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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA-UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I
LICENCIATURA EM PEDAGOGIA COM HABILITAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL
SHIRLEI CRISTINA OLIVEIRA DE SANTANA
A DESVALORIZAÇÃO DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO INFANTIL E
SEU IMPACTO NA ATUAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA ÁREA
Salvador- Bahia
2010
SHIRLEI CRISTINA OLIVEIRA DE SANTANA
A DESVALORIZAÇÃO DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO INFANTIL E
SEU IMPACTO NA ATUAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA ÁREA
Monografia apresentada a Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Departamento de Educação, Campus I, como pré-requisito para a conclusão do curso de Licenciatura em Pedagogia com Habilitação em Educação Infantil.
Orientadora: Profª.M.Sc. Iêda R. da S. Balogh
Salvador- Bahia 2010
SHIRLEI CRISTINA OLIVEIRA DE SANTANA
A DESVALORIZAÇÃO DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO INFANTIL E
SEU IMPACTO NA ATUAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA ÁREA
Monografia submetida à aprovação corpo docente da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Departamento de Educação, Campus I, como pré-requisito para a conclusão do curso de Licenciatura em Pedagogia com Habilitação em Educação Infantil.
Aprovada em: ....../...../........
Banca Examinadora:
__________________________________
Profª M.Sc. Iêda Rodrigues da Silva Balogh - Orientadora
Universidade do Estado da Bahia
____________________________________
Profª M.Sc. Rilza Cerqueira
Universidade do Estado da Bahia
_____________________________________
Profª M. Sc. Marta Leone
Universidade do Estado da Bahia
Dedico este trabalho a todos
que me encorajaram, direta ou
indiretamente, durante a sua
elaboração. Seja com palavras
de apoio, ou por meio do
silêncio solidário, mas sempre
presentes em todas as
situações
AGRADECIMENTO
Agradeço primeiramente a Deus, por ter permitido que mais esse sonho se
concretizasse em minha vida. Agradeço também aos meus pais, Lourdes e Valdir
pelo apoio incondicional a mim dispensado. A meu filho Júnior, que mesmo com sua
pouca idade, teve maturidade para compreender a importância desse trabalho e
respeitar os meus momentos de ausência e estresse. A minha irmã Hildete, ao
companheiro Edmilson, às amigas da faculdade, em especial a Aline Lima e Isabele
Sodré, à amiga de longa data, Daniela Barreto, por acreditarem em mim e
orgulharem-se a cada etapa cumprida. Não posso esquecer a minha orientadora,
Iêda Balogh, que com sua paciência, conhecimento e senso de humor aflorado,
diminuía a tensão das tardes de orientação. Enfim, a todos que contribuíram para o
êxito desse trabalho, meu muito obrigada!
“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a
sociedade muda”.
(PAULO FREIRE)
RESUMO
Esta monografia estuda desvalorização dos professores de Educação Infantil e seu impacto na atuação dos profissionais da área, reflexo de um conceito instaurado na sociedade, que é imposto através de valores transmitidos pela cultura. Objetiva avaliar os motivos que levaram à desvalorização desses profissionais, além do seu impacto na atuação dos mesmos. É um estudo qualitativo, do tipo exploratório, que teve como informantes 15 (quinze) profissionais da Educação Infantil. Utilizou-se do recurso da entrevista como técnica de coleta de dados, baseado em um roteiro estruturado e observações não participantes. Constatou-se que a concepção que se estendeu ao longo da história da Educação Infantil até os dias atuais é a de que os profissionais dessa modalidade de ensino são desvalorizados duplamente, por serem em grande maioria do sexo feminino e por atuarem na educação infantil. São profissionais acometidos dos velhos problemas da baixa remuneração, sobrecarga e más condições de trabalho, além do desgaste físico e psicológico, que vão refletir na sala de aula, contribuindo para a desqualificação do ensino. Palavras-chave: Desvalorização. Professor. Educação Infantil.
ABSTRACT
This monograph examines devaluation of Child Education teachers and its impact on
workers, reflects a concept introduced in society, which is enforced through values
transmitted by culture. Objectively assess the reasons why the devaluation of these
professionals, in addition to its impact on them. Is a qualitative study of exploratory
type, which took as informants 15 (fifteen) Child education professionals. Used
feature interview as technical data collection, based on a structured roadmap and
comments not participants. The design that ensued throughout the history of
childhood Education today is that the homestay teaching professionals are devalued
doubly, because they are in the vast majority of females and act on child education.
Are professionals anger of old problems of low remuneration, overhead and poor
working conditions, in addition to physical and psychological wear, which will reflect
in the classroom, contributing to the disqualification of education.
Keywords: Devaluation. Teacher. Child Education. .
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................... 09
2 METODOLOGIA ADOTADA .................................................... 12
2.1 Tipo de pesquisa ...................................................................................... 12
2.2 Estratégias e Instrumentos de coleta de dados .................................... 13
3 A EDUCAÇÃO EM UMA BREVE RETROSPECTIVA
HISTÓRICA .............................................................................. 15
3.1 A História da Educação ........................................................................... 15
3.2 Breve histórico da educação no Brasil .................................................. 19
4 A CRIANÇA CONQUISTA SEU ESPAÇO ............................... 25
4.1 Mudanças no modo de conceber a criança ........................................... 25
4.2 Falando um Pouco da Educação Infantil ............................................... 28
5 DE MÃE À PROFESSORA: A INSERÇÃO DA MULHER
NO CENÁRIO EDUCACIONAL ................................................ 32
5.1 Formação de professores e desvalorização da docência .................... 38
6 FALA, PROFESSORA! ............................................................ 42
6.1 Quem são essas professoras? ............................................................... 42
6.2 Observando o trabalho das professoras ............................................... 43
6.3 Como pensam a situação do docente da educação infantil ................. 47
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................ 57
REFERÊNCIAS ............................................................................... 59
APENDICE A .................................................................................. 61
1 INTRODUÇÃO
O histórico de desvalorização e preconceitos que acompanha os profissionais de
Educação Infantil e seu impacto na atuação dos mesmos suscitou o interesse em
pesquisar o tema, mais precisamente, ao perceber o grande número de desistência
de alunos dos cursos de Pedagogia na Universidade do Estado da Bahia, ao
notarem um maior direcionamento para esse nível de ensino, além de notar o quanto
a desvalorização profissional interfere na atuação do professor em sala de aula, pois
gera insatisfação e desconforto, elementos que influenciam no êxito do trabalho.
A partir de então, observou-se a preferência dos professores que já atuam na área e
dos estudantes de pedagogia por outros segmentos da educação, em detrimento da
Educação Infantil, visto que a mesma enfrenta muitas dificuldades, principalmente no
que se refere ao reconhecimento e valorização da importância desse nível de
ensino, que além de ser a primeira etapa da educação básica, é suporte para a
construção de valores que serão desenvolvidos a partir do amadurecimento, e dos
profissionais responsáveis por disseminar tais valores.
É notória, também, a esmagadora presença feminina nas salas de aula, quer sejam
das escolas de Educação Infantil visitadas durante os estágios curriculares
propostos no decorrer do curso de Pedagogia com Habilitação em Educação Infantil
da UNEB, ou até mesmo nas turmas de formação de professores do citado curso, o
que nos permite afirmar que a profissão continua sendo predominantemente
feminina.
De que forma a desvalorização dos professores da Educação Infantil interfere na
atuação dos profissionais da área? A pesquisa tem como objetivo compreender a
desvalorização dos professores de Educação Infantil, assim como investigar os
motivos que levaram à desvalorização dos profissionais da Educação Infantil e de
que forma esta desvalorização interfere na atuação dos professores desta área.
Sendo assim, torna-se relevante a partir do momento que busca compreender as
causas que levaram a profissão docente, principalmente na Educação Infantil, à
10
desvalorização, na tentativa de revelar o quadro de desinteresse pela área, por parte
dos futuros professores e de desmotivação dos que já se encontram atuando.
Portanto, revela-se um importante instrumento de reflexão dos profissionais, uma
vez que traz elementos históricos que ratificam a condição de desprestígio a que a
profissão foi condicionada e que se estendeu até os dias atuais, embora muitos
educadores estejam unindo esforços na tentativa de modificar esta situação.
Descaracterizada enquanto profissão, durante muito tempo, a docência foi
considerada a extensão do lar, o que favoreceu a esmagadora presença feminina e
consequentemente o desinteresse dos homens pela área, uma vez que era a única
área em que as mulheres poderiam atuar, por sua condição naturalmente materna,
também por poder desempenhá-la simultaneamente com os afazeres domésticos.
Além disso, por um longo período, a área foi dominada por profissionais sem a
qualificação necessária, visto que não era exigido um maior preparo para tal. Nesta
época, as instituições tinham preocupação apenas com o caráter assistencialista, o
cuidar sobreposto ao educar, esquecendo completamente o caráter pedagógico.
Para melhor compreender o tema, foi necessário um estudo teórico baseado em
importantes autores do campo da Educação, o que permitiu a ampliação de
conhecimentos acerca de elementos históricos que influenciaram na condição atual
da profissão, além da realização de uma pesquisa exploratória com abordagem
qualitativa, subsidiada por entrevista, com roteiros estruturados, como instrumento
de coleta de dados.
Na primeira seção, trataremos da Educação nas antigas civilizações que, sem
dúvida, foram importantes contribuintes para modelo do sistema adotado na
sociedade contemporânea, através de uma breve retrospectiva histórica, além dos
caminhos percorridos pela educação no Brasil, baseada em Franco Cambi (1999),
Bárbara Freitag (1980), José Luiz de Paiva Bello (2001) e Sônia Kramer (1995).
A segunda seção contempla a conquista do espaço pela criança, através das
mudanças na concepção de infância e, consequentemente a garantia da Educação
Infantil, por meio de leis que asseguraram a legitimação desta etapa da vida, que
11
foram certamente, importantes para a condição de cidadã que a criança conquistou
na sociedade. Essa discussão baseia-se em Phillip Ariès (1981), Cordeiro (2005),
Sônia Kramer (1986), Bruno e Heymeyer (2003), dentre outras autoridades do
assunto.
A tímida inserção da mulher na sociedade, até chegar ao mercado de trabalho, mais
precisamente nas salas de aula de Educação Infantil, a formação de professores e a
desvalorização da profissão também foram contempladas na terceira seção deste
trabalho e traz contribuições de autores como Cerdeira (2004), Schaffrath (2000),
Gilberto Freyre (2002), Carlos Rodrigues Brandão (1995), Paulo Freire (1999) e etc.
Essas discussões, apesar de permearem a sociedade há algum tempo, tornam-se
cada vez mais atuais, à medida esses problemas sociais se renovam e ganham um
destaque
2 METODOLOGIA ADOTADA
A pesquisa é um valioso instrumento na construção / reconstrução do conhecimento,
através da qual se obtém a investigação de um fenômeno, sobre o qual se deseja
debruçar. Segundo Demo (1987), "pesquisa é a atividade científica pela qual
descobrimos a realidade" (p. 23). Dessa forma, a pesquisa tem contribuído com o
avanço da sociedade, pois permite ao pesquisador um maior conhecimento acerca
do assunto, a fim de que esse possa formular problemas mais precisos ou criar
hipóteses que possam ser pesquisadas por estudos posteriores (GIL, 1999, p. 43).
2.1 O tipo de pesquisa
Visando conhecer e esclarecer o tema investigado a metodologia adotada teve uma
abordagem qualitativa, que segundo Bogdan e Biklen (1982), citado por Ludke e
André (1986), tem sua importância por que:
(...) tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento. Segundo os dois autores, a pesquisa qualitativa supõe o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada, via de regra através do trabalho intensivo de campo. Por exemplo, se a questão que está sendo estudada é a da indisciplina escolar, o pesquisador procurará presenciar o maior número de situações em que esta se manifeste, o que vai exigir um contato direto e constante com o dia-a-dia escolar. [...] (p. 11)
Sendo um estudo qualitativo, adotou-se a especificidade da pesquisa exploratória,
uma vez que, de acordo com a concepção de Marques [et al.] (2006), esta
“possibilita a obtenção de maiores informações sobre determinado tema, até mesmo
com a finalidade de se chegar a problemas específicos e estabelecer hipóteses, com
vistas a estudos posteriores” (p.52). Esse tipo de pesquisa é o mais utilizado no
campo da educação, pois permite ao investigador reunir um maior número de dados,
com o objetivo de desmistificar o objeto de estudo. O presente trabalho apresenta,
13
inicialmente, um estudo bibliográfico, baseado em diversos autores pesquisadores
no campo da Educação Infantil, compondo a parte bibliográfica da pesquisa.
