Upload
ngongoc
View
215
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA PROGRAMA DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
André Luiz Cassemiro Ribeiro
TRIBUNAL DO JÚRI: A AMPLIAÇÃO DE SUA COMPETÊNCIA SOB
A LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
Belo Horizonte
2014
André Luiz Cassemiro Ribeiro
Tribunal do Júri: A ampliação de sua competência sob a luz da
Constituição Federal de 1988.
Monografia em Direito da Escola Superior Dom
Helder Câmara como requisito para obtenção do
título de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. David Oliveira Lima Rocha
Belo Horizonte
2014
FICHA CATALOGRÁFICA
RIBEIRO, André Luiz Cassemiro. Tribunal do Júri: A ampliação de sua
competência sob a luz da Constituição Federal de 1988. Local: Belo Horizonte.
Minas Gerais – Brasil.
2014.
Número de Páginas: 30.
Monografia apresentada à Escola Superior Dom Helder Câmara como requisito
para obtenção do título em Direito.
Orientador: Prof. David Oliveira Lima Rocha
Palavras chave: tribunal do júri, competência, ampliação.
ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA
André Luiz Cassemiro Ribeiro
TRIBUNAL DO JÚRI: A AMPLIAÇÃO DE SUA COMPETÊNCIA SOB
A LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
Monografia apresentada ao programa de Graduação
em Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara
como requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Direito.
Aprovado em: __/__/2014
________________________________________________________________
Orientador: Prof. David Oliveira Lima Rocha
Nota: ____
Belo Horizonte
2014
Dedico o presente trabalho aos meus pais, irmãos e
amigos. Agradeço os incentivos, a compreensão e o
carinho, os quais foram primordiais para a conclusão
deste meu objetivo.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Professor David Oliveira Lima Rocha, cuja sabedoria e inteligência
abrilhantaram este trabalho, pela orientação e carinho, sem os quais a conclusão deste trabalho
seria quase impossível.
Agradeço também à Professora Mariza Rios, pois sem os seus ensinamentos não seria
possível a conclusão deste trabalho.
Por fim, os meus sinceros agradecimentos a todos os professores e colegas da Escola Superior
Dom Helder Câmara, que me auxiliaram no crescimento profissional e pessoal.
“É muito melhor lançar-se em busca de conquistas
grandiosas, mesmo expondo-se ao fracasso, do que
alinhar-se com os pobres de espírito, que nem
gozam muito nem sofrem muito, porque vivem numa
penumbra cinzenta, onde não conhecem nem vitória,
nem derrota.”
(Theodore Roosevelt, s.a., s. p.)
RESUMO
Este trabalho aborda o tema da ampliação da competência do tribunal do júri, apontando o seu
surgimento, inserção e desenvolvimento no ordenamento jurídico brasileiro. Aborda o status
atribuído a instituição de direito e garantia humano fundamental. Compara o júri constante do
ordenamento jurídico brasileiro com o júri existente na Inglaterra, Estados Unidos e Portugal.
Atribui o exercício da função de jurado a uma prerrogativa da cidadania e por fim, expõe
sobre a possibilidade de sua ampliação e as causas que poderiam ser objeto de analise pela
instituição. Palavras chave: tribunal do júri, competência, ampliação.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 09
2 O JÚRI POPULAR
2.1 Origens e aspectos históricos ....................................................................... 12
2.2 O tribunal do júri no direito brasileiro: surgimento, constitucionalização e evolução
............................................................................................................................... 13
2.3 Júri: direito e garantia fundamental ..................................................... 16
2.3.1 O júri como garantia humana fundamental .............................................. 16
2.3.2 O júri como direito humano fundamental ................................................. 17
3 LEGISLAÇÃO COMPARADA
3.1 Considerações iniciais ..................................................................................... 19
3.2 Inglaterra ......................................................................................................... 19
3.3 Estados Unidos ................................................................................................ 20
3.4 Portugal ............................................................................................................ 22
4 A DEMOCRACIA E O JÚRI
4.1 O exercício da função no júri como prerrogativa da cidadania .................. 24
5 POSSIBILIDADE DA AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO JÚRI
5.1 Sob a perspectiva constitucional de acordo com o artigo 5º, XXXVIII, d,
Constituição Federal de 1988 ................................................................................. 25
5.2 Algumas causas que poderiam ser avaliadas pelo Tribunal do Júri ............ 27
6 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 29
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 30
9
1 INTRODUÇÃO
O Tribunal do Júri foi instituído no Brasil no ano de 1822, juntamente com a Lei de
Imprensa, tendo como competência julgar os casos que envolvessem os chamados crimes de
imprensa. Teve a sua primeira aparição constitucional na Magna Carta de 1824, a qual
fornecia competências para tal órgão julgador apreciar causas cíveis e criminais.
Em 1988 a Constituição Federal surge com o intuito de se inserir no contexto social
como uma Constituição Cidadã e como um sistema assegurador de direitos mínimos ao
cidadão, intitulado de direitos e garantias fundamentais. Dentre essas garantias constitucionais
mínimas, firmou-se a presença da instituição do júri com previsão no artigo 5º, XXXVIII, d
Constituição Federal de 1988.
De acordo com Viveiros (2003), percebe-se que o Júri sempre esteve associado à
idéia de defesa dos valores sociais mais relevantes. E que no seu percurso histórico
normativo, sofre inúmeras modificações, tendo seu perfil democrático resgatado pela
Constituição de 1988, que não apenas o firmou como um direito e garantia individual, mas
demarcou os seus contornos estruturais, dentre eles o princípio da competência para o
julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
O poder constituinte de 1988, além de resgatar o perfil democrático da instituição, o
colocou sobre o abrigo da cláusula constitucional, a qual proíbe qualquer proposta de Emenda
Constitucional tendente a sua abolição.
Ocorre que, com essa proteção do manto constitucional, surgem alguns
questionamentos acerca da possibilidade de ampliação da competência da instituição,
principalmente quanto à valorização da essência exprimida pelo poder constituinte de um
Estado Democrático, previsto no preâmbulo da Constituição Federal de 1988.
Nucci (2012), aduz que no Direito Brasileiro, a Cláusula Pétrea é impossível de ser
mudada pelo Poder Constituinte Reformador, mas não sofre qualquer abalo caso a
competência do júri seja ampliada, pois sua missão é justamente impedir seu esvaziamento.
