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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO VERA LÚCIA BATISTA CONTA SUA HISTÓRIA, PROFESSORA! NARRATIVAS QUE SIGNIFICAM A PRÁTICA EDUCATIVA CAMPINAS 2005

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

VERA LÚCIA BATISTA

CONTA SUA HISTÓRIA, PROFESSORA!

NARRATIVAS QUE SIGNIFICAM

A PRÁTICA EDUCATIVA

CAMPINAS

2005

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

VERA LÚCIA BATISTA

CONTA SUA HISTÓRIA, PROFESSORA!

NARRATIVAS QUE SIGNIFICAM

A PRÁTICA EDUCATIVA

Memorial de Conclusão de Curso apresentado como um dos pré­requisitos para conclusão da Licenciatura em Pedagogia ­ Programa Especial de Formação para Professores em Exercício (Proesf) da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas.

CAMPINAS

2005

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A minha mãe, pela coragem de desafiar o

"destino".

Ao meu pai, que mesmo quando silenciava­se,

me ensinava com seu exemplo.

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"Longe de ser o relicário ou a lata de lixo do passado, a memória vive de crer nos possíveis, e de esperá­los, vigilantes, à espreita (...)

Mas, o que mais poderia a memória fornecer? Ela é feita de clarões e fragmentos particulares. Um detalhe, muitos detalhes, eis o que são as lembranças. Cada uma delas, quando se destaca, é tecida de sombra, é relativa a um conjunto que lhe falta. Brilha como metonímia em relação a esse todo".

(Michel de Certeau)

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ÍNDICE

APRESENTAÇÃO......................................................................................................................02

ESCREVER UM MEMORIAL ?!?.............................................................................................03 Mas, o que é uma memória?............................................................................................06

DIANTE DAS MEMÓRIAS, (RE) CONHECER­SE................................................................10 "A gente vai escrevendo e vai lembrando"......................................................................11

DOS LUGARES DE ONDE EU VIM........................................................................................16

NO COTIDIANO VIVIDO, A (RE)INVENÇÃO DE SENTIDOS E SIGNIFICADOS PARA A PRÁTICA EDUCATIVA............................................................................................................25

Ensinar/Aprender, aprender/ensinado.............................................................................25 Ser professora... Sendo....................................................................................................28

NOS TRAJETOS PERCORRIDOS, ENCONTROS E DESENCONTROS..............................35

DAS HISTÓRIAS CONTADAS................................................................................................42

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................................45

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Apresentação:

Este trabalho é a materialização das memórias relativas às experiências de formação

que me constituíram como professora.

Reconheço, nas memórias relatadas, pistas que indiciam uma identificação construída

em meio a constantes estranhamentos e aproximações, que desvelam os caminhos percorridos

até o exercício do magistério, bem como as estratégias pelas quais me apropriei/aproprio dos

saberes necessários à prática profissional.

Por caracterizar­se como exercício de reflexão crítica dos acontecimentos vividos pela

narradora­personagem, a escrita é construída em meio a constantes (re)interrogações,

(re)significações, (re)conhecimentos, (re)aproximações e (re)invenções das experiências

tecidas nas relações cotidianas.

Nesse sentindo, a memória é entendia como um saber transformador, que articula e

legitima os conhecimentos produzidos nas práticas compartilhadas com diferentes

interlocutores, em diferentes contextos e espaços.

Sendo assim, os episódios destacados nas narrativas registradas revelam os

significados que dão sentido aos meus fazeres e saberes pedagógicos, num movimento onde o

vivido é reinventado a partir das vivências que tenho no presente.

Minha história (re)vista por mim. Esta é a proposta deste memorial. Serei "contadora"

das histórias nas quais sou a protagonista. Histórias, que compartilho com os leitores destas

memórias­saberes.

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Escrever Um Memorial ?!?

"Gastei uma hora pensando um verso que a pena não quer escrever. No entanto, ele está cá dentro Inquieto, vivo. Ele está cá dentro e E não quer sair." (Carlos Drummond de Andrade)

Parafraseando Drummond, inicio a escrita deste memorial. Foram vários dias

pensando sobre quais fatos de minha vida narrar e outras tantas horas delimitando os

caminhos que minha memória deveria percorrer. Como o poeta, sentia­me de mãos atadas

diante de um impasse: as lembranças estavam avivadas pelo exercício de rememorizar, meus

pensamentos entrelaçavam­se nas múltiplas situações vivenciadas em diferentes espaços e

tempos; entretanto, a escrita me era impedida pela dificuldade de escolher o que seria

relevante contar em um memorial de formação.

Quando soube que deveria escrever um memorial como trabalho de conclusão do

curso de Pedagogia (PROESF 1 ) fui tomada por algumas inquietações. A primeira se deu com

o próprio termo: memorial. Pela etimologia da palavra sabia que se relacionava com relato de

memórias. Mas, não compreendia de que forma se configuraria a organização de um texto que

descreve memórias, histórias de vida, sem perder de vista o caráter acadêmico que identifica

os trabalhos de conclusão de curso.

É claro que já havia tido contato com a palavra. Inclusive, lera um: Memorial de

Aires, de Machado de Assis, livro no qual o narrador (Aires) relata sua vida de diplomata

1 Programa Especial de Formação para Professores em exercício da Região Metropolitana de Campinas, oferecido pela Unicamp em parceria com os Municípios.

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aposentado destacando episódios vividos, leituras e reflexões quanto aos acontecimentos

políticos do seu tempo.

Lembro­me também, da leitura de Memórias Póstumas de Brás Cubas, romance

"autobiográfico", onde o protagonista é narrador de suas próprias memórias. Recordo­me

como foi curioso descobrir que Brás Cubas resolveu escrever sobre sua vida depois de morto,

como se precisasse se distanciar dos acontecimentos para que, ao revê­los, pudesse

compreender os significados de suas ações diante dos mesmos.

Ao relembrar essas leituras, começo a ter indícios da escrita de um memorial. O termo

passa a não ser totalmente desconhecido. O que me causa estranheza é a necessidade de

escrever um memorial, que relata minha trajetória de formação profissional, como trabalho

de conclusão de um curso de graduação. Afinal de contas, a quem interessam minhas

memórias? Como as experiências que vivi contribuem para a reflexão das práticas educativas

adotadas por mim?

Dentre tantas questões que permeiam a elaboração deste memorial estas são, a meu

ver, as que identificam o modo como o texto foi pensando e organizado. Foram estas

inquietações que marcaram tanto a produção textual, como o sentido das reflexões aqui

apontadas. E que indicaram ainda, a necessidade de partilhar com os leitores as angústias e os

estranhamentos que marcaram o ato de transpor para a linguagem escrita as memórias

relativas à minha formação profissional.

Considerando que este memorial se trata de um trabalho acadêmico, fundamento

minhas descobertas e indagações nas discussões teóricas a respeito do uso da memória como

estratégia mediadora para reflexão da prática nos processos formativos de professores. Da

mesma forma, busco articular o conhecimento acumulado nas experiências vividas e a

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produção de pesquisadores que discutem e analisam as relações entre a teoria e a prática no

cotidiano das escolas, num constante exercício da práxis 2 .

Iniciei minha busca pelo (re)conhecimento do conceito recorrendo a autores que

discutiam o tema e encontrei em Magda Soares 3 a primeira definição sobre o significado de

um memorial de formação. Para ela, trata­se de uma tese em que o objeto de análise é a

própria vida acadêmica, na qual se explica as experiências passadas a partir do que se vive no

momento presente.

A partir das discussões dessa autora, comecei a entender que memorial se trata de um

texto em que o autor, conscientemente, recria os processos pelos quais se constituiu (e ainda

se constitui) como professor. Digo conscientemente, porque as memórias não são disparadas

de forma aleatória, de antemão já se sabe que as lembranças resgatadas relacionam­se com as

experiências que dão sentido a sua prática e a seu modo de ver­se diante das circunstâncias

vividas nos diferentes espaços e tempos.

Segundo Prado e Soligo (2004):

Como toda narrativa autobiográfica, o memorial é um texto em que o autor faz um relato de sua própria vida, procurando apresentar acontecimentos a que confere o status de mais importante, ou interessantes, no âmbito de sua existência. (...) É uma marca, um sinal, um registro do que o autor considera essencial para si mesmo e que supõe ser essencial também para os seus ouvintes/leitores (p.6).

Relatar experiências vividas, rever o passado com os olhos do presente. Indícios que

apontavam possibilidades, mas ainda não esclareciam minhas dúvidas a respeito do que

relatar. Quais situações/acontecimentos mereceriam destaque? Afinal, de tudo que vivi o que

me fez "ser" professora?

2 Práxis entendida como prática humana fundamentada teoricamente, ou seja, como produto consciente das atividades humanas no âmbito das relações sociais. Segundo Ribeiro (2001), no que se refere à prática educativa, significa dizer que " impõe­se como necessário ao educador cada vez mais rigor, profundidade no grau de conhecimento, de consciência e de compreensão da natureza social da realidade sobre qual atua e da qual ele é parte" (p.42). 3 Em seu livro: Metamemórias ­ Memórias: tr avessia de uma educador a, fruto do memorial escrito como exigência para inscrição em um Concurso da Universidade Federal de Minas Gerais.

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Guedes­Pinto (2004) afirma que esses questionamentos fazem parte do processo da

escrita de um texto marcado pela subjetividade, pois se trata do relato da experiência vivida

do sujeito narrador, no caso específico de um memorial de formação de professores, da

diversidade de vivências que significaram sua prática profissional.

Nas entrelinhas, minha maior angústia era não encontrar um "modo de fazer", um

"manual", como aqueles livros que nos ensinam técnicas para se escrever teses, resumos,

trabalhos de conclusão de curso (TCCs). A dificuldade estava em ter que contar minha

história, sem interferências ou limitações impostas por outros. Por ser um exercício

retrospectivo, singular, a imposição de modelos a serem seguidos ficava impossibilitada.

