIZ, A. A pesca no Nordeste Paraense: tensões, conflitos e mudanças no município de Curuçá-Pará. Relatório Final de Pesquisa. Belém: CNPq/MPEG, 2005 (Inédito);

21

Inicialmente buscamos escolher um local, como objeto de estudo que fosse

representativo e que, ao ser analisado, seus resultados contribuíssem para

contextos mais amplos, que no caso remetem-se aos estudos já desenvolvidos pelo

Projeto RENAS/MPEG, no município de Curuçá, onde localiza-se a Reserva

Extrativista Marinha Mãe Grande. A referida Reserva compõe-se de 52 (cinqüenta e

duas) comunidades de acessos diversificados e a escolha pela comunidade de São

João do Abade dependeu de alguns fatores como: a distância de Belém, para

facilitar o acesso e torná-lo mais rápido, ampliando a possibilidade de maior

freqüência à comunidade; a facilidade de acesso à comunidade, uma vez que a área

de abrangência da Reserva Extrativista Mãe Grande é de aproximadamente 37

(trinta e sete) mil hectares e, por se tratar de um entreposto pesqueiro importante

para a região, área de evidente concentração de pescadores.

Após elegermos a comunidade de São João do Abade como área de estudo,

partimos para o levantamento bibliográfico e documental utilizando-nos,

principalmente de trabalhos já desenvolvidos naquela comunidade por

pesquisadores e bolsistas do Projeto RENAS e que se encontram disponíveis no

Acervo Documental do referido Projeto. De posse das informações procuramos

destacar alguns aspectos que consideramos importantes na relação

pescador/ambiente natural: sua organização na busca dos recursos necessários à

sua sobrevivência; os instrumentos utilizados por estes pescadores no

desenvolvimento de suas atividades, os impactos mais recorrentes na comunidade

do Abade e no trabalho do pescador, bem como as possíveis ligações desses

impactos com a criação da RESEX Mãe Grande. Além disso, procuramos também

destacar informações históricas sobre a criação e gestão de Reservas Extrativistas e

as questões político-sociais que advém desse processo para as populações

tradicionais amazônicas.

Ao apresentarmos os resultados desta pesquisa, buscamos fazê-lo através da

descrição, e por considerarmos ser esta uma tarefa não tão simples, apenas

destacamos os pontos mais expressivos, à nós perceptíveis, da problemática que

envolve a pesca em seus aspectos econômicos, sociais, políticos e ambientais no

âmbito da RESEX Marinha Mãe Grande.

22

Em Curuçá, o trabalho de campo foi realizado nos períodos de 14 a 17/

08/2007, 23 a 26/10/2007, 19 a 22/02/2008, 15/04/2008 na comunidade de São João

do Abade onde se concentra a maioria dos pescadores que habitam a RESEX. Ali,

percorremos o bairro Bragantino e a área portuária da comunidade; além disso,

visitamos o bairro Alto, localizado na comunidade de Curuçá, local também de

concentração de pescadores, a Casa do Pescador, que abriga a Associação de

Usuários da Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande (AUREMAG), a Colônia de

Pescadores Z-5 e o Pólo da EMATER, localizado em Curuçá - sede.

Os dados coletados tiveram por base a observação direta, que nos

possibilitou uma proximidade maior com os sujeitos da pesquisa e nos permitiu as

ações dos mesmos em seu contexto natural (CHIZZOTTI, 2000); as entrevistas

tiveram inicialmente um caráter aberto e não estruturado, para obtenção de

informações preliminares, o que nos possibilitou uma maior flexibilidade de diálogo

com os sujeitos do estudo (MELLO, 1995). Assim, optamos por conduzir as

entrevistas apenas com uma questão norteadora: “O que mudou no seu trabalho

com a criação da Reserva Extrativista Mãe Grande?”. A partir de uma maior

afinidade com a comunidade, grande parte dos dados foi obtida em conversas

informais com os pescadores e demais sujeitos partícipes da pesquisa. Na maioria

das vezes as entrevistas foram gravadas, porém com permissão prévia dos

entrevistados, respeitando o receio e/ou a inibição dos mesmos. Após o trabalho de

campo, as entrevistas, em sua maioria, foram transcritas e as conversas informais,

não gravadas, escritas em caderno de campo.

A história de vida, outra técnica utilizada nesta pesquisa, nos permitiu captar a

memória e a reflexão dos entrevistados sobre a época vivida em condições sociais

altamente específicas (CHIZZOTTI, 2000). Desta forma, buscou-se entrevistar os

pescadores mais antigos da RESEX tanto os que residem na comunidade do Abade,

quanto os que residem na comunidade de Curuçá, os quais colaboraram de forma

inestimável.

Os registros fotográficos, também utilizados nesta pesquisa, serviram como

um aporte para a captação das nuances envolvidas nas falas dos sujeitos, bem

como para a visualização das questões abordadas durante o trabalho de campo. O

23

objetivo da imagem para a pesquisa científica é superar os limites imediatos ditados

pela paisagem e fornecer “na expressão mais apurada da evidência que transforma

circunstâncias comuns em dados para elaboração de pesquisa” COLLIER (1973, p.

7 apud CAMPOS, 2008 p.34-35) os subsídios necessários à compreensão de

determinada realidade. Além dos registros fotográficos foram utilizados mapas da

região do Nordeste Paraense, do município de Curuçá e das comunidades que a

compõem; mapa do município de Curuçá destacando os limites da RESEX Marinha

Mãe Grande e croqui da comunidade de São João do Abade.

24

2 O CENÁRIO REGIONAL

2.1 A REGIÃO

A descrição das condições naturais do meio envolvente em que alguns

grupos sociais se inserem é de grande relevância à compreensão das formas

culturais de determinada área. Assim, para se compreender a vida dos pescadores

do Nordeste Paraense foi necessário resgatar, na história, as implicações desse

meio natural na vida desse grupo de pescadores do Pará.

A Amazônia é uma região singular tanto do ponto de vista geográfico quanto

do ponto de vista étnico e cultural. Seu território ocupa aproximadamente 3/5 do

território brasileiro, e abriga uma diversidade de ambientes e de espécies icticas já

registradas em seus mananciais.

Com 6 milhões de quilômetros quadrados a Bacia Amazônica é a maior do

planeta. Calcula-se que, anualmente, essa bacia receba 12x1012 metros cúbicos de

água, que descarregue 5,5x1012 e que recicle para atmosfera 6,5x1012. Daí, a

atmosfera sobre a Amazônia conter grande quantidade de vapor d’água, resultantes

respectivamente da evapotranspiração e do Oceano Atlântico, trazida pelos ventos

alísios NIMER (1977 apud FURTADO, 1993).

As características potamográficas6 que essa região apresenta a torna

propícia “[...] tanto, à existência da diversidade biológica disponível ao homem,

quanto às variações ecológicas da prática ou exploração pesqueira nessa região”.

(FURTADO, 1993, p. 266)

Apesar da vastidão e do volume hidrográfico, os recursos, em espécies

vivas contidos nos mananciais da Amazônia não são inesgotáveis, pois sua

perpetuação depende dos métodos de manejo utilizáveis pelos que ali habitam. A

prática e/ou a exploração dos recursos pesqueiros são determinados, em grande

parte, pelos fatores de ordem histórica e pela contribuição cultural que os índios

nativos e, posteriormente, os colonizadores portugueses trouxeram, quando se

6 Parte da geografia que estuda os rios.

25

instalaram nessa região, nos meados do século XVII. Segundo Furtado (1993)

calculava-se que, na Amazônia, viviam milhares de índios aldeados nas florestas,

quando os colonizadores chegaram. Estes índios aproveitavam os recursos oriundos

da floresta e dos rios, igarapés, lagos e das extensas praias de seu litoral.

Naquela época, em 1616, os portugueses tinham com a terra descoberta

interesses de ordem política, econômica e religiosa uma vez que objetivavam

dominá-la para obter os recursos necessários para alimentar sua economia, em

crise, na Europa. Como primeiro ciclo econômico de exploração dos recursos, a

busca por especiarias teve uma grande repercussão na formação da miscigenação

local, pois através do processo de dominação (política de “descimento”) exercido

pelas ordens religiosas sobre os índios nativos, vindas com anuência de Portugal, foi

possível o desenvolvimento de uma população mestiça, no entorno dos fortes e

aldeamentos missionários.

A formação e desenvolvimento das vilas e cidades amazônicas estão

estreitamente ligados a esse período, pois os índios “descidos” de suas aldeias

prestavam serviços aos colonizadores em diversas atividades, inclusive na pesca.

Desde que chegaram, os colonizadores consumiam largamente o pescado e, para

tanto, contavam com a habilidade e com as técnicas bastantes seletivas utilizadas

pelos índios, como: tapagem dos cursos d’água (pequenos rios e igarapés); a

narcotização das águas e dos peixes através da maceração de plantas, como o

timbó; além de arpões, puçás, anzóis com pontas de osso, técnicas típicas do seu

sistema econômico auto-sustentado. O manejo dos ambientes aquáticos pelos

índios garantia a sua subsistência, mas, além da praticidade havia o simbolismo,

que fazia parte de seu sistema cosmológico e que contribuía para a sustentação e

reprodução dos recursos naturais, bem como para o equilíbrio e para a continuidade

do homem e do patrimônio ambiental.

Para Furtado (1993),

À contribuição indígena para o desenvolvimento da pesca, mesclou-se a dos colonizadores, que nos deixaram como traços o uso da tarrafa, das redes de malhar, espinhéis e arrastões. Contribuições essas que perpassam o processo do crescimento populacional das vilas e cidades amazônicas por séculos, marcando a atividade dos segmentos sociais, que praticam a pesca. (FURTADO, 1993, p. 279)

26

As técnicas indígenas passaram a ser adotadas pela população mestiça que

crescia e, assim, com os excedentes produzidos aos poucos, com a pesca de

subsistência, voltada única e exclusivamente à alimentação das unidades de

produção e consumo, passou a existir a pesca para comercialização.

Com o crescimento das vilas e cidades em atividades diversificadas, o

consumo do pescado também cresceu e com ele o trabalho exercido por uma

parcela da população rural que habitava as margens dos rios, igarapés, paranás,

lagos e praias litorâneas. Essa população, que além da pesca dividia seu tempo com

a coleta, a caça, o extrativismo, configuram o setor tradicional da pesca e são

denominados de pescadores artesanais.

2.2 ÁREA DE ESTUDO

2.2.1 O município de Curuçá

O município de Curuçá se situa na micro-região homogênea do Salgado (ou

Zona do Salgado, como é mais conhecida), que juntamente com as micro-regiões

Guajarina, Bragantina, Vizeu e Tomé-Açú, compõe o Nordeste Paraense, em uma

área de 105.720 km2 (IBGE, 2007).

A microrregião do Salgado possui esta denominação em razão de seu

território ser banhado em grande parte pelas águas do Oceano Atlântico. Ocupa

uma área de 6.447 Km2, e além do município de Curuçá abrange os municípios de

Colares, Maracanã, Marapanim, Salinópolis, São Caetano de Odivelas, São João de

Pirabas, São João da Ponta e Vigia.

O clima segundo a classificação de Koppen é Amw’, do tipo “florestas

tropicais com chuvas monçônicas de outono”. A temperatura se caracteriza como

elevada. A umidade relativa e as chuvas enfatizam uma estação com maior índice

pluviométrico.

27

FIGURA1 - MAPA DO LITORAL DO ESTADO DO PARÁ Fonte: IBAMA, 2007. Disponível em: http://www.ibama.gov.br/ecossistemas/Acesso em: 23/08/07

Quanto à vegetação, apresenta inúmeros tipos que se distribuem “em

ambientes como campinas, campos, dunas, restingas, capoeiras, igapós, várzeas e

áreas remanescentes de florestas primárias de terra firme, todas pouco estudadas

sob o ponto de vista botânico” (BASTOS et all., 2001 p.29).

O povoamento da região se deu no sentido norte-sul, e foi feito de dois

modos: espontâneo, devido a influência do sistema de navegação entre as cidades

de Belém, no Estado do Pará e São Luiz, no Estado do Maranhão, e planejado,

devido a implantação da estrada de ferro Belém-Bragança, concluída em 1914, no

período áureo da borracha. Com a implantação dessa ferrovia, a pretensão do

Governo Federal era colonizar as terras praticamente desocupadas da região e

atrair uma grande contingente de mão-de-obra para o trabalho na extração da

borracha, como de fato ocorreu quando da vinda dos nordestinos, os quais

permaneceram atrelados, após o declínio da economia baseada no extrativismo da

28

borracha, as dividas contraídas com os atravessadores durante o período em que a

atividade era intensa. Assim, muitos encontraram no Nordeste Paraense uma

alternativa de trabalho, onde, segundo Furtado (1987),

[...] desenvolveram a agricultura de caráter intensivo, que durante anos provocou a destruição da cobertura vegetal da região; em lugar dela, surgiu uma vegetação pobre e raquítica em relação à anterior, representada por extensas capoeiras que hoje são visualizadas desde a porção mais interior da região até a costa atlântica. (FURTADO, 1987 p. 32)

Com a implantação da rodovia Belém-Brasília, a abertura de novas frentes

pioneiras para a agricultura intensiva e para o setor terciário da região foram se

tornando cada vez mais expressivos o que possibilitou a formação de setores

dominantes como a pesca e a agricultura que tem um mercado consumidor local e

extra-local para seus produtos, principalmente com os municípios de Belém e

Castanhal, seus principais consumidores.

O Nordeste Paraense conta com uma infra-estrutura em estradas e

comunicações sem precedentes, o que facilita o acesso as transações comerciais,

políticas e sociais entre o estilo de vida urbano e rural.

Nesse contexto destaca-se o município de Curuçá, sua origem está ligada a

presença dos missionários jesuítas na região, durante o século XVII, quando ali

estabeleceram as missões religiosas. Primeiramente, os padres jesuítas ficaram

acampados na localidade hoje conhecida por Abade7, mas como o lugar não lhes

provia de condições básicas de sobrevivência partiram em busca de um lugar

melhor. Às margens do rio Curuçá, os padres jesuítas encontraram uma feitoria de

pesca que primitivamente era a aldeia dos índios tupinambás, denominada Crussá,

onde acabaram por fundar uma fazenda, batizando-a com o mesmo nome do rio,

Fazenda Curuçá (que na língua tupi significa “cruz”), denominação esta que

perdurou até 1755. A fazenda, erguida sob a devoção de Nossa Senhora do

Rosário, posteriormente deu origem à atual cidade de Curuçá.

Em 1755, com a expulsão dos jesuítas, em decorrência da Lei Pombalina, o

Governador e Capitão-General do Grão-Pará, Francisco Xavier de Mendonça

7 Superior de ordem religiosa. Pároco de certas freguesias.

29

Furtado, elevou a Fazenda Curuçá à categoria de Vila, com o nome de Vila Curuçá,

constituindo, assim, o Município.

A chegada do ato do Conselho de Governo da Província abalou a Vila Nova

d’El Rei, em 26 de abril de 1833. Este ato, segundo o historiador Palma Muniz

(1917) deu uma nova organização municipal ao Pará e extinguiu o município de

Curuçá sendo o território anexado à área patrimonial do município de Vigia. Este fato

desencadeou sérios conflitos entre os seus habitantes, sendo a ordem restabelecida

com a chegada do tenente Boa Ventura Ferreira Bentes.

Em junho de 1833, a Câmara Municipal é extinta e quem a presidia na

ocasião era José Rufino das Neves, o qual pediu ao presidente da Província,

Machado de Oliveira, a revogação do ato de extinção de Curuçá. A solicitação não

foi aceita e a justificativa era de que não tinha homens capazes de formar o governo

municipal. Assim, a vila de Curuçá foi anexada ao município de Vigia e, somente

retornou a seu predicado de Vila e de Município, em 21 de novembro de 1850,

sendo sua sede transferida para a Ponta do Abade em 1854, fato este não ter sido

concretizado devido a resistência dos habitantes. A Resolução nº 167, de 21 de

novembro de 1850 devolveu a Curuçá a condição de vila e de município, ocorrendo

a sua reinstalação no dia 1º de janeiro de 1853, tendo como presidente o senhor

Teotônio de Brito Chucre.

No período republicano, o Governo Provisório do Pará, dentro das novas

normas, extinguiu as Câmaras Municipais. A Câmara de Curuçá foi extinta no dia 20

de fevereiro de 1890, através do Decreto nº 65, sendo criados, nesta mesma data os

Conselhos de Intendência, através do Decreto nº 66, com a nomeação de seus

integrantes, ocorrendo também a Adesão do Município à República no mesmo ano.

Em 1895, mediante a Lei Estadual nº 236, de 14 de maio, a Vila de Curuçá foi

elevada à categoria de cidade, sob o mesmo nome.

Após a Revolução de 1930, Curuçá teve seu território ampliado em função da

incorporação das terras do município de Marapanim, que foi extinto. Essa extinção

tornou-se sem efeito em 1931, sendo o seu território novamente desmembrando da

área patrimonial de Curuçá. No ano seguinte, é a vez de Curuçá ser extinto,

30

passando o seu território a integrar a jurisdição de Castanhal, sendo restabelecido

em 1933, desanexando-o daquele Município (MUNIZ, 1917).

Em 1932, o município de Curuçá foi extinto, passando o seu território a

integrara a jurisdição de Castanhal, de acordo com o Decreto Estadual nº 680. No

entanto, foi restabelecido em 1933, segundo o Decreto Estadual nº 1.136,

desanexando-o daquele Município.

Em 1935 Curuçá aparece subdividido em 5 distritos: Curuçá, Lauro Sodré,

Monte Alegre, Ponta de Ramos e Terra Alta, na relação dos municípios do Pará. Em

1991, o distrito de Terra Alta desmembra-se de Curuçá e torna-se município.

Em relação às festividades que integram a cultura do município de Curuçá

destacam-se três: a festa em homenagem a São Pedro, no dia 29 de junho, santo de

devoção dos pescadores, os quais pedem boa pesca e proteção; a festa de Nossa

Senhora do Rosário e em louvor a São Benedito, em setembro. Em todas essas

ocasiões há realização de procissões, ladainhas, arraial, leilões, derrubada de

mastros de flores e festas dançantes, todos bastante movimentados.

