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UMA ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA E FÍSICA:
Intersecções de temas de História e Filosofia da Ciência.
Paula Andrea Grawieski Civiero1
Sandro Livramento2
Fátima Peres Zago de Oliveira3
Katia Regina Koerich Fronza4
Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar as possibilidades de intersecção dos tópicos
de História e Filosofia da Ciência (HFC) presentes nos Livros Didáticos (LD) de matemática e
física, selecionados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) do ano de 2015, ainda
vigente. Considerou-se a perspectiva histórica e o viés epistemológico apresentado pelos autores
dos LD na apresentação e organização de suas obras. A análise é feita a partir
das apresentações das obras, bem como de trechos dos livros, a fim de perceber o tipo de
abordagem adotada para os pontos supracitados. Foi realizada a leitura do relatório no guia do
PNLD e a análise do plano da obra para identificar elementos de HFC, a partir da análise do livro
do professor, que contém o manual metodológico da obra. Para verificar possíveis exemplos de
inserção de HFC e possíveis intersecções entre temas de matemática e física, foram resgatados
exemplos no livro do aluno. Destaca-se a importância de incluir a HFC no ensino de ciências,
uma vez que a perspectiva histórica e o viés epistemológico tendem humanizar o conteúdo
ensinado; favorecem uma melhor compreensão dos conceitos científicos, uma vez que os
contextualiza e discute seus aspectos obscuros, além de ressaltar o valor cultural da ciência.
Palavras-chave: História e Filosofia da Ciência; Livros Didáticos; Física; Matemática.
1. Introdução
É fundamental que o ensino da História e Filosofia da Ciência (HFC) faça
parte do ensino de Ciências no Ensino Médio. A justificativa desta afirmação está no fato
de perceber que o conteúdo ensinado pode se tornar mais humanizado, além de favorecer
1 Estudande de Pós-graduação do PPGECT – UFSC. Professora de Matemática do IFC –
Campus Rio do Sul. [email protected]. Bolsista FUMDES. 2 Estudande de Pós-graduação do PPGECT – UFSC. Professor de Física.
[email protected] 3 Estudande de Pós-graduação do PPGECT – UFSC. Professora de Matemática do IFC –
Campus Rio do Sul. [email protected]. Bolsista do PIBID. 4 Doutora em ECT pelo PPGECT – UFSC. Pedagoga. Técnica em Assuntos Educacionais
do IFC – Campus Rio do Sul. [email protected].
mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]
o entendimento de conceitos e perceber as transformações do conhecimento científico.
De acordo com Acevedo et. al. (2005) e Praia, Gil-Pérez e Vilches (2007), esse tipo de
abordagem contribui para a formação crítica do sujeito, especialmente para valores do
intelecto e para o fomento desta criticidade (GIROUX, 1997a-b, p. 35 e 161),
influenciando as tomadas de decisões tecno-científicas. Desenvolver o pensamento crítico
contribui para que haja mais qualidade na educação científica. Sendo assim, os estudantes
conseguem acompanhar os novos processos das ciências e das tecnologias e articular o
uso social dos conteúdos científicos.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) afirmam que se deve buscar a
compreensão dos saberes das ciências, inscritos na complexidade da vida humana
(BRASIL, 2000). Já os PCNs + (orientações complementares aos PCNs), traz
especificações sobre as perspectivas metodológicas para as áreas da Ciência da Natureza,
Matemática e suas Tecnologias, ao apontarem como uma competência a ser desenvolvida,
a “contextualização das ciências no âmbito sócio-cultural, na forma de análise crítica das
ideias e dos recursos da área e das questões do mundo que podem ser respondidas ou
transformadas por meio do pensar e do conhecimento científico” (BRASIL, 2010, p.110).
Para todas as áreas estes apontamentos destacam o papel histórico e social do
conhecimento científico, ou seja, “Compreender o conhecimento científico e o
tecnológico como resultados de uma construção humana, inseridos em um processo
histórico e social” (BRASIL, 2010).
