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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARING CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
REA DE CONCENTRAO: EDUCAO
JOHN DEWEY E A MEDIAO SOCIAL DA ESCOLA PBLICA NO FINAL DO SCULO XIX E NAS PRIMEIRAS
DCADAS DO SCULO XX NOS ESTADOS UNIDOS
CLAUDEMIR GALIANI
MARING 2014
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARING CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
REA DE CONCENTRAO: EDUCAO
JOHN DEWEY E A MEDIAO SOCIAL DA ESCOLA PBLICA NO FINAL DO SCULO XIX E NAS PRIMEIRAS
DCADAS DO SCULO XX NOS ESTADOS UNIDOS
Tese apresentada por CLAUDEMIR GALIANI, para a Defesa Pblica, ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Estadual de Maring, como requisito para a obteno do ttulo de Doutor em Educao. rea de Concentrao: EDUCAO. Orientadora: Profa. Dra.: MARIA CRISTINA GOMES MACHADO
MARING 2014
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JOHN DEWEY E A MEDIAO SOCIAL DA ESCOLA PBLICA NO FINAL DO SCULO XIX E NAS PRIMEIRAS
DCADAS DO SCULO XX NOS ESTADOS UNIDOS
CLAUDEMIR GALIANI
BANCA EXAMINADORA Profa. Dra. Maria Cristina Gomes Machado UEM Maring-PR Prof. Dr. Joo Luiz Gasparin UEM Maring-PR Prof. Dr. Jos Joaquim Pereira Melo UEM Maring-PR Prof. Dr. Marcus Vinicius da Cunha UNESP Ribeiro Preto-SP Prof. Dra. Ireni Marilene Zago Figueiredo UNIOESTE Cascavel-PR.
Data de Aprovao
07 de Novembro de 2014
4
Dedico este trabalho ao meu filho Felipe, aos meus familiares e a todos os professores da Rede Pblica, em especial aos professores do CEEBJA Prof. Manoel R. da Silva, de Maring.
5
AGRADECIMENTOS
Aos meus familiares, pelo incentivo.
Aos colegas de trabalho do CEEBJA Prof. Manoel R. da Silva de Maring.
Secretaria de Educao do Estado do Paran.
Ao Secretrio de Educao do Estado do Paran Flvio Arns.
Ao Ncleo Regional de Educao de Maring.
s professoras Thais Andreia Broggio e Tatiane Motta da Escola de Ingls e
Espanhol (PBF), pela reviso da traduo.
s acadmicas Jssica Mendona Dias e Gabriela Bruschini Grecca da
UEM, pela traduo.
Aos professores que ministraram aulas no curso de Doutorado: Analete
Regina Schelbauer, Angela Mara de Barros Lara, Clio Juvenal Costa, Czar de
Alencar Arnaut de Toledo, Jos Joaquim Pereira Melo, Mario Luiz Neves de
Azevedo e Terezinha Oliveira.
A todos os professores do Programa de Ps-Graduao e do Colegiado.
Ao Hugo Alex da Silva e Marcia Galvo da Motta Lima da Secretaria do
PPE-UEM.
Maria de Lourdes Longhini Trevisan, pelo apoio, sugestes e reviso
tcnica.
minha orientadora Dra. Maria Cristina Gomes Machado, que sempre
esteve ao meu lado, incentivando, corrigindo, sugerindo, mesmo que eu utilize um
dicionrio para agradecimento, as minhas palavras sero insuficientes para
descrever o meu sentimento de gratido.
6
[...] S h uma concluso que a experincia humana inegavelmente confirma a de que fins democrticos requerem mtodos democrticos para sua realizao (DEWEY, 1970, p. 260).
7
GALIANI, Claudemir. JOHN DEWEY E A MEDIAO SOCIAL DA ESCOLA PBLICA NO FINAL DO SCULO XIX E NAS PRIMEIRAS DCADAS DO SCULO XX NOS ESTADOS UNIDOS. 210p. Tese para defesa pblica no Programa de Ps-Graduao em Educao, na rea de Fundamentos da Educao Universidade Estadual de Maring. Orientadora: Maria Cristina Gomes Machado. Maring, PR, 2014.
RESUMO Esta pesquisa analisa as formulaes de John Dewey (1859-1952) e as suas propostas metodolgicas para a educao no final do sculo XIX e nas primeiras dcadas do sculo XX nos Estados Unidos. O pressuposto metodolgico que norteia esta anlise de que a educao, inserida nas mudanas das diferentes etapas de produo e troca capitalista, e produtora de contradies sociais, assume formas diferentes na organizao, metodologia e procedimentos didticos escolares. Compreende-se que este autor, diante das contradies da sociedade burguesa, expressa o seu inconformismo e prope uma mediao entre a educao escolar e a sociedade em contnuo processo de alterao nas formas de produo e reproduo do capital, orientada pelos mtodos fordistas, essencialmente mecnicos, em detrimento dos valores e aptides humanas. A mediao proposta por Dewey consiste em minimizar os conflitos e lutas sociais, assegurando os pressupostos de igualdade e de liberdade, delegando educao escolar uma responsabilidade na formao de um sentimento democrtico, a fim de assegurar o equilbrio social na distribuio e uso da produo material e moral da sociedade. A mediao, proposta via educao por ele, privilegia atividades de cooperao, solidariedade e atende aos interesses pblicos e coletivos, opondo-se aos interesses privados e individuais. Pela via democrtica, ensinada a partir do ambiente escolar, intenciona conciliar os interesses divergentes entre as classes antagnicas: burguesia e proletariado, sem provocar rupturas na hierarquia social. Para isto, props que a escola fosse uma sociedade em miniatura, com a finalidade de atender aos interesses mais amplos e sociais em um ambiente de interao social, convertendo-a em um ambiente experimental, um laboratrio da vida social. Todavia as proposies deweyanas, ao visarem a uma minimizao do conflito histrico dual e antagnico da burguesia e da classe proletria e com a crena de que a educao democrtica propiciaria uma unidade pacfica capaz de pr fim luta de classes essencialmente econmica, permitem questionamentos e novas possibilidades de anlises e interpretaes sobre o autor. Nesta tese, procurou-se devolver a historicidade s formulaes deweyanas, retirando deste autor determinados slogans otimistas ou pessimistas, atribudos por diferentes intrpretes. Entende-se que John Dewey foi um autor que sintetizou e enfatizou a educao escolar diante das contradies sociais e, portanto, um homem de seu tempo. As suas formulaes no se caracterizam como fruto de uma genialidade ou de um visionarismo supra histrico, mas correspondem s necessidades impostas pelas formas de organizao da produo capitalista na sua fase de desenvolvimento mecnico e tecnolgico. Palavras-chave: Educao; Histria da Educao; Escola Pblica; John Dewey.
8
Galiani, Claudemir. JOHN DEWEY AND THE SOCIAL MEDIATION OF PUBLIC SCHOOL AT THE END OF THE NINETEENTH CENTURY AND THE FIRST DECADES OF THE TWENTIETH CENTURY IN THE UNITED STATES. 210p. Thesis for public defense in the Post-Graduate Education in the Foundations of Education area - State University of Maring. Guiding: Maria Cristina Gomes Machado. Maringa, PR, 2014.
ABSTRACT
This research analyzes the formulations of John Dewey (1859-1952) and its methodological proposals for education in the late nineteenth century and the first decades of the twentieth century in the United States. The methodological presupposition that guides this analysis is that education, inserted in the changes of the different phases of capitalist production and exchange, producer of social contradictions, takes different forms in the organization, teaching methodology and school procedures. It is understood that this author, given the contradictions of bourgeois society, expressed his discontent and he proposes a mediation between the school education and society in a continuous process of change in forms of production and reproduction of capital, driven by fordist methods, essentially mechanics, in detriment of the human values and skills. The mediation proposed by Dewey is to minimize conflicts and social struggles, ensuring the assumptions of equality and freedom, delegating responsibility for school education in the formation of a democratic sense, to ensure social balance in the distribution and use of material production and morals of society. The mediation via education, proposed by him, favors cooperation, solidarity activities and meet the public and collective interests, as opposed to private and individual interests. Through democratic ways, taught from the school environment, it intends to reconcile divergent interests between the antagonistic classes : bourgeoisie and proletariat, without causing disruptions in the social hierarchy. For this, he proposed that the school was a miniature society, in order to meet broader social and in an environment of social interaction interests, converting it into an experimental environment, a laboratory of social life. However the deweyanas propositions, in targeting the minimization of the dual and antagonistic historical conflict from the bourgeoisie and the working class and the belief that democratic education would provide a peaceful unit capable of ending the economic essence of class struggle, and allow questions new possibilities for analysis and interpretations of the author. In this thesis, we tried to return to the historicity deweyanas formulations, removing this author particular optimistic or pessimistic slogans, assigned by different interpreters. It understood that John Dewey was an author who synthesized and emphasized on education of social contradictions and therefore is a man of his time. His formulations are not characterized as the result of a genius or a supra historical visionarismo, but satisfy the requirements imposed by the forms of organization of capitalist production in its mechanical and technological phases of development.
Keywords: Education; History of Education; Public school; John Dewey.
9
SUMRIO
1. INTRODUO ............................................................................................ 11
2. JOHN DEWEY E AS DIFERENTES INTERPRETAES CONSTRUDAS PELA LITERATURA EDUCACIONAL BRASILEIRA.......
21
2.1. John Dewey: aspectos biogrficos e produo cultural e cientfica..........................................................................................................
22
2.2. A recepo e as diferentes interpretaes das propostas educacionais deweyanas no Brasil...................................................................................... 2.2.1. O carter antirrevolucionrio e reformista das formulaes deweyanas......................................................................................................
38 44
2.2.2. O carter progressista e modernizador das formulaes deweyanas.....................................................................................................
50
2.2.3. O carter conciliador e pragmtico das formulaes deweyanas........ 2.3. Consideraes finais: o carter mediador das formulaes deweyanas.................................................................................................... 3. A CONSOLIDAO DA CONCEPO LIBERAL NA SOCIEDADE ESTADUNIDENSE NO SCULO XIX E INCIO DO SCULO XX.................................................................................................................. 3.1. Os pressupostos liberais que orientaram a construo da nacionalidade estadunidense e suas respectivas contradies..............................................