Ao término do mês de junho, é realizado um festival onde são apresentados

os grupos de folia (romaria musical), quadrilhas juninas, lundu, bois-bumbás,

pássaros e grupos de carimbó, em que se destacam os grupos “Centenário”,

“Samaritanas” e “Brasa Viva”.

O artesanato local não se constitui em elemento de identificação do

Município, mas marca uma produção de peças com caráter utilitário, como pequenas

embarcações e apetrechos de pesca (espinhéis, tarrafas e currais).

Apesar de sua tradição, Curuçá não possui um aparelhamento cultural

adequado, contando apenas com uma Biblioteca Pública, mantida em um convênio

entre a Prefeitura local, a Secretaria de Estado de Cultura (SECULT) e o Instituto

Nacional do Livro (INL).

31

Figura 2 - Mapa do município de Curuçá mostrando as ilhas, rios e furos. Fonte: FIGUEIREDO (2007, p.47 apud Aviz, 2005)

A sede municipal de Curuçá tem as seguintes coordenadas geográficas: 00º

43’ 48’’ de latitude Sul e 47º 51’ 06’’ de longitude a Oeste de Greenwich. Seus limites

são: ao Norte com o Oceano Atlântico; a Leste, com o município de Marapanim; ao

Sul faz fronteira com o município de Terra Alta; e a Oeste, com o município de São

Caetano de Odivelas e São João da Ponta.

32

As características do solo do referido município são predominantemente de

solo latossolo amarelo8 textura média, Concrecionário Laterítico9 e solos

indiscriminados de mangue.

A cobertura vegetal original do município, formada pela floresta primitiva, foi

removida em conseqüência dos desmatamentos ocorridos de forma intensiva e

extensivamente, objetivando o plantio de espécies agrícolas de subsistência, ou

mesmo simples ocupação dos terrenos ao longo da PA-136 e em áreas de florestas

de mangues ou manguezais próximas aos vilarejos do município que ocupam as

porções litorâneas e semi-litorâneas, onde existe a influência da salinidade da água

do mar. Devido a isso, atualmente, o predomínio da cobertura florestal do Município

é formado por florestas secundárias, que são aquelas resultantes de um processo

natural de regeneração da vegetação, em áreas onde no passado houve corte raso

da floresta primária. Nestes casos quase sempre as terras foram temporariamente

usadas para agricultura ou pastagem e a floresta ressurge espontaneamente após o

abandono destas atividades.

O município de Curuçá possui uma diversidade de ilhas, praias, furos,

recantos e igarapés em que se destacam respectivamente: Mariteua, Sino, Romana,

Cipoteua, Guarás, Praia do Furo; Furo Muriá ou Maripanema, Furo Grande, Praia do

Furo, Araguaim, Cajutuba, Macajuba, Ipomonga, Mutucal, Pacamorema, Santa

Rosa, Cipoteua, João Lopes, Bagre; Arapiranga de dentro, Bosque da Igualdade e

Bosque Centenário; Cachoeira, São José, Dos Porcos, Salomão, Andiroba, Da

Prata, Braço Grande, Pau Amarelo, Tucumã, Santa Maria, etc. (FIGUEIREDO, 2007)

O rio Mocajuba é um dos mais importantes do Município, formado pelo

igarapé Pimenta e por outros sem grande expressão, servindo de limite natural, a

oeste, entre os municípios de Curuçá e São Caetano de Odivelas; o rio Mocajuba

corre na direção Sudeste-Noroeste até desembocar no Oceano Atlântico. Durante

sua trajetória, o referido rio atravessa os povoados de Nazaré do Mocajuba e Murajá

e recebe vários afluentes, sendo os da margem direita os de maior importância para

o Município, como os rios Tijoca, Candeua, e o furo Maripanema ou Muriá, que

8 Solos que apresentam baixos teores de Fe2O3, em sua maioria, abaixo de 7% (SANTOS et al, 2006). 9 Fase pétrica de Oxissolo.

O clima do Município insere-se na categoria equatorial Amazônico, do tipo Am

da classificação de Köppen. Caracteriza-se pelas temperaturas elevadas, com

média de 27º C, pequena amplitude térmica e precipitações abundantes que

ultrapassam os 2.000 mm anuais, sendo os meses mais chuvosos de janeiro a

junho, e menos chuvosos, de julho a dezembro.

banha o povoado de São João do Abade, objeto de estudo desta pesquisa. O rio

Curuçá é o segundo mais expressivo do Município, mas é no afluente da margem

esquerda, o rio Baunilha, que se encontra a sede municipal.

Em relação a topografia do município há uma inexistência de acidentes

expressivos, devido a altitude média de 5 a 15 metros na área e com sua cota mais

elevada de 63 metros em seu centro.

33

CAMPASA

2.2.2 O Distrito de São João do Abade

BAIRRO NO

BAIR

RO C

ENTRO

VO

CROQUI DO DISTRITO DE SÃO JOÃO DO ABADEMUNICIPIO DE CURUÇÁ, LITORAL DO ESTADO DO PARÁ

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Mangue

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Rua Timbó

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Rua Marechal D

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Trav. D. Bosco

Trav. Tiradentes

Trav. Prof. Camilo Ataíde

ss. Sta. Rosa

Av. Raimundo Pinheiro Av. Raimundo Pinheiro

scar Araújo COSAMPA

Trav. Canaã

ss. Canguru

Av. D. Pedro I

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Av. Pres. Getulio Vargas

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PA-136 PA-136 PA-136 Curuçá sede

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Mangue

Fonte: Pesquisa de Campo, 2006.Elaboração: Elida Figueiredo & Adriana de Aviz, 2006.

Porto doJenipapo

Rama l do Desvio pa ra Curuçá

Pass. Bartolomeu D

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Trav. Novo A

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Trav. Paulo SantosTrav. Carlos Brito

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Rua Epaminondas

Oceano Atlântico

Rua Feliz

Área do manguezal jáem processo inicial de

degradação

Ponte sobre o Igarapé GrandeLimite entre Curuçá sedee Abade

Portinho

Bairro construídono mangue

Mangue

Mangue

Mangue MangueMangue

Mangue

Mangue

Pass. Júpter Maia

BAIRRO CARIRIBAIRRO COERA

Invasão Bigolândia

Mangue

Mangue

Buraco

BuracoIg. GrandePortinho da CAMPASA

Porto doMercado

Figura 3 - Croqui da comunidade do Abade, Curuçá-PA. FONTE: FIGUEIREDO, 2007, p.49.

De acordo com o historiador Palma Muniz (1917) a primeira referencia que se

tem da comunidade do Abade está relacionada com a criação do núcleo suburbano

de Curuçá, prescrito na Lei nº 284, de 15 de julho de 1895, instalado às

proximidades da antiga povoação daquela comunidade. Desde essa época a

importância econômica do Abade já se fazia notar como ponto estratégico para o

desembarque pesqueiro do município, como explicitam as informações existentes no

Relatório do Engenheiro Santa Rosa

[...] Situada à margem de um rio de difícil navegabilidade, a cidade de Curuçá, uma das que mais tem progredido ultimamente na região do Salgado, mantém seu maior movimento comercial pelo porto do Abade, que oferece franco acesso às embarcações, e que está ligada por uma estrada de rodagem de 4.653 metros de extensão e 6 metros de largura [...] SANTA ROSA (1898 apud PALMA MUNIZ, 1917 p. 87)

O núcleo denominado Magalhães constituía-se de 44 (quarenta e quatro)

lotes, que posteriormente foram incorporados ao patrimônio municipal de Curuçá

(PALMA MUNIZ, 1917, p. 87).

Até o ano de 1900 foram enviados para aquela área 90 imigrantes, sendo 33

brasileiros e 57 espanhóis, cujo trabalho contribuiu para um razoável

desenvolvimento de Curuçá, principalmente no setor pesqueiro, destacando-se

nesse aspecto a comunidade do Abade.

O surgimento do Abade originou-se de uma fazenda instaurada pelos

Jesuítas Regulares da Companhia de Jesus e tinha como principal atividade, a

pesca. Daí, sua importância portuária para o município de Curuçá, do qual situa-se a

4 km do centro municipal.

De acordo com Torres (2004) a conexão entre a cidade de Curuçá e o Abade,

por via terrestre, contribuiu e vem contribuindo para a expansão dessas

comunidades, principalmente no que se refere ao crescimento longitudinal da

população onde se observa o “encontro” de ambas as cidades. Nesse aspecto a

estrada constitui-se em um fator contributivo para o desenvolvimento econômico e

de comunicações do Abade, tanto em nível regional, quanto em nível nacional,

principalmente entre as capitais do nordeste e sudeste do país.

36

As casas que anteriormente eram feitas de barro e se aglomeravam no centro

de Curuçá vem aos poucos sendo reformadas para alvenaria ocupando atualmente

quase toda a extensão da estrada que liga ao Abade. A vegetação outrora

abundante nesse trecho aos poucos vem cedendo espaço para moradia e para as

conseqüências daí originárias, como o lixo que assoreia o Igarapé Grande e o rio

Muriá, alvo de conflitos constantes entre os moradores e autoridades locais.

A estrada segue em direção ao Abade e seu destino final é uma praça em

que se localiza a Igreja Matriz, o mercado, o comércio de alimentos, e alguns poucos

de utensílios e vestuário.

A relação da comunidade com o meio aquático é bastante visível em diversos

pontos da comunidade, as redes, os apetrechos de pesca, os barcos, os peixes, os

caminhões frigoríficos o que denota uma tradição pesqueira secular, inicialmente

desenvolvida pelos índios e, posteriormente, até os nossos dias por uma sociedade

mestiça que além do consumo doméstico visa o abastecimento do mercado local,

nacional e internacional (Japão, Estados Unidos).

A mescla entre os índios primitivos e os colonizadores portugueses contribuiu

para uma nova formação no Abade em que hábitos, costumes e tradições foram

sendo modificados emergindo daí uma combinação de técnicas e conhecimentos

tradicionais voltados às necessidades das instituições.

37

3 A PRESERVAÇÃO DOS RECURSOS NATURIAS EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

3.1 UMA SÍNTESE HISTÓRICA

A evolução da delimitação de áreas voltadas à preservação dos recursos

naturais vem sendo bastante perceptível ao longo da história, cuja raiz encontra-se

nas ações e nas práticas das primeiras sociedades humanas (MILLER,1997 apud

VALLEJO, 2003). A manutenção dessas áreas se justifica pela necessidade do uso

imediato e futuro dos recursos que ali estão disponíveis, bem como por

representarem “espaços de preservação de mitos e ocorrências históricas (...) que

funcionavam – e ainda funcionam em muitos casos – como reguladores de acesso e

uso dessas áreas especiais” (IBDEM).

O autor, citando Oliveira (1999) e Bennett (1983), destaca que além das

finalidades descritas anteriormente em relação ao uso dos espaços especiais, outras

finalidades com registros históricos bem mais remotos se fazem presentes, como é o

caso, segundo ele, das reservas de caça e de leis de proteção de áreas surgidas no

Irã por volta de 5.000 anos a.C. Também na Mesopotâmia, às proximidades das

regiões da Assíria e da Babilônia, foram encontradas as primeiras evidências sobre

o conceito de parque e que podem ter sido provenientes da situação de escassez

das populações animais.

Em relação ao ocidente, a prática de delimitar espaços especiais é mais

recente e remonta à Idade Média, onde “as classes dominantes da antiga Roma e

da Europa Medieval destinavam áreas para uso exclusivo e alguns reis separavam

pequenas áreas para proteção de determinadas espécies” (ROCHA, 2002 apud

VALLEJO, 2003 p. 10). Na Inglaterra há registros dessas áreas nos tempos da

invasão Saxônica, por volta de 1066; na Suíça, em 1569, há também registros da

criação de uma reserva para proteção do antílope europeu; no séc. XVIII, na França,

há registros da abertura de Parques Reais ao público, e na Inglaterra, no séc. XIX, a

criação de reservas conhecidas como “Forest” que se destinavam à caça e

ocupavam grande parte do território inglês (IBDEM).

38

Tais dados históricos mostram que em diferentes períodos o objetivo da

preservação da maioria daquelas áreas voltava-se aos interesses da realeza e da

aristocracia rural que visavam ao exercício da caça e de preservação dos recursos

florestais particulares para fins imediatos e/ou futuros, não comportando, portanto,

nenhum outro sentido social mais amplo, como a subsistência, o laser e a recreação

para o público em geral (VALLEJO, 2003).

Com o advento da revolução industrial, as transformações políticas, culturais,

econômicas, sociais e ambientais daí originárias propiciaram a acumulação

capitalista e a expansão dos mercados que foram fundamentais nesse processo de

mudanças. Nesse período

“a agricultura tornou-se mais especializada para suprir as demandas da indústria Européia. No século XIX, as premissas capitalistas centradas nos significados da produção (terra, trabalho e capital) foram se consolidando e a economia clássica, ao tratar os recursos da Terra como mercadoria, considerava irrelevante a degradação ambiental. Tais idéias aliadas ao incremento industrial promoveram grande avanço da degradação dos recursos naturais e, concomitantemente, redução dos espaços nativos. Os problemas ambientais, além de atingir as colônias por conta da intensiva exploração de recursos, manifestavam-se também nas sedes dos próprios países industrializados” (OLIVEIRA, 1998 apud VALLEJO, 2003 p. 3).

A intensificação dos movimentos de proteção de áreas naturais como espaço

de uso público somente começou a acontecer após a revolução industrial. Isso,

segundo Milano (2000) possivelmente se relaciona ao crescente aumento de

pessoas cuja rotina de trabalho fabril intensa buscava nestes espaços uma forma de

recreação ao ar livre.

3.2 O SURGIMENTO DOS PRIMEIROS PARQUES PÚBLICOS

De acordo com Arruda (1997) os parques públicos têm origem no conceito

adotado pelos Estados Unidos, no século XIX sobre áreas protegidas que são

definidas pela World Conservation Union (UICN), como “uma superfície de terra e/ou

mar especialmente consagrada à proteção e à manutenção da diversidade biológica,

assim como dos recursos naturais associados e manejados através de meios

jurídicos ou outros meios específicos” (GUIDELINES, 1994, p.7). Em 1872, após a

39

realização de vários estudos, foi criada a primeira área com status de Parque

Nacional do mundo, o de Yellowstone, passando a ser uma região reservada e

proibida de ser colonizada, ocupada ou vendida segundo as leis americanas

(MILLER, 1980, apud DIEGUES, 1993).

A partir da década de 1960, tal modelo foi adotado pelo Canadá e por

diversos países europeus, tornando-se então um padrão mundial. Sua base de

sustentação constitui-se na necessidade de conservar espaços da natureza, em

estado original, antes da intervenção humana, transformando-os em lugares “onde o

ser humano possa reverenciar a natureza intocada, refazer suas energias materiais

e espirituais e pesquisar a própria natureza”. (DIEGUES, 1994 p. 25)

O modelo preservacionista adotado pelos Estados Unidos, considera que a

presença humana nessas áreas é sempre devastadora para a natureza, e, isso não

se adequou a certas especificidades dos países em desenvolvimento, como na

América do Sul e África, devido segundo Diegues (1994) ao efeito devastador sobre

os diferentes modos de vida das chamas “populações tradicionais” que mantém uma

relação com a natureza diferenciada daquela analisada pelos ideólogos dos parques

nacionais norte-americanos.

Com a chegada do Século XX diversos parque e reservas similares foram

sendo criados agregando novas motivações como a preservação da biodiversidade

florística e faunística e dos bancos genéticos (GHIMIRE, 1993 apud BRITO, 2000b).

Assim, as áreas naturais passaram a servir também como laboratório para a

pesquisa básica em Ciências Biológicas, fato este que, posteriormente, acabou

reforçando a idéia de que a presença humana nestes tipos de áreas só deveria ser

permitida em situações muito particulares e restritas (VALEEJO, 2003).

3.3 A MUNDIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS DE PRESERVAÇÃO E CONSERVAÇÃO

Por possuírem objetivos diversificados, dentre eles proteger a natureza

ameaçada pelo avanço da sociedade urbano-industrial, as áreas protegidas podem

ser dispostas em diversas categorias, considerando seus aspectos conceituais.

Assim, foi necessário, em nível mundial, estabelecer conceitos e diretrizes mais

40

gerais e, para tanto, diversos encontros em escala mundial e continental foram

realizados, tais como:

• A Convenção para Preservação da Fauna e Flora em Estado Natural

(Londres, 1933);

• A Convenção Panamericana de Proteção da Natureza e Preservação da Vida

Selvagem do Hemisfério Oeste (Washington, 1940);

• O Congresso organizado pelo governo Francês e pela Organização das

Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) em 1948, quando foi

fundada a União Internacional para a Proteção da Natureza (UIPN), posteriormente

denominada de União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN),

englobando agências governamentais e não-governamentais, e que passou a

coordenar e iniciar trabalhos de cooperação internacional no campo da conservação

da natureza;

• As Assembléias Anuais da UICN, realizadas a partir de 1960 e os I, II, III e IV

Congressos Internacionais de Parques Nacionais, respectivamente nos EUA

(Seattle, 1962 e Yellowstone, 1972) Indonésia (Bali, 1982) e Venezuela (Caracas,

1992).

Tais encontros trouxeram como resultados mudanças conceituais e de

perspectivas na criação e gestão das unidades de conservação pelo mundo, além

de desempenharem um papel organizador e coordenador de políticas de

conservação. Assim, foram surgindo novas categorias de manejo como as Reservas

Naturais, Monumentos Naturais, Reservas Silvestres, Reservas da Biosfera, etc.

(VALEEJO, 2003).

