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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
OS PRINCÍPIOS DO ART. 3º DA LEI 8666/93
Por: Elisangela Clemente de Souza
Orientadora
Profª.: Claudia Gurgel
Rio de Janeiro, 2006.
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
OS PRINCÍPIOS DO ART. 3º DA LEI 8666/93
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em Direito Público
e Tributário.
Por: Elisangela Clemente de Souza
3
AGRADECIMENTOS
A Deus que sempre me guarda e me acompanha
nos momentos difíceis e felizes da minha vida.
A minha mãe e a minha irmã Sonia pelo apoio e
dedicação que tiveram comigo ao longo da minha
vida.
Aos meus amigos que sempre me trazem alegria e
me acompanham todos os dias na minha
caminhada.
4
DEDICATÓRIA
Dedico esta monografia a minha mãe
Maria do Carmo, pessoa a quem devo
grande parte do que sou.
5
RESUMO
Discorrer sobre os princípios é uma das tarefas mais fascinantes, pois o
tema é comum a todos os ramos do direito.
O presente trabalho visa discorrer sobre os princípios do art. 3º da Lei
8.666/93 (lei de licitação pública).
Pretende-se na pesquisa e análise científica do tema envolvido, versar
sobre o conceito de princípio enfocando a diferença entre os princípios e
regras, abordar a licitação pública como princípio vinculado à Administração em
decorrência do princípio da indisponibilidade do interesse público e analisar
princípio por princípio inserto no art. 3 da lei 8.666/93.
6
METODOLOGIA
A Pesquisa pertinente desenvolvida sobre o tema em questão foi
basicamente descritiva, documental e doutrinária, buscada em fontes de
pesquisa na legislação nacional, em artigos publicados em revistas, em
publicações doutrinárias através de bibliotecas públicas e privadas.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 8
CAPÍTULO I - DOS PRINCÍPIOS................................................................................... 101. Conceito de princípio .................................................................................................. 101.1 Os princípios e as regras jurídicas ........................................................................... 111.2 Os princípios jurídicos .............................................................................................. 12
CAPÍTULO II - A LICITAÇÃO PÚBLICA COMO PRINCÍPIO JURÍDICO..................... 141. Conceito de licitação pública ...................................................................................... 141.1 Licitação pública como princípio jurídico constitucional .......................................... 15
CAPÍTULO III - OS PRINCÍPIOS DA LICITAÇÃO PÚBLICA (ART 3º DA LEI 8.666/93)........................................................................................................................................ 171. Princípio da isonomia ................................................................................................. 182. Princípio da legalidade ............................................................................................... 193. Princípio da impessoalidade ...................................................................................... 204. Princípio da moralidade.............................................................................................. 235. Princípio da igualdade ................................................................................................ 256. Princípio da publicidade ............................................................................................. 257. Princípio da probidade administrativa ........................................................................ 268. Princípio da vinculação ao instrumento convocatório................................................ 279. Princípio do julgamento objetivo ................................................................................ 3010. Outros princípios correlatos à licitação .................................................................... 3110.1 O princípio do formalismo ...................................................................................... 3110.2 Princípio da motivação ........................................................................................... 3210.3 Princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa ................................. 32CONCLUSÃO................................................................................................................. 35BIBLIOGRAFIA............................................................................................................... 36
8
INTRODUÇÃO
O presente trabalho sobre os princípios do art. 3º da Lei 8.666/93 (lei de
licitação pública), consubstanciará não apenas o estudo meticuloso dos
princípios constitucionais e legais sobre a matéria, como apresentará também
jurisprudência pertinente ao assunto.
A pesquisa e análise científica do tema envolvido, inicialmente versará
sobre o conceito de princípio. No capítulo I, o tema em foco será a diferença
entre princípios e regras no qual terão suporte em ponderável entendimento
doutrinário.
É preciso ressaltar, neste primeiro momento, que o princípio é a base, o
alicerce, o fundamento, o núcleo, a ordem central de um sistema: acepção
fundamental, básica, primacial, subordinadora de todo um complexo de
normas esparsas. Por isso mesmo, o princípio possui muito mais categoria do
que a norma, tendo-lhe supremacia. Constitui a base da pirâmide do sistema,
conforme afirma o ilustre professor Miguel Reale1. Daí por que todo raciocínio
jurídico deve ser montado de tal forma que se procure resguardar o princípio,
porque este, sobre ser norma, possui a peculiaridade de irradiar-se sobre os
demais comandos normativos.
Desta forma não se interpreta uma norma de modo dissociado do
princípio, mas em absoluta harmonia com ele, já que, em sua maioria, a norma
não é senão expressão legislada do seu conteúdo ou corolário de suas
implicações.
Com relação ao capítulo II, este abordará a licitação como um princípio
jurídico. Alguns doutrinadores entendem que a própria licitação é um princípio
a que se vincula a Administração, como decorrência do princípio da
indisponibilidade do interesse público e que se constitui em uma restrição à
liberdade na escolha do contratante. Desta forma a Administração deve
selecionar a proposta que melhor atenda ao interesse público.
Por último o capítulo III, busca-se especificar o assunto principal
1 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
9
deste estudo, qual seja, os princípios do art. 3º da lei 8.666/93, enfocando
princípio por principio expresso no artigo, bem como outros inerentes à
licitação, sem contudo esgotar o tema, visto que o mesmo desperta grandes
interesses.
10
CAPÍTULO I - DOS PRINCÍPIOS
1. Conceito de princípio
Como todos os ramos do direito, o direito administrativo é fundamentado
em uma série de proposições, diretrizes. Tais proposições constituem um
bloco uno sistemático e harmônico, que informam o setor da ciência do direito.
Deste modo, o direito administrativo é dominado pela idéia de princípios.
Na definição do dicionário Aurélio2, princípio tem quatro conotações
básicas: (a) momento ou local que algo tem origem; (b) causa primária; (c)
preceito; e (d) proposição que serve de base para alguma coisa.
Na linguagem vulgar, princípio tem o sentido “daquilo que vem antes de
outro”, representa “o começo de tudo”, “a origem de algo”, o momento em que
se faz uma coisa “pela primeira vez”.
