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Uma análise da obra "Ética a Nicômaco - Livro I" de Aristóteles

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As diversas noções de felicidade existentes influenciam diretamente a prática cotidiana do indivíduo. Em Aristóteles podemos notar uma noção bem precisa. Compartilhamos do pensamento aristotélico no que concerne a esta concepção de felicidade por verificarmos que esta noção possibilita ao indivíduo uma vida boa. Vida boa refere-se a uma vida virtuosa, condizente com a função do homem tratada por Aristóteles de modo ímpar.

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Page 1: Uma análise da obra "Ética a Nicômaco - Livro I" de Aristóteles

UMA ANÁLISE DA OBRA

“ÉTICA A NICÔMACO – LIVRO I”

DE ARISTÓTELES

Douglas Weege

RESUMO

As diversas noções de felicidade existentes influenciam diretamente a prática cotidiana do

indivíduo. Em Aristóteles podemos notar uma noção bem precisa. Compartilhamos do

pensamento aristotélico no que concerne a esta concepção de felicidade por verificarmos

que esta noção possibilita ao indivíduo uma vida boa. Vida boa refere-se a uma vida

virtuosa, condizente com a função do homem tratada por Aristóteles de modo ímpar.

Palavras-chave: felicidade, virtude, sumo bem, bem.

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1 INTRODUÇÃO

O intuito deste trabalho será de analisar panoramicamente o Livro I da obra Ética A

Nicômaco de Aristóteles. A pretensão será de explorar como o pensador começou a

esboçar sua problemática. É importante destacar isso devido à consciência que se deve ter

que uma análise mais apurada e minuciosa de toda obra demandaria mais tempo e muito

mais linhas do que aqui se propõe. Por isso, é importante salientar como e com que

preceitos serão analisados este início da obra.

A análise proposta será construída através de uma exposição concisa do conteúdo

aristotélico seguido de comentários interpretativos do texto. A abordagem será centralizada

no problema iminente do pensador. Com isso, objetiva-se encontrar no corpo do próprio

texto os conceitos utilizados pelo pensador, bem como, as teses e argumentos utilizados a

fim de inseri-los no decorrer da exposição comentada sugerida.

Serão destacados, na exposição, em itálico os termos fundamentais que são

utilizados corriqueiramente por Aristóteles em sua obra. Desta maneira fica evidente a

importância com que o autor utiliza as palavras que serão enfatizadas. Obviamente,

condizente com isto, serão destacadas da mesma maneira as passagens retiradas da própria

obra do autor.

Antes, porém, de iniciarmos a exposição do conteúdo aristotélico é importante

situar o autor, a obra e o método utilizado por Aristóteles. Como é sabido, Aristóteles

nasceu em Estagira, na Grécia, em 384 A.C. Era filho do médico Nicômaco, da corte do

Rei Aminas II, pai de Filipe, da Macedônia. Aristóteles procurou em Atenas por uma boa

formação quando ainda era jovem. Sentiu-se atraído pela Academia de Platão e a escola

retórica do sofista Isócrates. Escreveu diversas obras, entre elas a Ética a Nicômaco.

Segundo Nodari1 a Ética a Nicômaco situa-se na fase “instrumental-mecanicista” de

Aristóteles, que foi de 347 A.C., ao deixar Atenas após a morte de Platão, até 335/334 A.C.

ao romper com certos aspectos das ideias platônicas. Outro ponto que Nodari destaca e

vale a pena mencionar é que Aristóteles não aceita o método matemático de Platão, pois

não é concebível a reflexão ética partir de abstrações, mas sim, das mais diversas

experiências do cotidiano das pessoas. Por isso, na obra supracitada nos salta aos olhos

mais propriamente um método dialético do que qualquer outro.

1 Paulo Cesar Nodari é Atualmente professor Adjunto I na Universidade de Caxias do Sul. Foi professor no

Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul (PPGED-UCS). É professor da

Pós-Graduação (Mestrado) em Filosofia na Universidade de Caxias do Sul (PPGFIL-UCS).