52 57 62 64
3.2. A sociedade e a democracia americana no sculo XIX sob o olhar de Tocqueville....................................................................................................
77
3.3. A casa dividida a sociedade americana em meados do sculo XIX..................................................................................................................
81
3.4. A casa dividida entre burgueses X proletariado o desenvolvimento industrial e os seus efeitos sobre a sociedade americana no sculo XIX.................................................................................................................. 3.5. A casa unificada a sociedade americana no final do sculo XIX e incio do sculo XX.........................................................................................
84 90
3.6. Consideraes finais............................................................................... 99
10
4. A CONSTRUO E A CONSOLIDAO DO SISTEMA DE ENSINO PBLICO NOS ESTADOS UNIDOS NO SCULO XIX................................
102
4.1. Os precursores da educao pblica nacional estadunidense no final do sculo XVIII e incio do sculo XIX............................................................
104
4.2. Horace Mann e o esforo para a implantao da escola comum pblica americana......................................................................................................
110
4.2.1. Consideraes pontuais a respeito dos Relatrios Anuais sobre a educao na gesto de Horace Mann...........................................................
120
4.3. A consolidao do sistema educacional americano: Henry Barnard e a mediao conciliadora entre as divergncias pblicas e privadas ................
126
4.3.1. Henry Barnard e a defesa do mtodo de ensino pestalozziano...........
135
4.4 Consideraes Finais...............................................................................
141
5. AS PROPOSTAS EDUCACIONAIS MEDIADORAS DEWEYANAS E A SUA FUNO MINIMIZADORA DAS DESIGUALDADES SOCIAIS............
146
5.1. John Dewey: entre o trabalho mecanizado e fordista e a formao humanista.......................................................................................................
151
5.2. Dewey, Pestalozzi e Froebel: convergncias e divergncias..................
158
5.3. O mtodo instrucional herbartiano e as objees deweyanas.................
167
5.4. A metodologia de ensino proposta por Dewey........................................
176
5.5. Consideraes finais .............................................................................
182
CONSIDERAES FINAIS .......................................................................... 189 REFERNCIAS...............................................................................................
202
11
1. INTRODUO
Esta tese tem como objeto de investigao a funo social da educao
teorizada por John Dewey (1859-1952) no perodo delimitado entre o final do
sculo XIX e as primeiras dcadas do sculo XX nos Estados Unidos.
O projeto de pesquisa, apresentado Universidade Estadual de Maring,
tinha como propsito inicial compreender a funo social da educao teorizada
por John Dewey (1859-1952), identificando o elo articulador entre s suas
formulaes metodolgicas e as mudanas sociais que se processavam nos
Estados Unidos no final do sculo XIX e nas primeiras dcadas do sculo XX.
O interesse por este tema est relacionado a uma inquietao pessoal,
como docente da educao bsica na rede pblica de ensino do Estado do
Paran, pois acredito que a incorporao de novas tecnologias na sociedade
interferem diretamente o processo educativo ocasionando por um lado novas
possibilidades de aprendizagem, modificaes metodolgicas, novas formas de
aquisio e circulao de informaes, e, por outro, ocasiona uma dependncia
naturalizada s pequenas mquinas de uso pessoal (notebook, smartphone,
celulares) acentuando aes individualizadas configuradas em um mundo virtual
que em alguns casos substituem o mundo real, construindo uma dilemtica
relao entre os seres humanos e a mquina, impondo novos padres culturais
na sociedade. Ao deparar com John Dewey, foi possvel perceber que este autor
tinha um posicionamento de incoformismo diante da sociedade de seu tempo
relacionado a esse processo de fetichizao da mquina e des-humanizao do
homem, condio esta que levou ao autor propor mudanas metodolgicas
significativas para o processo educativo.
No decorrer da pesquisa, observou-se que o autor explicitava divergncias
diante dos pressupostos liberais burgueses que norteavam a sua sociedade e as
suas propostas metodolgicas para o processo educativo tinha um
direcionamento mais amplo e no estava restrita ao ambiente escolar. Para
compreender o autor e a educao neste perodo, foi necessario tomar como
base a sociedade em que estavam situados. Deste modo constatou-se que as
suas formulaes estavam articuladas s condies materiais existentes na
sociedade, descartando-se algumas premissas pr-estabelecidas nas
12
interpretaes didticas produzidas sobre este autor de que suas formulaes
eram frutos de uma genialidade pessoal, visionria e proftica. Bem como no se
constituiam como propulsoras de mudanas sociais revolucionrias, visto que no
ocasionam rupturas com o modo de produo do capital e no proporciona
superao das contradies da sociedade burguesa.
Sob o pressuposto de que o modo de produo do capital no esttico e
possui uma lgica propulsora de contradies, constatou-se que a cada mudana
que ocorria nas relaes de produo, reproduo e troca na sociedade norte-
americana, impulsionava alteraes e mudanas na organizao escolar nos seus
aspectos fsicos e pedaggicos. O entendimento de que as formulaes
metodolgicas deweyanas expressam concomitantemente os antagonismos
propiciados pelo desenvolvimento econmico que se processavam em seu pas e
permitem uma indagao pertinente. possvel asseverar que ele formulou e
sistematizou uma proposta educacional que contm, em sua essncia, a sntese
de um processo histrico que no se ope ao desenvolvimento e ao progresso
material, guiado pelo capitalismo, no entanto favorvel distribuio equitativa
dos bens culturais e materiais?
Para responder a esta indagao fez-se necessrio um estudo sobre o
itinerrio liberal vigente nos Estados Unidos no sculo XIX e amplamente criticado
pelo autor. Destaca-se a propagao de um iderio progressista de defesa do ser
humano, sob a crena da razo e da capacidade de o homem construir a sua
prpria histria, construir os seus projetos e empreendimentos pessoais, sua
autonomia, sua liberdade. Entretanto a estratificao social fundada na
desigualdade econmica, impedia a participao na vida social ou simplesmente
reduzia a participao democrtica de todas as classes sociais e naturalizava a
pobreza e a misria como decorrentes de uma seleo natural. Este lado
reacionrio da burguesia tomou forma, entretanto revestido da institucionalizao
cada vez mais requintada do Estado.
Assim, a tarefa de historicizar no simples, em funo da prpria
complexidade e do carter contraditrio da sociedade burguesa em que Dewey
estava inserido. Por esta razo, optou-se por um mtodo de anlise
fundamentado na concepo de que a produo, e com ela a troca de produtos,
a base de sustentao de toda a ordem social e o modo de produo material
13
determina as relaes de classe e toda a produo da vida social. Conforme
esclarecem Marx e Engels (1993, p. 37-38),
A moral, a religio, a metafsica e qualquer outra ideologia, assim como as formas de conscincia que a elas correspondem, perdem toda a aparncia de autonomia. No tem histria, nem desenvolvimento; mas os homens, ao desenvolverem sua produo material e seu intercmbio material, transformam sua realidade, seu pensar e os produtos do seu pensar. No a conscincia que determina a vida, mas a vida que determina a conscincia. Na primeira maneira de considerar as coisas, parte-se da conscincia como do prprio indivduo vivo; na segunda, que a que corresponde vida real, parte-se dos prprios indivduos reais e vivos, e se considera a conscincia unicamente como sua conscincia.
Com base neste pressuposto, considera-se que as relaes de produo e
reproduo do capital determinam as relaes de classe e a organizao da vida
social em um formato complexo proporcionando um entrelaamento entre os
aspectos polticos e culturais simultneos. Todavia desvelar um carter histrico
s formulaes deweyanas requer, necessariamente, uma compreenso das
mltiplas relaes construdas no processo histrico, no sendo possvel tal
compreenso fundamentada em um projeto pessoal, ou como afirma Engels: [...]
as transformaes sociais e todas as revolues polticas no devem ser
procuradas nas cabeas dos homens nem na ideia de que eles faam da verdade
eterna, mas nas transformaes operadas no modo de produo e de troca
(1981, p. 54).
oportuno lembrar que ser liberal, no incio do sculo XIX, significava ser
revolucionrio, ser oposio a uma ordem pr-estabelecida sob a imobilidade de
classes sociais e sob o princpio da obedincia passiva s formas de governo, s
instituies sociais religiosas e econmicas. Porm, no final do sculo XIX,
assumiu outra conotao ao enfatizar a igualdade como premissa fundamental
para a produo social do capital, via diviso social do trabalho que produziria a
riqueza, mas no se apropriavam dela.
Acrescenta-se nesta compreenso, as diversas etapas de desenvolvimento
do capitalismo nos Estados Unidos, iniciando-se pela fase da produo
manufatureira e agro-industrial que exigia tarefas complexas manuais e mentais
produo mecanizada fordista, que exigia tarefas simplificadas e repetitivas em
14
conformidade ao ritmo da mquina. Por esta razo, faz-se necessrio conhecer
os eventos que marcaram a histria dos Estados Unidos e os seus respectivos
desdobramentos histricos, salientando que a transio de um sculo ao outro
no contm uma marca revolucionria e nem tampouco caractersticas de
rupturas econmicas neste pas. Ocorriam alteraes nas formas de produo de
massa, impulsionadas pela mecanizao fordista, e que consolidaram um modelo
econmico que projetou a nao norte-americana em um mercado mundial
altamente competitivo, e que, portanto, requeria novos meios de produo e fora
de trabalho especializada e sintonizada ao ritmo da mquina.
Quanto s propostas pedaggicas froebeliana e herbartiana vigentes no
pas, que cumpriam uma funo de ajustamento individual s exigncias
econmicas e sociais e, por isto, eram coadjuvantes de um processo de
manuteno e perpetuao da hierarquizao de classes, entraram em um ciclo
de indefinies diante das alteraes no processo de produo. Seria, entretanto,
possvel afirmar, categoricamente, que elas se tornaram obsoletas?
Compreende-se que John Dewey situa-se num contexto transicional de
amplas mudanas econmicas e sociais, mas que no so caracterizadas por
rupturas imediatas na sociedade. Diante dos antagonismos da sociedade
burguesa, ele expressa o seu inconformismo e prope uma mediao com o
intuito de minimizar as contradies existentes, convertendo a educao em um
instrumento crtico de mediao entre as relaes de produo e reproduo do
capital, essencialmente mecnicas, e a formao humana. A mediao que
prope consiste em assegurar os pressupostos de igualdade e de liberdade e
aponta a educao como principal meio para a sua efetivao, sobretudo na
conduo de uma sociedade democrtica e na democratizao do progresso
material da sociedade.