O desenvolvimento científico entre as décadas de 30 e 60, paralelamente ao incremento dos impactos da extração de recursos naturais, atividades industriais e redução da biodiversidade mundial, motivou o surgimento de uma nova perspectiva para as unidades de conservação, que foi a da conservação10, estimulando o uso racional de recursos naturais e o manejo de espécies (IDEM, IBDEM p. 4)

10 Segundo o autor, a perspectiva conservacionista difere do preservacionsimo, na medida em que envolve a possibilidade de manejo das espécies e do ambiente em geral, ao passo que o preservacionsimo é mais protecionista. Por exemplo, o manejo reprodutivo de uma espécie ameaçada de extinção (conservação) pode recuperar sua densidade demográfica a ponto e salvá-la do extermínio, enquanto o simples isolamento (preservacionismo) poderia resultar também em seu desaparecimento.

41

Em 1982, a partir do III Congresso Mundial de Parques Nacionais, uma

nova estratégia foi firmada: “os parque nacionais e outras unidades de conservação

só teriam sentido com a elevação da qualidade de vida da população dos países em

vias de desenvolvimento” (VALEEJO, 2003 p. 4). A partir de então,

Reafirmaram-se os direitos das sociedades tradicionais e sua determinação social, econômica, cultural e espiritual, recomendado-se aos responsáveis pelo planejamento e manejo das áreas protegidas que respeitassem a diversidade dos grupos étnicos e utilizassem suas habilidades. As decisões de manejo deveriam ser conjuntas com as autoridades, considerando-se a variedade de circunstâncias locais (IDEM, IBDEM)

Atualmente, a política mundial de criação de unidades de conservação

tem por propósitos a serem alcançados, os seguintes pontos, considerando as

diferentes categorias de manejo:

a) Pesquisa científica;

b) Proteção da vida selvagem;

c) Preservação de espécies e da diversidade genética;

d) Manutenção dos serviços de meio ambiente;

e) Proteção de aspectos naturais e culturais específicos;

f) Recreação e turismo;

g) Educação;

h) Uso sustentável de recursos de ecossistemas naturais; e

i) Manutenção de atributos culturais tradicionais.

3.4 A IMPLANTAÇÃO E GESTÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO BRASIL.

No Brasil, em 1876, por sugestão do engenheiro André Rebouças – inspirado

na criação do Parque de Yellowstone, nos Estados Unidos – foram criados dois

parques nacionais: um em Sete Quedas, localizado e outro na Ilha do Bananal. Mas,

somente em 1937 ocorreu de fato, a criação do primeiro Parque Nacional Brasileiro:

o Parque Nacional de Itatiaia (QUARESMA, 2003). Seguindo o modelo dos Parques

Nacionais brasileiros, foram conceituados partindo-se da idéia de territórios e/ou

monumentos naturais, que por suas especificidades, possuíssem valor cientifico

42

e/ou estético. Isso implicou, segundo Campos (2008, p. 251) “na retirada das

populações locais sem ouvir seus clamores”. O autor, citando Silveira; Kern e

Quaresma (2002) ressalta, ainda, através de exemplos, o caso da Floresta Nacional

(FLONA) de Caxiuanã, localizada no município de Melgaço, no Estado do Pará, da

qual cerca de 300 famílias forma expulsas quando de sua criação.

A partir da década de 1960, a pressão dos movimentos ambientalistas torna

mais evidente a preocupação com a questão ambiental que se amplia com a

publicação dos relatórios preliminares da Conferência de Estocolmo, em 1972,

“quando a questão da degradação ambiental começou a sensibilizar mundialmente a

opinião pública” (CAMPOS, 2008 p. 247). Mesmo assim, de acordo com a avaliação

de Maimon (1992 apud Campos, 2008) em relação a política ambiental brasileira

implementada pelo governo federal a partir da Conferência de Estocolmo em 1972

[...] a ausência de uma política ambiental ocorria em função do modelo de internacionalização da economia, notadamente a expansão das exportações, a abundância de recursos naturais – que propiciaram investimentos na área de mineração – e a política de ocupação do território mediante incentivos fiscais, principalmente para a Amazônia. A posição do governo brasileiro em Estocolmo era o desenvolvimento de modo predatório, com preocupações secundárias em relação à natureza, porque, para o Brasil, o problema ambiental fora criado pelas grandes potências com fins de coibir o avanço dos países em desenvolvimento (IDEM, IBDEM)

Em 1973 foi criada a Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), ligada ao

Ministério do Interior, como uma tentativa de atenuar a imagem do Brasil que foi

difundida em Estocolmo, e, posteriormente, em 1975, a questão ambiental é

contemplada através do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND).

Na década de 1980 há o

aumento das associações ambientalistas, com a criação do Partido Verde; a definição da Política Nacional de Meio Ambiente, com a criação do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) e do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), que estabeleceu as diretrizes para os estudos de impactos ambientais. Além disso, a Constituição de 1988 previu a avaliação dos impactos ambientais (MAIMON, 1994, QUARESMA, 2003 apud CAMPOS, 2008 p. 248).

Na década de 1990, no governo Collor (1990-1992) as ações se voltaram

para o Programa Nacional de Meio Ambiente e mesmo com a ECO 92 não houve,

43

na prática, avanços na política ambiental. Mesmo assim, foi neste governo que o

Brasil iniciou uma política ambiental de criação de Unidades de Conservação para

resolução de problemas e promoção da conservação dos ecossistemas (Campos,

2008).

3.5 AS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NA REGIÃO AMAZÔNICA

A região amazônica, cenário de disputas e conflitos por suas riquezas, desde

a chegada dos colonizadores vem, ao longo de todo esse período, passando por

diversas experiências desenvolvimentistas, as quais têm no Estado o seu maior

facilitador. (CAMPOS, 2008).

A partir da década de 1960, a abertura de estrada Belém-Brasília, propiciou

uma ocupação desordenada na região, e isso se deve as políticas públicas adotadas

pelos governos militares os quais se pautavam no modelo de internacionalização da

economia através da expansão das exportações, da abundância dos recursos

naturais e da política de ocupação do território mediante incentivos fiscais (MAIMON,

1992). Entretanto, por desconsiderarem os aspectos sociais e ecológicos da região,

tais políticas deram início a efetivação da degradação ambiental, com reflexos

negativos para o desenvolvimento social e que são bastante perceptíveis nos dias

atuais, quando crises como a da biodiversidade (MCGRATH, 1997 apud CAMPOS,

2008) e do aquecimento global (LEGGETT, 1992 apud CAMPOS, 2008)

comprometem a qualidade de vida das populações em nível mundial.

Como principal responsável pelos problemas ambientais da região

amazônica, coube e cabe ao Estado novas estratégias que garantam um

desenvolvimento mais sustentável para a região em questão. “E assim, criaram-se

as Unidades de Conservação como uma nova forma de intervenção com o meio

ambiente, pautada igualmente em nova legislação que vem legitimando a atuação

do Estado frente às questões de gestão e proteção dos recursos” (CAMPOS, 2008

p. 250).

As Unidades de Conservação são áreas especialmente designadas pelo

poder público para a efetivação dos objetivos de conservação do meio ambiente, de

44

acordo com o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Em geral, estas áreas são

consideradas especiais e de grande interesse ecológico, cultural, científico e

paisagístico, uma vez que são utilizadas com o objetivo maior de conservar e

preservar a biodiversidade, além de serem áreas produtivas e potencialmente úteis

aos seres humanos, nas diversas categorias de manejo, educação ambiental,

recreação e turismo, de acordo com as vocações naturais e condições sócio-

econômicas dos seus ecossistemas.

Apesar da criação de UC, no Brasil estar prevista na Constituição Federal de

1988, em seu art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII e representar uma das melhores

estratégias de proteção aos atributos e patrimônios naturais, cuja importância

fundamental incide sobre a proteção e preservação da biodiversidade nacional, do

ponto de vista prático há um grande desafio a ser vencido na efetivação das

intenções públicas. Os problemas sociais, econômicos, ambientais e legislativos que

emergiram com o processo de criação das UC levaram a criação do Sistema

Nacional de Unidades de Conservação (SNUC)11 como forma de “consolidar as

várias normas relativas às UC e estabelecer diretrizes mais eficazes na criação das

mesmas”. (CAMPOS, 2008 p. 254).

Os órgãos executores do SNUC são: o Instituto Chico Mendes de

Conservação da Biodiversidade (ICMBIO)12 e o IBAMA, em caráter supletivo, os

órgãos estaduais e municipais, com a função de implementar o SNUC, subsidiar as

propostas de criação e administrar as unidades de conservação federais, estaduais

e municipais, nas respectivas esferas de atuação (Redação dada pela Lei nº 11.516,

2007). http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/19985.

O SNUC estabeleceu duas categorias de UC: as Unidades de Proteção

Integral ou uso indireto e Unidades de Uso Sustentável ou de uso direto que tem

como finalidade, respectivamente: a) a exploração ou aproveitamento dos recursos

naturais estão totalmente restringidos, sendo somente admitido o aproveitamento

indireto dos seus benefícios; b) a exploração e o aproveitamento direto são

permitidos, porém de forma planejada e regulamentada.

11 Lei nº. 9.985, de 18 de julho de 2000. 12 Lei nº. 11.516, de 28 de agosto de 2007.

45

As unidades inseridas em ambas as categorias, podem ser mais bem

visualizadas no quadro, a seguir:

Tabela 01 – Categorias de Unidades de Conservação da Natureza

UNIDADES DE PROTEÇÃO INTEGRAL

UNIDADES DE USO SUSTENTÁVEL

Estação Ecológica Reserva Biológica Parque Nacional Parque Estadual

Monumento Natural Refúgio de Vida Silvestre

Área de Proteção Ambiental Área de Proteção Ambiental Estadual

Área de Relevante Interesse Ecológico Floresta Nacional Floresta Estadual

Reserva Extrativista Reserva de Fauna

Reserva de Desenvolvimento Sustentável Reserva Particular do Patrimônio Natural

FONTE: Pesquisa Ambiental/MMA, 2005.

Ao serem criadas estas áreas são classificadas em categorias através de um

diploma legal, no qual estão explicitadas as suas denominações, área, limites

geográficos, objetivos, diretrizes, restrições, proibições de uso do espaço e dos seus

recursos naturais. Em geral, as de domínio público são aquelas com maior número

de restrições e proibições, prevalecendo nelas o caráter de preservação.

Segundo Campos (2008, p. 254) “o SNUC tenta articular uma relação que

tem sido conflituosa desde que surgiram as primeiras UC no Brasil, que é a relação

entre biodiversidade e sociodiversidade”. Sobre esta questão, Santilli (2005) ressalta

que o art. 5º item III da lei que cria o SNUC assegura a participação efetiva das

populações locais na criação, implantação e gestão das unidades de conservação e

que isso ocorreu devido a prevalência do socioambientalismo13 no SNUC.

13 (...) O socioambientalismo nasceu, portanto, baseado no pressuposto de que as políticas públicas ambientais só teriam eficácia social e sustentabilidade política se incluíssem as comunidades locais e promovessem uma repartição socialmente justa e eqüitativa dos benefícios derivados da exploração dos recursos naturais. (SANTILLI, 2005 p. 35)

46

3.6 RESERVAS EXTRATIVISTAS

O Art. 18 do SNUC conceitua reserva extrativista como

[...] áreas utilizadas por populações tradicionais cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. (SNUC, Art. 18, 2000).

Segundo Allegretti (1994) a concepção de reservas extrativistas surge no final

da década de 1980, a partir dos violentos conflitos envolvendo legitimidade e

regularização fundiária dos antigos seringais na Amazônia.

As crises econômicas sucessivas que caracterizam a história da borracha, na

região amazônica, resultaram, segundo Allegretti (1994) em dois processos

específicos: o abandono dos seringais e a inserção dos ex-seringueiros na força de

trabalho urbana regional ou de outras áreas do país, e da permanência dos

migrantes nordestinos na floresta e a introdução de modificações nas formas sociais

de exploração econômica dos seringais nativos.

Assim, dois grupos sociais distintos exploram, hoje, na região amazônica, a

borracha nativa: um, formado pela empresa seringalista e outro caracterizado pelo

produtor autônomo denominado posseiro. No primeiro grupo, ações ainda se pautam

no modelo implantado no começo do século passado, onde o controle da força de

trabalho era mantido através do endividamento permanente do trabalhador e na

exclusividade da atividade extrativista; no segundo grupo, a exploração e a

comercialização são realizadas por conta própria, este último com intermediários

locais, que completa sua sobrevivência com atividades agrícolas e com a criação de

animais domésticos.

Neste contexto, surge especificamente entre este último grupo social o

conceito de Reserva Extrativista visando à garantia de direitos de posse sobre as

áreas de floresta ocupadas por gerações seguidas, pois,

[...] se baseavam essencialmente na idéia de que a reforma agrária na Amazônia deveria seguir um modelo que levasse em consideração a enorme diversidade cultural e biológica da região, já que o modelo

47

tradicional de assentamento do Incra era inadequado (SANTILLI, 2005 p. 32).

Tanto as reservas, quanto os projetos de assentamento extrativistas,

implementados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),

através do Programa Nacional de Reforma Agrária respondiam às demandas dos

seringueiros que pretendiam resolver os conflitos entre seringueiros autônomos e

grupos antagônicos favorecidos por incentivos do governo para a implantação de

projetos de agropecuária e madeira na Amazônia (CUNHA & COELHO, 2003).

A primeira Reserva Extrativista brasileira criada foi a Reserva Extrativista do

Alto Juruá, em 1990, no estado do Acre. Atualmente, após dezoito anos, o número

de Reservas Extrativistas se ampliou bastante, como mostra o quadro a seguir, o

que corrobora com Santilli (2005) quando destaca o socioambientalismo

predominante, hoje, no SNUC.

TABELA 2 – Reservas Extrativistas no Brasil

NOME UF ANO DE CRIAÇÃO

Reserva Extrativista Alto Tarauacá Estado do Acre, nos municípios de Jordão e Tarauacá.

08 de novembro de 2000

Reserva Extrativista Cazumbá-Iracema

Estado do Acre, nos municípios de Sena Madureira e Manoel Urbano

19 de Setembro de

2002

Reserva Extrativista Chico Mendes

Estado do Acre, nos municípios de Assis Brasil, Brasiléia, Xapuri, Capixaba,

Senador Guidomard, Rio Branco e Sena Madureira.

03 de dezembro de

1990

Reserva Extrativista Chocaré-Mato Grosso

Estado do Pará, no município de Santarém Novo.

13 de dezembro de 2002

Reserva Extrativista de Jaci-Paraná Estado de Rondônia, nos municípios de Porto Velho e Campo Novo de Rondônia.

17 de janeiro de

1996.

Reserva Extrativista do Alto Juruá

Extremo oeste do Estado do Acre, no município de Marechal Thaumaturgo de Azevedo, fronteira dom o Peru e com as

terras indígenas das tribos Campa, Jaminaua, Arara e Kaximinaua.

30 de dezembro de 1999

Reserva Extrativista do lago Cuniã Estado de Rondônia, no município de Porto Velho

10 de novembro de 1999

Reserva Extrativista do rio Cajari Estado do Amapá, nos municípios de Laranjal do Jarí, Mazagão e Vitória do

Jarí.

12 de março de 1990

Reserva Extrativista do rio Jutaí Estado do Amazonas, no município de Jutaí.

16 de julho de 2002

Reserva Extrativista do Rio Ouro Preto

Extremo oeste do Estado de Rondônia, no município de Guajará-Mirim junto à

fronteira com a Bolívia.

13 de março de 1990

Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande Estado do Pará, no município de Curuçá 13 de dezembro de

2002

48

Reserva Extrativista Marinha de Maracanã

Estado do Pará, no município de Maracanã

13 de dezembro de

2002

Reserva Extrativista de São João da Ponta

Estado do Pará, no município de São João da Ponta

13 de dezembro de

2002

Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns

Estado do Pará, nos municípios de Santarém e Aveiro como parte integrante das Glebas Tapajós, Arapiuns e Igarapé-

Açú.

06 de novembro de

1998.

Reserva Extrativista Arióca Pruanã Estado do Pará, no município de Oeiras do Pará

16 de novembro de

2005

Reserva Extrativista Chocoaré-Matogrosso

Estado do Pará, no município de Santarém Novo.

13 de dezembro de

2002 Reserva Extrativista Marinha Arai-

Peroba Estado do Pará, no município de

Augusto Correa.

20 de Maio de 2005 Reserva Extrativista Marinha Caeté-

Taperaçu Estado do Pará, no Município de

Bragança.

20 de Maio de 2005 Reserva Extrativista Marinha Gurupi

Piriá Estado do Pará, no município de Vizeu 20 de Maio de 2005

Reserva Extrativista Marinha de Soure Estado do Pará, no município de Soure

22 de novembro de

2001 Reserva Extrativista Marinha de

Tracuateua Estado do Pará, no município de

Tracuateua

20 de Maio de 2005

Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio

Estado do Pará, no município de Altamira

8 de Novembro de

2004

Reserva Extrativista Verde para Sempre

Estado do Pará, no município de Porto de Moz

8 de Novembro de

2004

Reserva Extrativista Médio Juruá Estado do Amazonas, no município de Carauarí

4 de março de 1997

Reserva Extrativista Riozinho da Liberdade

Estado do Acre, nos municípios de Cruzeiro do Sul, Marechal Thaumaturgo, Porto Walter e Tarauacá e, no Estado do

Amazonas, no município de Ipixuna

17 de fevereiro de

2005

Reserva Extrativista do Lago do Capanã Grande

Estado do Amazonas, no município de Manicoré

3 de junho de 2004

Reserva Extrativista Auatí-Paraná Estado do Amazonas, no município de Fonte Boa

7 de Agosto de 2001

Reserva Extrativista Barreiro das Antas

Estado de Rondônia, no município de Guajará-Mirim

7 de Agosto de 2001

Reserva Extrativista do Baixo Juruá Estado do Amazonas, nos municípios de Juruá e Uarani

1º de Agosto de 2001

Reserva Extrativista do rio Cautário Estado de Rondônia, no município de Guajará-Mirim

7 de Agosto de 2001

Reserva Extrativista Ipaú-Anilzinho Estado do Pará, no município de Baião 14 de junho de 2005

FONTE: http://www.ibama.gov.br/ecossistemas/ Acesso: 10 de outubro de 2007.