Filho (2008), na mesma linha de entendimento de Nucci (2012), enfatiza que outros
delitos podem ser objeto de julgamento pelo Tribunal do Júri, o que por certo despertaria no
cidadão maior sentido de responsabilidade ao ser escolhido para julgar outros crimes que não
somente os com resultado morte, e que leva a sociedade a se revoltar contra o Poder
Judiciário, se tornando justo que ela também possa participar, cooperando para a ampliação de
julgamentos pelo Tribunal Popular do Júri.
Há algumas posições existentes que sustentam ser essa competência fixa, sob o
10
fundamento de que a intenção do legislador constituinte era a proteção do bem jurídico vida,
delegando-lhe a competência restrita para processamento no Tribunal do Júri, embora não
haja nenhuma razão plausível para tal interpretação.
Portanto, apesar de existirem posições contrárias à ampliação desta competência é
pacífico na doutrina e jurisprudência que de acordo com a norma constitucional esta
competência poderá ser ampliada, pois quando o legislador elegeu os crimes dolosos contra a
vida no contexto do júri, opção política legislativa, ele não restringiu a competência da
instituição a estes delitos, apenas assegurou competência mínima para que o Tribunal do Júri
existisse em nosso país com respaldo constitucional.
È certo que, com o aumento da jurisdição da Instituição do Júri, tem-se a
possibilidade da construção de uma justiça mais participativa e condizente com a realidade
social existente, sendo assim, essa deveria ser analisada e efetivada.
No que tange ao método de trabalho a linha metodológica utilizada é sob o aspecto
critico metodológico, pois será desenvolvida visando demonstrar através da análise de dados
colhidos, que é possível a ampliação da competência da Instituição do Júri, possibilitando
uma maior participação da sociedade no Direito, visto que ao nomear cidadãos comuns como
membros do corpo de jurados, além de inseri-los no meio jurídico, cria-se um espaço em que
os mesmos contribuem diretamente para atingir um ideário de justiça.
O método de raciocínio é o intuitivo dedutivo, pois parte da análise da competência
já existente, julgar Crimes Dolosos contra a Vida, para a possível ampliação a delitos não
compreendidos na alínea d, do artigo 5º, Constituição Federal de 1988 e artigo 74, § 1º do
Código de Processo Penal.
No ponto de vista jurídico teórico o pesquisador utilizou-se de levantamentos de
posições existentes na doutrina e na jurisprudência acerca do tema escolhido, com a finalidade
de definir o entendimento majoritário existente ao alcance do pesquisador.
O método descritivo, foi abordado, com a finalidade de analisar as posições
doutrinarias e jurisprudências sob a possibilidade da ampliação da competência do Tribunal
do Júri, tendo como método de abordagem do problema, o qualitativo, que envolveu a
obtenção de dados pelo pesquisador de acordo com o tema proposto, de forma que se tentou
explanar da melhor forma o conteúdo pesquisado, utilizando para tanto das técnicas de coleta
por documentação indireta como pesquisas bibliográficas, documental, leis, sites da internet,
doutrinas e jurisprudências relacionadas ao assunto.
Portanto, o desenvolvimento do trabalho foi divido em quatro etapas, que se
subdividiu em três capítulos, a primeira consistiu na elaboração do projeto de pesquisa, que
11
abordou a elaboração do tema, problema, objetivos, justificativa, a segunda parte consistiu no
primeiro capítulo da monografia que abordou as origens e aspectos históricos do Júri Popular,
como seu deu a sua inserção no ordenamento jurídico brasileiro, o júri como direito e garantia
humana fundamental, na terceira parte, ou seja, segundo capítulo apresentou-se o
funcionamento da instituição em países tais como Inglaterra, EUA e Portugal e aludiu que o
exercício da função no júri trata-se de uma prerrogativa de cidadania e por fim, no terceiro
capitulo foi discorrido sob a possibilidade de ampliação da competência da instituição do júri
sob a perspectiva constitucional e foram apresentadas algumas causas que poderiam ser
avaliadas pelo Tribunal do Júri.
12
2 O JÚRI POPULAR
2.1 Origens e aspectos históricos
O tribunal do júri tal qual concebemos hoje, segundo o posicionamento majoritário
existente, teve o seu nascedouro na Europa do século XIII, mais precisamente na Inglaterra,
com a edição de sua Carta Magna em 1215 e após a abolição das ordálias e os juízos de Deus
pelo concílio de Latrão.
A origem da instituição trata-se de uma questão polêmica, havendo diversos
posicionamentos acerca de seu surgimento na doutrina, conforme destacado abaixo por alguns
autores.
Nas palavras de Nucci (2012), já se havia notícias da instituição antes disso. Na
cidade da Palestina, existia o Tribunal dos Vinte e Três, nos locais em que a população
superasse a 120 famílias. O tribunal era composto por padres e chefes de família de Israel e
possuía como competência o julgamento dos crimes nos quais se punia com pena de morte.
Já Fragoso (1994), citado por Mauro Viveiros (2003, p. 09), “defende que o
desenvolvimento histórico do júri, como é conhecido hoje, encontra seu termo inicial no
procedimento inquisitório que era praticado na França, na época carolíngia. O sistema da
inquisitio passou à Inglaterra com a invasão normanda, onde evoluiu consideravelmente”.
Rogério Lauria Tucci (1999), citado por Mauro Viveiros (2003, p. 10), “situa o
embrião do tribunal do júri em Roma, especificamente no segundo período evolutivo do
processo penal, qual seja o sistema acusatório, consubstanciado nas quoestiones perpetuoe”.
Guilherme de Souza Nucci, expõe que “em Roma, durante a República, o Júri
atuou, sob a forma de juízes em comissão, conhecidos por quoestiones. Quando se tornaram
definitivos, passaram a chamar-se de quoestiones pespetuoe por volta do ano de 155 a.C.”
(NUCCI, 2012, p. 43).