E por considerar que as suas propostas educacionais foram sistematizadas
na tentativa de equacionar e minimizar o acirramento de classes formulou-se
alguns questionamentos que nortearam esta anlise, tais como: Em que moldes
Dewey prope a mediao entre a educao escolar e a sociedade em contnuo
processo de mudana? A mediao proposta pelo autor est restrita ao processo
educativo nos seus aspectos metodolgicos ou envolve outra concepo de
homem, sociedade e educao? As concepes definidas pelo autor de
15
democracia, liberdade social e educao so suficientes para minimizar as
contradies burguesas? Como sua obra vem sendo estudada e interpretada no
Brasil?
John Dewey situa-se entre aqueles autores interpretados pelos vrios
campos do saber, tais como filosofia, lgica, tica, pedagogia, psicologia e
sociologia. Recebeu diferentes denominaes, como: defensor de uma
pedagogia infantil, pai do ativismo pedaggico, fundador da educao
progressista, pioneiro da educao reflexiva, pioneiro da escola nova,
revolucionrio e antirrevolucionrio, pai do learning by doing e da escola
progressista, entre outras denominaes.
importante salientar que os slogans, criados para facilitar a compreenso
de determinadas propostas e formulaes, nem sempre cumprem os objetivos
pelos quais foram criados, sendo comum ocasionarem uma reduo
epistemolgica, o caso de John Dewey que recebeu vrios slogans
progressistas. Na opinio de Scheffler (1974, p. 48), [...] os slogans progressistas
foram, cada vez mais, assumindo uma vida prpria. E, em muitos casos,
propiciam uma imagem simplificada, ocasionando o seu deslocamento do
contexto histrico. Inclui-se neste universo de enquadramentos a literatura
educacional, traduzida na lngua portuguesa e a produzida no Brasil sobre John
Dewey.
As interpretaes das propostas educacionais deweyanas no mbito
didtico, destinado formao pedaggica de professores no Brasil, em muitos
casos, satisfazem as exigncias e investigaes acadmicas, facilitam o
entendimento dos leitores, em sua maioria acadmicos de cursos de licenciatura
com formao voltada para atuar nas sries iniciais e finais do ensino
fundamental e ensino mdio, cumprindo apenas uma funo tecnicamente
didtica correta. Entretanto, em funo das exigncias editoriais ou decorrentes
da prpria concepo dos intrpretes, essas leituras aligeiram a compreenso de
suas ideias e, em determinadas situaes, ocultam ou invertem a historicizao
de suas formulaes pedaggicas, propiciando uma anlise reducionista ou
fragmentria deste autor, ou como alerta Abreu (1968, p. 13), [...] o grande
infortnio de Dewey que ningum fora mais louvado e contestado e menos lido
do que ele.
16
Por considerar John Dewey uma importante referncia na histria da
educao, recorreu-se leitura e interpretao das produes escritas por este
autor no seu idioma original e nas suas respectivas tradues feitas no Brasil,
com nfase em algumas produes entre elas: The School and Society 1900,
The child and the curriculum 1901, Democracy and Education1- 1916, Liberalism
and Social Action 1935, Experience and Education 1936, Freedom and
Culture 1939. Alm das citadas, este autor possui uma vasta produo escrita e
publicada em vrios idiomas. O conjunto de sua produo escrita foi publicado em
1996 pela Intelex Corporation, sob a coordenao de Barbara Levine, na forma de
CD-ROM, intitulado Works about John Dewey, 1886-1995, facilitando esta
pesquisa. Alm das obras deste autor, foram utilizados, para compreender o
processo de construo da educao pblica norte-americana, os relatrios
oficiais de Amoy Dwight Mayo (1823-1907), publicados no documento Report of
the Commissioner of education for the year 1896-1897, vol. 1 e 22. As obras de
Elwood Patterson Cubberley: Public education in the United States (1919) e The
history of education vol. 1 e 2 (1920), embora no se caracterizem como fontes
primrias, foram estudadas por se considerar uma das primeiras sistematizaes
didticas dos Estados Unidos e porque so contemporneas a John Dewey e
fazem vrias referncias a este educador.
A produo literria deweyana evidencia uma educao centrada em um
sentimento democrtico, solidrio, cooperativo, com o intuito de promover ruptura
1 Essa obra foi traduzida em vrios idiomas: portugus, italiano, espanhol, russo, chins,
germnico e adaptada em outros inmeros idiomas.( THE CENTER FOR DEWEY STUDIES. Southern Illinois University at Carbondale. Disponvel em: . Acesso em: 2 jun. 2003. 2 Este documento composto de dois volumes e contm, na forma de relatrio, dados e
informaes estatsticas das escolas pblicas americanas em perodos que antecederam a 1898. O documento composto pelos relatrios de vrios Estados, sendo que, em cada Estado, o responsvel pelas informaes so os Secretrios de Educao ou Superintendentes. Neste documento, so apresentadas informaes sobre a educao e os sistemas educacionais em vrios pases do continente europeu, do continente asitico, africano e americano. Algumas pginas deste documento foram reservadas para descrever a atuao de educadores que lideraram movimentos em prol da educao pblica, entendidos pelos seus proponentes como pessoas que se destacaram na histria dos Estados Unidos. Foi editado e publicado oficialmente pelo Departamento Nacional de Educao no ano de 1898, contm um conjunto de relatrios minuciosos e abrangentes de todo o processo educacional no territrio norte-americano, incluindo alunos matriculados, nmero de professores, localizao e currculos. Investimentos e gastos das escolas, formas de administrao, anlises de material didtico, relatrios de superintendentes e diretores no setor educacional, enfim, bastante abrangente e, organizados anualmente, foram disponibilizados a toda a comunidade interessada. A traduo deste documento de responsabilidade de Claudemir Galiani, Jssica Mendona Dias e Gabriela Bruschini Grecca (UEM).
17
ante um ensino autoritrio, antidemocrtico e individualista, e sua percepo
diante das desigualdades sociais inserem este autor como uma importante
referncia na histria da educao do sculo XX. Apesar das divergentes
interpretaes, John Dewey citado em inmeros manuais de histria da
educao, filosofia, psicologia, pedagogia, didtica e outros destinados
formao de professores. Trata-se de um clssico e, parafraseando Calvino
(2007, p. 11), [...] um clssico um livro que nunca terminou de dizer aquilo que
tinha para dizer.
Esta tese estabeleceu como objetivo geral analisar os vnculos histricos
da teoria educacional e metodolgica proposta por Dewey ao definir uma nova
funo social para a educao escolar no contexto de acirramento das
desigualdades sociais impulsionadas pelo desenvolvimento da produo e
reproduo do capital. A anlise desdobrou-se em outros objetivos especficos
no menos importantes, tais como: apreender como a obra de John Dewey foi
interpretada pela literatura educacional didtica brasileira e fora do Brasil;
identificar os pressupostos liberais que nortearam o desenvolvimento econmico
dos Estados Unidos; historicizar a educao escolar e a escola pblica norte-
americana num contexto de mudanas nas etapas de produo do capital e
explicitar a proposta educacional deweyana diante das desigualdades sociais e
posicion-la como uma nova alternativa diante dos mtodos de Herbart e Froebel
vigentes nos Estados Unidos no final do sculo XIX e incio do sculo XX.
Para dar conta dos objetivos elencados, esta tese foi organizada em cinco
sees. A primeira seo refere-se a esta introduo.
Na segunda seo, so analisados os aspectos mais importantes da vida,
itinerrio profissional e produo terica de John Dewey, bem como as diferentes
interpretaes e posicionamentos dos comentadores de sua produo, cujas
obras esto impressas e disponibilizadas por editoras no mercado e que, apesar
de datas de publicao mais remotas, ainda circulam nos ambientes
educacionais. Para fins de exposio, estas interpretaes foram agrupadas em
trs concepes diferentes: educadores e intelectuais que consideram John
Dewey um proponente antirrevolucionrio, outro grupo que o considera
proponente de uma nova pedagogia de carter progressista e modernizador e,
18
finalmente, um grupo que o considera proponente de uma educao conciliadora
e equalizadora das desigualdades sociais.
Os questionamentos que permeiam esta seo propem-se a evidenciar,
ante as contradies da produo material, social e cultural burguesa dos Estados
Unidos no final do sculo XIX e incio do sculo XX: Como John Dewey, em sua
produo cultural e cientfica, equacionou essas desigualdades? Em relao s
interpretaes sobre Dewey at o presente momento, possvel uma
interpretao diferente e que no esteja fragmentada e nem enquadrada em
slogans otimistas ou pessimistas?
Na terceira seo, apresentam-se as concepes de trabalho,
propriedade, liberdade, igualdade e democracia, relacionando-as s formulaes
pedaggicas deweyanas e porque nelas se explicitam com mais veemncia as
contradies dos ideais liberais do sculo XIX e incio do sculo XX.
Fundamentam-se no indivduo como gerador de riquezas pessoais e nacionais e
esto articuladas construo do sentimento de nacionalidade estadunidense e
perpassaram todo o sculo XIX. A oposio a esses pressupostos teorizada por
Karl Marx (1818-1883), Engels (1820-1895) e pelo prprio John Dewey que tece
vrias crticas ao liberalismo voluntarista e individualista.
Os questionamentos que permeiam esta seo esto relacionados as
concepes deweyanas de democracia, sociedade e educao e a sua oposio
ao liberalismo clssico no seu modo de entender, congelou-se no tempo e na
histria e no foi dada a devida importncia para os problemas sociais e ao
materialismo marxista que no seu modo de entender apresenta uma interpretao
reducionista da histria humana ao tomar como princpio motor da sociedade a
luta de classes.