No caso da física e da matemática, respectivamente, são encontradas
referências específicas sobre o contexto histórico e social, em Brasil (2010):
Compreender a construção do conhecimento físico como um processo
histórico, em estreita relação com as condições sociais, políticas e econômicas
de uma determinada época. Compreender, por exemplo, a transformação da
visão de mundo geocêntrica para a heliocêntrica, relacionando-a as
transformações sociais que lhe são contemporâneas, identificando as
resistências, dificuldades e repercussões que acompanharam essa mudança
(ibid. p. 67).
Compreender a construção do conhecimento matemático como um processo
histórico, em estreita relação com as condições sociais, políticas e econômicas
de uma determinada época, de modo a permitir a aquisição de uma visão crítica
da ciência em constante construção, sem dogmatismos ou certezas definitivas
(ibid. p.118).
O Plano Nacional do Livro Didático (PLND) que foi estabelecido como
parâmetro nacional para os recursos didáticos, se fundamenta nas diretrizes dos PCNs. O
PLND estabelece critérios para análise de conformidade para os Livros Didáticos (LD),
apontando em relatório quais LD estão em conformidade com PCNs.
Diante deste contexto, foi traçado como objetivo principal deste trabalho, a
análise dos tópicos de HFC presentes nos LD de matemática e física selecionados no
PNLD do ano de 2015, vigentes até esse momento. Para tal análise, consideramos a
perspectiva de história e o viés epistemológico apresentado pelos autores dos LD na
apresentação e organização de suas obras. Um dos pontos analisados foi a possibilidade
de intersecção entre os temas abordados nos LD de matemática e de física.
A intersecção baseia-se em temas e assuntos que são comuns às duas áreas.
Como exemplo desta análise, é possível citar os conteúdos de função, na matemática; e
dos fundamentos da dinâmica, na física. A análise realizada procurou perceber a
existência dessa intersecção e o tipo de perspectiva histórica apresentada. Inicialmente foi
realizada a leitura do relatório presente no guia do PNLD, para entendimento geral dos
parâmetros analisados. Em seguida foi analisado o plano da obra, a fim de identificar
elementos de HFC no que tange intenção desta pesquisa. Para isso foram utilizados como
elementos de análise, o livro do professor que contém o manual metodológico da obra e
exemplos no livro do aluno, verificando possíveis inserções de temas de HFC, assim
como as possíveis intersecções entre temas de matemática e física.
2. História e Filosofia da Ciência no Ensino de Ciências
Existe um claro divórcio entre as perspectivas de Educação Científica (EC) e
Educação Científica e Tecnológica (ECT) com uma perspectiva da HFC. Excluindo casos
isolados ou tentativas vinculadas a algumas iniciativas de grupos de pesquisa, a maior
parte dos cursos de formação (em todos os níveis) estão desprovidos de qualquer visão de
desenvolvimento da ciência e da tecnologia, que contemple uma visão da HFC. Isto se
reafirma mais à medida em são investigados os recursos didáticos para desenvolvimento
desses cursos de formação (ECT e EC). Um exemplo claro é o LD de ensino médio5 das
áreas científicas.
É comum, em tais recursos (neste caso o LD), que teorias científicas sejam
representadas desprovidas de qualquer relação com sua formação histórica e filosófica.
Assim, em muitos casos, as teorias científicas, as leis e os resultados, são apresentados
fora do contexto de sua descoberta e aparecimento. Também é comum que tais recursos
apresentem resultados como um recorte acrítico, deslocado de qualquer embate de
pensamento e evolução. Martins (2006) ressalta que,
Os livros científicos didáticos enfatizam os resultados aos quais a ciência
chegou – as teorias e conceitos que aceitamos, as técnicas de análises que
utilizamos – mas não costumam apresentar alguns outros aspectos da ciência.
De que modo as teorias e os conceitos se desenvolvem? Como os cientistas
trabalham? Quais as ideias que não aceitamos hoje em dia e que eram aceitas
no passado? Quais as relações entre ciência, filosofia e religião? Qual a relação
entre o desenvolvimento do pensamento científico e outros desenvolvimentos
históricos que ocorreram na mesma época? (MARTINS, 2006, p. xvii).