2.2 Estratégias e Instrumentos de coleta de dados
Para nortear a pesquisa, o instrumento de coleta de dados escolhido foi a entrevista,
apoiada num roteiro estruturados, além de observações não participantes,
objetivando descrever, comparar e interpretar os dados coletados com os obtidos
juntamente aos referenciais teóricos.
Essa técnica foi escolhida, porque de acordo com Bogdan e Biklen (1982), citado por
Ludke e André(1986),
(...) permite a capacitação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos. Uma entrevista bem feita pode permitir o tratamento de assuntos de natureza estritamente pessoal e íntima, assim como temas de natureza complexa e de escolhas nitidamente individuais. Pode permitir o aprofundamento de pontos levantados por outras técnicas de coleta de alcance mais superficial, como o questionário. E pode também, o que a torna particularmente útil, atingir informantes que não poderiam ser atingidos por outros meios de investigação, como é o caso de pessoas com pouca instrução formal, para as quais a aplicação de um questionário escrito seria inviável. (p. 34).
A realização da entrevista com roteiro auxiliou na investigação do fenômeno
estudado, pois permitiu conhecer melhor o público alvo, assim como a opinião do
mesmo sobre o assunto.
A pesquisa foi realizada com profissionais atuantes na Educação Infantil, sendo eles
da rede pública e privada, além de observações em duas classes desse nível de
ensino. A escolha desses sujeitos se justifica pelo fato deles serem as maiores
vítimas da desvalorização dos profissionais da área, por serem do sexo feminino,
uma vez que o público masculino neste segmento é escasso, ratificando o histórico
14
de discriminação que ainda acomete às mulheres e a Educação Infantil no Brasil,
como apresentando no referencial teórico da pesquisa.
A participação dos sujeitos se deu através da realização de uma pesquisa de
campo, através da entrevista envolvendo 15 (quinze) profissionais, além do recurso
da observação, na tentativa de compreender o fenômeno proposto. É importante
ressaltar que a observação não foi feita em todas as salas, devido ao período que foi
disponibilizado para a realização da mesma, entre 04 de janeiro e 05 de fevereiro de
2010, temporada que as escolas destinam às férias docentes e discentes, o que
dificultou uma maior aproximação da pesquisadora com os sujeitos da pesquisa,
além da situação atípica que acomete o calendário acadêmico da Universidade onde
a pesquisa foi idealizada. Em 28/01/2010, o retorno das aulas em uma escola
particular, favoreceu a observação em duas turmas de educação infantil, sendo as
mesmas realizadas nos dias 01/02/2010 e 03/02/2010.
Os dados provenientes da pesquisa empírica foram organizados e analisados à luz
dos conhecimentos teóricos presentes na fundamentação deste trabalho.
3 A EDUCAÇÃO: UMA BREVE RETROSPECTIVA HISTÓRICA
A educação enquanto instrumento de transformação, é o tema principal desta seção.
Nela faremos uma breve retrospectiva histórica, visando apresentar aos leitores as
civilizações que influenciaram no modelo de educação oferecido atualmente no
Brasil, algumas transformações ocorridas na mesma, além de suas principais
características.
3.1 A História da Educação
A educação é um importante instrumento de conscientização popular e por esse
motivo não recebe do poder público a seriedade necessária para a desalienação das
pessoas das camadas menos favorecidas. Utilizada como ferramenta de
manutenção de poder da classe dominante, a educação formal, desde seu
surgimento ficou restrita aos mesmos, excluindo os mais pobres desse processo, e
por essa razão era vista como sinônimo de poder, evidenciando ainda mais
diferenças entre classes sociais e gênero.
A educação formal passou por um longo processo de evolução até chegar ao
modelo atual, principalmente no que se refere aos métodos pedagógicos. Mas o fato
é que ela existe desde a pré-história, onde por meio da imitação, eram transmitidas
normas de conduta e comportamento da sociedade primitiva para as novas
gerações. O processo educativo mostrou-se necessário para a sobrevivência da
espécie, desenvolvimento e transmissão da cultura e pôde ser visto também entre os
animais superiores através da imitação, por meio da qual os filhotes adotavam o
comportamento característico do seu grupo. Da mesma forma acontece com o
homem primitivo que, segundo Cambi (1999),
Através da imitação, ensina ou aprende o uso das armas, a caça e a colheita, o uso da linguagem, o culto aos mortos, as técnicas de transformação e o domínio do meio ambiente etc. a cultura, se “não é
16
um fato individual, mas um fato social”, implica na transformação social dos conhecimentos, portanto educação(...) (p. 58)
Esse jogo de repetição permite aos menores a aprendizagem de costumes do grupo
em que estão inseridos e gera transmissão desses hábitos e aperfeiçoamento das
técnicas para transformação do meio e consequentemente melhoria da qualidade de
vida.
Segundo o mesmo autor, a história mostra que o Mediterrâneo Antigo,
especialmente a Grécia e o Egito, foram importantes influências para as tradições
cultivadas no Ocidente, principalmente no âmbito educacional, que serviram como
modelo que foi aperfeiçoado na busca pelo ideal de educação. Nessas civilizações,
as escolas vão se firmando e organizando enquanto espaço administrativo e cultural.
São escolas públicas ou privadas, criadas para atender aos filhos das classes
dominantes, visando ensinar-lhes basicamente a cultura retórico-literária, que
configura na arte do bem falar e do bem escrever, almejando a formação de
cidadãos preparados para a vida política. O professor possuía importante função na
formação deste aluno, por isso, o acompanhava desde a infância, atuando, inclusive,
como mestre espiritual.
O autor afirma ainda que o período neolítico marcou o início de uma revolução
cultural, que tem entre suas principais consequências, o surgimento das primeiras
civilizações agrícolas, a divisão do trabalho por sexo e a submissão feminina em
relação ao homem. No âmbito educacional, a revolução neolítica também foi
responsável por várias conquistas e uma delas, que pode ser considerada a mais
importante foi a divisão educativa, que agrupa pessoas com interesses e
características afins, ao exemplo de produtores rurais, líderes religiosos, homens e
mulheres. A aprendizagem, que inicialmente ocorria por imitação, passa a contar
com o apoio da linguagem, que ainda não era escrita, e com as técnicas, ganhando
um novo papel na sociedade.
Ainda segundo Cambi (1999), o período oriental marca o início da civilização e tem
como principal conquista da educação, o surgimento da escrita, usada como
instrumento de manutenção da cultura dominante, pois o acesso era limitado, uma
vez que acontecia em escolas fechadas, restritas à classe influente, restando aos
17
demais, que não tinham acesso ao ensino formal, apenas a educação familiar. No
Egito, a educação também tinha caráter excludente, e incluía em seu currículo, além
da aprendizagem da escrita, aritmética, geometria, cálculos, geografia, dentre
outros. A educação escolar não era a única, além dela, existia a familiar e a
profissional, que era ensinada por parentes através da observação e repetição, uma
vez que não necessitava de conhecimento institucionalizado, por isso abrangia a
parte excluída da população.
Na Babilônia, a educação escolar tinha a função de formar o escriba, pessoa que
dominava a técnica da escrita e a usava para legitimar as normas de conduta do
povo da região. Acontecia basicamente nos templos, supervisionada por um mestre
que tinha a incumbência de transmitir os ensinamentos técnicos e cuidar para que os
mesmos fossem cumpridos. Os Fenícios, por causa da sua localização próxima ao
Mar Mediterrâneo, foram responsáveis por desenvolver conhecimentos técnicos,
sobretudo relacionados à navegação, tendo como sua principal descoberta, o
alfabeto de 22 consoantes, usado para facilitar a comunicação e que deu origem ao
atual. A transmissão do conhecimento dava-se por meio do “bardo”, do “profeta” e do
“sábio”, responsáveis, inclusive, pela conservação da memória histórica da maioria
da população (CAMBI, 1999; p. 68).
Cambi (1999) afirma ainda que a educação dos hebreus era rígida, baseada em
castigos e violência e sua crença na religião, que foi a principal contribuição desse
povo para a sociedade, era usada como justificativa para tais comportamentos. Os
profetas eram os principais educadores da religião e civil, tendo como principal
instrumento para a formação religiosa e social dos discípulos, o Torá, livro sagrado,
que após algum tempo (século I d. C.) teve o auxílio do estudo da escrita e
aritmética, que tinham um papel secundário, pois a religião continuava como única
responsável por preservar a cultura e história hebraica.
A cultura grega, considerada o berço da civilização, sofreu influências de diversas
outras culturas, das quais reuniu elementos importantes para a sua constituição, o
que as mantinham próximas quanto à língua, religião e alfabeto. Apesar de valorizar
o desenvolvimento individual do ser humano, os gregos não reconheciam a infância
como importante fase desse desenvolvimento, sendo considerada “uma idade de
18
passagem, ameaçada por doenças, incerta nos seus sucessos; sobre ela, portanto,
se fazia um mínimo de investimento afetivo”, (CAMBI, p. 81). Até os sete anos, as
crianças eram mantidas no convívio familiar, sob os cuidados femininos e
autoritarismo dos pais. Após essa idade, os meninos eram inseridos na sociedade e
as meninas continuavam no seio familiar, aprendendo ofícios domésticos, e
distantes da educação formal. A educação da camada popular da Grécia acontecia,
inicialmente, baseada no conhecimento religioso, ministrado pela família, pois a
escola ainda estava limitada à educação das elites e dava mais ênfase ao
condicionamento físico, deixando o intelecto para segundo plano.
Duas cidades gregas tiveram destaque quanto ao modelo de educação adotado:
Esparta e Atenas. De acordo com Cambi (1999), Esparta caracterizava-se pela
educação militar, onde os meninos dos sete aos dezesseis anos eram afastados da
família e mantidos em alojamentos, sob cuidados de jovens guerreiros. Valorizavam
a aprendizagem do manuseio das armas e obediência em detrimento da cultura
formal, leitura e escrita. Ao passo que em Atenas, a educação era estendida a todos
os cidadãos, independente da classe social, com o objetivo de fazer aflorar o lado
humano de cada um. O cuidado com o corpo tinha um objetivo de torná-lo sadio,
diferenciando-se da maneira como acontecia em Esparta. Com o surgimento da
Paidéia, a educação grega assume um novo papel na sociedade, que vai além de
formar o homem, cabendo-lhe a obrigação de formar o cidadão.
Cambi (1999) afirma que a educação romana tinha estrutura semelhante à grega,
principalmente no que se refere ao currículo. Após o século I a. C. as escolas
romanas ganharam características que legitimavam sua própria cultura, além de
estarem disponíveis também às classes menos favorecidas da população. Atribuíam
às mulheres um papel mais relevante, com destaque na educação dos filhos e
menos submissa.
Seguindo a mesma linha de pensamento, constata-se que o período medieval, entre
os séculos V e XV d. C., foi marcado pela forte influência da igreja no processo
educacional, pois ela era a principal responsável pela formação religiosa e social das
pessoas. O período moderno traz o rompimento entre Estado e Igreja Católica,
19
resultando na reorganização dos papéis entre as instituições sociais que mais
influíam na sociedade: Escola e Família.
A autor afirma ainda que a história da educação não era assunto de interesse dos
estudiosos da época, por isso, durante muito tempo a história da pedagogia
predominou como objeto de estudo de pesquisadores em várias partes do mundo.
Caracterizava-se pela forte influência ideológica, com o objetivo de formar cidadãos
e técnicos, além de reproduzir ideais filosóficos, que persuadiam e distanciavam os
cidadãos dos processos educativos reais, assim como das instituições onde se
desenvolviam: família, escola, etc.. Nesta história da pedagogia, as práticas eram
sobrepostas pelos princípios ideais e o processo educativo acontecia em torno
deles. Após o segundo pós guerra, surgiram novas concepções historiográficas e
pedagógicas, o que resultou no enfraquecimento da história da pedagogia e,
consequentemente, a ascensão da história da educação, cuja principal diferença era
a perda da conotação filosófica - que predominava na história da pedagogia - e a
abrangência, uma vez que passou a interagir com outras áreas, especialmente as
ciências humanas. Passa também a reconhecer a complexidade, riqueza, métodos e
variedade no processo educativo, além do indivíduo como ser social que exerce
função importante no meio em que vive.
3.2 Breve histórico da educação no Brasil
Pesquisas de estudiosos do campo da educação mostram os caminhos percorridos
pela educação até transformar-se nesse sistema educacional visto e vivido pela
maioria da população brasileira na sociedade contemporânea. Ainda muito criticado
pelas suas deficiências, caráter excludente e por reforçar as diferenças sociais, o
sistema educacional brasileiro passou por adaptações e sofreu influências de
diversas culturas consideradas importantes para o desenvolvimento social, cultural e
educacional brasileiro, dentre elas, a contribuição europeia, trazida pelos
colonizadores portugueses no período colonial.