De uma forma geral, a palavra princípio é termo análogo, isto é,
suscetível de inúmeros sentidos, mas sempre ligado por um ponto de contato
comum, representando o ponto de partida.
Princípios de uma ciência são proposições básicas, fundamentais,
típicas que condicionam todas as estruturações subseqüentes. Princípios
nesse sentido, são alicerces, os fundamentos da ciência. Seguindo essa
afirmação Miguel Reale3 expõe que toda forma de conhecimento filosófico ou
científico implica a existência de princípios, isto é, certos enunciados lógicos
admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que
compõem dado campo do saber.
2 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio - XXI. Versão 3. Editora Nova Fronteira, 1999. 3 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
11
1.1 Os princípios e as regras jurídicas
Atualmente os estudos do Direito público, logram de avanços
significativos no que se refere a interpretação e aplicação de suas normas.
Para a doutrina mais renomada, as normas jurídicas que compõem o
ordenamento positivo podem assumir duas configurações básicas: regras (ou
disposições) e princípios.
Os princípios representam as traves-mestra do sistema jurídico,
espalhando seus efeitos sobre diferentes normas e servindo de balizamento
para a interpretação e integração de todo o setor do ordenamento em que
radicam. Como se observa, os princípios servem de fundamentos para
aplicação do ordenamento jurídico. Importante esclarecer, que não se pode
confundir princípios com regras.
Na visão do ilustre professor Humberto Ávila4 existem diferenças básicas
entre princípios e regras:
“As regras não precisam nem podem ser objeto de
ponderação; os princípios precisam e devem ser
ponderados. As regras instituem deveres definitivos,
independentemente das possibilidades fáticas e
normativas; Quando duas regras colidem, uma das duas é
inválida ou deve ser aberta uma exceção a um delas para
superar o conflito. Quando dois princípios colidem os dois
ultrapassam o conflito mantendo sua validade, devendo o
aplicador decidir qual deles possui maior peso.”
Para Josef Esser5 princípios “são aquelas normas que estabelecem
fundamento para que determinado mandamento seja encontrado”. Para o
autor a distinção entre princípios e regras seria uma distinção qualitativa,
desta forma o critério seria, a função de fundamento normativo para a tomada
de decisão, portanto as regras determinam a própria decisão.
4 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2ed. São Paulo: Malheiros, 2003.5 ÁVILA, Humberto Apud ESSER, José. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
12
Seguindo esse raciocínio Karl Larentz6 define os princípios como sendo
normas de grande relevância para o ordenamento jurídico que estabelecem
fundamento normativo para a interpretação e aplicação do Direito. Desta forma
ele afirma que os princípios são normas de Regulação Diretiva, diferentemente
das regras, pois lhe falta o caráter formal de proposições jurídicas.
Logo, as regras são normas imediatamente descritivas, apresentando
pretensão de decidibilidade, estabelecendo obrigações, permissões e
proibições mediante a descrição de uma conduta a ser cumprida. Já os
princípios são normas imediatamente finalísticas, com pretensão de
complementaridade e parcialidade, para cuja aplicação demandam uma
ponderação. Princípios são, portanto, postulados básicos que servem de cerne
e embasamento para uma determinada fundamentação.
1.2 Os princípios jurídicos
A ciência do direito é inteiramente informada por uma série de
proposições básicas, que se colocam como alicerces dos juízos e raciocínio
do fenômeno do jus. O direito existe para ser obedecido, para ser aplicado.
Como se verifica a principiologia jurídica como uma exigência do rigor
científico, busca a explicação para a conduta humana resumida nas leis.
Para Vladimir Rocha França7 os princípios jurídicos devem ser
entendidos como sendo normas jurídicas que estabelecem o dever de realizar
as condutas que se fizerem necessárias para a materialização de uma
finalidade. Já no entendimento do ilustre doutor Humberto Ávila8 os princípios
jurídicos podem ser indicados de forma expressa no texto normativo ou
identificados pelo intérprete a partir da conjugação dos enunciados prescritivos
que compõem o suporte lingüístico das normas jurídicas. Em ambos os casos,
essas normas jurídicas tem o atributo de conceder harmonia, racionalização e
6 ÁVILA, Humberto Apud LARENTZ, Karl. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2ed. São Paulo: Malheiros, 2003.7 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Anotações à teoria das normas jurídicas. Revista Tributária e de Finanças Públicas. Ano 13, n. 60, p.11-13, jan/fev. 2005.8 Op. cit.
13
congruência à aplicação do direito às situações da vida em sociedade.
Para Roque Antonio Carrazza9 princípio jurídico é um enunciado lógico
implícito ou explicito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de
preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de
modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com
ele se conectam.
Os princípios jurídicos são portanto, enunciações normativas de valor
genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento
jurídico, quer pra a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de
novas normas.
9 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 21ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p 39.
14
CAPÍTULO II - A LICITAÇÃO PÚBLICA COMO PRINCÍPIO JURÍDICO
A Administração Pública exerce atividade multifária e complexa, e
sempre voltado para o interesse público. Para alcançar tal interesse, sem
afetar seus reais objetivos, às vezes o Estado precisa valer-se de serviços e
bens fornecidos por terceiros. Assim, a Administração Pública precisa celebrar
contratos, para a realização de obras, prestação de serviços, fornecimentos de
bens, execução de serviços públicos, etc.
Ao contrário dos particulares, que dispõe de ampla liberdade quando
pretendem celebrar contratos, a Administração Pública necessita adotar um
procedimento preliminar rigoroso determinado e preestabelecido na
conformidade da lei. Tal procedimento chama-se licitação e sua previsão legal
encontra-se na Lei 8.666/93. A licitação surge como uma solução para evitar
certos riscos, escolhas impróprias para o administrador público, ajudando a
máquina pública a manter um equilíbrio nos contratos entre o particular e a
Administração, visando o interesse coletivo.
1. Conceito de licitação pública
Na visão do ilustre professor José dos Santos Carvalho Filho10, para
conceituar licitação dever-se considerar dois elementos, a natureza jurídica do
instituto e o seu objetivo, sendo que este último, ele chama de ratio essendi. O
referido autor conceitua a licitação como sendo o “procedimento administrativo
vinculado, por meio do qual os entes da Administração Pública e aqueles por
ela controlados, selecionam a melhor proposta entre as oferecidas pelos vários
interessados, com dois objetivos – a celebração de contrato, ou a obtenção do
melhor trabalho técnico ou científico”.