Podemos observar nestas indagações alguns bons motivos para inclusão da
perspectiva da HFC no ensino de ciência. Entre eles podemos destacar alguns que se
entrelaçam aos objetivos de uma EC. O primeiro deles está relacionado ao fato que o
conhecimento científico é uma construção social e cultural. Assim, os estudos de
momentos do desenvolvimento científico, das teorias, permitem compreender as relações
e conexões entre tal desenvolvimento e o desenvolvimento social e cultural daquele
momento histórico. Ou seja, permite ao sujeito observar o não isolamento de uma teoria
científica do seu contexto social e vice e versa. Outro ponto importante nesta questão é a
desmistificação da ciência como infalível e ilimitada. O estudo do seu desenvolvimento
deve oportunizar a compreensão da complexidade das relações envolvidas, disputas de
5 O mesmo acontece nos LDs do ensino superior. Entretanto o foco de pesquisa nesse momento, recai sobre os LDs do ciclo básico de formação da educação básica, primeira série do ensino médio.
poder, de recursos, de prestígio e deve contemplar a falibilidade de sua estrutura,
mostrando que sua construção é limitada ao contexto histórico, filosófico e social.
Um ponto que merece destaque na relação de inclusão de uma perspectiva de
HFC e a EC é a surrada ideia de que o conhecimento científico se desenvolve via um
“método científico”. Martins (2006, p. xix) ressalta que,
Os pesquisadores formulam hipóteses ou conjeturas a partir de ideias que
podem não ter qualquer fundamento, baseiam-se em analogias vagas. Tem
ideias preconcebidas ao fazerem suas observações e experimento, constroem
teorias provisórias que podem ser até mesmo contraditórias, defende suas
ideias com argumentos que podem ser fracos ou até irracionais, discordam uns
dos outros em quase tudo, lutam entre si para tentar impor suas ideias.
Reside neste aspecto um ponto significativo no que diz respeito à dinâmica da
construção do conhecimento científico. Qualquer proposta educacional que traga em seu
viés programático aspectos da formação social e cultural desse conhecimento, deve
incluir uma perspectiva de HFC que possibilite aos sujeitos a compreensão dessa
construção. Assim, é necessário que contradições, aspectos ambíguos, ambiente social e
cultural da época, os argumentos que compõem a estruturas da teoria, suas fraquezas,
etc., estejam presentes. Enfim é imprescindível desnudar este conhecimento e torná-lo
humano, sem perder sua caracterização em relação ao objeto investigado. A valorização
da perspectiva da HFC na EC e na ECT pode evitar concepções equivocadas de C&T,
observadas as categorias apresentadas nos quadros 1 e 2.
Quadro 1 – Categorias de análise em relação à História da Ciência (HC) Categoria Definição
Ilustração (IL) Uso de imagens com caráter de ilustrar textos ou como ícones para marcar textos. Exemplo, figura do cientista/filósofo.
Panorâmico (PA) Referência a uma passagem histórica, sem contexto. Exemplo, texto e figuras em um box separado do texto principal.
Fragmentada (FR) Fragmentos de texto dentro do texto principal e sem conexão com outros elementos de HC, sem objetivo claro e definido. Exemplo, uma frase ou
fragmento de história. Acrítica (AC) Texto ou imagem sem objetivo, desprovido de sentido crítico, sem comparação ou
sem argumento da HFC. Exemplo, imagem de cientista, ou filósofo, isolado do
texto, desprovido de qualquer contexto ou comparação. Narrativa (Na) Texto dentro de um contexto com relações de HFC. Faz referências ao contexto de
descoberta. Explora Imagens, fragmentos de textos, passagens históricas e
controvérsias.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Quadro 2 – Categorias de análise em relação à Filosofia da Ciência (FC) Categoria Definição
Empírico-
Indutivista e
Ateórica (EIA)
Destaca o papel “neutro” da observação e da experimentação, esquecendo o papel
essencial das hipóteses como orientadoras da investigação.