20
O Brasil passou muito tempo de sua história na condição de colônia de exploração e
por isso era submisso às decisões dos colonizadores europeus, o que se refletiu
também no âmbito educacional. O período colonial, que vai da descoberta em 1500,
à chegada da corte portuguesa no Brasil em 1808, foi marcado pela imposição da
educação e cultura europeia aos brasileiros, descaracterizando e desrespeitando a
já existente aqui, praticada pelos indígenas, que foram obrigados a atender o que
lhes era imposto, a começar pela religião, transmitida pelos jesuítas.
A partir de então a educação passa a ser usada como instrumento de manutenção
da cultura e ideologia dominantes, aumentando ainda mais a discriminação entre as
classes e sexos. Para Freitag (1980) a educação era uma “arma pacífica”, cujo
objetivo principal
consistia em subjugar pacificamente a população indígena e tornar dócil a população escrava. Assim, a Igreja, utilizando-se também da escola, auxiliou a classe dominante (latifundiários e representantes da coroa portuguesa), da qual participava, a subjugar de forma pacífica as classes subalternas às relações de produção implantadas (p. 48).
Para ser mais fácil converter os índios ao catolicismo, os jesuítas perceberam a
necessidade de ensinar-lhes inicialmente a ler e escrever, e trabalharam a fim de
alcançar esse objetivo, mas, além dos cursos de alfabetização inicial dedicado aos
índios e à parcela menos favorecida da população, havia também cursos superiores
que objetivavam formar sacerdotes para dar continuidade ao trabalho de
evangelização e, consequentemente, de domínio da população menos esclarecida
(BELLO, 2001).
O autor afirma que, a chegada dos jesuítas não foi responsável apenas pela
introdução da moral, dos hábitos, costumes e da religião européia, mas,
principalmente, pela aplicação dos métodos pedagógicos, que foram bem sucedidos
por exatos 210 anos, de 1549 a 1759, quando foi interrompido com a expulsão dos
jesuítas pelo Marquês de Pombal devido ao choque de interesses. Ainda que
oficialmente expulsos, a Igreja continuava manipulando o sistema educacional no
Brasil, sendo responsável também por reproduzir a ideologia dominante, alienando o
restante da população. A partir de então, passaram a ser oferecidas apenas aulas
21
de disciplinas isoladas, que iam ao encontro dos interesses do colonizador. Apesar
disso, a educação no Brasil ainda não tinha atingido um nível satisfatório, uma vez
que não atendia às reais necessidades da população, por serem modelos trazidos
de outra cultura com particularidades distintas das encontradas no local.
Várias foram as tentativas de organizar o sistema educacional brasileiro, dentre elas,
a abertura de Escolas de Direito e Medicina em 1808, Academias Militares e
Biblioteca Real, ambas no ano de 1810, com a chegada da Família Real no Brasil,
porém, além de não terem sucesso, não foram suficientes para atribuir à educação a
importância necessária, como afirma Bello (2001), quando diz que
Por todo o Império, incluindo D. João VI, D. Pedro I, e D. Pedro II, pouco se fez pela educação brasileira e muitos reclamavam de sua qualidade ruim. Com a Proclamação da República tentou-se várias reformas que pudessem dar uma nova guinada, mas se observarmos bem, a educação brasileira não sofreu um processo de evolução que pudesse ser considerado marcante ou significativo em termos de modelo. (p. 2)
Após a proclamação da independência em 1822, surge a primeira Constituição
Brasileira, criada em 1824, que prevê em seu artigo 179, a educação primária
gratuita como direito de todos os cidadãos, apesar de não ser cumprida, pois na
época não havia professores em quantidade suficiente para privilegiar a todos os
alunos. A primeira escola do Brasil surgiu em 1835, mas não obteve bons
resultados, deixando o país em desvantagem no que refere a educação, em relação
aos outros países. A partir de então, a educação passa a ser assunto de discussão e
tentativas de resolução são sugeridas, várias reformas são propostas, inclusive a
criação de órgãos para atender às demandas sociais e em 1934 surge a primeira
Universidade, em São Paulo (BELLO, 2001).
Baseado no mesmo autor pode-se afirmar, então, que a Constituição de 1824 foi a
precursora na legitimação da educação enquanto direito civil dos brasileiros, em
especial das crianças, o que pode ser considerado um avanço, haja visto que a
educação infantil ainda não tinha nenhuma lei que a reconhecesse, muito menos
legalizasse sua existência. Em 1837, um Ato Adicional à Constituição, dispõe que a
administração do ensino primário e secundário são responsabilidades das
22
províncias. Inicia-se também a preferência da classe dominante pelos trabalhos
intelectuais, em detrimento dos trabalhos manuais, que eram exclusivos para os
menos favorecidos.
Em 1961 com a criação da primeira Lei de Diretrizes e Bases para a Educação
Nacional (Lei nº 4.024) a educação no Brasil conquistou maior seriedade, sendo
considerada direito de todos e por isso deveria ser administrada na escola e na
família, além das escolas passarem a ter autorização para o funcionamento. Essa lei
garantiu também que as empresas com mais de 100 funcionários implantassem o
ensino primário para atender aos seus funcionários. Para isso, fizeram convênios
com as escolas garantindo o acesso dos mesmos. Apesar de diversas vitórias, os
professores não foram contemplados com a promulgação dessa lei.
A educação foi utilizada como válvula de escape de muitos profissionais que, devido
ao Regime Militar, ficaram impossibilitados de exercerem a sua profissão, cabendo-
lhes a alternativa de assumirem a educação como atividade secundária. Após a
ditadura e com a normalização do mercado de trabalho, a área permitiu maior
acesso às mulheres como única opção profissional em que elas poderiam atuar,
uma vez que já eram as primeiras educadoras de seus filhos, além da área permitir a
conciliação com as tarefas domésticas e por isso confundia-se com a maternidade, o
que fazia crer que as mulheres tinham predisposição genética para tal, devido ao
instinto maternal natural do sexo feminino, reafirmando, então o desprestígio da
profissão.
Em 1968, a Lei 5.540 foi responsável por organizar o funcionamento do ensino
superior, que facilitou o acesso aos cursos universitários e ampliou as conquistas da
educação brasileira. O método de alfabetização de Paulo Freire passa a ser utilizado
com sucesso para alfabetizar adultos. Na tentativa de diminuir o nível de
analfabetismo, é criado o Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL, que foi
mais uma tentativa frustrada de resolver o problema da educação nacional, devido
às denúncias de corrupção, que fizeram com que o mesmo fosse substituído pela
Fundação Educar (BELLO 2001).
23
A Lei 4.024 foi substituída e complementada pela Lei nº 5.692 de 1971 e de acordo
com Naspolini citado por Kramer (1995)
a educação pré-escolar passa a ser aceita ao menos a nível teórico, como um fator de libertação da dependência sócio-cultural dos países subdesenvolvidos e como estratégia para a efetivação do princípio da igualdade de oportunidades. (p. 92)
Além disso, a reforma do ensino de 1º e 2º graus representou, na teoria a
institucionalização do ensino profissionalizantes e, segundo Pimenta (1995)
“modificou a estrutura do ensino primário, secundário e colegial para 1º e 2º graus,
transformou o ensino Normal em uma das habilitações profissionais do 2º graus
agora obrigatoriamente profissionalizantes.” (p. 45)
Apesar disso, pode-se afirmar que com a Lei 5.692/71, mais uma vez, a tentativa de
profissionalizar o magistério não teve sucesso, restringindo-o a uma habilitação do
curso normal que teoricamente capacitaria o profissional para atuar até a 6ª série do
1º grau, dependendo do tempo de estudo, porém, na prática, problemas como
qualidade na formação, ausência do estágio durante o curso para preparar melhor o
professor e falta de salários adequados, dificultavam a profissionalização do
magistério. De acordo com Pimenta (1995), “podemos dizer que do ponto de vista
legal-formal, a profissão está regulamentada. Mas desse mesmo ponto de vista não
está porque, no limite, qualquer pessoa minimamente alfabetizada pode exercer a
profissão de professor” (p.48), o que, na prática, representa a descaracterização da
docência enquanto profissão e justifica a baixa qualidade do ensino no Brasil, além
do desinteresse dos profissionais pela área.
Em 1988 com a Nova Constituição e em 1996, com a criação da Lei 9.394, as
crianças de 0 a 6 anos passaram a ser consideradas cidadãs, tendo respeitados
seus direitos e particularidades da fase da vida, o que se estendeu inclusive para a
educação, que foi reconhecida como a primeira etapa da educação básica, onde a
família e o Estado (Município) eram os principais responsáveis por oferecê-la às
crianças . Além disso, garantiu aos professores melhores condições de trabalho,
uma vez que exigia uma capacitação mínima, que teve como resultado melhoria na
24
qualidade do ensino e assegurou-lhes direitos como, plano de carreira, concurso
público, aperfeiçoamento, dentre outros.
Os caminhos percorridos pela educação no Brasil mostram que apesar de muitas
discussões em torno da mesma, ainda não atribuíram a ela o valor necessário para o
desenvolvimento do país, deixando a desejar em diversos aspectos, dentre eles,
investimentos financeiros por parte dos poderes públicos, recursos, espaços físicos
adequados, má formação dos professores, além da ausência de políticas públicas
eficazes para a educação infantil, que por isso assume um papel secundário e com a
função de reforçar as diferenças sociais.
4 A CRIANÇA CONQUISTA SEU ESPAÇO
Neste capítulo apresentamos a concepção de infância e algumas transformações
ocorridas nessa concepção, devido às mudanças na maneira da sociedade encarar
as crianças. Essas mudanças garantiram às crianças documentos legais que
legitimam a infância como importante fase da vida do ser humano, além garantir-lhe
direitos como a Educação Infantil como primeira fase da Educação Básica.
4.1 Mudanças no modo de conceber a criança
Durante muito tempo a infância foi interpretada como fase pouco relevante na vida
do ser humano chegando a ter desconsiderada a sua existência. Conceituada
segundo Ariès (1981 p. 36), a palavra criança ou enfant, quer dizer não falante,
devido a dificuldade das mesmas em pronunciarem perfeitamente as primeiras
palavras. Esta fase da vida inicia-se no nascimento e vai até os sete anos de vida.
Este conceito justifica a condição de submissão imposta às crianças, pois as
mesmas não eram vistas como cidadãs, pertencentes a um grupo e não tinham
condições de atuar na sociedade, além de terem seus direitos e particularidades
desta etapa da vida desrespeitados, o que dava aos adultos plenos poderes sobre
elas. O autor afirma ainda que as mesmas eram representadas como pequenos
adultos, principalmente quando retratadas, por volta dos séculos X e XI, pois
O pintor não hesitava em dar à nudez das crianças, nos raríssimos casos em que era exposta, a musculatura do adulto. (...) No mundo das fórmulas românticas, e até o fim do século XIII, não existiam crianças caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido (p.51).
As figuras de crianças foram representadas em muitas passagens da Bíblia com
posturas e atitudes de homens em miniatura, a exemplo disso Ariès (1981) relata um
“episódio da vida de Jacó, onde Isaque está sentando entre duas mulheres, cercado
por uns 15 homenzinhos que batem na cintura dos adultos: são seus filhos” (p.51). A
26
figura de Jesus também foi representada como redução do adulto, porém, a partir do
século XII, com o inicio da mudança do sentimento de infância, que passou do
esquecimento à paparicação, seguida do cuidado exagerado, devido a sua
incompletude, essa imagem da criança passou a ser representada um pouco mais
próxima da realidade, com vestimentas e posturas adequadas à idade e todas as
representações de crianças passaram a ser criadas a partir da imagem de Jesus.
Segundo Ariès (1981), a concepção de infância não é universal, trata-se de uma
construção social, que teve origem com o avanço do capitalismo. Essas
transformações ocorridas na forma de organização da sociedade foram interferindo
diretamente no papel que elas exerciam em seu meio, assim, as crianças foram
conquistando gradativamente seu espaço e, consequentemente, as atitudes em
relação a ela permitiram perceber as diferenças em relação ao adulto, embora tenha
também, acentuado ainda mais a distância entre eles. Sua função na sociedade está
diretamente relacionada aos valores que lhes são atribuídos em cada uma delas. O
autor afirma ainda que,
Na sociedade medieval, o sentimento de infância não existia – o que não quer dizer que as crianças fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem. Essa consciência não existia. Por essa razão, assim que a criança tinha condição de viver sem a solicitude constante de sua mãe ou de sua ama, ela ingressava na sociedade dos adultos e não se distinguia mais destes. (p.156)
As crianças da Idade Média, não tinham atividades ou trajes que as diferenciassem
dos adultos, apenas evidenciavam as classes sociais. Possuíam pequena
expectativa de vida, devido às precárias condições a que eram submetidas, o que só
foi modificado no século XVI, com os avanços da ciência, que lhes proporcionou
maior qualidade e prolongamento da vida, principalmente as da classe dominante
(ARIÈS, 1981).