10 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 15ª ed., Lúmen Júris, 2006, p. 199.
15
Na definição de Toshio Mukai11:
“a licitação significa um cotejo de ofertas (propostas),
feitas pelos particulares ao poder público, visando a
execução de uma obra pública, a prestação de um
serviço, um fornecimento, ou mesmo uma alienação pela
administração, donde se há de escolher aquela (proposta)
que maior vantagem oferecer, mediante um procedimento
administrativo regrado que proporcione um tratamento
igualitário aos proponentes, findo o qual poderá ser
contratado aquele que oferecer a melhor proposta.”
Para Celso Antonio Bandeira de Mello12 licitação é “um certame que as
entidades governamentais devem promover e no qual abrem disputa entre os
interessados e com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial,
para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas”. O referido
autor pressupõe que a licitação apresente duas fases fundamentais: uma, onde
se verificam os seus atributos, chamada de habilitação, e a outra concernente à
apuração da melhor proposta, chamada de Julgamento.
Desta forma podemos conceituar licitação como sendo o procedimento
administrativo no qual a administração pública através de um critério prévio e
julgamento objetivo, selecionar a mais conveniente proposta para a celebração
do contrato.
1.1 Licitação pública como princípio jurídico constitucional
Com a Constituição Federal de 1988, coube a esta traçar princípios
fundamentais da Administração Pública, ou seja, verdadeiros alicerces do
Estado Democrático de Direito, no qual a real preocupação do constituinte era
destacar direitos, liberdades e garantias pessoais dos administrados,
impedindo a tirania daquele que exerce o poder público.
11 MUKAI, Toshio. Estatutos Jurídicos de Licitações e Contratos Administrativos. Saraiva, 2ª ed., 1990, p. 1.12 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20ª ed., Malheiros, 2006, p. 492.
16
A partir de 1988 a licitação recebeu status de princípio constitucional,
tornando-se obrigatória pela Administração Pública direta e indireta de todos os
poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Analisando o
disposto no art. 37, XXI da Constituição Federal de 1988, pode-se observar que
a obrigatoriedade de licitar é princípio constitucional, sendo dispensada ou
inexigida apenas nos casos expressamente previstos em Lei.
Percebemos, portanto, que licitação é um princípio a que se vincula a
Administração, como decorrência do princípio da indisponibilidade do interesse
público e que se constitui em uma restrição à liberdade na escolha do
contratante. A Administração deve selecionar a proposta que melhor atenda ao
interesse público, como uma forma de garantir a manutenção de um equilíbrio
do relacionamento dos administrados com o Estado.
17
CAPÍTULO III - OS PRINCÍPIOS DA LICITAÇÃO PÚBLICA (ART 3º DA LEI 8.666/93)
De acordo com o art. 3º da Lei 8.666/93, podemos identificar como
princípios jurídicos que são aplicáveis as licitações: (a) isonomia; (b)
legalidade; (c) impessoalidade; (d) moralidade; (e) igualdade; (f) publicidade;
(g) probidade administrativa; (h) vinculação ao instrumento convocatório; e (i)
julgamento objetivo. Boa parte desses preceitos já se encontra
consubstanciada no art. 37 da Constituição Federal. Outros, por sua vez, são
normas específica de processo licitatório.
Cumpre ressaltar que o art. 3º da Lei 8.666/93, não estabelece um rol
exaustivo dos princípios jurídicos que devem incidir nas Licitações. Basta
verificar a expressão “dos que lhe são correlatos”, constante do final deste
dispositivo.
Importante destacar que é de fundamental importância à observância
desses princípios no procedimento licitatório, de forma a não comprometer a
sua validade jurídica. O processo administrativo será válido quando em todas
as suas fases transcorrerem de acordo com os cânones de juridicidade fixados
pelo ordenamento jurídico. Existindo algum vício de validade, o processo fica
passível de invalidação judicial ou administrativa. Portanto, tal argumento vale
para a licitação, pois uma vez violados seus princípios jurídicos, o processo de
licitação fica comprometido, tornando-o vulnerável a sua desconstituição por
razões de juridicidade pela autoridade administrativa ou judicial competente.
Expõe Celso Antonio Bandeira de Mello13:
“Violar um princípio é muito mais grave que transgredir
uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica
ofensa não apenas a um específico mandamento
obrigatório, ma a todo o sistema de comandos. É a mais
grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade,
13 GRAU, Eros Roberto apud MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ensaio e discurso sobre a interpretação / aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2002.
18
conforme o escalão do princípio atingido, porque
representa a insurgência contra todo o sistema,
subversão de seus valores fundamentais, contumélia
irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua
estrutura mestra.”
Os fundamentos próprios da licitação estão delineados por alguns
princípios incertos no art. 3º da lei 8.666/93, os quais definem os lineamentos
em que deve situar o procedimento licitatório.
1. Princípio da isonomia
Na ordem constitucional brasileira, tem destaque a isonomia. De certo
modo todo o catálogo dos direitos e garantias fundamentais não teria sentido
sem o princípio constitucional da igualdade, consubstanciado no artigo 5º,
caput, e Inc I, da Constituição Federal. Não é diferente na licitação pública,
onde se verifica como um dos objetivos selecionar a proposta mais vantajosa
para a Administração Pública, com a observância do princípio da isonomia.
É certo que a administração deverá obter a proposta mais vantajosa.
Mas selecionar a proposta mais vantajosa não é suficiente para validar a
licitação. A obtenção da vantagem não autoriza violar direitos e garantias
individuais. Portanto, deverá ser selecionada a proposta vantajosa mas, além
disso tem de respeitar-se os princípios norteadores do sistema jurídico, em
especial o da isonomia.
O princípio da isonomia significa que será assegurado tratamento
idêntico e equivalente a todos os licitantes, possibilitando a seleção da
proposta mais vantajosa. A isonomia significa o tratamento uniforme para
situações uniformes, distinguindo-se na medida em que exista diferença. Na
visão do ilustre professor Celso Antonio Bandeira de Mello14 a igualdade não
significa a invalidade de todo e qualquer tratamento discriminatório. A
discriminação entre situações pode ser uma exigência inafastável para atingir-
se a igualdade.
