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OBRAS PÓSTUMAS ALLAN KARDEC 1

Obras Póstumas

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Alan Kardec Espiritismo

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ALLAN KARDEC

PAGE 255

OBRAS PSTUMAS

ALLAN KARDEC

NDICE

BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC

DISCURSO PRONUNCIADO JUNTO AO TMULO DE ALLAN KARDEC por Camille FlammarionPRIMEIRA PARTE - PROFISSO DE F ESPRITA RACIOCINADA

CAPTULO 1 = 1 Deus

CAPTULO 2 = 2 A Alma

CAPTULO 3 = 3 Criao

CAPTULO 4 = MANIFESTAES DOS ESPRITOS - Carter e conseqncias religiosas das manifestaes dos EspritosCAPTULO 5 = 1 O perisprito como princpio das manifestaes

CAPTULO 6 = 2 Manifestaes visuais

CAPTULO 7 = 3 Transfigurao. Invisibilidade

CAPTULO 8 = 4 Emancipao da alma

CAPTULO 9 = 5 Apario de pessoas vivas. Bicorporeidade

CAPTULO 10 = 6 Dos mdiuns

CAPTULO 11 = 7 Da obsesso e da possesso

CAPTULO 12 = DOS HOMENS DUPLOS E DAS APARIES DE PESSOAS VIVASCAPTULO 13 = CONTROVRSIAS SOBRE A IDIA DA EXISTNCIA DE SERES INTERMEDIRIOS ENTRE O HOMEM E DEUSCAPTULO 14 = CAUSA E NATUREZA DA CLARIVIDNCIA SONAMBLICA - Explicao do fenmeno da lucidezCAPTULO 15 = A SEGUNDA VISTA - Conhecimento do futuro. PrevisesCAPTULO 16 = INTRODUO AO ESTUDO DA FOTOGRAFIA E DA TELEGRAFIA DO PENSAMENTOCAPTULO 17 = FOTOGRAFIA E TELEGRAFIA DO PENSAMENTOCAPTULO 18 = ESTUDO SOBRE A NATUREZA DO CRISTO 1 Fontes das provas sobre a natureza do CristoCAPTULO 19 = 2 Os milagres provam a divindade do Cristo?CAPTULO 20 = 3 As palavras de Jesus provam a sua divindade?CAPTULO 21 = 4 - Palavras de Jesus depois de sua morte

CAPTULO 22 = 5 Dupla natureza de JesusCAPTULO 23 = 6 Opinio dos ApstolosCAPTULO 24 = 7 Predio dos profetas, com relao a JesusCAPTULO 25 = 8 O Verbo se fez carneCAPTULO 26 = 9 O Filho de Deus e o Filho do homemCAPTULO 27 = INFLUENCIA PERNICIOSA DAS IDIAS MATERIALISTAS - Sobre as artes em geral; a regenerao delas por meio do EspiritismoCAPTULO 28 = TEORIA DA BELEZACAPTULO 29 = A MSICA CELESTECAPTULO 30 = MSICA ESPRITACAPTULO 31 = O CAMINHO DA VIDACAPTULO 32 = AS CINCO ALTERNATIVAS DA HUMANIDADECAPTULO 33 = 1 Doutrina materialista

CAPTULO 34 = 2 Doutrina pantesta

CAPTULO 35 = 3 Doutrina desta

CAPTULO 36 = 4 Doutrina dogmtica

CAPTULO 37 = 5 Doutrina esprita

CAPTULO 38 = A MORTE ESPIRITUALCAPTULO 39 = A VIDA FUTURACAPTULO 40 = QUESTES E PROBLEMAS - As expiaes coletivasCAPTULO 41 = O EGOSMO E O ORGULHO - Suas causas, seus efeitos e os meios de destru-los

CAPTULO 42 = LIBERDADE, IGUALDADE, FRATERNIDADECAPTULO 43 = AS ARISTOCRACIASCAPTULO 44 = OS DESERTORESCAPTULO 45 = LIGEIRA RESPOSTA AOS DETRATORES DO ESPIRITISMOSEGUNDA PARTE - EXTRATOS, IN-EXTENSO, DO LIVRO DAS PREVISES CONCERNENTES AO ESPIRITISMO - manuscrito composto com especial cuidado por ALLAN KARDEC e do qual nenhum captulo fora ainda publicado

CAPTULO 46 = A MINHA PRIMEIRA INICIAO NO ESPIRITISMOCAPTULO 47 = Meu Esprito protetorCAPTULO 48 = Meu Guia espiritualCAPTULO 49 = Primeira revelao da minha missoCAPTULO 50 = Minha missoCAPTULO 51 = Acontecimentos CAPTULO 52 = AcontecimentosCAPTULO 53 = O Livro dos EspritosCAPTULO 54 = Minha missoCAPTULO 55 = O Livro dos EspritosCAPTULO 56 = O Livro dos EspritosCAPTULO 57 = A tiara espiritualCAPTULO 58 = Primeira notcia de uma nova encarnao CAPTULO 59 = A Revista EspritaCAPTULO 60 = Fundao da Sociedade Esprita de ParisCAPTULO 61 = Durao dos meus trabalhos CAPTULO 62 = Acontecimentos. Papado CAPTULO 63 = Minha missoCAPTULO 64 = Futuro do EspiritismoCAPTULO 65 = Minha voltaCAPTULO 66 = Auto-de-f em Barcelona. Apreenso dos livrosCAPTULO 67 = Auto-de-f em BarcelonaCAPTULO 68 = Meu sucessorCAPTULO 69 = Imitao do EvangelhoCAPTULO 70 = A IgrejaCAPTULO 71 = Vida de Jesus por Renan

CAPTULO 72 = Precursores da tempestadeCAPTULO 73 = A nova gerao CAPTULO 74 = Instruo relativa sade do Sr. Allan KardecCAPTULO 75 = Regenerao da HumanidadeCAPTULO 76 = Marcha gradativa do Espiritismo. Dissidncias e obstculosCAPTULO 77 = Publicaes espritasCAPTULO 78 = AcontecimentosCAPTULO 79 = Minha nova obra sobre a GneseCAPTULO 80 = A Gnese

CAPTULO 81 = AcontecimentosCAPTULO 82 = Meus trabalhos pessoais. Conselhos diversosCAPTULO 83 = FORA DA CARIDADE NO H SALVAOCAPTULO 84 = PROJETO 1868CAPTULO 85 = Estabelecimento centralCAPTULO 86 = Ensino espritaCAPTULO 87 = PublicidadeCAPTULO 88 = ViagensCAPTULO 89 = CONSTITUIO DO ESPIRITISMO - EXPOSIO DE MOTIVOS 1 Consideraes preliminaresCAPTULO 90 = 2 Dos cismasCAPTULO 91 = 3 O chefe do EspiritismoCAPTULO 92 = 4 Comisso central

CAPTULO 93 = 5 Instituies acessrias e complementares da comisso centralCAPTULO 94 = 6 Amplitude de ao da comisso central

CAPTULO 95 = 7 Os estatutos constitutivos

CAPTULO 96 = 8 Do programa das crenas

CAPTULO 97 = 9 Vias e meios

CAPTULO 98 = 10 Allan Kardec e a nova constituio

CAPTULO 99 = CREDO ESPRITA - PrembuloCAPTULO 100 = Princpios fundamentais da Doutrina Esprita, reconhecidos como verdades inconcussasCAPTULO 101 = APNDICECAPTULO 102 = UM CASO DE SEGUNDA VISTA - Pgina indita de Allan kardec

BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC

ainda sob o guante da dor profunda que nos causou a prematura partida do fundador da Doutrina Esprita, que nos abalanamos a uma tarefa, simples e fcil para suas mos sbias e experientes, mas cujo peso e gravidade nos esmagariam, se no contssemos com o auxilio eficaz dos bons Espritos e com a indulgncia dos nossos leitores.

Quem, dentre ns, poderia, sem ser tachado de presunoso, lisonjear-se de possuir o esprito de mtodo e organizao de que se mostram iluminados todos os trabalhos do mestre? S a sua pujante inteligncia podia concentrar tantos materiais diversos, tritur-los e transform-los, para os espalhar em seguida, como orvalho benfazejo, sobre as almas desejosas de conhecer e de amar.

Incisivo, conciso, profundo, sabia agradar e fazer compreendido numa linguagem simples e elevada ao mesmo tempo, to distanciada do estilo familiar, quanto das obscuridades da metafsica.

Multiplicando-se incessantemente, pudera at agora bastar a tudo. Entretanto, o cotidiano alargamento de suas relaes e o contnuo desenvolvimento do Espiritismo lhe faziam sentir a necessidade de reunir em torno de si alguns auxiliares inteligentes e preparava simultaneamente a nova organizao da Doutrina e de seus labores, quando nos deixou, para ir, num mundo melhor, receber a sano da misso que desempenhara e coletar elementos para uma nova obra de devotamento e sacrifcio.

Era sozinho!... Chamar-nos-emos legio e, por muito fracos e inexperientes que sejamos, nutrimos a con vico ntima de que nos conservaremos altura da situao, se, partindo dos princpios estabelecidos e de incontestvel evidncia, nos consagrarmos a executar, tanto quanto nos seja possvel e de acordo com as necessidades do momento, os projetos que ele pretendia realizar no futuro.

Enquanto nos mantivermos nas suas pegadas e todos os de boa-vontade se unirem, num esforo comum pelo progresso e pela regenerao intelectual e moral da Humanidade, conosco estar o Esprito do grande filsofo e nos secundar com a sua influncia poderosa. Dado lhe seja suprir nossa insuficincia e nos possamos mostrar dignos do seu concurso, dedicando-nos obra com a mesma abnegao e a mesma sinceridade que ele, embora sem tanta cincia e inteligncia.

Em sua bandeira, inscrevera o mestre estas palavras: Trabalho, solidariedade, tolerncia. Sejamos, como ele, infatigveis; sejamos, acordemente com os seus anseios, tolerantes e solidrios e no temamos seguir-lhe o exemplo, reconsiderando, quantas vezes forem precisas, os princpios ainda controvertdos. Tentemos avanar, antes com segurana e certeza, do que com rapidez, e no ficaro infrutferos os nossos esforos, se, como estamos persuadidos, e seremos os primeiros a dar disso exemplo, cada um cuidar de cumprir o seu dever, pondo de lado todas as questes pessoais, a fim de contribuir para o bem geral.

Sob auspcios mais favorveis no poderamos entrar na nova fase que se abre para o Espiritismo, do que dando a conhecer aos nossos leitores, num rpido escoro, o que foi, durante toda a sua vida, o homem ntegro e honrado, o sbio inteligente e fecundo, cuja memria se transmitir aos sculos vindouros com a aurola dos benfeitores da Humanidade.

Nascido em Lio, a 3 de outubro de 1804, de uma famlia antiga que se distinguiu na magistratura e na advocacia, Allan Kardec (Hippolyte Lon Denizard Rivail) no seguiu essas carreiras. Desde a primeira juventude, sentiu-se inclinado ao estudo das cincias e da filosofia.

Educado na Escola de Pestalozzi, em Yverdun (Sua), tornou-se um dos mais eminentes discpulos desse clebre professor e um dos zelosos propagandistas do seu sistema de educao, que to grande influncia exerceu sobre a reforma do ensino na Frana e na Alemanha.

Dotado de notvel inteligncia e atrado para o ensino, pelo seu carter e pelas suas aptides especiais, j aos catorze anos ensinava o que sabia queles dos seus condiscpulos que haviam aprendido menos do que ele. Foi nessa escola que lhe desabrocharam as idias que mais tarde o colocariam na classe dos homens progressistas e dos livre-pensadores.