A evolução do sentimento de infância está relacionada à mudança da concepção de
família. Conforme os argumentos de Ariès (1981), “A família transformou-se
profundamente na medida em que modificou suas relações internas com a criança
27
(p. 225)”. Quando a criança deixa de ser vista como meio de perpetuar o nome, de
honrar a linhagem, a família passa a ser considerada como um laço entre pais e
filhos, valoriza-se o sentimento e a semelhança física como ligação entre os
familiares.
Segundo Kramer (1986; p.79) citada por Cordeiro (2005;p. 10),
Conceber a criança como um ser social que ela é, significa: considerar que ela tem uma história, que pertence a uma classe social determinada, que estabelece relações definidas segundo seu contexto de origem, que apresenta uma linguagem decorrente dessas relações sociais e culturais estabelecidas, que ocupa um espaço que não é só geográfico, mas que também é de valor, ou seja, ela é valorizada de acordo com os padrões de seu contexto familiar e de acordo também com sua própria inserção nesse contexto.
As mudanças do sentimento de família e de infância proporcionaram transformações
em algumas atitudes em relação às crianças, que passaram a serem reconhecidas
como seres sociais. A partir de então, as crianças conquistaram alguns direitos,
dentre eles o direito à educação, ainda que a mesma seja diferenciada e restrita a
um pequeno grupo, visto que favorecia a classe dominante e principalmente ao sexo
masculino, e tinha como principal objetivo moldá-las aos costumes dos adultos.
De acordo com Kramer (1995) baseada em Ariès (1981), pedagogicamente suas são
as concepções que definem a criança: uma onde ela é naturalmente corrompida,
sendo responsabilidade da educação moldar-lhe ao meio social – a pedagogia
tradicional. Ao passo que a pedagogia nova concebe a criança como ser ingênuo,
que através da educação tem sua espontaneidade preservada. Embora as duas
visões tenham ênfase no adulto como responsável por encaminhar a criança, ambas
podem ser consideradas importantes para a compreensão do sentimento de
infância.
A maior conquista infantil no que se refere a reconhecimento de direitos que
atingiam a todas as crianças foi a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), através da Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, documento oficial que legitimou
a cidadania da criança, de 0 a 12 anos de idade, e do adolescente, a partir dos 12
28
anos aos 18, garantindo-lhes direitos, até então negados ou desconhecidos. De
acordo com o Art. III do ECA,
A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Além dos direitos indispensáveis para o desenvolvimento pleno do indivíduo, ao
exemplo de assistência à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária (ECA Art. IV), o Estatuto da Criança e do
Adolescente, em seu Art. 53, garantiu-lhes também o direito a educação, visando o
pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho. O trabalho de crianças menores de 14 anos também foi
combatido com o ECA, Art. 60, sendo considerado crime qualquer forma de
exploração da mão de obra infantil, exceto na condição de aprendiz.
Este documento foi o grande responsável por transformar o modo de enxergar as
crianças e adolescentes, que até então, eram vítimas de um domínio da sociedade.
Domínio este que subestimava a possibilidade dos mesmos exercerem sua condição
de cidadãos, impondo-lhes a submissão ao adulto. Ainda assim, é muito comum
encontrar crianças que sejam privadas desses direitos vivendo em condições
subumanas, submetidas ao trabalho escravo, afastadas das famílias, sem moradias,
assistência à saúde e educação, embora sejam direitos garantidos por lei.
4.2 Falando um Pouco da Educação Infantil
Dados históricos mostram que a infância sempre foi interpretada como fase pouco
relevante na vida do ser humano. Vistas como pequenos adultos, as crianças tinham
seus direitos e características peculiares a esta etapa da vida desrespeitados. O
mesmo pode ser aplicado a área da educação responsável por atender a este
29
público, pois a mesma não contava com investimentos nas estruturas físicas das
escolas, na qualidade do ensino oferecido, muito menos na formação dos
profissionais que atendem à área.
A quase inexistência de instituições para atender ao público infantil se estendeu por
muito tempo, o que descaracterizou a educação infantil enquanto área de atuação
profissional, pois o cuidar se sobrepunha ao educar, tornando-a área de atuação
predominantemente feminina, devido ao instinto maternal natural da mulher, além de
ser vista como espaço recreativo ou jardim de infância, denominação utilizada
anteriormente para referir-se a mesma. Segundo Kramer (2005, p. 16),
(...) os poucos espaços que eram criados nesta época, se propunham apenas a compensar carências culturais, deficiências lingüísticas ou defasagens afetivas, baseados na abordagem da privação cultural, pois concebiam a criança como carentes, deficientes e imaturas. Os estudos da antropologia, sociologia, psicologia e filosofia contribuíram para mudar essa concepção de criança que imperava na sociedade, concluindo que as mesmas foram impostas a condições desiguais e que democraticamente teriam direito de serem vistas como cidadãs, pertencentes a uma classe, um grupo, uma cultura e por isso precisavam ter suas particularidades respeitadas.
A concepção de infância varia em cada sociedade e sua função social está
diretamente relacionada aos valores que lhes são atribuídos em cada uma delas. De
acordo com Ariès (1981), na Idade Média, as crianças, além de não terem atividades
específicas para a idade, não tinham trajes ou atitudes que as diferenciassem dos
adultos, e ainda possuíam pequena expectativa de vida, devido às precárias
condições a que eram submetidas, o que foi modificado apenas no século XVI, com
os avanços da ciência, que proporcionaram maior qualidade e o prolongamento da
vida das crianças da classe dominante.
A partir de então algumas atitudes em relação às crianças foram transformadas,
porém com distinção entre as classes. O autor afirma ainda que,
Na Idade Moderna, a Revolução Industrial, o Iluminismo e a constituição de Estados laicos trouxeram modificações sociais e intelectuais, modificando a visão que se tinha da criança. A criança nobre é tratada diferentemente da criança pobre. Tinha-se amor, piedade e dor por essa criança. Lamentava-se a morte dela,
30
guardando retratos para torná-la imortal. A criança da plebe não tinha esse tratamento.
Na Europa, a criança passa então, a ser reconhecida como ser social, que precisa
de atenção e cuidado, o que deve ser feito por adultos e instituições aptas para o
atendimento assistencial, justificando a condição de dependência das crianças em
relação aos adultos. Com o surgimento das escolas, aumenta a discriminação entre
as classes e os sexos, pois o ensino era diferenciado e inicialmente exclusivo para o
sexo masculino. A expansão do mercado de trabalho para as mulheres resultou na
criação das creches, como depósito de crianças, cujo caráter era exclusivamente
assistencialista, desprovido de atividades pedagógicas.
No Brasil, as atitudes em relação às crianças não eram diferentes, pois as mesmas
eram vistas como adultos em miniaturas, o que se agravava para as crianças
escravas que, após os 6 anos já eram inseridas em atividades, atuando como
auxiliares dos adultos, ao passo que as crianças brancas, nessa mesma idade, eram
iniciadas informalmente nos primeiros estudos de língua, gramática, matemática e
boas maneiras. Nesta época a educação escolar ainda não tinha caráter obrigatório,
o que, segundo Kramer (2006), aconteceu “apenas nos últimos cinquenta anos,
quando a antiga escola primária com duração de 4 anos, passou a ser encarada
como dever do Estado”. Afirma ainda que esta situação durou até 1971 com a
aprovação da Lei 5692, a partir da qual a educação básica foi prolongada de 4 para
8 anos de duração, passando a ser obrigatório para o público de 7 aos 14 anos.
Apesar da evolução proporcionada pela Lei 5692, o atendimento educacional não
atingia a todas a população e a lei não abrangia ao público com idade inferior aos 7
anos. A educação para esse público só teve reconhecida a sua importância a partir
da década de 70, especialmente para as crianças entre 4 e 6 anos, não atingindo as
crianças com idade menor que 4 anos, que passaram a ser assistidas pelas creches
que tinham como função primordial a guarda e a proteção infantil, particularmente
das crianças pobres filhos das mulheres que trabalhavam nas indústrias e das
empregadas domésticas prestando-lhes atendimentos referentes a alimentação,
higiene e segurança física (VERÍSSIMO e FONSECA, 2003). As autoras
argumentam ainda que:
31
A partir dos anos 70, a sociedade civil passou a lutar organizadamente em defesa de novas propostas para a creche e pré-escola que foram legitimadas pela Constituição Federal de 1988. A educação infantil tornou-se um dever do Estado e direito da criança, embora não obrigatória. O Estatuto da Criança e do Adolescente (lei nº 8.069/90) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (lei nº 9394/96) vieram definir que as instituições para acriança de 0 a 6 anos sejam subordinadas ao órgão responsável pela educação nos municípios brasileiros. (p. 27)
Na década de 80, as creches abandonaram o caráter exclusivamente
assistencialista e assumiram também o atendimento pedagógico, embora tenham
adotado práticas que não satisfaziam às reais necessidades das crianças da faixa
etária entre 0 e 6 anos (VERÍSSIMO e FONSECA, 2003).
Atualmente a educação infantil tornou-se tema de discussão em diversos setores no
Brasil, o que fez com que a mesma conquistasse um espaço nunca visto na história
da educação brasileira. Bruno e Heymeyer (2003) conceituam educação Infantil
como
a primeira etapa da educação básica, que tem por finalidade o desenvolvimento integral da criança de 0 - 5 anos, com a promoção dos aspectos físicos, psicológicos, sociais, intelectuais e culturais. A organização e estruturação do currículo, na Educação Infantil, compreende dois eixos de experiências: formação pessoal e social (identidade, autonomia, brincar, movimento e conhecimento de si e do outro) e conhecimento do mundo (diferentes formas de linguagem e expressão, artes, música, linguagem oral, escrita e matemática, conhecimento da natureza e sociedade). (p. 2)
O currículo da educação infantil atualmente, baseado nos Referenciais Curriculares
Nacionais, tem uma proposta que respeita a criança enquanto sujeito ativo, que
participa do processo de construção do conhecimento, o contexto em que a mesma
está inserida e as particularidades desta fase da vida.
Apesar do reconhecimento da importância dessa etapa da educação básica, muito
falta ser feito pela Educação Infantil e pelos profissionais que atuam neste segmento
e sua formação, para que a área volte a despertar o interesse destes profissionais.
5 DE MÃE À PROFESSORA: A INSERÇÃO DA MULHER NO
CENÁRIO EDUCACIONAL
A mulher, historicamente imposta a uma situação de submissão e inferioridade,
passa a condição de profissional, sem abandonar as tarefas tidas como inerentes ao
sexo. Diante disso precisa de “jogo de cintura” e sabedoria para não deixar a desejar
em nenhuma das atividades a ela reservadas. Essa seção traz a inserção da mulher
na sociedade e na educação, assim como a formação de professores para
Educação Infantil.
Durante muito tempo as mulheres foram mantidas à margem da sociedade, onde o
chefe da família – pai ou marido - tomava todas as decisões, excluindo-as do
convívio social, cabendo-lhes apenas a submissão à figura masculina. Cuidar da
casa e dos filhos eram suas funções e por isso não tinham direito sequer à
educação. Essa situação perdurou por muitos anos e mesmo após diversas
conquistas femininas, ainda é possível perceber o reflexo de tal condição, imposta
culturalmente e enraizada na sociedade, apesar das lutas travadas pela igualdade
de direitos.
O período colonial (1530 a 1822) marcou um momento em que a sociedade era
organizada em uma estrutura onde os homens estavam no centro das decisões e as
mulheres ocupavam lugar secundário. Dotados de certo poder, os homens
colocavam-se em condição de superioridade sobre as mulheres, resultando na
submissão delas em relação a eles. Ainda enquanto crianças as mulheres eram
orientadas a obedecerem à figura paterna, passando em seguida, ao respeito
incondicional à autoridade do marido, pois casavam-se muito precocemente, em
torno dos quinze anos, o que aumentou sua anulação diante da sociedade que
apresentava uma característica machista e preconceituosa ( CERDEIRA, 2004)
De acordo a mesma autora, a educação não era aberta a todos os públicos e nem
tinha reconhecida a sua importância. Às mulheres era reservada apenas a
orientação informal, transmitida pela família através da observação e repetição, uma
33
vez que sua função na sociedade, cuidar da casa e dos filhos, que eram vistas como
natural do sexo feminino, dispensava os conhecimentos transmitidos pela escola,
ficando exclusivamente para o público masculino, que precisava reafirmar a
diferença entre os sexos. A educação, então, tornou-se uma forma de evidenciar tal
diferença, além de valores e características peculiares de cada sexo, ao exemplo da
força masculina e da fragilidade feminina, o que reforçou a imagem da mulher como
objeto sexual.