Na quarta seo, analisam-se a construo e a consolidao do sistema de
ensino pblico nos Estados Unidos. Inicialmente, apresentam-se os
posicionamentos de Horace Mann (1796-1859) entre as dcadas de 1830 a 1850,
perodo em que predominou a produo manufatureira e agroindustrial, quando
se priorizava o trabalho manual. Nesta fase, Mann enfrentou a oposio de
lideranas liberais, que criaram vrios entraves para a implantao e expanso do
ensino pblico e favoreceram as iniciativas privadas de cunho religioso catlica,
calvinista, congregacional e denominacional. Em seguida, so elucidados os
19
posicionamentos de Henry Barnard (1811-1900), posterior Guerra Civil, perodo
em que a produo manufatureira iniciou um processo de mecanizao. Nesta
fase, Barnard, comprometido com os princpios liberais de sua poca, evidenciava
uma preocupao com os mtodos de aprendizagem, defendia o mtodo de
ensino pestalozziano e enfrentava oposies diante dos setores privados e
pblico que passaram a reivindicar do sistema uma atuao direcionada para a
formao de mo de obra especializada.
Os questionamentos que permeiam esta seo esto relacionados ao
modo de produo na sua fase manufatureira e industrial e como este modo de
produo se imps sobre a sociedade e ocasionou nos primrdios da educao
pblica a insero de mtodos pedaggicos alinhados a esta etapa de produo
capitalista.
Na quinta seo, so analisadas as propostas e formulaes deweyanas
com o intuito de compreender como este autor equacionou e definiu a funo
social da educao diante das mudanas e alteraes sociais que se
processavam intensamente nos Estados Unidos no perodo em estudo. No mbito
econmico, as mudanas foram impulsionadas pela introduo do trabalho
mecanizado, orientado pelos mtodos fordista e taylorista, que no exigiam da
classe operria uma contnua qualificao, requeria outrossim, algumas
habilidades tcnicas e formas de comportamentos solidrios e cooperativos. No
mbito poltico, o contexto mundial apontou a emergncia de Estados totalitrios
nacionalistas que colocavam em risco a sobrevivncia dos regimes democrticos.
No mbito social, as organizaes operrias internacionalizavam-se e fortaleciam-
se com a mesma intensidade que o capitalismo. No mbito pedaggico, as
formulaes pedaggicas froebelianas e herbartianas, em proeminncia nos
Estados Unidos, contrastavam-se simultaneamente, assim como a organizao
da sociedade. A pedagogia herbartiana enfatizava a igualdade na transmisso de
contedos, mas no assegurava a mesma igualdade da aprendizagem e de modo
inverso a pedagogia froebeliana enfatizava as diferenas individuais e as aptides
naturais individuais e mantinha assegurado no final do processo essas diferenas
individuais. A mediao deweyana em oposio a esses modelos pedaggicos
a de enfatizar simultaneamente as aptides e diferenas individuais
20
disponibilizadas para as necessidades sociais e coletivas, razo pelo qual prope
atividades de cooperao e solidariedade.
Os questionamentos desta seo esto relacionados com as
desigualdades sociais percebidas e vivenciadas por Dewey em sua sociedade.
Diante dessas desigualdades, Dewey apresenta-se como proponente de uma
formulao pedaggica que contempla, mediante mtodos de ensino, o despertar
de um sentimento democrtico fundamentado na percepo, sensibilidade,
experincia, racionalidade, cooperao, solidariedade, voltados essencialmente
para a transformao social. Mas possvel creditar educao a formao de
uma conscincia transformadora sem que se alterem as bases materiais da
sociedade?
21
2. JOHN DEWEY E AS DIFERENTES INTERPRETAES CONSTRUDAS
PELA LITERATURA EDUCACIONAL BRASILEIRA
Esta seo faz uma reviso sobre as interpretaes contidas na literatura
educacional traduzidas para a lngua portuguesa e as produzidas no Brasil a
respeito de John Dewey e tem como objetivo identificar, por meio de anlises
sobre as propostas educacionais deweyanas, se os enquadramentos e os slogans
atribudos a este autor permitem uma compreenso do contexto histrico em que
suas formulaes educacionais foram produzidas.
A premissa inicial de que as interpretaes das propostas educacionais
deweyanas, por conterem um formato de apresentao didtica destinadas
formao pedaggica de professores no Brasil, em muitos casos, satisfazem as
exigncias e investigaes acadmicas, facilitam o entendimento dos leitores, em
sua maioria acadmicos de cursos de licenciaturas com formao voltada para
atuar nas sries iniciais e finais do ensino fundamental e mdio e, portanto,
cumprem uma funo tecnicamente didtica correta. Entretanto o uso de
determinados slogans, tais como: pioneiro e fundador da escola nova,
revolucionrio e anti-revolucionrio, pai do learning by doing e da escola
progressista, entre outros, propicia uma imagem simplificada de John Dewey e
ocasiona o seu deslocamento do contexto histrico, comprometendo a
historicizao de suas formulaes educacionais.
Com o intuito de estabelecer uma correspondncia entre as formulaes
deste autor e como ele foi compreendido nas diferentes interpretaes, organizou-
se esta seo em dois momentos. No primeiro, sero analisados aspectos mais
importantes da vida de John Dewey, desde seu itinerrio profissional sua
produo cultural e cientfica, com nfase sua interpretao e funo social
atribuda educao. Os questionamentos que permeiam esta anlise esto
relacionados s contradies da produo material, social e cultural burguesa dos
Estados Unidos no final do sculo XIX e incio do sculo XX e como John Dewey,
em sua produo cultural e cientfica, equacionou tais contradies. Em suas
formulaes, h o reconhecimento dessas contradies e expressam um carter
conformista ou de ruptura via educao?
22
No segundo momento, ser feita uma anlise de como John Dewey
interpretado na literatura educacional produzida no Brasil e fora dele e por que
essas interpretaes ocasionaram posicionamentos diferentes entre vrios
comentadores e educadores. Diante dos diversos posicionamentos e na tentativa
de responder se h outras formas de compreender John Dewey, diferente
daquela como foi interpretado na literatura educacional brasileira, recorreu-se
reviso de literatura com base em autores cujas obras esto impressas e
disponibilizadas por editoras no mercado e, mesmo com datas de publicaes
mais remotas, ainda circulam nos ambientes educacionais.
2.1. John Dewey: aspectos biogrficos e produo cultural e cientfica.
John Dewey nasceu no dia 20 de outubro de 1859, na cidade de
Burlington, no estado de Vermont, regio nordeste dos Estados Unidos. Cresceu
em uma pequena comunidade basicamente rural com uma populao em sua
maioria afiliada ao congregacionalismo. Este ambiente, na interpretao de
Amaral (1990, p.35), [...] exerceu fortes influncias em sua formao
democrtica, pois no havia nenhuma hierarquia que comandava o
relacionamento entre os membros de cada comunidade, isso revelava o carter
democrtico das mesmas. Na comunidade, frequentava constantemente a Hul
House.3 De acordo com a descrio de Wesep (1960, p. 231): A comunidade em
que Dewey conviveu em sua infncia conservava uma tradio de liberdade,
simplicidade, cortesia, assentada na ideia de que a vida coletiva deveria dar a
cada um a maior liberdade possvel de decidir sobre a sua vida particular.
O itinerrio4 acadmico e profissional de Dewey assinala a passagem por
diversas Universidades: Universidade de Johns Hopkins (1882-1883),
Universidade de Michigan (1884-1893), Universidade de Chicago (1894-1904) e
Universidade de Columbia (1905-1930). Os motivos das mudanas institucionais
estavam sempre relacionados com discordncias entre suas ideias e as de seus
3 Hul House era um estabelecimento social, um lugar no qual as pessoas de vrias crenas se
reuniam para discutir os mais diferentes assuntos em condies de igualdade. Ningum se interessava como cada um vivia fora dali, mas, uma vez ali dentro, interessava-se por viver juntos da melhor forma possvel (AMARAL, 1990, p. 46). 4 As informaes sobre seu itinerrio acadmico e profissional foram extradas da coletnea de
obras de John Dewey, publicadas pela Editora Abril em 1980 ( Coleo os Pensadores).
23
superiores. Aps 1930, Dewey continuou a proferir palestras e conferncias em
vrias instituies de ensino e continuou a escrever at s vsperas de sua morte
em Nova York no dia 01 de junho de 1952.
Alm de sua longa atuao profissional como educador, ele atuou em
defesa de vrias questes polticas5, tais como: direito dos negros, direito do voto
feminino e ampliao da escola pblica. No mbito educacional, defendeu a
transparncia na admisso de professores universitrios, profissionalizao da
mulher na educao, direito feminino de ocupar cargos de direo nas instituies
de ensino e direitos do educador. Em 1915, foi um dos fundadores da Associao
Americana de Professores Universitrios e, no ano seguinte, tornou-se membro
honorrio do primeiro Sindicato de Professores da cidade de Nova Iorque. Em
1920, participou do julgamento dos imigrantes italianos anarquistas Nicola Sacco
e Bartolomeo Vanzetti, posicionando-se contrrio condenao ( MONARCHA,
2009, P.40). Em 1933, foi um dos fundadores da Universidade-no-Exlio, para
estudantes perseguidos em pases com regimes totalitrios (JACOBY, 1990, p.
142). Em 1938, presidiu a Comisso Conjunta de Inqurito no julgamento de Leon
Trotski, inocentando-o contra as acusaes de Stalin. (CUNHA, 2001). Em 1941,
juntamente com Einstein e Whitehead, posicionou-se contrrio proibio de
Bertrand Russel de lecionar no City College de Nova York. Esse posicionamento
rendeu-lhe um processo na Suprema Corte dos Estados Unidos, sendo acusado,
inclusive, de esquerdista e subversivo (BUFFA; NOSELLA, 1997).
Em relao ao itinerrio filosfico de John Dewey, em um artigo recente,
Warde (2013) aponta as vrias influncias que marcaram a sua vida acadmica e
cientfica. Inicialmente, o seu pensamento filosfico foi marcado pela filosofia
germnica, mas, no decorrer de sua atuao, seguiu outras trajetrias. De acordo
com Warde (2013, p. 185), [...] John Dewey envereda com desenvoltura por
vrios caminhos tericos, mas parece portar uma ferramenta precisa de extrao
daquilo que lhe intelectualmente til e de subsequente dispensa da fonte de que
se nutriu.