Nascido sob a religio catlica, mas educado num pas protestante, os atos de intolerncia que por isso teve de suportar, no tocante a essa circunstncia, cedo o levaram a conceber a idia de uma reforma religiosa, na qual trabalhou em silncio durante longos anos com o intuito de alcanar a unificao das crenas. Faltava-lhe, porm, o elemento indispensvel soluo desse grande problema.

O Espiritismo veio, a seu tempo, imprimir-lhe especial direo aos trabalhos.

Concludos seus estudos, voltou para a Frana. Conhecendo a fundo a lngua alem, traduzia para a Alemanha diferentes obras de educao e de moral e, o que muito caracterstico, as obras de Fnelon, que o tinham seduzido de modo particular.

Era membro de vrias sociedades sbias, entre outras, da Academia Real de Arras, que, em o concurso de 1831, lhe premiou uma notvel memria sobre a seguinte questo: Qual o sistema de estudos mais de harmonia com as necessidades da poca?

De 1835 a 1840, fundou, em sua casa, rua de Svres, cursos gratuitos de Qumica, Fsica, Anatomia comparada, Astronomia, etc., empresa digna de encmios em todos os tempos, mas, sobretudo, numa poca em que s um nmero muito reduzido de inteligncias ousava enveredar por esse caminho.

Preocupado sempre com o tornar atraentes e interessantes os sistemas de educao, inventou, ao mesmo tempo, um mtodo engenhoso de ensinar a contar e um quadro mnemnico da Histria de Frana, tendo por objetivo fixar na memria as datas dos acontecimentos de maior relevo e as descobertas que iluminaram cada reinado.

Entre as suas numerosas obras de educao, citaremos as seguintes: Plano proposto para melhoramento da Instruo pblica (1828); Curso prtico e terico de Aritmtica, segundo o mtodo de Pestalozzi, para uso dos professores e das mes de famlia (1824); Gramtica francesa clssica (1831); Manual dos exames para os ttulos de capacidade; Solues racionais das questes e problemas de Aritmtica e de Geometria (1846); Catecismo gramatical da lngua francesa (1848); Programa dos cursos usuais de Qumica, Fsica, Astronomia, Fisiologia, que ele professava no Liceu Polimtico; Ditados normais dos exames da Municipalidade e da Sorbona, seguidos de Ditados especiais sobre as dificuldades ortogrficas (1849), obra muito apreciada na poca do seu aparecimento e da qual ainda recentemente eram tiradas novas edies.

Antes que o Espiritismo lhe popularizasse o pseudnimo de Allan Kardec, j ele se ilustrara, como se v, por meio de trabalhos de natureza muito diferente, porm tendo todos, como objetivo, esclarecer as massas e prend-las melhor s respectivas famlias e pases.

Pelo ano de 1855 (1), posta em foco a questo das manifestaes dos Espritos, Allan Kardec se entregou a observaes perseverantes sobre esse fenmeno, cogitando principalmente de lhe deduzir as conseqncias filosficas. Entreviu, desde logo, o princpio de novas leis naturais: as que regem as relaes entre o mundo visvel e o mundo invisvel. Reconheceu, na ao deste ltimo, uma das foras da Natureza, cujo conhecimento haveria de lanar luz sobre uma imensidade de problemas

(1) Ver pginas 265 e 266. Nota da Editora (FEB) 14 edio, em 1975.

tidos por insolveis, e lhe compreendeu o alcance, do ponto de vista religioso.

Suas obras principais sobre esta matria so:

OLivro dos Espritos, referente parte filosfica, e cuja primeira edio apareceu a 18 de abril de 1857; O Livro dos Mdiuns, relativo parte experimental e cientfica (janeiro de 1861); O Evangelho segundo o Espiritismo, concernente parte moral (abril de 1864); O Cu e o Inferno, ou A justia de Deus segundo o Espiritismo (agosto de 1865); A Gnese, os Milagres e as Predies (janeiro de 1868); a Revista Esprita, jornal de estudos psicolgicos, peridico mensal comeado a 1 de janeiro de 1858. Fundou em Paris, a 1 de abril de 1858, a primeira Sociedade esprita regularmente constituda, sob a denominao de Sociedade Parisiense de Estudos Espritas, cujo fim exclusivo era o estudo de quanto possa contribuir para o progresso da nova cincia. Allan Kardec se defendeu, com inteiro fundamento, de coisa alguma haver escrito debaixo da influncia de idias preconcebidas ou sistemticas. Homem de carter frio e calmo, observou os fatos e de suas observaes deduziu as leis que os regem. Foi o primeiro a apresentar a teoria relativa a tais fatos e a formar com eles um corpo de doutrina, metdico e regular.

Demonstrando que os fatos erroneamente qualificados de sobrenaturais se acham submetidos a leis, ele os incluiu na ordem dos fenmenos da Natureza, destruindo assim o ltimo refgio do maravilhoso e um dos elementos da superstio.

Durante os primeiros anos em que se tratou de fenmenos espritas, estes constituram antes objeto de curiosidade, do que de meditaes srias. O Livro dos Espritos fez que o assunto fosse considerado sob aspecto muito diverso. Abandonaram-se as mesas girantes, que tinham sido apenas um preldio, e comeou-se a atentar na doutrina, que abrange todas as questes de interesse para a Humanidade.

Data do aparecimento de O Livro dos Espritos a fundao do Espiritismo que, at ento, s contam com elementos esparsos, sem coordenao, e cujo alcance nem toda gente pudera apreender. A partir daquele momento, a doutrina prendeu a ateno de homens srios e tomou rpido desenvolvimento. Em poucos anos, aquelas idias conquistaram numerosos aderentes em todas as camadas sociais e em todos os pases. Esse xito sem precedentes decorreu sem dvida da simpatia que tais idias despertaram, mas tambm devido, em grande parte, clareza com que foram expostas e que um dos caractersticos dos escritos de Allan Kardec.

Evitando as frmulas abstratas da Metafsica, ele soube fazer que todos o lessem sem fadiga, condio essencial vulgarizao de uma idia. Sobre todos os pontos controversos, sua argumentao, de cerrada lgica, poucas ensanchas oferece refutao e predispe convico. As provas materiais que o Espiritismo apresenta da existncia da alma e da vida futura tendem a destruir as idias materialistas e pantestas. Um dos princpios mais fecundos dessa doutrina e que deriva do precedente o da pluralidade das existncias, j entrevisto por uma multido de filsofos antigos e modernos e, nestes ltimos tempos, por Joo Reynaud, Carlos Fourier, Eugnio Sue e outros. Conservara-se, todavia, em estado de hiptese e de sistema, enquanto o Espiritismo lhe demonstra a realidade e prova que nesse princpio reside um dos atributos essenciais da Humanidade. Dele promana a explicao de todas as aparentes anomalias da vida humana, de todas as desigualdades intelectuais, morais e sociais, facultando ao homem saber donde vem, para onde vai, para que fim se acha na Terra e por que a sofre.

As idias inatas se explicam pelos conhecimentos adquiridos nas vidas anteriores; a marcha dos povos e da Humanidade, pela ao dos homens dos tempos idos e que revivem, depois de terem progredido; as simpatias e antipatias, pela natureza das relaes anteriores. Essas relaes, que religam a grande famlia humana de todas as pocas, do por base, aos grandes princpios de fraternidade, de igualdade, de liberdade e de solidariedade universal, as prprias leis da Natureza e no mais uma simples teoria.

Em vez do postulado: Fora da Igreja no h salvao, que alimenta a separao e a animosidade entre as diferentes seitas religiosas e que h feito correr tanto sangue, o Espiritismo tem como divisa: Fora da Caridade no h salvao, isto , a igualdade entre os homens perante Deus, a tolerncia, a liberdade de conscincia e a benevolncia mtua.

Em vez da f cega, que anula a liberdade de pensar, ele diz: No h f inabalvel, seno a que pode encarar face a face a razo, em todas as pocas da Humanidade. A f, uma base se faz necessria e essa base a. inteligncia perfeita daquilo em que se tem de crer. Para crer, no basta ver, preciso, sobretudo, compreender. A f cega j no para este sculo. precisamente ao dogma da f cega que se deve o ser hoje to grande o nmero de incrdulos, porque ela quer impor-se e exige a abolio de uma das mais preciosas faculdades do homem: o raciocnio e o livre-arbtrio. (O Evangelho segundo o Espiritismo.)

Trabalhador infatigvel, sempre o primeiro a tomar da obra e o ltimo a deix-la, Allan Kardec sucumbiu, a 31 de maro de 1869, quando se preparava para uma mudana de local, imposta pela extenso considervel de suas mltiplas ocupaes. Diversas obras que ele estava quase a terminar, ou que aguardavam oportunidade para vir a lume, demonstraro um dia, ainda mais, a extenso e o poder ds suas concepes.

Morreu conforme viveu: trabalhando. Sofria, desde longos anos, de uma enfermidade do corao, que s podia ser combatida por meio do repouso intelectual e pequena atividade material. Consagrado, porm, todo inteiro sua obra, recusava-se a tudo o que pudesse absorver um s que fosse de seus instantes, custa das suas ocupaes prediletas. Deu-se com ele o que se d com todas as almas de forte tmpera: a lmina gastou a bainha.

Ocorpo se lhe entorpecia e se recusava aos servios que o Esprito lhe reclamava, enquanto este ltimo, cada vez mais vivo, mais enrgico, mais fecundo, ia sempre alargando o crculo de sua atividade.

Nessa luta desigual no podia a matria resistir eternamente. Acabou sendo vencida: rompeu-se o aneurisma e Allan Kardec caiu fulminado. Um homem houve de menos na Terra; mas, um grande nome tomava lugar entre os que ilustraram este sculo; um grande Esprito fora retemperar-se no Infinito, onde todos os que ele consolara e esclarecem lhe aguardavam impacientes a volta!

A morte, dizia, faz pouco tempo, redobra os seus golpes nas fileiras ilustres!... A quem vir ela agora libertar?

Ele foi, como tantos outros, recobrar-se no Espao, procurar elementos novos para restaurar o seu organismo gasto por uma vida de incessantes labores. Partiu com os que sero os fanais da nova gerao, para voltar em breve com eles a continuar e acabar a obra deixada em dedicadas mos.

O homem j aqui no est; a alma, porm, permanecer entre ns. Ser um protetor seguro, uma luz a mais, um trabalhador incansvel que as falanges do Espao conquistaram. Como na Terra, sem ferir a quem quer que seja, ele far que cada um lhe oua os conselhos oportunos; abrandar o zelo prematuro dos ardorosos, amparar os sinceros e os desinteressados e estimular os mornos. V agora e sabe tudo o que ainda h pouco previa! J no est sujeito s incertezas, nem aos desfalecimentos e nos far partilhar da sua convico, fazendo-nos tocar com o dedo a meta, apontando-nos o caminho, naquela linguagem clara, precisa, que o tornou aureolado nos anais literrios.

J no existe o homem, repetimo-lo. Entretanto, Allan Kardec imortal e a sua memria, seus trabalhos, seu Esprito estaro sempre com os que empunharem forte e vigorosamente o estandarte que ele soube sempre fazer respeitado.

Uma individualidade pujante constituiu a obra. Era o guia e o fanal de todos. Na Terra, a obra substituir o obreiro. Os crentes no se congregaro em torno de Allan Kardec; congregar-se-o em torno do Espiritismo, tal como ele o estruturou e, com os seus conselhos, sua influncia, avanaremos, a passos firmes, para as fases ditosas prometidas Humanidade regenerada.

(Revista Esprita, maio de 1869.)

