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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CCSA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL -
PPGSS/UFRN
VIVIANE ALLINE GREGORIO AZEVEDO
TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA: UMA
RELAÇÃO INVERSAMENTE PROPORCIONAL
NATAL/RN
2011
VIVIANE ALLINE GREGORIO AZEVEDO
TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA: UMA RELAÇÃO
INVERSAMENTE PROPORCIONAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Serviço Social. Área de Concentração: Serviço Social, Formação Profissional, Trabalho e Proteção Social. Linha de Pesquisa: Serviço Social, Trabalho, Proteção Social e Cidadania.
Orientadora: Dra. Denise Câmara de
Carvalho
NATAL/RN 2011
A994t AZEVEDO, Viviane Alline Gregorio
Trabalho e saúde na sociedade capitalista: uma relação inversamente proporcional/Viviane Alline Gregorio. – Natal, 2011.
143 p.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, 2011. Orientador: Dra. Denise Câmara de Carvalho.
1. Saúde do trabalhador. 2. Serviço Social. 3. Processo de
Trabalho. I. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. II.
Título.
CDU 36
AGRADECIMENTOS
Existem pessoas em nossas vidas que nos deixam felizes pelo simples fato
de terem cruzado o nosso caminho. Algumas percorrem ao nosso lado, vendo
muitas luas passarem, mas outras apenas vemos entre um passo e outro. A todas
elas chamamos de amigo. Há muitos tipos de amigos. Talvez cada folha de uma
árvore caracterize um deles. Os primeiros que nascem do broto são o amigo pai e a
amiga mãe, aos meus Mércia e Ivanildo e respectivos cônjuges (Jonas e Rosineide),
meus irmãos, minha eterna gratidão por me fazerem tão feliz e orgulhosa, pelo amor
e por me mostrarem o que é ter vida.
Depois vem o amigo irmão, com quem dividimos o nosso espaço para que
ele floresça como nós, por isso agradeço aos amigos especiais, pois tê-los sempre
ao meu lado foi um grande presente. O destino ainda nos apresenta outros amigos,
os quais não sabiam que iam cruzar o nosso caminho. Muitos desses são
designados amigos do peito, do coração. São verdadeiros e sabem quando não
estamos bem, sabem o que nos faz feliz..., aos colegas de escola, de graduação, de
mestrado, e de trabalho, a estes meu muito obrigada.
Mas também há aqueles amigos por um tempo, talvez umas férias ou
mesmo um dia ou uma hora. Esses costumam colocar muitos sorrisos na face,
durante o tempo que estamos por perto, a todos aqueles, folhas de outono, que
cruzaram meu caminho, meu obrigado por me fazerem entender o valor da vida.
Falando em perto, não posso me esquecer dos amigos distantes, que ficam
nas pontas dos galhos, mas que quando o vento sopra, aparecem novamente entre
uma folha e outra, mesmo quando caídas – mais distantes – continuam alimentando
nossas raízes com alegria, a esses meus agradecimentos pela eterna disposição de
me acolherem com amor e carinho.
O tempo passa, o verão se vai, o outono se aproxima, e perdemos algumas
de nossas folhas. Algumas nascem num outro verão e outras permanecem por
muitas estações, por isso agradeço ao meu amor Marcelo, minha nova primavera,
uma criatura linda que Deus colocou em meu caminho, que faz parte da minha vida,
simplesmente porque divide comigo todos os momentos, alegrias, tristezas, ganhos
e perdas.
Aos mestres, que oportunizaram sonhos e semearam o solo para grandes
realizações, meu muito obrigada, e eterno carinho e afeição para a amiga e
professora Denise.
Meu eterno obrigada à Deus, por sua presença grandiosa e constante na
minha vida, pela guia nas minhas escolhas e pelo conforto nas horas difíceis.
Todas as bênçãos àqueles que sempre deixaram um pouco de si e levam
um pouco de mim durante esse caminho. Um muito obrigada a todas as folhas de
minha árvore... Hoje e sempre!
Viviane Alline Gregorio Azevedo
Daquilo que eu sei Nem tudo me deu clareza
Nem tudo foi permitido Nem tudo me deu certeza
Daquilo que eu sei Nem tudo foi proibido
Nem tudo me foi possível Nem tudo foi concebido
Não fechei os olhos Não tapei os ouvidos
Cheirei, toquei, provei Ah eu! Usei todos os sentidos
Só não lavei as mãos E é por isso que eu me sinto
Cada vez mais limpo! (Ivan Lins)
RESUMO
Trata-se de uma dissertação de mestrado que tem como Área de
Concentração: Serviço Social, Formação Profissional, Trabalho e Proteção Social.
Linha de Pesquisa: Serviço Social, Trabalho, Proteção Social e Cidadania. Traz uma
abordagem da saúde e a segurança do trabalhador, enfocadas a partir da
organização do trabalho em seus processos de exploração do trabalhador,
analisadas a partir da perspectiva crítica e de totalidade. Tem como objetivo central
desvelar de que modo a organização do trabalho repercute na saúde de seus
trabalhadores, considerando o processo de trabalho, no modo de produção
capitalista, na relação saúde-doença. Apresenta a saúde do trabalhador como
determinada pelo processo de trabalho, enfatizando, nos moldes do capitalismo, as
suas consequências para o bem-estar físico, mental e social dos trabalhadores. Para
tanto, realiza-se uma pesquisa documental e bibliográfica, cujo eixo de análise se
fundamenta na perspectiva da centralidade do trabalho, recuperando o seu sentido
ontológico em Marx, através do qual se discutem as metamorfoses no mundo do
trabalho, elencadas com base no contexto da reestruturação produtiva do capital,
que se verifica ao longo do estágio imperialista do modo de produção capitalista.
Problematiza-se, ainda, a saúde do trabalhador, analisada a partir do conceito
ampliado de saúde, como campo da saúde pública, considerando o processo de
trabalho na relação saúde-doença. Por fim, são levantadas pesquisas
desenvolvidas, entre 2006 e 2010, pelos Programas de Pós-Graduação da UFRN,
que tratam do elenco de questões estudadas nesta dissertação. As produções
científicas são problematizadas como forma de revelar as tendências teóricas
(críticas ou conservadoras) que ensejam a área temática.
Palavras-chave: Trabalho. Modo de produção capitalista. Saúde do trabalhador.
Produção científica. Universidade Federal do Rio Grande do
Norte.
ABSTRACT
It is a dissertation which has the Area of Concentration: Social Services,
Vocational Training, Labour and Social Protection. Research Line: Social Services,
Labor, Social Protection and Citizenship. Brings an approach to health and worker
safety, approached on the organization of work in their processes of worker
exploitation, analyzed from the critical perspective and all. Its central objective of
uncovering how the organization of work affects the health of their workers,
considering the working process in the capitalist mode of production, the health-
disease relationship. Displays the worker, as determined by the work process,
emphasizing, along the lines of capitalism, the consequences for the physical well-
being, mental and social workers. To this end, we make a documentary and
bibliographic research, whose point of analysis is based on the perspective of the
centrality of work, recovering their sense of ontological Marx, through which the
transformations are discussed in the working world, listed based on context
productive restructuring of capital, which occurs along the imperialist stage of
capitalist mode of production. It is problematized, though, worker health, analyzed
from the wider definition of health as a field of public health, considering the work
process in health-disease relationship. Finally, the research developed raised
between 2006 and 2010, the Graduate Programs UFRN that address the range of
issues studied in this dissertation. The scientific outputs are problematized as a way
to reveal the theoretical trends (critical or conservative) which facilitate the thematic
area.
Keywords: Labor. Capitalist mode of production. Occupational health. Scientific
production. Federal University of Rio Grande do Norte.
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01 - Acidentes e Doenças do Trabalho em 2006 ................................ ........85
Gráfico 02 – Total de Teses/Dissertações Consultadas (2006-2010).....................105
Gráfico 03 – Trabalhos Analisados.........................................................................106
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 – Óbitos por Acidente do Trabalho ................................................ ........88
Quadro 02 – Número de Acidentes e Doenças do Trabalho no Brasil: Média por
Décadas, de 1970 a 2008..........................................................................................88
Quadro 03 - Demonstrativo resumido das estatísticas acidentárias do ano de
2009............................................................................................................................90
Quadro 04 - Classificação das Produções científicas na UFRN...............................99
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
C.A - Certificação de Aprovação
CAT – Comunicação de Acidente de Trabalho
CEREST – Centro de Referência em Saúde do Trabalhador
CIPA - Comissão Interna de Prevenção de Acidentes
CF - Constituição Federal
CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas
CNAE - Classificação Nacional de Atividades Econômicas
DRT - Delegacia Regional do Trabalho
D.U.O – Diário Oficial da União
EPI – Equipamento de Proteção Individual
ETE – Estação de Tratamento de Efluentes
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FUNDACENTRO - Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do
Trabalho
GM - Grupo Ministerial
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBUTG - Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo
INSS - Instituto Nacional do Seguro Social
INPS - Instituto Nacional de Previdência Social
LER/DORT-Lesão por Esforço Repetitivo/Distúrbios Osteomusculares Relacionados
ao Trabalho
LOS - Lei Orgânica da Saúde
LTCAT - Laudo Técnico de Condições do Ambiente de Trabalho
MS - Ministério da Saúde
MTE – Ministério do Trabalho e Emprego
NR – Norma Regulamentadora
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OMS - Organização Mundial de Saúde
PAIR - Perda Auditiva Induzida por Ruído
PIB – Produto Interno Bruto
PNSST – Política Nacional de Saúde e Segurança do Trabalhador
PNST - Política Nacional de Saúde do Trabalhador
PPRA - Programa de Prevenção de Riscos Ambientais
PQT – Programa de Qualidade Total
RENAST - Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador
RN – Rio Grande do Norte
S/A - Sociedade Anônima
SEESMT - Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do
Trabalho
SESMT - Serviços Especializados de Segurança e Medicina do Trabalho
SGQ – Sistema de Gestão de Qualidade
SGSST - Sistema de Gestão da Segurança e Saúde no Trabalho
SINAN - Sistema de Informação de Agravos de Notificação
SST - Segurança e Saúde no Trabalho
SUS – Sistema Único de Saúde
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................14
2 TRABALHO E SUAS FORMAS CONCRETAS NO MODO DE PRODUÇÃO
CAPITALISTA............................................................................................................22
2.1 TRABALHO E SER SOCIAL................................................................................23
2.2 O TRABALHO E O TRABALHADOR NO MODO DE PRODUÇÃO
CAPITALISTA.............................................................................................................29
2.2.1 O trabalho assalariado: forma particular da exploração do trabalho no
capitalismo................................................................................................................31
2.2.2 A Grande Indústria capitalista: a combinação do taylorismo com o
fordismo....................................................................................................................35
2.2.3 O trabalho “flexível” no toyotismo................................................................43
3 O TRABALHADOR ENTRE A SAÚDE E A (IN)SEGURANÇA DO
TRABALHO...............................................................................................................52
3.1 A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO CAPITALISTA E SUAS IMPLICAÇÕES
PARA A ÁREA DA SAÚDE DO TRABALHADOR......................................................56
3.1.1 Taylorismo e a saúde do trabalhador................................................................57
3.1.2 Fordismo e a saúde do trabalhador...................................................................59
3.1.3 Toyotismo e a saúde do trabalhador.................................................................62
3.2 AS MUDANÇAS TEÓRICO-CONCEITUAIS NO CAMPO DA SAÚDE DO
TRABALHADOR.........................................................................................................67
3.3 A (IN) SEGURANÇA DO TRABALHO..................................................................75
3.4. UMA JORNADA DE ACIDENTES.......................................................................84
4 O DEBATE ACERCA DA SAÚDE DO TRABALHADOR: TENDÊNCIAS
TEÓRICAS DO CAMPO TEMÁTICO........................................................................93
4.1 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO CAMPO DA SAÚDE E SEGURANÇA
DO TRABALHO..........................................................................................................96
4.1.1 Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde..............................100
4.1.2 Programa de Pós-Graduação em Enfermagem........................................100
4.1.3 Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção....................101
4.1.4 Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais..................................102
4.1.5 Programa de Pós-Graduação em Psicologia / Psicologia
Social............102
4.1.6 Programa de Pós-Graduação em Serviço Social.....................................102
4.2 ANÁLISES DOS DADOS: ONDE ESTÁ A “CRÍTICA” DO DEBATE? ...............103
4.2.1 Área Biomédica.............................................................................................106
4.2.2 Área das Ciências Exatas.............................................................................111
4.2.3 Área das Ciências Humanas e Sociais........................................................114
4.3 O DEBATE ACERCA DA SAÚDE DO TRABALHADOR: TENDÊNCIAS
TEÓRICAS NO CAMPO TEMÁTICO.......................................................................118
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................123
REFERÊNCIAS........................................................................................................128
APÊNDICE...............................................................................................................133
ANEXO.................................................................................................................... 141
14
1. INTRODUÇÃO
Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que
somos. (Eduardo Galeano)
Um dos aspectos característicos da sociedade contemporânea, que vem
sendo expresso a partir da década de 1970, é o processo de reestruturação
produtiva do capital1 que possibilitou uma redefinição dos processos de produção e
das relações de trabalho, bem como das formas de inserção dos indivíduos no
mercado ocupacional, resultante das mudanças estruturais em andamento na
economia mundial.