O autor Carlos Maximiliano citado por Guilherme de Souza Nucci, expõe que as
origens do instituto, vagas e indefinidas, perdem-se na noite dos tempos. Entretanto,
a propagação do Tribunal Popular pelo mundo ocidental teve início, perdurando até
hoje, em 1215, com o seguinte preceito: Ninguém poderá ser detido, preso ou
despojado de seus bens, costume e liberdades, senão em virtude de julgamento de
seus pares, segundo as leis do país. (NUCCI, 2012, p. 43)
13
O júri foi estabelecido na França, após a Revolução de 1789, com o objetivo de
combater as idéias e métodos impostos pelos magistrados do regime monárquico, com o
intuito de substituir um Judiciário prevalecente pela influência monárquica, por um Judiciário
constituído nada mais do que pelo povo, que na época eram rodeados por ideais republicanos.
(NUCCI, 2012)
Com o estabelecimento da instituição do júri na França, ocorreu uma enorme
influência que se dissipou pela Europa, de que a instituição trazia consigo um ideal de
liberdade e democracia, pois se pensava que apenas o povo era capaz de proferir julgamentos
justos, pois na época narrada, nas palavras de Guilherme de Souza Nucci, “o Poder Judiciário
não era independente, motivo pelo qual o julgamento do júri apresentava-se como justo e
imparcial, porque produzido por pessoas do povo, sem a participação de magistrados
considerados corruptos e vinculados aos interesses do soberano.” (NUCCI, 2012, p. 43)
2.2 O tribunal do júri no direito brasileiro: surgimento, constitucionalização e evolução.
No Brasil, a instituição do júri foi estabelecida em 18 de Julho de 1822, por decreto
do Príncipe Regente Dom Pedro I, pois o país estava sob vista de alcançar a sua
independência de Portugal e começou a editar leis que iam de encontro aos interesses da
coroa.
A instituição conforme noticia NUCCI (2012), tornou-se um modelo a ser seguido,
pois na época em que se vivia o que era bom para a Europa também o era para o resto do
mundo, motivo pelo qual o Príncipe Regente também seguiu a tendência mundial que se
propagava.
Nas palavras de Bruno Guerra de Azevedo (s. ano, p. 6), o tribunal do povo foi
instituído juntamente com a Lei de Imprensa tendo como competência julgar casos que
envolvessem os chamados crimes de imprensa.
A autora Adriana Gualberto Hagemann (2011), citada por Bruno Guerra de Azevedo
(s. ano, p. 6), aponta que o surgimento conjunto da instituição com a lei de imprensa se deu
pelo fato de uma revolta popular que ocorreu devido à edição da Portaria de 15 de Janeiro de
1822, a qual ordenava a retirada de circulação e a apreensão de exemplares de um artigo
jornalístico anônimo denominado de Heroicidade Brasileira, conforme transcrição que se
segue:
14
Manda S. A. Real o Príncipe Regente, pela Secretaria de Estado dos Negocias do
Reino, que a Junta Directora da Typographia Nacional não consinta jàmais que se
imprima escripto algum sem que o nome da pessoa que deve responder pelo seu
conteúdo, se publique no impresso: e constando ao mesmo Senhor que no escripto
intitulado - Heroicidade Brazileira - se lêem -proposições não só indiscretas, mas
falsas, em que se acham estranhamente alterados os successos ultimamente
acontecidos : Ha por bem que a referida Junta suspenda jà a publicação do d1to
papel, e faça recolher os exemplares que ja estiverem impressos, para que não
continue a sua circulação. Palacio do Rio de Janeiro em 15 de Janeiro de 1822.
(Portaria 15/01/1822, www.obrabonifácio.com.br).
Com o objetivo de apaziguar os ânimos da população, nas palavras de Adriana
Gualberto Hagemann (2011), citada por Bruno Guerra de Azevedo (s. ano, p. 7), o imperador
criou o tribunal do júri;
Receoso com a liberdade que essa Portaria poderia causar, o Senado da Câmara do
Rio solicitou a D. Pedro que, para a execução da Lei de Imprensa no Rio de Janeiro,
criasse o Tribunal do Júri no Brasil, instituído para julgar apenas os delitos de abuso
de liberdade de imprensa. No ato de instituição do júri, em 18 de junho de 1822, o
príncipe declarou: “procurando ligar a bondade, a justiça e a salvação pública, sem
ofender a liberdade bem entendida da imprensa, que desejo sustentar e conservar, e
que tantos bens tem feito à causa sagrada da liberdade brasileira.” (HAGEMANN,
2011, s.p.)
No Brasil, o Corpo de Jurados do Tribunal do Júri era composto por 24 cidadãos,
bons, honrados, inteligentes e patriotas conforme Decreto do Príncipe Regente de 18/06/1822,
O Corregedor do Crime da Côrte e Casa, que por este nomeio Juiz de Direito nas
causas de abuso da liberdade da imprensa, e nas Provincias, que tiverem Relação, o
Ouvidos do crime, e o de Comarca nas que não o tiverem, nomeará nos casos
occurrentes, e a requerimnto do Procurador da Corôa e Fazenda, que será o
Promotor e Fiscal de taes delictos, 24 cidadãos escolhidos de entre os homens bons,
honrados, intelligentes e patriotas, os quaes serão os Juizes de Facto, para
conhecerem da criminalidade dos escriptos abusivos. (Decreto de 18/06/1822, www.planalto.gov.br)
Os jurados estavam autorizados e aptos a julgarem os delitos de abuso de liberdade
de imprensa, mas das suas decisões só caberiam a revisão pelo Príncipe Regente;
Os réos poderão recusar destes 24 nomeados 16: os 8 restantes porém procederão no
exame, conhecimento, e averiguação do facto; como se procede nos conselhos militares de investigação, e accommodando-se sempre ás fórmas mais liberaes, e
admittindo-se o réo á justa defesa, que é de razão, necessidade e uso. Determinada a
existencia de culpa, o Juiz imporá a pena. E por quanto as leis antigas a semelhantes
respeitos são muita duras e improprias das idéas liberaes dos tempos, em que
vivemos; os Juízes de Direito regular-se-hão para esta imposição pelos arts. 12 e 13
do tit. 2° do Decreto das Côrtes de Lisboa de 4 de Junho de 1821 que Mando nesta
ultima parte applicar ao Brazil. Os réos só poderão appellar do julgado para a Minha
Real Clemencia. (Decreto de 18/06/1822, www.planalto.gov.br)
15
Portanto, ao contrário do que se pensa, o estabelecimento do Tribunal do Júri no
Brasil não está ligado a matéria penal em si, mas sim a matéria de cunho civilista, qual seja, o
julgamento dos crimes de imprensa (AZEVEDO, s.ano).