DISCURSO PRONUNCIADO JUNTO AO TMULO DE ALLAN KARDEC por Camille Flammarion

Senhores:

Aceitando com deferncia o convite simptico dos amigos do pensador laborioso cujo corpo terreno jaz agora aos nossos ps, vem-me mente um dia sombrio do ms de dezembro de 1865, em que pronunciei palavras de supremo adeus junto tumba do fundador da Livraria Acadmica, do honrado Didier, que, como editor, foi colaborador convicto de Allan Kardec, na publicao das obras fundamentais de uma doutrina que lhe era cara. Tambm ele morreu subitamente, como se o cu houvesse querido poupar a esses dois Espritos ntegros o embarao fisiolgico de sair desta vida por via diferente da comumente seguida. A mesma reflexo se aplica morte do nosso ex-colega Jobard, de Bruxelas.

Hoje, maior ainda a minha tarefa, porqanto eu desejara figurar mente dos que me ouvem e dos milhes de criaturas que na Europa inteira e no Novo Mundo se tm ocupado com o problema ainda misterioso dos fenmenos chamados espritas; eu quisera, digo, poder figurar-lhes o interesse cientfico e o porvir filosfico do estudo desses fenmenos, ao qual se ho consagrado, como ningum ignora, homens eminentes dentre os nossos contemporneos. Estimaria fazer-lhes entrever os horizontes desconhecidos que a mente humana ver rasgar-se diante de si, medida que ela ampliar o conhecimento positivo das foras naturais que em torno de ns atuam; mostrar-lhes que essas comprovaes constituem o mais eficaz antdoto para a lepra do atesmo, de que parece atacada, principalmente, a nossa poca de transio; dar, enfim, aqui, testemunho pblico do eminente servio que o autor de O Livro dos Espritos prestou filosofia, chamando a ateno e provocando discusses sobre fatos que at ento pertenciam ao domnio mrbido e funesto das supersties religiosas.

Seria, com efeito, um ato importante firmar aqui, junto deste tmulo eloqente, que o metdico exame dos fenmenos erroneamente qualificados de supranormais, longe de renovar o esprito de superstio e de enfraquecer a energia da razo, ao contrrio, afasta os erros e as iluses da ignorncia e serve melhor ao progresso, do que as negaes ilegtimas dos que no querem dar-se ao trabalho de ver.

Mas, este no lugar apropriado a estabelecer uma arena s discusses desrespeitosas. Deixemos apenas que das rossas mentes desam, sobre a face impassvel do homem ora estendido diante de ns, testemunhos de afeio e sentimentos de pesar, que lhe permaneam ao derredor em seu tmulo, qual embalsamamento do corao! E, pois que sabemos que sua alma eterna sobrevive a estes despojos mortais, do mesmo modo que a eles preexistiu; pois que sabemos que laos indestrutveis unem o nosso mundo visvel ao mundo invisvel; pois que esta alma existe hoje to bem como h trs dias e que no impossvel se ache atualmente na minha presena; digamos-lhe que no quisemos se desvanecesse a sua imagem terrena encerrada no sepulcro, sem unanimemente rendermos homenagem a seus trabalhos e sua memria, sem pagar um tributo de reconhecimento sua encarnao terrena, to til e to dignamente preenchida.

Traarei, primeiro, num esboo rpido, as linhas principais da sua carreira literria.

Morto na idade de 65 anos, Allan Kardec consagrara a primeira parte de sua vida a escrever obras clssicas, elementares, destinadas, sobretudo, ao uso dos educadores da mocidade. Quando, pelo ano de 1855 (1), as mani

(1) Ver pginas 265 e 266. Nota da Editora (FEB) 14 edio, em 1975.

festaes, novas na aparncia, das mesas girantes, das pancadas sem causa ostensiva, dos movimentos inslitos de objetos e mveis comearam a prender a ateno pblica, determinando mesmo, nos de imaginao aventureira, uma espcie de febre, devida novidade de tais experincias, Allan Kardec, estudando ao mesmo tempo o magnetismo e seus singulares efeitos, acompanhou com a maior pacincia e clarividncia judiciosa as experimentaes e as tentativas numerosas que ento se faziam em Paris.

Recolheu e ps em ordem os resultados conseguidos dessa longa observao e com eles comps o corpo de doutrina que publicou em 1857, na primeira edio de O Livro dos Espritos. Todos sabeis que xito alcanou essa obra, na Frana e no estrangeiro. Havendo atingido a 16 edio, tem espalhado em todas as classes esse corpo de doutrina elementar que, na sua essncia, no absolutamente novo, porqanto a escola de Pitgoras, na Grcia, e a dos druidas, em a nossa pobre (1) Glia, ensinavam os seus princpios fundamentais, mas que agora reveste uma forma de verdadeira atualidade, pelo corresponder aos fenmenos.

Depois dessa primeira obra apareceram, sucessiva-mente, O Livro dos Mdiuns, ou Espiritismo experimental; O que o Espiritismo? ou resumo sob a forma de perguntas e respostas; O Evangelho segundo o Espiritismo; O Cu e o Inferno; A Gnese. A morte o surpreendeu no momento em que, com a sua infatigvel atividade, trabalhava noutra sobre as relaes entre o Magnetismo e o Espiritismo.

Pela Revista Esprita e pela Sociedade de Paris, cujo presidente ele era, se constitura, de certo modo, o centro a que tudo ia ter, o trao de unio de todos os experimentadores. Faz alguns meses, sentindo prximo o seu fim, preparou as condies de vitalidade de tais estudos para depois de sua morte e instituiu a Comisso Central que lhe sucede.

(1) Na Revue Spirite, maio-1869, p. 139, est prpria (propre). Nota da Editora (FEB) 14 edio, em 1975.Suscitou rivalidades; fez escola de feio um pouco pessoal, havendo ainda alguns dissdios entre os espiritualistas e os espritas. Doravante, Senhores (tal, pelo menos, o voto que formulam os amigos da verdade), devemos unir-nos todos por uma solidariedade fraterna, pelos mesmos esforos em prol da elucidao do problema, pelo desejo geral e impessoal do verdadeiro e do bem.

Disseram, Senhores, do digno amigo a quem rendemos hoje as derradeiras homenagens, que ele no era o que se chama um sbio, que no fora, primeiro, fsico, naturalista, ou astrnomo e que preferira constituir um corpo de doutrina moral, antes de haver submetido discusso cientfica a realidade e a natureza dos fenmenos.

Talvez, Senhores, se deva preferir que as coisas tenham comeado assim. Nem sempre se deve recusar valor ao sentimento. Quantos coraes j foram consolados por esta crena religiosa! Quantas lgrimas ho secado! Quantas conscincias se abriram s irradiaes da beleza espiritual! Nem toda a gente ditosa neste mundo. Muitas afeies a so despedaadas! Muitas almas tm adormecido no cepticismo! Ento, nada o haver trazido ao espiritualismo tantos seres que flutuavam na dvida e que j no amavam a vida, nem a vida fsica, nem a intelectual?

Fora Allan Kardec um homem de cincia e de certo no houvera podido prestar este primeiro servio e dilat-lo at muito longe, como um convite a todos os coraes. Ele, porm, era o que eu denominarei simplesmente o bom-senso encarnado. Razo reta e judiciosa, aplicava sem cessar sua obra permanente as indicaes intimas do senso comum. No era essa uma qualidade somenos, na ordem de coisas com que nos ocupamos. Era, ao contrrio, pode-se afirm-lo, a primeira de todas e a mais preciosa, sem a qual a obra no teria podido tornar-se popular, nem lanar pelo mundo suas razes imensas. A maioria dos que se tm dado a estes estudos lembram-se de que na mocidade, ou em certas circunstncias, foram testemunhas de manifestaes inexplicadas. Poucas so as famlias que no contem na sua histria provas desta natureza. O ponto de partida era aplicar-lhes a razo firme do simples bom-senso e examin-las segundo os princpios do mtodo positivo.Conforme o seu prprio organizador previu, esse estudo, que foi lento e difcil, tem que entrar agora num perodo cientfico, Os fenmenos fsicos, sobre os quais a princpio no se insistia, ho de tornar-se objeto da critica experimental, a que devemos a glria dos progressos modernos e as maravilhas da eletricidade e do vapor. Esse mtodo tem de tomar os fenmenos de ordem misteriosa a que assistimos para os dissecar, medir e definir.

Porque, meus Senhores, o Espiritismo no uma religio, mas uma cincia, da qual apenas conhecemos o a, b, e. Passou o tempo dos dogmas. A Natureza abrange o Universo, e o prprio Deus, feito outrora imagem do homem, a moderna Metafsica no o pode considerar seno como um esprito na Natureza. O sobrenatural no existe. As manifestaes obtidas com o auxilio dos mdiuns, como as do magnetismo e do sonambulismo, so de ordem natural e devem ser severamente submetidas verificao da experincia. No h milagres. Assistimos ao alvorecer de uma cincia desconhecida. Quem poder prever a que conseqncias conduzir, no mundo do pensamento, o estudo positivo desta nova psicologia?

Doravante, o mundo regido pela cincia e, Senhores, no vir fora de propsito, neste discurso fnebre, assinalar-lhe a obra atual e as indues novas que ela nos patenteia, precisamente do ponto de vista das nossas pesquisas.

Em nenhuma poca da Histria a Cincia desdobrou, ante o olhar espantado do homem, to grandiosos horizontes. Sabemos agora que a Terra um astro e que a nossa vida atual se completa no cu. Pela anlise da luz, conhecemos os elementos que ardem no Sol e nas estrelas, a milhes e trilhes de lguas do nosso obser vatrio terrestre. Por meio do clculo, possuimos a histria do cu e da Terra, assim no passado longnquo, como no futuro, passado e futuro que no existem para as leis imutveis. Pela observao, temos pesado as terras celestes que gravitam na amplido. O globo em que nos encontramos tornou-se um tomo estelar que voa no espao dentro das profundezas infinitas e a nossa prpria existncia neste globo se tornou uma frao Infinitesimal da nossa eterna vida. Mas, o que, com razo, nos pode tocar ainda mais vivamente esse surpreendente resultado dos trabalhos fsicos realizados nestes ltimos anos: que vivemos em meio de um mundo invisvel, a atuar incessantemente em torno de ns.

Sim, Senhores, esta, para ns, uma revelao imensa. Contemplai, por exemplo, a luz que a esta hora o Sol brilhante espalha na atmosfera; contemplai esse azul to suave da abbada celeste; notai os eflvios deste ar tpido, que nos vem acariciar as faces; admirai estes monumentos e esta terra. Pois bem: conquanto tenhamos escancarados os olhos, no vemos o que aqui se passa! Sobre cem raios emanados do Sol, apenas um tero deles acessvel nossa vista, quer diretamente, quer refletidos por todos os corpos; os dois teros restantes existem e atuam volta de ns, mas de maneira invisvel, embora real. So quentes, sem nos serem luminosos e so, no entanto, muito mais ativos do que os que nos impressionam, porqanto so eles que atraem as flores para o lado do Sol, que produzem todas as aes qumicas (1) e tambm que elevam, sob forma igualmente invisvel, o vapor dgua na atmosfera para formar as nuvens, exercendo assim, sem cessar, em torno de ns, de maneira oculta e silenciosa, uma ao colossal, mecanicamente equiparvel ao trabalho de muitos bilhes de cavalos!(1) A nossa retina Insensvel a esses raios; mas, h substncias que os vem, como, por exemplo, o iodo e os sais de prata. Fotografado o espectro solar qumico, que o nosso olhar no percebe, nenhuma imagem visvel jamais apresenta a chapa fotogrfica ao sair da cmara escura, se bem exista nela uma, pois que certa operao qumica a faz aparecer.