Ao dar­me conta da dimensão de uma escrita deste tipo, comecei a apreciar a

possibilidade de expor meus pontos de vista, minhas vivências. Afinal, "não é de todo infeliz

aquele que pode contar a si mesmo a sua história 4 ".

Mas, o que é uma memór ia?

Recordo­me de uma história infantil, Guilherme Augusto Araújo Fernandes 5 , que

trata a questão da memória permeada pela relação de amizade estabelecida entre um garoto

que era vizinho de um asilo de velhos e uma senhora de noventa e seis anos que morava lá.

Um dia, o menino escuta os pais falarem que a senhora perdeu a memória. Tentando ajudá­la,

Guilherme resolve descobrir o que é memória.

Diante das explicações apresentadas por outros personagens da história, Guilherme

recolhe objetos disparadores de suas próprias lembranças, e resolve compartilhar suas

4 Tomo emprestada esta epígrafe de Miguel Arroyo que, por sua vez, emprestou­a de Jorge Larrosa, por considerá­la representativa do ato de escrita de um memorial. Maria Zambrano é a autora original da frase.

5 Escrita por Mem Fox, ver referências bibiliográficas.

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memórias com Dona Antônia, já que ela havia perdido as suas. Os objetos recolhidos pelo

garoto fazem com que a senhora se lembre de situações vividas e sua memória é resgatada.

Esta história permite pensar a questão da memória como aspecto constitutivo de

identidade. Perder a memória para Antonia Maria Diniz Cordeiro, no livro do Guilherme, era

perder suas histórias, seu passado, aquilo que viveu e que fazia parte do processo de

constituição de sua identidade. Quando Dona Antônia recupera suas memórias, traz à tona

diversas vivências que significam seu jeito de ser, seu modo de viver.

Em um memorial, recorremos à memória como meio de articular o conhecimento

vivido e o discurso teórico apreendido nos debates ocorridos no decorrer dos processos de

formação profissional e pessoal.

Ao recordar, passamos a refletir sobre como compreendemos nossa própria história e a dos que nos cercam. Vamos nos inscrevendo numa história que não está mais distante e, sim, impregnada das memórias que nos tomam e da qual muitos outros fazem parte (PRADO; SOLIGO, 2004, p.06).

Neste sentido, ao escrevermos um memorial estamos em busca de situações

disparadoras de lembranças que irão nos auxiliar na reflexão da própria prática, num

movimento onde compartilhamos com diferentes interlocutores possibilidades de reinventar o

vivido. Neste percurso, como Dona Antônia, muitas vezes nos apropriamos das memórias de

"outros" para recuperar acontecimentos que significam nossas práticas cotidianas.

Certeau (1994) ressalta que memória é flexível, singular, altera lugares e

pensamentos, pois responde às circunstâncias nas quais é disparada. É um saber que se

caracteriza pela duração de sua aquisição e por intermináveis conhecimentos particulares.

Esse autor, destaca que a memória produz uma ruptura instauradora, "continua escondida (...)

até o instante em que se revela, no momento oportuno (...) o resplendor dessa memória brilha

na ocasião" (p.158). Ocasião que não é criada, mas aproveitada.

Reconhecer a memória como um saber, significa dizer que através das diversas

modalidades das experiências coletivas vividas, o sujeito produz e compartilha conhecimentos

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nas práticas cotidianas. Significa reconhecer o cotidiano como espaço de construção de

experiências, de saberes que não precisam da legitimação acadêmica para serem considerados

como tal. É neste movimento que, segundo Certeau, a memória se torna um saber mediador

das transformações sociais.

Com propriedade, Michel de Certeau destaca os fazeres e dizeres dos sujeitos

"comuns", que são sempre renegados pelo discurso acadêmico. Tomo como referência suas

discussões, por entender que ao relatar situações vividas como recurso mediador para análise

crítica da prática pedagógica, tenho possibilidade de (re)significar minhas ações e minha

postura como profissional da educação.

Se analisarmos as produções teóricas sobre as questões educacionais veremos que se

tratam, na sua maioria, de estudos realizados por pesquisadores que não vivenciam a dinâmica

que caracteriza a multiplicidade de relações ocorridas nos espaços escolares. São discursos de

"outros" que, muitas vezes, propõem análises e práticas distantes da realidade encontrada nas

escolas.

Este é um dos propósitos dos memoriais de formação: dar visibilidade as falas e aos

saberes produzidos por aqueles que experienciam as particularidades do cotidiano escolar.

Trata­se de um "gênero textual privilegiado para que os educadores ­ enfrentando o desafio

de assumir a palavra e tornar públicas as suas opiniões, as suas inquietações, as suas

experiências e suas memórias ­ escrevam sobre sua formação e prática profissional" (PRADO;

SOLIGO, 2004, p.2).

Não é uma tarefa fácil, assumo. Faço parte de uma categoria que não está acostumada

a dizer sua própria palavra. Categoria que pauta suas ações em discursos alheios, na tentativa

de legitimar a prática. Como tantos professores, estou habituada a ouvir e não a falar. Agora,

que posso dar voz aos meus pensamentos, que tenho um meio para dar visibilidade às minhas

impressões sobre tudo que vivi/experimentei, sinto­me tolhida, e o medo de tamanho "poder"

inviabiliza minha escrita.

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É neste processo que, ao assumir­me como narradora personagem da histórias

contadas neste memorial, busco aproximar as situações vividas com o conhecimento teórico

apreendido em diferentes momentos da minha formação. Como Magda Soares, acredito que é

pelo presente que se explica o passado. Os acontecimentos destacados neste memorial só

encontram sentido a partir das vivências que tenho hoje.

São estes princípios que nortearão todo trabalho. Encaminharei a escrita de modo a

revelar sentidos e significados que constituíram meu jeito ser, estar e ver o mundo. Buscarei

apreender os processos formativos que permearam minha trajetória como profissional da

educação a partir do resgate da minha história pessoal. Será um exercício de

(re)conhecimento, pois, como afirma Walter Benjamim, "o narrador retira da experiência o

que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas

narradas à experiência dos seus ouvintes" (1994, p. 201).

Produzir conhecimento a partir das experiências relembradas. Reconhecer a memória

como um saber. Estes são os significados que encontro para escrita deste memorial.

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Diante Das Memórias, (Re)Conhecer ­Se...

"E o que vejo, a cada momento, É aquilo que nunca antes eu tinha visto..".

(Alberto Caiero ­ heterônimo de Fernando Pessoa)

Sou professora. Exerço meu ofício em uma Escola Municipal de Educação Infantil na

cidade de Campinas (SP). Neste ano (2005), estou com uma turma de crianças que têm entre

cinco e seis anos de idade.

Sou também estudante. Aluna do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da

Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que faz parte de um programa de formação

específica para professores que atuam na educação infantil e nas séries iniciais do ensino

fundamental em escolas municipais.

Neste contexto, encontro­me vivendo papéis diferentes num mesmo momento de

vida. É sob tais condições que repenso minhas experiências tanto como professora, quanto

como aluna. Busco aproximações entre papéis sociais que foram construídos de modos

antagônicos: sempre gostei de estudar, de ser estudante, em contrapartida sempre repudiei a

idéia de ser professora. No entanto, cá estou, apresentado­me como tal...

Que caminhos percorri para chegar até aqui? O que me levou a exercer um ofício

jamais imaginado/desejado? Ironias do destino ou resultado das condições sociais de vida que

tive/tenho? É o que pretendo revelar, através das memórias narradas, tanto para os leitores

destes escritos, quanto para mim mesma.

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Do lugar de professora, e também do lugar de aprendiz, procuro os significados das

vivências que me constituíram como profissional da educação. Mais uma vez, sou

influenciada pela obra de Machado de Assis, pois inicio a "contação" da minha trajetória de

vida pelo que sou agora. Contudo, diferentemente de Brás Cubas, personagem que escreve

suas memórias depois de morto, tenho a meu favor a possibilidade de rememorar no

presente, enquanto a dinâmica da vida permite o rever, o repensar, e o refazer.

Neste pressuposto, retomo Magda Soares, para fundamentar o sentido que seguirá

minha narrativa:

Procuro­me no passado e "outrém" me vejo; não encontro a que fui, encontro alguém que a que sou vai reconstruindo, com a marca do presente. Na lembrança, o passado se torna presente e se transfigura, contaminado pelo aqui e o agora (2001, p. 37 ­ grifos da autora).

Dessa forma, reconheço­me no outro e com o outro, tecendo redes de interações que

apontam os modos pelos quais me constitui/constituo como professora.

"A gente vai escrevendo e vai lembrando..."

Estávamos compartilhando nossos "modos de fazer" o memorial quando ouvi de uma

colega do curso de Pedagogia a frase citada: escrevendo e lembrando... a escrita como recurso

disparador de memórias. Como se ao materializarmos nossas recordações por meio do registro

escrito, estivéssemos nos revendo, nos descobrindo.

No capítulo anterior, explicitei minha dificuldade em iniciar a produção deste

memorial. Angústias e inquietações que dividia com minhas colegas de turma. Sem

orientações claras sobre quais encaminhamentos seguir na elaboração de tal trabalho,

construíamos estratégias individuais que eram compartilhadas nas conversas em grupo.

Trocávamos idéias, leituras, práticas, enfim, éramos "orientadoras" umas das outras.

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Nessas conversas, constatávamos que as trajetórias de vida (profissional e pessoal)

apontavam as razões que nos levaram a ingressar e permanecer na atividade docente.

Refletíamos sobre a concepção que cada uma tinha sobre "ser professora", bem como os

significados que davam sentido às experiências práticas acumuladas no contextos vividos.

Fundamentados nas experiências do cotidiano e, muitas vezes, legitimados pelo

discurso teórico apreendido nos diferentes espaços de formação pelos quais havíamos

passado, os relatos retratavam as diversas dimensões (sociais, afetivas, educativas etc.) que

norteavam a diversidade de práticas docentes presentes naquele grupo de professoras.