Com o advento da primeira Constituição de 1824, o júri foi previsto em seu texto no
artigo 151 no capítulo pertinente ao Poder Judiciário, a qual atribuiu competência a instituição
para julgamentos de delitos civis e penais.
Art. 151. O Poder Judicial independente, e será composto de Juizes, e Jurados, os
quaes terão logar assim no Civel, como no Crime nos casos, e pelo modo, que os
Codigos determinarem. (BRASIL,1824)
Com a Proclamação da República manteve-se o júri no Brasil, com previsão no
artigo 72, § 31, da Constituição de 1891, inserindo a intuição no rol de direitos e garantias
individuais (NUCCI, 2012)
Art.72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no pais a
inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á
propriedade, nos termos seguintes:
§ 31. É mantida a instituição do júri.
(BRASIL, 1891)
A Constituição de 1934 manteve a instituição do júri em seu artigo 72, mas a mesma
retornou ao capítulo atinente ao Poder judiciário, conforme era prevista na Constituição de
1824, sendo removida do rol dos direitos e garantias individuais.
Com o advento da Constituição de 1937, período este autoritarista, não houve a
inserção no texto constitucional do tribunal do júri. Após este período com a Constituição de
1946, houve a reinserção da instituição do júri no texto constitucional em seu artigo 141, §28;
§ 28 - É mantida a instituição do júri, com a organização que lhe der a
lei, contanto que seja sempre ímpar o número dos seus membros e
garantido o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu e a
soberania dos veredictos. Será obrigatoriamente da sua competência o
julgamento dos crimes dolosos contra a vida. (BRASIL, 1946)
A constituição de 1946, também manteve o júri no capítulo dos direitos e garantias
individuais, em seu artigo 153, § 18, mas fixou claramente a sua competência somente para os
crimes dolosos contra a vida, tendo em vista que não se mencionou as garantias da plenitude
de defesa, soberania e do sigilo das votações.
16
§ 18 - São mantidas a instituição e a soberania do júri, que terá competência no
julgamento dos crimes dolosos contra a vida.(BRASIL, 1946)
Com o retorno da democracia em 1988, o júri novamente foi previsto no capítulo dos
direitos e garantias individuais no artigo, 5º, XXXVIII, trazendo de volta os princípios
constantes da Carta Magna de 1946, tais como soberania dos veredictos, sigilo da votação e
plenitude de defesa.
2.3 Júri: direito e garantia humana fundamental
Os direitos humanos fundamentais de acordo com Nucci (2012), se subdividem em
materiais e formais. Os direitos humanos fundamentais materiais são aqueles inerentes a todo
e qualquer ser humano, direitos estes que impõe ao Estado um limite em sua atuação,
permitindo que o indivíduo possa viver em liberdade, sem restrições desde que a sua liberdade
não afete os direitos alheios.
Os direitos humanos fundamentais formais, conforme assevera Nucci (2012, p. 40),
“são as posições subjetivas dos indivíduos, previstas como tais na Constituição, ainda que não
sejam fundamentais a sua existência ou a qualquer outro direito considerado básico ou
necessário”.
As garantias humanas fundamentais, também são subdivididas em materiais ou
formais. De acordo com Nucci (2012, p. 40), as garantias humanas fundamentais materiais
“são as salvaguardas instituídas pelo Estado para fazer valer um direito humano fundamental.
Sem as quais, o direito individual pode perecer”.
Guilherme de Souza Nucci (2012), informa que as garantias formais são as
constantes no texto constitucional, no entanto, se retiradas, não implica necessariamente em
perecimento do direito humano fundamental material.
2.3.1 O júri como garantia humana fundamental
A instituição do júri é, de acordo com Nucci (2012), apenas uma garantia
humana fundamental formal, pois o legislador assim o quis desde a edição da Constituição de
1891 inserindo-a no capítulo dos direitos e garantias individuais.
17
Em vários outros países as decisões são proferidas por julgadores que são
eleitos pelo povo, através da via política, tornando os de uma certa forma imparciais para
decidirem. Um exemplo citado por Guilherme de Souza Nucci (2012, p. 41), é o “dos Estados
Unidos, pois no país o júri é, de fato, uma garantia material individual, porque muitos dos
magistrados são eleitos pelo povo, o que os torna imparciais, sendo necessário, portanto, a
invocação de um tribunal imparcial para o julgamento dos delitos, ou seja, o tribunal do júri”.
Em nosso país, tendo em vista que a maioria dos julgamentos são proferidos
por juízes togados, concursados, não há que se falar em parcialidade pois não há qualquer
influencia política (NUCCI, 2012)
Dessa forma, nos dizeres de Guilherme de Souza Nucci (2012, p. 41), “o
tribunal do júri, conforme previsão constitucional, é uma garantia ao devido processo legal
para o julgamento dos autores de crimes dolos contra a vida, além dos demais delitos conexos,
na forma da lei”
Portanto o júri, é único e tão somente uma garantia formal de que, como regra,
o autor de crimes dolosos contra a vida será julgado pela instituição (NUCCI, 2012).
2.3.2 O júri como direito humano fundamental
O tribunal do júri, formalmente, pode ser considerado um direito humano
fundamental, pois confere participação popular em determinados julgamentos que são
proferidos pelo Poder Judiciário, ou seja, é a única instituição a funcionar com regularidade,
permitindo que o cidadão tome parte nos assuntos de um dos Poderes da República (NUCCI,
2012).
No Brasil, conforme assevera Guilheme de Souza Nucci (2012, p. 42), “os
juízes não são eleitos pelo povo. A legitimidade de sua atuação advém do fiel cumprimento da
lei. Esta, sim, votada por representantes populares, e sancionada pelo Presidente da República,
igualmente, eleito pelo povo”.
A Constituição Federal, ao estabelecer como clausula pétrea que haverá júri em
nosso país, insere o cidadão no contexto do Poder Judiciário, pois proporciona a pessoa
comum o status de magistrado, julgando os seus pares e desencadeando as mais diversas
reações da sociedade (NUCCI, 2012).