Essas mutações ocorridas no mundo do trabalho nas últimas quatro décadas
trouxeram consigo o aprofundamento da exploração do trabalhador através dos
processos de flexibilização e terceirização, dentre outras formas de precarização da
força de trabalho. Junto a isso, agrava-se a precariedade das condições de saúde e
segurança nos ambientes de trabalho e o consequente comprometimento na
qualidade da vida dos sujeitos trabalhadores.
As informações divulgadas sobre a realidade acidentária refletem a
seriedade e complexidade da temática. Mesmo assim, os dados expostos refletem
em grande parte a simplória exposição de causas imediatas de referência técnico-
biológica, como uma relação de causa-efeito incipiente e linear, sem considerar as
contradições presentes no mundo do trabalho. Desse modo, não são especificados
o conjunto das expressões que desvelam as contradições da sociedade de classes,
deixando de destacar os agravos à saúde e integridade física e mental dos
trabalhadores enquanto sequelas mais visíveis da relação capital-trabalho.
No contexto da sociedade capitalista, os processos de trabalho mantêm
estreita relação com as formas de adoecimento da classe trabalhadora. Tais formas
de adoecer devem ser analisadas a partir da relação saúde/doença na totalidade do
ser social, o que nos permite tratar a questão como uma “arma silenciosa” de morte
em massa, vitimando, segundo a Organização Internacional do Trabalho - OIT,
1 O processo de Reestruturação Produtiva não é uma novidade deste período histórico, mas um processo reiterado que se apresenta como componente do ciclo econômico do capital, que será melhor exposto nos capítulos seguintes.
15
cerca de 2 milhões de trabalhadores a cada ano, devido a acidentes e doenças
associados ao trabalho, dos quais 6.000 são vítimas fatais2.
No Brasil, segundo dados do Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho
publicado em janeiro de 2008, estima-se que foram registrados em 2007, 503.890
acidentes de trabalho3, podendo esse número ser triplicado em razão das
subnotificações – situação em que os dados referentes às características do
acidente e da vítima não são repassados às entidades responsáveis – já que os
números registrados pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS dizem respeito
apenas aos trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.
Assim não contabilizados segmentos importantes do mercado de trabalho, como os
servidores públicos e o setor informal4, onde a maior parte dos acidentes e doenças
não é registrada, o que compromete a qualidade das ações prestadas, uma vez que
estas informações constituem base indispensável para a indicação, aplicação e
controle de medidas prevencionistas no âmbito das políticas públicas e das ações do
setor privado. Dessa forma, identifica-se que a realidade é ainda mais grave, graças
à escassez e à inconsistência dos dados já contabilizados pelos órgãos
responsáveis. Essa situação, apesar de dramática, ainda não contabiliza o custo
humano da perda ou da desestruturação dos laços sociais e familiares construídos a
partir do trabalho, cujas repercussões são negativas sobre a identidade, a auto-
estima, a dor e o sofrimento, já que esses valores são incalculáveis (BARRETO,
2003).
Conforme dados ministeriais, divulgados recentemente5 (2007), o país gasta
por ano R$ 88 bilhões com acidentes, doenças e mortes oriundas do trabalho. Esse
montante de recursos, que inclui o gasto no tratamento dos acidentados nos
hospitais, equivale a 4% do Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todas as
riquezas produzidas no país. As estatísticas mostram que ocorre praticamente um
acidente de trabalho por minuto. A cada hora, uma pessoa fica permanentemente
incapacitada e a cada três horas e 15 minutos um brasileiro morre enquanto
trabalha. Mas a situação certamente é pior, pois os números oficiais não retratam
plenamente o que acontece em razão das subnotificações.
2 Disponível em http://www.fundacentro.gov.br/, acesso em 06 de nov de 2008.
3 Idem.
4 Para esse grupo, assim como as demais atividades de trabalho que não são regidas pela CLT, têm seus registros através dos Sistemas de Notificação no âmbito da política de saúde, que seguem as mesmas prerrogativas de subnotificações.
5 Correio brasiliense, http://www.correioweb.com.br// acesso em 01 mai 2007. Reportagem de capa.
16
Na ótica capitalista, o investimento na saúde e segurança de seus
“colaboradores” contribuiria diretamente para o aumento da produtividade, pois as
ações de segurança e saúde dos trabalhadores são imprescindíveis, também, para a
criação de um “clima organizacional” nos moldes da racionalidade capitalista. Do
contrário, o descaso com a prevenção pode significar desmotivação dos
trabalhadores, custos diretos e indiretos com os acidentes e doenças do trabalho,
multas e processos trabalhistas, além de elevação do absenteísmo e consequente
queda de produtividade. Fatores estes que, de acordo com a lógica perversa do
capital, comprometeriam a formação de um comportamento produtivo compatível
com as atuais exigências produtivas.
Diante disso e por reconhecer o ambiente de trabalho capitalista enquanto
um espaço de exploração e alienação da classe trabalhadora constata-se que a
relação capital-trabalho assentada na extração de mais-valia, apresenta-se como
uma “máquina” destruidora da saúde e, portanto, dilaceradora da sociabilidade
humana.
Do mesmo modo, esse trabalho, intitulado “Trabalho e Saúde na sociedade
capitalista: uma relação inversamente proporcional”, propõe-se a pensar as formas
que predominam no estudo da saúde do trabalhador, buscando identificá-las nas
produções científicas voltados à temática. Para isso, parte da apreensão da
categoria trabalho em sua concepção ontológica e seu desvelamento sob o modo de
produção capitalista, desenvolvendo as formas históricas de organização do trabalho
mais especificamente em seu estágio de acumulação imperialista. Para tanto,
analisaremos, ainda, a evolução conceitual e histórica da concepção de saúde do
trabalhador, pensando o bem-estar social dos homens como estreitamente
relacionado a outras esferas da vida em sociedade, como educação, moradia, lazer,
alimentação e, principalmente, o trabalho, por meio de um conceito ampliado de
saúde.
Parte-se do pressuposto de que os processos de trabalho, quando
organizados e geridos nos moldes da sociedade capitalista geram um processo
metabólico de destruição da saúde física e mental dos trabalhadores, engendrando
uma relação antagônica entre a atividade do trabalho e as condições de saúde da
classe trabalhadora. Em que à medida que os processos de trabalho se realizam,
sob os determinantes do modo de produção capitalista, menos saúde passa a ter a
classe trabalhadora.
17
Concomitantemente, afirmar que o trabalho está na base da história é
afirmar que este é historicamente determinado, tendo, então, uma dimensão
ontológica, ou seja, ele está enraizado na existência dos homens, de tal maneira que
sem ele, nem os homens nem a história existiriam. Ele é determinante das variadas
formas dos homens existirem e se organizarem socialmente. Por isso, o trabalho
ocupa centralidade na história dos homens, determinando a vida e a organização
humana.
Desse modo, três aspectos centrais orientarão a análise do objeto da
pesquisa: a centralidade do trabalho, recuperando o seu sentido ontológico de
trabalho em Marx, através da qual serão discutidas as metamorfoses no mundo do
trabalho, engendradas no contexto da reestruturação produtiva do capital; a saúde
do trabalhador, abordada através do conceito ampliado de saúde, considerando o
processo de trabalho na relação saúde-doença; e ainda, a apreensão das formas de
pensamento que concorrem para conservar a ordem estabelecida, bem como
aquelas que se voltam contra a hegemonia do capital, a fim de desvelar as
implicações e contradições da relação trabalho-saúde na vida da classe
trabalhadora.
Será particularmente focalizada a produção científica do conhecimento,
como expressão das formas de pensamento hegemônicas, apreendidas das
concepções teóricas existentes nas produções de mestrado e doutorado
desenvolvidas nos programas selecionados para a análise: Programas de Pós-
Graduação stricto sensu da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN,
defendidos entre 2006 e 2010.
A pesquisa propôs-se a pensar as formas que predominam no estudo da
saúde do trabalhador, buscando identificá-las nas produções científicas voltadas à
temática. Para isso, partiu da apreensão da categoria trabalho em sua concepção
ontológica e seu desvelamento sob o modo de produção capitalista, desenvolvendo
as formas históricas de organização do trabalho mais especificamente em seu
estágio de acumulação imperialista, analisando, ainda, a evolução conceitual e
histórica da concepção de “saúde do trabalhador”.
A escolha do universo pesquisado, que se situa no campo das produções
científicas que envolvem a “saúde do trabalhador” procura situar, também, o papel
do intelectual nos processos de pesquisa, que não elimina a tomada de decisão
18
política, uma vez que os pesquisadores criam soluções/respostas gerais para os
problemas da humanidade.