Rígida, Algorítmica
e Infalível (RAI) Apresenta o “método científico” como um conjunto de etapas a seguir
mecanicamente. Reduz o trabalho científico a um tratamento quantitativo, de
controle rigoroso etc., esquecendo - ou, inclusive, recusando - tudo o que se refere
à criatividade, ao caráter tentativo, à dúvida. Aproblemática e
Ahistórica (AA) Evidencia os conhecimentos já elaborados sem mostrar os problemas que lhe
deram origem, qual foi a sua evolução, as dificuldades encontradas etc. Exclusivamente
Analítica (EA) Destaca a necessária divisão parcelar dos estudos, o seu caráter limitado,
simplificador, porém, esquece os esforços posteriores de unificação e de
construção de corpos coerentes de conhecimentos. Acumulativa de
Crescimento Linear
(ACL)
O desenvolvimento científico aparece como fruto de um crescimento que ignora
as crises e as mudanças científicas. É uma interpretação simplista da evolução dos
conhecimentos científicos. Individualista e
Elitista (IE) Os conhecimentos científicos aparecem como obras de gênios isolados,
ignorando-se o papel do trabalho coletivo e cooperativo, dos intercâmbios entre
equipes na ciência. Socialmente Neutra
(SN) Esquece as complexas relações entre ciência, tecnologia, sociedade (CTS), na qual
a ciência não sofre influência do contexto no qual está inserida. Fonte: Elaborado pelos autores conforme artigo de Gil-Pérez e colaboradores (2001).
De toda forma, uma caracterização da C&T na EC e na ECT sem considerar
aspectos da HFC é, no mínimo, produzir um ensino descontextualizado, baseado na
transmissão e produção de uma concepção de ciência socialmente neutra, que deixa
obscuras dimensões essenciais da atividade científica e tecnológica. Uma forma de
enxergar essas lacunas é olhar como tal perspectiva é tratada nos LDs.
Tal investigação é importante porque o LD é o principal recurso (e muitas
vezes o único) usado na Educação Básica, tanto pelo professor, quanto pelo aluno. Desta
forma, o LD exerce um papel importante na formação de concepções desses sujeitos em
relação aos conhecimentos e, principalmente sobre C&T. A própria concepção de EC e
ECT é influenciada por este recurso didático, sendo que Delizoicov; Angotti e
Pernambuco (2007), afirmam que tal recurso é o principal responsável pelo caráter
centrado na valorização do conceito, altamente teórico e desassociado de uma construção
social.
3. Os Livros Didáticos de Física e Matemática
Desde os primórdios da matemática escolar há uma a ligação direta entre
compêndios didáticos e desenvolvimento de seu ensino no país, assim como, desde as
primeiras aulas que deram origem à matemática há dependência dos LDs.
Talvez seja possível dizer que a matemática se constitua na disciplina que mais
tem a sua trajetória histórica atrelada aos livros didáticos. Das origens de seu
ensino como saber técnico-militar, passando por sua ascendência a saber de
cultura geral escolar, a trajetória histórica de constituição e desenvolvimento da
matemática escolar no Brasil pode ser lida nos livros didáticos (VALENTE,
2008, p. 141).
Batista e Galvão (2009, p. 43) ressaltam que “[...] um fator parece criar uma
homogeneidade para os textos escolares: trata-se sempre, a um primeiro exame, de
material impresso, empregado para o desenvolvimento de processos de ensino e de
formação”. Qual concepção de HFC está por trás da composição desses livros?
Schubring (2003), discute que o LD tem história e que o papel que
desempenha e sua influência estão sempre ligados à sociedade de sua época e à maneira
como essa sociedade vê a ciência, a cultura e o ensino. Assim, um LD não pode ser
considerado independentemente de um contexto sociocultural. A sua composição tem
influência na maneira de ver e entender o mundo.
Para Carvalho (2003) o LD tem como função a transmissão do conhecimento
matemático impresso, para as novas gerações. No LD a história e a filosofia da ciência e
da matemática podem ser expressadas. Geralmente, o resultado é uma “tendência
persistente em atribuir à história da ciência um caráter linear e cumulativo” (KUHN,
1962, p. 140).