14 “Princípio da Isonomia”, RTDP 1/83
19
A incidência do principio da isonomia sobre a licitação desdobra-se em
dois momentos. Em uma primeira fase, são fixados os critérios de
diferenciação que a administração adotará para escolher o contratante. Em
uma segunda fase, a administração verificará quem, concretamente, preenche
mais satisfatoriamente as diferenças.
Analisando as considerações do instituto em apreço, observa-se que a
Administração Pública tem o dever jurídico de assegurar a todos os
interessados na realização de atos e negócios jurídicos administrativos
potencialmente lucrativos, a oportunidade de disputar em igualdade de
condições a preferência do Estado, da forma mais vantajosa possível para o
interesse público. Ainda que não houvesse menção expressa na lei 8.666/93
em seu art. 3º, é obrigatória um procedimento técnico-jurídico de natureza
concorrencial que seja hábil a preservar a isonomia entre os agentes
econômicos privados nesses atos jurídicos.
2. Princípio da legalidade
Toda sociedade se caracteriza pelo agrupamento de pessoas, que sem
regras de convivência ficaria em estado de desordem, o que impossibilitaria a
vivência em coletividade.
O princípio da legalidade certamente é a diretriz básica para um
ordenamento justo e eficaz, o princípio da legalidade é o alicerce do Estado de
Direito.
Tal princípio está esculpido no artigo 5º, II, da Constituição, e preceitua
que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei. Desta forma o princípio da legalidade busca combater o poder
arbitrário do Estado.
Legalidade é a qualidade daquilo que é conforme a lei. Nesta definição,
entretanto, é preciso entender o termo lei em seu mais amplo sentido que é de
direito. A legalidade exprime então a conformidade ao direito e é sinônimo de
regularidade jurídica.
No âmbito da administração pública o princípio da legalidade determina
que a atividade administrativa deverá se subordinar aos parâmetros de ação
20
fixados pela lei. Enquanto o particular tem a liberdade de fazer tudo o que a lei
não proíbe, na Administração Pública, o administrador somente tem a
permissão de fazer aquilo que a lei lhe autoriza.
Na licitação pública, o principio da legalidade significa que a
Administração Pública deverá observar fielmente a lei, sendo-lhe vedado
observar procedimentos ou critérios de apreciação e julgamento que não sejam
juridicamente permitidos para as licitações. Dispõe o art. 4ª, caput da Lei
8.666/93:
Art. 4º Todos quantos participarem de licitação promovida
pelos órgãos ou entidades a que se refere o artigo 1º tem
direito público subjetivo à fiel observância do pertinente
procedimento estabelecido nesta Lei, podendo qualquer
cidadão acompanhar o seu desenvolvimento, desde que
não interfira de modo a perturbar ou impedir a realização
dos trabalhos.
Como se vê, visualiza-se o direito do licitante à efetiva subordinação do
processo de licitação a lei, bem como o direito de todo e qualquer cidadão de
fiscalizar a juridicidade de seu desenvolvimento pela Administração Pública.
Assim podemos perceber que fiscalização da juridicidade é uma decorrência
natural da idéia de Legalidade.
Preconizando também o princípio da legalidade, tem-se também o artigo
41 da lei 8.666/93, que exige o cumprimento das normas e condições do edital:
“A proposta que desatender ao edital é inaceitável, ainda que mais vantajosa
para a Administração”.
Por esse princípio da legalidade, é fincada um outro sub-princípio que é
a segurança jurídica da sociedade, impondo como garantia mínima a sujeição
do administrador à lei, ao direito, ao ordenamento jurídico, às normas, aos
princípios constitucionais e ao edital do certame.
3. Princípio da impessoalidade
A impessoalidade caracteriza-se, na atividade administrativa, como
21
ensina Lucia Valle Figueiredo, “pela valoração objetiva dos interesses públicos
e privados envolvidos na relação jurídica, a ser formar, independentemente de
qualquer interesse político”.15
A impessoalidade no direito administrativo significa, pois que a conduta
do agente público, no desempenho da atividade administrativa, deve ser
sempre objetiva e imparcial, tendo por único propósito, em suas ações, o
interesse público.
Na licitação pública, o princípio da impessoalidade significa que a
Administração deve dispensar a todos os concorrentes o mesmo tratamento,
sem distinções ou concessões de privilégios individualizados.
Nesse entendimento Celso Antonio Bandeira de Mello16 expõe que o
princípio da impessoalidade encarece de quaisquer favoritismos ou
discriminações impertinentes, sublinhando o dever de que, no procedimento
licitatório, sejam todos os licitantes tratados com absoluta neutralidade. Tal
princípio não é senão uma forma de designar o princípio da igualdade de todos
perante a Administração.
A indisponibilidade do bem público, com a sua acessibilidade aos
cidadãos, em igual diapasão, é a premissa da impessoalidade, reiterada nos
arts. 5º, I; 19; 37; 152 e 170, IV da constituição Federal. È por essa via, que é
defeso a qualquer cidadão a concessão de tratamento discriminatório na
licitação, não possuindo a comissão julgadora discricionariedade para
exteriorizar preferências em razão do recolhimento, ou não de tributos (art.152,
CF) local de residência dos licitantes e qualquer outra forma de exteriorização
de atos capazes de deixar nítido que o fator subjetivo foi preponderante para
guiar o processo licitatório ao caminho da escolha pessoal do administrador.
Na licitação, a impessoalidade, como afirma a Professora Carmen Lúcia
Antunes Rocha17, representa a ausência de rosto do administrador e a falta de
nome do administrado, pois não configura no certame sentimentalismo ou
preferências por parte da Administração Pública, que tem como bússola as
15 FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito Administrativo. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 57.16 Op. Cit,17 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração pública. Belo Horizonte, Editora Del Rey, 1994.
22
regras do edital e os comandos normativos aplicáveis ao caso prático.