As RESEX’s, enquanto áreas de interesse ecológico, social e de conservação

têm por objetivo básico proteger os meios de vida e a cultura das populações

49

tradicionais que nela habitam e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais

da unidade (BENATTI, 2006).

[...] A Reserva é de domínio público, com uso concedido às populações tradicionais por meio do contrato de concessão de direito real de uso, onde é permitida a pesquisa científica. O plano de manejo é obrigatório, chamado de Plano de Utilização, no qual está prevista a proibição da exploração de recursos minerais e a caça amadorística ou profissional, entre outras proibições que podem constar. (BENATTI, 2006 p. 159)

As reservas extrativistas consideradas como áreas de exploração auto-

sustentável e de conservação dos recursos naturais por populações nativas,

passaram a ser utilizadas em outros biomas, para abrigar outras populações

tradicionais e não somente os seringueiros como proposto inicialmente. Assim, a

ampliação do número de Reservas Extrativistas vem se consolidando em diversas

regiões do país abrigando quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, pescadores

artesanais entre outros.

3.6.1 Reservas Extrativistas Marinhas

Em muitas comunidades de pescadores artesanais, tradicionalmente, o

sistema de direitos, as regras, as responsabilidades e as penalidades fazem parte

de sua atividade e os ajudam no controle do uso dos recursos naturais, bem como

nas regras de acesso ao território marinho e limites e marcações de áreas

produtivas (CUNHA, 2001). Até a criação de reservas extrativistas marinhas, a

delimitação dos territórios marinhos como propriedade de grupos específicos, em

que se incluem os pescadores artesanais, possuía pouca legitimidade diante das

instâncias legais (SIQUEIRA, 2007).

De acordo com Chamy (2004), as Reservas Extrativistas Marinhas (REMs)

foram criadas como solução mais simples e eficiente para a gestão dos recursos

pesqueiros, buscando, assim, respeitar a multiplicidade dos grupos de pescadores

artesanais, bem como suas diferenças culturais e distintas trajetórias históricas.

Assim, ao serem instituídas, as Reservas Extrativistas Marinhas reconhecem que os

pescadores artesanais possuem direitos consuetudinários sobre os territórios

marinhos e sobre as formas de arranjos e representações simbólicas de tradição

50

pesqueira secular, que as torna um veículo de co-manejo quando associa usuários e

a administração pública na gestão do uso e manutenção dos recursos naturais.

A primeira reserva extrativista marinha criada no Brasil foi a RESEX Marinha

de Pirajubaé, em 1992, localizada no estado de Santa Catarina (RS). Atualmente,

mais de vinte (20) RESEXs Marinhas já foram criadas em território nacional, nas

quais incluem-se nove (9) somente na Região Norte, especificamente no litoral do

estado do Pará, como mostra a Tabela 03:

TABELA 03 - Dados das Reservas Extrativistas Marinhas do Litoral Paraense Ibama/CNPT/PA/GEREX I

MUNICÍPIO

NOME DA RESEX

ÁREA TOTAL

ÁREA

NÚMERO DE COMUNIDADES

NÚMERO DE PESCADORES

Soure

Soure

27.463, 58 ha

12.176,744 ha

15.286,836 ha

12

1.300

Santarém Novo

Chocoaré-

Mato Grosso

2.785,72 ha

810,7084 ha

1.975,0026 há

13

800

Curuçá

Mãe Grande de Curuçá

37.064, 23 ha

17.873,3536 ha

19.190,8764 ha

52

6.000

Maracanã

Maracanã

30.018,88 ha

15.444,7504 ha

14.574,296 ha

75

5.000

São João da Ponta

São João da

Ponta

3.203,24 ha

720,8458 ha

2.482,3942 ha

13

600

Augusto Correa

Arai Peroba

11.479,953 ha

3.827,0104 ha

7.652,9424 ha

05

1.300

Bragança

Caeté-

Taperaçu

41.761,72 ha

16.014, 824 ha

25.746,363 ha

39

6.000

Tracuateua

Tracuateua

27.153, 67 ha

8.113, 802 há

19.039,868 ha

36

1.500

Viseu

Gurupi-Piriá

74.081,81 ha

31.039,6576 ha

31.039,6576 ha

39

6.000

TOTAL

255.012, 80 ha

106.021, 69 ha

148.984,50 ha

282

28.500

ÁGUA MANGUE

FONTE: EMATER-Curuçá, 2007

As reservas extrativistas marinhas foram criadas para assegurar os recursos

pesqueiros para as populações tradicionais, no caso os pescadores artesanais, em

áreas costeiras, mas nem sempre os objetivos da criação correspondem a realidade

vivenciada por estas Unidades.

51

4. A RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA “Mãe Grande”

4.1 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA

Figura 04: Delimitação da Área da Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande, Curuçá-PA FONTE: FURTADO, Lourdes G. et al. Diagnóstico etno-ecológico da Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande, Curuçá, Zona do Salgado-Pará. Relatório de Viagem. Belém: Museu Paraense Emilio Goeldi, 2003. (Inédito)

52

A Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande é uma das mais importantes

Unidades de Conservação localizadas na costa amazônica, especificamente no

estuário14 abrigando inúmeras espécies ictiológicas (peixes, caranguejos, camarão e

crustáceos) para a reprodução, além de vegetais e animais que são utilizados como

produtos alimentícios e medicinais dos aproximadamente seis mil pescadores que ali

habitam.

Situada no município de Curuçá, região do Salgado, Nordeste Paraense, a

referida RESEX ocupa uma área de aproximadamente 37.064, 23 ha, abrigando 52

comunidades tradicionais de pescadores e agricultores, com uma população

estimada, em 2007, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 11

mil habitantes. Sua criação datada em 13 de dezembro de 2002, através do decreto

4.340 tem por objetivo conciliar a manutenção dos meios de vida da população

tradicionalmente instalada à conservação dos recursos naturais renováveis locais

(IBAMA, 2004).

A RESEX Mãe Grande possui como curso fluvial mais expressivo o rio

Curuçá, cuja extensão é de aproximadamente 20 km, com nascente(s) localizada(s)

no município homônimo. Constitui-se em um canal aluvial do tipo levemente

meandrante, em seu alto curso, tendendo a retilinearizar-se na zona sob influência

marinha, quando, então, inflete para NW e desemboca no Oceano Atlântico,

desenvolvendo foz estuarina do tipo afunilada, dando origem à baia de Curuçá

(FURTADO, et al, 2003).

Na foz do Estuário do rio Curuçá há diversas ilhas, aparentemente

construídas em terrenos da Formação Barreiras, bordejados por bosques de

manguezais bem desenvolvidos. A ilha de Fora ou do Mutucal, em frente ao distrito

de Abade, é a maior delas, abrigando uma série de pequenas comunidades

tradicionais. Além desta, ocorrem as ilhas Ipomonga, Prainha e a Ilha dos Guarás,

entre outras, separadas por uma profusão de furos (ex: Areuá, Taperebá, etc). A ilha

dos Guarás abriga as praias da Romana, Cai n’Água e Marinteua, bem como a

Ponta da Tijoca, onde cogita-se a construção de um super porto no litoral paraense.

14 Segundo Barthem (1995 apud TORRES, 2004) o estuário amazônico abrange a parte externa da foz dos rios Amazonas e Pará; a costa ao longo do nordeste da América do Sul (desde a Baia de São Marcos, no Estado do Maranhão até a foz do Rio Oiapoque, no extremo norte do Estado do Amapá).

53

Em frente a Ilha dos Guarás, mais precisamente às proximidades da Ponta da

Tijoca as condições de navegabilidade são excepcionais, uma vez que detecta-se na

análise da carta náutica, um prolongamento do Canal do Espadarte, com

profundidades superiores a 20 metros. Não há nenhum registro sistemático sobre o

regime de ondas neste setor do litoral paraense. A amplitude de maré varia de 3.5 a

4.5m (mesomaré).

A RESEX Mãe Grande abrange uma área litorânea que abriga ecossistemas

de grande beleza cênica e importância ambiental como manguezais e restingas.

Esses ecossistemas, ao mesmo tempo em que revestem-se de alta relevância

ecológica, caracterizam-se por sua alta fragilidade frente as intervenções antrópicas

mal planejadas.

Segundo relatos de pescadores que a décadas utilizam a praia da Romana

para construir seus ranchos de pesca, esse local sobre constantes modificações na

sua fisiografia. Tais modificações se dão em decorrência da interação de processos

marinhos (ondas, correntes e marés) e atmosféricos (ventos, chuvas e tempestades)

que atuam sobre os elementos terrestres.

Do ponto de vista do meio físico, o problema de maior freqüência e magnitude

é a erosão costeira, evidenciada principalmente na Ilha dos Guarás e na praia da

Romana. Trata-se de um fenômeno de ocorrência mundial, segundo Bird (1999) e

que é observado em cerca de 75% das praias arenosas do planeta.

A planície costeira do Nordeste Paraense apresenta ecossistemas

litorâneos, que em termos regionais são diferenciados morfologicamente: o

ecossistema manguezal e o ecossistema de restinga, ambos predominantes na área

da RESEX Mãe Grande. Além destes são também dominantes, os igapós, matas

(secundárias) de terra firme, campos e campinas.

O ecossistema manguezal faz parte das zonas úmidas de importância

internacional definidas pela convenção de RAMSAR,em 1971, da qual o Brasil é

signatário. (Prost et al, 2001). Por manguezais, lato sensu, define-se como

[...] um sistema ecológico costeiro tropical, dominado por espécies vegetais típicas, às quais se associam outros componentes microscópicos da flora e fauna, adaptados a um substrato periodicamente inundado pelas marés, com

54

grandes variações de salinidade. SCHAFFER-NOVELLI (1999 apud Prost et al, 2001 p. 76).

O litoral paraense abriga uma parcela bastante significativa dos manguezais

brasileiros “que, em conjunto com os bosques do Amapá e do Maranhão, perfazem

um dos maiores, se não o maior, conjunto de manguezais do planeta, o que denota

ao espaço litorâneo paraense riqueza significativa em recursos naturais e,

consequentemente, de potencialidades aos mais variados usos” (Prost et al, 2001 p.

76)

Os manguezais para a RESEX Mãe Grande, constituem-se no ecossistema

mais representativo e importante no contexto sócio-econômico da área. Eles podem

ser encontrados ao da costa marinha e ao longo da foz dos cursos de rios e as

espécies que mais se destacam são: Rhizophora mangle L. (mangueiro ou mangue-

vermelho), Avicennia germinans HBK (Siriúba) e Laguncularia racemosa Gaertn.

(tinteiro). A espécie Acrostichum aureum L. também se localiza nas margens do rio

representando, segundo Prost et al. (2001) o limite geobotânico para o estuário, ou

seja, uma zona transicional estuário-rio (Figuras 5 e 6).

Figura 5 – Manguezal. Praia da Romana, Ilha dos Guarás, município de Curuçá-Pará Figura 6 – Soterramento do manguezal e aumento da praia. Praia da Romana, Ilha dos Guarás, município de Curuçá-Pará. FONTE: FURTADO, L.G. Diagnóstico etno-ecológico da Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande - Curuçá, Zona do Salgado-Pará.

No Estado do Pará a cobertura de restingas está distribuída em oito

formações vegetais distintas. Segundo Bastos (1996 apud Furtado et al,2003) as

restingas mais próximas da praia, apresentam uma dinâmica intensa, regulada pela

ação de marés, onda e ventos. As mais internas e que apresentam uma cobertura

vegetal herbácea predominante, encontram-se fortemente reguladas pelo regime

55

pluviométrico e variação vertical do lençol freático, o que lhes confere uma forte

sazonalidade de espécies, enquanto as de porte arbóreo são reguladas, mas

intensamente, pelas edáficas do solo. As espécies encontradas na planície litorânea

da RESEX são: as halófilas Sesuvium portulacastrum L e Blutaparon portulacoides

(St. Hill.) Mears, entre outras.

As restingas são encontradas apenas nas regiões costeiras sob um substrato

predominante de areias quartzosas marinhas. Apresenta uma grande diversidade de

habitats, o que a torna um dos mais complexos ecossistemas e lhe confere especial

interesse e valor sendo esta característica, em parte, responsável por sua fragilidade

e extrema susceptibilidade ás perturbações causadas pelo homem (Araújo &

Lacerda, 1987 apud Bastos, 2003). Em função de suas peculiaridades, as restingas

e manguezais necessitam de atenção especial quando submetidas a impactos

ambientais que causem a ruptura do equilíbrio existente entre as planícies costeiras

arenosas e lamosas, sob pena de resultados desastrosos para o ecossistema e

comunidades humanas da RESEX.

Figuras 7 e 8 – Restinga. Praia da Romana, Ilha dos Guarás, município de Curuçá-Pará FONTE: FURTADO, L.G. Diagnóstico etno-ecológico da Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande - Curuçá, Zona do Salgado-Pará.

Assim, como todas as Unidades de Conservação, no que tange as etapas de

criação, implantação e desenvolvimento, de acordo com a Lei, a RESEX Marinha

Mãe Grande, atualmente é presidida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação

da Biodiversidade (ICMCB) e tem como vice, a Associação de Usuários da Reserva

Extrativista Marinha Mãe Grande (AUREMAG); é administrada por um Conselho

Deliberativo (CD) composto por 27 membros, representantes titulares e respectivos

56

suplentes de instituições públicas de acordo com a sua portaria de criação, sendo

assim constituído:

I – Órgãos Federais;

II – Órgãos Federais de Ensino e Pesquisa;

III – Órgãos Estaduais;

IV – Órgãos Municipais;

V – Sociedade Civil, Organizações Não-Governamentais (ONG’s);

VI – Instituição Religiosa;

VII – Associações Comunitárias da RESEX Mãe Grande de Curuçá

Na condição de vice-presidente a AUREMAG, pode como atribuições a)

substituir o presidente do Conselho em seus impedimentos; b) fornecer o suporte à

presidência, ao plenário e aos Grupos de Trabalho criados. Tais atribuições vêm

sendo desenvolvidas pela sua Diretoria quase sempre, devido a ausência de

reuniões regulares com o CD.

De acordo com a presidente da Colônia de Pescadores de Curuçá, “o papel

do Conselho é trabalhar, fiscalizar, vê de que maneira ta acontecendo o trabalho da

Reserva [...] é administrar as pessoas que são ligadas à Reserva” (depoimento de

Maria do Rosário, presidente da Colônia de Pescadores de Curuçá – Z5). Mas,

segundo ela, as dificuldades em reunir o Conselho estão nos problemas burocráticos

em Brasília, alegados pelo Instituto Chico Mendes, em relação a deliberação do

documento de aprovação do regimento interno que autoriza tais reuniões. Sendo

assim, as pouquíssimas reuniões realizadas desde a criação do Conselho são

consideradas irregulares e inválidas.

A ausência regular das reuniões do CD tem agravado ainda mais os

problemas sócio-ambientais enfrentados pelas comunidades integrantes da RESEX

Mãe Grande, que em geral tem como principal ponto de conflito a forte pressão

predatória e especulativa sobre os recursos aquáticos, dos quais dependem direta e

indiretamente.

57

4.2 A PESCA NA RESEX MÃE GRANDE

Na RESEX Mãe Grande, diversas categorias de pescadores desenvolvem

atividades de pesca e coleta, destacando-se entre os pescadores: os redeiros, os

espinheleiros, os tarrafiadores, os curralistas, os camaroeiros, e os catadores de

mexilhão, e entre os coletores: os caranguejeiros, os tapadores, os tiradores de turu

e de sururú.

No Abade, principal entreposto pesqueiro da região amazônica cerca de

1.800 pescadores desenvolvem as atividades supracitadas e em média

descarregam em seus principais portos 700 toneladas de pescado que abastece os

principais centros comerciais do Estado e do país. Mas, a pesca no Abade traz em

seu âmbito diversos problemas que são, em geral, resultantes dos conflitos

estabelecidos entre pescadores artesanais e industriais. Esses conflitos tendem a se

agravar na medida em que a pesca predatória praticada pelas redes de arrasto das

embarcações industriais invadem os espaços da pesca artesanal causando

problemas sérios aos pescadores, pois além do peixe graúdo trazem cerca de 15 a

20 toneladas de outros tipos de peixes de diversos tamanhos, denominados de

fauna acompanhante.

De acordo com o relato da presidente da Colônia de Pescadores de Curuçá,

Maria do Rosário, esta fauna acompanhante tem gerado diversas reclamações por

parte dos pescadores artesanais e, os relatos já formam encaminhados para a

AUREMAG e Instituto Chico Mendes, já que se trata de uma Reserva Extrativista

Marinha, mas nada foi resolvido. Diante disso, os pescadores estão pensando em se

reunir e “usar da força antes que seja tarde demais”.

Os barcos industriais geralmente são de fora do Estado, principalmente do

Maranhão e do Ceará, e estão sempre em busca de espécies de maior valor no

mercado, como Cambéua, Pescada Amarela para extração da grude, cujo preço

chega a R$ 200,00 o quilo.

Além deste, outros problemas relatados pelos pescadores se fazem presente

como:

58

a) A falta de peixe, ou o peixe falhando como expressam geralmente os

pescadores. Este problema é resultante da intensa e desordenada pesca predatória

industrial e também pela utilização de técnicas predatórias pelos próprios

pescadores e coletores;

b) Falta de caranguejo, pela utilização de técnicas predatórias e

exploração intensa do produto com intuitos comerciais, sem considerar e respeitar

os estoques naturais;

c) A presença dos Piratas ou ratos d’água como denominam os

pescadores que roubam petrechos dos pescadores e, muitas vezes matam os

pescadores, atuando em áreas de maior fluxo como os pesqueiros;

d) O uso de timbó, uma técnica indígena que consiste em tapar o rio e

amassar um cipó venenoso denominado timbó. Essa técnica além de matar o peixe

contamina a água;

e) A tapagem dos rios e igarapés, técnica utilizada geralmente para pegar

camarão e peixes graúdos; os peixes menores são jogados fora;

f) A fuzaca, técnica predatória que mata uma grande quantidade de

peixes, sobretudo os menores. Essa técnica foi introduzida pelos pescadores da

Praia de Romana, onde muitos pescadores possuem ranchos de pesca.