O LD pode ser um instrumento de apoio ao professor, como forma de
contribuir para seu processo de formação, e auxiliar na reflexão coletiva do processo
pedagógico. Se constitui como um instrumento de diálogo entre o conhecimento
específico, a proposta pedagógica da escola e a legislação educacional. O professor, por
sua vez, assume a tarefa de escolher o livro que será adotado como fonte de trabalho, em
sintonia com o projeto pedagógico da escola. O PNLD contribui nesse processo. Permite
examinar e eleger LDs que estejam em consonância com as recomendações curriculares
atuais. Esses livros têm procurado abordar conteúdos dos campos específicos com
significado no cotidiano das pessoas e nas diversas práticas sociais (CARVALHO, 2010).
Os LDs atuais são divididos em duas partes. A primeira destina-se ao aluno.
Apesar de mudanças constantes, geralmente é composto por capítulos que se referem a
conteúdos específicos, onde aparecem os conceitos, exemplos de aplicações e listas de
exercícios. A segunda, destina-se ao professor. Funciona quase que como um manual.
Pode-se dizer que as coleções de matemática e física sofreram modificações nos últimos
anos. Até o início dos anos 1990, o manual para o professor não passava de uma cópia do
livro do aluno, complementada com as respostas dos exercícios propostos. Atualmente,
além de apresentarem as respostas dos exercícios propostos aos alunos, com orientações
suscintas, também, trazem um material teórico-metodológico destinado ao professor
(CARVALHO, 2010). Essa deveria ser a parte substancial, visto que muitos professores
se formam em atuação. Segundo o PNLD,
O manual do professor deve visar, antes de mais nada, a orientar os docentes
para um uso adequado da coleção, constituindo-se, ainda, num instrumento de
complementação didático-pedagógica e atualização para o docente. Nesse
sentido, o manual deve ser organizado de modo a propiciar ao docente uma
efetiva reflexão sobre sua prática. Deve, ainda, colaborar para que o processo
de ensino-aprendizagem acompanhe avanços recentes, tanto no campo de
conhecimento do componente curricular da coleção, quanto no da pedagogia e
da didática em geral (EDITAL DO PNLD 2011, p. 39).
Apesar de toda a sua importância, o LD não deve ser o único suporte do
trabalho do professor, mas há situações em que esse material tem ocupado o papel
dominante no ensino. Muitas vezes é o único instrumento de trabalho adotado pelo
professor. Por isso, é essencial que seja um material a dar suporte para o professor
desenvolver o conteúdo específico, não somente como um agrupamento de técnicas, mas
tratar dos conceitos e procedimentos acumulados nesses campos, como uma experiência
cultural de toda a sociedade. Sendo assim, os conteúdos específicos não ficam
desconectados da construção social, são desenvolvidos pelas necessidades de resolver
problemas da humanidade, logo fazem parte da História da Ciência.
Segundo o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio
(PNLEM), a “História da Matemática oferece um âmbito de contextualização importante
do conhecimento matemático. Um livro didático deve fazer referências aos processos
históricos de produção do conhecimento matemático e utilizar esses processos como
instrumento para auxiliar a aprendizagem da matemática”.
Entretanto, segundo Batista e Galvão (2009, p. 44):
Um forte discurso contrário à utilização de livros didáticos, [sendo essa] vista
como um dos principais fatores responsáveis pela desqualificação profissional
de professores: os livros didáticos criaram uma dissociação entre aqueles que
executam o trabalho pedagógico – os docentes – e aqueles que os concebem,
planejam e estabelecem suas finalidades – os autores de livros didáticos e as
grandes editoras.
Nesse meio, entre a corrida mercadológica da produção de LD, tanto pelo
volume de recursos destinados à sua distribuição quanto pela sua relevância no contexto
escolar como instrumento de trabalho do professor, se justifica e se reforça a elaboração
de trabalhos que analisem esses materiais.