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2 EXPOSIÇÃO – Problema, Conceito, Teses, Argumentos, etc.

Como falamos anteriormente as linhas a seguir buscam enfatizar a centralidade da

obra aristotélica e não propriamente uma minuciosa análise exegética do texto. Pois bem,

comecemos com a formulação do problema aristotélico.

Fitando os olhos logo no início da obra de Aristóteles temos a obrigação de

ressaltar a afirmação primeira do autor, isto é, que toda a arte e toda investigação, bem

como toda ação e toda escolha, visam a um bem qualquer.2 Tal constatação e tese nos leva

rapidamente ao grande problema que o filósofo irá buscar solucionar. Antes, porém, de

explicitá-lo com mais detalhes é cabível verificar que este bem, num primeiro momento

dito qualquer, transformar-se-á no que Aristóteles chama: sumo bem. Ora, constata o

filósofo: não terá o conhecimento desse bem, então, grande influencia sobre a nossa

vida?3 Obviamente nos rendemos facilmente a Aristóteles em sua abordagem. Não há

como não concordar com seu pensamento inicial, pois evidentemente é desse bem

qualquer, talvez não consciente e conhecido, que todos de certa maneira são escravos.

Entretanto, o conhecimento do sumo bem é extremamente importante, defenderá o

pensador, para que cada indivíduo viva feliz, com ética e virtuosidade, mas não pretendo

adiantar as conclusões que a obra aristotélica irá expor em suas colocações e levantamento

de questões. Pois a obra de modo geral irá definir propriamente o que é a felicidade e a

vida virtuosa, entretanto, vale lembrar, nos cabe aqui um levantamento inicial do primeiro

livro de sua Ética a Nicômaco.

A ciência política, de acordo com o texto, é a faculdade em que este bem é objeto,

pois ela decide quais a ciências a serem investigadas e as que os cidadãos devem conhecer.

Sendo a política, portanto, a legisladora das demais ciências cabe a ela, em sua finalidade,

abarcar a finalidade das outras, sendo esta, como diz Aristóteles, o bem humano. Após

estas colocações e algumas outras, que não cabe mencionar aqui, o pensador tem claro que

tanto para os homens, como ele chama, de cultura superior como para os de cultura inferior

(vulgo, segundo ele), esse bem supremo é a felicidade.4 De modo particular, penso que

neste momento o problema central, que pode ser equacionado de diversas maneiras, que

Aristóteles buscará resolver é ressaltado de maneira mais evidente através de algumas

questões, tais como: O que vem a ser, de fato, a felicidade? Ou: O que é o bem viver? Qual

a diferença entre “um homem” e “um homem bom”? Ou, ainda: Como vive quem é feliz?

De fato, é aceitável a tese de que o indivíduo reflete em suas ações cotidianas

2 ARISTÓTELES. Ética A Nicômaco. São Paulo: editora Martin Claret. PÁG 17.

3 IDEM, PÁG. 18.

4 IDEM, PÁG. 19.

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aquilo que o mesmo entende por felicidade, mesmo que ele, propriamente, não saiba. E

parece ser por aí que Aristóteles começará a formular o conceito de felicidade e,

consequentemente, a definir o que é o sumo bem.

Segundo Aristóteles, há três tipos de vida e que, podemos inferir, três tipos de

entendimento do que venha a ser a felicidade. Notamos neste momento a exposição de

diversas noções a respeito do que vem a ser a felicidade. Primeiro, há um tipo de vida que

relaciona a felicidade com o prazer. Para Aristóteles essa vida se assemelha a escravos,

comparando-a a vida dos animais, pois estes, como se sabe, sujeitam-se a todo e qualquer

instinto e/ou vontade. De acordo com seu argumento, não é propriamente um tipo de vida

ou uma ideia de felicidade que é evidenciado apenas nas classes mais baixas ou em

indivíduos de cultura inferior, tanto é que menciona o exemplo do rei mítico da Assíria