5 As informaes sobre a atuao poltica e o itinerrio profissional de John Dewey foram extradas da THE ENCYCLOPEDIA AMERICANA. Vol 9, p.45. New York: Americana Corporation, 1972; THE NEW ENCYCLOPEDIA BRITANNICA. 15. ed. Vol. 4, p. 51-53, Chicago (Estados Unidos): Pan American and Universal Conventions Encyclopedia Britannica, 1993.
24
A teoria educacional de John Dewey foi objeto de experimento na Escola
Elementar Universitria, tambm conhecida como escola-laboratrio, criada pelo
Departamento de Educao da Universidade de Chicago em 1896. Esta escola
atendia a crianas entre 4 e 13 anos e intencionava redefinir uma nova funo
para a escola a partir da experincia. As crianas bem novas aprendiam conceitos
de fsica e biologia, presenciando os processos de preparo do lanche e das
refeies, feitos na prpria classe. Esta ligao entre ensino e prtica cotidiana foi
sua grande contribuio para a escola filosfica do Pragmatismo. Mas a iniciativa
fracassou aps trs anos.
Nesta escola, a sala de aula era um local no qual as crianas formavam
grupos, criavam planos e executavam suas atividades sob a orientao do
professor, que conduzia o aluno de acordo com a complexidade da sociedade,
orientando-o para a resoluo de problemas e dando-lhe a oportunidade de
aprender da forma mais natural possvel. O intuito era habilit-lo para que tivesse
conscincia e condies de enfrentar os obstculos encontrados. A metodologia
adotada procurava encontrar meios eficazes de aprender e ensinar, tendo o aluno
como centro da educao e agente ativo no processo de aprendizagem.
Acreditava que o impulso expressivo das crianas, o instinto artstico, emergia dos
instintos comunicativos e construtivos. O exemplo ilustrativo relacionado com o
trabalho txtil expressa esta premissa.
As crianas montaram um tear primitivo na oficina; aqui, o instinto construtivo foi estimulado. Depois, sentiram vontade de fazer algo com o tear, de criar algo. Tratava-se dum tear semelhante aos dos ndios, pelo que o professor lhes mostrou cobertores fabricados por estes. Cada criana fez um desenho baseado nos padres dos cobertores navajos, dentre os quais foi escolhido o que parecia mais adequado em causa. Os recursos tcnicos eram limitados, mas coube aos prprios alunos selecionar as cores e a forma final do produto. O exame do trabalho das crianas de doze anos revela que o fabrico do cobertor exigiu delas muita pacincia, meticulosidade e perseverana. Para alm de exibirem uma grande disciplina e o domnio de conhecimentos histricos e dos fundamentos da concepo tcnica, elas revelaram uma certa dose de esprito artstico, isto , a capacidade de transmitir corretamente uma ideia. (DEWEY, 2002, p. 48).
Ele defendia que a escola-laboratrio deveria estar voltada para alguns
princpios bsicos: desenvolver a solidariedade, integrar aluno e sociedade,
25
promover atividades que favorecessem a cooperao das crianas e formar o
cidado. Para efetivar tais princpios, os mtodos pedaggicos autoritrios foram
rejeitados. Conforme explicita Dewey (1971, p. 18), [...] a educao em uma
democracia deveria ser uma ferramenta que integrasse o indivduo.
Ele prprio considerava que a escola-laboratrio no era uma escola
modelo e que sua finalidade no consistia em demonstrar qualquer doutrina ou
ideia especial, apenas que [...] sua tarefa era observar a educao da criana
sob a luz dos princpios da atividade mental e dos processos de crescimento,
estabelecidos pela moderna psicologia (DEWEY, 1900, p. 96).
Dentre as propostas testadas na escola laboratrio, as atividades de
cooperao ganham um lugar de destaque, por favorecerem a socializao das
crianas de uma forma diferente da que elas eram educadas pelos seus pais ou
responsveis.
Na opinio de Dewey, a cooperao e a socializao conduzem para duas
consequncias inevitveis. A primeira que as concepes individual e social da
educao no tm significao alguma quando isoladas ou destacadas da
situao a que se referem, isto , de nada adianta focar o desenvolvimento
harmnico de todas as aptides do indivduo enquanto [...] a concepo de
educao como um processo e uma funo social no for definida de acordo com
a espcie de sociedade que temos em mente (DEWEY, 1959a p. 104). A
segunda refere-se a um dos problemas fundamentais da educao para uma
sociedade democrtica, e origina-se nos conflitos entre objetivos da vida social e
objetivos das necessidades individuais, os quais so muitas vezes contraditrios
entre si, prevalecendo as necessidades impostas socialmente.
Sua obra, tanto experimental quanto terica, tendeu, na opinio de
Cubberley (1919, p. 359), para [...] re-psicologizar e socializar a educao, dando
uma praticidade aos contedos, sem perder o rigor cientfico.6 Durante a
realizao de atividades na escola experimental para crianas de 4 a 13 anos,
foram estabelecidos alguns mtodos considerados fundamentais para o
desenvolvimento de uma nova metodologia de ensino. Os princpios
6 His work, both experimental and theoretical, has tended both to re-psychologize and socialize
education; to give to it a practical content, along scientific and industrial lines; and to interpret to the child the new social and industrial conditions of modern society by connecting the activities of the school closely with those of real life.(CUBBERLEY, 1920, p. 359).
26
estabelecidos nesta escola eram: 1) habilitar a criana para viver em uma vida
cooperativa; 2) trabalhar aspectos fundamentais nas crianas, para que as
mesmas adquiram a conscincia de responsabilidade, cooperao e
solidariedade; 3) Organizar e dirigir atividades consonantes a sua utilidade, o seu
significado tanto para uso da linguagem como para a representao mental
(CUBBERLEY, 1919, p. 342). Na opinio deste autor, um de seus grandes
mritos foi exatamente:
Dar criana a condio de sujeito social. Dewey acreditava que a escola pblica era o remdio principal para os males da sociedade organizada, e isso ele tentou mostrar a partir da mudana do trabalho escolar, de modo a torn-lo uma miniatura da prpria sociedade. 7
Durante os dez anos que esteve na Universidade de Chicago (1894-1904),
Dewey fundou a Escola de Pragmatismo de Chicago. Esta escola reunia vrios
participantes8, inclua professores, estudantes e personalidades da poca,
inclusive a escritora e ativista social Jane Addams, fundadora da Hull
House de Chicago (ALTENBAUGH, 2003, p.188). Esta tenha sido talvez uma das
mais importantes e significativas atuaes intelectuais de Dewey e serviram para
popularizar as suas ideias. Mas, alm de suas tentativas de colocar em prtica
suas ideias, um dos grandes mritos de John Dewey encontra-se na sua
produo cultural e cientfica bastante extensa. Na interpretao de Cunha (2009,
p. 8), considerado um dos mais notveis e coerentes interpretes na atualidade do
pensamento deweyano, afirma que: [...] Dewey tomou a educao como recurso
para discutir os problemas do homem no mundo contemporneo, o que situa suas
7 Believing that the public school is the chief remedy for the ills of organized society, Dewey has
tried to show how to change the work of the school so as to make it a miniature of society itself. (CUBBERLEY, 1919, p.342). 8 O grupo original era composto por George H. Mead, James H. Tufts, James R. Angell, Edward
Scribner Ames (Ph.D. Chicago 1895) e Addison W. Moore (Ph.D. Chicago 1898). Simon F. MacLennan (Ph.D. Chicago 1896, professor do Oberlin College), Ernest Carroll Moore (Ph.D. Chicago 1898, professor da University of California, Berkeley), Arthur K. Rogers (Ph.D. Chicago 1899, professor em Yale University), Ella Flagg Young (Ph.D. Chicago 1900, professor de pedagogy, University of Chicago), H. Heath Bawden (Ph.D Chicago 1900, professor no Vassar College e na University of Cincinnati), Henry W. Stuart (Ph.D. Chicago 1900, professor em Stanford University), Irving E. Miller (Ph.D. Chicago 1904, Professor de Psychology e Pedagogia, State Normal School de Wisconsin), Irving King (Ph.D. Chicago 1905, professor de religio, State University of Iowa) e William K. Wright (Ph.D. Chicago 1906, professor no Dartmouth University) (AMERICAN PHILOSOPHY. Pragmatism. Disponvel em: , consulta realizada em 5 de setembro de 2014, s 11horas)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hull_Househttp://pt.wikipedia.org/wiki/Hull_Househttp://pt.wikipedia.org/wiki/Chicagohttp://pt.wikipedia.org/wiki/1896http://www.pragmatism.org/genealogy.htm#chicago
27
reflexes alm da esfera do ensino, tomado em sentido estrito. Assim, o
pensamento deweyano abrange diversos campos, passando pela psicologia e
pela tica, por temticas polticas, econmicas, sociais e temticas que se
interpem ao projeto do modo de vida democrtico.
As primeiras publicaes de John Dewey ocorreram no final do sculo XIX,
e contm estudos e aprofundamentos no campo da psicologia experimental, entre
estas produes destacam-se: The New Psychology de 1884, Psychology de
1887, The Ego as Cause de 1894, The Reflex Arc Concept in Psychology 1896,
Psychology and social practice 1901. Ainda no final deste sculo, publicou alguns
ensaios e artigos sobre a relao entre a psicologia e a educao, reunidas no
livro Interest and Effort in Education9, 1895.
No artigo My Pedagogic Creed10 de 1897, professa a sua f na educao
como um instrumento de mudana na sociedade. O historiador Altenbaugh (2003,
p. 190) refere-se ao pensamento deweyano como [...] embrionrio de uma nova
sociedade, em aluso sua crena no poder de transformao que a educao
opera em uma sociedade. Dewey aponta para a educao como um meio de
converter as potencialidades individuais para as necessidades sociais, isto ,
assegura ao indivduo a liberdade de escolha e opo entre ser mdico,
professor, processador de mquinas e assim por diante, e a sociedade,
organizada institucionalmente, garante as condies necessrias para sua
realizao. Esta crena est expressa na seguinte afirmao:
Eu acredito que o indivduo que ser educado um indivduo social e aquela sociedade uma unio orgnica de indivduos. Se ns eliminamos o fator social da criana, permaneceremos em uma abstrao do indivduo; se ns eliminamos o fator individual, permanecemos em uma concepo de sociedade como uma massa inerte e inanimada. Ento, educao tem que comear com uma perspiccia psicolgica nas capacidades da criana, interesses e hbitos. Devem ser interpretados estes poderes e traduzidos em condies de equivalncia social e postos ao modo de servio social. (DEWEY, 1897, p. 78).