O casamento, apesar de ser o desejo da maioria das mulheres, pois era visto como
uma maneira de libertação do autoritarismo paterno, era limitado à classe dominante
devido ao pagamento do dote. As mulheres oriundas de famílias pobres, muitas
vezes entregavam-se à prostituição ou optavam pela vida religiosa, indo para
conventos, conseqüência da ausência de área no mercado de trabalho onde
pudessem atuar. Ao passo que as mulheres escravas, mesmo aquelas que exerciam
alguma atividade de trabalho, permaneciam nessa condição de submissão ao
homem.
Devido a falta de qualidade da educação do Brasil e a desvalorização da mesma já
que, segundo Cerdeira (2004), era julgada como instrução desnecessária para o tipo
de atividade exercida pelos colonizadores e seus descendentes, a agricultura, os
filhos do sexo masculino dos senhores de engenho, que não queriam seguir a
carreira religiosa, eram enviados à Europa para estudar e trazer de lá as inovações
sociais, políticas e culturais, enquanto os demais, aprendiam com os jesuítas a dar
continuidade ao seu trabalho. Ainda segundo a autora, a chegada da família real e
de toda a Corte portuguesa, no Rio de Janeiro no final de 1807, trouxe influências
que acabaram por mudar a situação reinante na colônia, embora muitos costumes
em relação às mulheres tivessem sido mantidos.
Cerdeira (2004), baseada em Saffioti (1969), e Almeida (1998) compartilham a ideia
de que a Revolução Industrial, século XVIII, impulsionou a geração de emprego
assalariado, seguida do processo de urbanização, século XIX e dos movimentos
feministas ocorridos na América do Norte e Europa, no início do século XX, foram
responsáveis por mudanças de atitudes da sociedade e em relação as mulheres.
Esses movimentos foram importantes para a ruptura da concepção da “educação
34
feminina como contaminadora da consciência e perigosa para a pureza do corpo e
da alma das mulheres” (ALMEIDA 1998; p. 34).
A partir de então, elas não eram mais mantidas afastadas do convívio social,
podendo frequentar eventos, sob vigilância de seus maridos, que controlavam-nas
com o objetivo de impedir que cometessem falhas que desonrassem o nome da
família. Ressalta ainda que, aos poucos, a mulher sai da domesticidade e integra-se
finalmente na sociedade, a princípio como escritora ou professora. Ao saírem da
exclusividade do trabalho doméstico, as mulheres adotaram um novo
posicionamento perante a sociedade e transformaram sua visão de mundo. A
Schaffrath (2000) acrescenta que,
em 1827, a Lei de 15 de outubro criava as primeiras escolas primarias para o sexo feminino em todo o Império. Como naquela época, no Brasil e também na Europa, as aulas eram dadas em turmas separadas por sexo, foi preciso que se admitissem mulheres para lecionar nas turmas femininas; assim foram criadas as primeiras vagas para o magistério feminino. (p. 4)
Diante desta realidade, embora com um caráter restritivo, torna-se evidente a
inserção da mulher no mercado de trabalho, visando suprir uma nova necessidade
social. Segundo Almeida (1998),
a feminização do magistério primário no Brasil aconteceu num momento m que o campo educacional se expendia em termos quantitativos. A mão-de-obra feminina na educação principiou a revelar-se necessária, tendo em vista, entre outras causas, os impedimentos morais dos professores educarem as meninas e a recusa à co-educação dos sexos, liderada pelo catolicismo conservador. Com a possibilidade das mulheres poderem ensinar, produziu-se uma grande demanda pela profissão de professora. Aliando-se a essa demanda, o discurso ideológico construiu uma série de argumentações que alocavam às mulheres um melhor desempenho profissional na educação, derivado do fato de a docência estar ligada às idéias de domesticidade e maternidade. Essa ideologia teve o poder de reforçar os estereótipos e a segregação sexual a que as mulheres estiveram submetidas socialmente ao longo de décadas, por entender-se que cuidar de crianças e educar era missão feminina e o magistério revelar-se seu lugar por excelência”. (p. 64)
35
A urbanização foi responsável pelo crescimento das cidades e a conseqüente
procura por mão de obra qualificada para atender às demandas da área profissional,
assim, gradativamente, as mulheres conquistaram oportunidades na sociedade e no
campo profissional, através da educação, ainda que o ensino fosse compreendido
como uma extensão do lar, pois o cuidado estava acima da função pedagógica da
escola, além desta ser a única área que permitia a conciliação com os afazeres
domésticos. O reconhecimento do seu importante papel na família e na sociedade
resultou na tímida inserção das mulheres em atividades profissionais, embora
tivessem que manter a fragilidade, feminilidade e submissão ao sexo oposto.
A partir de meados do século XX o magistério passou a ser considerado como
profissão naturalmente feminina, com currículo diferenciado para as escolas que
atendiam a este público. Com o objetivo de manter a natureza frágil e maternal das
mulheres, não lhes ensinavam aritmética, quebrados, decimais e proporções,
noções de geometria, que eram reservados aos meninos. O currículo incluía apenas
leitura, escrita, contas das quatro operações, gramática, princípios da moral cristã e
prendas domésticas, é o que afirma Schaffrath (2000), em seu artigo
“Profissionalismo do magistério feminino: uma história de emancipação e
preconceitos”.
De acordo com a autora, para induzir a escolha de profissões menos valorizadas e
pouco rentáveis, uma vez que não era obrigação feminina prover o sustendo do lar,
era incutida nas mentes das mulheres a noção de vocação, e o magistério era a
profissão que se adequava a este conceito, por ser conduzido de forma que se
assemelhava às atividades do lar. Diante do pouco prestígio do magistério e da
ampliação do mercado de trabalho, os homens afastaram-se da profissão optando
por áreas que atendessem aos seus interesses e necessidades.
O ano de 1932 marca mais uma vitória feminina, onde as mesmas conquistam o
direito ao voto, porém este é restrito a um pequeno grupo, ao exemplo das solteiras,
independentes economicamente e as viúvas. Apenas em 1934 esse direito abrange
às demais, porém sem obrigatoriedade, que só é aplicada alguns anos depois. O
voto representou para as mulheres mais que o direito de participar da escolha do
destino político do país, mas a atuação direta das mesmas na política, pois enquanto
36
representantes da classe, poderiam lutar contra o preconceito de que são vítimas
ainda nos dias atuais.
Apesar das dificuldades, as mulheres conquistaram gradativamente seu espaço no
cenário social e político nacional, mas muito precisa ser feito na luta pela igualdade
de direitos, pois ainda são subestimadas, principalmente no âmbito profissional. Elas
têm a carga de trabalho aumentada devido às responsabilidades domésticas, o que
impossibilita uma melhor preparação profissional, isso acaba abrindo a possibilidade
dos homens saírem em disparada nesse aspecto, pois não são sobrecarregados
com jornada dupla, às vezes até tripla, facilitando um maior preparo e
consequentemente a ocupação de postos privilegiados.
Mesmo diante da constatação da opressão que mantinha as mulheres excluídas da
vida social, Freyre (2002) traz exemplos de atuação feminina de destaque, ao
exemplo de D. Brites, esposa de Duarte Coelho, que tornou-se governadora da
Nova Lusitânia. O autor acrescenta ainda que
(...) através de toda época patriarcal – época de mulheres franzinas o dia inteiro dentro de casa, cosendo, embalando-se na rede, tomando o ponto dos doces, gritando para mulecas (...), houve mulheres, sobretudo senhoras de engenho, em quem explodiu energia social, e não simplesmente doméstica, maior que a do comum dos homens. Energia para administrar fazenda, como as Donas Joaquinas do Pompeu; energia para dirigir a política partidária da família, em toda uma região, como as Donas Franciscas do Rio Formoso; energia guerreira, como a das matronas pernambucanas que se distinguiram durante a guerra contra os holandeses, não só nas duas marchas, para Alagoas e para a Bahia, pelo meio das matas e atravessando rios fundos, como em Tejucupapo, onde é tradição que elas lutaram bravamente contra os hereges. (p. 126 e 127)
Os exemplos acima contradizem a concepção de fragilidade feminina, usada para
justificar a condição de inferioridade a que as mulheres são submetidas, pois
comprovam a capacidade das mesmas em assumirem com sucesso
responsabilidades antes vistas como exclusivamente masculinas.
Ainda de acordo com Freyre (2002), fatores econômicos, sociais e culturais foram
responsáveis por moldar a figura feminina a estereótipos que permitiam o melhor
ajustamento de sua figura aos interesses do sexo dominante e da sociedade
37
organizada sobre o domínio exclusivo de uma classe, de uma raça e de um sexo.
Apesar da evolução da condição feminina, ainda é possível perceber a situação de
inferioridade e humilhação presente nos dias atuais, onde é comum a subestimação
de sua capacidade, além da separação de atividades por sexo e quando isso não é
explícito, percebe-se a diferenciação no plano de carreira ou salário.
Essa situação, apesar de mais frequente do que se imagina, não é regra em todas
as comunidades, pois há registros de que antes da chegada dos portugueses no
Brasil, em algumas sociedades ameríndias, não havia atividade determinada por
sexo. Era comum acontecer atribuição de trabalhos domésticos aos homens e às
mulheres, cabia também afazeres sociais, existindo um revezamento entre eles. Nas
sociedades africanas, as mulheres e os homens eram considerados iguais no que se
refere à força física e por isso os trabalhos mais duros poderiam ser realizados por
ambos já que a divisão do trabalho por sexo não era definida nessa sociedade, é o
que relata Freyre (2002). Porém fatores culturais induzem a exaltação da diferença
entre os sexos para facilitar o domínio de um sobre o outro, transformando a mulher,
com toda a sua fragilidade e beleza, em objeto sexual. Sempre muito enfeitadas
para atrair a atenção dos homens e para diferenciá-las das outras de classe social
inferior e dos homens, que também andavam ornamentados, com bigodes
volumosos, roupas perfumadas e correntes de ouro, porém com o objetivo de
demonstrar poder.
Saffioti (1969), citada por Cerdeira (2004), e Freyre (2002), compartilham a ideia de
que muitos desses modelos foram adotados por influência européia, mais
precisamente francesa, trazida pelos representantes da classe dominante que iam
estudar fora do país. A partir de então, o que não se assemelhava à moda francesa,
era corrigido, adaptado, pois havia a necessidade de seguir tais modelos. Esses
modelos foram aplicados também á educação e a formação de professores, uma vez
que no Brasil não havia nenhum exemplo de sucesso que pudesse ser expandido
nessa área.
38
5.1 Formação de professores e desvalorização da docência
A educação tem conquistado lugar de destaque nas discussões no cenário político
nacional, além do uso social que se faz dela. As tentativas de uniformizar suas
práticas são muitas, porém sem sucesso, pois, de acordo com Brandão (1995),
Não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a sua única prática e o professor profissional não é seu único praticante. (p. 9)
A partir desses argumentos, pode-se concluir que a educação é uma construção
social e que o uso que se faz dela depende do sentido a ela atribuído em cada
sociedade, podendo ser vista como “prática da liberdade” (FREIRE, 1999) ou como
uma “arma pacífica” (FREITAG 1980). Arma essa que segundo Brandão (1995),
pode ser usada “entre povos que submetem e dominam outros povos, como um
recurso a mais da sua dominância” (p. 10). Um exemplo do uso da educação para
dominar povos no Brasil, foi o desrespeito da cultura indígena por parte dos
portugueses que, ao chegarem ao Brasil, impuseram aos índios seus hábitos e
costumes através da educação, colocando-lhes na condição de subalternos.