Tais problemas são freqüentes e antigos no município de Curuçá.

Antigamente, há cerca de 15 anos o referido município, apesar de possui um circuito

de comercialização economicamente expressivo, o cotidiano dos pescadores

funcionava de acordo com uma dinâmica pautada em demandas e necessidade

socioeconômicas não tão subordinadas às influências da sociedade de consumo.

Era bastante comum a troca de produtos pesqueiros com produtos agrícolas e,

também, a facilidade em se encontrar o peixe “ali na frente” como dizem os

pescadores. [...] Eu pescava aqui na frente e sempre tinha peixe...muito peixe...ai eu

dava, trocava e vendia... (Manuel, 62 anos, pescador)

O destino que os pescadores davam à produção pesqueira apontava para a

lógica que permeava seus objetivos de produção, pois ao mesmo tempo em que

supria as necessidades básicas de alimentação familiar, também, se voltavam à

venda, o que representava parte das estratégias utilizadas pelos pescadores para

sobreviver.

59

Devido a localização geográfica propícia à atividade pesqueira, como exposto

anteriormente, os pescadores do Abade acabavam por desenvolver-la como única

possibilidade de trabalho e de sustento, já que poucos tinham acesso aos estudos.

Era um caminho que os filhos acabavam por perseguir já que era a atividade mais

expressiva na comunidade.

Havia pescadores que se dedicavam aos trabalhos agrícolas, principalmente

ao cultivo da mandioca para a fabricação de farinha, como mecanismo de

manutenção de suas vidas no período em que a produtividade do pescado era

baixa. Mesmo que a atividade pesqueira fosse complementar a outros ramos

produtivos, como a agricultura, ser pescador era um ideal a ser alcançado como

melhoria de qualidade de vida, com chances de sair da precariedade e

possibilidades de mudar o rumo de sua história.

De acordo com os entrevistados o trabalho como pescador iniciava aos nove

ou dez anos de idade e, aos poucos na medida em que ia se socializando com a

atividade os costumes, as crenças, os valores e a solidariedade iam se consolidando

permitindo a formação de suas identidades particulares e ao mesmo tempo

comunitárias. “[...] eu pesco desde os nove anos e hoje tenho 27 anos” (Ivanildo, 27

anos, pescador). Quando indagado sobre o grau de escolaridade disse ter apenas a

3ª série do ensino fundamental e que não tinha tempo, pois “passo de15 a 20 dias

pescando e quando chego o cansaço é muito e já perdi muitas aulas...”. Esse

problema se verifica não só entre os mais jovens, mas principalmente entre os

pescadores mais velhos cuja troca dos bancos escolares pelo trabalho na pesca

implica em auxiliar o pai no sustento da família.

A questão educacional do pescador no Abade é um obstáculo a ser vencido,

e que pode ser observado em quase todas as comunidades que tem a pesca como

atividade produtiva. No primeiro mandato do governo Lula, o Programa “Pescando

Letras” foi desenvolvido com o objetivo de melhorar os índices educacionais entre os

pescadores e, apesar dos esforços não conseguiu ser desenvolvido devido ao ritmo

de trabalho diferenciado que o pescador desenvolve. Nesse caso, as políticas

educacionais deveriam ser revistas e adequadas à realidade do pescador e não o

contrário, como vem ocorrendo.

60

No Abade, a pesca era realizada em canoas (reboques), casco e barco à vela

dependendo da demanda, e como petrechos, a linha de mão (na maioria das vezes

em algodão), o espinhel, a tarrafa, a rede de manilha ou de tucumã. As viagens

duravam em média 24 horas, 6 horas e, as vezes de 4 a 5 dias e a mão-de-obra

utilizada era a familiar e, algumas vezes em companhia de colega de pescaria ou

parceiro.

Os locais mais freqüentados pelos pescadores do Abade são: Romana,

Araquaim, Valentim, Murajá, Mutucal15 e dependendo da demanda e da embarcação

se deslocam para o Marajó e/ou para outros pesqueiros às proximidades que antes

não freqüentavam.

As reclamações dos pescadores mais antigos se voltam para o “sumiço do

peixe”. Essa expressão é bastante freqüente até mesmo entre os pescadores mais

jovens que muitas vezes trazem apenas o “quinhão”, como expressa o pescador

Ivanildo, 27 anos “tem dias que só trago pra comer, e mesmo assim divido com

minha mãe, com um visinho que sempre ajudo e com minha sogra. Às vezes não dá

nem pra fazer isso, só dá pra comer...”.

Percebe-se na fala do pescador que no passado, apesar da atividade na

comercialização ser expressiva, não havia uma submissão tão intensa imposta pelo

processo de circulação/comercialização como ocorre atualmente. As dinâmicas

impostas pelo mercado capitalista ao pescador, que vão desde a construção e/ou

melhorias das estradas ao mercado internacional, e isso vem provocando um

aumento expressivo na jornada de trabalho do pescador e, em alguns casos, o

abandono da atividade em busca de outras atividades que garantam o sustento de

sua família.

Mas, para termos uma compreensão melhor sobre o os conflitos que

envolvem o setor pesqueiro nesta área procuramos resgatar alguns subsídios

15 De acordo com os dados fornecidos pela Colônia de Pescadores de Curuçá, Mutucal representa o segundo maior produtor e exportador de pescado, depois de São João do Abade. O tipo de pesca ali desenvolvido é de curral (cerca de 76 currais) e a produção de pescado no período de safra por maré é de 400 quilos de peixe. No verão, a produção cai muito e fica em torno de 150 quilos por maré. As espécies capturadas é a pescada amarela, a piraba, a piramutaba, a corvina, a uritinga. São currais instalados “lá fora” já praticamente no oceano. O trabalho é desenvolvido por família, ou seja, cada membro da família (pai e filhos) tem um curral próximo um do outro.

61

histórico-sociais e suas ligações com o processo de ocupação humana na

Amazônia.

4.3 ASPECTOS HISTÓRICOS DA PESCA ESTUARINA

A vocação do trabalho na pesca, na RESEX Marinha Mãe Grande,

especificamente, no Abade tem no processo de ocupação da Amazônia sua origem.

De acordo com dados fornecidos por FURTADO (2006) a pesca desenvolvida

na região do estuário remonta a as origens pluriétnicas que formaram a sociedade e

a cultura amazônica, proporcionando a coexistência de diversos grupos humanos,

como índios, brancos e negros que resultaram no intercâmbio de valores e saberes,

com reflexos no cotidiano de trabalho e no manejo dos recursos ambientais. Este

intercâmbio permitiu e permite ainda hoje seu uso por segmentos da sociedade

amazônica, como as populações pesqueiras, que atuam em ambientes marcados

pela presença da água, e que, atualmente, do ponto de vista prático representam um

dos setores produtivos mais significativos da economia regional e nacional,

considerando sua relação material e social tanto com a água quanto com a terra.

Com a descoberta de sítios arqueológicos e através de fontes históricas e

antropológicas é possível perceber que as formas de exploração dos recursos

aquáticos, como a pesca e a coleta estão entre as atividades humanas mais antigas

no mundo (LEROI-GOURHAN, 1983).

Segundo Furtado (2006) ao longo da calha do rio amazonas (várzea, terra

firme e zonas costeiras) as culturas humanas, como os grupos indígenas habitavam

as margens de rios, lagos, igarapés e,

[...] organizavam-se social e politicamente em aldeias de tamanho e longevidade variáveis, valorizando o meio ambiente segundo suas concepções culturais e geográficas. Os sistemas produtivos pareciam estar em íntima relação e dependência à natureza e seus recursos ecossistêmicos, nos quais a pesca e a coleta reportavam como primado de uma economia extrativista, seguidas da agricultura através de roçados (derrubada, queimada). (FURTADO, 2006 p. 20).

Segundo Simões (1982 apud PEREIRA, 1996) Roosevelt (1992 apud

PEREIRA, 1996) as seqüências cronológicas do povoamento pré-histórico da região

62

Amazônica revelam as diversas formas das práticas de pesca e de coleta

desenvolvidas pelos grupos de caçadores, coletores e ceramistas, nas diversas

fases ou formas de ocupação, como descritos nas Tabelas 04 e 05 a seguir:

63

TABELA 04 - SEQUÊNCIA CRONOLÓGICA DO POVOAMENTO PRÉ-HISTÓRICO DA AMAZÔNIA SEGUNDO SIMÕES, 1982.

FORMAS DE POVOMENTO CULTURA FASES E LOCAIS

Caçadores - coletores 10.000 a 1.000.a.C

• Caça coleta de raízes e frutos, pesca e coleta de moluscos fluviais;

• Artefatos de pedra; • Assentamentos provisórios a céu aberto; • Ocupação mais prolongada em grutas e

abrigos

Complexo Dourado - Rondônia

Vilhena - Rondônia Jatobá - Mato Grosso

Rio Tapajós - Pará Ilha de Cotijuba - Pará

Coletores- pescadores – ceramistas

3.200 – 200 a.C (Coincide com aumento do nível do mar.)

• Recursos do Mar; • Cerâmica; • Artefatos de pedra, ossos de dentes de

animais; • Enterramentos em Sambaquis

Ocupação do Litoral Mina – Litoral do Pará Castalia – Alenquer

Macapá – Baixo Xingu Uruá - Quatipuru

Agricultores incipientes

1.100 – 200 a.C • Sedentários; • Caça, coleta e cultivo de raízes; • Sambaquis (Lago Grande de Curuá)

Ocupação do Marajó e Baixo Amazonas. Ananatuba - Marajó

Javari - Alenquer

Agricultores de Selva Tropical 0 – AD 600

• Roçados, caça, pesca e coleta; • Grandes aldeias ribeirinhas e lacustres.

Mangueiras - Marajó Manacapuru - Médio Amazonas

Caiambé - Médio Amazonas Santarém - Rio Tapajós

Agricultores Subandinos AD 1000 – 1.300

• Agricultura mais desenvolvida; • Maior complexidade cultural; • Cerâmica elaborada, tecido, cestaria,

plumárias, artefatos líticos, canoas. • Alta densidade populacional

Marajoara - Marajó Tefé, Guarita, Apuaú, Itacoatira, Maraca,

Samanbaia, Pirapitinga, Mamelos, Pupunhas, São Joaquim (Ocidental da Amazônia).

FONTE: PEREIRA, 1996.

FORMAS DE POVOMENTO CULTURA FASES E LOCAIS

Paleoíndio (Plestoceno tardio e início do Holoceno)

Caçadores – coletores nômades 11.000 – 5.000 a.C.

• Caça, pesca e coleta frutos; • Artefatos de pedra; • Abrigos, grutas e sambaquis; • Artefatos líticos (pontas de flecha); • Pinturas rupestres.

Complexo Dourado - Mato Grosso

Rhome - Santarém Gruta de Pedra Pintada – Monte Alegre

Arcaico 5.000 – 2000 a.C.

• Tecnologia pré-cerâmica • Sambaquis litorâneos e fluviais; • Coleta de agricultura incipiente • Peixes e mariscos

Mina – Litoral do Pará Taperinha – Santarém

Castália – Alenquer

Gruta do Gavião

Gruta de Pedra Pintada Paituna - Monte Alegre

Formativo

• Agricultura mais intensivo; • Assentamentos ribeirinhos;

Ananatuba - Marajó Jauari - Alenquer

Poço - Nhamundá, Trombetas.

Gruta de Pedra Pintada Aroxi - Monte Alegre

Chefaturas 1.000 a. C – 1000 d.C.

• Aparecimento de chefia ou cacicados; • Coleta intensiva; • Concentração nas Várzeas; • Contato com europeus; • Cerâmica altamente elaborada

Santarém - Baixo Amazonas Itacoatira - Médio Amazonas

Gruta de Pedra Pintada - Médio Amazonas Paricó - Monte Alegre

FONTE: PEREIRA, 1996.

64

TABELA 05 - SEQUÊNCIA CRONOLÓGICA DO POVOAMENTO PRÉ-HISTÓRICO DA AMAZÔNIA SEGUNDO ROOSEVELT, 1992

As evidências pré-históricas descritas nas Tabelas 1 e 2 revelam que os

povos que aqui habitavam se adaptavam aos locais e às características do meio

ambiente de acordo com suas necessidades contribuindo para o estabelecimento de

grandes aldeias em solos ricos e águas produtivas cuja sobrevivência de seus

habitantes dependia da captura intensiva de peixe, moluscos e de espécies arbóreas

favorecendo a construção da história da população pesqueira (FURTADO, 2006)

No período colonial, foram realizadas diversas tentativas de ocupação da

Amazônia por estrangeiros, mas somente com a chegada dos portugueses, em 1616

se consolidou tal intento. A partir de então, não de forma contínua mais através da

exploração, da resistência e da assimilação foram fundadas fortalezas e feitorias ao

longo da costa, rios e igarapés da região amazônica, por jesuítas, que propiciaram

um longo processo de integração entre índios, mercadores portugueses e colonos

resultando na formação de núcleos populacionais mestiços cuja economia baseava-

se no manuseio e uso dos recursos naturais aquáticos e terrestres, contribuindo

assim para o surgimento de sociedades agropesqueiras. Tais sociedades, segundo

Furtado (2006) evocam os hábitos sócio-culturais, as características e a influência

desse período resultando no surgimento dos primeiros núcleos coloniais da região,

atualmente centros urbanos onde habita a maioria dessas sociedades.

A aculturação entre índios e colonos portugueses influenciou e modificou

profundamente o modo de vida social, ambiental e econômico anteriormente

existente na região amazônica, pois, além do sangue misturaram-se os hábitos,

comportamentos, técnicas e conhecimentos, principalmente em relação ao manejo e

uso dos recursos naturais. Como conhecedores natos de tais recursos, os índios

além da pesca, caçavam e coletavam crustáceos e moluscos, suas únicas formas de

subsistência, para atender aos interesses econômicos do comércio português, tanto

interno quanto para exportação. Eis a finalidade da criação dos pesqueiros reais

durante o século XVII, que nada mais eram que aldeias que objetivavam prover o

Estado com produtos oriundos da fauna e flora local.

A partir de então, no desenvolvimento da história, observa-se que os modos

de fazer diferenciados exigem da relação homem/meio um trabalho mais complexo,

que corresponda as inovações propostas por cada momento histórico (SANTOS,

66

1997). Assim, a aquisição de novas técnicas, bem como a substituição de uma

forma de trabalho por outra e, de um espaço territorial por outro contribuíram para a

expansão das atividades econômicas na Amazônia, via novos gêneros extrativos,

como a borracha e a Castanha-do-Pará influenciando e modificando a sociedade

regional tanto do ponto de vista urbano, quanto do ponto de vista rural, com a

multiplicação das vilas e povoados, provocando novas relações sociais e políticas.

4.4 A PESCA E SUA COMERCIALIZAÇÃO

A pesca na região amazônica, particularmente no Estado do Pará, possui

grande importância na vida de sua população, não só pela produção de alimentos

dela retirados, mas por ser uma das atividades que contribui para que determinadas

comunidades que dela dependam, se reproduzam socialmente enquanto grupo de

pescadores (Furtado, 1993).

De acordo com dados fornecidos pelo IBAMA (2004)16 o Pará é responsável,

isoladamente, por 63% da produção pesqueira, o que representa em nível nacional

15,5% , constituindo-o no maior produtor de pescado do país. Em, praticamente,

todos os municípios do Estado a pesca artesanal é desenvolvida e corresponde a

77,2% de sua produção. Isso gera uma pauta de espécies bastante diversificadas,

como mostra a Tabela 3

TABELA 06 – Diversificação de espécies capturadas na pesca paraense

NOMENCLATURA POPULAR

NOMENCLATURA CIENTÍFICA

Bagre Arius sp.

Bandeirado Bagre bagre

Cação Carcharrhinus spp

Cambéua Ariidae

16 Ressaltamos que os dados fornecidos pelo IBAMA correspondem a Estatística Pesqueira realizada em 2004 e, que até o presente momento não há indícios de atualização dos mesmos.

67

Corvina Ctenosciaena gracillicirrhus

Gurijuba Arius parkeri

Pescada Amarela Cynoscion acoupa

Pescada Go Macrodon ancylodon

Pratiqueira Mugil sp.

Serra Scombridae

Tainha Mugil spp.

Uritinga Arius proops

No tocante ao segmento industrial, a captura e processamento geram uma

relação mais reduzida que se concentra em três espécies mais especificamente: o

camarão-rosa (Farfantepenaeus spp), a lagosta (Panulirus spp.) e a piramutaba

(Brachyplatystoma sp.), cujo foco central é o comércio exterior.

Na diversidade de domínios existentes na região em questão como: o

marítimo, o fluvial e o lacustre, a atividade pesqueira se desenvolve em dupla

dimensão: como uma atividade complementar na vida da população e/ou como uma

atividade central, que ocupa grande parte do tempo do pescador.

Na comunidade do Abade observa-se que a segunda dimensão é a que

ocorre com mais freqüência: o pescador ocupa grande parte de seu tempo nas lidas

da pesca, embora em algumas comunidades que compõem a RESEX Mãe Grande

haja uma dedicação de parte de seu tempo em outras atividades fora do âmbito da

pesca, como a agricultura.

Quando o pescador não está desenvolvendo a pesca, geralmente está

consertando ou repondo peças em seus instrumentos de trabalho, o que segundo

Furtado (1993) o faz ter a denominação, nos discursos oficiais, de “pescador

artesanal” ou pescador monovalente.