9 Traduzido para o portugus por Ansio Teixeira sob o ttulo de Interesse e Esforo (In: Os
Pensadores, Abril Cultural, 1980). 10
Traduzido para o portugus sob o ttulo de Meu credo pedaggico (In: D'vila, Antnio. Pedagogia. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1954).
http://pt.wikipedia.org/wiki/An%C3%ADsio_Teixeira
28
Acredita, sob o ponto de vista da psicologia, que as potencialidades e os
desejos individuais e as necessidades e condies materiais adquirem um
determinado alinhamento, assemelhando-se a uma utopia bem intencionada. Isto
porque, sob o ponto de vista histrico, existe um grande abismo entre os desejos
individuais e as necessidades sociais, isto , a sociedade burguesa, organizada
com a finalidade de perpetuar a produo e reproduo do capital, sempre esteve
disposta e interessada em investir em indivduos que atendessem aos dispositivos
produtivistas, necessrios manuteno e estabilidade do capital, portanto, a
crena em potencialidades individuais na leitura da sociedade burguesa
convertida em potencialidades produtivas. Neste sentido, a boa inteno
deweyana no reflete a inteno da sociedade burguesa.
Em relao aos mtodos de ensino, Dewey acreditava que, quanto mais
democrticos fossem, mais favoreceriam o despertar de um sentimento
democrtico mais amplo sem estar preso a um nico sistema de organizao
poltica e sem se tornar refm de um cabedal ideolgico. Entretanto defende que
este sentimento no surge espontaneamente e nem fruto do acaso, reflexo de
uma aprendizagem organizada e direcionada para este fim. Sob esta concepo,
ele se posiciona contrrio aos processos espontanestas e aos improvisos, dos
quais era alvo de acusao de seus opositores, expressando-se nos seguintes
termos:
Eu acredito que a nica verdadeira educao aquela que estimula os poderes da criana pelas exigncias das situaes sociais em que ela se encontra. Estas demandas sociais a estimulam a agir como um membro de uma unidade, a emergir da sua estreiteza de ao e de sentimento e de conceber a si mesmo a partir do ponto de vista do bem-estar do grupo ao qual ela pertence. (DEWEY, 1897, p. 77).
Sob o ponto de vista de que a finalidade educacional democrtica, h
uma certa coerncia metodolgica no sentido de valorizar as aes coletivas e
romper com as atitudes meramente individualistas, entretanto deve-se ressaltar
que a democracia tanto pode expressar um ideal de igualdade quanto pode
assegurar a desigualdade, dependendo de como a sociedade organiza-se e
conduz institucionalmente a democracia. Desta forma, converter a finalidade
29
democrtica como finalidade educacional pode incorrer-se em um risco de
converter a escola em mais um instrumento de imobilismo social do que em um
instrumento de mudana social.
No incio do sculo XX, a sua produo terica revela uma alternncia
entre temas educacionais e filosficos, em que o autor buscou dar um tratamento
filosfico aos temas educacionais, em especial nas publicaes: The School and
Society 1900, The child and the curriculum11 1901, The educational situation
1902, Logical Conditions of a Scientific Treatment of Morality 1903, Studies in
Logical Theory 1903, Relation of theory to practice in the training of teachers
1904, The School and the child 1906, Ethics: Theory of moral life 1908, How
we Think12 1910, Educational Essays 1910.
A partir da publicao do livro The School and Society (1900), as anlises
deweyanas levantam um debate mais direto sobre a natureza social do ser
humano e a necessidade de sua formao para esta natureza, que, muitas vezes,
suplantada pelos instintos individuais. Esta sua preocupao exposta da
seguinte forma:
Temos a tendncia para encarar a escola segundo uma perspectiva individualista, pondo a tnica na relao entre professor e aluno, ou entre professor e pai. Aquilo que mais nos interessa so, naturalmente, os progressos feitos pela criana individual que conhecemos, o seu desenvolvimento fsico normal, a sua evoluo no que toca capacidade de ler, escrever e contar, o aumento dos seus conhecimentos de geografia e histria, as suas melhorias em termos de conduta. com base nesses padres que avaliamos o trabalho da escola. Todavia conveniente que ampliemos o alcance desta perspectiva. Aquilo que o pai deseja para o prprio filho, a comunidade deseja para todas as crianas que crescem no seu seio. (DEWEY, 2002, p. 17).
Vale ressaltar que os debates propostos por Dewey sobre a natureza na
sua dimenso individual e social, muitas vezes opostas ou em constante conflito,
as incertezas, o progresso e o desenvolvimento apoiam-se na literatura
darwinista. Esta percepo visvel na publicao do ensaio: The Influence of
11
Traduzido para o portugus por Ansio Teixeira sob o ttulo de A Criana e o Programa Escolar (In: Os Pensadores, Abril Cultural, 1980). 12 Traduzido para o portugus com o ttulo de Como pensamos (Companhia Editora Nacional, 1959).
http://pt.wikipedia.org/wiki/An%C3%ADsio_Teixeira
30
Darwin on Philosophy and Other Essays in Contemporary Thought de 1910, no
qual estabelece algumas concordncias com o naturalismo darwiniano contidos
na obra A origem das espcies, publicada em 185913. Na observao de
Brubacher (1961, p. 59), [...] apoiando-se em Darwin, Dewey parece ter
estabelecido fortes razes para o reinado indefinido da educao progressiva.
importante salientar que, dentre os avanos cientficos que ocorreram no
sculo XIX, a teoria de Darwin (1809-1882) foi a que mais causou impacto no
mbito das cincias sociais, considerada por muitos historiadores e estudiosos
como um divisor de guas, influenciando vrios cientistas em pases diferentes.
Na observao de Hobsbawm (2012, p. 393): Nos Estados Unidos, o darwinismo
no apenas triunfou rapidamente, mas cedo transformou-se na ideologia do
capitalismo militante. Explica este historiador,
A teoria da evoluo pela seleo natural ia bem mais longe que os limites da biologia, e nisso reside sua importncia. Ela ratificava o triunfo da histria sobre todas as cincias, embora histria nesse sentido fosse normalmente confundida pelos contemporneos com progresso. Alm disso, ao trazer o prprio homem para dentro do esquema da evoluo biolgica, abolia a linha divisria entre cincias naturais, humanas ou sociais. Portanto, todo o cosmo, ou pelo menos todo o sistema solar, precisava ser concebido como um processo de mudana histrica constante. O sol e os planetas estavam no centro dessa histria, e, sobretudo, por razes ideolgicas extremamente delicada, Darwin trouxe no apenas os animais mas tambm o homem para o esquema evolucionista. (HOBSBAWM, 2012, p. 390).
No final do sculo XIX, o darwinismo tanto servia para um bom uso como
para um uso ideologicamente comprometido. Com o processo de mecanizao na
produo industrial, o aumento quantitativo de escolas pblicas e a exigncia
cada vez mais rigorosa dos meios de produo, remeteu-se para o processo de
escolarizao uma reponsabilidade na formao de sujeitos aptos para o ingresso
no mercado de trabalho. Para averiguar as aptides naturais, muitas escolas
adotaram uma metodologia seletiva, sob a denominao de vocacional, para
ingresso em cursos profissionais. John Dewey
entendia que se criava uma espcie de determinismo social via educao, um
13
Ttulo original: On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or The Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life.
31
mau uso de Darwin, especialmente porque caracterizava uma forma de selecionar
e conduzir os alunos de acordo com suas aptides.
O principal alvo das crticas deweyanas sobre os testes de inteligncia e
vocacionais foi o seu colega da Universidade de Columbia, o psiclogo Thorndike
(1874-1949). Esse psiclogo acreditava que as crianas aprendiam a partir de
estruturas condicionantes de forma automtica e portanto, o mais importante no
era o processo de ensino e aprendizagem, mas os instrumentos utilizados para
verificao da aprendizagem. Desta forma a introduo de testes de inteligncia
permitiriam selecionar os mais aptos dos menos aptos, os mais educveis dos
menos educveis, e assim por diante, e encaminh-los para os cursos e ao
mercado de trabalho de acordo com suas aptides. Os mtodos de mensurao
assim so descritas por Thorndike:
As caractersticas de um teste especializado geralmente so as seguintes: a) determina-se um lugar e um tempo especfico; b) estabelece-se um conjunto de tarefas iguais a todas as pessoas examinadas c) o assunto da avaliao determinado de acordo com a finalidade do exame. Ao contrrio, a avaliao fundada nas situaes da vida real: a) se efetua em um periodo indefinido; b) se baseia em situaes que no so as mesmas para diversas pessoas e c) o assunto da avaliao no considerar a finalidade especfica do exame. A distino entre as situaes de exame e as situaces da vida real nem sempre so precisas e exatas, mas os resultados finais permitem algumas aproximaes em relao s atividades cotidianas. ( THORNDIKE; HAGEN, 1977, p. 28, traduo nossa)14
O carter mensuracionista foi adotado por inmeras escolas dos Estados
Unidos, constituindo-se em uma forte tendncia no final do sculo XIX. Dewey
contrape-se a esta concepo porque ela sobrepunha-se as aptides individuais
s sociais, no assegura os princpios de liberdade e desqualifica a condio
humana da aprendizagem. Para ele, um modelo educacional organizado nestes
14
Las caractersticas de un examen especializado que generalmente son los siguientes: a) determinar si un determinado lugar y tiempo, b) el establecimiento de un conjunto de tareas iguales a todos los indivduos examinados c) la evaluacin de la asignatura se determina de acuerdo con propsito del examen. Por el contrario, la evaluacin basada en situaciones de la vida real: a) se lleva a cabo en un perodo indefinido, b) se basa en situaciones que no son las mismas para diferentes personas y c) el objeto de la evaluacin no considera que el propsito del examen. La distincin entre las situaciones de examen y la vida real no siempre es precisa y exacta, pero los resultados finales permiten algunas aproximaciones sobre las actividades diarias. (Thorndike, Hagen, 1977, p. 28).