Como consequência das discussões acerca da educação e suas vertentes, a
formação de professor também foi contemplada por autores como Sônia Kramer,
Antônio Nóvoa, Miguel Arroyo, Selma Garrido Pimenta, dentre outros, tendo como
questões mais importantes a formação continuada do professor; o lugar do estágio
durante formação inicial; saberes docentes; e o papel social da educação. Mas as
principais questões que sempre estão em torno dessas discussões são: O que é ser
professor? E como deve ser preparado o profissional para que possa atuar de forma
a desenvolver integralmente o cidadão? Baseado nos argumentos de Arroyo (2001),
observava-se que a escola estava muito mais preocupada com a formação técnica,
profissional, do que com a formação humana do indivíduo, enquanto ser crítico e
reflexivo, que possa atuar na sociedade e assumir seu papel de cidadão, como
propõe. Atualmente nota-se uma diferença nesta maneira de conceber o papel da
escola e da educação, reflexo das transformações ocorridas na sociedade, que
39
incidiram diretamente na formação do professor. Inicialmente não era exigida
nenhuma formação específica para atuar em educação, portanto, qualquer pessoa
sem a mínima capacitação poderia fazê-lo. Após um tempo, passou a ser exigido o
nível médio, passando em seguida, com a instituição da LDB de 1996, a ser cobrado
o nível superior, de acordo com o artigo 62 da mesma, citada por Prestes (2001),
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/1996
Dos Profissionais da Educação
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal. (p. 2)
Apesar da exigência de formação superior para os profissionais que atuam em
qualquer nível da educação básica, verificou-se que, especialmente na educação
infantil, os índices são ainda muito elevados no que se refere à falta de capacitação
para o nível, conforme os argumentos de Prestes (2001) quando afirma que,
(...) ainda hoje, no que tange à formação dos professores na Educação Infantil, temos uma situação bastante complexa. Em termos de números, há ainda uma parcela de profissionais que atuam na Educação Infantil com a formação abaixo da desejada: incluindo o meio urbano e rural, temos de um total de 94.038 profissionais de creche, 1,2% (1.204) com o fundamental incompleto e 3,9% (3.714) com o fundamental completo. Nas pré-escolas, de um total de 309.881 profissionais, também incluindo o meio urbano e rural, são 0,3% (1.173) com o fundamental incompleto e 1,6% (5.170) com o fundamental completo. (p. 4)
Os dados apresentados revelam que mesmo após conquistar um maior espaço na
sociedade contemporânea, a educação ainda é esquecida pelos poderes públicos,
assim como a formação de professores, o que reflete diretamente na qualidade do
ensino, no interesse dos estudantes e, consequentemente, resulta na baixa procura
por parte dos profissionais da área, que diante de más condições de trabalho, baixa
remuneração, pouco reconhecimento pelo seu trabalho e muitas vezes o
40
aparecimento de doenças devido ao desgaste físico e emocional, optam por áreas
de maior prestígio e reconhecimento social.
Mesmo com as dificuldades e problemas que os professores encontram, hoje, na
sua formação inicial, o que se observa é que eles tentam, com todas as limitações,
prestar uma contribuição significativa à sociedade. Para cumprir os objetivos da
educação infantil, que é o desenvolvimento e aprendizagem da criança de 0 a 6
anos, Wajskop ( 2003) descreve que um bom professor de educação infantil deve
ser capaz de:
trabalhar com turmas de educação infantil a partir da compreensão da primeira infância como uma fase de aprendizagem do auto cuidado, do entendimento do valor das linguagens e de progressiva aproximação com as práticas do grupo de referência sociocultural; prover cuidado e educação de criança de 0 a 3 anos [...]; construir um vínculo positivo com a criança de 0 a 3 anos a partir da compreensão do papel da imitação [...]; organizar situações de aprendizagem adequadas a crianças de 4 a 6 anos, a partir da compreensão de que elas estão vivendo um processo de ampliação das experiências [...]; planejar pedagogicamente a educação infantil, elegendo conteúdos a ensinar e suas didáticas [...]; por fim, é importante considerar que, para aprender o ofício docente, o professor necessita, em primeiro lugar, construir uma relação ética para com sua função social [...]. (p.17)
Historicamente, a educação infantil sempre esteve associada ao universo feminino
devido a estas possuírem características culturais específicas consideradas de
extrema importância para os profissionais da área. Diante do discurso da
inferioridade feminina, associaram a educação como uma profissão também inferior,
justificando o desinteresse masculino pela profissão. A desvalorização da profissão
docente, especialmente nos anos iniciais, se reflete na sociedade através de
condições que dificultam o rendimento dos profissionais e repercute na qualidade do
ensino.
Parte dos profissionais que permanecem no campo da educação, ao confrontarem-
se com as dificuldades citadas anteriormente, acomodam-se, perdem o amor pela
profissão e acabam prestando um serviço de péssima qualidade. Para modificar
essa condição dos docentes, Tardif (2002) ressalta a importância de considerar a
subjetividade dos mesmos, situando-os como sujeitos ativos, produtores de saberes
específicos do seu trabalho. Tais saberes são construídos desde a formação inicial e
desenvolvidos no decorrer da trajetória profissional, que através da formação
41
continuada e da práxis pedagógica são aperfeiçoados, na busca pela identidade
profissional e pelo crescimento pessoal e coletivo.
Reconhecer a importância do trabalho do professor, proporcionando-lhe melhor
capacitação e melhores condições de trabalho é o primeiro passo para a melhoria da
qualidade da educação que vem sendo discutida e teorizada nas últimas décadas.
6 FALA, PROFESSORA!
Conforme descrito anteriormente, visando avaliar a opinião dos principais sujeitos da
pesquisa acerca do tema: “A desvalorização do professor de Educação Infantil e seu
impacto na atuação dos profissionais da área”, o perfil desses profissionais, sujeitos
submetidos ao silenciamento ao longo da história, será analisado a seguir.
6.1 Quem são essas professoras?
Os informantes desta pesquisa, conforme descrito na seção metodológica, são
docentes que atuam na educação infantil, todos do sexo feminino, o que pode ser
considerado como mais um indício da esmagadora presença feminina neste
segmento da educação, resultado do desprendimento dos homens pela área.
Quanto à faixa etária dos sujeitos da pesquisa, constatou-se que a maioria das
informantes, 09 (nove) delas, encontram-se com idade igual ou superior a 30 (trinta)
anos. Os demais, 06 (seis) sujeitos, estão na faixa etária entre 24 e 29 anos. A
ausência de sujeitos com idade inferior a 24 anos pode ser justificada pelo
desinteresse dos jovens pela área, visto que a mesma não goza de prestígio social
se comparada a outras áreas do mercado profissional e também pela dificuldade de
ingresso no mercado de trabalho via 1º emprego, como ocorre em outras área
profissionais.
Em se tratando de instituição de formação, 14 (quatorze) dos entrevistados
concluíram o curso de licenciatura em pedagogia, dentre os quais, 11 (onze) o
fizeram em instituições privadas e 03 (três) em instituições públicas. Apenas 01
(uma) das informantes relatou ter desistido da profissão e até então, atuava com o
curso de magistério (nível médio), o que era muito comum entre os profissionais da
área, uma vez que apenas a partir de 1996 foi mudado através da instituição da
LDB, que passou a exigir que a formação mínima para os professores desse
segmento fosse a nível superior.
43
O dado acima reflete o resultado do crescimento da oferta de cursos universitários,
devido a abertura de faculdades privadas, proporcionando a inserção destas
pessoas nas instituições de ensino superior e consequentemente o aumento de
profissionais disponíveis no mercado de trabalho. Esse crescimento na oferta de
cursos de nível superior, não garante um investimento na qualidade do ensino, nem
tampouco, na qualidade da mão-de-obra disponível neste setor.
A pesquisa buscou saber o tipo de instituições de atuação desses profissionais, os
dados estão expostos na tabela a seguir:
TABELA 01 – INSTITUIÇÃO DE ATUAÇÃO PRIVADA PÚBLICA NÃO ATUA OUTROS 08 04 02 01 Fonte: Pesquisa de Campo Jan. - Fev./2010
A tabela acima revela a predominância de profissionais atuantes no setor privado,
devido às dificuldades em ingressarem nos setores públicos, embora muitos
informantes tenham revelado a preferência por esse setor, uma vez que ele oferece
uma série de benefícios e vantagens, dentre as quais se destacam a estabilidade,
plano de carreira, aposentadoria integral, carga horária reduzida, etc., o que não
acontece nas instituições privadas. Isso é reflexo da atual situação de instabilidade
no mercado de trabalho no Brasil, que tornou-se cada vez mais competitivo,
resultando no crescimento da procura pelo serviço público por conta das condições
acima citadas.
Esta tabela ainda demonstra, e vale ressaltar aqui, a presença de profissionais que
ainda estão na fase de “entregar currículo” e/ou “fazer concurso e esperar ser
chamada”, situação que não se diferencia das outras áreas profissionais.
6.2 Observando o trabalho das professoras
A observação foi realizada em uma escola da rede privada de Salvador, situada em
um bairro nobre da cidade, que atende a um público de classe média-alta e oferece
44
os níveis de Educação Infantil e Ensino Fundamental I, nos turnos matutino e
vespertino, além de oferecer o Turno Integral, com atividades recreativas e
pedagógicas. A instituição dispõe de 18 (dezoito) salas de aulas, além de
laboratórios de informática e língua estrangeira, 02 (dois) parques acessíveis às
crianças, 03 (três) quadras poliesportivas, 01 (uma) biblioteca e 01 (uma) piscina
com dimensões olímpicas.
O quadro docente da escola é composto predominantemente por profissionais do
sexo feminino, determinando a restrição do gênero do público observado. Conta com
aproximadamente 800 (oitocentos) alunos, 34 (trinta e quatro) docentes, além dos
profissionais da área de esporte, línguas e artes, distribuídos entre os seus horários
de funcionamento. A equipe gestora é composta por 01 (uma) diretora, 01 (uma)
vice diretora e quatro coordenadoras pedagógicas, distribuídas entre os níveis de
ensino.
Dentre as docentes atuantes na instituição, apenas 02 (duas) mostraram-se
disponíveis para a realização da observação, visto que estavam iniciando o ano
letivo e as crianças da Educação Infantil estavam passando por fase de adaptação,
diante disso, a presença de mais uma pessoa no ambiente, dificultaria a dinâmica da
sala de aula. Sendo assim, a observação foi realizada em turmas de Grupos 05 e 06,
nas quais as crianças já estão habituadas à vivência escolar.
A observação foi realizada em duas tardes de trabalho, totalizando 10 (dez) horas,
visando perceber a forte influência do cuidar, que ainda se faz muito presente nas
turmas de Educação Infantil.
Durante as duas tardes de observação, percebemos como o cuidar, que
predominava na educação de crianças de 0 a 5 anos, ainda se faz presente nas
turmas de Educação Infantil, nos dias atuais. Apesar de acontecer de forma
disfarçada, o mesmo muitas vezes, toma proporções que ultrapassam o lado
pedagógico e a função do professor.
45
Diante disso, podemos afirmar que a educação de crianças de 0 a 5 anos está
fortemente relacionada com o educar e o cuidar. Para Oliveira (1995) citado por
Kramer (2003), esses dois termos têm significados particulares na Educação Infantil:
o primeiro tem sido associado às necessidades do corpo e o segundo, às possibilidades da mente; o primeiro está voltado a dar condições de sobrevivência às populações desprivilegiadas e o segundo, ao desenvolvimento intelectual dos filhos de grupos de maior prestígio social.
Contudo, o que a educação infantil busca, hoje, é uma redefinição destes termos,
integrando-os em um só, com a meta de mediar o desenvolvimento sociocultural da
criança desde o nascimento. O fato é que, no atendimento às crianças, muitas vezes
não é possível separar o cuidar e o educar, mas, quando o primeiro se sobrepõe ao
segundo, corre-se um sério risco de recairmos no assistencialismo.
No primeiro dia de observação, 01/02/2010, em uma turma de grupo 5 da referida
escola, percebeu-se como a professora conduz a turma às atividades pré-
estabelecidas. Logo na chegada, a professora precisa usar argumentos para
convencer uma criança a deixar a mãe ir embora, em seguida, com a ajuda da
auxiliar de sala, retira os lanches das mochilas e os acondicionam em um frigobar
localizado na sala da coordenação, além disso, acompanha os alunos no uso do
banheiro e para beber água, sempre que solicitada.
Por se tratar do primeiro dia de aula com todos os alunos, uma vez que nos dois
primeiros dias, apenas os alunos novos estavam na escola para apresentação do
espaço e da equipe, a professora organiza uma roda para apresentação da rotina do
dia, se apresenta aos alunos que não estavam presentes nos primeiros dias de aula
e pede que todos façam o mesmo. Em seguida, foram feitas atividades diagnósticas,
com o objetivo de conhecer o nível de cada criança.
Ao chegar a hora do lanche, acompanha as crianças ao banheiro para fazerem a
higiene das mãos, vai buscar as merendas guardadas no frigobar e dirige-se até a
cantina da escola para comprar o lanche das crianças que não o trouxeram de casa.
46
Ocupa-se de fazer com que se alimentem direito, evitando que o lanche volte para
casa.
No recreio, acompanha com atenção a interação dos alunos e os convida a
participar da brincadeira de “lá vai a bola” com o objetivo de socializar os alunos que
estavam tímidos.
A volta para a sala aconteceu de uma forma muito tranquila. Em seguida, realiza
uma atividade de relaxamento, para logo após, solicitar que as crianças se façam o
autorretrato que expõe na sala de aula, mas antes pede para cada um mostrar aos
colegas e falar um pouco do que mais gosta de fazer no dia a dia.
Passado algum tempo, os pais vão chegando para buscar os filhos. A maioria dedica
algum tempo para conversar com a professora sobre seu filho naquela tarde de
trabalho. A despedida da criança inclui beijo e abraço. Quando o último aluno vai
embora, ela também está dispensada e, conforme relata, vai preparar-se para o dia
seguinte.