4. Procedimentos metodológicos
Por se tratar de um processo investigativo onde o objeto de análise são livros
didáticos, essa pesquisa é classificada, segundo Fiorentini e Lorenzato (2007), como
pesquisa bibliográfica.
Para responder às questões sobre a abordagem da HFC presentes nos LDs de
matemática e física, a opção foi pelo estudo nos livros indicados no PNLEM, vigentes até
esse momento. Foram selecionadas 7 coleções de matemática e 8 coleções de física.
Neste artigo o recorte se dá na análise do volume 1 dos respectivos LDs, especificamente
para os conteúdos de funções, nos livros de matemática e fundamentos da dinâmica, nos
livros de física.
Para efeitos de análise, foram realizadas três leituras deste material, de acordo
com a proposta de Silva e Menezes (2001).
1ª. Leitura de reconhecimento – análise textual: com o objetivo de localizar intersecções
de temas de HFC, foi realizada uma leitura de reconhecimento. Foi dado destaque a
qualquer nota ou texto histórico referente ao conteúdo do capítulo em análise.
2ª. Leitura de reflexão – análise temática: Para reconhecer a forma de abordagem da HC
nos textos encontrados no material, a leitura reflexiva foi guiada pelas categorias de
análise (Quadro 1) em relação à HC.
3ª. Leitura interpretativa – análise interpretativa: Realizada com a finalidade de responder
aos questionamentos levantados acerca da FC presente nesses LDs. O foco esteve na
argumentação epistemológica apresentada pelo autor, bem como na profundidade do
tema em cada texto, nas duas partes do LD, categorizando-os em relação à FC.
Os resultados serão apresentados em quadro panorâmico.
5. Possíveis intersecções de temas da História e Filosofia da Ciência nos Livros Didáticos de Física e Matemática
O exame dos LDs de Matemática e Física permitiu identificar as diferentes
abordagens dadas à HC e as opções filosóficas feitas pelos autores. É o que será
apresentado nos quadros a seguir.
Quadro 03 - Categorias relacionadas à História e Filosofia da Ciência na análise dos
capítulos de funções nos LDs de matemática
LD História da Ciência Filosofia da Ciência
IL PA FR AC NA EIA RAI AA EA ACL IE SN Matemática:
Contextos e
Aplicações
X X X X X
Matemática:
Ciência,
Linguagem e
Tecnologias
X X X X X
Matemática Paiva X X X X Matemática: X X X
Ciência e Aplicação Conexões com a
Matemática
Matemática Ensino
Médio X X
Novo Olhar
Matemática X X X
É possível observar, através do Quadro 03, que nas coleções de LDs de
Matemática, há ausência de HFC numa perspectiva mais crítica. São apresentados, de
maneira geral, fragmentos ilustrativos da História da Matemática de maneira acrítica e
ahistórica. No conteúdo avaliado da coleção “Conexões com a Matemática” não há
menção à HFC, nem mesmo no manual do professor.
As coleções “Matemática: Ciência e Aplicação” e “Matemática Paiva” trazem
nas suas referências, indicações de livros sobre a história da matemática. As demais não
fazem qualquer menção. As coleções “Matemática: contextos e aplicações”, “Matemática
Ensino Médio” e “Novo Olhar Matemática” fazem reflexões contemporâneas, entretanto,
não históricas.
Quadro 04 - Categorias relacionadas à História e Filosofia da Ciência do conteúdo
Fundamentos da Dinâmica nos LD de física analisados
LD História da Ciência Filosofia da Ciência
IL PA FR AC NA EIA RAI AA EA ACL IE SN
Compreendendo a
Física X X X X X X X X
Física (Editora
Positivo) X X X X X X X X X X
Física - Conceitos e
Contextos: Pessoal,
Social, Histórico X X
Física Aula por
Aula X X X X X X X X
Física (FTD) x
Física Contexto &
Aplicação X X X X X X X X
Física Interação e
Tecnologia X X Física para o
Ensino Médio X X X
Física (Editora
Saraiva) X X X X X X X X X X
Quanta Física X X X Ser Protagonista
Física X X X X X X X X X X
Conexões com a
Física X X X X X X X X X X
Física Ciência e
Tecnologia (Editora
Moderna)
X
X
X
X
X
X
X
X
X
O Quadro 04 revela a predominância de uma visão de HC com uma
perspectiva panorâmica, ilustrativa, acrítica e fragmentada. Os LDs Física - Conceitos e
Contextos: Pessoal, Social, Histórico, Física (FTD), Quanta Física, Física Interação e
Tecnologia, apresentam uma perspectiva de narrativa em HC, mostrando uma articulação
com o desenvolvimento histórico da Física. Com relação à FC, predominam os aspectos
empíricos indutivistas e ateóricos, aproblemático e ahistórico, individualistas e elitistas.