Os pescadores artesanais, segundo Furtado (1993),

[...] são todos os agentes individuais que, na atividade pesqueira, manipulam com uma tecnologia simples, de base manual, organização de trabalho baseada em relações primárias, cujas equipes de trabalho são, consequentemente, constituídas à base das relações de parentesco (consangüíneo e/ou afins) e vizinhança, sem mediatizações de ordem capitalista; a orientação da navegação e das técnicas de captura são

68

fundadas no saber e habilidade empíricos transmitidos de geração a geração. (FURTADO, 1993 p. 280)

A pesca artesanal é uma atividade produtiva ligada ao setor primário da

economia e envolve relações sociais, tecnológicas e financeiras que se estabelecem

a partir da fabricação de insumos, passando pela produção de matérias-primas e

processamento, até chegar ao mercado consumidor (SANTOS, 2005) (Figura 9)

INSUMOS

PESCA ARTESANAL

PESCA INDUSTRIAL

PRODUÇÃO DE PESCADO

ARMAZENAMENTO E PROCESSAMENTO

TRANSPORTE E DISTRIBUIÇÃO

MERCADOS

Local Regional Nacional

Internacional

AMBIENTE E INFRA-ESTRUTURA INSTITUCIONAL

AMBIENTE ORGANIZACIONAL

Figura 9. Representação esquemática da cadeia produtiva da pesca no Nordeste Paraense. Fonte: Santos (2005 p. 64)

A representação esquemática apresentada por Santos (2005) descreve o

circuito realizado pela cadeia produtiva da pesca no Nordeste Paraense, em que se

inclui a comunidade de São João do Abade. Ali, a atividade pesqueira é bastante

intensa e, cada vez mais vem se tornando expressiva uma vez que gera ocupações

e empregos para a população local e de outros municípios, em diversos setores,

dentre eles: o de transporte, o industrial, através do processamento dos produtos

pesqueiros e o de bens e serviços ligados à pesca no município.

Neste circuito o que predomina é o “modo capitalista de produção pesqueira”

no qual, segundo Mello (1984 p. 36) “[...] o trabalho deixou de pertencer aos

pescadores, sendo agora posse de alguns proprietários que, mediante privatização

dos meios e produtos de trabalho, utilizam o esforço produtivo daqueles

(expropriados) em seu proveito”.

Ainda, segundo Mello (1984) a pesca passou a ser comercializada e o

pescador a ser considerado um “profissional”, tal como hoje o concebemos, a partir

da segunda metade do século XX como resultado da penetração de interesses

capitalistas do setor, na região amazônica, cuja origem, do ponto de vista histórico,

se pauta no surgimento da comercialização intensiva do peixe, quando do processo

político de incentivos exploratórios ocasionados pela exploração das drogas do

sertão que teve como conseqüência

[...] a proliferação de inúmeros aglomerados populacionais que vieram logo a constituir-se em centros comerciais, vilas e cidades, além de exercerem também o papel de locais para estabelecimento de unidade burocráticas representativas do governo provincial e central. Em conseqüência deste processo teremos não apenas uma mesclagem étnica entre o elemento indígena e o europeu [...] mas também o início das transformações dos costumes locais (indígenas), onde organizar a pesca passou a significar, paulatinamente, não apenas uma satisfação de necessidades alimentícias das próprias comunidades, mas recurso de abastecimento dos centros urbanos e de opção de sustento do grande contingente humano empregado em atividades econômicas e burocráticas centrais. (MELLO, 1984, p. 25)

A partir de então, a economia de mercado penetra nas relações humanas

estabelecidas no interior da região e provoca revoluções na tradição indígena, cuja

71

pesca voltada à subsistência, irá paulatinamente perder o seu papel para a

intensificação da comercialização que inicia com a chegada das geleiras17.

A introdução maciça do motor nas embarcações, que no Pará ocorreu por

volta do final da década de 1940; a expansão do sistema rodoviário, que segundo

Furtado (1987) permitiu não somente a facilitação do transporte de passageiros,

mas, também as transações de mercadorias da capital com bens locais e o

surgimento dos primeiros compradores de peixe para revenda em outros locais que

regionalmente se denominam marreteiros; e a urbanização acelerada, decorrente da

transformação de algumas localidades situadas no litoral em balneários são alguns

dos acontecimentos que, segundo Mello (1984) contribuiu para a revolução

comercial no setor pesqueiro.

4.4.1 O Trabalho na Pesca

A pesca, independente do modo de produção no qual se insere, é um

processo efetivo de trabalho (MELLO, 1984). Sendo assim, “possui componentes

próprios que fazem com que, em qualquer época ou lugar, detenha certas

características inerentes a todo tipo de atividade laborista” (IDEM. IBDEM).

O trabalho, segundo Marx (1978 apud MELLO, 1984 p. 34) “é um processo do

qual participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua

própria ação impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza”

transformando-a para a satisfação de suas necessidades materiais e assim, recriar

sua própria vida e sua história.

Desta forma, as atividades desenvolvidas no âmbito dos ecossistemas

aquáticos, são influenciadas pelas realidades socioambientais de cada região do

país. Isto significa que as populações que se utilizam dos recursos existentes

nesses ecossistemas, realizam atividades diversificadas, e no caso da pesca, estas

atividades se voltam para a pesca industrial e para a pesca artesanal.

17 De acordo com Mello (1984) são canoas toldadas, movidas a vela e com um porão contendo caixas com gelo picado para o acondicionamento do pescado.

72

Na pesca industrial, o padrão e a qualidade do produto são ditados pelas

exigências do mercado consumidor nacional e, principalmente o internacional o que

impõem um rígido controle no processo de trabalho, bem como de sua forma

tradicional de tratamento (MELLO, 1993). Segundo o autor,

[...] A captura industrial representa, em termos tecnológicos, uma produção mais organizada em molde tipicamente mecanizado, onde a maquinaria desempenha o papel dentro do processo produtivo. A força de trabalho é empregada para desempenhar a função de “colaboradora” numa atividade onde o instrumental de trabalho não depende mais, para ser acionado, da força e destreza do trabalhador, mas deste está “emancipado” (IDEM.IBDEM)

Na pesca artesanal, a atividade é realizada através do emprego de

tecnologias tradicionais como: o espinhel, a tarrafa, e de embarcações como as

canoas à vela e a remo, bem como por instrumentos considerados mais

modernizados como o barco a motor e a rede malhadeira. Tais instrumentos são

utilizados de acordo com as condições físico-ambientais da região em que se

desenvolve e são respaldadas pela utilização da mão-de-obra familiar, de parentes e

de amigos, através do sistema de parceria.

Na região do estuário, os métodos de pesca desenvolvidos pelos pescadores

são: a pesca de rede, a pesca de espinhel, a pesca de matapi e a pesca de tapagem

(MOREIRA & ROCHA, 1995), e dependem da demanda e do tipo de

comercialização a ser realizado, assim como as embarcações utilizadas durante o

trabalho do pescador.

No exercício de sua atividade, o pescador visa como finalidade, o pescado,

que lhe servirá de alimento e que se constituirá num valor de uso e, para atingir seus

objetivos, utiliza-se dos meios disponíveis que possui, em que se inclui o saber “[...]

saber este que assume as formas de costumes, hábitos, tradições desdobrando-se

em procedimentos racionalizados (LUKÁCS, 1978 apud IAMAMOTO, 2006 p. 42)

Assim, o trabalho na pesca só é possível como atividade coletiva e somente

“se realiza mediante o consumo de instrumentos, matérias e conhecimentos legados

por gerações anteriores. [...] É neste sentido que o indivíduo concreto é em si

mesmo, um produto histórico-social” (IAMAMOTO, 2006 p. 43-44).

73

Mas, segundo Godelier (1981) observando-se mais atentamente as forças

produtivas de que uma sociedade dispõe para agir sobre a natureza que a cerca,

percebe-se a existência de dois componentes intimamente interligados: uma parte

material, onde se inserem o homem e os utensílios, e uma parte ideal, onde estão as

representações da natureza, as regras de fabricação e de uso dos utensílios, etc. A

estas representações ele chama “processos de trabalho”. Um processo de trabalho

muitas vezes traz em si atos simbólicos através dos quais é possível uma ação

sobre os poderes invisíveis que controlam a reprodução da natureza, sendo assim,

constitui-se em

[...] uma realidade social tão real como as ações materiais sobre a natureza, mas sua finalidade, suas razões de ser e sua organização interna constituem igualmente realidades ideais, cuja origem é o pensamento que interpreta a ordem escondida do mundo e organiza a ação sobre as potências que o controlam. Meios materiais estão, muitas vezes, implicados na realização destes rituais (objetos sagrados, argilas para pintar os corpos, etc.), mas só possuem sentido e eficácia no interior do sistema de interpretação da ordem social e cósmica que os selecionou. (GODELIER, 1981 p. 186)

Assim, o homem tem uma história porque transforma a natureza, organizando

a vida social num processo de produção de novas formas culturais (GODELIER,

1984).

A identidade de uma sociedade pesqueira “advém das representações e

interpretações e significados que estabelece para as relações sociais, econômicas,

culturais que por sua vez são o suporte para sua ação sobre a natureza” (TORRES,

2004, p.57).

Pois,

Uma sociedade pesqueira define-se por realizar primordialmente o trabalho de pesca, captura de espécies existentes no meio aquático (oceano, mar, rio, lago, poço ou manguezal) que lhes fornecem alimentos; que lhes proporciona meios de comercialização externa de produtos (peixes, camarões e caranguejos); que produz uma organização social e práticas culturais associadas à pesca; finalmente a existência do grupo produz a identidade de pescador/pescadora, pescadores. (IDEM. IBDEM)

74

A mobilidade espacial que a atividade pesqueira possui possibilita ao

pescador sua realização continuada, pois devido o produto com o qual trabalha ser

móvel e imprevisível, o deslocamento a procura do mesmo nos meses de

entressafra18 lhes garante a comercialização e a subsistência; além disso, lhes

permite contatar com cidades vizinhas e, mesmo com a capital do estado onde

ampliam suas relações comerciais e pessoais.

No âmbito da atividade pesqueira, os conflitos sociais e ambientais se fazem

presentes na medida em que a organização do trabalho deixa de ser simplesmente

técnico e/ou econômico e passa a ser também político como conseqüências do

próprio jogo de poder que se estabelece entre capital e trabalho.

De acordo com Furtado (2003) os conflitos da pesca na região amazônica

assumem características diferenciadas e são resultantes de um processo de

transformação mais abrangente que atinge a sociedade brasileira. Portanto, estão

expressos na condição social das comunidades humanas sob diversas formas:

tensão, desconfiança entre vizinhos ou mesmo parentes, e, também, sob a forma de

enfrentamentos, litígios, interditos, emboscadas, disputas de territórios, o que na

pesca remete aos conflitos ambientais.

Os conflitos, em geral envolvem categorias antagônicas como os pescadores

artesanais e os pescadores industriais, os pescadores artesanais e os fazendeiros,

os pescadores artesanais e os marreteiros, os pescadores artesanais e o Estado.

Tais categorias emergem do processo de transformação pelo qual vem passando o

setor pesqueiro artesanal, e, sobretudo, pela reestruturação produtiva do mercado.

(FURTADO, 1993)

A atividade pesqueira na Amazônia, e consequentemente no Abade está

politicamente marcada pelo conflito entre dois setores produtivos: a pesca artesanal

(tradicional) e a pesca industrial (moderno).

18 No Nordeste Paraense o período de safra corresponde aproximadamente os meses de julho a dezembro, quando ocorre o “verão” amazônico.

75

A exploração dos territórios de pesca, ou pesqueiros, como se denominam no

Pará, segundo Maneschy (2002), depende ainda, principalmente, daqueles que

aprenderam a localizá-los pela prática e pela transmissão dessa prática.

O trabalho do pescador, então, exige um aprendizado prévio (SANTOS, 1997)

para que a apreensão que ele tem sobre estes elementos se concretize e se

perpetue ao longo de sua vida laboral. A manutenção do conhecimento contínuo,

adquirido durante o processo de aprendizagem, mantém o pescador em constante

movimento de interação e integração com a natureza, e lhe permite a reprodução de

seu trabalho e a perpetuação desse conhecimento, através da ancestralidade,

pautado nas relações sociais emergentes em seu cotidiano.

A territorialidade na pesca constitui-se, portanto, num espaço de

complexidade de relações que,

[...] vai além da concepção de limite físico, envolvendo fatores que a definem como um patrimônio acumulado de quem a constrói” (...), “onde se inclui o saber nativo, passado de geração à geração, no seu traçado geral, na detecção e definição dos cardumes; a escolha do recorte dos pesqueiros ou pontos de pesca por parte desses usuários para captura das espécies desejadas segundo suas necessidades (de consumo e de comercialização); as condições de acesso aos mananciais e ao trabalho disponíveis que permitam ter acesso aos pesqueiros a descobrir ou já descobertos; o código de direito costumeiro que norteia o uso dos territórios e seus recursos em diferentes estações do ano (de enchente, cheia, vazante e seca) ou segundo o regime de marés em áreas de litoral e estuário e o código de ética elaborados no seio da sociedade agropesqueira a que pertencem (FURTADO, 2003 p. 2)

Ainda, segundo Furtado (IDEM, IBDEM),

A territorialidade torna-se então, um espaço de trabalho, um patrimônio capitalizado pelo pescador em sua faina cotidiana e com a tecnologia simples que dispõe, levando-o a crer numa posse por direito costumeiro de uso; a pleitear reconhecimento por parte de outros segmentos econômicos que buscam os ditos recursos comuns, móveis (pescadores das indústrias de pesca sediadas nas capitais dos Estados e nos centros urbanos do interior (Óbidos, Santarém, Maracanã, Bragança, para citar exemplos); a denunciar situações que venham infringir seus códigos (invasão de barcos da frota industrial e da frota comercial externa em lagos, estuários protegidos por lei como é o caso do estuário do rio Amazonas protegido por Portaria da antiga SUDEPE); e a reivindicar participação efetiva no processo de gerenciamento dos recursos ambientais, de ordenamento de bacias e versão de políticas públicas para o setor pesqueiro nacional e regional. (Idem. Ibidem)

76

A sociedade e a natureza são totalmente interligadas e assim, a

sustentabilidade não se volta somente aos recursos e ao meio ambiente, mas inclui

as formas sociais de apropriação e uso desses recursos e desse ambiente

(ACSERALD, 2000 p. 97).

Na visão de Sachs (1993) a sustentabilidade pode ser desenvolvida em cinco

dimensões necessárias ao planejamento do desenvolvimento das comunidades:

a) a sustentabilidade social, que objetiva a construção de uma civilização do

Ser, abrangendo assim todos os aspectos de necessidades materiais e não-

materiais;

b) a sustentabilidade econômica, possibilitada por uma alocação e gestão

mais eficientes dos recursos;

c) a sustentabilidade ecológica, em que os propósitos sociais e a redução de

danos aos sistemas de sustentação da vida devem ser priorizados e devem nortear

as ações;

d) a sustentabilidade espacial, voltada para uma configuração rural-urbana

mais equilibrada e para uma melhor distribuição territorial de assentamentos

humanos e atividades econômicas;

e) a sustentabilidade cultural, que busque uma pluralidade de soluções,

respeitando a pluralidade e as especificidades de cada ecossistema, de cada cultura

e de cada local.

Porém, enquanto as populações ditas tradicionais como os pescadores não

tiverem suas características peculiares respeitadas não haverá possibilidades de

implementação de uma sustentabilidade nos moldes propostos por Sachs. Estas

características expressam, segundo Diegues e Arruda (1999 apud SILVA et al 2007)

uma rica diversidade cultural e de conhecimentos tradicionais que associados à

biodiversidade tornam-se práticas, costumes e crenças destas populações.

De acordo com a Medida Provisória nº 2.186 – 16, de 23 de agosto de 2001,

o conhecimento tradicional se define como a “informação ou prática individual ou

coletiva de comunidade indígena ou de comunidade local, com valor real ou

potencial, associado ao patrimônio genético”.

A Constituição Federal de 1988, mesmo não apresentando um tratamento

específico a estas populações e aos direitos oriundos de seus conhecimentos,

77

expressa seu contributivo na perspectiva de diretos coletivos referentes à cultura

traços da proteção desses conhecimentos, que podem ser observados nos Art. 215

§ 1º, § 2º e Art. 216 § 1º e § 2º.

Assim, os bens de natureza material e imaterial são amplamente

estabelecidos na Constituição, sendo estes últimos os que

[...] abrangem as mais diferentes formas de saber, fazer e criar, como músicas, contos, lendas, danças, receitas culinárias, técnicas artesanais e de manejo ambiental. Incluem, ainda, os conhecimentos, inovações e práticas culturais de povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais, que vão desde formas e técnicas de manejo de recursos naturais até métodos de caça e pesca e conhecimentos sobre sistemas ecológicos e espécies com propriedades farmacêuticas, alimentícias e agrícolas – os conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade. (SANTILLI, 2007 p. 121).

A ampliação da noção de patrimônio cultural, a valorização da pluralidade

cultural e a democratização das políticas culturais estão presentes em todos os

dispositivos constitucionais dedicados à proteção da cultural (SANTILLI, 2007 p.

119). Desta forma, a Constituição procura “abandonar a perspectiva elitista,

monumentalista e sacralizadora de patrimônio cultural e valorizar a cultura viva,

enraizada no fazer popular e no cotidiano das sociedades” (SANTILLI, 2007 p. 120).

4.5 A COMUNIDADE DO ABADE, HOJE

A comunidade de São João do Abade, destaca-se no âmbito da RESEX

Marinha “Mãe Grande” como a principal responsável pela produção pesqueira em

grande escala. Por se localizar geograficamente no estuário amazônico, na foz do

rio Muriá, este tipo de atividade se torna propício na comunidade e, isso representa

uma importância expressiva para a economia do Município e do Estado do Pará.

Atualmente, a comunidade recebe cerca de 700 toneladas de pescado por

dia, através de seus principais portos: Jenipapo, do Mercado Central e da

CAMPASA, trazidas por embarcações pesqueiras locais e de outros municípios,

como Bragança, Vigia, São Caetano de Odivelas e também da Costa do Marajó, que

se destinam, em grande parte, aos Estados do Maranhão e Ceará, através de

78

caminhões frigoríficos (baús, como denominam os moradores localmente) que

aguardam os peixes eviscerados e acondicionados em gelo (Figuras 10, 11 e12).