O jurado vota pela absolvição ou pelas condenação do réu, o que lhe da poder, mas
também uma grande responsabilidade. Essa atribuição provoca no cidadão o sentimento de
civismo, extremamente interessante nas nações que se intitulam democráticas (NUCCI, 2012).
18
Não é, portanto, um direito individual fundamental material, pois sem o
Tribunal do Júri, pode-se assegurar a participação popular em todos os Poderes da República
embora de outras maneiras (NUCCI, 2012).
Portanto, a instituição do júri é um direito e garantia humana fundamental
formal, merecendo respeito, especialmente no que tange aos princípios elencados nas alíneas
do artigo 5º, XXXVIII da Constituição Federal de 1988. O seu caráter formal não elimina a
situação jurídica de figurar no rol dos direitos e garantias individuais do referido artigo 5º,
pois o poder Constituinte Originário ali o inseriu. (NUCCI, 2012)
19
3 LEGISLAÇÃO COMPARADA
3.1 Considerações iniciais
O tribunal do júri se espalhou pelo mundo como uma febre, por representar um
símbolo da democracia e liberdade pública, atingindo seu apogeu com a edição da Carta
Magna Inglesa de 1215.
No entanto, com o passar do tempo em grande parte do mundo a instituição foi
caindo em desprestígio como bem assevera Guilherme de Souza Nucci, “ [...] começou a
declinar gradativamente até tornar-se de aplicação minoritária tanto na Europa, quanto nos
demais continentes”. (NUCCI, 2012, p. 47)
A instituição se manteve nos moldes em que foi criada nos países que adotam o
sistema common law, como o Reino Unido, Estados Unidos dentre outros, com o julgamento
do individuo diretamente pelos seus pares, sem a participação direta do juiz togado. (NUCCI,
2012)
Os países como Portugal, Espanha, Grécia não possuem autenticamente o tribunal do
júri, apesar de haver a sua previsão em seu ordenamento jurídico. (NUCCI, 2012)
Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci, “ [...] o único país, que parece ser uma
exceção mundial, é o Brasil, cujo sistema insere-se no contexto do direito codificado, mas
possui um júri nos moldes britânicos”. (NUCCI, 2012, p.48)
3.2 Inglaterra
De acordo com Guilherme de Souza Nucci (2012, p. 49), “na Inglaterra, o júri ainda
é a figura central da justiça, porque sempre foi o sustentáculo da liberdade e dos direitos
individuais, embora, efetivamente, o seu uso atual restrinja-se a 3% de todos os julgamentos
criminais.
No ano de 1967, o rol dos delitos de competência do tribunal do júri começou a se
reduzir, pois não se era mais exigido unanimidade nas decisões emanadas pelo corpo de
jurados, conforme tratado por Nucci;
A diminuição gradual, teve início em 1967, quando o veredicto unânime para a
condenação deixou de ser exigido e, através de uma lei de 1977, várias infrações
penais foram reclassificadas, de modo a impedir que os acusados exigissem, para
seus casos, o julgamento pelo júri. Restaram, como delitos que levam
necessariamente ao tribunal popular, o homicídio (doloso e culposo) e o estupro. De outra parte, há infrações leves que não podem ir a júri, tal como delitos de transito
ou embriaguez em público. Além do homicídio e do estupro, existem outros delitos
20
que podem ser julgados pelo Tribunal do Júri, conforme a gravidade que
apresentem. Cabe ao juiz togado decidir se envia ou não o processo aos jurados.
(NUCCI, 2012, p. 49)
A explicação dada para edição da lei de 1977 que culminou nesta redução da
competência se deu sob o argumento de que “[...] o julgamento pelo júri leva tempo e custa
três vezes mais aos cofres públicos em comparação aos procedimentos conduzidos por
magistrados togados, prejudicando a administração da justiça”. (NUCCI, 2012, p. 49)
O Júri britânico é composto por cidadãos que residam no país há pelo menos cinco
anos e que estejam com idade entre 18 e 70 anos. (NUCCI, 2012)
Os debates e votações são feitos em salas secretas e os membros do conselho de
sentença são expressamente proibidos de se pronunciarem sobre o ocorrido na sala secreta.
(NUCCI, 2012)
De acordo com Guilherme de Souza Nucci (2014, p. 50), os “recursos contra a
decisão do júri são possíveis, embora a doutrina reconheça que sejam muito raros os que tem
provimento. Pois [...] sendo o veredicto do júri imotivado, desconhecem-se as razoes que
levaram os jurados a decidir daquela forma.
Portanto, a essência que foi exprimida pela criação da instituição com ideais de
liberdade, garantia dos direitos individuais e soberania popular, caracterizada pelo julgamento
por seus pares, ainda que mínima é mantida.
3.3 Estados Unidos
Guilherme de Souza Nucci (2012, p. 56), menciona que de acordo com o “ artigo 3º,
Seção II, item 3, da Constituição americana: o julgamento de todos os crimes, exceto em caso
de crimes de responsabilidade, será feito por júri e esse julgamento realizar-se á no Estado em
que os crimes tiverem sido cometidos.”
Não há no ordenamento jurídico americano previsão legal de como a instituição será
constituída, portanto de acordo com Nucci (2012), a sua constituição e norteada por decisões
jurisprudência e se compõe da seguinte forma, conforme infere-se a seguir;
Em 1930, no caso Patton v. U.S.,281, U.S., 276, 288, o magistrado Sutherland,
baseando-se no sistema inglês, disse que o direito ao júri queria dizer um júri
formado por 12 jurados, com um julgamento presidido por um juiz togado, com
poder de direção, a fim de informar os juízes leigos sobre a lei e os fatos em
discussão, bem como que a decisão deveria sem sempre unânime. Nessa mesma direção, estabeleceu-se que o júri é um privilégio do acusado, do qual ele pode abrir
mão. Até hoje, esse é o significado do direito ao julgamento pelo Tribunal do Júri
21
nas cortes federais, embora tais preceitos tenham sido amenizados nas estaduais.