Visando assegurar que na licitação pública não se vincule a vontade
pessoal do agente público, o Poder judiciário vem, sistematicamente, abolindo
qualquer tipo de proteção ou restrição ao licitante:
“LICITAÇÃO. IMPESSOALIDADE. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. MUNICÍPIO. JORNAL. CRIAÇÃO PARA A
PUBLICIDADE DAS ATIVIDADES. UTILIZAÇÃO PARA
PROPAGANDA PESSOAL DO PREFEITO, SEUS
AUXILIARES E SUA CORRENTE POLÍTICA-
PARTIDÁRIA. PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE
VIOLADO. ARTIGO 37 § 1º DA CF. AÇÃO CIVIL PÚBLICA
PROCEDENTE. (TJ/SP, AP. CIV. Nº 253.437-1, REL.
DÊS. RENAN LOTUFO, 10/10/95, JTJ, VOL. 177, P. 111).
Nesse mesmo sentido o Superior Tribunal de Justiça foi unânime ao julgar o
Mandado de Segurança:
ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. TELEFONIA CELULAR.
LEGALIDADE.
1. NO PROCESSO LICITATORIO A COMISSÃO ESTA
SUBORDINADA AO PRINCIPIO DE QUE OS SEUS
JULGAMENTOS SÃO DE NATUREZA OBJETIVA,
VINCULADOS AOS DOCUMENTOS APRESENTADOS
PELOS LICITANTES E SUBORDINADOS A CRITERIOS
DE RIGOROSA IMPARCIALIDADE.
...
4. NÃO HA COMO SE PRESTIGIAR, EM UM REGIME
DEMOCRATICO, SOLUÇÃO ADMINISTRATIVA QUE
ACENA PARA IMPOSIÇÃO DA VONTADE PESSOAL DO
AGENTE PUBLICO E QUE SE APRESENTA COM
DESVIRTUADORA DOS PRINCIPIOS DA LEGALIDADE,
DA IMPESSOALIDADE, DA IGUALDADE, DA
TRANSPARENCIA E DA VERDADE.
5. MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO, A
23
UNANIMIDADE. (STF, MS 5287 / DF. Nº 1997/0053183-0,
REL. Ministro JOSÉ DELGADO, 24/11/1997, DJ
09.03.1998 p. 4).
Assim, é concerne à licitação que a administração deflagre o processo
administrativo diante da real existência de interesse público, observando os
princípios do art.3º da lei 8.666/93, tal como o princípio da impessoalidade,
para justificar um procedimento justo e imparcial a todos os participantes do
certame.
4. Princípio da moralidade
O conceito de moral, nos dias atuais é eminentemente volátil, sendo
norteado por uma visão sociológica, que varia consoante os costumes e os
padrões de uma conduta delimitada pela ética.
De acordo com o entendimento de Emerson Garcia18 “moral é o conjunto
de valores comuns entre os membros da coletividade em determinada época;
ou sob uma ótica restritiva, o manancial de valores que informam o atuar do
indivíduo, estabelecendo os deveres deste para consigo”.
Na concepção do clássico autor Maurice Hauriou19, a moralidade
administrativa é distinta da moral comum. Para o referido autor a moral jurídica
é caracterizada como o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina
interior da Administração. Não é suficiente que o agente permaneça adstrito ao
princípio da legalidade, sendo necessário que obedeça à ética administrativa,
estabelecendo uma relação de adequação entre seu obrar e a consecução do
interesse público. Enquanto a moral comum direciona o homem em sua
conduta externa, a moral administrativa o faz em sua conduta interna, de
acordo com os princípios que regem a atividade administrativa.
18 GARCIA, Emerson. Improbidade Administrativa. 2ª edição. Editora Lúmen Júris, 2004.19 GARCIA, Emerson apud HAURIOU, Maurice. Improbidade Administrativa. 2ª edição. Editora Lúmen Júris, 2004.
24
Em contraposição a idéia de Hauriou, Marcel Waline20 conclui que a
violação à moralidade administrativa permite sancionar as violações ao espírito
da lei que respeitem a letra desta; mas em verdade a violação ao espírito da lei
ainda é uma violação à lei, logo, o desvio de poder advindo de um ato imoral
também é uma forma de ilegalidade. Em verdade, a imoralidade conduziria à
ilegalidade, sendo absorvida por esta.
Outros autores, tal como Vladimir França da Rocha21, entende que o
princípio da moralidade não é um mero desdobramento do princípio da
legalidade. A moralidade administrativa consubstancia o conjunto de preceitos
éticos que foram positivados pelas normas constitucionais.
A moralidade exigida da Administração Pública na conduta das licitações
é identificada nos fundamentos e diretrizes que foram eleitos como colunas de
sustentação axiológica do ordenamento jurídico brasileiro.
O princípio da Moralidade na licitação impõe para a Administração
Pública o dever de agir com lealdade, probidade e boa-fé para com o licitante.
Não há dúvida de que a licitação funciona como instrumento que também tem
por escopo evitar que o gestor público se aproprie dos recursos e bens da
coletividade em favor de desígnios torpes ou corruptos.
Na visão do ilustre doutrinador Celso Antonio Bandeira de Mello22:
“O princípio da moralidade significa que o procedimento
licitatório terá de se desenrolar na conformidade de
padrões éticos prezáveis, o que impõe, para a
Administração e licitantes, um comportamento escorreito,
lisos, honestos, de parte a parte.”
Para o referido autor o princípio da moralidade está reiterado na
referencia ao princípio da probidade administrativa, já que o certame deverá
ser conduzido em estrita obediência a pautas de moralidade, no que se inclui
não só a correção defensiva dos interesses de quem promove, mas também as
exigências de lealdade e boa-fé com o licitante.
20 GARCIA, Emerson apud. WALINE, Marcel. Improbidade Administrativa. 2ª edição. Editora Lúmen Júris, 2004.21 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Invalidação judicial da discricionariedade administrativa no regime jurídico-administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 72-85.22 Op. cit.
25
5. Princípio da igualdade
Encontra-se estampado no caput do art. 52 da Constituição Federal:
"todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". É a
igualdade de todos perante a lei que determina o tratamento isonômico de
todos os administrados.
O princípio da igualdade impõe-se tanto ao legislador na elaboração da
legislação infraconstitucional, como à Administração Pública em especial.