Sardanapalo. Esta vida coincide com aquilo que chamamos de hedonismo, isto é, a

procura indiscriminada do prazer.5 Neste sentido, esta noção de felicidade não leva em

conta o bem comum da nação ou cidade-estado,6 o que parece não ser o mais apreciado

pelo pensador. Segundo, existe a vida política. Neste tipo de ideia de felicidade presume-se

num primeiro momento a honra como o fim a ser alcançado, entretanto, remete a mera

busca por certo reconhecimento. Trata-se de outra noção indigesta por Aristóteles, pois

sugere que a virtude parece ser mais excelente que a honra, entretanto, percebe também

nesta certa falta. Terceiro, há a vida contemplativa, que Aristóteles propõe-se uma análise

em outro momento de seu texto, com isso, parece sinalizar algo que defenderá mais a

frente.

É decorrente o aparecimento de novas questões na tentativa de formulação do bem

supremo a que Aristóteles está se propondo. Percebe-se que a felicidade tem haver

diretamente com a função do homem, mas sobre isso enfatizaremos mais adiante. A teoria

das ideias de Platão é criticada e rejeitada como fundamento da felicidade plena. Não cabe

relatar aqui toda crítica aristotélica a teoria das ideias no que concerne à felicidade, mas

apenas ressaltar a ênfase dada pelo pensador em estar buscando algo atingível, coisa que

não concebe na ‘ideia’ de felicidade platônica. Vemos claramente a exposição, mesmo que

rasa, de diversas concepções de felicidade e logo em seguida a refutação com brevíssimos

argumentos, diga-se de passagem, um tanto plausíveis para quem acompanha a lógica de

5 ABBAGNANO, Nícola. Dicionário de Filosofia. 5ª edição. Martins Fontes. São Paulo:2007.

6 Aristóteles no início de sua narrativa já deixa claro que é mais nobre e divino atingir o fim em prol da nação

do que em seu próprio benefício particular, dando indícios de que o sumo bem tem total relação com uma

objetividade e não com um elemento subjetivo.

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seu pensamento. Em outras palavras, faz sentido pensar da maneira que Aristóteles está

pensando em sua Ética.

Retomando a afirmativa inicial de que há uma finalidade em todas as nossas ações

Aristóteles busca uma estratégia clara para seu fim, como segue na citação abaixo:

Já que evidentemente há mais de um fim, e

escolhemos alguns deles (...) em função de alguma

outra coisa, segue-se que nem todos os fins são

absolutos; mas o bem supremo é claramente algo

absoluto. Portanto, se há somente um fim

absoluto, será esse o que estamos procurando; e

se há mais de um, o mais absoluto de todos será o

que estamos buscando.7

Deste modo, ele verifica que o bem supremo é absoluto e incondicional justamente

por não ser buscado visando outra coisa. A finalidade última, neste caso, parece ser como

ele mesmo menciona mais uma vez, a felicidade, pois é a ela que o indivíduo quer chegar

ao buscar honra, prazer, riqueza, etc. A felicidade como bem supremo é, deste modo,

autossuficiente, isto é, o fim absoluto que não carece de nada e, mais ainda, a finalidade da

ação. Para Aristóteles isso começa a fazer mais sentido ao explorar e identificar a função

do homem. Como havíamos falado anteriormente a felicidade como este fim absoluto,

autossuficiente e como fim da ação tem plena relação com a função do homem. Notamos

nessa construção e problemática aristotélica o levantamento de uma série de outras

questões. São questões emergenciais para a solução das questões que vão sendo levantadas

a partir do problema central. Tais acontecimentos são típicos da filosofia e/ou do filosofar.