Este panorama de conhecimento procurará, ainda, analisar as apreensões
conservadoras e superficiais da realidade de fatalidade dos acidentes e incidentes
do trabalho, entendida comumente pelo conceito prevencionista, a partir da
existência de causas básicas que possibilitam a ocorrência de acontecimentos
imediatos, classificadas como práticas e condições sub-padronizadas. As causas
imediatas frequentemente são denominadas como atos e condições inseguras. O
que nos leva a refletir que a produção do conhecimento, assim como o conjunto da
produção humana, alcança elevados níveis de aprimoramento e tecnologias, que
não superam a convivência com as formas mais degradantes de trabalho humano.
Desse modo, é nossa intenção nesse estudo apreender a maneira como o
trabalho está organizado e de que forma o seu dimensionamento poderá acarretar
agravos à saúde dos trabalhadores, considerando as características dos diferentes
estágios do capitalismo, as estruturas da organização do trabalho, e ainda, os danos
à integridade física e psicológica dos trabalhadores.
Assim, analisar esta realidade torna-se relevante para contribuir
efetivamente para estruturar as transformações necessárias na sociedade tarefa
histórica da classe trabalhadora, a partir de uma nova visão de mundo, de novas
formas sociais, econômicas e organizacionais de mobilização, a fim de superar o
paradigma mecanicista, biologizante e as práticas conservadoras.
Não será aceita como fundamentação teórica para esse estudo, qualquer
concepção que apresente os trabalhadores tratados como simples peças de uma
grande engrenagem, a máquina que move o capital, que substitui o homem tão
facilmente como as outras peças, entendidos como seus “recursos humanos”, ou
ainda “capital humano”, na expressão mais mercantilizada da força de trabalho.
A pesquisa apresenta importância acadêmica no que diz respeito à área de
saúde do trabalhador, tendo em vista contribuir para a produção científica que
destaque os aspectos sociais da temática trabalhada. No entanto, pretende-se que o
produto final resultante deste trabalho ultrapasse a esfera acadêmica e contribua,
também, para a reavaliação das atuais práticas organizacionais desenvolvidas no
“chão da fábrica”, não enquanto mais uma estratégia de manter o consentimento de
classe e subordinação, mas atuando em mais uma possibilidade de proporcionar
uma leitura crítica.
19
Vale ressaltar que, com este trabalho, não há a pretensão de esgotar todas
as determinações e aspectos que envolvem o tema aqui discutido, tendo em vista a
riqueza e complexidade da realidade social, mas potencializamos a viabilidade da
pesquisa, que se aplicará no espaço acadêmico da UFRN. Do mesmo modo, não se
coloca com a pretensão de deflagrar os estudos e pesquisas analisadas pelo
endurecimento da crítica, mas sim enriquecer o campo das discussões teóricas
sobre a saúde do trabalhador, apreciando como vem sendo discutida esta temática,
a partir das categorias de análise elencadas nesse trabalho.
Além disso, destacam-se inquietações sobre a temática aqui sugerida,
construídas e subjugadas desde o processo formativo do curso de graduação e que
geram aqui a expectativa de serem maturadas. Não há uma separação, ou um corte
entre o pesquisador e seu objeto, esta necessária tomada de posição significa
afirmar que essa análise, em sintonia com o referencial teórico assumido, possa
levar ao desvelamento do objeto de estudo, suas determinações e contradições.
Assim, esta pesquisa assume a perspectiva teórico-metodológica crítica,
com a intenção de dar direção à investigação no processo de apreensão do objeto
estudado. Em se tratando da temática da saúde do trabalhador, muitas são as
interpretações reducionistas, mecanicistas e biologizantes, portanto, não dialéticas,
sobre o trabalho e a saúde, que resultaram em sérios equívocos teóricos e políticos.
Desse modo, buscamos, com base no método marxiano de aproximações
sucessivas, analisar a organização do trabalho e a saúde dos trabalhadores, a fim
de desvelar as contradições presentes no mundo do trabalho com a intenção de
melhor apreender a dinâmica do objeto pesquisado.
A pesquisa aqui empreendida, como já mencionamos neste trabalho, tem
contemplado em seu objeto de estudo a produção cientifica no âmbito dos
Programas de Pós-Graduação da UFRN, tendo como foco de análise as abordagens
dadas à saúde e segurança dos trabalhadores. Esse traço empírico da realidade
concreta nos dá a imediaticidade que na perspectiva do método em Marx, é em si a
aparência como ponto de partida para o conhecimento da essência. O concreto é
tanto o ponto de partida quanto o ponto de chegada e vai aparecer como síntese
intelectual da análise, como síntese do processo de enriquecimento das
determinações do objeto.
A estratégia para alcançar os objetivos e apreender o objeto de estudo
passa pela pesquisa documental, com a análise das teses e dissertações
20
selecionadas; leitura e discussão de textos centrais à questão e legislações
pertinentes, e a revisão crítica de outros documentos e publicações da área, a fim de
fundamentar o tom do debate e as questões levantadas.
A pesquisa bibliográfica continuada tem a finalidade de possibilitar uma
maior aproximação com a temática, aprofundando as categorias centrais em
questão: trabalho, saúde do trabalhador, reestruturação produtiva, definindo os
objetivos do trabalho e as particularidades que caracterizam o objeto da pesquisa.
Assim, fundamentaremos nosso estudo, principalmente, nos aportes teóricos de
Marx (2006), Meszáros (2007), Harvey (2007), Netto e Braz (2010), Lessa (2007),
Antunes (2006, 2007), Mota (1998, 2008), na discussão sobre a categoria trabalho e
o modo de produção capitalista; e em autores como Minayo-Gomes (1997), Oliveira
e Vasconcelos (1992) Domingos e Pianta (2007), que trazem uma abordagem sobre
a saúde do trabalhador, além de outras referências, documentos técnicos e
legislação referente.
A aproximação com o objeto exige conjugar pesquisa documental, histórica
e analítica, voltada para apreender a dinâmica e complexidade do fenômeno aqui
trabalhado, considerando os possíveis limites da pesquisa. Desse modo, a escolha
desse objeto partiu, também, dos limites impostos, uma vez que sua proposta
originária era desenvolver uma pesquisa de campo junto ao segmento da Indústria
Têxtil de Natal/RN, mas esta realidade se apresentou inviável, em virtude das
limitações de tempo e condições objetivas da pesquisadora para uma dedicação
exclusiva às atividades do mestrado, que precisavam acontecer em simultaneidade
com as atividades profissionais, realizadas na mesma instituição, mas na área da
assistência estudantil. Esses fatos não impossibilitariam a realização da idéia inicial,
mas limitaria muito o alcance dos resultados da pesquisa, com uma proposta aquém
do tempo do mestrado e dos recursos disponíveis.
Além dessas limitações, considere-se o difícil acesso às informações no
interior das empresas, o que levou a exigir outras estratégias e técnicas de
pesquisa, que se revelaram à medida que o estudo caminhou. Mesmo assim, dada a
inviabilidade para realização das ações, pensamos ser mais prudente, e não menos
prazeroso e relevante, redirecionar a pesquisa, que se manteve no mesmo campo
de estudo.
Superados os desafios, o trabalho resultante desta pesquisa estruturou-se
da seguinte forma: na sua primeira seção, inicia-se a reflexão teórico-crítica sobre a
21
centralidade do trabalho, trazendo uma pequena incursão no mundo do trabalho a
partir de sua dimensão ontológica, com o objetivo de discutir a relação capital-
trabalho.
A segunda seção do estudo procura analisar as mudanças na organização,
no processo, nas relações de trabalho e no interior da classe trabalhadora e suas
repercussões nas condições sociais de vida, especialmente, os aspectos
relacionados saúde, tendo como referência o processo de desenvolvimento
capitalista e o percurso teórico da conceituação de saúde do trabalhador.
A terceira seção apresenta o levantamento dos trabalhos científicos na
UFRN (2006-2010), em programas de pós-graduação específicos, com o objetivo de
identificar as abordagens relacionadas à temática da saúde do trabalhador e analisar
os dados em sua totalidade, “colocando em xeque” nos trabalhos estudados –
enquanto representantes de áreas amplas do conhecimento – como se expressam
as categorias “trabalho” e “saúde do trabalhador”, a fim de desvelar os principais
referenciais teóricos adotados e a articulação dessas produções científicas com as
categorias de análise elencadas nesse estudo.
Com essa pesquisa, pretendemos contribuir com a teoria para o
desvelamento da realidade, com o intuito de trazer à tona as contradições e lutas
que se fazem presentes no silêncio ruidoso do “chão-de-fábrica”.
Assim sendo, propomos que este trabalho desperte o interesse daqueles
que se dedicam a estudar as questões ligadas aos antagonismos do mundo do
trabalho, com base em uma perspectiva crítica, e para os que lutam no sentido de
reduzir práticas que degradam o ser humano, favorecendo a garantia de ambientes
de trabalho menos desumanos, na direção do maior acesso e garantia de direitos e
afirmação da cidadania, nos limites postos pelo modo de produção capitalista. Não
há, aqui, qualquer pretensão utópica. Busca-se, tão somente, dar uma pequena
contribuição teórica para a construção de um mundo voltado para o desenvolvimento
pleno do gênero humano.
22
Um homem se humilha Se castram seu sonho Seu sonho é sua vida
E vida é trabalho... E sem o seu trabalho
O homem não tem honra E sem a sua honra
Se morre, se mata... (Gonzaguinha)
Qualquer estudo que pretenda analisar as formas mais aviltantes de
degradação do gênero humano e suas mais diversas expressões no modo de
produção capitalista, não pode deixar de considerar os elementos que lhe são
fundantes. Assim, para este trabalho, que anseia desvelar as formas de
adoecimento da classe trabalhadora, destacando a centralidade da categoria
trabalho na relação saúde-doença, iniciamos com uma aproximação à discussão
sobre o trabalho e suas formas concretas no modo de produção capitalista.
Para que se supere qualquer forma de empirismo, como nos reportamos na
Introdução, o texto está baseado em grandes estudiosos, que trazem na perspectiva
marxista – incluindo aqui o próprio Marx (2008) – os elementos necessários para
uma análise da categoria trabalho, com destaque para Gramsci (2008), Harvey
(2007), para a apreensão do trabalho e do ser social; além das ricas contribuições
de Mota (1998, 2008), Netto e Braz (2010), Lessa (2002), Antunes (2007; 2007),
dentre outros, que contribuem para o debate do trabalho sob a sociabilidade
capitalista e as marcantes transformações no mundo do trabalho.
É preciso ter claro que os conceitos em Marx – que dão base à formulação
desse estudo, assim como todos os estudos teóricos marxistas – são ontológicos, ou
seja, são encontrados na realidade, partindo de categorias que tentam explicar o
2 TRABALHO E SUAS FORMAS CONCRETAS NO MODO DE
PRODUÇÃO CAPITALISTA
23
fenômeno que existe de fato na sua concretude. Como são ontológicas, são também
dialéticas uma vez que a realidade é dialética. Neste sentido, não se pode
compreendê-las com base em pensamentos dicotômicos, precisamos visualizá-los
como unidades de contrários, que se transmutam dependendo das relações sociais
que lhe dão concretude.