Figura 10, 11 e 12: Caminhões-baú nos Portos do Mercado e do Jenipapo aguardando carregamento de peixe para ser levado aos Estados do Ceará e Maranhão. Fonte: Trabalho de Campo, 2008.

O Abade dista da sede municipal, Curuçá, cerca de 4km e, durante o

percurso é possível perceber o número expressivo de casa construídas em alvenaria

e/ou em construção (Figuras 13 e 14).

79

Figuras 13 e 14: Trecho da PA-136 que liga a sede municipal ao Distrito de São João do Abade

Fonte: Trabalho de Campo, 2007.

O que dantes era somente vegetação, agora, com a estrada asfaltada,

paulatinamente vem se tornando um “encontro” entre a sede e a comunidade do

Abade permitindo em ambas uma projeção de suas relações econômicas em âmbito

regional e nacional, o que denota também a ampliação da comunicação entre si e

com o mundo. O limite entre a Sede municipal e a comunidade do Abade é feito por

uma ponte sobre o Igarapé Grande, que em 2007 foi refeita em concreto e entregue

à população local.

A estrada, como impacto de grande relevância às mudanças locais, permitiu

um acesso mais rápido e fácil para a população fixa e flutuante, como os turistas e

visitantes, e isso se expressa na fala da maioria dos moradores os quais consideram

a melhoria da estrada uma benesse principalmente do ponto de vista da saúde, pois

“não tinha como chegar rápido no hospital porque a ambulância não entrava... era

tudo mato e lama” (morador, 62 anos).

Ao entrarmos no Abade percebemos, ao longo da orla, apetrechos de pesca

(redes) e de captura de camarão (matapi) pendurados em árvores e/ou em frente

das casas, alguns pescadores consertando e/ou confeccionado redes, embarcações

coloridas atracadas nos portos, e ao fundo os manguezais, que em conjunto formam

uma bela imagem do lugar, ressaltando sua intimidade com o meio aquático.

Nas proximidades do Porto do Mercado estão instalados o Mercado Municipal

antigo (Figura 15) e o Mercado novo (Figura 16), inaugurado este ano de 2008,

segundo informações locais, realiza uma reivindicação antiga dos moradores que

80

não dispunham de um local adequado para a venda do peixe e de demais produtos

alimentícios, como frango, carne, verduras e legumes. Além destes, há a empresa

CAMPASA (Figura 17) que comercializa e processa o produto dos pescadores

artesanais (filetado). Esta empresa possui uma fábrica de gelo que abastece o

município de Curuçá, e outros da Zona do Salgado como Marapanim.

Figuras 15, 16: Mercado Municipal Antigo e Mercado Municipal Novo, inaugurado em março/2008 Figura 17: Empresa CAMPASA. Fonte: Trabalho de Campo, 2008.

Por se tratar de um entreposto pesqueiro, a movimentação na comunidade é

bem maior nas proximidades dos trapiches, em um fluxo quase contínuo, devido

comercialização expressiva do pescado trazido pelas embarcações (Figuras 18 e

19). Estas, estão constantemente em atividade nas águas do rio Muriá, entrando e

saindo dos Portos do Abade, em tamanhos que variam de acordo com a diversidade

81

que a atividade oferece. As embarcações motorizadas percorrem distâncias

consideráveis, e em geral, possuem um tamanho maior para armazenar uma grande

quantidade de pescado; outras embarcações como as canoas (montarias) e os

pequenos barcos a vela desenvolvem uma pesca em menor escala devido sua

capacidade de armazenamento ser menor.

A mobilidade constante dos cardumes bem como as facilidades do comércio

em relação a compra e venda, o clima e a aquisição de combustível e gelo para

suas embarcações exige do pescador também uma mobilidade que quase sempre o

coloca na condição de itinerante, seja ele nativo ou de outras comunidades.

A mão-de-obra utilizada na pescaria do Abade, em geral é familiar a qual se

utiliza de petrechos de pesca como a rede grossa, ferreira , coveira, espinhel. A

pesca de curral também é desenvolvida, mas em menor escala. Os pescadores

utilizam o malheiro 70 que pega a pescada, a dourada; utilizam também o malheiro

30 que pega a pescada gó, o malheiro 40 que pega a tainha e o malheiro 50 que

pega o peixe serra. Os pescadores trabalham mais para o norte, no Marajó.

Figura 18 e 19: Embarcações no trapiche do Porto do Jenipapo

Fonte: Trabalho de Campo, 2007

As espécies mais capturadas pelos pescadores no Abade são: a arraia

(Dasyatidae); o bagre (Arius sp.); o bandeirado (Bagre bagre); o cação

(Carcarrhinidae), a cambéua (Ariidae); a corvina (Ctenosciaena gracillicirrhus);

82

Gurijuba (Arius parkeri); o mero (Epinephelus sp.); o peixe-pedra (Genyatremus

luteus); a pescada amarela (Cynoscion acoupa); a pescada branca (Plagioscion

squamosissimus); a pescada go (Macrodon ancylodon); a pratiqueira (Mugil sp.); a

tainha (Mugil sp.); a Uricica (Chatorops spixii); a uritinga (Arius proops) e a serra

(Scombridae). Em geral, são espécies que possuem alto valor no mercado e

destinadas ao mercado externo, como é o caso do cação e da pescada amarela.

Quanto a participação da mulher na pesca, poucas atuam na pesca “lá fora”.

Em geral, trabalham mais na parte de marisco, dentro do rio, e em atividade de

conserto de rede, e no período de safra se mudam com os maridos para os ranchos

localizados nas proximidades, como é o caso da Praia da Romana. No Bairro Alto,

em Curuçá, muitas mulheres trabalham na atividade de mariscagem e integram o

quadro de associados da Colônia Z-5 na condição de pescadoras e não de

marisqueiras. De acordo com os dados fornecidos pela Colônia isso se deve as

questões previdenciárias que em seu cadastro não reconhecem outro tipo de

atividade que não seja a de pescador extrativista. Assim, as mulheres são

cadastradas na categoria de pescador extrativista, mas com uma observação

ressaltando a real atividade que exercem na pesca.

Atualmente a Colônia de Pescadores conta com 3.000 pescadores

cadastrados, dados estes em fase de atualização, segundo informações da

presidente da Colônia, Maria do Rosário. Destes, 1.500 já estão aposentados, mas

muitos continuam a exercer a profissão e poucos participam das reuniões realizadas

pela Colônia. Há também os familiares de pescadores já falecidos que recebem

uma pensão. Desta forma, o número de pescadores cadastrados exercendo a

profissão gira em torno de 1.300.

Em relação a faixa etária dos pescadores cadastrados o número de jovens é

maior e isso, de acordo com as informações da Colônia, se deve ao fato da

resistência dos mais velhos em se cadastrar por não possuírem documentação

regularizada. De acordo com a presidente da Colônia, existem muitos pescadores

que, aos 60 anos não possuem identidade, o que é preocupante, pois hoje há uma

exigência muito grande de documentos que comprovem o exercício da profissão

para evitar a infiltração de pessoas interessadas apenas em ter acesso aos

programas do governo federal destinados aos pescadores. Atualmente está sendo

83

desenvolvido um trabalho de conscientização junto aos pescadores para que o

cadastro se efetive o mais cedo possível, e assim eles possam ter direitos não só

previdenciários, mas, também, de acesso à financiamentos disponibilizados pelo

governo federal para as áreas de pesca. Antigamente, segundo a presidente Maria

do Rosário, os pescadores só procuravam a Colônia no período da aposentadoria.

Hoje, esta mentalidade já está mudando, pois o pescador já está mais politizado e

quer que a Colônia defenda seus direitos em envolve a profissão.

Em relação a população do Abade, que se formou e vem se formando no

entorno dos Portos é constituída, em sua maioria, por migrantes provenientes dos

municípios vizinhos, como Bragança cuja presença maciça originou o bairro mais

populoso da comunidade, denominado “Bragantino”. Neste bairro vive grande parte

dos pescadores que chegaram à comunidade, há cerca de 10 anos buscando

melhorias de vida para si e para seus familiares atraídos pela oferta de recursos

pesqueiros que a região oferece.

Esse crescimento desordenado no Abade vem ocasionando sérios problemas

ambientais, principalmente em relação a invasão e aterramento dos manguezais

para construção ilegal de moradias (Figuras 20 e 21). A grande maioria das casas

construídas não possui saneamento básico e nem coleta de lixo seletiva (Figura 22),

o que compromete ainda mais a qualidade de vida dos moradores da comunidade,

em geral.

FIGURAS 20 e 21 - Bairro Bragantino: área de Mangue ocupada por famílias de pescadores oriundos do município de Bragança FONTE: Trabalho de Campo, 2008.

84

FIGURA 22 – Lixão depositado no mangue. Ausência de coleta seletiva. FONTE: Trabalho de Campo, 2008.

Por estar inserida no âmbito da RESEX Mãe Grande, algumas famílias de

pescadores foram beneficiadas com uma casa de alvenaria, que segundo a

AUREMAG faz parte do Projeto “Associação dos Usuários da Reserva Extrativista

Mãe Grande” em parceria com o INCRA para comunidades que integram a RESEX.

Desta forma, para adquirir uma casa e/ou fomentos como: máquinas de costura,

geladeiras, redes de pesca, embarcações, entre outros fazia-se necessário o

preenchimento de um cadastro e, através dele as famílias estavam aptas a receber

o que haviam solicitado.

As casas construídas pelo Programa são simples, com apenas três cômodos

e não possuem acabamento e nem banheiros internos. Mesmo sendo de alvenaria,

as casas continuam com seus sanitários no fundo do quintal, muitas vezes próximo

às áreas de mangue (Figuras 23 e 24).

FIGURAS 23 e 24 – Casas de alvenaria, entregues as famílias do Abade pelo AUREMAG, através do Programa de Assentamento do INCRA. Fonte: Trabalho de Campo, 2007

85

4.6 OS IMPACTOS SOCIAIS E AMBIENTAIS E SEUS REFLEXOS NA COMUNIDADE DO ABADE.

Segundo legislação brasileira considera-se impacto ambiental

[...] qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que direta ou indiretamente, afetam: I - a saúde, a segurança e o bem estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a biota; IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; e V - a qualidade dos recursos ambientais (Resolução CONAMA 001, de 23.01.1986).

Em algumas comunidades que compõem a RESEX Mãe Grande são

perceptíveis as alterações provocadas pelas mudanças que a ação antrópica vem

desencadeando, observados durante a pesquisa. Mas, tais alterações são

impulsionadas por fatores externos que em sua maioria estão ligadas as exigências

econômicas regionais, nacionais e, atualmente, mundiais que rapidamente

transformam pequenas comunidades em grandes centros comerciais e de turismo,

as quais forçosamente se desenvolvem sem nenhum tipo de infra-estrutura

correspondente ao nível de exigências à elas demandas.

A comunidade do Abade não foge a regra destas questões. Os problemas

enfrentados pelos comunitários estão relacionados ao processo de reestruturação

produtiva da pesca, principal atividade da região e que, de acordo com estudos

desenvolvidos na área como dos de Furtado (1993, 1997, 2002), Castro (2004),

Torres (2004), foram consolidados com a introdução do barco a motor e do gelo para

a conservação do pescado; pelas novas formas de captura, com introdução no nylon

nas redes de pesca, como os elementos mais importantes e desencadeadores das

transformações nas sociedades pesqueiras, além da criação de uma malha

rodoviária, que facilitou o escoamento dos produtos e ampliou o intercâmbio de

relações da região com o restante do país e do mundo.

Os problemas enfrentados pelas comunidades que integram a RESEX

Marinha Mãe Grande, principalmente as comunidades que desenvolvem a atividade

pesqueira no âmbito da comercialização, como o Abade, tornam-se mais

perceptíveis no momento em que, como integrantes de uma Unidade de

86

Conservação na categoria Uso Sustentável necessitam da concretização das

propostas que motivaram sua implementação. Tais propostas vêm ao encontro do

anseio destas comunidades pela melhoria da qualidade de vida, sobretudo, quando

percebem que seu trabalho está comprometido pela sobreexplotação dos recursos

pesqueiros e pela degradação dos ecossistemas que garantem a sobrevivência de

diversas espécies ictiológicas, e consequentemente da população. Assim, os

problemas mais recorrentes, observados neste estudo foram os seguintes:

a) Intenso processo migratório para o município de Curuçá, e

especificamente para o Distrito de São João do Abade, devido a instalação da

indústria de processamento de camarão (CAMPASA), em agosto de 1984. A referida

indústria foi financiada pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia

(SUDAM), em 1991 funcionando apenas como fábrica de gelo. Apenas em 2000/2001

foi que iniciou as atividades de processamento de camarão e de pescado sendo hoje

considerada a maior exportadora de peixe congelado do norte do Brasil, atendendo ao

mercado Norte Americano e Europeu, com metas a atingir o mercado asiático. A

CAMPASA funciona em uma área construída de 6.000 m² (aproximadamente 20

hectares), com uma fábrica de gelo que abastece os barcos e a unidade fabril do

município de Curuçá e de outros municípios como Marapanim. Possui também um

Serviço de Inspeção Federal (SIF), além de possuir certificação nacional e internacional

fornecida pelo Ministério da Agricultura. (AVIZ, 2005). Quanto a mão-de-obra, em sua

maioria é local, sendo constituída de 250 funcionários, dos quais 40 são oriundos de

outras regiões do Brasil e desenvolvem atividades no setor administrativo da fábrica; o

restante, cerca de 210 trabalhadores entre homens e mulheres atuam no setor de

processamento, divididos em cinco turnos. Também, a melhoria da PA-136, que

interliga as comunidades, contribuiu muito para facilitar o escoamento da produção

pesqueira do Abade, bem como permitiu o acesso da população distrital aos

serviços básicos de saúde e educação existentes na sede municipal. Essa relação

entre o Distrito de São João do Abade e a sede municipal vem se estreitando

rapidamente e quase não tem limite de separação. Com isso, as alterações na

paisagem começam a surgir devido ao aumento do turismo em direção a Praia da

Romana, local bastante freqüentado principalmente nos finais de semana, nas férias

e feriados prolongados. Ao chegarem ao Abade, seguem em pequenos barcos até a

praia, e no seu retorno, na maioria das vezes, deixam nas praias o lixo que é levado

pela maré para outras praias próximas.

87

b) Aumento de áreas de invasão, sobretudo, de forma desordenada e, na

maioria das vezes ilegal, na comunidade do Abade. Ali, as invasões transformaram-

se nos principais bairros da comunidade, que são: Bragantino, Bigolândia e Bairro

Novo. Estes bairros estão assentados sobre o manguezal e, segundo os moradores

nativos, são formados por visitantes e por pescadores itinerantes que acabaram por

se fixar naquelas áreas sem se preocupar com as conseqüências que daí poderiam

advir. A maioria alega que não tem onde morar e que as áreas de mangue não

pertencem a ninguém, portanto, estando livre para ser utilizada por quem quiser.

Esse tipo de reação indica o descaso do poder público local e a falta de

conscientização destas pessoas sobre a importância deste ecossistema para as

comunidades que compõem a RESEX Mãe Grande.

c) A ausência de saneamento básico e coleta seletiva de lixo nas áreas

de invasão. Este problema constitui-se em um dos mais graves, pois coloca a saúde

das pessoas que ali habitam em sério risco de contaminação devido a grande

quantidade de vetores como as moscas, os mosquitos e bactérias que se alojam no

lixo depositado a céu aberto e no esgoto que deságua diretamente no manguezal,

nos rios e córregos existentes às proximidades das moradias, sem qualquer tipo de

tratamento. A energia é precária e muitas vezes são puxadas diretamente dos

postes (“gato”) contribuindo para o aumento dos riscos já evidenciados. A água

potável é pouco utilizada e a que sai das torneiras não recebe tratamento adequado,

o que compromete a sua qualidade. Nesse caso, os moradores estão consumindo

água com altos índices de coliformes fecais que podem prejudicar a saúde, muitas

vezes, de forma irreversível. Portanto, faz-se necessário por parte do poder público

e da AUREMAG, na condição de vice-presidente do Conselho Deliberativo ações

que solucionem tais problemas e/ou que pelo menos miniminizem os efeitos

desastrosos que estão causando ao meio ambiente e a sociedade local.

d) Os conflitos agrários, em áreas de pesca e de coleta são em geral

oriundos da utilização predatória dos ecossistemas terrestres e marinhos. Em ambos

os casos a história informa a existência de conflitos, a partir de 1950, entre

latifundiários escravistas e posseiros e entre pescadores e fazendeiros, donos de

terras localizadas às proximidades dos rios, lagos e/ou marinhas. Na pesca, a

utilização de técnicas predatórias como a fuzaca, que consiste em um grande puçá

feito com pedaços de rede de arrasto da pesca industrial. A técnica funciona

utilizando-se moirões em formato de “V” que são fincados na terra próxima a beira

88

do canal. Na “boca” da rede são colocadas duas estacas e em seguida um

travessão de madeira no meio, onde a rede passa por cima, e desta forma o peixe

fica preso no “saco” e não consegue sair por onde entrou; a estacada, que consiste

na colocação de redes em grande quantidade presas em estacas em áreas

próximas umas das outras provocando um emaranhado que compromete a

eficiência da técnica, gerando, assim, conflito entre os pescadores. Além das

técnicas predatórias, os roubos de peixes dos currais e de caranguejos, por turistas

e visitantes oriundos de outras localidades vizinhas, têm sido bastante comuns nas

comunidades pesqueiras; também, a posse e/ou a aquisição de áreas de terra

próximas aos rios, igarapés e áreas marinhas por visitantes que as cercam e, assim,

inviabilizam o trabalho dos pescadores que se utilizam desses espaços

tradicionalmente.

e) A pirataria e a violência entre os pescadores tem sido alvo de inúmeros

relatos por parte destes, em estudos desenvolvidos sobre essa temática, como o

realizado por Oliveira (2005), nas Colônias de Pescadores de Icoaraci (Z-10) e

Abaetetuba (Z-14). Também, na comunidade de São João do Abade os relatos

envolvendo assaltos e até mesmo mortes entre os pescadores têm se tornado mais

freqüentes, segundo as informações obtidas junto a Colônia de Pescadores de

Curuçá. Os portos e os trapiches são as áreas mais procuradas pelos assaltantes,

pois são os locais em que grande parte das transações comerciais se realiza, ou

seja, onde o produto da pescaria é vendido e os contatos de trabalho são efetivados.