Enquanto contávamos nossas histórias, e os sentidos das escolhas dos episódios que

mereciam ser narrados, reconhecíamos que, mesmo diante de trajetórias tão diferentes,

tínhamos concepções parecidas com relação ao trabalho nas escolas.

Por que isso acontecia? Será que as referências que trazíamos eram reproduções do

que a sociedade, de modo geral, indicava como sendo o perfil ideal para aqueles que eram

responsáveis pela transmissão sistemática dos saberes construídos e acumulados socialmente.

Ou, nossas falas traziam resquícios dos discursos acadêmicos que havíamos (re)conhecidos

no curso de Pedagogia?

Fontana (2003) analisando os aspectos que constituem o profissional docente, e

ancorada nas constatações de Magda Soares sobre os processos envolvidos em tal

constituição, argumenta que:

O processo em que alguém se torna professor(a) é histórico, ensina­nos ela, mesmo sem o pretender. Na trama das relações sociais de seu tempo, os indivíduos que se fazem professores vão se apropriando das vivências práticas e intelectuais, de valores éticos e das normas que regem o cotidiano educativo e as relações no interior e no exterior do corpo docente (p.48).

Segundo Fontana, nos tornamos professores mediante à multiplicidade de experiências

e relações vividas no cotidiano, entendido como espaço/tempo de construções históricas,

sociais e culturais. Muitas vezes, nos identificamos nos percursos de outros devido às

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determinações históricas da conjuntura social da qual fazemos parte. Contudo, o modo como

interpretamos essas vivências é singular, configura­se no movimento pelo qual os sujeitos

reinventam sentidos e significados para acontecimentos vividos no coletivo.

No caso específico aqui descrito, de professoras estudantes de um curso de graduação

que trocavam experiências sobre a produção de memoriais de formação, reconstruíamos

nossos modos de olhar o vivido, nos reconhecíamos diante as memórias narradas. Nas

palavras de Miguel Arroyo, "cada um conta sua história. E na longa viagem de retorno para

suas casas e para suas escolas cada história e cada prática trocada se converterá em outra

história e outra prática. Troca­se memória coletiva, auto­imagens construídas" (2000,

p.236).

Nas entrelinhas deste texto, estas experiências estão explicitadas. Toda a escrita é

resultante da diversidade de medições que fiz com diferentes interlocutores: colegas de

trabalho, alunos e suas famílias, leituras, filmes, companheiras do curso de Pedagogia,

professoras formadoras da referida graduação etc.

Porém, sem desqualificar as contribuições oriundas das interações que mantive no

âmbito das escolas em que trabalhei e nesta graduação em Pedagogia, ressalto que meu modo

de ser professora (e de olhar as práticas educativas) tem muito a ver com os estudos que fiz

em outro curso acadêmico, as Ciências Sociais.

Foi neste curso, que tive contato com a maioria dos autores e dos conceitos aqui

trabalhados. Reencontrei alguns na Pedagogia, e pude produzir novos olhares para temas que

já havia discutido e pensado à luz dos teóricos das Ciências Sociais. Sob o enfoque específico

das questões educacionais, reconstruía saberes a cada re­leitura que fazia sobre a relação entre

o modo como a sociedade se organiza (e se organizou durante diferentes contextos históricos)

e as práticas difundidas nas escolas.

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Me formei em Ciências Sociais antes de iniciar a carreira no magistério. E foi essa

formação, que influenciou (e influencia) meu fazer pedagógico, meu modo de olhar e viver o

cotidiano e as singularidades do espaço escolar.

Aliás, os caminhos que me levaram às Ciências Sociais foram tentativas de desvio da

prática docente. Como não havia me "adaptado" aos estudos produzidos no magistério,

rejeitei a possibilidade de ingressar no curso de Pedagogia que, a meu ver, seria uma repetição

detalhada de tudo que havia visto. Optei pelas Ciências Sociais, mas, não me desliguei

totalmente da atividade docente, basta observar o fato da graduação oferecer habilitação em

licenciatura. Escolhi este curso, porque buscava outros discursos, outras formas de olhar a

educação.

Ser uma professora com formação em Ciências Sociais, me leva à identificação com

autores, conceitos e abordagens que destacam os aspectos históricos culturais das relações

construídas no contexto educativo. Condição que também justifica a forma como construo a

escrita dos fatos narrados.

Voltemos ao objeto deste trabalho: minha trajetória até o exercício do magistério. No

início deste capítulo, citei que a atividade docente não era minha primeira opção profissional.

Mas, como vamos escrevendo e lembrando, diante das memórias defronto­me com fatos

vividos que dão sentido ao ofício que hoje exerço.

Relembro cenas da infância nas quais brincava de "escolinha", e eu sempre como

professora; recordo­me das "aulas" de reforço que dava aos meus colegas da escola; revivo a

paixão e a alegria de estar estudando, de freqüentar um espaço educativo. Apesar disso, não

me lembro de "querer" ensinar, de responder com convicção ­ quando perguntada sobre o

futuro profissional ­ quando crescer, serei professora.

Sempre fui determinada em minhas escolhas. Todas as decisões tomadas em minha

vida foram planejadas de acordo com as condições em que se apresentavam. Como afirma

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Fontana (2003), reportando­se a Vygostky, "não existe vontade permanentemente

estabelecida. Há um âmbito de possibilidades, que vamos apreendendo em nossas relações

sociais" (p. 84).

Possibilidades. Condições. Até que ponto "cada um de nós compõe a sua própria

história 6 " ?

Miguel Arroyo, ao analisar os limites materiais e culturais impostos pela origem social

da maioria dos professores que estão em exercício, constata que:

A condição de vida está presente em nossas escolhas ou condiciona nossas escolhas. Não escolhemos a profissão que queremos, mas a possível. Essa condição está presente na socialização de toda a nossa vida, sobretudo de nossa infância e juventude, na socialização das imagens profissionais e das posições que projetamos como possíveis (2001, p. 126)

Tomo consciência destes limites, dos determinantes sociais que foram "naturalmente"

internalizados, ao relembrar episódios vividos, frases ouvidas, acontecimentos que estão

materializados na escrita de minhas memórias.

6 Como canta Almir Sater, na música "Tocando em Frente".

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Dos Lugares de Onde Eu Vim ...

"Somos o lugar onde nos fizemos, as pessoas com quem convivemos. Somos a história de que participamos. A memória coletiva que carregamos." (Miguel Arroyo)

Quinta filha de uma família de seis filhos, nasci no interior do Estado de São Paulo,

em uma cidade que hoje em dia conta com pouco mais de dez mil habitantes. Até os dois anos

de idade, vivia entre plantações, animais, pomares e outros componentes característicos do

cenário rural.

Meus pais, que eram trabalhadores rurais, não tinham propriedade da terra em que

vivíamos e, por isso, fomos obrigados a nos mudar quando o "verdadeiro dono da terras"

reclamou a posse das mesmas. Não me lembro destes fatos, era muito pequena na época, mas

sempre ouvi meus pais contarem com tristeza o modo como perderam o uso dessas terras. Foi

essa situação, que fez com que minha família viesse para Campinas.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Campinas no

início de 1970 era possuidora de todas as características de uma cidade em crescimento

urbano acelerado, grandes índices de crescimento populacional. A indústria e o comércio se

consolidavam, e havia um argumento difundido pelos meios de comunicação de que o

município oferecia ótimas condições de vida aos trabalhadores, como possibilidades de

emprego com salários maiores que os da média de outras cidades do país, gerando a utopia de

cidade “próspera” (BAENINGER, 1996).

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Características que levaram meus pais a escolherem Campinas como local de moradia.

Apesar da pouca idade, recordo­me da viagem de trem que nos trouxe à cidade. Era a primeira

da minha vida. Lembro­me das brincadeiras que fazia com meus irmãos, do modo como

trazíamos ­ em de sacos de estopa ­ as poucas coisas que tínhamos: roupas, utensílios

domésticos e, principalmente, esperança de uma vida melhor.

Para minha família, como para tantas outras, a prosperidade propagada de Campinas

se mostrou distante da realidade. Se antes contávamos com a fartura de frutas, verduras,

animais e seus produtos alimentícios, no quintal, a nossa disposição, na cidade as coisas eram

diferentes: precisávamos comprá­los. Ao ouvir as conversas dos adultos sobre a escassez de

dinheiro e as dificuldades conseqüentes desta condição, defrontei­me a com a verdadeira ótica

capitalista, tão bem retratada na metáfora de George Orwell 7 : todos os animais são iguais,

mas alguns animais são mais iguais que os outros.

É claro que meus pais não conseguiam satisfazer todas as necessidades dos seis filhos.

Mal conseguiam manter as condições básicas de sobrevivência. Mesmo diante dessas

circunstâncias, continuávamos sonhando, e criando estratégias para concretizar nossos

desejos. Nas palavras de Certeau, traçávamos "trajetórias indeterminadas, aparentemente

desprovidas de sentido porque não são ­ eram­ coerentes com o espaço construído, escrito e

pré­fabricado onde se movimentam" ­ ou, se movimentaram­ (1994, p.97).

Comecei minha vida escolar em 1982, aos sete anos de idade. Naquela época, das

crianças oriundas de famílias pobres que entravam na rede oficial de ensino, poucas

prosseguiam nos estudos. Não havia respaldo do poder público para permanência desses

alunos, as famílias tinham que arcar com todas as despesas referentes à compra de livros e

outros materiais didáticos, e quem não os tivesse em mãos ficava impedido de freqüentar as

aulas. Sequer contávamos com subsídio no transporte público.

7 No livro, publicado originalmente em 1945, A Revolução dos Bichos, em que o autor , cria uma fábula satirizando os descaminhos da Revolução Socialista Russa.

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Diante dessas condições, era comum as crianças deixarem os estudos ao concluírem a

quarta série do ensino fundamental (muitas desistiam antes). Para os papéis sociais a que

estavam "destinados" as habilidades adquiridas, principalmente as referentes à leitura, escrita

e cálculos simples, eram consideradas suficientes.