2.1 TRABALHO E SER SOCIAL
Pensar o trabalho hoje não pode estar destoante de suas formas originárias,
de seu entendimento na base das relações sociais de produção e de distribuição dos
bens que satisfazem as necessidades do homem. Essa satisfação das necessidades
se obtém da transformação dos meios naturais em produtos, numa interação
metabólica homem-natureza realizada pelo trabalho, o que explica a própria
categoria trabalho. Assim temos o trabalho como a ação humana que torna possível
a criação de bens e dá valor a esses, categoria central e indispensável para a
compreensão do modo de ser dos homens e da sociedade. O trabalho é, antes de
tudo, “um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o
ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio
material com a natureza” (MARX, 2008, p. 211).
Desse modo, o trabalho se especifica pela relação sujeito-objeto, mediada
pelos meios de trabalho, que são os instrumentos necessários para proporcionar ao
homem a melhor apropriação da natureza – em suas mais variadas formas – para a
satisfação dos homens em suas necessidades individuais e coletivas. O que nos
leva a aludir que o ponto de diferenciação da relação homem-natureza é assinalado
pelo trabalho e desenvolve-se e reconfigura-se no curso da história.
Mas vale reiterar que o trabalho não é uma ação imediata ou dada na
natureza. De acordo com Marx (2008), o processo de trabalho possui elementos
próprios, que são necessários para que este assim aconteça: a atividade adequada
a um fim, a ação de trabalhar; os objetos de trabalho, enquanto matérias da
natureza em que o trabalho será aplicado; e ainda os meios de trabalho, os
instrumentos que irão mediar a relação homem-natureza, de uma forma geral, são
24
as condições materiais necessárias para se realizar os processos de trabalho. Neste
sentido, objetos e meios de trabalho formam os meios de produção.
Ainda segundo Marx (2008):
O que distingui as diferentes épocas econômicas não é o que se faz, mas como, com que meios de trabalho se faz. Os meios de trabalho servem para medir o desenvolvimento da força humana de trabalho e, além disso, indicam as condições sociais em que se realiza o trabalho (MARX, 2008, p. 214).
Esses instrumentos são também produtos do sujeito que trabalha, resultado
da objetivação do trabalho, são criados ao mesmo tempo em que criam e dão forma
a novos produtos, novos instrumentos, novas possibilidades. O conhecimento parte
da necessidade concreta, imediata e constante; da ação repetitiva de suprir àquela
necessidade específica; é o saber fazer, que gera conhecimentos, amplia
possibilidades de ação do homem e desenvolvendo novas necessidades, o que
torna o trabalho exclusivo ao homem. No fim desse processo tem-se como produto
algo que já havia sido idealmente projetado na imaginação do trabalhador, dessa
forma, o sujeito que trabalha não apenas transforma o objeto do trabalho, mas
também reproduz na sua consciência o próprio projeto do trabalho, planejando-o.
Assim, o trabalho só se realiza quando a ação idealizada, construída no
campo das ideias, se objetiva. Momento em que o homem, sujeito da ação,
transforma a matéria natural, modificando a natureza à medida que também se
modifica, implicando em alterações na sociedade, em seus sujeitos e na sua
organização. Põe os sujeitos a avaliarem as condições dadas e fazerem escolhas
entre as alternativas concretas, o que coloca para esses a necessidade de conhecer
as propriedades da natureza e reconhecer as condições objetivas em que atuará. A
prévia ideação que realiza o trabalhador é sempre uma resposta a uma dada
realidade que surge em uma situação determinada pela história humana, que
também se constrói diferencialmente ao surgimento de cada nova necessidade da
humanidade.
Por conseguinte o trabalho se qualifica, também, como uma atividade
coletiva, já que o sujeito que age está, sempre, inserido num conjunto de outros
sujeitos, pois sozinho não seria capaz de expressar o conjunto de possibilidades do
25
ser social. Isso exige a coletivização dos saberes, que se realiza através da
comunicação, do uso da linguagem como mecanismo para realização de suas
atividades sociais, emergindo aí o ser social. Desse modo, conforme Netto e Braz
(2010), é através do trabalho que a humanidade se constitui como tal, pois são
colocados aos sujeitos, a partir das suas experiências vivenciadas pelo trabalho,
possibilidades reais de generalização e universalização dos saberes que detêm. Isso
propicia a constituição de um tipo de linguagem articulada, forma através da qual o
sujeito expressa sua representação de mundo e condição para a comunicação e
aprendizado.
Nunca será demais repetir que o chamado fenômeno humano é produto de um processo histórico de larguíssimo curso e que a visibilidade do ser social, como inteiramente diverso do ser natural, é relativamente recente; cumpre mesmo afirmar que tal visibilidade só se tornou possível há pouco mais de dois séculos e meio, quando o modo de produção capitalista se consolidou como dominante no Ocidente e operou a constituição do mercado mundial, que permitiu o contato entre praticamente todos os grupos humanos (NETTO; BRAZ, 2008, p.42, grifos dos autores).
Podemos assim eludir que, enquanto elemento fundante do ser social, ou
seja, da humanidade, o trabalho é ontologicamente determinante para a
transformação substantiva da espécie humana – enquanto salto qualitativo dos
processos evolutivos na natureza – em um novo tipo de ser, inédito e mais complexo
que os outros já existentes na natureza, agora um ser social. A partir do trabalho
uma espécie natural, o homem, foi transformada em algo diferente da natureza e
mediante o trabalho os homens produziram-se a si mesmos, como resultado de sua
própria ação, produziram a própria humanidade, construíram a história (NETTO;
BRAZ, 2010).
Ainda segundo esses autores, é importante destacar que a satisfação das
necessidades não é uma prerrogativa exclusiva do gênero humano, pois é condição
de sobrevivência dos seres vivos, da natureza orgânica. No entanto, o trabalho
rompe com esse padrão de determinação natural, distinguindo-se da natureza. Isso
porque não se opera de forma imediata, mas exige instrumentos, habilidades e
conhecimentos, historicamente construídos e desenvolvidos.
Desse modo, afirmar que o trabalho está na base da história é afirmar que
este é historicamente determinado, tendo, então, uma dimensão ontológica, ou seja,
26
ele está enraizado na existência dos homens, de tal maneira que sem ele nem
homens nem história existiriam. Ele é determinante das variadas formas dos homens
existirem e se organizarem socialmente. Por isso, o trabalho ocupa centralidade na
história dos homens, determinando a vida e a organização humana. Considerado
como pressuposto da existência do gênero humano, podemos, ainda, definir o
trabalho como o meio pelo qual os homens satisfazem suas necessidades materiais
e também espaço no qual, na condição de sujeitos, se relacionam entre si e onde
são produzidas e reproduzidas as relações sociais. Nesse sentido, é a partir do
trabalho que os indivíduos se realizam enquanto seres sociais, passando a se
relacionar com os outros indivíduos num processo de sociabilidade e construção das
relações sociais.
O processo de trabalho – o próprio ato de trabalhar – caracteriza qualquer
estrutura social determinada, pois sua característica primária é a produção de
valores de uso que satisfaçam as mais diversas necessidades dos homens. Mesmo
assim, em determinados momentos históricos o trabalho passa a ser usado e
controlado em benefício de um determinado sistema de economia-social, como é o
caso do modo de produção capitalista (MARX, 2008).
Ainda assim, não podemos esquecer que toda sociedade tem sua existência
atrelada à natureza, numa dialética de transformação que é historicamente
determinante, alterando ao longo do desenvolvimento das sociedades, as formas de
interação homem-natureza, bem como os meios empregados na transformação das
matérias naturais pelo trabalho. Ao longo da história transformam-se as formas de
produção material e de reprodução da vida social, da mesma forma e ao mesmo
tempo em que se alteram as condições materiais de existência do homem.
Numa palavra, este é o processo da história: o processo pelo qual, sem perder sua base orgânico-natural, uma espécie da natureza constitui-se como espécie humana – assim, a história aparece como a história do desenvolvimento do ser social, como processo de humanização, como processo da produção da humanidade através da sua auto-atividade; o desenvolvimento histórico é o desenvolvimento do ser social (NETTO; BRAZ, 2010, p. 37, grifos dos autores).
Mesmo sendo o trabalho categoria social fundante do mundo dos homens, a
existência social está além do trabalho. À medida que esse se desenvolve suas
relações o transcendem, passando a ser uma das objetivações do ser social, mas
27
sempre fundante e necessária. Isso porque as demais objetivações supõem as
características constitutivas do trabalho, já que os produtos e valores resultantes
dessa práxis são também objetivações que se realizam de acordo com as condições
histórico-sociais vivenciadas. Além disso, podem se apresentar como produtos
“estranhados”, que escapam ao seu controle e reconhecimento, ou ainda,
expressões de opressão, numa inversa relação objeto-sujeito.
Vale destacar que o homem não perde a sua condição originária de ser da
natureza, pois foi a partir dela que se desenvolveu como ser social. O homem é
natureza historicamente transformada, mas sua humanidade está para além da
natureza e o caracteriza como ser social, pois o atendimento de suas necessidades,
mesmo as mais elementares para a manutenção da vida, é humanizado,
historicamente determinado e ganha vazão social. As determinações naturais não
deixam de existir, mas são cada vez menos relevantes na vida humana.
Em cada estágio do seu desenvolvimento, o ser social é o conjunto de atributos e das possibilidades da sociedade, e esta é a totalidade das relações nas quais os homens estão em interação. Assim, em cada estágio do seu desenvolvimento, o ser social condensa o máximo de humanização construído pela ação e pela interação dos homens, concretizando-se em produtos e obras, valores e normas, padrões e projetos sociais. Compreende-se, pois, que o ser social seja patrimônio comum de toda a humanidade, de todos os homens, não residindo em nenhum deles e, simultaneamente, existindo na totalidade de objetivações de que todos podem participar (NETTO; BRAZ, 2010, p.45).
Podemos então refletir que as principais características do trabalho,
enquanto categoria ontológica – atividade teleologicamente orientada, tendência à
universalização, e linguagem articulada – se complexificam na medida em que
também ganham maior complexidade as relações sociais, relações entre sujeitos
trabalhadores, realizadas no e pelo trabalho. Ou seja, quanto mais se desenvolve o
ser social, mais diversificadas se apresentam suas objetivações. Esse é o avanço
do processo de humanização do ser social, que tem no trabalho sua objetivação
primária e ineliminável, pois a história humana é o desenvolvimento das sociedades
mais simples às formações sociais cada vez mais complexas e desenvolvidas a
partir da qual surgem as necessidades e as possibilidades de novas objetivações.
Mesmo assim, no âmbito da sociabilidade capitalista contemporânea são marcantes
as expressões de regressão da sociabilidade, que coexistem com altos níveis de
28
desenvolvimento do ser social (NETTO; BRAZ, 2010). Nesse contexto de alienação
as possibilidades de incorporar as objetivações do ser social sempre foram postas
desigualmente para os homens singulares, o desenvolvimento não se expressa
igualmente para todos os homens.
Para que todos os homens e mulheres possam construir-se enquanto
indivíduos sociais, diferentes entre si, são necessárias condições sociais iguais para
todos, ou seja, é imperativo que todos tenham iguais possibilidades humanas de se
sociabilizar diferencialmente.