A violência, que antes acontecia com maior freqüência em áreas urbanas, em

espaços terrestres, passou a fazer parte do cotidiano dos pescadores, nos espaços

marítimos. Os danos causados aos pescadores artesanais pelas ações violentas dos

ratos d’água repercutem negativamente sobre o trabalho do pescador que, após

sofre tais ações permanece por mais tempo em terra para se recuperar tanto

emocionalmente quanto materialmente, já que seus meios de produção foram

roubados. O medo e a insegurança, hoje, fazem parte do cotidiano dos pescadores,

uma vez que não sabem se retornarão à terra com vida para dar continuidade as

suas atividades.

f) O aumento no consumo do álcool, das drogas e da prostituição entre

os pescadores vem se constituindo num dos maiores problemas enfrentados pela

Colônia de Pescadores de Curuçá. Segundo a presidente da Colônia, esses

problemas sempre existiram entre os pescadores, mas agora os índices são

89

alarmantes. A maconha e o álcool sempre foram utilizados pelos pescadores para

enfrentar as intensas jornadas de trabalho em alto mar, mas atualmente vem sendo

consumidas, mesmo em terra principalmente pelos pescadores mais jovens, na

comunidade do Abade. As entrevistas realizadas pela Colônia junto aos pescadores

apontaram que a ausência de lazer e o aumento da jornada de trabalho são alguns

dos fatores contribuintes para o aumento do consumo de álcool e drogas entre eles.

Também, a estrutura de vida que possuem, em geral, sem perspectivas de

melhorias insere-se neste contexto. Em relação a prostituição, a presidente da

colônia informou que na maioria dos casos é a própria família que induz os filhos a

esta ação e, que está se tornando muito comum, no Abade, ver as famílias de

pescadores se inserindo nesse tipo de atividade, principalmente as filhas, cuja faixa

etária varia de 13 a 18 anos. Segundo a presidente, é um problema que vem se

ampliando dia-a-dia, pois os casos de contaminação por DST e pelo vírus HIV entre

os pescadores são alarmantes tanto no Abade quanto na sede municipal, incluindo

óbitos. Portanto, a necessidade em solucionar e/ou minimizar tais problemas é

bastante contundente já que segundo a presidente são conseqüências da

modernidade que avança rapidamente e da qual o pescador não pode se excluir.

g) A construção do Terminal Marítimo do Espadarte (Figuras 25 e 26), na

Ponta da Tijoca, Ilha dos Guarás, no município de Curuçá é sem dúvidas o assunto

mais polêmico nas comunidades pesqueiras que compõem a RESEX Mãe Grande,

atualmente. Durante as entrevistas com os pescadores o assunto esteve sempre

presente chegando algumas vezes a gerar confusão, pois quando perguntávamos

sobre a RESEX eles falavam sobre o Porto demonstrando uma grande preocupação

com as possíveis interferências desta construção em seu trabalho.

FIGURAS 25 e 26: Desenhos do Porto “Terminal do Espadarte” divulgado pela CDP.

CDP, 2008

90

O Terminal Marítimo do Espadarte, de acordo com os dados fornecidos pela

Companhia Docas do Pará (CDP) é um projeto que há muito vem sendo acalentado

pelos setores interessados pela exportação do Estado do Pará, pois até o presente

momento nenhum porto no estado tem profundidade para receber navios de grande

porte para escoamento de minérios, principalmente o minério de ferro de Carajás.

Por decisões políticas adversas, atualmente, toda a produção do referido minério é

escoada pelo Porto Ponta de Madeira que se localiza no estado do Maranhão, cuja

distância de Carajás é de 892 km, fator este que contribui para o aumento do preço

do produto no mercado nacional. Com a construção do Terminal Marítimo este

problema será solucionado, pois a distância entre Carajás e o referido Terminal é de

520 km, o que contribuirá para a redução do custo e o aumento da competitividade.

Porém, a Ilha dos Guarás está inserida no âmbito da RESEX Mãe Grande e, na

condição de Unidade de Conservação de Uso Sustentável, a construção do porto

seria inviável já que poderá comprometer as funções ecológicas que a região

contém, responsáveis pela prevenção de inundações, intrusão salina e da erosão

costeira, proteção contra tempestades, reciclagem de nutrientes e de substâncias

poluidoras e provisão de habitats e recursos para uma variedade de espécies

explotadas, direta ou indiretamente, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente

(MMA).

A área onde o terminal será implantado é considerada pelo MMA como Área

Prioritária na conservação de estuários, manguezais, lagoas de praias, dunas de

banhados, áreas úmidas costeiras de restingas, quelônios marinhos, mamíferos

marinhos, aves costeiras e marinhas, teleósteos demersais e pequenos

elasmobrânquios, bentos, plâncton e plantas marinhas (FIGUEIREDO, 2007), e com

a construção do Terminal Marítimo esta área poderá sofrer alterações ambientais

significativas. Em relação ao trabalho dos pescadores há uma grande preocupação

por parte deste, pois de acordo com os entrevistados o Terminal atravessará o canal

onde cerca de 30 embarcações de todos os tipos e tamanhos pescam diariamente.

Segundo eles, a construção do Terminal vai atrapalhar porque a maioria dos

pescadores depende deste canal

“[...] como no fundo como no raso, que a gente fala em cima do lombo. Na maré grande a maioria dos peixes que a gente pega é em cima do raso. Então a gente enreda lá por cima, onde ta prevista a construção e não vai beneficiar o pescador porque aquela redada que ele vai dá lá por cima não

91

vai chegar, em frente a Romana. A mesma coisa na enchente, se ele enreda em frente a Romana ele já não vai passar pro raso...é assim. Tanto o pescador que trabalha de rede grossa, pescador de pescada, como o espinheleiro, que trabalha com o anzol, como esses outros pro pescador que trabalham com rede fina, como o serreleiro que trabalho com rede 40...Aqui vai beneficiar muita gente que tem mais um estudo, mas o pescador não vai melhorar muito porque é o canal que eles trabalham”. (Ivanildo, pescador, 27 anos)

[...] onde nós vamos pescar, porque a ponte passa em cima do canal...(IDEM)

Percebe-se no depoimento do pescador uma angústia em relação ao futuro

incerto, pois as alternativas de trabalho se esgotam no momento em que a maioria

dos pescadores não possui a escolaridade básica e/ou uma formação que lhes

permita o acesso a outras atividades que não estejam voltadas para o setor

pesqueiro.

Em relação ao posicionamento da AUREMAG sobre a questão, a diretoria

alega que não é possível se fazer nada já que são ações demandadas por

instâncias superiores, ou seja, pelo próprio governo federal. Mesmo, assim algumas

reuniões foram realizadas para exposição da questão aos pescadores e moradores

das comunidades integrantes da RESEX Mãe Grande.

De acordo com o depoimento do representante da EMATER-Curuçá, Sr.

Paulo Paraense, sobre a construção do Porto, este expressou que “[...] a construção

do Porto já é um fato, e que agora é necessário reunir e mobilizar a comunidade

para exigir o cumprimento da proposta feita pela empresa que irá construir este

Porto em relação às questões ambientais”.

h) O Projeto “Gestão Participativa na Reserva Extrativista Marinha Mãe

Grande de Curuçá – Cv – 019/04 – FNMA/MMA” foi uma iniciativa da sociedade civil

curuçaense em conjunto com técnicos da EMATER, pesquisadores e lideranças

pesqueiras do município de Curuçá-PA para trazer a tona questões relevantes sobre

os problemas originários da pressão predatória e especulativa sobre os estoques de

peixes, crustáceos e moluscos e sobre o ecossistema manguezal do qual dependem

direta e indiretamente as comunidades do município de Curuçá. Diante de fatos

concretos apontados pelos pescadores e demais segmentos presentes nas reuniões

92

sobre a sobreexplotação dos recursos naturais ali encontrados que a movimentação

pela criação da RESEX Mãe Grande se fortaleceu, sendo criada em 13 de dezembro

de 2002.

Após cinco anos de criação a referida RESEX vem aos poucos tentando

mobilizar os pescadores das 52 comunidades que integram a UC, mas como as

distâncias entre elas e com a sede municipal são grandes e os recursos escassos, o

trabalho se torna quase inviável.

Em 2006, o Projeto da RESEX recebeu do governo federal cerca de 7

milhões de reais os quais foram destinados para auxiliar os pescadores artesanais

residentes em todas as comunidades da área da RESEX e, assim, mediante o

cadastro das famílias de pescadores cada uma delas recebeu o benefício de R$ 7

mil reais. Segundo os dirigentes da AUREMAG, estes benefícios vinham listados e

as famílias escolhiam o que estavam necessitando com mais urgência. Entre os

benefícios estavam a construção de casas de alvenaria, canoas, geladeiras,

máquinas de costura, apetrechos de pesca, bicicletas, entre outros bens. No

primeiro período de cadastro ocorrido entre 27/05/2005 e 06/06/2005, 1200 famílias

foram cadastradas, sendo que estas famílias receberam seus benefícios somente

em março/2006. O segundo cadastro ocorreu no período de agosto-setembro/2005,

e dele participaram cerca de 800 famílias, que receberam seus benefícios somente

em Abril/2006.

Os conflitos que se estabeleceram, a partir do recebimento deste recurso,

entre a AUREMAG e o poder público local, culminaram com ausência completa

desta última nas ações do Projeto RESEX. De acordo com as informações obtidas

junto a diretoria da AUREMAG, a Prefeitura alega que os recursos deveriam ser

repassados à ela, já que é responsável pelas questões sócio ambientais do

município. Além deste, a diretoria, também aponta como conflito a não inclusão das

comunidades que fazem fronteira com a RESEX e, que por não estarem inseridas

no contexto desta não podem ser beneficiadas.

De acordo com a presidente da Colônia Z-5, Maria do Rosário, a criação da

RESEX vem mudando a vida do pescador no sentido de permitir a eles um acesso a

determinados bens até então difíceis de ser adquiridos apenas com o trabalho na

93

pesca. Em geral, o que os pescadores recebem de seu trabalho não lhes permite

outros tipos de gastos, a não ser alimentares e vestuário. Assim, os recursos que

estão vindo através do Projeto RESEX e lhes permite ter uma casa de alvenaria,

freezer, petrechos de pesca já são considerados, pela presidente da Colônia como

um fator de mudança na vida do pescador. Em relação, ao trabalho na pesca, ela

expressa que não houve mudança, pois mesmo a RESEX tendo o seu espaço

delimitado, os pescadores continuam a exercer sua atividade livremente, utilizando-

se dos pesqueiros habituais. Isso, segundo ela, se deve a falta de fiscalização, do

Plano de Manejo para que possa ser feito o ordenamento do espaço, pois há uma

serie de crimes ambientais dentro da Reserva, como a destruição dos manguezais,

a pesca predatória entre outras. Muitas vezes é o próprio pescador que utiliza

técnicas predatórias para ter um lucro maior em relação aos outros companheiros,

pois a exploração dos recursos aquáticos por parte daqueles que tem a melhor

tecnologia pesqueira é intensa e destruidora.

94

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os problemas que a região amazônica vem enfrentando ao longo de sua

história são originários de ações predatórias intensivas sobre os recursos naturais

nela existentes. Tais ações vêm comprometendo não somente o equilíbrio dos

ecossistemas que a compõem, mas, sobretudo, a qualidade de vida das populações

que utilizam-se destes ecossistemas para sobreviver.

A pesca artesanal nesta região é a atividade que mais contribui para o

crescimento econômico não só local, mas nacional e mundial. As rápidas mudanças

trazidas pela reestruturação produtiva vêm exigindo do pescador a intensificação de

sua jornada de trabalho para suprir as demandas do mercado e, desta forma,

interfere na qualidade de vida deste pequeno produtor que tem uma relação mais

sustentável com a natureza através da utilização de técnicas, em sua maioria,

artesanais. A busca pela conservação e preservação dos recursos naturais de forma

mais sustentável sempre fez parte das ações dos pescadores, mas a pressão

exercida pelos segmentos industriais, com sua tecnologia predatória de arrasto tem

contribuído para o aumento do conflito e das tensões na categoria, bem como tem

comprometido o meio ambiente, impossibilitando a reprodução de algumas

espécies.

Durante a pesquisa no município de Curuçá, especificamente na comunidade

do Abade, foi possível constatar, através da observação e das entrevistas que o

aprofundamento de questões sociais e ambientais adversas, como a prostituição, o

aumento das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST’s), o aumento do consumo

de álcool e drogas no meio pesqueiro, principalmente entre pescadores mais jovens;

o processo migratório intenso nas últimas décadas, para a comunidade do Abade

ocasionado inicialmente pela instalação de uma indústria de beneficiamento de

camarão e peixe (CAMPASA) e, atualmente pela possibilidade da construção do

Terminal Marítimo do Espadarte são alguns dos problemas enfrentados pelos

pescadores no município de Curuçá, atualmente e contraditoriamente inserida nas

políticas públicas de preservação, enquanto Reserva Extrativista Marinha.

95

A criação da RESEX Mãe Grande há cerca de cinco anos, a partir das

reivindicações das Associações de Moradores, de Organizações Não

Governamentais e de instituições ligadas ao poder público federal, na região em

questão tem contribuído para a melhoria da organização política do pescador, mas

ainda não conseguiu atingir e nem cumprir com os objetivos para os qual foi criada

que é o de conciliar a conservação dos recursos naturais com a exploração de forma

sustentável. O que se percebe é que cada vez mais os recursos naturais ali

existentes estão sendo depredados e, em alguns casos, sem reversão como as

áreas de mangue, que nas últimas décadas vem sendo invadidos

desordenadamente por pescadores de outros municípios visinhos.

Os riscos de contaminação enfrentados pelos moradores do Abade são

inúmeros, sobretudo pela ausência de coleta de lixo regular, de saneamento básico

e de água tratada. A maioria das áreas invadidas e que atualmente se constituem

nos principais bairros do Abade estão inclusos nestes riscos que tendem a se

agravar, caso não haja providencias urgentes para reversão de tais questões.

A ausência do plano de manejo, de reuniões freqüentes do Conselho

Deliberativo e os conflitos políticos observados na comunidade, principalmente entre

o poder público local e a AUREMAG tem contribuído para que os problemas já

citados não sejam solucionados. Em relação a Colônia de Pescadores Z-5 ocorre o

mesmo problema: a ausência de articulação para o desenvolvimento de atividades

de divulgação e capacitação dos pescadores e/ou coletores de todas as

comunidades e não somente nas que estão localizadas às proximidades da sede

municipal, como vem ocorrendo. Este é um ponto preocupante já que a AUREMAG

necessita do apoio do poder público e da Colônia de Pescadores para, em conjunto

buscarem soluções que ajudem a melhorar a qualidade de vida dos pescadores,

bem como necessita convocar quantas vezes for necessário o Conselho

Deliberativo, o qual tem que estar ciente das graves situações que os pecadores

enfrentam na RESEX, e assim deliberar soluções que possam contribuir para a

melhoria das condições sociais e ambientais das comunidades.

Os problemas observados no Abade são os mesmos enfrentados pela maioria

das Reservas Extrativistas Marinhas existentes na região do Salgado Paraense. No

mês de fevereiro deste ano, tivemos a oportunidade em participar da Oficina de

96

GEF-Mangue realizada pelo Instituto Chico Mendes, no município de Bragança, no

qual estiveram presentes os representantes das Reservas Extrativistas Marinhas e

onde possível constatar tal fato. Até mesmo a primeira RESEX Marinha

implementada na região do Marajó, em Soure há cerca de dez anos não conseguiu

efetivar na prática seus objetivos de implementação. Percebe-se, portanto, que as

políticas públicas voltadas para a preservação dos recursos naturais na região

amazônica ainda são falhas na observância dos problemas sócio ambientais que as

áreas das Reservas Extrativistas possuem, no momento em que são solicitadas as

suas implementações. Far-se-ia necessário, primeiramente, um planejamento sobre

as reais situações que cada uma vivencia, bem como considerar que os acessos as

comunidades que compõem as RESEX’s, em geral são dificultados pela ausência de

estradas de boa pavimentação e de embarcações de rápido acesso, como as

lanchas-voadeiras que possibilitem viabilizar o acesso mais rápidos às comunidades

mais distantes.

A RESEX Mãe Grande possui cerca de 52 (cinqüenta e duas) comunidades

que vivem da pesca e, segundo as informações da presidente da AUREMAG, nem

todos os pescadores sabem que estão inseridos em uma Unidade de Conservação.

A participação dos pescadores ainda é muito pouca no que tange as ações

demandadas pela Associação da RESEX e os que mais participam são os que

moram nas comunidades mais próximas.

A ausência de um Plano de Manejo é um dos pontos de maior reclamação

por parte dos pescadores e demais segmentos que integram as Reservas o que não

deixa de ser coerente já que é um documento que vai estabelecer as normas de uso

da área que regulamentam as condutas não predatórias, fundamentadas na

legislação brasileira atual (BENATTI, 2006).

A criação da RESEX Mãe Grande veio ao encontro dos anseios das

comunidades do município de Curuçá para solucionar problemas sócio ambientais e

não para deixá-los aprofundar, como vem ocorrendo. São pontos a serem

repensados e avaliados em todas as instâncias envolvidas no processo de criação

da RESEX Mãe Grande, sobretudo, pelo fato de permitir um envolvimento mais

amplo por parte dos pescadores na busca pela melhoria da qualidade de vida e de

tomada de consciência do importante papel que possuem no desenvolvimento

97

social, econômico e na preservação dos recursos naturais e humanos em nível local,

regional, nacional e mundial.

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