Se nos so invisveis os raios calorficos e os raios qumicos que constantemente atuam na Natureza, porque os primeiros no nos ferem com bastante rapidez a retina e porque os segundos a ferem com rapidez excessiva. Os nossos olhos somente vem as coisas entre dois limites, aqum e alm dos quais nada enxergam. Pode comparar-se o nosso organismo terreno a uma harpa de duas cordas, que so o nervo ptico e o nervo auditivo. Certa espcie de movimentos pe em vibrao a primeira e outra espcie de movimentos faz vibrar a segunda: nisto se resume toda a sensao humana, mais restrita neste ponto do que a de alguns seres vivos, de alguns insetos, por exemplo, que possuem mais delicadas essas mesmas cordas da viso e da audio.

Ora, em a Natureza, existem realmente, no dois, porm dez, cem, mil espcies de movimentos. A cincia fsica nos ensina, portanto, que vivemos, assim, dentro de um mundo que nos invisvel, nada tendo de impossvel que seres (tambm invisveis para ns) vivam igualmente na Terra, com uma ordem de sensaes absolutamente diversa da das nossas e sem que lhes possamos apreciar a presena, a menos que se nos manifestem por fatos que caibam na ordem das nossas sensaes.

Diante de verdades tais, que apenas se entreabrem, quo absurda e sem valor se revela a negao a priori! Quando se compara o pouco que sabemos e a exigUidade da nossa esfera de percepo com a quantidade do que existe, no se pode deixar de concluir que nada sabemos, que tudo estamos por saber. Com que direito, ento, proferiremos a palavra impossvel, em presena de fatos que testemunhvamos, sem, todavia, lhes podermos descobrir a causa nica?

A Cincia nos faculta perspectivas to autorizadas quanto as precedentes, sobre os fenmenos da vida e da morte e sobre a fora que nos anima. Basta observemos a circulao das existncias.

Tudo so meras metamorfoses. Arrastados em seu curso eterno, os tomos constitutivos da matria passam incessantemente de um corpo a outro, do animal planta, da planta atmosfera, da atmosfera ao homem, e o nosso prprio corpo, enquanto nos dura a vida, muda continuamente de substncia constitutiva, do mesmo modo que a chama, que s brilha por meio dos elementos que de contnuo se renovam. E, quando a alma desfere o vo, esse mesmo corpo j tantas vezes transformado durante a vida, restitui definitivamente Natureza todas as molculas, para no mais as retomar. O dogma inadmissvel da ressurreio da carne se acha substitudo pela elevada doutrina da transmigrao das almas.

Osol de abril irradia nos cus e nos inunda com o seu primeiro rodo calorfico. J as campinas despertam, j os primeiros rebentos se entreabrem, j a primavera refloresce, o azul-celeste sorri e a ressurreio se opera. Entretanto, esta vida nova formada pela morte e apenas runas cobre! Donde vem a seiva destas rvores que reverdecem nos campos dos mortos? Donde vem esta umidade que lhe nutre as razes? Donde vm todos os elementos que faro apaream, sob as carcias de maio, as silenciosas florinhas e os pssaros canoros? Da morte!... Senhores... destes cadveres sepultados na noite sinistra dos tmulos !... Lei suprema da Natureza, o corpo material no passa de transitrio agregado de partculas que absolutamente no lhe pertencem e que a alma grupou, segundo o seu prprio tipo, a fim de criar para si rgos que a ponham em relao com o nosso mundo fsico. E, enquanto o nosso corpo assim se renova, pea por pea, mediante a perptua troca das matrias; enquanto que um dia ele cai, massa inerte, para no mais se reerguer, o nosso esprito, ser pessoal, conservou constantemente a sua indestrutvel identidade, reinou soberanamente sobre a matria de que se revestira, estabelecendo, por meio desse fato perene e universal, a sua personalidade independente, sua essncia espiritual no sujeita ao imprio do espao e do tempo, sua grandeza individual, sua imortalidade.

Em que consiste o mistrio da vida? Por que laos a alma se prende ao organismo? Por efeito de que desa tamento se lhe escapa? Sob que forma e em que condies existe ela aps a morte? Que lembrana, que afeies conserva? Como se manifesta? Eis a, meus Senhores, problemas que longe se acham de estar resolvidos e que, em seu conjunto, constituiro a cincia psicolgica do futuro. Certos homens podem negar a existncia mesma da alma, como a de Deus; podem afirmar que no existe a verdade moral, que no h na Natureza leis inteligentes e que ns, espiritualistas, somos vitimas de imensa iluso. Podem outros, contrariamente, declarar que conhecem, por especial privilgio, a essncia da alma humana, a forma do Ser supremo, o estado da vida futura e tratar-nos de ateus, porque a nossa razo se nega a adotar a f que eles alardeiam.

Uns e outros, Senhores, no impediro que estejamos aqui em presena dos maiores problemas, que nos interessemos por estas coisas (que de modo nenhum nos so estranhas) e que tenhamos o direito de aplicar o mtodo experimental da cincia contempornea pesquisa da verdade.

Pelo estudo positivo dos efeitos que se remonta apreciao das causas. Na ordem dos estudos que se grupam sob a denominao de Espiritismo, os fatos existem; mas, ningum lhes conhece o modo de produo. Eles existem tanto quanto os fenmenos eltricos, luminosos, calricos; porm, Senhores, ns no conhecemos nem a Biologia, nem a Fisiologia. Que o corpo humano? que o crebro? qual a ao absoluta da alma? Ignoramo-lo. Igualmente ignoramos a essncia da eletricidade, a essncia da luz. Prudente , pois, que observemos sem parcialidade todos esses fatos e tentemos determinar-lhes as causas, que talvez sejam de espcies diversas e mais numerosas do que o tenhamos suposto at agora.

Que os que tm a vista restringida pelo orgulho ou pelo preconceito no compreendam absolutamente os anseios de nossas mentes vidas de conhecer e lancem sobre este gnero de estudos seus sarcasmos ou. antemas, pouco importa. Colocamos mais alto as nossas contemplaes!... Foste o primeiro, oh! mestre e amigo! foste o primeiro a dar, desde o princpio da minha carreira astronmica, testemunho de viva simpatia s minhas dedues relativas existncia das humanidades celestes, pois, tomando do livro sobre a Pluralidade dos mim-dos habitados, o puseste imediatamente na base do edifcio doutrinrio com que sonhavas. Muito amide conversvamos sobre essa vida celeste to misteriosa; agora, oh! alma, sabes, por viso direta, em que consiste a vida espiritual a que voltaremos e que esquecemos durante a existncia na Terra.

Voltaste a esse mundo donde viemos e colhes o fruto de teus estudos terrestres. Aos nossos ps dorme o teu envoltrio, extinguiu-se o teu crebro, fecharam-se-te os olhos para no mais se abrirem, no mais ouvida ser a tua palavra... Sabemos que todos havemos de mergulhar nesse mesmo ltimo sono, de volver a essa mesma inrcia, a esse mesmo p. Mas, no nesse envoltrio que pomos a nossa glria e a nossa esperana. Tomba o corpo, a alma permanece e retorna ao Espao. Encontrar-nos-emos num mundo melhor e no cu imenso onde usaremos das nossas mais preciosas faculdades, onde continuaremos os estudos para cujo desenvolvimento a Terra teatro por demais acanhado.

-nos mais grato saber esta verdade, do que acreditar que jazes todo inteiro nesse cadver e que tua alma se haja aniquilado com a cessao do funcionamento de um rgo. A imortalidade a luz da vida, como este refulgente Sol a luz da Natureza.

At vista, meu caro Allan Kardec, at vista!

PRIMEIRA PARTE

PROFISSO DE F ESPRITA RACIOCINADA

1

1 Deus1.H um Deus, inteligncia suprema, causa primria de todas as coisas.

A prova da existncia de Deus temo-la neste axioma:

No h. efeito sem causa. Vemos constantemente uma imensidade de efeitos, cuja causa no est na Humanidade, pois que a Humanidade impotente para produzi-los, ou, sequer, para os explicar. A causa est acima da Humanidade. a essa causa que se chama Deus, Jeov, Al, Brama, Fo-Hi, Grande Esprito, etc.

Tais efeitos absolutamente no se produzem ao acaso, fortuitamente e em desordem. Desde a organizao do mais pequenino inseto e da mais insignificante semente, at a lei que rege os mundos que circulam no Espao, tudo atesta uma idia diretora, uma combinao, uma previdncia, uma solicitude que ultrapassam todas as combinaes humanas. A causa , pois, soberana-mente inteligente.

2.Deus eterno, imutvel, imaterial, nico, onipotente, soberanamente justo e bom.

Deus eterno. Se tivesse tido comeo, alguma coisa houvera existido antes dele, ou ele teria sado do nada, ou, ento, um ser anterior o teria criado. assim que, degrau a degrau, remontamos ao infinito na eternidade.

imutvel. Se estivesse sujeito mudana, nenhuma estabilidade teriam as leis que regem o Universo.

imaterial. Sua natureza difere de tudo o a que chamamos matria, pois, do contrrio, ele estaria sujeito s flutuaes e transformaes da matria e, ento, j no seria imutvel.

nico. Se houvesse muitos Deuses, haveria muitas vontades e, nesse caso, no haveria unidade de vistas, nem unidade de poder na ordenao do Universo.

onipotente, porque mico. Se ele no dispusesse de poder soberano, alguma coisa ou algum haveria mais poderoso do que ele; no teria feito todas as coisas e as que ele no houvesse feito seriam obra de outro Deus.

soberanamente justo e bom. A sabedoria providencial das leis divinas se revela nas mais mnimas coisas como nas maiores e essa sabedoria no permite se duvide nem da sua justia, nem da sua bondade.

3.Deus infinito em todas as suas perfeies.

Se supusssemos imperfeito um s dos atributos de Deus, se lhe tirssemos a menor parcela de eternidade, de imutabilidade, de imaterialidade, de unidade, de onipotncia, de justia e de bondade, poderamos imaginar um ser que possusse o que lhe faltasse, e esse ser, mais perfeito do que ele, que seria Deus.2

2 A Alma

4. H no homem um princpio inteligente a que se chama ALMA ou ESPRITO, independente da matria, e que lhe d o senso moral e a faculdade de pensar.

Se o pensamento fosse propriedade da matria teramos a matria bruta a pensar. Ora, como ningum nunca viu a matria inerte dotada de faculdades intelectuais; como, quando o corpo morre, no mais pensa, foroso se conclua que a alma independe da matria e que os rgos no passam de instrumentos com que o homem manifesta seu pensamento.

5. As doutrinas materialistas so incompatveis com a moral e subversivas da ordem social.

Se, conforme pretendem os materialistas, o pensamento fosse segregado pelo crebro, como a blis o pelo fgado, seguir-se-ia que, morto o corpo, a inteligncia do homem e todas as suas qualidades morais recairiam no nada; que os nossos parentes, os amigos e todos quantos houvessem tido a nossa afeio estariam irremissvelmente perdidos; que o homem de gnio careceria de mrito, pois que somente ao acaso da sua organizao seria devedor das faculdades transcendentes que revela; que entre o imbecil e o sbio apenas haveria a diferena de mais ou menos substncia cerebral.

As conseqncias dessa doutrina seriam que, nada podendo esperar para depois desta vida, nenhum interesse teria o homem em fazer o bem; que muito natural seria procurasse ele a maior soma possvel de gozos, mesmo custa dos outros; que o sentimento mais racional seria o egosmo; que aquele que fosse persistente-mente desgraado na Terra, nada de melhor teria a fazer, do que se matar, porqanto, destinado a mergulhar no nada, isso no lhe seria nem pior, nem melhor, ao passo que de tal forma abreviaria seus sofrimentos.

A doutrina materialista , pois, a sano do egosmo, origem de todos os vcios; a negao da caridade origem de todas as virtudes e base da ordem social e seria ainda a justificao do suicdio.

6.O Espiritismo prova a existncia da alma.

Provam a existncia da alma os atos inteligentes do homem, por isso que eles ho de ter uma causa inteligente e no uma causa inerte. Que ela independe da matria est demonstrado de modo patente pelos fenmenos espritas que a mostram agindo por si mesma e o est, sobretudo, pelo seu insulamento durante a vida, o que lhe permite manifestar-se, pensar e agir sem o corpo.