(NUCCI, 2012, p. 56)
A 5ª emenda da Constituição Americana, trata sobre a instituição do júri nos temos
seguintes;
A 5ª emenda prevê o direito do réu a ter a acusação contra ele formulada em crimes
graves, especialmente aqueles punidos com penas de morte, julgada admissível pelo grande júri. Assim, nos moldes do judicium accusationis do direito brasileiro, o
juízo de pronuncia e feito perante o grand jury. Na jurisdição federal, é obrigatória a
existência do grande júri para todos os delitos considerados graves, embora em nível
estadual sua utilização não seja indispensável. (NUCCI, 2012, p. 56)
A 6ª emenda Constitucional Americana atribui ao júri a competência para julgamento
dos processos criminais, conforme citado na obra de Guilherme de Souza Nucci (2012, p. 56),
que prevê que “em todos os processos criminais, o acusado tem direito a ser julagado por um
júri imparcial do local onde o crime foi cometido”
Na 7ª emenda há a regulação de matéria civil, nos termos em que se segue; “nenhum
caso julgado por um júri popular poderá ser revisto por qualquer tribunal dos Estados Unidos
senão em conformidade com as regras do direito comum”. (NUCCI, 2012, p. 57)
A composição do conselho de sentença no âmbito federal é de 12 jurados, já no
âmbito estadual tem-se admitido a diminuição deste número, mas não inferior a seis jurados.
(NUCCI, 2012)
A decisão do conselho de sentença na esfera federal há que ser unânime, mas no
âmbito dos estados há a possibilidade da decisão por maioria, desde que o delito não seja
infrações penais de natureza grave e que possam ser punidas com pena de morte. (NUCCI,
2012)
Na sistemática adotada pelo Estado Americano, Guilherme de Souza Nucci explana
o seguinte;
[...] em cortes federais é permitido ao réu abrir mão de seu direito ao julgamento
pelo júri, incluindo casos puníveis com a pena capital, desde que esteja devidamente
aconselhado por um advogado e o faça conscientemente, além de ser necessário
contar com a concordância do promotor e do juiz. Em cortes estaduais, o mesmo
ocorre, embora com diferentes limitações: alguns Estados não permitem afastar o julgamento pelo júri em casos puníveis com pena de morte; outros, nos casos de
crimes graves etc. [...] os Estados Unidos possuem um sistema de administração de
justiça bem diferente da Europa Continental, de onde o Brasil herdou maior parte de
seus institutos jurídicos. [...] o acusado pode evitar o julgamento pelo júri, inclusive
admitindo diretamente sua culpa, caos em que pode ser imediatamente sentenciado.
Além disso, um dos princípios básicos do direito processual americano é a
“participação dos leigos”, donde se vislumbra a importância que possui o Tribunal
do Júri, mas permitindo inclusive, que o juiz togado, nomeado ou eleito, conforme o
caso, possa não ser bacharel em Direito. (NUCCI, 2012, p. 58)
22
Bruno Guerra de Azevedo, em se tratando da competência para julgamento de causas
cíveis e penais, em seu artigo disserta da seguinte forma;
Alguns críticos poderiam, afirmar que o processo de deliberações do júri,
aparentemente é lento e isso provocaria um prejuízo a celeridade processual, todavia
o tempo médio que os jurados levam para deliberar sobre as lides criminais e cíveis
nos EUA e de apenas quatro dias [...], tempo esse que, ao nosso ver, não ofende o principio da celeridade. (AZEVEDO, s.a., p. 14 e 15)
O simples fato de se adotar o júri para o julgamento de causas cíveis e penais, no
Estado Americano, não implica necessariamente a morosidade do sistema judiciário, pois,
“[...] tais deliberações auxiliam na construção de um sistema jurídico mais participativo e que
cada vez mais chegue perto do ideal da construção de uma justiça substancial”. (AZEVEDO,
s.a., p.15)
Guilherme de Souza Nucci (2012, p. 58) por fim esclarece que “ apesar da nítida
garantia, o júri americano não tem a mesma força que o tribunal popular auferiu na
Constituição brasileira, pois o réu tem possibilidade de refutar esse direito, enquanto que, em
nosso caso, a regra constitucional é irrenunciável”.
3.4 Portugal
Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci, a forma prevista do tribunal do júri na
Constituição portuguesa difere das demais existentes, conforme a seguir;
O Tribunal do Júri em Portugal, está previsto na Constituição , no artigo 210, nos
seguintes termos: “1. O júri e composto pelos juízes do tribunal colectivo e por
jurados e intervém no julgamento dos crimes graves, com exceção dos de
terrorismo, quando a acusação ou a defesa o requeiram”. Foi situado no Capítulo I
(Princípios Gerais) do Titulo V (Tribunais), de forma que não compõe o universo
dos direitos e garantias fundamentais do homem (Titulo II). (NUCCI, 2012, p. 59)
A competência da instituição do júri na Código de Processo Penal Português se
estabelece no artigo 13º, conforme infere Nucci;
[...] 1.Compete ao Tribunal do Júri julgar os processos que, tendo a intervenção do
júri sido requerida pelo Ministério Público, pelo assistente ou pelo argüido,
respeitarem a crimes previstos no Titulo III e no Capítulo I do Titulo V, do Livro II
do Código Penal. 2. Compete ainda ao tribunal do júri julgar os processos que, não
devendo ser julgados pelo tribunal singular, e tendo a intervenção do júri sido
requerida pelo Ministério Público, pelo assistente ou pelo argüido, respeitarem a
crimes cuja pena máxima, abstratamente aplicável, for superior a oito anos de prisão.
3. O requerimento do Ministério Público e o do assistente devem ter lugar no prazo
para dedução da acusação, e o do argüido no prazo de cinco dias a contar da
23
notificação da acusação, ou da pronuncia, se a ela houver lugar. 4. O requerimento
de intervenção do júri é irretractável. (NUCCI, 2012, p. 59)
O conselho de sentença no sistema de júri português e estabelecido da seguinte
forma; é composto por três juízes e quatro jurados efetivos (há quatro suplentes), sob a
presidência de um dos magistrados togados. (NUCCI, 2012)
A decisão do conselho de sentença e proferido pela maioria dos votos, em sala
secreta e sem sigilo das votações. A sistemática adotada e totalmente diferente da adotada no
Brasil, os juízes togados e leigos debatem entre si e expõe as razoes pelas quais chegaram ao
seu voto, até o momento de votação. Há a discussão de matéria de fato e de direito. (NUCCI,
2012)
Portanto, conforme assevera Guilherme de Souza Nucci (2012, p. 60) “ [...] não há
tribunal do Júri em Portugal, pois a forma adotada configura, em verdade, um escabinato,
onde juízes togados e leigos se reúnem para decidirem uma causa, e não um tribunal popular,
como no Reino Unido, EUA e mesmo no Brasil, onde os jurados leigos decidem sozinhos”.