Em diversos momentos reaparece a preocupação. Como já falamos, parece

evidente, pensando no cotidiano de cada indivíduo, que dependendo da noção particular

sobre o que vem a ser a felicidade se toma esta(s) ou aquela(s) atitude(s). Esse é um dos

fatores pelos quais é imprescindível uma correta definição de felicidade. Pois bem,

voltemos à função do homem. Notamos, então, nas palavras de Aristóteles que a função do

homem e que o difere de toda e qualquer outra espécie é uma atividade da alma que

implica um princípio racional, logo: o bem do homem vem a ser a atividade da alma em

consonância com a virtude. 8 Em outras palavras, a função do homem é uma vida ativa

virtuosa. Tal vida refere-se à de um homem bom e feliz. O filósofo ressalta ainda a

diferença de concebermos o sumo bem como posse ou exercício. Claramente ele afirma

que devemos conceber como exercício/atividade, pois, segundo faz-se compreendido, de

7 ARISTÓTELES. Ética A Nicômaco. São Paulo: editora Martin Claret, PÁG. 25.

8 IDEM. PÁG. 27.

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nada adianta um estado de ânimo que nada resulta. Parece permissível pensar, com base no

que Aristóteles defende argumentativamente, que há um apontamento claro em sua ética

para uma filosofia prática, já que se refere à função do homem como um princípio racional

concernente a virtude. Embora tudo até aqui leve a condenar um conceito de felicidade

com foco na riqueza, prazer, honra, etc. Aristóteles enfatiza a importância dos meios pelos

quais é possível praticar ações nobres. Segundo ele: a felicidade necessita igualmente dos

bens exteriores, pois é impossível, ou pelo menos não é fácil, praticar ações nobres sem os

devidos meios. 9

Como em outros momentos, novamente outras questões são levantadas com vista

no problema central. Como é adquirida a felicidade?

É por este motivo que se pergunta se a felicidade

deve ser adquirida pela aprendizagem, pelo hábito

ou por alguma outra espécie de exercício, ou se ela

nos é dada por alguma providência divina, ou ainda

pelo acaso.10

Com essas indagações Aristóteles percebe e afirma mais uma vez que é a felicidade

a melhor entre todas as coisas humanas e todos os demais bens são apenas ferramentas

para chegar a ela. Sendo ela, a felicidade, o que há de mais importante na existência

humana e possuindo essa estreita relação com a função do homem não é cabível, menciona

o filósofo, confiar ao acaso o adquirir deste sumo bem.

Com intuito de pararmos por aqui, pois como estabelecido mencionamos a

pretensão de uma breve exposição do problema, conceitos, argumentos e teses do Livro I

da Ética a Nicômaco, chamo a atenção para esta relação que Aristóteles faz da felicidade

como objeto de estudo da ciência política e não de outra. É claro que esta evidencia se dá

pelo fato do que Aristóteles pensa com relação a polis, que não cabe aqui um apontamento,

até mesmo para não ser vago. É apenas relevante diante das teses proferidas, argumentos

expostos, problema levantado e conceitos utilizados referir-se a solução que o pensador

começa a esboçar no livro que aqui expomos, isto é, que este fim último de toda e qualquer

ação e que possui fim em si mesmo é absoluto e autossuficiente, mais do que isso, é o que

possibilita, através do conhecimento do indivíduo, de forma particular, e da comunidade

como um todo, viver virtuosamente, ou seja, viver como um homem bom. Tal atividade

racional, como Aristóteles se refere, possibilita uma vida feliz e em consonância as

virtudes. Enfim, a felicidade relaciona-se com a função do homem, que é a de ser feliz.

9 IDEM. PÁG. 30.

10 IDEM PÁG. 31.

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3 Bibliografia

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 1ª edição brasileira coordenada e revista

por Alfredo Bossi; revisão da tradução dos novos textos Ivone Castilho Benedetti. 5ª

edição. São Paulo, Martins Fontes, 2007.

ARISTÓTELES. Ética A Nicômaco. (Tradução Pietro Nassetti). São Paulo, Editora Martin

Claret, 2008.

FERRATER MORA, José. Dicionário de Filosofia. Traduzido do espanhol por Antonio

José Massano e Manuel Palmeirim. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1978.

NODARI, Paulo Cesar. A Ética Aristotélica. Síntese – Revista de Filosofia, Belo

Horizonte, v.24, n.78, p.383-410, 1997.