A subjetividade de cada homem não se elabora nem a partir do nada, nem num quadro de isolamento: elabora-se a partir das objetivações existentes e no conjunto de interações em que o ser singular se insere. A riqueza subjetiva de cada homem resulta da riqueza das objetivações de que ele pode se apropriar. E é a modalidade peculiar pela qual cada homem se apropria das objetivações sociais que responde pela configuração da sua personalidade (NETTO; BRAZ, 2010, p. 47).
No modo de produção capitalista, vemos constituir-se o trabalho abstrato –
produtor de mais-valia e medido pelo tempo de trabalho socialmente necessário –
que é trabalho reificado, subsumido ao capital e alicerçado pelo fetiche da
mercadoria. Este se difere substancialmente do trabalho, ontologicamente
concebido, que em sua concretude é categoria fundamental da autoconstrução
humana e do desenvolvimento da sociabilidade. Essa associação do trabalho como
elemento de exploração se intensifica na sociabilidade capitalista contemporânea,
no âmbito da “reestruturação produtiva” em curso.
[...] hoje, com a extensão das relações capitalistas até praticamente todas as formas de práxis social, com a incorporação, ao processo de valorização do capital, de atividades que anteriormente ou estavam dele excluídas ou apenas participavam de modo muito indireto, vivemos uma situação em que praticamente a totalidade dos atos de trabalho assume a forma abstrata advinda de sua subordinação ao capital (LESSA, 2002, p.28).
Isso porque no capitalismo as diversas formas do conjunto social passaram
a apresentar-se aos indivíduos como simples meios para realização de fins privados.
29
A divisão do trabalho gera uma contradição entre o interesse do indivíduo singular e
o interesse do coletivo, escondendo os interesses de classe.
Todas as formas presentes de degradação da força humana que trabalha,
de agravos e adoecimentos relacionados ao trabalho têm neste estudo a apreensão
da categoria trabalho abstrato, que tem vigência nessa sociedade e é produzida na
exploração do trabalho pelo capital.
Desenvolve-se então, a partir da atual organização econômico-social, um
fenômeno histórico da alienação, que marca as relações de trabalho e o conjunto
das relações sociais, num processo crescente de exploração que leva a formas de
regressão do ser social, mas que pode ser, e deve ser, superado no curso do
desenvolvimento histórico.
Feitas essas análises, e já observadas as características essenciais do
trabalho, no item a seguir buscaremos aprofundar as formas constitutivas do
trabalho e da classe trabalhadora sob o modo de produção capitalista.
2.2 O TRABALHO E O TRABALHADOR NO MODO DE PRODUÇÃO
CAPITALISTA
O trabalho sob a produção capitalista, dada a sua centralidade para a
sociabilidade humana, passa a ser claramente identificado como gerador de valor,
expropriando, explorando e controlando o trabalhador, dilacerando toda a estrutura
física, psicológica e social dos trabalhadores e incorporando um sentido dual em
suas vidas dotado de dor e sofrimento. Isso se dá porque no processo de produção
capitalista o trabalho passa a ser estranhado ao indivíduo.
A natureza contraditória dessa relação produção-trabalho tem suas matizes
na valorização do capital através do processo de extração da mais-valia, da
imposição de normas de controle e de cooptação capitalista. A acumulação do
capital se dá através da exploração da força de trabalho e de sua dominação pelas
relações de classe, relações que valorizam o capital e oprimem a classe
trabalhadora. Assim ganha concretude o modo de produção capitalista, que se
funda na exploração do trabalho e que é hoje dominante em escala mundial e não
30
se confronta com outras experiências que desafiem a sua dinâmica (NETTO; BRAZ,
2010).
Nesse contexto, Marx analisou o capitalismo não como o fim da história,
única forma correspondente à natureza humana, mas como um modo de produção
historicamente determinado e transitório, cujas próprias contradições internas o
levariam à superação. Em suas análises, fica claramente entendido que a base de
cada sociedade humana é o processo de trabalho, seres humanos cooperando entre
si para fazer uso das forças da natureza e, portanto, para satisfazerem suas
necessidades.
Para isso, o produto do trabalho deve, antes de tudo, atender às
necessidades do homem, deve ser útil, em seu objeto e finalidade. O que Marx
chama de valor-de-uso, pois seu valor se assenta primeiro e principalmente em ser
útil para alguém. Sob o capitalismo, todavia, os produtos do trabalho tomam a forma
de mercadorias, feitas não para serem consumidas diretamente, mas para serem
comercializadas, postas no mercado para serem trocadas. E, cada produto passa a
ter um valor-de-troca, numa relação quantitativa, mas com falsa proporção de
valores. Assim, no modo de produção capitalista o processo de trabalho deve estar
além da produção de valores de uso, ele subsume a satisfação das necessidades
humanas à sua melhor satisfação, sua demanda para produzir uma mercadoria e ter
um valor excedente sobre o produto fruto do trabalho.
[...] O dinheiro, em si mesmo, não é capital; ele se converte em capital apenas quando compra força de trabalho e outras mercadorias para produzir novas mercadorias (novos valores de uso e de troca) que serão vendidas por mais dinheiro. Vê-se, pois, que o capital não é uma coisa ou um conjunto de objetos – ele só existe na medida em que subordina a força de trabalho; de fato, o capital, mesmo que se expresse através de coisas (dinheiro, objetos, mercadorias etc.), é sempre uma relação social. (NETTO e BRAZ, 2010, p. 98 - grifos dos autores).
Na direção que nos apresenta esses autores, essa é a lógica move o
capitalismo, um ciclo de produção de mercadorias para obtenção cada vez maior e
constante de dinheiro. Não podemos, assim, revestir a ação das empresas
capitalistas de moralismos, referente à personalidade de quem as administra, pois
isso apenas oculta o objetivo central de busca incessante por lucros – como razão
de ser – inerente a todo e qualquer empreendimento capitalista que se pretenda
sobreviver no mercado. Suas ações são coerentes com o campo de atividades e
31
relações econômicas a que se pretende, ou seja, da função social que
desempenham.
Todo esse conjunto de imperativos do capital encontra nas relações de
trabalho as condições necessárias para a objetivação de seu projeto societário.
Antunes (2006), fazendo uma leitura das transformações vivenciadas no mundo do
trabalho na atualidade e demonstrando a centralidade do trabalho na estruturação
das sociedades contemporâneas, destaca que, embora submetidos à mais aviltante
insegurança, os trabalhadores permanecem como protagonistas das transformações
sociais necessárias.
Desse modo, em oposição à sociabilidade do capital é relevante apreender a
categoria trabalho enquanto fundamental no processo de humanização do ser social,
entendendo que o trabalho possibilita ao homem transformar a natureza e a si, pois
a finalidade básica do ser social seria sua realização no e pelo trabalho, porém, o
trabalho se torna estranho ao homem em razão das diferentes formas pelas quais o
processo de trabalho se subsume ao processo de valorização do capital, a partir de
bases concretas de extração do sobretrabalho que se acentuam no modo de
produção capitalista.
2.2.1 O trabalho assalariado: forma particular de exploração do trabalho no
capitalismo
A partir das idéias anteriores que concebem o trabalho para além da
produção de valor, elucidaremos ao longo do texto como, sob o modo de produção
capitalista, o trabalho adquire a forma particular de trabalho assalariado, produtor de
valor de troca, gerador de mais-valia.
Esse processo, assim como as categorias que o cercam, não se apresenta
imediatamente dado. Durante o processo de trabalho, o trabalho se transmuta de
ação em ser, de movimento em produto concreto numa relação dialética. Assim, a
ação que está representada em um determinado produto, tem em si incorporado o
tempo de trabalho necessário a sua feitura, síntese de dispêndio da força vital
humana. O processo de trabalho consiste no trabalho útil que produz valores-de-uso
32
qualitativamente, diferentemente do que acontece na produção de valor, em que se
pesa sua importância quantitativa, originária da mais-valia.
O processo de produção, quando unidade do processo de trabalho e do processo de produzir valor, é processo de produção de mercadorias; quando unidade do processo de trabalho e do processo de produzir mais-valia, é processo capitalista de produção, forma capitalista da produção de mercadorias (MARX, 2008, p. 230).
Assim, o valor da força de trabalho e o valor que ela cria no processo de
trabalho são duas magnitudes distintas e bem visualizadas no capitalismo. Os
diversos elementos do processo de trabalho desempenham papéis diferentes na
formação do valor dos produtos. Esses são também os diferentes componentes do
capital no processo de produzir mais-valia. Nesse caso, o trabalhador acrescenta ao
objeto de seu trabalho tempo de trabalho, ou seja, acrescenta valor à medida que
vemos consumir valor-de-uso para produzir novo valor-de-uso.
[...] o tempo de trabalho necessário para produzir o valor-de-uso consumido constitui parte do tempo de trabalho necessário para a produção de novo valor-de-uso, sendo, portanto, tempo de trabalho que se transfere dos meios de produção consumidos ao novo produto. O trabalhador preserva os valores dos meios de produção consumidos, transfere-os ao produto como partes componentes do seu valor (MARX, 2008, p.236).
Sobretudo, o valor das mercadorias é determinado pelo tempo de trabalho
socialmente necessário, isto é, o tempo de trabalho que ela contém, e que é
requerido para produzir um valor-de-uso qualquer, nas condições dadas de
produção socialmente normais, em grau social médio de habilidade e de intensidade
de trabalho (MARX, 2008).
Marx recorre, aqui, ao duplo caráter do trabalho produtivo, em sua forma
mais simples: onde o trabalhador produz alguma coisa humanamente necessária,
um valor de uso; e em sua forma alienada, na qual produz para outrem em troca de
um salário.
Isso mostra que do ponto de vista do sistema capitalista, não importa o
trabalho concreto – o trabalho simples, força vital humana gasta, o próprio trabalho –
mas unicamente o trabalho sem qualidade específica, abstrato, aquele que a
33
sociedade capitalista como um todo precisa para produzir o valor como valor de
troca. A força de trabalha aparece no modo de produção capitalista como uma
mercadoria muito especial, que tem seu próprio valor de troca e que produz mais
valor.
Assim, sob o modo de produção capitalista o trabalho passa a ter um
“caráter dual”:
Todo trabalho é, por um lado, dispêndio de força de trabalho do homem no sentido fisiológico, e nessa qualidade de trabalho humano igual ou trabalho humano abstrato gera o valor da mercadoria. Todo trabalho é, por outro lado, dispêndio de força de trabalho do homem sob forma especificamente adequada a um fim, e nessa qualidade de trabalho humano concreto útil produz valores de uso (MARX, 2008, 215).
A força de trabalho é deste modo também um produto, que é posto nas
mãos de quem o compra para pô-lo em exercício. Vendendo o que é produzido este
proprietário da força de trabalho recebe, de um lado, uma quantidade igual á que
investiu anteriormente; de outro, obtém um excedente que provém do trabalho
concreto gerido por esse, o que vem a ser conhecida como mais-valia, que gera ao
capitalista possibilidades formais, capital suficiente, para adquirir no mercado os
meios de produção e comprar força de trabalho.