No segundo dia de observação, dia 03/02/2010, visto que dia 02/02/2010 é um dia
de festas populares em um bairro próximo à localização da escola, o público alvo da
observação foi uma turma de grupo 06. Notei que as crianças gozam de maior
autonomia, retiram e levam seus lanches para serem guardados no frigobar, sob a
supervisão da auxiliar de classe, vão ao banheiro desacompanhadas e demonstram
menor dependência do adulto.
A professora faz uma roda para apresentar a observadora, pois a sua presença
despertou a curiosidade das crianças, aproveita o momento para apresentar a rotina
do dia, marcam no calendário a data e constroem juntos um quadro para registrarem
as crianças que perderam dentes durante o ano letivo. Na roda, acontece também a
socialização das atividades de casa.
Em seguida, a professora de inglês chega e assume a roda, enquanto isso a
professora titular aproveita para corrigir as atividades de casa do dia anterior. Após a
aula de inglês, é o momento do lanche, seguido do recreio, onde as crianças ficam
47
sob a supervisão da auxiliar, enquanto a professora tira quinze minutos de
descanso.
Ao voltarem para a sala, a professora explica uma situação problema utilizando
materiais concretos para facilitar a compreensão das crianças, ao mesmo tempo que
tenta controlar a euforia do recreio, o que leva aproximadamente quinze minutos
para acontecer, pois alguns querem beber água, outros vão ao banheiro, etc.
Passada a agonia, a professora prossegue com a atividade. Depois é o momento
das artes, onde são oferecidos materiais diversos (tintas, giz de cera, lápis de cor,
canetas hidrográfica, tesouras e papéis) para que as crianças montem uma cena do
que costumam fazer nos dias em que não tem aula (finais de semana).
Em seguida, enquanto aguardam a chegada dos pais, a professora faz uma roda de
leitura com as crianças. No primeiro momento ela apresenta três opções de livros
para que as crianças pudessem escolher qual seria lido naquele momento, diante da
uma confusão causada, ela mesma decide o livro que vai ler: A Caligrafia de Dona
Sofia, o título da obra causa mais um agito na turma, pois no grupo há uma criança
com nome Sofia.
Pouco a pouco os pais chegam e as crianças vão saindo, mas neste caso a
professora não precisa esperar que o último aluno vá embora, quando chega o seu
horário ela deixa os alunos com a auxiliar de classe.
A partir dessa observação, constatamos que quanto menor as crianças, maior é
cuidado de que necessitam para a realização das atividades cotidianas, ao passo
que, as crianças um pouco maiores, embora também necessitem de cuidado e
atenção, já conseguem trabalhar com uma maior independência.
6.3 Como pensam a situação do docente da educação infantil
A educação infantil no Brasil tem conquistado um espaço nunca visto antes no
cenário sociopolítico nacional. Apesar disso, observa-se que esta conquista está
48
aquém da esperada para um setor de tamanha importância para o desenvolvimento
do indivíduo e da sociedade. Diante disso, buscou-se saber dos professores
pesquisados como eles avaliam a situação da educação infantil no Brasil. Todos (15)
concordaram que, apesar das conquistas, se comparadas a outras épocas, a
educação infantil no Brasil ainda se encontra carente de investimento público,
necessitando principalmente de espaço físico adequado e profissionais capacitados
para este segmento, especialmente em instituições públicas. Merecem destaque as
falas das professoras A, C e J, na sequencia:
Profª A: “A educação infantil no Brasil ainda é pouco valorizada e pouco acessível à grande maioria da população brasileira”. Profª C: “A educação infantil das escolas públicas no Brasil está precária. No que se refere às práticas, os referenciais ajudaram bastante, mas em termos de espaços físicos...” Profª J: “Existem diversos avanços e retrocessos com relação a educação infantil brasileira. Atualmente existem documentos legais e políticas públicas tentando alavancar este nível de ensino. Entretanto a realidade nas escola, professores mal remunerados, classes lotadas, falta de material para trabalhar, demonstra uma realidade precária”.
Diante do exposto, pode-se afirmar que apesar dos documentos legais que dão
embasamento a Educação Infantil, este setor ainda não foi priorizado no setor
público, por isso, o atendimento às crianças de 0 a 5 anos tem caráter excludente,
visto que não é acessível à maioria da população. Já no setor privado, ela funciona
seguindo as leis que regem o mercado consumidor, está disponível de maneira
bastante variada, para atender a um público mais exigente e que paga por isto.
Quanto a opinião dos entrevistados acerca do que ainda falta ser feito pela
Educação Infantil no Brasil, as respostas foram diversas e serão apresentadas na
tabela a seguir:
TABELA 02: AINDA FALTA SER FEITO PELA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL
INVESTIMENTO AUTONOMIA
DO
PROFESSOR
FORMAÇÃO/
CAPACITAÇÃO
VALORIZAÇÃO OUTROS
04 01 02 01 04
49
Fonte: Pesquisa de Campo Jan. - Fev./2010
O resultado acima revela que os entrevistados têm opiniões diversas acerca das
necessidades da educação infantil no Brasil, entretanto, todos os elementos citados
são resultado da falta de investimento por parte dos poderes públicos na educação,
uma vez que estão intimamente relacionados, visto que a falta de investimento
interfere na formação/ capacitação dos professores, que incide diretamente na
autonomia e segurança dos mesmos, gerando queda da autoestima e
consequentemente a desvalorização do profissional.
Quanto aos motivos que levaram a escolha da profissão e satisfação pessoal, as
respostas variaram, tendo maior ênfase as das professoras G, H e M, que serão
descritas a seguir:
Profª G: “Costumo dizer que para atuar na Ed. Infantil é preciso muito amor. E eu, nunca pensei ser diferente. Amo o que eu faço e me sinto realizada”.
Profª H: “O desejo em ver o ser humano melhor foi o que me levou a ser professora. Sou feliz pelo que faço por ter retorno positivo dos locais em que trabalho, das crianças e dos pais, mas ainda tenho esperança de sermos valorizadas”.
Profª M: “A escolha da profissão se deu por realização de um sonho de infância, por acreditar que a educação é capaz de mudar a realidade socioeconômica das pessoas e que desta maneira poderia dar minha contribuição. Sou satisfeita com a escolha que fiz, porém acredito que mais do que mudar a vida, a educação é capaz de fazer as pessoas comprometerem-se com a mudança”.
A sociedade e o capitalismo muitas vezes induzem às pessoas a desacreditarem
que é possível exercer uma função com amor e dedicação necessários para o êxito
da mesma. No entanto, as falas acima demonstram que apesar das dificuldades
encontradas pela profissão, muitos profissionais acreditam no poder transformador
da educação e estão satisfeitos com a escolha.
Muitas são as situações adversas enfrentadas pelos professores de educação
infantil e essas, muitas vezes, são responsáveis pela desistência da profissão.
Quando questionadas se passaram por alguma situação que as levassem a pensar
50
em desistir da profissão, 08 (oito) das entrevistadas responderam positivamente e
justificaram com as afirmações a seguir:
Profª H: “Sim. Situações com pais de alunos que nos enxergam como ‘babás de luxo’.”
Profª J: “Sim. Quando você percebe que apesar de ser um profissional tão importante para a sociedade, ainda assim, a instituição, os pais e os próprios colegas não valorizam seu trabalho. É uma situação bastante difícil”.
Profª K: “Sim. De maneira geral, algumas regras de escolas quanto ao trabalho realizado. Às vezes me sentia ‘forçada’ a executar algumas funções que não acreditava acrescentar na formação pessoal e cognitiva das crianças.”
Profª N: “Várias, mas a que realmente me fez desistir foi a falta de afinidade com a área”.
Os episódios descritos, revelam quanto o papel do professor neste segmento de
ensino pode ser desvirtuado, confundido. Isso é fato, muitos pais enxergam neste
profissionais uma extensão das babás e desconhecem, muitas vezes, qual seria o
real papel do professor na educação infantil. Outro agravante é a obrigatoriedade de
seguir propostas pedagógicas fadadas ao fracasso, pois a orientação da escola
defende isto, o que também provoca descrença e reduz a motivação.
Apesar de mais da metade das informantes terem passado por situações de
desmotivação, apenas 01 (uma), a professora N, realmente abdicou da profissão ao
perceber a falta de afinidade com a área e atualmente trabalha com decoração de
eventos. Ainda com relação a mesma questão, as outras 07 (sete) entrevistadas
afirmaram não terem passado por situações que as levassem a pensar em mudar de
profissão.
Uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos professores de educação infantil no
Brasil é, sem dúvida, a deficiência na formação inicial desses profissionais, que
muitas vezes têm o curso sobrecarregado de teorias dissociadas das práticas, o que
deixa a desejar e reflete na qualidade do trabalho em sala de aula. Diante disso,
questionou-se às professoras entrevistadas se acreditavam que a formação inicial
51
seria suficiente para embasar a prática. A resposta foi unânime, concluindo que a
formação inicial não era suficiente. Seguem algumas das justificativas:
Profª I: “Acredito que o ser humano está sempre em transformação, sempre em aprendizagem. Devemos estar atentas para as ‘novidades’, nos aperfeiçoando cada vez mais”.
Profª A: “A formação continuada é de fundamental importância, principalmente para lidar com toda a diversidade de uma sala de aula”.
Profª L: “É importante para dar embasamento em referência às teorias e sugestões de práticas, porém não é suficiente, por isso é importante complementar com cursos, formação continuada e principalmente, o estágio prático”.
Com o objetivo de buscar a melhoria de sua prática, o crescimento pessoal e
profissional, todas as informantes afirmaram terem passado por cursos de naturezas
diversas, que foram importantes para complementação da formação inicial.
A LDB de 1996 garantiu às crianças o direito a educação infantil como primeira
etapa da educação básica e esta passou a ser obrigação do município. Apesar da
oferta garantida por lei, as escolas públicas não estão preparadas para atenderem a
este público, ao passo que as escolas particulares investem cada vez mais nesse
nível de ensino, adaptando os espaços físicos, oferecendo recursos e profissionais
cada vez mais preparados para atendê-los. Diante disso, todos os professores
entrevistados informaram acreditar haver diferença entre o ensino de escolas
públicas e particulares. Dentre as diferenças citadas, a maioria destacou a falta de
espaços adequados, falta de investimentos e recursos, além da cobrança dos pais
que normalmente acontece nas escolas particulares. Nesse sentido, buscou-se
saber das entrevistadas se elas acreditavam haver diferença entre o ensino de
escolas públicas e particulares. Todas concordaram que sim e citaram algumas
diferenças, que serão explicitadas através das falas das professoras H, K e M.
Profª H: “Sim. Acredito que essas diferenças estão na falta de material, na falta de desejo e administração da escola pública”.
52
Profª K: “Sim. A falta de alguns recursos nas escolas públicas impossibilita uma educação de maior qualidade, embora existam muitos profissionais comprometidos”.
Profª M: “Com certeza, o ensino se diferencia pelo seu provedor, porém quem realmente faz a diferença é o profissional que atua em cada uma. A educação é um direito de todos e dever do Estado, só que na realidade, ela acaba sendo vista como comércio onde quem pode pagar tem uma educação diferenciada”.
Diante do exposto, pode-se afirmar que as escolas particulares têm uma larga
vantagem em relação às escolas públicas, no que se refere a estrutura física,
recursos e capacitação dos profissionais que atuam na educação infantil, apesar do
avanço que este nível tem conquistado no quesito políticas públicas.
Com relação a atuação do professor de educação infantil, questionou-se às
entrevistadas se as mesmas acreditavam que um mesmo profissional que trabalha
em escola pública e particular possa atuar de forma diferente no que se refere à
qualidade do ensino. As opiniões ficaram divididas. Seguem algumas falas das
professoras M e G que ilustram opiniões divergentes:
Profª G: “Não. A qualidade é a mesma. Podemos ter ferramentas diferentes, mas a qualidade tem que ser a mesma”.
Profª M: “O profissional que possua uma visão da importância que tem o seu papel como educador não faz diferença no seu trabalho seja no ensino público ou privado. Só que, a qualidade do ensino da escola privada tem feito à diferença na aprendizagem. A agilidade da aquisição de novos sistemas de ensino tem diferenciado as instituições, de modo onde, à escola pública nem sempre pode acompanhar as inovações, e o profissional atuante na educação pública, muitas vezes mal remunerada, sem estrutura física, com três ou mais turmas cheias de alunos com diversidades de situações dificultantes do seu trabalho acabam se dando por vencidos pelo sistema, que novamente repito, é perverso, por não cumprir o seu papel”.