Pode-se dizer que, se a qumica separou os elementos da gua; se, dessa maneira, ps a descoberto as propriedades desses elementos e se pode, sua vontade, fazer e desfazer um corpo composto, o Espiritismo, igualmente, pode isolar os dois elementos constitutivos do homem: o Esprito e a matria, a alma e o corpo, separ-los e reuni-los vontade, o que no deixa dvida sobre a independncia de uma e outro.

7. A alma do homem sobrevive ao corpo e conserva a sua individualidade aps a morte deste.

Se a alma no sobrevivesse ao corpo, o homem s teria por perspectiva o nada, do mesmo modo que se a faculdade de pensar fosse produto da matria. Se no conservasse a sua individualidade, isto , se se dissolvesse no reservatrio comum chamado o grande todo, como as gotas dgua no Oceano, seria igualmente, para o homem, o nada do pensamento e as conseqncias seriam absolutamente as mesmas que se no houvesse alma.

A sobrevivncia desta morte do corpo est provada de maneira irrecusvel e at certo ponto palpvel, pelas comunicaes espritas. Sua individualidade demonstrada pelo carter e pelas qualidades peculiares a cada um. Essas qualidades, que distinguem umas das outras as almas, lhes constituem a personalidade. Se as almas se confundissem num todo comum, uniformes seriam as suas qualidades.

Alm dessas provas inteligentes, h tambm a prova material das manifestaes visuais, ou aparies, to freqentes e autnticas, que no lcito p-las em dvida.

8. A alma do homem ditosa ou desgraada depois da morte, conforme haja feito o bem ou o mal durante a vida.

Em se admitindo um Deus soberanamente justo, no se pode admitir que as almas tenham todas a mesma sorte. Se a posio futura do criminoso houvesse de ser a mesma que a do homem virtuoso, excluda estaria toda a utilidade da prtica do bem. Ora, supor que Deus no faz diferena entre o que pratica o bem e o que pratica o mal fora negar-lhe a justia. Nem sempre recebendo punio o mal e recompensa o bem, durante a vida terrenal, deve-se concluir dai que a justia ser feita depois, sem o que Deus no seria justo.

As penas e os gozos futuros esto, ao demais, provados pelas comunicaes que os homens podem estabelecer com as almas dos que aqui viveram e que vm descrever o estado em que se encontram, ditoso ou infeliz, a natureza de suas alegrias ou de seus sofrimentos e enumerar-lhes as causas.

9.Deus, alma, sobrevivncia e individualidade da alma aps a morte do corpo, penas e recompensas futuras constituem os princpios fundamentais de todas as religies.

O Espiritismo junta s provas morais desses princpios as provas materiais dos fatos e da experimentao e corta cerce os sofismas do materialismo. Em presena dos fatos, cessa toda razo de ser da incredulidade. assim que o Espiritismo restitui a f aos que a tenham perdido e dissipa as dvidas dos incrdulos.

3

3 Criao

10.Deus o Criador de todas as coisas.

Esta proposio corolrio da prova da existncia de Deus (n 1).

11.O princpio das coisas reside nos arcanos do Deus.

Tudo diz que Deus o autor de todas as coisas, mas como e quando as criou ele? A matria existe, como ele, de toda a eternidade? Ignoramo-lo. Acerca de tudo o que ele no julgou conveniente revelar-nos, apenas se podem erguer sistemas mais ou menos provveis. Dos efeitos que observamos, podemos remontar a algumas causas. h, porm, um limite que no nos possvel transpor. Querer ir alm , simultaneamente, perder tempo e cair em erro.

12.O homem tem por guia, na pesquisa do desconhecido, os atributos de Deus.

Para a investigao dos mistrios que nos permitido sondar por meio do raciocnio, h um critrio certo, um guia infalvel: os atributos de Deus.

Desde que se admite que Deus eterno, imutvel, bom; que infinito nas suas perfeies, toda doutrina ou teoria, cientfica ou religiosa, que tenda a lhe tirar qualquer parcela de um s dos seus atributos, ser necessariamente falsa, pois que tende negao da divindade mesma.

13.Os mundos materiais tiveram comeo e tero fim.

Quer a matria exista de toda a eternidade, como Deus, quer tenha sido criada numa poca qualquer, evidente, segundo o que se passa cotidianamente s nossas vistas, que so temporrias as transformaes da matria e que dessas transformaes resultam diferentes corpos, que incessantemente nascem e se destroem.

Como produtos que so da aglomerao e da transformao da matria, os diversos mundos ho de ter tido, como todos os corpos materiais, comeo e tero fim, na conformidade de leis que desconhecemos. Pode a Cincia, at certo ponto, formular as leis que lhes presidiram formao e remontar ao estado primitivo deles. Toda teoria filosfica em contradio com os fatos que a Cincia comprova necessariamente falsa, a menos que prove estar em erro a Cincia.

14. Criando os mundos materiais, tambm criou Deus seres inteligentes a que damos o nome de Espritos.

15.Desconhecemos a origem e o modo de criao dos Espritos; apenas sabemos que eles so criados simples e ignorantes, isto , sem cincia e sem conhecimento do bem e do mal, porm perfectveis e com igual aptido para tudo adquirirem e tudo conhecerem, com o tempo. A princpio, eles se encontram numa espcie de infncia, carentes de vontade prpria e sem conscincia perfeita de sua existncia.

16. medida que o Esprito se distancia do ponto de partida, desenvolvem-se-lhe as idias, como na criana, e, com as idias, o livre-arbtrio, isto , a liberdade de fazer ou no fazer, de seguir este ou aquele caminho para seu adiantamento, o que um dos atributos essenciais do Esprito.

17.O objetivo final de todos os Espritos consiste em alcanar a perfeio de que suscetvel a criatura. O resultado dessa perfeio est no gozo da suprema felicidade que lhe conseqente e a que chegam mais ou menos rapidamente, conforme o uso que fazem do livre-arbtrio.

18.Os Espritos so os agentes da potncia divina; constituem a fora inteligente da Natureza e concorrem para a execuo dos desgnios do Criador, tendo em vista a manuteno da harmonia geral do Universo e das leis imutveis que regem a criao.

19.Para colaborarem, como agentes da potncia divina na obra dos mundos materiais, os Espritos revestem transitoriamente um corpo material.

Os Espritos encarnados constituem a humanidade. A alma do homem um Esprito encarnado.

20.A vida espiritual a vida normal do Esprito:

eterna; a vida corporal transitria e passageira: no mais do que um instante na eternidade.

21. A encarnao dos Espritos est nas leis da Natureza; necessria ao adiantamento deles e execuo das obras de Deus. Pelo trabalho, que a existncia corprea lhes impe, eles aperfeioam a inteligncia e adquirem, cumprindo a lei de Deus, os mritos que os conduziro felicidade eterna.

Da resulta que, concorrendo para a obra geral da criao, os Espritos trabalham pelo seu prprio progresso.

22.O aperfeioamento do Esprito fruto do seu prprio labor; ele avana na razo da sua maior ou menor atividade ou da sua boa-vontade em adquirir as qualidades que lhe falecem.

23.No podendo o Esprito, numa s existncia, adquirir todas as qualidades morais e intelectuais que ho de conduzi-lo meta, ele chega a essa aquisio por meio de uma srie de existncias, em cada uma das quais d alguns passos para a frente na senda do progresso e se escoima de algumas imperfeies.

24.Para cada nova existncia, o Esprito traz o que ganhou em inteligncia e em moralidade nas suas existncias pretritas, assim como os germens das imperfeies de que ainda se no expungiu.

25.Quando um Esprito empregou mal uma existncia, isto , quando nenhum progresso realizou na senda do bem, essa existncia lhe resulta sem proveito, ele tem que a recomear em condies mais ou menos penosas, por efeito da sua negligncia ou m-vontade.

26. Devendo o Esprito, em cada existncia corprea, adquirir alguma coisa no sentido do bem e despojar-se de alguma coisa no sentido do mal, segue-se que, aps certo nmero de encarnaes, ele se acha depurado e alcana o estado de puro Esprito.

27. indeterminado o nmero das existncias corpreas; depende da vontade do Esprito reduzir esse nmero, trabalhando ativamente pelo seu progresso moral.

28.No intervalo das existncias corpreas, o Esprito errante e vive a vida espiritual. A erraticidade carece de durao determinada.

29.Quando, num mundo, os Espritos tm realizado a soma de progresso que o estado desse mundo lhe faculta efetuar, deixam-no e passam a encarnar noutro mais adiantado, onde entesouram novos conhecimentos e assim por diante, at que, de nenhuma utilidade mais lhe sendo a encarnao em corpos materiais, entram a viver exclusivamente a vida espiritual, em que tambm progridem noutro sentido e por outros meios. Galgando o ponto culminante do progresso, gozam da felicidade suprema. Admitidos nos Conselhos do Onipotente, identificam-se com o pensamento deste e se tornam seus mensageiros, seus ministros diretos para o governo dos mundos, tendo sob suas ordens os outros Espritos ainda em diferentes graus de adiantamento.4

MANIFESTAES DOS ESPRITOS - Carter e conseqncias religiosas das manifestaes dos Espritos

1. As almas ou Espritos dos que aqui viveram constituem o mundo invisvel que povoa o espao e no meio do qual vivemos. Da resulta que, desde que h homens, h Espritos e que, se estes ltimos tm o poder de manifestar-se, devem t-lo tido em todas as pocas. o que comprovam a histria e as religies de todos os povos. Entretanto, nestes ltimos tempos, as manifestaes dos Espritos assumiram grande desenvolvimento e tomaram um carter mais acentuado de autenticidade, porque estava nos desgnios da Providncia pr termo praga da incredulidade e do materialismo, por meio de provas evidentes, permitindo que os que deixaram a Terra viessem atestar sua existncia e revelar-nos a situao ditosa ou infeliz em que se encontravam..

2. Vivendo o mundo visvel em meio do mundo invisvel, com o qual se acha em contacto perptuo, segue-se que eles reagem incessantemente um sobre o outro, reao que constitui a origem de uma imensidade de fenmenos, que foram considerados sobrenaturais, por se no lhes conhecer a causa.

A ao do mundo invisvel sobre o mundo visvel e reciprocamente uma das leis, uma das foras da Natureza, to necessria harmonia universal, quanto a lei de atrao. Se ela cessasse, a harmonia estaria perturbada, conforme sucede num maquinismo, donde se suprima uma pea. Derivando de uma lei da natureza semelhante ao, nada tm, evidentemente, de sobrenaturais os fenmenos que ela opera. Pareciam tais, porque desconhecida era a causa que os produzia, O mesmo se deu com alguns efeitos da eletricidade, da luz, etc.

3.Todas as religies tm por base a existncia de Deus e por fim o futuro do homem depois da morte. Esse futuro, que de capital interesse para a criatura, se acha necessariamente ligado existncia do mundo invisvel, pelo que o conhecimento desse mundo h constitudo, desde todos os tempos, objeto de suas pesquisas e preocupaes. A ateno do homem foi naturalmente atraida pelos fenmenos que tendem a provar a existncia daquele mundo e nenhuns houve jamais to concludentes, como os das manifestaes dos Espritos por meio das quais os prprios habitantes de tal mundo revelaram suas existncias. Por isso foi que esses fenmenos se tornaram, bsicos para a maior parte dos dogmas de todas as religies.