Contrariando esses determinantes e enfrentando grandes dificuldades, minha mãe fez

com que todos os seus seis filhos concluíssem, no mínimo, o (então) primeiro grau. Lembro­

me dela dizer que não havia podido freqüentar escolas, e por isso perdera várias

oportunidades de uma vida com melhores condições sociais e financeiras. Era seu desejo que

os filhos tivessem possibilidades de escolhas que, para ela, o estudo proporcionaria.

Meu pai, entretanto, não acreditava que na escola pudéssemos encontrar reais

possibilidades de ascensão profissional. Para ele, criar expectativas de vida mediante

escolaridade era ilusão. Se quiséssemos viver com dignidade, devíamos nos dedicar ao

trabalho, lugar de produção dos saberes compatíveis com a realidade na qual estávamos

inseridos.

Bourdieu (1998), analisando os mecanismos culturais que caracterizam o sistema

escolar como um fator de mobilidade social, argumenta que "as mesmas condições objetivas

que definem as atitudes dos pais e dominam as escolhas importantes da carreira escolar

regem também a atitude das crianças diante dessas mesmas escolhas e, conseqüentemente,

toda sua atitude com relação à escola" (p.47).

Fomos (eu e meus irmão) construindo nossa relação com a escola e com os

conhecimentos sistematizados nesta instituição mediante este conflito: de um lado o discurso

de minha mãe, que valorizava uma atitude de busca pelo conjunto de saberes oferecidos

através da escolarização; e de outro, o do meu pai, que não reconhecia nos estudos escolares

reais possibilidades de mudanças nas condições de vida.

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Vale ressaltar que, na infância, ambos não freqüentaram escola ou qualquer outro

espaço educativo. Minha mãe foi alfabetizada pelo MOBRAL 8 , e meu pai sempre se negou a

participar de qualquer programa de alfabetização para adultos. Aprendeu a identificar algumas

letras, a fazer a leitura de números e a escrever seu nome com a filha mais velha.

Apesar da pouca importância que meu pai atribuía à escola, sua relação com a leitura e

a escrita era declaradamente diferente. Fazia questão de nos trazer livros, revistas, gibis e

outros materiais escritos que encontrava nos locais em que trabalhava. Dizia­nos que para ser

"alguém na vida" era preciso conhecer as "letras".

Ainda na infância, conheci outros espaços educativos. De origem católica, freqüentei

uma "escolinha dominical" onde uma assistente social ministrava voluntariamente aulas de

catecismo. Nesses encontros, a catequista apontava a importância da escola formal e dos

estudos como meios que possibilitariam melhores condições de vida. Sempre pedia para que

mostrássemos nossos cadernos, provas e outros trabalhos realizados na escola. Ganhávamos

presentes e elogios se estivéssemos sendo "bons alunos". Minhas atividades se destacavam e

eu era indicada como exemplo a ser seguido.

Recordo­me de um episódio ocorrido nessas aulas. Era final de ano, havia passado

para a quinta série e conversávamos sobre o futuro a ser vivido. Revelávamos nossas

expectativas profissionais, nossos sonhos e desejos pessoais. O grupo era constituído por

crianças oriundas da camada popular, com idades entre sete e doze anos. Muitos eram alunos

repetentes e eu era a única que havia chegado à quinta série (na época tinha onze anos).

Neste contexto, explicitei meu desejo de ser psicóloga. Lembro­me perfeitamente da

reação de espanto de todos ali presente. Algumas crianças perguntaram o que fazia uma

psicóloga, e eu respondi de acordo com os conhecimentos que tinha naquele momento.

8 Movimento Brasileiro de Alfabetização, programa instituído pela Lei número 5379, de 15 de dezembro de 1967, que se propunha a realizar uma alfabetização funcional de jovens e adultos. Em 1981 foi extinto, e seus projetos incorporados pela Fundação Educar.

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Almejar a idéia de exercer qualquer profissão que exigisse formação universitária para as

crianças que compunham aquele grupo, e também para a catequista que mediava as

discussões, era algo impensável.

Em seus estudos sobre as funções sociais dos sistemas escolares nas sociedades

contemporâneas, Bourdieu destaca que:

Se os membros das classes populares e médias tomam a realidade por seus desejos, é que nesse terreno como em outros, as aspirações e as exigências são definidas, em sua forma e conteúdo, pelas condições objetivas, que excluem a possibilidades de desejar o impossível (1998, p.47).

Naquele dia, eu fora a única criança que explicitara o desejo de exercer uma profissão

conquistada pela continuidade dos estudos. Ao expressarem suas expectativas com relação a

profissão que aspiravam, as outras crianças reproduziam em suas escolhas os imperativos

sociais de uma sociedade classificadora, na qual estávamos inseridos.

As constatações feitas por Arroyo sobre as condições sociais que influenciam nossas

escolhas profissionais permitem a reflexão sobre tal episódio. Segundo ele:

A posição familiar marcada pela posição de classe ou expressão concreta da condição de classe tem uma projeção decisiva não apenas na socialização que acontece nas relações familiares, mas na socialização posterior, em outras instâncias como a rua e a escola. A auto­imagem familiar e de classe está presente na escolha da escola, pública ou privada, de boa ou má qualidade, mas sobretudo essa auto­ imagem social estará presente nas identidades que a criança irá estabelecendo com determinadas profissões e trabalhos, com os valores e traços que os definem (2000, p.126).

Esta era a razão do espanto de todos. Como poderia uma menina vinda de uma família

desprovida de bens materiais aspirar a continuidade de seus estudos até a formação

universitária?

Na época, já tinha consciência dos limites impostos pela minha origem social.

Observava as dificuldades enfrentadas por minha irmã mais velha, que tentava ingressar na

Faculdade 9 . Mas, havia sido perguntada sobre o que desejava ser, não sobre as possibilidades

9 Fato concretizado. Formada em Letras, atua como professora de Português na Rede Estadual de Ensino Público de São Paulo.

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profissionais que minha situação de vida impunha. Será que até os sonhos infantis estão

condicionados aos mecanismos de sobrevivência que caracterizam uma sociedade elitista e

excludente?

Declarar meu desejo de ser psicóloga, naquele grupo, era revelar­me uma exceção.

Segundo Bourdieu,

Da mesma forma que os jovens das camadas superiores se distinguem por diferenças que podem estar ligadas a diferenças de condição social, também os filhos das classes populares que chegam até o ensino superior parecem pertencer à famílias que diferem da média de sua categoria...(1998, p.43)

O autor acrescenta ainda que:

A presença no círculo familiar de pelo menos um parente que tenha feito ou esteja fazendo curso superior testemunha que essas famílias apresentam uma situação cultural original, quer tenham sido afetadas por uma mobilidade descendente ou tenham uma atitude frente à ascensão que as distingue do conjunto de famílias de sua categoria (idem, p.44).

Éramos exceção. A vida me mostrou isso. Dos amigos de infância, companheiros da

mesmas dificuldades sociais, fui a única que obtive escolarização em nível superior. E sei que

isso se deve ao tipo de valorização que minha família atribuía aos estudos, às "letras".

Daqueles colegas de turma, a maioria deixou de freqüentar o espaço escolar antes de concluir

o ensino fundamental.

Não me formei em Psicologia, por escolha pessoal. Conheci outras pessoas, vivi

outras experiências e me identifiquei com outras possibilidades de trabalho. Hoje sei que, de

alguma forma, desenvolveria atividades relacionadas à educação. Inconscientemente, seguia

uma trajetória que me levaria ao magistério.

Ao concluir o primeiro grau (ensino fundamental), estava indecisa sobre que caminhos

escolares deveria percorrer. Tinha uma certeza, buscaria um ensino técnico que garantisse

uma profissão, caso não pudesse cursar uma faculdade. O problema era definir que área

seguir.

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Influenciada pelos colegas de classe, amigos inseparáveis desde a primeira série, fiz

inscrição para cursos técnicos que eram oferecidos pela rede pública de ensino. Lembro­me

que alguns desses cursos eram bastante concorridos, sendo necessária a realização de uma

prova (os tais vestibulinhos) para selecionar os alunos que tivessem o perfil dos mesmos.

Dos vestibulinhos que prestei 10 , consegui ser aceita somente em dois: Contabilidade e

Magistério. Ou continuava meus estudos num desses cursos, ou ficaria sem estudar por um

ano inteiro.

A matemática, com seus cálculos, medições e fórmulas "incompreensíveis", sempre

foi, para mim, um bicho de sete cabeças (ao quadrado). Desde meu primeiro contato com esta

disciplina 11 , não conseguia ver sentido no que era ensinado, e criei uma verdadeira aversão a

qualquer conhecimento que estivesse relacionado aos conteúdos das Ciências Exatas. Foi por

conta deste repúdio que, naquele momento, optei pelo magistério.

No primeiro ano do curso quase desisti, por não me identificar com o currículo e com

a dinâmica das aulas. Tentei, mais uma vez, entrar no curso de Bioquímica e não consegui.

Então, continuei no magistério. Fui ficando e quando dei­me conta, estava me formando!

Terminei o curso, mas não me tornei professora. Não foi o curso que me fez optar pela

carreira docente. Durante todo o magistério, afirmava que não tinha intenção de lecionar.

Tanto é que, ao reencontrar colegas daquele período, lhes surpreendo quando assumo minha

condição atual: de professora apaixonada pela profissão.

Me formei há onze anos, e somente há cinco exerço o magistério. Por vários

caminhos, tentei fugir à sina. Trabalhei em diferentes lugares, de balconista de papelaria a

operária de indústria, sem encontrar uma profissão ou uma atividade que satisfizesse meus

10 Para situar o leitor, aponto os cursos: técnico em Bioquímica, técnico em Contabilidade, Tecnologia de Alimentos e, por ser uma opção a mais, o Magistério.