A Educação Infantil sempre foi marcada pelo caráter assistencialista, em detrimento
da função pedagógica. Seus profissionais eram confundidos com cuidadores, o que
descaracterizava a docência neste nível de ensino enquanto profissão, resultando
na desvalorização da mesma. Nesse sentido, perguntou-se às informantes se
53
acreditavam que a Educação Infantil é uma área valorizada. Seguem respostas na
tabela abaixo:
TABELA 03 – Valorização da Educação Infantil SIM NÃO OUTROS 01 13 01 Fonte: Pesquisa de Campo Jan. - Fev./2010
O dado acima é o reflexo da condição de desvalorização a que são submetidos os
profissionais de Educação Infantil no Brasil. Por esse motivo muitos deles são
obrigados a migrarem para outras profissões, uma vez que esta, muitas vezes, não
oferece condições dos mesmos se manterem, ou até mesmo, complementarem
renda com outras área profissionais.
Os baixos salários são, dentre os fatores dificultadores da profissão, os mais citados,
uma vez que geram sobrecarga de trabalho e, consequentemente, esgotamento
físico e mental. As informantes foram perguntadas se estão satisfeitas com a
remuneração recebida pelo seu trabalho e dentre as 15 (quinze) perguntadas,
apenas 01 (uma), a profª G, respondeu que era suficiente para se manter. As demais
disseram que não e justificaram:
Profª C: “Não. Acho que ninguém está satisfeito com o que recebe. Está sempre buscando melhorar. Não estou na miséria, mas o que recebo não é suficiente e por isso trabalho 60 h, luto pro melhoria e faço greve, se necessário. Luto não só pelo salário, mas por assistência á saúde, pois estou com problema na voz e não tenho acompanhamento médico”. Profª D: “Não. Acho que muitos outros profissionais com papel secundário estão com melhores remunerações que o professor”.
Diante do importante papel social do professor na sociedade, as informantes
acreditam que estes deveriam ser melhor remunerados, principalmente se
comparados com outros setores do mercado de trabalho. É interessante ressaltar
que, para atuarem em áreas mais valorizadas pelo mercado, os profissionais
passam por capacitações diversas, promovidas por professores, chega a ser
contraditório, o professor ensina, e o sujeito que põe em prática é quem recebe o
destaque. Outra situação agravante também é a educação sendo usada como
“bico”, ou seja, profissionais de outras área, fazem, num turno oposto, geralmente no
54
noturno, os “bicos educacionais”, que vai refletir consideravelmente na qualidade da
formação de professores, principalmente de instituições privadas.
Quando perguntadas se consideram valorizadas enquanto profissionais de
Educação Infantil as respostas variaram. As citações a seguir contemplam as
opiniões da maioria:
Profª C: “Em alguns aspectos, sim. Principalmente porque me valorizo. Busco da melhor forma meus valores. Profissionalmente sim, pois, dentro da minha história como educadora, já tive muitos ganhos. Acredito que a desvalorização do professor está ligada à desvalorização da família, pois o aluno perde a referência e valores”.
Profª M: “É um misto de sim e não, pela experiência e formação continuada que possuo, sou valorizada, porém essa valorização não se comprova na seleção, pois professor, principalmente de Educação Infantil pode ser qualquer um, dessa forma o valor passa a ser nenhum”.
Diante da complexidade da educação, vários são os fatores que interferem no
cotidiano da sala de aula e no trabalho do professor. Quando questionadas se a
situação de desvalorização da Educação Infantil no Brasil interfere no trabalho em
sala de aula, 04 (quatro) professoras disseram que sim; 10 (dez) disseram que não e
01 (uma) não respondeu. Com destaque as falas das professoras E, G, H e J que
elucidam as respostas da maioria:
Profª E: “Não. Porque procuro atuar com profissionalismo e seriedade, sem deixar que a desvalorização financeira interfira no meu trabalho”;
Profª G: “Tento estar atenta ao que acontece, mas não levo para sala de aula”.
Profª H: “Acredito que interfere no trabalho de qualquer professor em relação ao ‘seguir em frente’. Na relação com os alunos, não interfere porque o amor pela profissão ainda é maior”.
Profª J: “Sim! Alguns educadores acreditam que não interfere; mas se refletirmos, iremos perceber as dificuldades enfrentadas diariamente para nos autoafirmarmos, sermos respeitadas e ouvidas perante a própria sociedade, instituição e pais.
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Em se tratando de atuarem em outra área da educação, segue a tabela com as
respostas das 15 (quinze) informantes:
TABELA 04 – Atuação em outra área da educação SIM NÃO 08 07 Fonte: Pesquisa de Campo Jan. - Fev./2010
As 08 (oito) que responderam sim, afirmaram terem trabalhado com Educação de
Jovens e Adultos - EJA; como assistente de coordenação; secretária e na formação
de professores. Isso demonstra a importância do profissional participar da educação,
a partir de um ponto de vista, além da sala de aula.
As informantes deixaram claro que apesar de não terem a intenção de abandonar a
Educação Infantil, gostaram da experiência em outras áreas, principalmente as que
atuaram nos setores administrativos (secretaria e coordenação), pois tiveram acesso
a documentos antes restritos à gestão da escola, ainda que o proposto seja a
participação delas na elaboração dos mesmos, ao exemplo do Projeto Político
Pedagógico.
Ao pedir para as entrevistadas citarem algumas das dificuldades enfrentadas pelos
professores de Educação Infantil e os fatores que influenciam na qualidade da sua
aula, a resposta da maioria incluía baixos salários; deficiência na formação inicial;
falta de reconhecimento da sociedade e dos poderes públicos; falta de espaço físico
e recursos adequados; falta de autonomia do professor e interferência de pais e
dirigentes da escola. Somado a isso, a professora K acrescenta que “a crença de
pessoas leigas em que as crianças vão à escola somente para brincar” também
dificulta a realização do trabalho do professor de educação infantil, pois o mesmo
não é levado a sério.
A história da educação mostra que a presença feminina sempre predominou nas
classes, principalmente de educação infantil, devido à crença de que a educação
fosse uma extensão do lar, por conta do cuidado que prevalecia nesses ambientes.
Por isso, deveria ser ocupada por quem teria aptidão inata para cuidar das crianças
e essa tarefa foi designada às mulheres visto que as mesmas possuem o extinto
56
maternal natural do sexo. Essa concepção que se enraizou na sociedade, aliada à
discriminação enfrentada pelas mulheres, afastou os homens da profissão. Diante
disso, perguntou-se às entrevistadas se acreditavam haver alguma relação entre a
predominância feminina na área e o desprestígio da profissão. As respostas das
professoras A, B, J, e M elucidam as opiniões da maioria:
Profª A: “Acredito que essa predominância tenha mais relação com o lado maternal, cuidadora, que a figura feminina representa.
Profª B: “Sim. Infelizmente a profissão sempre foi confundida com maternidade ou outro grau de parentesco, como tia, o que a descaracteriza enquanto profissão e por isso há predominância feminina”.
Profª J: “Sim. As mulheres quanto foram escolhidas eram relacionadas como se fossem mães das crianças. E por conta de todo o percurso da mulher em sua trajetória trabalhista, pois elas recebiam qualquer coisa...”.
Profª M: “Sim, a desvalorização do papel da mulher no mercado de trabalho ainda se faz muito presente, principalmente no quesito educação infantil, já que estes profissionais são confundidos com ‘mães’, ‘ babás’”.
Os relatos acima demonstram que, apesar do avanço da sociedade em alguns
aspéctos, as concepções acerca do profissionalismo da docência, principalmente na
Educação Infantil, ainda estão carregadas de preconceito, o que dificulta ao
profissional afirmar-se como tal.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A condição de desvalorização dos professores de Educação Infantil é uma
construção social que tem sua origem na história de assistencialismo que
predominava no atendimento às crianças da primeira idade. Como esse atendimento
priorizava o cuidado, a preservação da saúde e higiene, e as mulheres começavam
a reivindicar o direito a educação e a ocupação no mercado de trabalho, o
magistério, então, representou uma oportunidade para o sexo feminino. A partir de
então, a docência ganhou maior destaque, como atividade alternativa que permitia
às mulheres, um espaço no mercado de trabalho, sem se afastarem definitivamente
das responsabilidades domésticas.
Todas as lutas deflagradas no que se refere a conquista das mulheres foram
significativas, os movimentos feministas tiveram papel preponderante neste cenário,
no sentido de combater a concepção de que a oferta de educação às mesmas
representaria uma ameaça à instituição família. O combate era também uma
tentativa de não aceitar o modelo de educação oferecido às mulheres, este
representando muito mais um instrumento de opressão, pois, além de manter a
hegemonia masculina, restringia o seu acesso a várias profissões, de acordo com as
determinações dos homens, já sinalizava Almeida (1998).
Era comum o discurso de que as mulheres eram biologicamente inferiores em
relação aos homens, o que justificava a condição de submissão a que eram
impostas, e por isso a atividade profissional por elas desempenhada também era
considerada inferior.
Infelizmente essa é uma concepção que estendeu na Educação Infantil, até a
contemporaneidade, onde os profissionais, predominantemente do sexo feminino,
são vítimas de discriminação e preconceito, não recebendo da sociedade em geral o
valor necessário. Por isso enfrentam problemas, como baixa remuneração,
sobrecarga e más condições de trabalho, desgaste físico e psicológico, dentre
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outros, que acabam se refletindo na sala de aula, principalmente no que se refere à
qualidade do ensino.
Outro fator que foi incisivo na história de desvalorização da docência, especialmente
na Educação Infantil, foi o público a que se destina, uma vez que as crianças
também foram vítimas de esquecimento por parte dos poderes públicos, tendo
desrespeitadas as necessidades e particularidades desta fase. Mesmo após a
criação de leis que legitimassem a infância e a Educação Infantil como primeira
etapa da Educação Básica, devendo ser responsabilidade do Estado e da família,
essa oferta se dá muito incipiente, principalmente nas instituições públicas, que
deixam a desejar, quando se trata de espaços físicos adaptados para o nível de
ensino, recursos e formação de profissionais, que atendam a especificidade deste
segmento da educação.
Com esta pesquisa, percebemos o quanto o preconceito e a discriminação estão
enraizados na sociedade, ratificando os conceitos instaurados desde a época do
descobrimento, embora atualmente, estejam disfarçados por trás de outros
julgamentos que resultam nas dificuldades enfrentadas na autoafirmação dos
principais sujeitos da Educação Infantil – professores e crianças.
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APÊNDICE A
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA-UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇAO – CAMPUS I CURSO: LICENCIATURA EM PEDAGOGIA
MONOGRAFIA: A desvalorização dos professores da Educação Infantil e seu impacto na atuação dos profissionais da área ALUNA: Shirlei Cristina Oliveira de Santana
ROTEIRO PARA ENTREVISTA
PERFIL DO INFORMANTE NOME: _________________________________________________________ FAIXA ETÁRIA: ( ) De 18 a 23 anos ( ) De 24 a 29 anos ( ) 30 ou mais FORMAÇÃO: ____________________________________________________ TEMPO DE FORMAÇÃO: ( ) Menos de 01 ano ( ) De 01 a 05 anos ( ) Mais de 05 INSTITUIÇÃO DE FORMAÇÃO: _____________________________________ ( ) Privada ( ) Pública INSTITUIÇÃO DE ATUAÇÃO: _______________________________________ ( ) Privada ( ) Pública 1. Como você avalia a situação da Educação Infantil no Brasil?
___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________
2. Em sua opinião o que ainda falta ser feito pela Educação Infantil no Brasil?
___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________
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3. O que a levou a escolher essa profissão? Como você avalia hoje esta profissão no que se refere a satisfação pessoal? ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________
4. Já passou por alguma situação que a levou a pensar em desistir da profissão?
Qual? ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________
5. Acredita que a formação inicial é suficiente para embasar a prática do
profissional? Justifique: ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________
6. Você participa ou já participou de cursos de capacitação para complementar sua
formação inicial? Quais? ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________
7. Acredita haver diferença entre o ensino de escolas públicas e particulares? Cite
algumas. ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________
8. Acredita que um mesmo profissional que trabalha em escola pública e particular
possa atuar de forma diferente no que se refere a qualidade do ensino? Por quê? ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________
9. Você acredita que a Educação Infantil é uma área valorizada?
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___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________
10. Está satisfeita com a remuneração recebida pelo seu trabalho? Por quê?
___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________
11. Você se considera valorizada enquanto profissional de Educação Infantil?
___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________
12. A situação de desvalorização da Educação Infantil no Brasil interfere no seu
trabalho em sala de aula? ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________
13. Você já atuou em outra área da educação? Qual?
___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________
14. Cite algumas das principais dificuldades enfrentadas pelos professores de
Educação Infantil hoje: ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________
15. Que fatores influenciam na qualidade da sua aula?
___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________
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16. Você acredita haver alguma relação entre a predominância feminina na área e o desprestígio da profissão?
___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________
Obrigada pelas informações!