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moldes continuaria a privilegiar os privilegiados e no alteraria nenhuma
hierarquia social, uma vez que a sociedade j tinha definido economicamente os
ocupantes das posies hierrquicas e isso em nada contribuiria para a
democratizao da sociedade, ao contrrio, tornava-a mais anti-democrtica
ainda. A sua proposta educacional fundada em uma metodologia que privilegiasse
a cooperao social visava a superao da seletividade e das desigualdades
educacionais e sociais.
O naturalismo darwiniano aceito por Dewey era aquele que levava em
conta a mudana evolutiva e progressiva simultnea entre ser humano e
ambiente, tanto o ambiente fsico exerce uma ao modificadora no ser humano
como o ser humano capaz de modificar o ambiente fsico, e ambos se
modificam. Nesse processo, incluem-se todas as instncias sociais, por esta
razo prope que a escola
[...] deve assumir a feio de uma comunidade em miniatura, ensinando situaes de comunicao de umas a outras pessoas, de cooperao entre elas, e ainda, estar conectada com a vida social em geral, com o trabalho de todas as demais instituies: a famlia, os centros de recreao e trabalho, as organizaes da
vida cvica, religiosa, econmica e poltica. ( DEWEY, 1967, p. 8).
A teoria de Darwin concebe a seleo natural pelo instinto de conservao
da prpria espcie e admite as diferenas entre as espcies como um processo
positivo na sua evoluo e, por essa razo, possvel estabelecer caractersticas
harmonizadoras por meio das necessidades de sobrevivncia ou das prprias
alterao e modificao do meio. Darwin (1981, p.84) expe da seguinte forma a
sua defesa ao naturalismo:
Dei o nome de seleo natural ou de persistncia do mais capaz preservao das diferenas e das variaes individuais favorveis e eliminao das variaes nocivas. As variaes insignificantes, isto , as que no so nem teis e nem nocivas ao indivduo, no so certamente prejudicadas pela seleo natural e permanecem no estado de elementos variveis, como as que podemos observar em algumas espcies polimorfas, ou terminando por fixar, graas natureza do organismo e s condies de vida.
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As modificaes do ambiente afetam a todos, mesmo aqueles em um
processo de isolamento. De acordo com Darwin (1981, p. 103), [...] numa regio
isolada, e pouco extensa, as condies orgnicas e inorgnicas da existncia
geralmente so uniformes, de maneira tal que a seleo natural propenda a
modificar do mesmo modo todos os indivduos variveis da mesma espcie.
A filosofia deweyana, apoiada no naturalismo darwiniano, aponta algumas
objees no que se refere a absoro do itinerrio liberal capitalista por
considerar que essa concepo engendrava e criava determinismos seletivos aos
considerar os seres humanos como sujeitos prontos e condicionados ao meio
social. Dewey (1967, p. 11) exemplifica a sua crtica da seguinte forma: [...] uma
criana vivendo em um meio de msicos ter inevitavelmente estmulos, por
menores que sejam, s suas aptides musicais, e as ter mais estimuladas,
relativamente, do que os outros impulsos, que poderiam despertar em ambiente
diverso. Mas isto no far dela um msico, embora desenvolva habilidades e
aptides musicais com maior facilidade que uma criana que viva em uma famlia
de camponeses.
Para ele, o meio tanto pode coagir como estimular, e o resultado reflete-se
nas escolhas. E nem sempre as escolhas seguem um ordenamento invarivel s
aptides naturais, em especial quando os estmulos econmicos sobrepem-se
s necessidades de sobrevivncia. Exemplo anlogo a esta premissa refere-se
aos profissionais de medicina hoje no Brasil, isto : Quantos mdicos so filhos
de mdicos e quantos mdicos so filhos de pedreiros? Sem necessitar de um
levantamento cientfico preciso, chega-se concluso de que a maioria dos que
exercem a medicina, hoje, so filhos de mdicos, no porque herdaram de seus
pais esta aptido, mas porque as condies econmicas e materiais favoreceram
tal escolha. Isto no significa afirmar que a condio social modifique
essencialmente a natureza humana, porque certas aptides e habilidades sero
preservadas, independente do exerccio ocupacional posterior, isto , uma criana
cujos pais so msicos, mesmo exercendo uma ocupao diferente, tal como
mdico, pedreiro ou professor, possuir conhecimentos sobre msica com maior
profundidade do que outros cujos pais no sejam msicos.
Para Dewey (1900), no se pode negar que cada indivduo possui por
natureza um conjunto de aptides e predisposies para a vida social e esta a
34
condio bsica para a preservao de sua espcie, isto , a espcie humana s
tem significado se inserida na vivncia social e est em constante processo de
mutao. Os termos: evoluo, progresso e desenvolvimento, embora
tenham significados diferentes na sua aplicao ao contexto social, so
embrionrios e amlgamos. Por esta razo, para viver em sociedade,
necessrio aprender a viver socialmente. Para participar do processo de
adaptabilidade evoluo, ao progresso, ao desenvolvimento e s mudanas
sociais, necessrio aprender a participar desse processo. Nisto consiste o seu
naturalismo: um contnuo processo de aprendizagem via experincia individual
ressignificada pela vivncia social. E, a escola, cumpre o papel de mediadora das
experincias, dando-lhes um significado qualitativo. Mas, para que isto possa
ocorrer, o conhecimento escolar deveria ter uma abrangncia que envolvesse
todos os ambientes em que o indivduo interage, de uma forma democrtica.
Na obra The schools of tomorrow (1915), o autor expe a sua preocupao
com as formas mecnicas impostas pelos mtodos de produo de seu tempo,
que se assemelham aos processos de ensino, em especial a opo de um ensino
via instruo, que faz uma mera transposio de conhecimentos do mundo adulto
para o mundo da criana.
O livro Democracia e Educao15 (1916) um dos mais conhecidos e foi
traduzido em vrios idiomas, o que lhe valeu o adjetivo de defensor da
democracia ou filsofo da educao democrtica. Mas importante observar que
as questes de natureza social so incisivamente destacadas por este autor
como questes que requerem aprendizagem e precisam ser tratadas sob um
olhar racional e cientfico. Afirma:
A escola tem igualmente a funo de coordenar, na vida mental de cada indivduo, as diversas influncias dos vrios meios sociais em que ele vive. Um cdigo prevalece na famlia; outro, nas ruas; um terceiro, nas oficinas ou nas lojas; um quarto, nos meios religiosos. Quando uma pessoa passa de um desses ambientes para outro, fica sujeita a impulsos contraditrios e acha-se em risco de desdobrar-se em personalidades com diversos padres de julgar e sentir, conforme as vrias ocasies. Este risco impe escola uma funo fortalecedora e integradora. (DEWEY, 1959a, p. 23).
15
Traduzido para o portugus por Ansio Teixeira sob o ttulo de Democracia e Educao(Companhia Editora Nacional, 1959).
35
No conjunto de sua produo terica, em especial no livro Democracia e
Educao (1916), elenca a democracia como uma categoria fundamental para a
compreenso de suas formulaes educacionais. O pressuposto que alimenta
suas concepes que a democracia, embora se constitua em um instrumento
fundamental e vlido para a emancipao humana e social, no pode estar
enclausurada em uma organizao poltica, deve permear a conscincia em todas
as instncias, e deve ser vista pela sua articulao racional entre o pensamento, o
sentimento e a ao. Na observao de Cubberley (1920, p. 340):
A grande preocupao de Dewey era transformar a democracia em um instrumento til na vida social, de forma que os jovens fossem formados com esse esprito e esse esprito se refletisse em todas as relaes que se estabelecessem, quer em casa, no escritrio, na loja, enfim em qualquer ambiente. Desta forma, Dewey transformou o conhecimento escolar em um instrumento de democracia, e ainda, o conhecimento escolar permitia a preparao para o enfrentamento de situaes cada vez mais complexas na vida social, poltica e industrial do mundo moderno.16
Outras produes deweyanas, merecem destaquem, entre elas: Creative
Intelligence 1917, Reconstruction in Philosophy17 1920, Human Nature and
Conduct18 1921, Experience and Nature19 1925, The public and its problems
1927, The Quest for Certainty 1929, Philosophy and Civilization 1931, Art as
Experience20 1934, A Common Faith 1934, Liberalism and Social Action
16
During the past half century the school has been transformed, in the principal world nations, from a disciplinary institution where drill in mastering the rudiments of knowledge was given, into an instrument of democracy calculated to train young people for living, for useful service in the office and shop and home, and to prepare them for intelligent participation in the increasingly complex social and political and industrial life of a modern world. This transformation of the school has not always been easy , but the vastly changed conditions of modern life have demanded such a transformation in all progressive nations. (CUBBERLEY, 1920, p. 340). 17
Traduzida no Brasil por Antnio Pinto de Carvalho sob o ttulo de Reconstruo em Filosofia (Companhia Editora Nacional, 1959). 18
Traduzida no Brasil sob o ttulo de A natureza humana e a conduta (introduo psicologia social (Brasil, 1956). 19
Traduzida no Brasil por Murilo Otvio Rodrigues Paes Leme sob o ttulo de Experincia e Natureza (In: Os Pensadores, Abril Cultural, 1980). 20 Traduzida no Brasil por Murilo Otvio Rodrigues Paes Leme sob o ttulo de A arte como experincia (In: Os Pensadores, Abril Cultural, 1980).
36
1935, Experience and Education21 1936, Logic, Theory of Inquiry22 1938,
Freedom and Culture23 1939, Theory of Valuation 1939, Intelligence and
Modern World 1939, Education, Today 1940, Education and science 1940,
The Philosopher of the Common Man 1940, The Living Thoughts of Thomas
Jefferson24 1940, Problems of Men 1946 e Knowing and the Known 1949,
Theory of moral life 25 1960.
Alm de sua vasta produo terica impressa, este autor proferiu palestras
e conferncias em muitos pases, entre os quais: Rssia, China, Mxico, Turquia,
entre outros. Conforme observa Monarcha (2009, p. 39): Considerado a alma
mater da inovao educacional norte-americana, as teorizaes de John Dewey
converteram-se em esteio de teorias societrias alm de exercer influncia sobre
Claparde, Cousinet, Ferrire, Piaget, Kilpatrick, Decroly, Kerschensteiner,
Luzuriaga, entre outros.