24
4 DEMOCRACIA E O JÚRI
4.1 O exercício da função no júri como prerrogativa da cidadania
Mauro Viveiros em sua obra intitulada Tribunal do Júri na ordem constitucional
brasileira: um órgão da cidadania, proclama que;
Os cidadãos comuns são investidos do poder de julgar num órgão institucionalizado
pelo Estado como conseqüência da própria cidadania, uma prerrogativa inerente à
soberania popular; o Estado não apenas reconhece e institucionaliza o Júri,
aparelhando-o funcionalmente, como também o garante para o povo no nível constitucional com a clausula da proibição de sua abolição (art. 5º, XXXVIII, c/c art.
60, § 4º, IV, da CF). (VIVEIROS, 2003, p. 77)
Na mesma linha de raciocínio também aduz que;
[...] a idéia central da participação popular no Júri é exatamente esta: que o jurado
decida enquanto cidadão comum; que os fatos sejam apreciados sob a ótica de um
homem “igual” ao acusado, com base em conhecimentos empíricos, valores e
sentimentos provenientes da sua experiência de vida que se poderia chamar de um
direito das ruas; é dizer, um olhar mais humano e menos técnico dogmático, sobre os
outros homens, vitimas e acusados. (VIVEIROS, 2003, p. 76)
Portanto para investir-se na condição de jurado, o individuo tem que preencher os
requisitos estabelecidos na lei tais como, ser brasileiro nato ou naturalizado maior de 18 anos,
não ter sido processado criminalmente, ter boa conduta moral e social e estar em pleno gozo
dos direitos políticos (ser eleitor).
25
5 POSSIBILIDADE DA AMPLIAÇÃO DA COMPETENCIA DO JÚRI.
5.1 Sob a perspectiva constitucional de acordo com o artigo 5º, XXXVIII, d,
Constituição Federal de 1988.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, XXXVIII, d, previu a competência
do tribunal do júri para o julgamento dos crimes dolosos contra vida, conforme se segue;
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,
assegurados:
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida; (BRASIL,
1988)
A previsão constitucional para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, não
restringe a competência da instituição somente para os crimes que atentem contra o bem
jurídico vida, conforme pontua Nucci;
Note-se que o texto constitucional menciona ser assegurada a competência para os
delitos dolosos contra a vida e não somente para eles. O intuito do constituinte foi bastante claro, visto que, sem a fixação de competência mínima e deixando-se a lei
ordinária a tarefa de estabelecê-la, seria bem provável que a instituição, na prática,
desaparecesse do Brasil. Foi o que houve em outros países ao não cuidarem de fixar,
na Constituição, a competência do tribunal popular [...]. (NUCCI, 2012, p. 36 e 37)
Trata-se de clausula pétrea, uma vez que encontra-se inserida no rol dos direitos e
garantias fundamentais, não podendo ser suprimida pelo poder constituinte reformador bem
como pelo derivado. Conforme assegurado no artigo 60, § 4º, IV da Constituição Federal de
1988;
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
IV - os direitos e garantias individuais. (BRASIL, 1988)
A instituição não sofre sequer um abalo com a ampliação de sua competência, pois o
status de clasula pétrea assegurado a ela é tão somente para impedir o esvaziamento de tal
preceito. (NUCCI, 2012)
O autor Mauro Viveiros compartilha o mesmo entendimento de Guilherme de Souza
Nucci, vejamos;
26
Quanto á competência, e consenso talvez unânime na doutrina o entendimento de
que a Constituição Federal de 1988, ao reconhecer a instituição do júri, com a
organização que lhe der a lei, assegurados [...], a competência para o julgamento dos
crimes dolosos contra a vida, não limitou a possibilidade de ampliação dessa
competência para o julgamento de outros crimes que o legislador ordinário entenda
que devam ser apreciados diretamente pela sociedade. (VIVEIROS, 2003, p. 237)
O mesmo autor (2003) explana que o texto constitucional é um patamar mínimo de
direitos e que a previsão da competência para o julgamento de crimes dolosos contra a vida
não limita a competência material da instituição, conforme se segue;
Efetivamente, seguindo o princípio geral de direito constitucional de que a
constituição é um patamar mínimo de direitos, o constituinte não pretendeu limitar a competência material do júri, deixando em aberto essa possibilidade. Em
conseqüência, o legislador infraconstitucional, manifestando o poder constituinte
derivado, pode livremente ampliá-la para infrações diversas dos crimes dolosos
contra a vida, mas não restringi-la. É dizer que, em relação aos crimes dolos contra a
vida, esta interditada a competência legislativa já assegurada pelo poder constituinte
originário. (VIVEIROS, 2003, p. 237)
Nossa corte maior, o Supremo Tribunal Federal, compartilha o mesmo entendimento
de ser a competência do tribunal do júri um patamar mínimo de direitos, podendo ser
ampliado, conforme julgado que se segue;
[...] I – A competência do Tribunal do Júri, fixada no art. 5º, XXXVIII, d, da CF,
quanto ao julgamento de crimes dolosos contra a vida é passível de ampliação pelo
legislador ordinário. [...] (STF – HC: 101542 SP , Relator: Min. RICARDO
LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 04/05/2010, Primeira Turma, Data de
Publicação: Dje-096 DIVULG 27-05-2010 PUBLIC 28-05-2010 EMENT VOL-
02403-04 PP-01149)
O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, também entende que a
competência da instituição pode ser ampliada;
A competência do tribunal do Júri é considerada “”mínima””, pois a Constituição
Federal de 1988 apenas assegurou ao Júri a competência para julgamento dos delitos
dolosos contra a vida, não havendo proibição da ampliação do rol dos crimes que
serão apreciados por este Tribunal por via de norma infraconstitucional. Só se
licencia cassação do veredicto popular quando ele é escandaloso, arbitrário e sem qualquer sintonia com as provas dos autos. Pode o Tribunal do Júri, no uso da
soberania que lhe outorgou a Constituição Federal, optar por uma dentre as teses
apresentadas em Plenário, desde que plausível em face do contexto probatório.