Claro que a igualdade perante a lei não afasta a desigualdade
imprescindível de tratamento desigual, administrativo e jurisdicional, em face
da singularidade das situações. O que não é possível é a disparidade da
elaboração legislativa para conjunturas análogas, iguais, e a diversidade de
aplicação ou interpretação da mesma lei, seja pela Administração Pública, seja
pelo próprio Judiciário, dada a idênticas situações concretas em certo
momento histórico.
Na licitação além de posicionar expressamente o princípio do art. 3º,
caput, da Lei 8.666/93, o referido artigo menciona outra vez a igualdade.
Talvez, como o fim de destacar o tratamento igualitário que deve ser
dispensado aos licitantes na preparação e realização dos processos
administrativos que convocarão a colaboração da iniciativa privada.
6. Princípio da publicidade
Conforme o princípio da publicidade, os atos administrativos devem ter
divulgação oficial, ressalvadas as matérias que envolverem o direito à
privacidade e segurança da sociedade e do Estado. Todavia, publicidade das
decisões administrativas nestas situações somente poderá ser restringida na
medida do indispensável para o interesse público.
Sem publicidade, não há como vincular a conduta da administrado. O
principio da publicidade impõe que todos os atos da administração pública
devem ser públicos, devem ser acessíveis a toda coletividade, pois sem a
devida informação, a ação administrativa cai no vazio e no esquecimento ou
produz insegurança e surpresa ao cidadão quando a administração pública age
26
no sentido de impor conduta ao mesmo.
Advirta-se que a eventual restrição à publicidade não significa afirmar
que o destinatário da providência administrativa deva ficar inteiramente alheio
ao conteúdo da decisão administrativa. Somente lhe deverá ser sonegado tudo
aquilo que puser em risco a segurança nacional, sob pena de se criar um
reduto inexpugnável ao controle externo da Administração Pública.
Em matéria de licitação, o principio da publicidade tem ampla aplicação.
Basta aferir a preocupação que a lei teve ao regular a divulgação do ato
convocatório e de suas eventuais correções. Dispõe o art. 3º, § 3º, da lei
8.666/93:
“Art. 3º (...)
(...)
§ 3º A licitação não será sigilosa, sendo públicos e
acessíveis ao público os atos de seu procedimento, salvo
quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva
abertura.”
Do dispositivo legal acima transcrito podemos perceber que a
publicidade dos atos procedimentais da licitação é regra, ressalvado o sigilo
das propostas até a sua abertura em sessão pública. Dessa exceção podemos
observar a existência dos princípios da igualdade e moralidade.
Importante observar que existem casos em que há possibilidade de
sigilo na preparação da licitação quando o objeto envolver questões de
segurança nacional. Todavia deflagrado o processo, a publicidade deverá ser
observada consoante o preceito veiculado pelo art. 3º, § 3º da Lei 8.666/93.
7. Princípio da probidade administrativa
O princípio da probidade administrativa é uma conseqüência do princípio
da moralidade, estando os mesmos interligados umbilical mente.
Esse escudo de proteção é de ordem pública, baixado com o fito de
evitar a lesividade ao patrimônio público.
Visando dar maior efetividade ao controle da probidade administrativa,
foi baixada a Lei 8.429, de 2 de junho de 1992, que dispõe sobre as sanções
27
aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no
exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública
direta, indireta ou fundacional.
No caso da licitação, o princípio da probidade administrativa é de grande
importância, visto que será a "mola mestra" da fixação de critérios que serão
adotados para reger o certame, bem como determinar o equilíbrio financeiro
dos contratos que serão firmados após o processo seletivo, já que estão em
jogo valores reais e não estimativas, com a avaliação dos custos e meios
executórios.
O certame deverá ser conduzido pela probidade administrativa, com a
verificação da lealdade e da boa-fé, que vedam a fraude à lei e o abuso do
direito.
O relevo do princípio em voga, no processo licitatório, é de importância
crucial, pois vivemos em um mundo onde se atribui pouca importância aos
valores éticos, cabendo ao administrador pautar seus atos em consonância
com a lealdade e princípios de probidade.
A licitação será desenvolvida e julgada em estrita conformidade com o
princípio da probidade administrativa.
8. Princípio da vinculação ao instrumento convocatório
Trata-se de um princípio especifico de processos de natureza
concorrencial. Nos termos do art. 41 da Lei 8.666/93, a Administração Pública
deve cumprir as normas e condições constantes do edital da licitação, ao qual
se acha estritamente vinculada, Daí se dizer que o ato convocatório funciona
como lei interna da licitação, subordinando o gestor público e os licitantes aos
seus comandos.
Mediante o instrumento convocatório (edital ou carta-convite), leva-se ao
conhecimento do público a abertura de licitação, nele sento fixadas as
condições de sua realização e convocados os interessados para apresentarem
propostas. Mas a aplicação dos preceitos desse ato deverá ser
necessariamente contextualizada no ordenamento jurídico em vigor.
28
Nesse sentido Hely Lopes Meirelles23 preleciona:
“É instrumento através do qual a Administração leva ao
conhecimento público a abertura da concorrência ou
tomada de preços, o edital fixa as condições de sua
realização e convoca os interessados para a apresentação
de suas propostas.
O edital é a norma fundamental da concorrência, que, fiel
aos princípios legais, determina o objeto da licitação, dá-
lhe publicidade, discrimina os direitos e obrigações das
partes e estabelece o processamento adequado à
apreciação e julgamento das propostas.”
Diante dessa premissa, podemos verificar que as normas contidas no
edital estão vinculadas à obediência aos princípios da legalidade e de todos os
princípios contidas na Lei 8.666/93.
Desta forma a Lei em seu art. 41 impôs a Administração o dever de
cumprir as normas e condições do edital, achando-se estritamente vinculado
aos seus precisos termos. Comentando o artigo citado Antonio Roque
Citadini24 ensina:
“os atos da Administração devem estar inteiramente
de acordo com o previsto no edital, não podendo o agente
público descumpri-lo ou violá-lo. A vinculação ao
instrumento convocatório, constitui princípio legal básico
para as licitações, que consagra o edital como peça
fundamental em todo o certame, devendo ser obedecido
pelos administrados e participantes”.