4.Tendo instintivamente a intuio de uma potncia superior, o homem foi sempre levado, em todos os tempos, a atribuir ao direta dessa potncia os fenmenos cuja causa lhe era desconhecida e que passavam, a seu olhos, por prodgios e efeitos sobrenaturais, Os incrdulos consideram essa tendncia uma conseqncia da predileo que tem o homem pelo maravilhoso; no procuram, porm, a origem desse amor do maravilhoso. Ela, no entanto, reside muito simplesmente na intuio mal definida de uma ordem de coisas extracorpreas. Com o progresso da Cincia e o conhecimento das leis da Natureza, esses fenmenos passaram pouco a pouco do domnio do maravilhoso para o dos efeitos naturais, de sorte que o que outrora parecia sobrenatural j no o hoje e o que ainda o hoje no mais o ser amanh.

Os fenmenos decorrentes da manifestao dos Espritos forneceram, pela sua natureza mesma, larga contribuio aos fatos reputados maravilhosos. Tempo, contudo, viria em que, conhecida a lei que os rege, eles entrariam, como os outros, na ordem dos fatos naturais. Esse tempo chegou e o Espiritismo, dando a conhecer essa lei, apresentou a chave para a interpretao da maior parte das passagens incompreendidas das Escrituras sagradas que a isso aludem e dos fatos Udos por miraculosos.

5.O carter do fato miraculoso ser inslito e excepcional; uma derrogao das leis da Natureza. Desde, pois, que um fenmeno se reproduz em condies idnticas, segue-se que est submetido a uma lei e, ento, j no miraculoso. Pode essa lei ser desconhecida, mas, por isso, no menos real a sua existncia. O tempo se encarregar de revel-la.

Omovimento do Sol, ou, melhor, da Terra, sustado por Josu, seria um verdadeiro milagre, porqanto implicaria a derrogao manifesta da lei que rege o movimento dos astros. Mas, se o fato pudesse reproduzir-se em dadas condies, que estaria sujeito a uma lei e deixaria, conseguintemente, de ser milagre.

6. errneo assustar-se a Igreja com o fato de restringir-se o crculo dos fatos miraculosos, porqanto Deus prova melhor o seu poder e a sua grandeza por meio do admirvel conjunto de suas leis, do que por algumas infraes dessas mesmas leis. E tanto mais errneo o seu temor, quanto ela atribui ao demnio o poder de operar prodgios, donde resultaria que, podendo interromper o curso das leis divinas, o demnio seria to poderoso quanto Deus. Ousar dizer que o Esprito do mal pode suspender o curso das leis de Deus blasfmia e sacrilgio.

Longe de perder qualquer coisa de sua autoridade por passarem os fatos qualificados de milagrosos ordem dos fatos naturais, a religio somente pode ganhar com isso; primeiramente, porque, se um fato Udo falsamente por miraculoso, h a um erro e a religio somente pode perder, se se apoiar num erro, sobretudo se se obstinasse em considerar milagre o que no o seja; em segundo lugar, porque, no admitindo a possibilidade dos milagres, muitas pessoas negam os fatos qualificados de mi lagrosos, negando, conseguintemente, a religio que em tais fatos se estriba. Se, ao contrrio, a possibilidade dos mesmos fatos for demonstrada como efeitos das leis naturais, j no haver cabimento para que algum os repila, nem repila a religio que os proclame.

7.Nenhuma crena religiosa, por lhes ser contrria, pode infirmar os fatos que a Cincia comprova de modo peremptrio. No pode a religio deixar de ganhar em autoridade acompanhando o progresso dos conhecimentos cientficos, como no pode deixar de perder, se se conservar retardatria, ou a protestar contra esses mesmos conhecimentos em nome dos seus dogmas, visto que nenhum dogma poder prevalecer contra as leis da Natureza, ou anul-las. Um dogma que se funde na negao de uma lei da Natureza no pode exprimir a verdade.

OEspiritismo, que se funda no conhecimento de leis at agora incompreendidas, no vem destruir os fatos religiosos, porm sancion-los, dando-lhes uma explicao racional. Vem destruir apenas as falsas conseqncias que deles foram deduzidas, em virtude da ignorncia daquelas leis, ou de as terem interpretado erradamente.

8. A ignorncia das leis da Natureza, com o levar o homem a procurar causas fantsticas para fenmenos que ele no compreende, a origem das idias supersticiosas, algumas das quais so devidas aos fenmenos espritas mal compreendidos, O conhecimento das leis que regem os fenmenos destri essas idias supersticiosas, encaminhando as coisas para a realidade e demonstrando, com relao a elas, o limite do possvel e do impossvel.5

1 O perisprito como princpio das manifestaes

9. Os Espritos, como j foi dito, tm um corpo fludico, a que se d o nome de perisprito. Sua substncia haurida do fludo universal ou csmico, que o forma e alimenta, como o ar forma e alimenta o corpo material do homem. O perisprito mais ou menos etreo, conforme os mundos e o grau de depurao do Esprito. Nos mundos e nos Espritos inferiores, ele de natureza mais grosseira e se aproxima muito da matria bruta.

10.Durante a encarnao, o Esprito conserva o seu perisprito, sendo-lhe o corpo apenas um segundo envoltrio mais grosseiro, mais resistente, apropriado aos fenmenos a que tem de prestar-se e do qual o Esprito se despoja por ocasio da morte.

Operisprito serve de intermedirio ao Esprito e ao corpo. o rgo de transmisso de todas as sensaes. Relativamente s que vm do exterior, pode-se dizer que o corpo recebe a impresso; o perisprito a transmite e o Esprito, que o ser sensvel e inteligente, a recebe. Quando o ato de iniciativa do Esprito, pode dizer-se que o Esprito quer, o perisprito transmite e o corpo executa.

11. O perisprito no se acha encerrado nos limites do corpo, como numa caixa. Pela sua natureza fludica, ele expansvel, irradia para o exterior e forma, em torno do corpo, uma espcie de atmosfera que o pensamento e a fora da vontade podem dilatar mais ou menos. Da se segue que pessoas h que, sem estarem em contacto corporal, podem achar-se em contacto pelos seus perispritos e permutar a seu mau grado impresses e, algumas vezes, pensamentos, por meio da intuio.

12. Sendo um dos elementos constitutivos do homem, o perisprito desempenha importante papel em todos os fenmenos psicolgicos e, at certo ponto, nos fenmenos fisiolgicos e patolgicos. Quando as cincias mdicas tiverem na devida conta o elemento espiritual na economia do ser, tero dado grande passo e horizontes inteiramente novos se lhes patentearo. As causas de muitas molstias sero a esse tempo descobertas e encontrados poderosos meios de combat-las.

13.Por meio do perisprito que os Espritos atuam sobre a matria inerte e produzem os diversos fenmenos medinicos. Sua natureza etrea no que a isso obstaria, pois se sabe que os mais poderosos motores se nos deparam nos fludos mais rarefeitos e nos mais imponderveis. No h, pois, motivo de espanto quando, com essa alavanca, os Espritos produzem certos efeitos fsicos, tais como pancadas e rudos de toda espcie, levantamento, transporte ou lanamento de objetos. Para explicarem-se esses fatos, no h porque recorrer ao maravilhoso, nem ao sobrenatural.

14.Atuando sobre a matria, podem os Espritos manifestar-se de muitas maneiras diferentes: por efeitos fsicos, quais os rudos e a movimentao de objetos; pela transmisso do pensamento, pela viso, pela audio, pela palavra, pelo tato, pela escrita, pelo desenho, pela msica, etc. Numa palavra, por todos os meios que sirvam a p-los em comunicao com os homens.

15.Podem ser espontneas ou provocadas as manifestaes dos Espritos. As primeiras do-se inopinadamente e de improviso. Produzem-se, muitas vezes, entre pessoas de todo estranhas s idias espritas. Nalguns casos e sob o imprio de certas circunstncias, pode a vontade provocar as manifestaes, sob a influncia de pessoas dotadas, para tal efeito, de faculdades especiais.

As manifestaes espontneas sempre se produziram, em todas as pocas e em todos os pases. Sem dvida, j na antigidade se conhecia o meio de as provocar; mas, esse meio constitua privilgio de certas castas que somente a raros iniciados o revelavam, sob condies rigorosas, escondendo-o ao vulgo, a fim de o dominar pelo prestgio de um poder oculto. Ele, contudo, se perpetuou, atravs das idades at aos nossos dias, entre alguns indivduos, mas quase sempre desfigurado pela superstio, ou de mistura com as prticas ridculas da magia, o que contribuiu para o desacreditar. Nada mais fora at ento seno germens lanados aqui e ali. A Providncia reservara para a nossa poca o conhecimento completo e a vulgarizao desses fenmenos, para os expurgar das ligas impuras e torn-los teis ao melhoramento da Humanidade, madura agora para os compreender e lhes tirar as conseqncias.6

2 Manifestaes visuais

16.Por sua natureza e em seu estado normal, o perisprito invisvel, tendo isso de comum com uma imensidade de fludos que sabemos existir, mas que nunca vimos. Pode tambm, como alguns fludos, sofrer modificaes que o tornam perceptvel vista, quer por uma espcie de condensao, quer por uma mudana na disposio molecular. Pode mesmo adquirir as propriedades de um corpo slido e tangvel e retomar instantaneamente seu estado etreo e invisvel. possvel fazer-se idia desse efeito pelo que acontece com o vapor, que passa do estado de invisibilidade ao estado brumoso, depois ao lquido, em seguida ao slido e vice-versa.

Esses diferentes estados do perisprito resultam da vontade do Esprito e no de uma causa fsica exterior, como se d com os gases. Quando um Esprito aparece, que ele pe seu perisprito no estado prprio a torn-lo visvel. Entretanto, nem sempre basta a vontade para faz-lo visvel: preciso, para que se opere a modificao do perisprito, o concurso de umas tantas circunstncias que dele independem. preciso, ao demais, que ao Esprito seja permitido fazer-se visvel a tal pessoa, permisso que nem sempre lhe concedida, ou somente o em determinadas circunstncias, por motivos que nos escapam. (Veja-se: O Livro dos Mdiuns, 2 Parte, captulo VI.)

Outra propriedade do perisprito, peculiar essa sua natureza etrea, a penetrabilidade. Matria nenhuma lhe ope obstculo; ele as atravessa todas, como a luz atravessa os corpos transparentes. Da vem que no h como impedir que os Espritos entrem num recinto inteiramente fechado. Eles visitam o preso no seu crcere to facilmente como visitam a um que est no campo a trabalhar.

17.As manifestaes visuais ocorrem ordinariamente durante o sono, por meio dos sonhos: so as vises. As aparies propriamente ditas do-se no estado de viglia, estando aqueles que as percebem no gozo pleno de suas faculdades e da liberdade de usar delas. Apresentam-se, em geral, sob forma vaporosa e difana, algumas vezes vaga e imprecisa. Freqentemente, no passam, primeira vista, de um claro esbranquiado, cujos contornos pouco a pouco se acentuam. Doutras vezes, as formas se apresentam nitidamente desenhadas, distinguindo-se os menores traos do rosto, ao ponto de poder-se descrev-lo com preciso. Os ademanes e o aspecto assemelham-se aos que o Esprito tinha quando vivo.

18.Podendo assumir todas as aparncias, o Esprito se apresenta debaixo daquela que mais reconhecvel o possa tornar, se o quiser. assim que, embora como Esprito nenhuma enfermidade corprea lhe reste, ele se mostrar estropiado, coxo, ferido, com cicatrizes, se isso for necessrio a lhe comprovar a identidade. O mesmo se observa com relao ao traje. O dos Espritos que nada conservam das fraquezas terrenas, aquele de ordinrio consta de amplos panos flutuantes e de uma cabeleira ondulante e graciosa.