(TJMG - Apelação Criminal 1.0024.08.229147-7/002, Relator(a): Des.(a) Paulo
Cézar Dias , 3ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 05/07/2011, publicação da
súmula em 31/08/2011)
27
Bruno Guerra de Azevedo (s. a., p. 10), aduz que “o tribunal do júri aparece como
instituição externalizadora da supremacia da vontade popular [...], garantidora da liberdade de
expressão e manifestação da vontade e da igualdade, visto que um Tribunal do Júri não há
nivelamento entre a vontade dos jurados”.
Portanto, nas palavras do mesmo autor (s. a., p. 10), “ao se ampliar a competência do
tribunal popular para causas não penais, fica evidente que a participação popular no processo
de construção de soluções conflitais iria ser maior, possibilitando assim que fosse construída
uma democracia mais participativa no Estado Democrático de Direito da República
Federativa do Brasil”.
5.2 Algumas causas que poderiam ser avaliadas pelo Tribunal do Júri.
Conforme anteriormente exposto, destacando-se a importância de se ampliar a
competência da instituição do júri, os benefícios que tal ampliação traria e o fato de o mesmo
ter nascido no país com a competência de causas não somente penais, há que se defender a
sua ampliação a demais causas de maior interesse que não estejam restritas ao cunho penal.
(AZEVEDO, s. a.)
Guilherme de Souza Nucci, em sua obra também compartilha este entendimento,
conforme transcrição a seguir; “há, no entanto, crimes mais interessantes para o júri, como por
exemplo, os que afetam os interesses difusos e coletivos (ex.: crimes ambientais ou contras as
relações de consumo)”. (NUCCI, 2012, p. 38)
Desta forma, o júri popular é uma instituição preparada e adequada para analizar
outras causas não restritas a matéria penal. (AZEVEDO, s. a.)
Plínio Lacerda Martins, citado por Bruno Guerra de Azevedo (s. a., p. 15), expõe que
“as relações de consumo permeiam a vida do mundo moderno e expõe os homens a varias
situações que podem gerar prejuízos ao rol de direitos da parte mais fraca”.
Então, conforme palavras de Bruno Guerra de Azevedo (s. a., p. 16) “o júri por ser
uma instituição formada por membros da própria sociedade, poderia avaliar, sob a
fiscalização de um magistrado, tal abuso, chegando a uma conclusão mais social, isto é com
uma solução mais participativa e advinda da própria sociedade”.
Outro instituto que poderia ser matéria de análise pela instituição, seriam as causas
que envolvessem crimes ambientais. (AZEVEDO, s. a.)
Darcísio Corrêa citado por Bruno Guerra de Azevedo, expõe os seguintes termos;
28
[...] que os direitos ambientais, são de uma categoria diferente, onde uma
coletividade toda possui uma parcela de um todo, isto é, cada ser vivente da
humanidade possui direito a ter um meio ambiente habitável. Por essa via, deixar
que uma única pessoa, o magistrado, decida sozinho sobre um direito de tal
magnitude coletiva, seria o mesmo de que afastar a sociedade dessa discussão, o
que, a nosso ver, seria lago negativo. (AZEVEDO, s. a., p. 16)
Portanto, a instituição do júri conforme assevera Bruno Guerra de Azevedo (s. a., p.
17), “ [...] mais do que decidir sobre um caso, ela provoca um contraste de idéias entre os
jurados [...], pois quanto maior forem as áreas de atuação dos tribunais populares, maior será a
participatividade da população na construção do Direito.
29
6 CONCLUSÃO
O presente trabalho buscou explanar da melhor forma possível, ao alcance do
discente, de que a competência da Instituição do Júri deve ser ampliada, não deve ficar
reduzida somente aos crimes dolos contra a vida.
A instituição deve possibilitar uma maior participação do cidadão em decisões em
que há grande interesse de toda a sociedade, não somente em matérias de cunho penal mas
também em matérias de cunho civilista tais como; crimes ambientais, consumeristas e etc.
Portanto, a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, XXXVIII, d, não veda a
ampliação da competência do tribunal do júri a causas não penais, pois conforme os mais
diversos entendimentos existentes o verbo assegurar constante no aludido artigo, não limita a
expansão de sua competência, apenas assegura uma competência mínima a qual não pode ser
suprimida.
30
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Bruno Guerra. A necessidade de se ampliar a competência do tribunal
popular do júri na República Federativa do Brasil. Vitória, s.d.. Disponível em:
<http://www.amatra17.org.br/arquivos/4f19ca8e029c5.pdf>. Acesso em: 08 out.2014.
BRASIL, Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brasil. Rio de Janeiro,
25 de marco de 1824. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm>. Acesso em: 01 de
dez. de 2014.
BRASIL, Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.
Rio de Janeiro, 24 fev. 1891. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao91.htm>. Acesso em: 01 dez.
2014.
BRASIL, Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro,
18 de set. 1946. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao46.htm>. Acesso em: 01 de
dez. 2014.
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,
05 out. 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso
em: 01 dez. 2014.
BRASIL, Ministério do Reino e dos Negócios Estrangeiros do Império do Brasil . Portaria n.
08. Rio de Janeiro, 19 jan. 1822. Disponível para acesso em:
<http://www.obrabonifacio.com.br/colecao/obra/961/digitalizacao/pagina/1>. Acesso em: 24
out. 2014.
HAGEMANN, Adriana Gualberto. A história do tribunal do júri no mundo e sua evolução
no Brasil ao longo das constituições. Santa Catarina, 23 set. 2011 Disponível para acesso
em:<http://www.oab-sc.org.br/artigos/historia-do-tribunal-juri-no-mundo-e-sua-evolucao-
brasil-ao-longo-das-constituicoes/383 >. Acesso em: 24 out. 2014.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
1592 p.
NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria (Coords.). Constituição Federal
comentada e Legislação Constitucional. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2014. 2061p.
NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do júri. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais: 2012. 558 p.