11 Refiro­me ao meu contato com a Matemática como componente do currículo escolar, e não aos conceitos matemáticos que sempre estiveram presentes no cotidiano e nas relações sociais vivenciados por mim.

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anseios pessoais. Desejava um trabalho que me desse a oportunidade de conhecer pessoas,

lugares, histórias de vida. Um trabalho que me permitisse aprender coisas novas a cada dia.

Queria fugir da rotina monótona dos empregos pelos quais havia passado até então.

Estava assim, perdida profissionalmente, quando recebi uma proposta para trabalhar

com crianças e adolescentes em um projeto sócio­educativo da Prefeitura Municipal de

Campinas. Adivinhem o motivo pelo qual fui aceita no emprego? O curso de magistério, e as

experiências que havia tido nos estágios obrigatórios do mesmo.

O trabalho seria realizado em um Núcleo Comunitário de Crianças e Adolescentes

instalado em uma favela da cidade, próxima ao bairro onde morava na época. Aceita a

proposta, me vi diante de um desafio que mudaria toda a trajetória profissional que vinha

percorrendo.

O Núcleo era um espaço em que se desenvolvia atividades de caráter sócio­educativo

com crianças e adolescentes de 07 a 14 anos, no horário inverso ao da escola. Como um

contexto formativo não escolar, se propunha a uma formação que não negasse a realidade

social dos sujeitos atendidos, caracterizando­se como um espaço de experiências

compartilhadas de forma não autoritária e não repreensiva, possibilitando o desenvolvimento

da crítica, da criatividade, da autonomia e da expressão. Dessa forma, as atividades

procuravam desenvolver vivências lúdicas e culturais, além de acompanhar o desempenho das

crianças e dos adolescentes no espaço escolar formal.

Como educadora desse projeto, me deparei com a complexidade de integrar diferentes

faixas etárias em um mesmo grupo, com a multiplicidade de experiências e histórias de vida

das crianças e suas famílias, com problemas de infra­estrutura (espaço físico, material de

apoio, falta de funcionários para atender a demanda etc.), além da indefinição das propostas

de trabalho.

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Apesar da característica assistencialista dos trabalhos, o caráter educativo permeava

todas as atividades. Contudo, os conhecimentos sobre o fazer pedagógico que tive no

magistério, pouco contribuíram para prática educativa pretendida naquele projeto.

Buscando compreender a singularidade dos processos que identificavam aquele

contexto educativo, (re)encontrei Paulo Freire. Já trazia algumas referências deste

educador/pesquisador, mas não conhecia a dimensão de sua obra, dos conceitos abordados em

seus escritos e, principalmente, da estreita relação dos temas discutidos em suas produções

com a realidade vivida.

Iniciei minha (re)descoberta com a leitura do livro Educação como prática da

liberdade. Depois foi Pedagogia do Oprimido; Professora sim, Tia não; Pedagogia da

Autonomia; e A importância do Ato de Ler, estes dois últimos já no curso de Ciências Sociais.

A cada página que lia, reconhecia­me nos argumentos e conceitos apresentados. Paulo Freire,

foi o primeiro autor a mostrar­me um discurso sobre as possibilidades da prática educativa

dentro do sistema capitalista, bem como o poder transformador de uma ação pedagógica

crítica e conscientizadora.

Sua obra, além de orientar meus fazeres e dizeres pedagógicos no contexto do Núcleo

Comunitário, instigou­me a viver, como professora, os processos que caracterizam o cotidiano

escolar e seus desdobramentos sociais.

Considero as experiências como educadora vividas no Núcleo e a proposta de

educação como meio de conscientização apresentada por Paulo Freire como fundamentais

para meu ingresso na carreira docente. Foram os interlocutores iniciais da minha escolha

pela profissão. Através deles, vislumbrei a possibilidade de ser professora.

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No Cotidiano Vivido, a (r e)Invenção de Sentidos e Significados para Prática Educativa

"Seria legítimo definir o poder do saber por essa capacidade de transformar as incertezas da história em espaços legíveis. Mas, é mais exato reconhecer nessas "estratégias" um tipo específico de saber, aquele que sustenta e determina o poder de conquistar para si um lugar próprio." (Michel de Certeau)

Por que sou professora? Me pergunto. E encontro respostas nos detalhes escondidos

em meio à dinâmica dos acontecimentos vividos.

Sou professora porque me identifiquei com a os processos que envolvem uma

concepção de educar, a de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar

possibilidades para a sua própria produção ou construção (FREIRE, 1998, p. 52). Porque fui

"provocada" a viver o cotidiano da escola do lugar de professora, do lugar daqueles que

ensinam. E foi no contexto do cotidiano escolar, que me "formei" professora.

Ensinar /aprender , aprender ensinando!

Historicamente, construiu­se no imaginário coletivo a idéia de que na escola quem

ensina é o professor, e quem aprende é o aluno. Entretanto, Paulo Freire (1998) no diz que

toda prática educativa está permeada pela existência de um sujeito que ensina e aprende, e

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outro que aprende e ensina. Ensinar e aprender é uma via de mão dupla. Na prática educativa,

em qualquer espaço ou circunstância, não existe quem só ensina ou quem só aprende.

Segundo Pacheco (2004) "o aprender e o ensinar são partes de um mesmo processo,

que não excluí o professorado; ao contrário, amplia e ressignifica seus saberes construindo e

orientando sua formação, tecida pelas e nas redes de relações/interações vivenciadas no

cotidiano" (p. 44).

Todas as experiências escolares que vivi como aluna reforçavam uma estrutura escolar

em que cabia aos professores ensinar e aos alunos aprender. Não julgo as atitudes de meus

professores, entendo os imperativos históricos e sociais que norteavam suas práticas. Mas, por

carregar as marcas negativas desse modelo hierarquizado de ensino, evito reproduzi­lo com

meus alunos. Ao contrário dos professores que tive, procuro dar visibilidade a duplicidade do

ensinar/aprender inerentes ao processo educativo: enquanto ensino, também aprendo, e

reconheço nas crianças essas mesmas ações.

Baseando­se nas análises de Nilda Alves (2001) sobre a construção do currículo no

cotidiano das escolas, Pacheco (idem) nos lembra que:

A sala de aula é, no seu movimento cotidiano, por mais que venhamos a planejar nossas atividades, espaçotempo (grifo do autor) singular da possibilidade do imprevisível. Assim, o conjunto das situações que ali se produzem, incluindo as mais inusitadas, confusas e incertas, é formador. Não há, por assim dizer, experiências negativas para a formação profissional e pessoal, pois todas as situações ali vividas nos ensinam no dia­a­dia a sermos professores/as (p. 57).

Ao reconhecer as crianças como (co)produtoras de saberes, revelo uma concepção de

aprendizagem fundada na (re)construção mútua de conhecimentos. Sendo assim,

(...) o trabalho pedagógico não é produzido única e exclusivamente pela professora que ensina, nem tampouco pela criança que aprende. O ensinar e o aprender são produzidos na relação entre alunos e professora. Um se constitui em relação ao outro. (...) Embora desempenham papéis distintos, tanto a criança quanto a professora ensinam e aprendem, numa relação de intercomplementaridade (FONTANA, 2003, p. 159).

Neste pressuposto, as crianças são vistas como parceiras dos processos educativos.

Elas nos ensinam com seus olhares, suas motivações e (des)motivações, com as experiências

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que trazem do contexto em que vivem, com a maneira singular de entenderem o mundo. Nos

ensinam a organizar os trabalhos pedagógicos, levando­se em conta as condições para que as

experiências e os problemas levantados sejam respondidos à luz das curiosidades, das

necessidades e dos interesses cotidianos.

Quando damos "voz" aos saberes das crianças (alunos), afastamo­nos de uma visão

fragmentada, restrita e linear do fazer e pensar pedagógico, e (re)conhecemos a necessidade

de interação entre as diferentes experiências/vivências que constituem e caracterizam o espaço

educativo.

Esta não é uma prática fácil, admito. Como afirma Paulo Freire (idem), é necessário

uma vigilância constante do professor com relação a seus próprios atos, tendo em vista que

fomos "ensinados" a atribuir poder aos que sabem em detrimento dos que ainda precisam

saber. Daí a necessidade da reflexão crítica sobre a prática, da análise constante dos

fundamentos que alicerçam nosso entendimento sobre o papel social da educação, e do modo

como estamos desenvolvendo nossa ação pedagógica.

Por entender que os conhecimentos produzidos e compartilhados no espaço escolar

precisam ser significativos para todos os envolvidos no processo, procuro desenvolver

situações de aprendizagem que articulem (efetivamente) as experiências do cotidiano trazidas

pelas crianças com os conhecimentos que fazem parte do currículo da escola.

Felizmente, tem se intensificado nos debates educacionais questões referentes à

necessidade de se trabalhar a diversidade de experiências presentes no cotidiano escolar.

Durante as aulas de Multiculturalismo e Diversidade Cultural 12 , tive oportunidade de

conhecer produções teóricas que apontavam e analisavam as implicações que desafiam os

educadores a desenvolverem posturas e instrumentos metodológicos que possibilitem o

12 Realizadas no curso de Pedagogia para formação de professores em exercício, na Universidade Estadual de Campinas, durante o primeiro semestre de 2002.

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aprimoramento de seu "olhar" para o aluno, a pensarem sobre possibilidades pedagógicas que

descaracterizem o modelo padronizado e hierarquizado de ser, pensar e agir.

Nessas aulas, discutimos sobre as questões que norteiam os discursos oficiais que

preconizam a idéia de "Todos na Escola", através da incorporação quantitativa dos diferentes

segmentos sociais ao processo educativo. Constatamos que estes discursos constituem­se,

muitas vezes, em formas de mascarar práticas educativas estruturalmente tendentes à

discriminação e exclusão de grupos que se diferenciam da cultura escolar idealizada.

A meu ver, a distância entre o que dizem os discursos oficiais e o que acontece (de

fato) nas práticas escolares é materializada nos modos como nossas escolas se organizam,

como dividem os tempos e espaços, como desconsideram momentos e situações do cotidiano

da sala de aula que poderiam ampliar o trabalho educativo para além dos muros escolares.