Amide os Espritos se apresentam com os atributos caractersticos de sua elevao, como: uma aurola, asas os que podem ser considerados anjos, resplandecente aspecto luminoso, enquanto que outros trajam as que recordam suas ocupaes terrestres. Assim, um guerreiro aparecer com a sua armadura, um sbio com livros, um assassino com um punhal, etc. A figura dos Espritos superiores bela, nobre e serena; os mais inferiores tm qualquer coisa de feroz e bestial e, por vezes, ainda mostram vestgios dos crimes que cometeram ou dos suplcios por que passaram, sendo-lhes essas aparncias uma realidade, isto , julgam-se quais aparecem, o que para eles um castigo.

19.O Esprito que quer ou pode realizar uma apario toma por vezes uma forma ainda mais precisa, de semelhana perfeita com um slido corpo humano, de sorte a causar iluso completa e dar a crer que est ali um ser corpreo.

Nalguns casos e dadas certas circunstncias, a tangibilidade pode tornar-se real, isto , pode-se tocar, apalpar a apario, senti-la resistente como um corpo vivo e com o calor que se observa neste, o que no impede que ela se desvanea com a rapidez do relmpago. Pode, pois, uma pessoa estar em presena de um Esprito, trocar com ele palavras e gestos ordinrios e supor que se trata de um simples mortal, sem suspeitar sequer que tem diante de si um Esprito.

20.Qualquer que seja o aspecto sob que se apresente um Esprito, ainda que sob forma tangvel, pode ele, no instante em que isso se d, somente ser visvel para algumas pessoas. Pode, pois, numa reunio, mostrar-se, apenas, a um ou a diversos dos que nela estejam. De dois indivduos que se achem lado a lado, pode acontecer que um o veja e toque e o outro nem o veja, nem o sinta.

O fenmeno da apario a uma s pessoa, entre muitas que se encontrem reunidas, explica-se por ser necessria, para que ele se produza, uma combinao do fludo perispiritual do Esprito com o da pessoa. E, para que isso se d, preciso que haja entre esses fludos uma espcie de afinidade que permita a combinao. Se o Esprito no encontra a necessria aptido orgnica, o fenmeno da apario no pode reproduzir-se; se existe a aptido, o Esprito tem a liberdade de aproveit-la ou no. Dai resulta que, se duas pessoas igualmente dotadas quanto a essa aptido se encontram juntas, pode o Esprito operar a combinao fludica apenas com aquela das duas a quem ele queira mos trar-se. Se no a operar com a outra, esta no o ver. como se se tratasse de dois indivduos cujos olhos estivessem vendados: se um terceiro quiser mostrar-se a um dos dois apenas, somente dos olhos desse retirar a venda. A um, porm, que fosse cego, nada adiantaria a retirada da venda: ele, por isso, no adquiriria a faculdade de ver.

21.So muito raras as aparies tangveis, sendo, no entanto, freqentes as vaporosas. So-no, sobretudo, no momento da morte, O Esprito que se libertou como que tem pressa de ir rever seus parentes e amigos, qui para avis-los de que acaba de deixar a Terra e dizer-lhes que continua a viver. Recorra cada um s suas lembranas e verificar que muitos fatos autnticos desse gnero, aos quais no foi dada a devida ateno, ocorreram, no somente noite, mas em pleno dia e em completo estado de viglia.7

3 Transfigurao. Invisibilidade

22.O perisprito das pessoas vivas goza das mesmas propriedades que o dos Espritos. Como j foi dito, o daquelas no se acha confinado no corpo: irradia e forma em torno deste uma espcie de atmosfera fludica. Ora, pode suceder que, em certos casos e dadas as mesmas circunstncias, ele sofra uma transformao anloga j descrita: a forma real e material do corpo se desvanece sob aquela camada fludica, se assim nos podemos exprimir, e toma por momentos uma aparncia inteiramente diversa, mesmo a de outra pessoa ou a do Esprito que combina seus fludos com os do indivduo, podendo tambm dar a um semblante feio um aspecto bonito e radioso. Tal o fenmeno que se designa pelo nome de transfigurao, bastante freqente e que se produz, principalmente, quando as circunstncias ocorrentes provocam mais abundante expanso de fludo.

O fenmeno da transfigurao pode operar-se com intensidades muito diferentes, conforme o grau de depu rao do perisprito, grau que sempre corresponde ao da elevao moral do Esprito. Cinge-se s vezes a uma simples mudana no aspecto geral da fisionomia, enquanto que doutras vezes d ao perisprito uma aparncia luminosa e esplndida.

A forma material pode conseguintemente desaparecer sob o fludo perispirtico, sem que se faa para isso necessrio que o fludo assuma outro aspecto. Por vezes, apenas oculta um corpo inerte ou vivo, tornando-o invisvel para uma ou para muitas pessoas, como o faria uma camada de vapor.

Tomamos as coisas atuais unicamente como termos de comparao, sem pretendermos uma analogia absoluta, que no existe.

23. Estes fenmenos talvez paream singulares, mas somente por no se conhecerem ainda as propriedades do fludo perispirtico. Este , para ns, um novo corpo, que h de possuir propriedades novas e que no se podem estudar seno pelos processos ordinrios da Cincia, mas que no deixam, por isso, de ser propriedades naturais, s tendo de maravilhosa a novidade.8

4 Emancipao da alma

24. Durante o sono, apenas o corpo repousa; o Esprito, esse no dorme; aproveita-se do repouso do primeiro e dos momentos em que a sua presena no necessria para atuar isoladamente e ir aonde quiser, no gozo ento da sua liberdade e da plenitude das suas faculdades. Durante a encarnao, o Esprito jamais se acha completamente separado do corpo; qualquer que seja a distncia a que se transporte, conserva-se preso sempre quele por um lao fludico que serve para faz-lo voltar - priso corprea, desde que a sua presena ali se torne necessria. Esse lao s a morte o rompe.

Durante o sono, a alma se liberta parcialmente do corpo. Quando dormimos, ficamos, temporariamente, no estado em que nos acharemos de maneira definitiva aps a morte. Os Espritos que depois da morte de seus corpos se desligaram da matria, tiveram sonos inteligentes; aqueles, quando dormem, juntam-se sociedade de outros seres que lhes so superiores; viajam, conversam e se instruem com eles, trabalham mesmo em obras que, quando morrem, acham inteiramente acabadas. Isto deve ensinar-vos a no temer a morte, pois que morreis todos os dias, como o disse um santo.

Assim com relao aos Espritos elevados. Quanto massa geral dos homens que, por ocasio da morte, tm de passar por aquela perturbao, por aquela incerteza de que eles prprios vos ho falado, esses vo ou a mundos inferiores Terra, aonde os chamam antigas afeies, ou em busca de prazeres ainda mais degradantes, talvez, do que os de sua predileo neste mundo. Vo cata de doutrinas ainda mais vis, mais ignbeis, mais nocivas do que as que entre vs professam. O que gera na Terra a simpatia apenas o fato de que o Esprito, ao despertar, se sente vinculado, pelo corao, queles em cuja companhia acaba de passar oito ou nove horas de ventura ou de prazer. Por outro lado, o que tambm explica essas invencveis antipatias que uma criatura s vezes experimenta que ela sente, dentro do seu corao, que os que lhe so antipticos possuem uma conscincia diversa da sua, pois que ela os conhece sem jamais os ter visto. tambm o que explica a indiferena, que nasce da circunstncia de no nos interessar o granjeio de novos amigos, quando sabemos que outros contamos que nos amam e nos querem. Numa palavra: o sono influi mais do que supondes na vossa vida.

Por meio do sono, os Espritos encarnados esto sempre em relao com o mundo dos Espritos e isso o que faz que os Espritos superiores consintam, sem grande repugnncia, em encarnar entre vs. Deus quer que, enquanto se achem em contacto com o vcio, eles possam ir retemperar-se na fonte do bem, para no suceder que tambm venham a falir, quando o que lhes cabe instruir os outros. O sono a porta que Deus lhes abriu para irem ter com seus amigos do cu; o recreio aps o trabalho, enquanto aguardam a grande libertao, a libertao final que os restituir ao meio que lhes prprio.O sonho a lembrana do que o Esprito viu durante o sono. Notai, porm, que nem sempre sonhais, pois que nem sempre vos lembrais do que vistes, ou de tudo o que vistes. que a vossa alma no se acha em todo o desenvolvimento de suas faculdades; no , muitas vezes, mais do que a lembrana da perturbao que experiinenta partida ou volta, qual se junta a do que fizestes ou do que vos preocupa no estado de viglia. Se assim no fosse, como explicareis os sonhos absurdos, que tanto os mais sbios, como os mais simples tm? Tambm os maus Espritos se servem dos sonhos para atormentar as almas fracas ou pusilnimes.

A incoerncia dos sonhos ainda se explica pelas lacunas resultantes da recordao incompleta do que durante eles foi visto. D-se ento o que se daria com uma narrativa da qual se truncassem frases ao acaso: reunidos, os fragmentos que restassem nenhuma significao racional apresentariam.

Em suma, dentro em pouco vereis desenvolver-se outra espcie de sonhos, to antigos como os que conheceis, mas que ainda ignorais. O sonho de Joana dArc, o sonho de Jacob, os sonhos dos profetas judeus e de alguns adivinhos indianos so lembranas que a alma, inteiramente desprendida do corpo, conserva dessa outra vida de que eu ainda no h muito vos falava. (O Livro dos Espritos, Parte 2 cap. VIII.)

25. A independncia e a emancipao da alma se manifestam, de maneira evidente, sobretudo no fenmeno do sonambulismo natural e magntico, na catalepsia e na letargia. A lucidez sonamblica no seno a faculdade, que a alma tem, de ver e sentir sem o concurso dos rgos materiais. um de seus atributos essa faculdade e reside em todo o seu ser, no passando os rgos do corpo de estreitos canais por onde lhe chegam certas percepes. A viso a distncia, que alguns sonmbulos possuem, provm de um deslocamento da alma, que ento v o que se passa nos lugares a que se transporta. Em suas peregrinaes, ela se acha sempre revestida do seu perisprito, agente de suas sensaes, mas que nunca se desliga completamente do corpo, como j ficou dito, O afastamento da alma produz a inrcia do corpo, que s vezes parece sem vida.

26.Esse afastamento ou desprendimento pode tambm operar-se, em graus diversos, no estado de viglia. Mas, ento, jamais o corpo goza inteiramente da sua atividade normal; h sempre uma certa absoro, um alheamento mais ou menos completo das coisas terrestres. O corpo no dorme, caminha, age, mas os olhos olham sem ver, dando a compreender que a alma est algures. Como no sonambulismo, ela v as coisas distantes; tem percepes e sensaes que desconhecemos; s vezes, tem a prescincia de alguns acontecimentos futuros pela ligao que percebe existir entre eles e os fatos presentes. Penetrando no mundo invisvel, v os Espritos com quem lhe possvel entabular conversaao e cujos pensamentos lhe dado transmitir.

sua volta ao estado normal, de ordinrio sobrevm o esquecimento do que se passou. Algumas vezes, porm, ela conserva uma lembrana mais ou menos vaga do ocorrido, como se tivesse tido um sonho.27.No raro, a emancipao da alma amortece tanto as sensaes fsicas, que chega a produzir verdadeira insensibilidade que, nos momentos de exaltao, lhe possibilita suportar com indiferena as mais vivas dores. Provm essa insensibilidade do desprendimento do perisprito, agente transmissor das sensaes corporais. Ausente, o Esprito no sente as feridas feitas no corpo.

28. Em sua manifestao mais simples, a faculdade que a alma tem de emancipar-se produz o que se denomina o devaneio em viglia. A algumas pessoas, essa emancipao tambm d a prescincia, que se traduz pelos pressentimentos; em grau mais avanado de desprendimento, produz o fenmeno conhecido pelo nome de segunda vista, vista dupla, ou sonambulismo vgil.