Com o capital, sob a forma de dinheiro, o capitalista adquire os meios de
produção – esses não criam novos valores, apenas transferem seu valor a
mercadoria que está sendo produzida, seu capital constante. Adquire, ainda, a força
de trabalho dos operários, mas esta se constitui em uma mercadoria especial, sem a
qual os meios de produção são inúteis, e que tem seu valor determinado pelo tempo
de trabalho socialmente necessário para garantir sua manutenção e reprodução,
sendo esse valor pago em salário, que não é a reversão proporcional do quantitativo
de valor que o trabalho gera.
Ambas as mercadorias adquiridas pelo capitalista têm seu valor determinado
pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-las. A diferença se
verifica na utilização dessas mercadorias. Comprando a força de trabalho, seu dono
pode dispor da sua capacidade de trabalho, mas essa dispõe de uma capacidade
única: a de criar valor superior ao que lhe é pago. Como bem explicam Netto e Braz
(2010) “o capitalista compra a força de trabalho pelo seu valor de troca e se apropria
34
de todo o seu valor de uso” (p.100). É nessa relação de exploração que se funda o
modo de produção capitalista.
[...] Na mercadoria encontramos, pois, simultaneamente trabalho concreto e trabalho abstrato – mas não se trata, obviamente, de dois trabalhos: trata-se da apreciação do mesmo trabalho sob ângulos diferentes: do ângulo do valor de uso, trabalho concreto; do ângulo do valor de troca, trabalho abstrato (NETTO; BRAZ, 2010, p. 105).
Também de acordo com os estudos de Antunes (2007), o sistema de
metabolismo social do capital nasce como resultado da divisão social que operou
subordinação estrutural do trabalho ao capital, o que torna os seres sociais
mediados entre si6.
Nenhum imperativo de mediação primária, ou seja, aqueles que garantem a
reprodução dos indivíduos, necessita do estabelecimento de hierarquias estruturais
de dominação e subordinação, esses são bens característicos do sistema de
metabolismo social do capital e das mediações que lhe são próprias.
De acordo com Antunes (2007), as mediações de segunda ordem
correspondem a um período específico da história humana, correspondente à
introdução de elementos fetichizadores e alienantes de controle social metabólico,
que se realiza pela subordinação das necessidades humanas à reprodução do valor
de troca.
[...] com o capital erige-se uma estrutura de mando vertical, que instaurou uma divisão hierárquica do trabalho capaz de viabilizar o novo sistema de metabolismo social voltado para a necessidade da contínua, sistemática e crescente ampliação de valores de troca [...] (ANTUNES, 2007, p. 21).
Isto implica na separação e alienação entre trabalhador e meios de
produção, como imposição dessas condições aos trabalhadores e personificação do
6 Segundo o autor temos as mediações de primeira ordem, a fim de preservar as funções vitais da reprodução individual e social. Essas se baseiam na realização das necessidades elementares para a natureza, aquelas sem as quais não sobreviveríamos e que são reguladas pelo comportamento instintivo. São as funções primarias de mediação que garantem a reprodução dos indivíduos através da produção de bens para satisfação das suas necessidades; pela organização de suas atividades, combinadas no processo de reprodução social; pela alocação racional de recursos materiais e humanos em um sistema de troca; e ainda pela regulamentação societária (ANTUNES, 2007).
35
capital. Os sujeitos são reduzidos às funções produtivas de forma fragmentada,
separando os que produzem dos que controlam a produção.
O que nos leva a elucidar, ainda, que o trabalho assalariado é uma forma
específica do regime de trabalho sob o modo de produção capitalista, ele é parte
constitutiva do sistema de exploração, qualquer melhoria nessa condição – sejam
melhores salários, sejam condições matérias de trabalho mais dignas e seguras –
não afeta o núcleo da exploração capital-trabalho.
Daí a definição de capital como a propriedade que garante ao capitalista
explorar trabalho alheio, se resumindo numa relação social de exploração. Desse
modo, o sistema capitalista se orienta fundamentalmente para a obtenção de mais-
valia, através do prolongamento da jornada de trabalho, travada apenas pelos limites
físicos (o próprio desgaste natural do trabalhador) e pelas lutas de classes. Além
disso, outro meio eficaz de lucratividade, de obter mais-valia, é o aumento da
produtividade do trabalho, através da sua intensificação, fazendo com que, no
mesmo tempo de trabalho, mais mercadorias sejam produzidas.
Em razão dessa lógica, o modo de produção capitalista depende
essencialmente do trabalho – mas o inverso é falso – que aliado ao desenvolvimento
das forças produtivas, através de novas tecnologias e ciências da produção,
aprimorando-as aos seus interesses, cria em seu seio as condições de mudança das
próprias relações sociais de produção que o definem.
2.2.2 A Grande Indústria Capitalista: a combinação do taylorismo com
fordismo
Ao longo do século XX foram engendradas um série de transformações no
âmbito do modo de produção capitalista, que configuraram um novo estágio do
capitalismo. Nesse momento vemos reiterada sua estrutura essencial, revivida em
algumas formas peculiares de regulação produtiva e social, mas sempre mantendo
viva sua chama com novas determinações.
Assim, o capitalismo instaurou mecanismos de desenvolvimento que são
próprios da sua lógica, construindo um percurso de largas mudanças que
acompanharam o rápido e intenso desenvolvimento das forças produtivas.
36
A história do capitalismo – a sua evolução –, portanto, é produto da interação, da imbricação, da intercorrência do desenvolvimento das forças produtivas, de alterações nas atividades estritamente econômicas, de inovações tecnológicas e organizacionais e de processos sóciopolíticos e culturais que envolvem as classes sociais em presença numa dada quadra histórica. E todos esses vetores não só se transformam eles mesmos: as suas interações também se alteram no curso do desenvolvimento do MPC. (NETTO; BRAZ, 2010, p. 169).
Netto e Braz (2010) nos fazem refletir sobre a história do capitalismo como
produto do desenvolvimento das forças produtivas, colocando em destaque os
percursos históricos que configuram os diferentes estágios do capitalismo. Esse
trafega desde a acumulação primitiva, como forma originária de produção através
das manufaturas, que segue do século XVI ao XVIII, caracterizada pelo capitalismo
comercial (mercantil). Período em que a burguesia afirma-se como classe
controlando as principais atividades econômicas e pondo em cheque os privilégios
da nobreza fundiária. Tem-se aí, de acordo com esses autores, a expressão
revolucionária dessa classe.
É então uma classe revolucionária, cujos interesses se conjugam com os da massa da população; sobretudo, é a classe que tem por tarefa liberar as forças produtivas dos limites que lhe eram colocados pelas relações feudais de produção e seu específico regime de propriedade. Temos, à época, uma burguesia de caráter audacioso, uma burguesia empreendedora, heroica mesmo, como se verifica dos seus inícios à sua marcha triunfal rumo à construção da nova sociedade. (p. 170. Grifos dos autores).
Avançado o desenvolvimento das forças produtivas, já sobre a base da
grande indústria, o capitalismo atinge sua fase Concorrencial (liberal/clássico),
estágio que se desenvolveu do século XVIII ao século XIX, com ampla possibilidade
de negócios a partir da composição da indústria moderna e da busca imperialista por
mercado mundial. Nesse período também ganham iminência as lutas de classes na
sua modalidade moderna, fundadas na contradição capital-trabalho, ou mais
exatamente na contradição burguesia-proletariado, pólo contraditório que tem forte
influência para o desenvolvimento das forças produtivas. Mesmo assim, o
desenvolvimento operado era estimulado pelas demandas da industrialização e
fortemente marcados pelo positivismo como forma de pensamento expresso pelo
37
domínio das ciências naturais (química, física e biologia) e pelo desenvolvimento da
eletricidade.
O Estado atendia consideravelmente aos interesses do capital, como seu
agente externo, garantindo a segurança da propriedade privada e a manutenção da
“ordem” pública. Tinham os trabalhadores como sujeitos passivos da repressão,
violenta em muitos casos, como forma de enquadramento à essa ordem. Mesmo
assim, foi a ação dos trabalhadores ao longo dos tempos que forçou um certo
avanço nos processos de democratização identificados na sociedade burguesa,
mesmo que de forma restritiva. As conquistas do movimento operário contribuíram
para a consciência dos antagonismos de classes, “situando-se como sujeito
revolucionário potencialmente capaz para promover a transformação da ordem
burguesa numa sociedade sem exploração” (NETTO; BRAZ, 2010, p. 175).
Agora a burguesia é convertida em classe conservadora, com a intenção
pura e única de verem mantidas as relações sociais que fundam o regime de
acumulação no modo de produção capitalista, o domínio privativo dos meios de
produção. Assim, foram instauradas reformas sociais a fim de amenizar os efeitos da
exploração sobre os trabalhadores, sem que o reformismo burguês alterasse o
“direito natural” à propriedade privada dos meios fundamentais de produção.
No final do século XIX temos o surgimento dos monopólios, concentração de
grandes capitais ancorados na produção industrial, e a modificação do papel dos
bancos, agora como grupos capitalistas no controle de ramos industriais inteiros. Os
bancos avançam com os sistemas de crédito, controle monetário e concessão de
empréstimos que configuram “o processo de centralização do capital”, com o
mercado de ações. Temos, ainda, grandes alterações nas economias nacionais e na
dinâmica econômica como um todo, ou seja, o próprio modo de produção capitalista,
tem seu domínio estendido globalmente, fazendo com que os monopólios atinjam o
mais elevado grau de concentração de capital (NETTO; BRAZ, 2010). Esse mercado
mundial foi criado com o estreitamento das relações econômicas no estágio
mercantil do desenvolvimento capitalista, mas é verídica a tendência do capital para
a mundialização, como um traço que lhe é constitutivo.
Ainda segundo os mesmos autores, com o forte entrelaçamento de ramos
industriais e bancários, ainda no final do século XIX, temos em cena uma fusão
entre os monopólios do capital industrial e os monopólios do capital bancário, que
leva a constituição do capital financeiro que ganhará destaque no estágio
38
imperialista, com transformações que se prolongam até os dias atuais e
desempenham papel decisivo. Essa é a fase do desenvolvimento do capitalismo que
se inicia no final do século XIX e que continua a se operar. Aqui, as empresas
monopolistas multinacionais, já bem consolidadas, tratam de ganhar mercados
externos através de grandes acordos comerciais que estabelecem os limites do
avanço e as regiões do mundo que cada monopólio dominará, uma nova reedição
da partilha econômica do mundo pelo grande capital, se inicia agora em sua fase
imperialista. Leva os Estados capitalistas a partilharem o mundo territorialmente e
economicamente, em um verdadeiro processo de recolonização, que teve nas
grandes guerras do século XX a expressão dos conflitos interimperialistas, como
“forma extrema de partilha do mundo pelas potências imperialistas” (NETTO; BRAZ,
2010, p. 183). E, ainda, segundo esses autores:
O imperialismo é um estágio de desenvolvimento do capitalismo; por isso mesmo, as leis (tendências) que comandam a dinâmica desse modo de produção continuam operando nesse estágio. No entanto, fazem-no sob condições novas e dessas novas condições, que modificam a operação daquelas leis, decorrem processos e fenômenos antes inexistentes (ou que antes não tinham a relevância que, com o imperialismo, passam a ter). (p. 188).