Isto ocorre, porque essas práticas desvalorizam os dizeres e os saberes das crianças. Se

tivéssemos em mente que ensinando estamos (também) aprendendo, esta situação poderia ser

diferente. Afinal, "ninguém sabe tudo e ninguém ignora tudo. Todos nos sabemos alguma

coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa" (Freire,1996).

E a partir desta premissa, que (re)construo(ímos) minha(nossas) estratégias educativas:

reconhecendo as diferenças sociais e culturais, analisando criticamente as relações dialéticas

presentes no cotidiano, fazendo/refletindo/instigando, sendo aquela que ensina, e também a

que aprende.

Ser professora... sendo!

Cheguei ao exercício do magistério mediante concurso público. Por conta da

classificação obtida no concurso, tive a possibilidade de escolher entre as séries iniciais do

ensino fundamental e a educação infantil. Optei pela educação infantil, por acreditar que as

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práticas desenvolvidas neste nível de ensino se aproximavam das experiências educativas

vivenciadas no Núcleo Comunitário.

O curso de magistério me habilitava a atuar neste campo da educação. Mas, o único

contato que tive com essa modalidade de ensino fora os estágios em salas de "pré" que

funcionavam nas escolas estaduais de primeiro grau. Nunca havia trabalhado ou freqüentado

instituições de educação infantil. Portanto, não conhecia as especificidades das práticas

desenvolvidas no âmbito desses espaços. Minha escolha foi guiada pelo discurso do senso

comum, que apontava as escolas de educação infantil como um local de aprendizagem sem a

característica conteúdista/disciplinadora (responsáveis pelo meu distanciamento da atividade

docente) das escolas de ensino fundamental.

Efetivada no cargo em agosto de 2000, na metade do ano letivo, fui para um Centro

Integrado Municipal de Educação Infantil (CIMEI) localizado em um bairro da periferia de

Campinas. Nesse local, eram atendidas crianças de zero a seis anos de idade, divididas, de

acordo com a faixa etária, entre a Emei e a Cemei 13 , que apesar de funcionarem no mesmo

espaço físico, realizavam rotinas e atividades diferentes.

Este início no ofício apresenta uma característica singular. As crianças com as quais

trabalharia traziam, na sua maioria, uma bagagem de experiências escolares. Freqüentavam

aquele espaço há, pelo menos, meio ano. Traziam referências sobre o trabalho pedagógico, e

uma imagem construída sobre os modos de ser professora. Eu, ao contrário, não tinha idéia do

papel que deveria desempenhar na trama de relações tecidas no cotidiano da sala de aula. Sem

fundamentação teórica e sem experiência prática, me vi diante de trinta crianças pequenas.

Ali, eu era a aprendiz.

No primeiro dia de aula, fui recebida pela orientadora pedagógica da escola em meio a

uma agitação causada pela entrada das crianças e de outras professoras que, como eu,

13 Escola Municipal de Educação Infantil, responsável pelo atendimento das crianças de quatro a seis anos, e o Centro Municipal de Educação Infantil, onde ficavam todas as crianças menores de quatro anos.

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começavam a trabalhar naquele dia. A escola tinha uma rotina definida, que as professoras

iniciantes, desconheciam. Lembro­me que todas perguntavam ao mesmo tempo sobre os

horários de parque, de lanche, enfim, sobre a organização diária das atividades. Enquanto

isso, observava a confusão, querendo saber "apenas" o que deveria fazer ao entrar na sala de

aula.

Como as outras professoras, recebi um papel com os horários de cada turma e fui

encaminhada para um salão abarrotado de crianças. Todas, em fila, aguardavam as

professoras. O barulho que faziam fora silenciado pelo apito estridente da orientadora

pedagógica. Rapidamente me apontaram a fila que deveria "buscar", e a sala onde deveria

entrar.

Percebi que as crianças sabiam exatamente o que fazer: entraram na sala, guardaram as

mochilas, sentaram­se nas mesas e lançaram­me um olhar indagador. Solicitei que

sentássemos em roda para conversarmos, prática de acolhimento que fazia com as crianças e

adolescentes no Núcleo Comunitário, e de imediato fui questionada: ­ "não vamos fazer

atividade?" ­ respondi que primeiro iríamos nos conhecer, e depois decidiríamos o que fazer.

Pedi que as crianças, ao se apresentarem, dissessem o que gostavam de fazer na escola.

Além disso, investiguei o tipo de trabalho realizado pela professora anterior olhando as

produções das crianças que estavam registradas em cadernos tipo brochurão. Buscava

indícios para realizar meu fazer pedagógico, quando me deparei com as mesmas atividades

que havia conhecido (como aluna) na primeira série.

Eram páginas e páginas preenchidas com exercícios de coordenação motora, cópias de

letras e junções silábicas. A professora fazia desenhos de letras garrafais apresentando­as

uma a uma, seguindo a seqüência alfabética. As crianças realizavam colagens com bolinhas

de crepom e outras técnicas, depois, copiavam nomes de objetos iniciados pela letra estudada,

bem como a família silábica a qual pertencia, repetidamente. Recordo­me que estavam na

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letra L e, enquanto folheava os cadernos, fui perguntada sobre qual seria a próxima letra que

eles iriam "aprender". Perplexa com a realidade apontada, e sem saber o que fazer, respondi

que seria a letra M.

Cheguei a desenhar a letra M em alguns cadernos, afinal, era isso o que as crianças, e

também as suas famílias, esperavam de mim. Lembro­me das mães me questionarem sobre os

métodos de aprendizagem que iria adotar. Diziam que a professora que me antecedera

preocupava­se em preparar as crianças para a primeira série, em ensinar­lhes as letras e os

números. De certa forma, me intimaram a continuar com a mesma prática pedagógica, com a

mesma "preocupação" da professora anterior.

Entretanto, algo me inquietava. Sentia­me incomodada em reproduzir as mesmas

atitudes dos professores que havia tido, e que tanto critiquei. A prática que estava

desenvolvendo, em nada se parecia com a concepção de educação que havia me instigado a

entrar no cotidiano das escolas como professora. Podia não saber exatamente que tipo de ação

pedagógica desenvolver, mas tinha certeza do que não queria fazer: compactuar com um

modelo de aprendizagem mecânico e desvinculado de significados para as crianças.

Como já citei, não era a única professora iniciante naquele contexto escolar. Como os

cargos anteriores eram preenchidos por professores substitutos, com a efetivação do concurso

público, toda a equipe de professores daquela escola havia sido modificada. Do grupo que

iniciava os trabalhos, eu era a única que nunca havia lecionado em um espaço formal de

educação. Todas as outras traziam experiências de outras escolas, outras realidades sociais. A

maioria era recém formada em Pedagogia, "filhas da Unicamp" como se auto denominavam.

Logo na primeira reunião que tivemos com toda a equipe escolar, percebi que

compartilhava com aquelas professoras os mesmos estranhamentos referentes ao modo como

se dava a organização do trabalho pedagógico na escola. Refutávamos a concepção de ensino

individualista e compartimentalizada, que propunha às crianças atividades sem relação com o

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ambiente social em que viviam e pouco significativas para suas experiências pessoais.

Queríamos encaminhar nossos trabalhos na direção de uma proposta pedagógica que

aproximasse as atividades realizadas na escola e o contexto vivido pelas crianças.

Em grupo, assumimos o desafio: enfrentaríamos as resistências das crianças, das

famílias, das "vozes" que denegriam nosso desejo de mudar o modo de trabalho instituído.

Nos aproximamos pelos mesmos anseios e necessidades. Hoje, depois das leituras que fiz e

das experiências que vivi, compreendo que, naquele processo, estávamos nos constituindo

como professoras de educação infantil da rede pública de ensino.

Me constituía como professora por meio das experiências pedagógicas que elas

traziam, de diversos lugares e modalidades de ensino, e ao mesmo tempo contribuía,

compartilhando as vivências que havia tido em um espaço de educação não formal, para a

constituição daquelas professoras.

Nesse sentido, aproprio­me das palavras de Roseli Cação, para afirmar que:

Juntas, ao longo dessas interlocuções, aproximamo­nos de nosso "ser profissional" em constituição, dizendo­nos e sendo ditas, significando e re­significando a nós próprias. Nesse processo, fomos apreendendo os modos como as configurações histórico­culturais, de que têm se revestido o conceito e as práticas do "ser professora", significavam e singularizavam­se em nós, na concretude e materialidade de nossa história pessoal e nas realções de trabalho por nós vividas (2003, p.71).

Quando explicitei meu descontentamento com o trabalho pedagógico que vinha sendo

desenvolvido na escola, encontrei­me nas vozes das outras professoras, que assemelhavam­se

às minhas. Experiências e trajetórias diferentes, que se encontravam nas mesmas inquietações

e desejos profissionais.

Formávamos um grupo, no sentido epistemológico da palavra. Éramos parceiras nas

certezas e incertezas, no planejamento e efetivação de projetos, na busca por leituras

disparadoras de reflexões que legitimassem a prática que acreditávamos, no compromisso

com a ação pedagógica. Foi nesse processo, de constituição profissional coletiva, que me

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iniciei na carreira docente. É essa característica que permeia a ação educativa que pratico: a

compreensão da produção coletiva e compartilhada de saberes.

Apesar do pouco domínio que tinha do discurso teórico difundido pelos pensadores da

pedagogia, posicionava­me claramente diante das idéias de alguns. A graduação que fazia na

época (Ciências Sociais), além do bacharelado, habilitava­me para lecionar. Por conta disso,

tive algumas disciplinas que discutiam assuntos específicos da educação, como Prática de

Ensino, Didática e Estrutura e Funcionamento do Ensino.