O predomínio destas visões de HFC se dá em parte por opções metodológicas
das obras. Geralmente os temas e as perspectivas de HFC são relegadas ao segundo
plano, como box ou textos complementares. Esta é uma tendência geral nas obras. É
possível observar que nas atividades de exercícios, existe uma presença diminuta dos
temas relativos a HFC. Ênfase maior em aspectos da teórica física, fórmulas e conceitos.
Quadro 05- Entrelaçamento entre a Matemática e a Física nos LDs
Livro Didático Entrelaçamento Matemática e Física
Matemática: Contextos e
Aplicações Não houve nenhuma citação. Apenas uma questão utilizou a física,
nos exercícios. Sem contextualização com HFC. Matemática: Ciência, Apresentou um entrelaçamento com questões para refletir a relação
Linguagem e Tecnologias entre física e matemática. Sem contextualização com HFC. Matemática Paiva Na p. 169 há um entrelaçamento, sem muita reflexão, com a física. O
aprofundamento das questões com a subjetividade da interferência
do professor. Sem contextualização com HFC. Matemática: Ciência e
Aplicação Aparece de maneira pontual em alguns exercícios. Sem
contextualização com HFC. Conexões com a
Matemática Aparece de maneira pontual em alguns exercícios. Sem
contextualização com HFC. Matemática Ensino Médio Aparece de maneira pontual em alguns exercícios. Sem
contextualização com HFC. Novo Olhar Matemática Aparece de maneira pontual em alguns exercícios. Sem
contextualização com HFC. Compreendendo a Física Aparece pontual em exercícios. Ênfase em resolução de exercícios
sem conexões com problemas de matemática. Modelos matemáticos6
sem contextualização com HFC. Física (Editora Positivo) Aparece pontual em exercícios. Ênfase em resolução de exercícios
sem conexões com problemas de matemática. Modelos matemáticos
sem contextualização com HFC. Física - Conceitos e
Contextos: Pessoal,
Social, Histórico
Aparece de maneira pontual em alguns exercícios. Sem
contextualização com HFC.
Física Aula por Aula Aparece pontual em exercícios. Ênfase em resolução de exercícios sem conexões com problemas de matemática. Modelos matemáticos
sem contextualização com HFC. Física Contexto &
Aplicação Aparece pontual em exercícios. Ênfase em resolução de exercícios
sem conexões com problemas de matemática. Modelos matemáticos
sem contextualização com HFC. Física (FTD) Aparece pontual em exercícios. Modelos matemáticos sem
contextualização com HFC. Física Interação e
Tecnologia
Aparece pontual em exercícios. Modelos matemáticos sem
contextualização com HFC.
Física Para o Ensino
Médio Aparece pontual em exercícios. Ênfase em resolução de exercícios
sem conexões com problemas de matemática. Modelos matemáticos
sem contextualização com HFC. Física (Editora Saraiva) Aparece pontual em exercícios. Ênfase em resolução de exercícios
sem conexões com problemas de matemática. Modelos matemáticos
sem contextualização com HFC. Quanta Física Aparece pontual em exercícios. Ênfase em resolução de exercícios
sem conexões com problemas de matemática. Modelos matemáticos
sem contextualização com HFC.