Com novos incrementos na forma de exploração do trabalhador, numa
perspectiva de manter sua lei geral de acumulação e escapar das tendências à
queda das taxas de lucro, desenvolve-se uma trajetória de alta expansão da
produção e de acúmulo de importantes inovações tecnológicas.
Como expressão da própria dinamicidade do capitalismo este estágio
também se desenvolveu processualmente. Em sua fase mais clássica, que vai de
1890 a 1940; passando pelos denominados “Anos dourados”, do fim da segunda
guerra mundial até os anos 1970; e seguindo deste período até o capitalismo
contemporâneo, que penetra em plena vigência no século XXI (NETTO; BRAZ,
2010).
Esse processo implicou em mudanças nas relações econômicas, com alta
exportação de capitais e ampliação dos monopólios subsidiados pelos países de
economia periférica, além das mudanças na organização do trabalho que
corroboraram com o binômio taylorista-fordista tornando-se o padrão de produção
industrial com fortes marcas nos “anos dourados” do imperialismo.
39
Ainda durante a vigência da era concorrencial do modo de produção
capitalista no século XIX, centrado na expansão do trabalho assalariado, na plena
vigência do Estado Liberal, centrado na defesa da liberdade e da igualdade jurídica
– sem interferência nas relações de trabalho e validando o contrato privado – Taylor7
desenvolveu um modelo de divisão do trabalho baseado no controle do tempo e
rendimentos, aumentando a produtividade à medida que racionalizava a produção
de mercadorias e neutralizava a resistência operária. Separou as atividades de
planejamento das de execução, de forma que cada trabalhador era treinado e
contratado para um posto de trabalho específico, sendo desconsideradas a aptidão
e criatividade do trabalhador num processo maior de expropriação do saber
operário.
As experiências destinadas a aumentar a produtividade mediante eficiência
no nível operacional baseavam-se em métodos e sistemas de racionalização do
trabalho, através das estratégias de subsunção do conhecimento operário ao
comando da gerência; desenvolvimento dos mecanismos de seleção e treinamento;
e planejamento e controle do trabalho.
Desenvolvem-se espaços e relações de trabalhos desarticulados e sem
planejamento, consolidando um modelo de ordem e obediência, baseado em regras
não claras e com ênfase na disciplina, onde se padronizam as relações sociais de
subordinação, em que os sujeitos sociais passam a adquirir padrões de
generalidade, com nítido desprezo pelas suas diferenças e características
individuais.
No sistema Taylor desenvolveram-se várias tentativas por parte das
gerências de refrear a combatividade de classe por meio de estratégias de altos
salários e da difusão de ideologias proibicionistas entre as famílias operárias, com a
regulação puritana e moralista dos hábitos, compondo traços culturais associados à
difusão e uma nova visão social do mundo.
Já no século XX, Ford8 incorpora e faz avançar a proposta taylorista, de
racionalização da estrutura administrativa, e consequentemente dos processos de
trabalho, utilizando os princípios da linha de montagem na fabricação de
7 Frederick Winslow Taylor (1856 - 1915), foi um engenheiro mecânico norte-americano, que
formoulou vários preceitos da “Administração Científica”. 8 Henry Ford (1863-1947) foi um grande empresário americano, fundador da Ford Motor Company , que desenvolveu um modelo de organização produtiva, denominado “Fordismo”, baseado na montagem em série, a fim de garantir a produção de automóveis em menos tempo e a um menor custo.
40
automóveis, baseadas em: unidades de comando, divisão do trabalho,
especialização das atividades e ampliação do controle. Isso levou a uma redução do
tempo de montagem dos produtos, a exemplo do carro, parcelando e simplificando
as operações.
Segundo Harvey (2010), os princípios da administração científica de Taylor
estavam baseados no aumento da produtividade do trabalho através da organização
dos movimentos e tempos e da fragmentação das tarefas do trabalho. O que Ford
apresenta de novo é seu reconhecimento de que “produção de massa significava
consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova
política de controle e gerência do trabalho “[...] um novo tipo de sociedade
democrática, racionalizada, modernista e populista” (p.121), com a idéia de formar
um novo tipo de trabalhador, um tipo particular de homem.
De acordo com Gramsci (2001), a superação do taylorismo pelo fordismo se
dá significativamente pela passagem de um modelo de organização do trabalho para
um regime de acumulação que supõe a regulação salarial como eixo da dinâmica
macroeconômica. Uma forma produtiva por onde se estabelecem formas
institucionais de estabilização da relação capital-trabalho.
O fordismo baseava-se, assim, num sistema de produção de grandes
quantidades de produtos padronizados, destinados a mercados de massa. A
concorrência capitalista era baseada nas economias de escala e no aumento da
velocidade do processo de produção, controlado pelo ritmo da linha de montagem e
pelos movimentos das máquinas. Ford verticalizou e hierarquizou a linha de
produção, no combate ao desperdício reduziu o tempo e aumentou o ritmo de
trabalho, intensificando as formas de exploração do trabalho, incrementando a
geração de mais-valia. Com os trabalhadores alinhados ao longo das grandes
esteiras rolantes, atrelados a uma parte específica do processo produtivo
desenvolviam suas atividades de forma mecânica e repetitiva, com ritmo cada vez
mais acelerado, numa composição mais que literal e estética do homem-máquina.
Assim, o fordismo soube combinar processos de trabalho taylorizados, altos
salários e benefícios, mas como ações limitadas a um tipo de elite operária com a
intervenção por parte das gerências nas vidas dos trabalhadores, a fim de criar
certas práticas individuais e coletivas consistentes com a produção em série, numa
peculiar combinação de força e persuasão.
41
Forte processo de avaliação dos trabalhadores quanto à sua probidade
moral, suas relações familiares, e sua capacidade de consumo, a fim de verificar se
estavam correspondentes às expectativas da empresa. O trabalhador precisava ter
um comportamento tido como aceito. Esse trabalho era realizado, comumente, por
profissionais assistentes sociais, com forte invasão na esfera da vida privada do
trabalhador (HARVEY, 2010).
Ford acreditava que o novo tipo de sociedade poderia ser construído simplesmente com a aplicação adequada ao poder corporativo. O propósito do dia de oito horas e cinco dólares só em parte era obrigar o trabalhador a adquirir a disciplina necessária à operação do sistema de linha de montagem de alta produtividade. Era também dar aos trabalhadores renda e tempo de lazer suficientes para que consumissem os produtos produzidos em massa que as corporações estavam por fabricar em quantidades cada vez maiores. (HARVEY, 2010, p. 122).
A conjunção desse binômio taylorista-fordista resultou, mais imediatamente,
na desqualificação operária e na fragmentação e intensificação do trabalho, o que
gerou também, graves impactos sobre o bem-estar fisiológico e psicológico dos
trabalhadores.
Esses processos extrapolaram o espaço fabril e favoreceram também um
amplo desenvolvimento da produção científica na busca para superação das
dificuldades apresentadas nesse momento, vinculados a defesa dos interesses do
projeto hegemônico do capital, que antes se concentravam, apenas, nos marcos
meramente técnico e racional. Na sequência, um amplo movimento de estudos
sobre as relações humanas9 no espaço do trabalho ganha destaque, com propostas
de aumento do desempenho baseada em ações de motivação para o trabalho
aliadas à ampliação do trabalho por meio da ideologia de enriquecimento de cargos.
Ambas as correntes apresentaram-se como requisitos do ajustamento do
trabalhador aos postos de trabalho, com práticas voltadas para a criação de boas
9 Baseados na psicologia industrial de Elton Mayo (1880-1947), forte representante da Teoria das
Relações Humanas, ou Escola das Relações Humanas, que ganha destaque com a Experiência de Hawthorne, realizada numa fábrica no bairro que dá nome à pesquisa, em Chicago, EUA, com o própósito de realizar e testes nas linhas de produção para encontrar a relação entre a intensidade da luz e a produtividade, pensando, ainda como os fatores psicológicos interferem na produtividade.
42
relações dentro da empresa, em síntese visavam dificultar a luta operária e
neutralizar as lideranças.
Esse movimento apresenta uma concepção do homem no trabalho, aqui
tratado como o trabalho assalariado, relacionada à motivação, à sociabilidade
harmoniosa do trabalho como fator de realização pessoal. Essa corrente de
pensamento colocava sua análise nos aspectos aparentes da realidade
apresentada, não lhe desvendando o essencial.
Concomitantemente à essa lógica capitalista, o Estado se organizava a partir
do chamado Welfare State, que teve como característica marcante sua intervenção
no comando da economia e as ações assistencialistas e paternais, medindo o
comando do capital sobre a classe trabalhadora. Esse foi o período em que o
capitalismo atingiu suas mais elevadas taxas de lucro – “anos de ouro”
correspondentes às décadas de 1950 a 1960 –, com alta produtividade, rendimentos
e acumulação de capitais, com relativos custos sociais.
Durante este período a intervenção estatal se deu de forma mais extrema
com suspensão dos direitos e garantias trabalhistas e a instauração, em alguns
países, de regimes políticos ditatoriais. Constatou-se, também, uma ativa
intervenção do Estado, no nível dos investimentos e na reprodução da força de
trabalho, desonerando o capital de parte de suas despesas, ou mesmo na regulação
dos ciclos econômicos, com destaque para o modelo keynesiano. Tornou-se, assim,
uma fase importante na história do desenvolvimento do capitalismo, com forte
intervenção do Estado minimizando os efeitos das suas crises cíclicas e contribuindo
para a elevação das taxas de crescimento, que teve maior visibilidade nos países
capitalistas mais desenvolvidos. Mas o avanço do imperialismo não se deu sem
processos de resistência. Do mesmo modo, os movimentos operários, sindicais e
partidários foram conquistando legitimidade e a mobilização dos trabalhadores foi
ganhando dimensão mundial.
A precariedade das condições de trabalho e a situação de miserabilidade em
que se encontrava a classe trabalhadora foram determinantes para a construção de
grandes movimentos reivindicatórios dos operários – embora isso não se configure
um determinismo da organização política dos trabalhadores - que exigiam de
imediato a intervenção do Estado na garantia e defesa dos direitos sociais e
trabalhistas. Mas a intervenção estatal se dirigia significativamente à preservação e
controle da força de trabalho, na forma de prestação de serviços públicos,
43
desonerando o capital, incorporando outros interesses sociais, agora não só com
elementos coercitivos, mas pautado na coesão social.
De acordo com Antunes (2007) a crise do fordismo/taylorismo é uma
expressão fenomênica da crise estrutural do capital que se expressa com: a queda
da taxa de lucros; o esgotamento desse padrão de produção; a hipertrofia da esfera
financeira; a grande concentração dos capitais, em seus monopólios e oligopólios; a
crise do Welfare State, enquanto padrão de regulamentação estatal; além das
privatizações e flexibilização do processo produtivo. Tudo isso resultou num ofensiva
generalizada do capital e do Estado contra a classe trabalhadora.