Seguindo tal entendimento, o Tribunal de contas de São Paulo teve a
oportunidade de afirmar o princípio da vinculação:
“LICITAÇÃO. VIOLAÇÃO DO EDITAL. DESRESPEITO O
PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO. RESTRITO À
COMPETITIVIDADE. A SUBSTITUIÇÃO DE PARTE DO
23 Licitação e contrato administrativo, RDA 105:24.24 CITADINI, Antonio Roque. Comentários e jurisprudência sobre Lei de Licitações Públicas. 2ª ed. Max Limonad, 1997, p. 286.
29
OBJETO LICITADO NÃO PODE SER CARACTERIZADA
COMO ACRESCIMO. MODIFICAR OS TERMOS
CONTRATUAIS MESMO COM MÚTUO
CONSENTIMENTO, REPRESENTA CRIAR UMA NOVA
SITUAÇÃO JURÍDICA NÃO PREVISTA NO EDITAL.
(RCE/SP, TC-4-285/026/93, CONS. CLAUDIO FERRAZ
DE ALVARENGA, 27/09/95, DOE/SP DE 26/10/95).”
Na mesma linha, o TRF – 5º Região também corroborou tal
posicionamento:
“LICITAÇÃO. DESCUMPRIMENTO. EXIGÊNCIA
EDITILÍCIA. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. NÃO PODE A
ADMINISTRAÇÃO DESCUMPRIR O QUE ESTABELECE
O EDITAL DE TOMADA DE PREÇOS, POR
ENCONTRAR-SE VINCULDA AO INTRUMENTO
CONVOCATÓRIO DA LICITAÇÃO, BEM COMO É
INADMISSÍVEL EXIGÊNCIA EDITILÍCIA QUE
INVIABILIZE O ACESSO AO CERTAME, DE MODO A
COMPROMETER O PRINCÍPIO DA ISONOMIA. (TRF,
REM EX-OFFICIO EM MS Nº 46.977-CE, JUIZ
FRANCISCO FALCÃO, ADCOAS Nº 27).”
Assim, se o instrumento de convocação tiver qualquer falha, deve ser
corrigido, a fim de refletir e preconizar os princípios mais lídimos de direito e de
legalidade, devendo os licitantes tomarem conhecimento das sadias e
necessárias modificações do edita, amoldando-se a elas. Após a verificação da
legalidade das normas editilícias, o princípio da vinculação funciona como
verdadeiro “freio” à alteração de critérios de julgamento, além de dar a certeza
aos interessados do que realmente pretende a Administração.
30
9. Princípio do julgamento objetivo
Objetivo é derivado do verbo latino adjecere, exprimindo tudo o que é
visível, concreto, real, positivo25.
A objetividade demonstra sempre uma importância, pois retira da
comissão julgadora a discricionariedade de escolher licitante que descumpra
norma contida no edital, mesmo que a proposta seja menor do que as das
demais concorrentes.
A desclassificação do proponente, nesse caso é imperativo legal, visto
ser determinado o critério objetivo como condutor do certame, retirando do
agente público a faculdade de interpretar contra as normas legais, aferindo, de
forma ilegal, a proposta que entende ser a mais vantajosa para a
Administração. Nesse sentido, o preço ofertado por um dos concorrentes,
mesmo que esteja menor, deverá percorrer todas as imposições editilícias,
como forma de manter-se como vencedora do certame, isto é, basta que haja
tipo de violação as especificações do edital para impor a sua desclassificação.
Essa ótica é totalmente focada para uma realidade existente, tendo que é
defeso ao concorrente orçar sua proposta em valores ínfimos ou
insignificantes.
O critério do julgamento das propostas será objetivo, em
conformidade com os tipos de licitação, critérios e fatores previsto no
instrumento convocatório.
Nesse sentido, sobre o julgamento objetivo Hely Lopes Meirelles26
expõe:
“é o princípio de toda licitação que seu julgamento se apóie
em fatores concretos pedidos pela Administração, em
confronto com o ofertado pelos proponentes, dentro do
permitido pelo edital. Em tema de licitação, a margem de
valoração subjetiva e de discricionarismo no julgamento é
reduzida e delimitada pelo estabelecido no edital”.
25 SILVA, de Plácido e. Vocabulário Jurídico atualizado por Nagib Slabi Filho e Geraldo Magela Alves. Forense, p. 566.26 Op. cit
31
O princípio do julgamento objetivo visa impedir que a licitação seja
decidida sobre vertentes do subjetivismo, de propósitos pessoais dos
membros da comissão julgadora., de modo que os participantes da licitação
tenham sua idoneidade avaliada com objetividade segundo os elementos de
qualificação técnica e econômica previamente determinados no instrumento
convocatório. Tal previsão encontra no art. 44, §1º e art. 45 da Lei 8.666/93.
“Art. 44. No julgamento das propostas, a Comissão levará
em consideração os critérios objetivos definidos no edital
ou convite, os quais não devem contrariar as normas e
princípios estabelecidos por esta Lei.
§ 1o É vedada a utilização de qualquer elemento, critério
ou fator sigiloso, secreto, subjetivo ou reservado que possa
ainda que indiretamente elidir o princípio da igualdade
entre os licitantes.
(...)”
“Art. 45. O julgamento das propostas será objetivo,
devendo a Comissão de licitação ou o responsável pelo
convite realizá-lo em conformidade com os tipos de
licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato
convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente
nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos
licitantes e pelos órgãos de controle.”
10. Outros princípios correlatos à licitação
Dentre os princípios correlatos referidos no art. 3º da Lei 8.666/93,
merecem destaque: (a) o Formalismo; (b) a motivação; (c) o contraditório e
ampla defesa; (d) a economicidade; e (e) adjudicação.
10.1 O princípio do formalismo
O princípio do formalismo funciona como meio de garantia da isonomia nos
processos administrativos concorrenciais. Malgrado a imprecisão técnica,
32
estabelece o art.4 º, § único da lei 8.666/93:
Art. 4º (...)
Parágrafo único. O procedimento licitatório previsto nesta
lei caracteriza ato administrativo formal, seja ele praticado
em qualquer esfera da Administração Pública.