Ser Protagonista Física Aparece pontual em exercícios. Ênfase em resolução de exercícios
6 Modelo matemático refere-se à formulação de leis e conceitos. Perspectiva de mostrar as relações do desenvolvimento da física com o desenvolvimento da matemática.
sem conexões com problemas de matemática. Modelos matemáticos
sem contextualização com HFC. Conexões com a Física Aparece pontual em exercícios. Ênfase em resolução de exercícios
sem conexões com problemas de matemática. Modelos matemáticos
sem contextualização com HFC. Física Ciência e
Tecnologia (Editora
Moderna)
Aparece pontual em exercícios. Ênfase em resolução de exercícios
em conexões com problemas de matemática.
6. Considerações
Mesmo que apareça em alguns LDs tentativas da busca da HFC, são tímidas e
sem articulações. De forma geral não existe entrelaçamento entre a física e a matemática,
mesmo quando se trata de modelos matemáticos. A HFC é apresentada de forma
fragmentada, ilustrativa e acrítica no contexto geral das obras de física. Nos LDs de
matemática é mais ostensiva a ausência de HFC. Praticamente não existem referências à
história da matemática, tampouco sobre o pensamento filosófico. É muito comum a cópia
de ilustrações e do fragmento histórico utilizado sem o devido contexto nos LD de
matemática e de física. Alguns LDs utilizam as relações dos conceitos com questões
contemporâneas, sem buscar a historicidade do seu desenvolvimento e sem alguma
relação com o pensamento filosófico, demostrando uma perspectiva de descontinuidade,
acriticidade e linearidade.
É possível perceber que os LDs de matemática não atendem a legislação
vigente no que diz respeito à HFC. Essa constatação preocupa, uma vez que muitos
professores utilizam os LDs como único material pedagógico e de formação. De forma
geral, os manuais dos LDs indicam a necessidade de contextualização sócio cultural,
porém não incluem a perspectiva HFC, dando ênfase à aplicação do conhecimento sem
explorar o desenvolvimento desse conhecimento. Não há uma sugestão clara e objetiva
para que tal entrelaçamento aconteça. Isto significa que o aprofundamento reflexivo e
crítico da HFC nos LDs continua na subjetividade do conhecimento e da concepção do
professor.
Os problemas acima apontados não constituem uma novidade. Segundo
Martins (2006), existem barreiras para que a inclusão de HFC no ensino se efetive,
[...] (1) a carência de um número suficiente de professores com a formação
adequada para pesquisar e ensinar de forma correta a história das ciências; (2) a
falta de material didático adequado (textos sobre história da ciência) que
possam ser utilizados no ensino; e (3) equívocos a respeito da própria natureza
da história da ciência e seu uso na educação (MARTINS, p. XXIII, 2006 Apud
SIEGEL, p. 111-18, 1979).
A falta de perspectivas em HFC e de entrelaçamento entre física e matemática
ocorrem de forma geral no ensino de outras disciplinas e não é exclusividade do estudo
aqui apresentado. A perspectiva apresentada com o presente estudo é apontar a
necessidade de avanços na inclusão não apenas de tópicos, mas também de concepções
de HFC para que a formação inicial na Educação Básica contemple: que o conhecimento
é fruto do desenvolvimento histórico e filosófico; o entendimento de tal conhecimento
com produção histórica buscando não ridicularizar ou reduzir a formas; necessidade de
comparação com teorias rivais e controversas, possibilitando evidências de suas
limitações; a possibilidade do sujeito entender novos conceitos a partir da sua evolução
histórica.
O que se deseja é a construção de uma perspectiva crítica e reflexiva do
conhecimento da ciência e da tecnologia. Neste sentido o papel dos LDs são
fundamentais e podem ser consideradas peças importantes nesse desejo e na possibilidade
de empoderamento do sujeito frente aos desafios de uma sociedade embebida em C&T.
7. Referências
ACEVEDO, J. A. et al. Mitos da didática das ciências acerca dos motivos para incluir a
natureza da ciência no ensino das ciências. Ciência & Educação, v. 11, n. 1, p. 1-15,
2005.
BATISTA, A. A. G.; GALVÃO, A. M. de O. Livros escolares de leitura no Brasil –
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