Nessas aulas, tive contato com alguns autores que analisavam as políticas

educacionais, a organização do trabalho pedagógico, a dinâmica das relações em sala de aula,

os sentidos das avaliações escolares, dentre outros temas. Contudo, estes estudos deixavam

lacunas no que se refere aos discursos de teóricos como os de Vygostky, Piaget, Wallon,

Freinet, referências constantes nas falas e práticas cotidianas das professoras com as quais

convivia.

Procurava apreender as idéias desses pensadores observando a prática educativa

desenvolvida pelas minhas colegas de trabalho, indagando­as sobre os referenciais que

fundamentavam não só os trabalhos, mas a também maneira como entendiam os papéis da

escola e dos professores no contexto em que estávamos inseridas.

Mas, como aponta Guinzburg, "ninguém aprende o ofício de conhecedor ou de

diagnostiador limitando­se à regras preexistentes. Nesse tipo de conhecimento entram em

jogo (diz­se normalmente) elementos imponderáveis: faro, golpe de vista, intuição" (1999, p.

179).

Faro... Golpe de vista... Intuição... Talvez. O que sei é que, sem ter plena consciência,

desenvolvia uma prática ancorada em muitos preceitos e idéias desses autores, principalmente

na perspectiva histórico­cultural de educação defendida por Vygotsky.

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Rememorando as conversas e indicações de leitura que obtive com minhas colegas de

trabalho, sobre os pressupostos teóricos deste autor, compreendo que a identificação que tive

com as idéias "vygotskianas" foi devido à influência marxista que norteia suas produções, e

que também fundamentava meus modos de ser, estar e ver a realidade vivida.

Assim, atribuía (e continuo atribuindo) uma grande importância às interações que as

crianças estabelecem com seus pares, com os adultos e com o ambiente sócio­cultural no qual

convivem. Nessa perspectiva, meu fazer pedagógico entendia/entende o ato de construir

conhecimento como uma ação compartilhada, pois acreditava/acredito que é através das

mediações ocorridas com os outros que as relações entre o sujeito e o objeto de conhecimento

são estabelecidas. (Quer abordagem mais vygotskiana que essa?)

Contudo, sentia que precisava saber mais... Nos diálogos trocados com as outras

professoras, surgiam conceitos e explicações teóricas acerca do desenvolvimento infantil que,

para mim, eram desconhecidos e complexos. Diante dos discursos "pedagogizados", muitas

vezes silenciava­me, por não saber o quê dizer, ou como dizer. Percebia que somente os

saberes tecidos na prática não dariam conta da complexidade inerente aos processos

educativos.

Era preciso pesquisar mais, estudar mais, buscar referenciais teóricos que justificassem

minhas estratégias pedagógicas. Foi esse sentimento, o de não­saber, que me levou ao curso

de Pedagogia.

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Nos Trajetos Percorr idos, Encontros e Desencontr os

"Só levo a certeza de que muito pouco eu sei eu nada sei..." (Almir Sater)

Como já mencionei, optei entrar na carreira docente através da educação infantil

porque compreendia que nas instituições educativas responsáveis pela educação da criança

pequena (de zero a seis anos), as práticas produzidas se diferenciavam da pedagogia escolar

hierarquizada e conteúdista. Explicitei também o meu espanto, ao deparar­me com as mesmas

atividades compartimentalizadas pelas quais havia passado como aluna no ensino

fundamental.

A constatação de que existia/existem entendimentos contraditórios, a respeito do modo

de organização dos trabalhos pedagógicos na educação infantil, suscitou­me o desejo de

conhecer as referências que fundamentavam tais entendimentos. Afinal, qual é o lugar da

educação infantil 14 enquanto modalidade de ensino que faz parte da Educação Básica.

Ao efetivar­me no cargo de professora de educação infantil, busquei suportes teóricos

que me auxiliassem no trabalho com crianças pequenas. Lembro­me que passava em frente a

uma livraria, quando observei, exposto em destaque na vitrine, um livro intitulado Educação

14 De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada sob a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, essa modalidade de ensino se divide em dois níveis: creches, para atendimento de crianças de 0 a 3 anos; e pré­escola para as de 4 a 6.

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Infantil: pra que te quero? 15 . Na hora pensei: ­ Que título mais sugestivo! É claro que o levei

para casa, pois eu também estava em busca de respostas para a pergunta: Por que a educação

infantil?

Na leitura dos artigos que compõem o livro, reconheci a problemática que vivia, como

professora iniciante de uma escola de educação infantil, referente ao tipo de trabalho que

deveria ser desenvolvido em instituições de atendimento à criança pequena.

Já no primeiro capítulo, uma das autoras aponta que:

A noção de experiência educativa que percorre as creches e pré­escolas tem variado bastante. Quando se trata de crianças das classes populares, muitas vezes a prática tem se voltado para atividades que têm por objetivo educar para a submissão, o disciplinamento, o silêncio, a obediência. De outro lado, mas de forma igualmente perversa, também ocorrem experiências voltadas para o que chamo de "escolarização precoce" (...) refiro­me às experiências que trazem para a pré­escola, especialmente, o modelo da escola fundamental (...) as rotinas repetitivas, pobres e empobrecedoras (BUJES, 2001, p. 17).

Práticas verificadas na escola na qual comecei a lecionar: as filas; os cadernos

recheados de cópias e outros exercícios de coordenação motora fina; a rotina mecanizada das

atividades; o condicionamento das crianças às práticas instituídas. Modos de ver e fazer a

educação infantil refutados tanto pelos estudiosos que escreviam naquele livro, quanto por

mim, que iniciava­me no trabalho (e, depois, constatei que haviam outros discursos, outras

vozes, que visavam superar esse modelo de educação).

Vale lembrar, que a especificidade dos processos que envolvem as práticas

pedagógicas na educação infantil foi o ponto de partida para minha entrada no curso de

Pedagogia. Por conta da complexidade inerente ao cotidiano em que exercia/exerço meu

trabalho docente, fui instigada a buscar interlocuções teóricas que, pelos dizeres de minhas

colegas de ofício, pareciam estar na teoria estudada no curso de Pedagogia.

15 Coletânea de artigos, voltados à educação infantil, organizada por Carmem Craidy e Gládis E. Kaercher (vide referências bibliográficas).

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E, realmente estavam. Além da vasta experiência prática, compartilhada nas conversas

e reflexões feitas no decorrer da aulas 16 , tive acesso às leituras e análises produzidas por

estudiosos que voltavam suas pesquisas aos temas específicos da educação infantil. Foi a

partir das discussões realizadas, sobre os embates que envolvem tal modalidade educacional,

que pude visualizar e compreender os processos histórico­sociais que permeiam a pedagogia

da infância.

Historicamente, a educação institucionalizada das crianças de zero a seis anos tem se

constituído em meio a contradições e antagonismos. Ora as práticas educativas voltam­se para

o caráter assistencialista/compensatório, ora para as situações escolares que visam a

preparação da criança para o ingresso no ensino fundamental (ABRAMOWICZ, 2003). Dinâmica

que observei e observo nos lugares onde ocorrem tais atividades.

Segundo Rosemberg (1992), no âmbito das políticas sociais, as discussões sobre a

institucionalização da educação infantil articulam­se em torno de dois embates: o da

pertinência funcional (assistência X educação); e o da competência (privada X pública). As

ações propostas para essa modalidade da Educação Básica são resultantes dos debates

ocorridos durante o regime militar, principalmente na década de 70, acerca de um modelo de

educação pré­escolar que destacasse a função educativa no atendimento à criança pequena.

Esses debates evidenciavam a bipolarização existente entre creche e pré­escola, sendo

que a primeira era sinônimo de assistência e a segunda de educação. Para Rosemberg (idem),

quando ocorre a fusão entre creche e pré­escola, como espaços educativos integrados à

Educação Básica 17 , um processo simultâneo de contaminação ­ assistencialista na pré­escola e

16 Principalmente das disciplinas: Educação da Criança de 0 a 6 anos, ocorridas no primeiro semestre de 2004; e Pedagogia da Educação Infantil, ministradas no segundo semestre do mesmo ano, no Curso de Pedagogia (Proesf), da Faculdade de Educação da Unicamp.

17 Finalidade reconhecida na Constituição Brasileira de 1988, e implementada com a promulgação da Lei 9.394/96.

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educativo nas creches ­ se estabelece sem delimitar as particularidades de cada um, dando

origem ao binômio cuidar/educar tão discutido nos dias atuais.

A Lei de Diretrizes e Bases Educacionais Brasileira, regulamenta a educação infantil

como a primeira etapa da educação­básica, tendo "por finalidade o desenvolvimento integral

da criança até os seis anos de idade, em seus aspectos físicos, psicológico, intelectual e

social, complementando a ação da família e da comunidade" (artigo 29).

No âmbito das instituições de educação infantil, significa dizer que estas devem

contemplar de forma integrada os aspectos ligados ao cuidado e à educação das crianças de 0

a 6 anos, de forma indissociável e complementar.

Nessa perspectiva, torna­se necessário:

A definição de uma proposta pedagógica para a creche ou a pré­escola que considere a atividade educativa como ação intencional orientada para a ampliação do universo cultural das crianças, de modo que lhes sejam dadas condições para compreender os fatos e os eventos da realidade, habilitando­as a agir sobre ela de modo transformador (Oliveira, 2002, p. 48).

Anete Abramowicz (idem), ressalta que a construção histórica e social das práticas

educativos­pedagógicas e assistenciais das instituições de educação infantil relaciona­se ao

que cada momento histórico atribui para o ser criança e ter infância. Nesse sentido, cada

tempo histórico e cada cultura tem sua maneira própria de considerar o que é ser criança e de

caracterizar as mudanças que ocorrem com ela ao longo da infância.

Ao analisar a constituição histórica e social do conceito de infância, Ariés (1981)

evidencia que nas sociedades antigas/tradicionais a família não ocupava lugar privilegiado na

educação das crianças, pois, não controlava a transmissão de valores e conhecimentos sociais

acumulados pelo grupo em que viviam. As trocas afetivas e a aprendizagem aconteciam num

meio que o autor denomina como "rede ampla de sociabilidade", onde todos os componentes

da sociedade (vizinhos, velhos, mulheres, homens) eram responsáveis pela educação das

crianças.