Embora referenciado e citado por vrios educadores americanos e fora dos
Estados unidos, a teoria educacional de Dewey no foi adotada como uma
pedagogia institucionalizada tal como foi a de Pestalozzi, Froebel e Herbart. E a
sua experincia com a Escola Laboratrio no se estendeu a todo o sistema
pblico. Uma das razes mais plausveis de que no final do sculo XIX e incio
do sculo XX, as mudanas impulsionadas pelo desenvolvimento econmico e
pelas novas formas de organizao do trabalho industrial e mecanizado
requeriam um modelo educacional compatvel e adequado a elas, isto , no
exigiam uma mediao escolar centrada em valores humanos, como propunha
Dewey. Por essa razo as propostas de Thorndike pelo teor administrativo,
tcnico e mensuracionista tinham uma identificao imediata com as
21 Traduzida no Brasil por Ansio Teixeira sob o ttulo de Experincia e Educao (Companhia Editora Nacional, 1971). 22 Traduzida no Brasil por Murilo Otvio Rodrigues Paes Leme sob o ttulo de Lgica a teoria da investigao (In: Os Pensadores, Abril Cultural, 1980). 23
Traduzida no Brasil por Ansio Teixeira sob o ttulo de Liberalismo, liberdade e cultura. (Companhia Editora Nacional, 1970). 24
Traduzida no Brasil por Lda Boechat Rodrigues sob o ttulo de O Pensamento Vivo de Jefferson (Livraria Martins Editora, 1954). 25 Traduzida no Brasil por Lenidas Contijo de Carvalho sob o ttulo de Teoria da vida moral (In: Os Pensadores, Abril Cultural, 1980).
http://pt.wikipedia.org/wiki/Thomas_Jeffersonhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Thomas_Jeffersonhttp://pt.wikipedia.org/wiki/An%C3%ADsio_Teixeirahttp://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%AAda_Boechat_Rodrigues
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necessidades industriais e foram introduzidas na maioria das escolas que
ofertavam o ensino secundrio.
No conjunto de sua produo terica, John Dewey apontou para a
necessidade de equacionar as aspiraes individuais s necessidades sociais via
mediao escolar. Esta preocupao est expressa com intensidade nas obras
Liberalism and Social Action de 1935 e Freedom and Culture de 1939, nas quais
expressa vrias crticas ao individualismo liberal e posiciona-se contra os ideais
liberais do sculo XX, acusando-os de converterem a noo de natureza humana
para explicar as diferenas e desigualdades sociais, remetendo para o indivduo a
responsabilidade de seus sucessos e fracassos. Em suma, deixa claro que a
democratizao na sociedade no depende do governo, ao contrrio, o governo
um reflexo da sociedade democratizada. Para ele, a democratizao da
sociedade depende de um sistema educacional que traduza em seus contedos e
mtodosas necessidades sociais. A educao produz valores, valida valores e d
continuidade a determinados valores que, postos na vida social, servem para a
sua manuteno ou para a sua mudana.
John Dewey (1970) optou por trilhar os caminhos da mudana social via
educao, deslocando as aes e hbitos de cunho individualista para aquelas
voltadas para o bem comum e o meio social, mas isso no assemelha os seus
posicionamentos com os de Karl Marx e Engels (1998), embora os trs autores se
oponham desigualdade social, a ruptura proposta por estes autores difere nos
mtodos. Enquanto Marx e Engels (1998) defendiam o meio revolucionrio, via
unio da classe proletria e transformao de todas as instituies burguesas,
tomando como base a estrutura econmica, John Dewey (1970) propunha a
transformao via educao e como garantia de um processo pacfico. Em suma,
no se pode afirmar categoricamente que eles tenham aproximaes, porque as
suas concepes de revoluo so totalmente opostas. E mesmo porque, para
Dewey (1970), o motor das desigualdades sociais em seu pas era o liberalismo,
que conduzia a sociedade nos moldes clssicos e praticamente anulava toda a
ao do Estado ou, quando no, minimizava e restringia a atuao do Estado nas
questes econmicas essenciais.
Os posicionamentos deweyanos diante do liberalismo sugerem alguns
questionamentos, tais como: Quais sos os principais empecilhos para a vivncia
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democrtica em sua plenitude: o individualismo orientado pelos moldes liberais ou
as desigualdades sociais? Sendo a sociedade guiada pelos pressupostos liberais,
possvel a educao impulsionar mudanas sociais mais amplas em uma
sociedade de classes, que limita a participao econmica, que estimula o
individualismo, que mantm sua estrutura sobre as desigualdades sociais?
Dewey (1970) acreditava que era possvel a ocorrncia dessas mudanas
de forma pacfica, consciente e ordenada. Mas, para isto, seria necessrio
converter a educao em uma ferramenta ou em um instrumento de mudana
social, ensinando os indivduos a despojarem-se dos seus instintos egosticos e
privados e, medida que as pessoas mudassem, as estruturas mudariam. As
suas formulaes e posicionamentos possibilitam compreender que as
contradies da sociedade burguesa na qual Dewey estava inserido refletem em
suas interpretaes da mesma forma que refletem nas interpretaes sobre
Dewey no Brasil, e que, portanto, so alvos de controvrsias.
2.2. A recepo e as diferentes interpretaes das propostas educacionais
deweyanas no Brasil.
As interpretaes formuladas sobre Dewey, no Brasil, iniciaram-se nas
primeiras dcadas do sculo XX, perodo marcado por conflitos entre naes
europeias que culminaram na Primeira Guerra Mundial. Em meio aos conflitos
eminentes na Europa, os Estados Unidos assumiram gradativamente a posio
de liderana entre as naes capitalistas e, medida que se deslocava a
liderana do capitalismo da Europa para a Amrica do Norte no sculo XX, a
produo cultural e intelectual desse pas se tornou alvo de interesse de outras
naes, em especial do Brasil.
Foi neste contexto que vrios intelectuais e polticos brasileiros, defensores
de um capitalismo moderno, avanado e condutor do desenvolvimento e do
progresso, estabeleceram um intercmbio de proximidade com os Estados
Unidos, por acreditarem que as etapas de desenvolvimento da nao norte-
americana serviriam como modelo para o desenvolvimento e o progresso do
Brasil. Somando-se a esta crena, deve-se registrar que, no Brasil, no final do
sculo XIX e incio do sculo XX, na sua fase de transio poltica entre o regime
39
monrquico e republicano, os seus defensores buscavam um aporte ideolgico
consistente de desenvolvimento e progresso para a sua consolidao, no qual
inclua a instituio de uma educao pblica.
Neste cenrio, uma das questes a serem equalizadas, no Brasil, era
estimular o interesse pela educao tanto das instncias institucionais polticas
quanto da populao. Para um grupo de intelectuais e educadores brasileiros,
entre eles: Ansio Teixeira, Loureno Filho, Carneiro Leo e Fernando Azevedo, a
expanso do sistema educacional era a chave para o progresso e o
desenvolvimento nacional. E foi a partir desta constatao que esses educadores
posicionaram-se em defesa de uma educao pblica, gratuita e leiga e em
conformidade com o processo de urbanizao e desenvolvimento industrial do
pas.
As propostas pedaggicas que estavam em ebulio nos Estados Unidos
provocaram o interesse de educadores brasileiros que julgavam, para aquele
momento, as mais adequadas para o Brasil. Tais propostas receberam vrias
nomenclaturas, tais como: escola nova, educao progressista, pedagogia
renovada, pragmatismo americano, entre outras. De qualquer forma, suas
nomenclaturas referenciavam o educador, filsofo e intelectual estadunidense
John Dewey e foram assumidas por vrios educadores brasileiros, em especial
Ansio Teixeira, que, na observao de Abreu (1968, p.,12), [...] conseguia
pensar deweyanamente, e Loureno Filho, fundador da Revista Escola Nova em
1930.
A recepo de teorias educacionais relacionadas a um novo modelo
metodolgico no exclusividade do perodo republicano brasileiro, remonta, de
acordo com Nagle (1974), desde o final do Imprio, porm, nesta fase, no se
encontra uma apresentao sistemtica e ampla das ideias escolanovistas. Esta
sistematizao ocorreu a partir da dcada de 1920, com um conjunto de
publicaes sobre um novo modo de pensar a funo social da educao.
Destacam-se, entre estas publicaes, artigos, textos e livros de John Dewey,
traduzidos por Ansio S. Teixeira, e a primeira coleo especializada, denominada
Biblioteca de Educao, organizada por Loureno Filho. Explica Nagle (1974, p.
274) [...] que essa literatura apresentava era uma discusso de Repblica,
Democracia e Escola Nova, sem qualquer referncia a lugar e tempo. Na
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interpretao deste autor, predominava um idealismo e de certa forma distanciado
da realidade, uma crena num mundo supra-histrico em substituio ao mundo
histrico, considerado submundo.
Como nessas primeiras dcadas intensificava-se um acelerado processo
de industrializao e urbanizao no Brasil, acirravam-se, simultaneamente,
diversos conflitos e divergncias que envolviam a classe operria em formao,
constituda essencialmente por imigrantes europeus e escravos recm-libertos,
alm da burguesia, que, na ausncia de uma legislao que assegurasse direitos
trabalhistas, estabelecia seus prprios critrios de regulamentao do trabalho.
Os conflitos e divergncias assinalam uma fase de transio entre o modo
de produo predominantemente agrrio e o advento de novas relaes de
produo do capital, orientadas pela industrializao. Ressalta-se que, neste
processo de transio das formas de produo, no ocorreram mudanas
hierrquicas nas estruturas tradicionais e conservadoras, isto , a estrutura
fundiria no pas manteve-se organizada na forma de propriedade privada e os
seus respectivos proprietrios continuaram os mesmos. A mudana que ocorreu
foi em relao mo de obra, que se deslocou em grande quantidade das
propriedades agrcolas para os centros urbanos, formando um novo contingente
assalariado e sem escolarizao. Neste cenrio e para assegurar o mnimo de
escolarizao da classe operria, tornava-se necessrio ampliar a oferta
educacional no pas. Portanto, a ampliao das oportunidades escolares, aliadas
a um dese