29.O xtase a emancipao da alma no grau mximo. No sonho e no sonambulismo, a alma erra pelos mundos terrestres; no xtase, penetra num mundo desconhecido, no mundo dos Espritos etreos, com os quais entra em comunicao, sem, todavia, poder ultrapassar certos limites, que ela no poderia transpor sem quebrar totalmente os laos que a prendem ao corpo. Cercam-na um brilho resplandecente e desusado fulgor, elevam-na harmonias que na Terra se desconhecem, invade-a indefinvel bem-estar; dado lhe gozar antecipadamente da beatitude celeste e bem se pode dizer que pe um p no limiar da eternidade. No xtase, quase completo o aniquilamento do corpo; j no resta, por assim dizer, seno a vida orgnica e percebe-se que a alma lhe est presa apenas por um fio, que mais um pequeno esforo faria partir-se. (O Livro dos Espritos, n 455.)

30.Como em nenhum dos outros graus de emancipao da alma, o xtase no isento de erros, pelo que as revelaes dos extticos longe esto de exprimir sempre a verdade absoluta. A razo disso reside na imperfeio do esprito humano; somente quando ele h chegado ao cume da escala pode julgar das coisas lucidamente; antes no lhe dado ver tudo, nem tudo compreender. Se, aps o fenmeno da morte, quando o desprendimento completo, ele nem sempre v com justeza; se muitos h que se conservam imbuidos dos prejuzos da vida, que no compreendem as coisas do mundo visvel, onde se encontram, com mais forte razo o mesmo h de suceder com o Esprito ainda retido na carne.

H por vezes, nos extticos, mais exaltao que verdadeira lucidez, ou, melhor, a exaltao lhes prejudica a lucidez, razo por que suas revelaes so com freqncia uma mistura de verdades e erros, de coisas sublimes e outras ridculas. Tambm Espritos inferiores se aproveitam dessa exaltao, que sempre uma causa de fraqueza quando no h quem saiba govern-la, para dominar o exttico, e, para conseguirem seus fins, assumem aos olhos deste aparncias que o aferram s suas idias e preconceitos, de modo que suas vises e revelaes no vm a ser mais do que reflexos de suas crenas. um escolho a que s escapam os Espritos de ordem elevada, escolho. diante do qual o observador deve manter-se em guarda.

31. Pessoas h cujo perisprito se identifica de tal maneira com o corpo, que s com extrema dificuldade se opera o desprendimento da alma, mesmo por ocasio da morte; so, em geral, as que viveram mais para a matria; so tambm aquelas para as quais a morte mais penosa, mais cheia de angstias, mais longa e dolorosa a agonia. Outras h, porm, cujas almas, ao contrrio, se acham presas ao corpo por liames to frgeis, que a separao se efetua sem abalos, com a maior facilidade e freqentemente antes que se d a morte do corpo. Ao aproximar-se-lhes o termo da vida, essas almas entrevem o mundo onde vo penetrar e pelo qual aspiram no momento da libertao completa.9

5 Apario de pessoas vivas. Bicorporeidade 32. A faculdade, que a alma possui, de emancipar-se e de desprender-se do corpo durante a vida pode dar lugar a fenmenos anlogos aos que os Espritos desencarnados produzem. Enquanto o corpo se acha mergulhado em sono, o Esprito, transportando-se a diversos lugares, pode tornar-se visvel e aparecer sob forma vaporosa, quer em sonho, quer em estado de viglia. Pode igualmente apresentar-se sob forma tangvel, ou, pelo menos, com uma aparncia to idntica realidade, que possvel se torna a muitas pessoas estar com a verdade, ao afirmarem t-lo visto ao mesmo tempo em dois pontos diversos. Ele, com efeito, estava em ambos, mas apenas num se achava o corpo verdadeiro, achando-se no outro o Esprito. Foi este fenmeno, alis muito raro, que deu origem crena nos homens duplos e que se denomina de bicorporeidade.

Por. muito extraordinrio que seja, tal fenmeno, como todos os outros, se compreende na ordem dos fenmenos naturais, pois que decorre das propriedades do perisprito e de uma lei natural.10

6 Dos mdiuns

33.Mdiuns so pessoas aptas a sentir a influncia dos Espritos e a transmitir os pensamentos destes.

Toda pessoa que, num grau qualquer, experimente a influncia dos Espritos , por esse simples fato, mdium. Essa faculdade inerente ao homem e, por conseguinte, no constitui privilgio exclusivo, donde se segue que poucos so os que no possuam um rudimento de tal faculdade. Pode-se, pois, dizer que toda gente, mais ou menos, mdium. Contudo, segundo o uso, esse qualificativo s se aplica queles em quem a faculdade medinica se manifesta por efeitos ostensivos, de certa intensidade.

34. O fludo perispirtico o agente de todos os fenmenos espritas, que s se podem produzir pela ao recproca dos fludos que emitem o mdium e o Esprito. O desenvolvimento da faculdade medinica depende da natureza mais ou menos expansiva do perisprito do mdium e da maior ou menor facilidade da sua assimilao pelo dos Espritos; depende, portanto, do organismo e pode ser desenvolvida quando exista o princpio; no pode, porm, ser adquirida quando o princpio no exista. A predisposio medinica independe do sexo, da idade e do temperamento. H mdiuns em todas as categorias de indivduos, desde a mais tenra idade, at a mais avanada.

35. As relaes entre os Espritos e os mdiuns se estabelecem por meio dos respectivos perispritos, dependendo a facilidade dessas relaes do grau de afinidade existente entre os dois fludos. Alguns h que se combinam facilmente, enquanto outros se repelem, donde se segue que no basta ser mdium para que uma pessoa se comunique indistintamente com todos os Espritos. H mdiuns que s com certos Espritos podem comunicar-se ou com Espritos de certas categorias, e outros que no o podem a no ser pela transmisso do pensamento, sem qualquer manifestao exterior.

36.Por meio da combinao dos fludos perispirticos o Esprito, por assim dizer, se identifica com a pessoa que ele deseja influenciar; no s lhe transmite o seu pensamento, como tambm chega a exercer sobre ela uma influncia fsica, faz-la agir ou falar sua vontade, obrig-la a dizer o que ele queira, servir-se, numa palavra, dos rgos do mdium, como se seus prprios fossem. Pode, enfim, neutralizar a ao do prprio Esprito da pessoa influenciada e paralisar-lhe o livre-arbtrio. Os bons Espritos se servem dessa influncia para o bem, e os maus para o mal.

37.Podem os Espritos manifestar-se de uma infinidade de maneiras, mas no o podem seno com a condio de acharem uma pessoa apta a receber e transmitir impresses deste ou daquele gnero, segundo as aptides que possua. Ora, como no h nenhuma que possua no mesmo grau todas as aptides, resulta que umas obtm efeitos que a outras so impossveis. Dessa diversidade de aptides decorre que h diferentes espcies de mdiuns.

38. Nem sempre necessria a interveno da vontade do mdium. O Esprito que quer manifestar-se procura o indivduo apto a receber-lhe a impresso e dele se serve, muitas vezes a seu mau grado. Outras pessoas, ao contrrio, conscientes de suas faculdades, podem provocar certas manifestaes. Da duas catego rias de mdiuns: mdiuns inconscientes e mdiuns facultativos.

No caso dos primeiros, a iniciativa dos Espritos; no segundo, dos mdiuns.

39. Os mdiuns facultativos s se encontram entre pessoas que tm conhecimento mais ou menos completo dos meios de comunicao com os Espritos, o que lhes possibilita servir-se, por vontade prpria, de suas faculdades; os mdiuns inconscientes, ao contrrio, existem entre as que nenhuma idia fazem do Espiritismo, nem dos Espritos, at mesmo entre as mais incrdulas e que servem de instrumento, sem o saberem e sem o quererem. Os fenmenos espritas de todos os gneros podem operar-se por influncia destes ltimos, que sempre existiram, em todas as pocas e no seio de todos os povos. A ignorncia e a credulidade lhes atriburam um poder sobrenatural e, conforme os tempos e os lugares, fizeram deles santos, feiticeiros, loucos ou visionrios. O Espiritismo mostra que com eles apenas se d a manifestao espontnea de uma faculdade natural.

40. Entre as diferentes espcies de mdiuns, distinguem-se principalmente: os de efeitos fsicos; os sensitivos ou impressivos; os audientes, falantes, videntes, inspirados, sonmblicos, curadores, escreventes ou psicgrafos. Aqui unicamente trataremos das espcies essenciais. (1)

41.Mdiuns de efeitos fsicos So os mais aptos, especialmente, produo de fenmenos materiais, como o movimento de corpos inertes, os ruidos, a deslocao, o levantamento e a translao de objetos, etc. Estes fenmenos podem ser espontneos ou provocados. Em todos os casos, exigem o concurso voluntrio ou involuntrio de mdiuns dotados de faculdades especiais. Em geral, tm por agentes Espritos de ordem inferior, uma

(1) Para esclarecimentos completos, consulte-se O Livro do. Mdiuns.

vez que os Espritos elevados s se preocupam com comunicaes inteligentes e instrutivas.

42.Mdiuns sensitivos ou impressivos D-se esta denominao s pessoas suscetveis de pressentir a presena dos Espritos, por impresso vaga, um como ligeiro atrito em todos os membros, fato que no logram explicar. Tal sutileza pode essa faculdade adquirir, que aquele que a possui reconhece, pela impresso que experimenta, no s a natureza, boa ou m, do Esprito que lhe est ao lado, mas tambm a sua individualidade, como o cego reconhece instintivamente a aproximao de tal ou tal pessoa. Um Esprito bom causa sempre uma impresso branda e agradvel; a de um Esprito mau, ao contrrio, e penosa, aflitiva e desagradvel: h um como cheiro de impureza.

43.Mdiuns audientes Esses ouvem os Espritos; , algumas vezes, como se escutassem uma voz interna que lhes ressoasse no foro ntimo; doutras vezes uma voz exterior, clara e distinta, qual a de uma pessoa viva. Os mdiuns audientes tambm podem conversar com os Espritos. Quando se habituam a comunicar-se com certos Espritos, eles os reconhecem imediatamente pelo som da voz. Aquele que no mdium audiente pode comunicar-se com um Esprito por via de um mdium audiente que lhe transmite as palavras.

44. Mdiuns falantes Os mdiuns audientes, que nada mais fazem do que transmitir o que ouvem, no so propriamente mdiuns falantes, os quais, as mais das vezes, nada ouvem. Com eles, o Esprito atua sobre os rgos da palavra, como atuam sobre a mo dos mdiuns escreventes. Querendo comunicar-se, o Esprito se serve do rgo que acha mais malevel: de um, utiliza-se da mo, de outro da palavra, de um terceiro da audio. Em geral, o mdium falante se exprime sem ter conscincia do que diz e diz amide coisas inteiramente fora do to mbito de suas idias habituais, de seus conhecimentos e, at, fora do alcance da sua inteligncia. No raro verem-se pessoas iletradas e de inteligncia vulgar expressar-se, em tais momentos, com verdadeira eloqncia e tratar, com incontestvel superioridade, de questes sobre as quais seriam incapazes de emitir, no estado ordinrio, uma opinio.

Se bem esteja perfeitamente acordado quando exerce a sua faculdade, raro que o mdium falante guarde lembrana do que disse. Nem sempre, porm, integral a sua passividade. Alguns h que tm intuio do que dizem, no prprio instante em que proferem as palavras. Estas, no mdium falante, so o instrumento de que se serve o Esprito com quem uma pessoa estranha pode entrar em comunicao, do mesmo modo que o pode fazer com o concurso de um mdium audiente. Entre o mdium falante e o mdium audiente, h a diferena de que este fala voluntariamente para repetir o que ouve, ao passo que o outro fala involuntariamente.

45. Mdiuns videntes D-se esta qualificao s pessoas que, em estado normal e perfeitamente despertas, gozam