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Em contrapartida, com a nova configuração de família estabelecida a partir do século

XVIII nas sociedades industriais emergentes, as crianças foram afastadas da convivência com

os adultos e passaram a freqüentar espaços específicos de aprendizagem, iniciando­se ­para

Ariés­ o que hoje caracterizamos como escolarização.

As análises feitas por Aríes possibilitam o entendimento de que ser criança não

significa, necessariamente, ter infância. Se olharmos para a construção

social/histórico/cultural do conceito, constataremos que a criança, durante séculos, fora um

sujeito sem quaisquer direitos, até mesmo de viver. Da mesma forma, podemos analisar os

processos históricos que levaram à construção social do conceito de infância que fundamenta

nossas práticas atuais.

Sendo assim, a infância contemporânea deve ser compreendida como resultante das

relações sociais, culturais, políticas e econômicas que foram se constituindo num contexto

histórico caraterizado pela explosão das tecnologias de informação.

As configurações familiares atuais vêem se modificando nos últimos 50 anos. Poucas

famílias se organizam em torno do tradicional "núcleo" pais biológicos e filhos, a maioria das

crianças vivem com apenas um dos pais (geralmente a mãe) e/ou são filhos de pais

divorciados. Da mesma forma, a estrutura familiar caracterizada por pais trabalhando fora e

mães em casa, cuidando somente dos afazeres domésticos e criação dos filhos, são

incompatíveis com o contexto sócio­econômico contemporâneo (STEINBERG; KINCHELOE,

2001).

Nesta conjuntura, a expansão das instituições de atendimento à criança pequena está

diretamente ligada à crescente urbanização e a participação/inserção da mão de obra feminina

no mundo do trabalho exterior à casa e às práticas domésticas. Com a saída das mulheres do

espaço da casa, a infância deixou de ter apenas os cuidados maternos e familiares,

partilhando­se esses cuidados, bem como a educação das crianças, com os poderes públicos

do Estado e da sociedade, de modo geral (CERISARA, 2002).

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Steinberg e Kincheloe (2001), ao analisarem a infância na pós­modernidade, apontam

que as crianças constróem suas identidades orientadas pela necessidade de consumir bens

materiais. Os principais fatores para esta realidade são a ampliação do acesso às tecnologias

de informação, e a ausência dos pais, que são obrigados a ficarem mais tempo fora de casa

(trabalhando) para conseguirem sustentar o consumismo que fundamenta todas as relações

sociais da sociedade pós­moderna.

Sem espaços públicos para brincadeiras coletivas, que antigamente ocorriam nas ruas e

praças, as crianças buscam entretenimento, principalmente, nos veículos da mídia (televisão,

internet, dentre outros).

A mídia, por sua vez, dita padrões de vida fundados na lógica adulta de ser e estar no

mundo. Impedidas de viver seu tempo de infância, as crianças acabam disputando os mesmos

espaços dos adultos e orientam suas ações na competitividade, na violência e na

individualidade, tão enfatizados nos jogos, espaços e brincadeiras infantis contemporâneos.

Circunscrita neste contexto, a educação infantil, enquanto uma das instituições

responsáveis pela formação da criança, deve evitar práticas que visem o ajustamento rápido e

eficiente das crianças aos modos de ser dos adultos, que caracterizam a infância e a criança

como "algo a vir a ser" (ABRAMOWICZ, 2003).

As crianças já são. Estão aí, ao nosso redor, ao nosso lado, convivem conosco. Trazem

um jeito singular de ser, marcado pela curiosidade e pela movimentação. Querem saber, mas

também mostram que sabem. Querem ouvir, mas também querem se fazer ouvidas. Querem

legitimar a sua voz ­ como bem experimentam nossos ouvidos de professoras!

É neste pressuposto que oriento a prática pedagógica que desenvolvo com crianças

com as quais trabalho/convivo. É assim, que entendo o lugar da educação infantil, como

espaço e tempo de interpretação "dos interesses imediatos das crianças e os saberes já

construídos por elas, além de buscar ampliar o ambiente simbólico a que estão sujeitas". E,

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como lugar de comprometimento, "de comprometer­se em garantir o direito à infância que

toda criança tem" (OLIVEIRA, 2002, p. 49).

Muitos outros debates são pertinentes às questões específicas da educação infantil e,

como apontei na epígrafe deste capítulo, tenho consciência que diante da dimensão dessas

discussões, pouco sei, ou nada sei. Não cabe aqui, neste trabalho de rememoração de

acontecimentos que, possivelmente, me levaram a exercer o ofício docente, detalhar tais

embates. Os recortes que fiz ­ sobre a prática educativa disseminada nas escolas de educação

infantil e sobre a infância atendida nestes espaços educativos ­ indicam as estratégias

construídas e experimentadas, que constituem meu modo de ser professora dessa modalidade

de ensino.

Finalizo este capítulo com um fragmento do livro Tudo o que eu devia saber na vida

aprendi no jardim de infância, de Robert Fulghum (1988), por reconhecer nas suas palavras

eixos norteadores das práticas educativas desenvolvidas com crianças pequenas, além de

retratar o quão são significativas as experiências vividas na infância.

"Tudo o que eu preciso mesmo saber sobre como viver, o que fazer, e como ser, aprendi no Jardim­de­Infância. A sabedoria não estava no topo da montanha mais alta, ou no último ano do curso superior, mas no tanque de areia do pátio da escolinha maternal. Vejam o que aprendi: Dividir tudo com o companheiro. Jogar conforme as regras do jogo. Não bater em ninguém. Guardar o brinquedo onde os encontrava. Arrumar a "bagunça" que eu mesmo fazia Não tocar no que não era meu. Pedir desculpas, se machucava alguém. Lavar as mãos antes de comer. Apertar a descarga da privada. Biscoito quente e leite frio faz bem à saúde. Fazer de tudo um pouco ­ estudar, pensar e desenhar, pintar, cantar e dançar, brincar e trabalhar, de tudo um pouco todos os dias. Tirar uma soneca todas as tardes. Ao sair pelo mundo, cuidado como trânsito, ficar sempre de mãos dadas com o companheiro e sempre "de olho"na professora..."

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Das Histór ias Contadas...

"Cada palavra tem mil faces secretas". (Carlos Drummond de Andrade)

Relembrando os acontecimentos que perpassam minha trajetória de vida, encontro

brechas reveladoras da minha situação atual. Pistas que redimensionam os distanciamentos e

as aproximações que permearam minha relação com a prática docente. Que permitem a re­

elaboração de experiências e conhecimentos produzidos.

Escrever a própria história significa retomar situações e diálogos, complementar

lacunas, buscar respostas e, sobretudo, justificar ações opções, revendo­se diante do que foi

desvelado pela memória.

As histórias que contei, totalmente autobiográficas, são comuns a muitas outras, de

tantos outros professores e professoras que exercem a atividade docente. Contudo, nos

pormenores, nos sentidos que atribuo a cada experiência vivida, reconheço a singularidade

presente no meu modo de ser professora. Lembranças individuais, que se tornam memórias

coletivas. Vestígios reveladores do movimento dialético pelo qual nos constituímos como

profissional.

Aproprio­me das palavras de Fernando Pessoa, para materializar essa (re)descoberta ­ a

dualidade de ser, que é único e ao mesmo tempo duo, pois se constitui à imagem do(s)

outro(s) ­ "Sim, sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo... Quanto fui, quanto não fui, tudo

isso sou... Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma..."

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Esta sou eu, resultante das experiências que tive, e que não tive, das leituras que fiz, e

que não fiz, dos contextos histórico/social/cultural/econômico que vivi, e que não vivi, assim

tudo ao mesmo tempo, no singular e plural.

Por isso encaminhei a escrita destas memórias em diferentes tempos verbais, no

passado, no presente, na primeira pessoa do singular e na segunda do plural (olha aí o

resultado de ter um irmã professora de Português!), destacando episódios ocorridos nas

vivências particulares, e também coletivas. "Como se cada um de nós fosse bordando a sua

vida, mas, sob diferentes bordados, o risco fosse sempre o mesmo" (SOARES, 2001, p. 15).

Nos relatos que compõem este memorial, revelo os modos como (re)descobri, nos

fazeres, nos saberes, a dimensão das minhas idéias e práticas. Cada memória documentada,

indicia os fundamentos que significam e dão sentido às minhas ações pedagógicas.

Significados que orientaram/orientam a minha busca por práticas e discursos teóricos sobre os

temas discutidos, que possibilitaram/possibilitam novos olhares para meu ofício de professora

de educação infantil.

Reconheço nas memórias hipertextos 18 , como se cada fato registrado mantivesse, nas

entrelinhas, enredos escondidos, que levariam a novas narrativas. Retomo Certeau, que

sabiamente, esclarece esta característica do ato de relembrar, "a memória vive de crer nos

possíveis. E de esperá­los, vigilante, à espreita" (1994, p. 163). Talvez por isso, inquieta­me a

sensação do inacabado, pois restam tantos detalhes, tantas histórias para contar...

Daí a dificuldade de atribuir uma denominação para o texto que escrevo nesse

momento. Como considerá­lo conclusão, se ainda viverei outras experiências, e terei muitas

memórias para contar. Penso que poderia ser uma apresentação dos modos como rememorei

acontecimentos que identificam meu jeito de ser professora...

Mas, seria viável apresentar um trabalho no final de sua composição?

18 Texto característico da linguagem difundida pela internet, em que as palavras apresentam ícones que levam a outros textos, relacionados ou não ao tema discutido no texto original.

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Impossível não é! Por isso, caros leitores, desculpem­me a ousadia do trocadilho.

Termino pelo começo. Finalizo estes escritos dizendo: estou sendo professora, e desse jeito!

(Sem ponto final, com reticências...)

.............................................................................................................................

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