As formalidades impostas pela lei, atos normativos e instrumento
convocatório para a licitação são obrigatórias para os licitantes e agentes
públicos nela envolvidos. Em princípio, se houver a ausência ou a prática
defeituosa do requisito procedimental, o licitante será prejudicado ou o
processo administrativo ficará passível de invalidação.
A omissão ou o erro na formalidade somente afetará o particular ou a
validade da licitação diante da comprovação de que a falha procedimental traz
grave dano ao interesse público e à igualdade de tratamento que deve ser
dispensada a todos os competidores.
10.2 Princípio da motivação
Em conformidade com o princípio da motivação, as autoridades
administrativas responsáveis pela licitação deverão expor de modo claro,
objetivo e congruente, os pressupostos de fato e de direito das decisões que
tomarem no curso do procedimento licitatório. Alerte-se que não apenas os
provimentos administrativos prejudiquem diretamente os licitantes – como
recusa de habilitação ou desclassificação de proposta – devem ser
fundamentados. Uma vez que a licitação envolve disputa entre particulares,
portanto cabe a Administração Pública demonstrar que expediu os seus atos
em prol do interesse público sem se perder de vista o preceito fundamental da
isonomia, no momento em que foram praticados.
10.3 Princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa
O principio constitucional do contraditório e da ampla defesa também
tem incidência nas licitações. Em toda e qualquer decisão da Administração
Pública que resulte em prejuízo ao licitante, é imprescindível que lhe seja
33
assegurado ser intimado para se manifestar sobre os seus termos, opondo-lhe
defesa que os contradiga, antes de sua efetivação.
O contraditório e ampla defesa deve ser fazer presente principalmente
quando a Administração Pública decide revogar a licitação por razões de
conveniência ou invalidá-la por motivos de juridicidade, nos termos do art. 49
§3 da lei 8.666/93:
“Art. 49. A autoridade competente para a aprovação do
procedimento somente poderá revogar a licitação por
razões de interesse público decorrente de fato
superveniente devidamente comprovado, pertinente e
suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por
ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros,
mediante parecer escrito e devidamente fundamentado.
§1º (...)
§2º (...)
§3º No caso de desfazimento do processo licitatório, fica
assegurado o contraditório e a ampla defesa.”
Sem o adimplemento a esse preceito fundamental da Lei Maior, o
provimento que extingue a licitação fica passível de invalidação.
10.4 Princípio da economicidade
A economicidade diz respeito ao dever da Administração Publica de
conduzir o processo administrativo e chegar a um desfecho com o menor
dispêndio possível de recursos da coletividade. Esse princípio não pode
licitamente servir de base para uma decisão que, a pretexto de poupar o erário
público, compromete bens da coletividade de natureza não-patrimonial.
Esse princípio tem forte ligação com o princípio constitucional da
eficiência, mandamento expresso no art. 37, caput, da Constituição Federal.
34
10.4 Princípio da adjudicação
O princípio da Adjudicação corresponde o direito do licitante vencedor de
ter a preferência na celebração do contrato ou na expedição do ato ampliativo
que foi objeto do certame.
Importante salientar que a proposta vencedora somente vincula o
respectivo proponente dentro do prazo de sua vigência, segundo os preceitos
do art. 64 da lei 8.666/93. Segundo o § 3º desse dispositivo legal, os licitantes
ficam liberados dos compromissos assumidos com o decurso de 60 dias data
de entrega das propostas.
Embora não haja qualquer preceito constitucional ou legal que impeça
expressamente a Administração Pública de contratar o licitante vencedor que
não se encontra mais vinculado à proposta apresentada, entendemos que a
licitação se extingue com o decurso do lapso temporal previsto no art. 64, § 3º,
da lei 8.666/93. Do contrário, a Administração Pública poderia deixar escoar o
tempo para privilegiar indevidamente o licitante vencedor, celebrando o
contrato para depois alterá-lo, no intuito de adequar a proposta original às
circunstâncias que se configuram durante o indevido silêncio administrativo.
Isso violaria, o direito à igualdade dos demais licitantes.
E se a Administração Pública silencia e o prazo do art. 64, §3 º da lei
8.666/93 está preste a encerrar, cabe ao licitante vencedor neste caso solicitar
à Administração Pública a interrupção do prazo, bem como uma decisão da
Administração expressa sobre a matéria (princípio da motivação).
35
CONCLUSÃO
De acordo com o que foi exposto no presente trabalho, pode-se verificar
que a ciência do direito é realmente informada por uma série de proposições
básicas, que se colocam como alicerces dos juízos e raciocínios efetuados
sobre o fenômeno do jus. Tais proposições são os princípios jurídicos. Os
princípios jurídicos estão mutuamente correlacionado com o sistema jurídico e
guardam suas especificidades.
Desta forma os princípios jurídicos não podem ser compreendidos como
compartimentos fechados, pois quando conjugados e harmonizados com o
direito positivo apresentam forças de normas jurídicas ganhando a efetividade
e eficácia.
Nas licitações públicas não é diferente. Nas licitações, os princípios
jurídicos funcionam como bússolas na concretização das regras jurídicas que
disciplinam a matéria no plano constitucional e infraconstitucional.
Com vistas a garantir os objetivos da Lei 8.666/93, cabe a Administração
Pública empregar os preceitos presentes tanto no artigo 3º da Lei, como
também os demais implícitos na norma, para a otimizar a seleção da melhor
proposta e a preservação do garantia da isonomia e igualdade entre os
licitantes.
Importante ressaltar que havendo violação a um princípio jurídico
durante a formação ou desenvolvimento da licitação, tal procedimento torna-se
vicioso, e a sua validade , bem como a sua juridicidade deverá ser invalidada
tanto pela Administração como pelos órgãos responsáveis pelo seu controle
externo.
Desta forma, pode se afirmar com muita propriedade uma frase de José
Cretella Junior27: “Cada dispositivo de um código se assemelha ao ponto da
esfera, que se apóia no plano e sobre o qual converge todo o peso sólido.”
Esse peso sólido nada mais é do que os princípios, a base de todo
sistema jurídico.
27 JUNIOR, José Cretella. Curso de filosofia do direito. 10ª ed., Editora Forense, 2004.
36
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