Como resposta à sua própria crise, iniciou-se um processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação, cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal, da qual a era Thatcher-Reagan foi expressão mais forte; a isso se seguiu também um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho, com vistas a adotar o capital do instrumental necessário para tentar repor os patamares de expansão anteriores (ANTUNES, 2007, p.31).
A precarização das relações de trabalho propicia a intensificação do
trabalho e a individualização dos comportamentos, neutralizando a mobilização
coletiva e generalizando “o silêncio” e o “cada um por si”. O medo da perda do
emprego induz à aceitação das condutas de dominação ou de submissão e gera no
ambiente de trabalho um clima de permanente competição, tanto individual quanto
coletivamente, suportável apenas pela perspectiva da manutenção do emprego.
2.2.3 O trabalho “flexível” no toyotismo
A presença de modelos distintos de organização do trabalho se configura
como uma expressão das diferentes formas nas quais se organiza, também, o
processo de produção capitalista e consequentemente as relações sociais, políticas,
econômicas e culturais características de cada momento histórico.
Desde os últimos anos do século XX têm sido operadas mudanças
estruturais no modo de produção, sem alteração da sua base capitalista, o que
44
implica em mudanças nos processos produtivos e na organização do trabalho.
Antunes (2006) nos faz refletir que diante das quais não temos conseguido dar
respostas coletivas aos desafios enfrentados pelo conjunto dos trabalhadores.
Por todo esse período, a produção humana vem se apresentando de forma
excepcional, com alta capacidade de produção e atendimento às necessidades
humanas, em novas formas de sociabilidade, mas as relações sociais que
coadunam esse processo não permitem um pleno, universal e igualitário
desenvolvimento humano nessa dinâmica da vida social.
Para aumentar os índices de lucratividade, na atualidade, os empregadores
fazem uso cada vez maior da exploração do trabalho, utilizando estratégias de
redução dos custos, salários e direitos sociais e trabalhistas. Exigem que o
trabalhador seja polivalente, exercendo várias funções e se submetendo a mesma
remuneração. Há uma intensiva racionalização da força de trabalho, enxugando ao
máximo o quadro formal de trabalhadores e estendendo a carga de trabalho
daqueles que restaram no processo produtivo. Portanto, aumenta-se o desemprego,
a mais temida insegurança no mundo do trabalho.
Importante destacar que o processo de crise capitalista não é um fenômeno
novo, ao longo dos tempos houve uma sucessão de crises econômicas em toda a
história do capitalismo, algumas mais localizadas, outras ganharam uma dimensão
mundial, como a de 1929 (pós-guerra), que trouxe um redimensionamento do papel
do Estado em face da dinâmica econômica e do desenvolvimento capitalista.
Dentre os principais determinantes para a ocorrência das crises, não como
repercussões únicas, pois concorrem entre si, temos a queda da taxa de lucros e as
limitações na capacidade de consumo em desacordo com a produção de
mercadorias, além disso, o conjunto da produção capitalista escapa a qualquer
controle racional que se desenvolve no interior das unidades produtivas. Esses
processos de crise têm em sua natureza a interrupção da reprodução ampliada do
capital, decorrentes do ciclo econômico e inerentes as contradições do próprio
capitalismo. Já que não têm o poder de conduzir o sistema ao colapso, apenas
ratificam sua lógica de funcionamento.
No início dos anos 1970 configurou-se um novo momento de crise,
propagada como crise do petróleo, uma longa recessão após a onda de expansão
dos “anos dourados”, com o esgotamento do modelo taylorista-fordista e da
regulação estatal de base keynesiana.
45
De acordo com Mota e Amaral (2008), no contexto da crise capitalista
contemporânea, o atual processo de reestruturação produtiva é na verdade um
processo de restauração econômica capitalista para recomposição do ciclo de
reprodução do capital, apresentando novas modalidades de produção e reprodução
social da força de trabalho. Esses elementos expressam mais uma das estratégias
do capital no enfrentamento de mais um momento de crise, identificado em meados
das décadas de 1960-70, a fim de reorganizar as fases do ciclo global, necessários
à manutenção do processo de reprodução da sociabilidade capitalista.
O processo de reestruturação produtiva – enquanto reestruturação da
produção e reorganização dos mercados – determina, também, um conjunto de
mudanças nas formas de organização da produção material e nas modalidades de
gestão e consumo da força de trabalho. Novas modalidades de controle do capital
sobre o trabalho, com a intenção de promover a adesão e o consentimento dos
trabalhadores às mudanças requeridas (MOTA; AMARAL, 2008).
Constitui-se então a terceira fase dos estágios capitalistas, denominada
“mundialização do capital” – com a forte marcha do capital imperialista financeiro –
trouxe a estratégia político-global de reestruturação conjuntural, afetando os
processos produtivos e a gestão do trabalho. Instaura a acumulação flexível, de
base toyotista, e a desterritorialização da produção, com intensa incorporação de
tecnologias resultantes dos avanços técnico-científicos da informática, da robótica e
da microeletrônica. Além desses elementos, outros incidem diretamente sobre a
classe trabalhadora, com a intencionalidade de quebra da consciência de classe, e a
concretude da precarização das relações e espaços de trabalho.
A necessidade real do processo de reestruturação produtiva são as novas
formas de produção, gestão e consumo da força de trabalho, na redefinição das
formas de subordinação do trabalho ao capital através do consentimento ativo dos
trabalhadores ao atual processo de recomposição do capital, que se apresentam,
em verdade, como formas reatualizadas de exploração do trabalho revestidas pela
cultura pacífica e pelas soluções negociadas. Afeta diretamente os processos de
trabalho, operando mudanças de ordem técnica, amparadas em práticas
essencialmente políticas (MOTA; AMARAL, 2008).
Os trabalhadores tendem a se reordenarem, em razão do risco e ameaça do
desemprego estrutural, como expressão de uma modernização conservadora. A
principal estratégia foi externalizar custos e partes da produção, a fim de
46
proporcionar maior flexibilidade na utilização do capital e do trabalho. Assim, a
classe trabalhadora adere, principalmente, aos mecanismos de externalização da
produção pela via da terceirização, quebrando os vínculos de ligação do trabalhador
com a grande empresa e proliferando outras tantas formas de desproteção do
trabalho como o trabalho autônomo e o trabalho em domicílio, e o trabalhador tem a
falsa sensação de ser livre por estar diretamente desvinculado da empresa,
consolidando formas reiteradas de exploração capitalista.
O capitalismo contemporâneo apresenta, ainda, significativos elementos em
seu desvelamento, como a reiteração de formas de exploração do passado, como o
trabalho infantil, doméstico, escravo; a naturalização e criminalização das
expressões da “questão social” e o desemprego enquanto um fenômeno
permanente.
Para legitimar-se, o capital permanece patrocinando a divulgação ideológica
do neoliberalismo, que se materializa nos processos de privatização da máquina
pública e financeirização do capital entoadas pelos movimentos de contra-reformado
Estado, reduzindo direitos e garantias sociais.
Assim, o processo de reestruturação das fábricas implica na modernização
da tecnologia empregada no processo produtivo, e ainda, na modernização da
gestão da produção, porém, o que podemos observar é a aproximação de uma
realidade própria do taylorismo-fordismo, mesclada com características da
“acumulação flexível” – trazida aqui a partir do entendimento apresentado por
Harvey (2010) –, para o qual há uma intensificação do trabalho aliada à exigência de
polivalência.
No atual processo de reestruturação produtiva predominam, ainda, a
circulação de capitais, agora em um sistema globalizado pelo amplo arsenal
tecnológico-informacional e os investimentos especulativos conectados ao fenômeno
de mundialização do capital e de comprometimento das soberanias nacionais.
O Brasil apresenta uma peculiaridade: não chegamos a ver consolidado o
modelo de produção e, já passamos a experimentar a acumulação flexível. Antes
mesmo que o primeiro modelo se estabelecesse de fato, já foi atropelado pelo outro.
O mais interessante, e não menos preocupante de analisar, é que esses modelos
convivem, ainda hoje, a luz do mesmo cenário, o que possibilita a manutenção de
relações obsoletas de trabalho juntamente aos antagonismos provenientes das
rápidas transformações no mundo do trabalho.
47
[...] a marca da reestruturação produtiva no Brasil é a redução de postos de trabalho, o desemprego dos trabalhadores do núcleo organizado da economia e a sua transformação em trabalhadores por conta própria, trabalhadores sem carteira assinada, desempregados abertos, desempregados ocultos por trabalho precário, desalento etc (MOTA; AMARAL, 2008, p.35).
Mota e Amaral (2008) ainda nos reportam que dentre as expressões
particulares do movimento de reestruturação produtiva no Brasil ganha destaque: a
cultura modernizadora de valorização da eficiência privada; a desresponsabilização
do Estado; empregabilidade; a lógica de parceria capital-trabalho; e a passivização
da classe trabalhadora. Trata-se não só de destruir os processos de organização
dos trabalhadores, mas de inflexionar os objetos de suas reinvindicações em outros
significados que sejam favoráveis ao capital. A intencionalidade é formar uma
“cultura do trabalho” que atenda às necessidades da acumulação capitalista,
difundindo conservadorismos e aproximação dos diversos projetos políticos
existentes, numa falsa e ilusória igualdade de classes.
No processo de industrialização brasileiro podemos identificar nitidamente a
convivência de diferentes modelos de inserção do trabalhador, expressando uma
realidade onde a organização do trabalho se apresenta de forma ainda mais
complexa. O que nos deixa diante do regresso da precarização das relações e
condições objetivas de trabalho, ou seja, formas distintas de vinculação ao trabalho
com características de fases específicas do capitalismo que passam a conviver
simultaneamente em uma mesma lógica produtiva.
Nos anos 1970 vemos o retorno ou, pelo menos, o crescimento de formas de
assalariamento pretéritas, que aparecem como produto da flexibilização das
relações de trabalho na perspectiva do capitalismo global. Apresentam-se como um
conjunto de transformações radicais na sociedade em termos econômicos, políticos
e sociais, que recuperam, reformulam e reapropriam formas de utilização da força de
trabalho presentes desde os momentos iniciais do capitalismo industrial (LIMA,
2007).
Sendo assim, mesclam-se relações de trabalho pré-capitalistas com o que
há de mais moderno em termos de produção e gestão do trabalho. É a recuperação
de antigas formas de vinculação da força de trabalho num contexto de precarização.
48
Lima (2007, p. 50) destaca, ainda, que se trata da “[...] permanência de formas de
assalariamento, típicas do capitalismo industrial em seus momentos iniciais, que se
tornaram resquícios num momento de desenvolvimento desse mesmo capitalismo
[...]”.
Essa convivência de modelos diferenciados adentra a realidade das fábricas
brasileiras absorvendo elementos próprios das mudanças estruturais do sistema
capitalista, engendrando em seus processos internos características gerais da forma
como a sociedade está organizada sob a lógica do capital. As transformações
societárias, ao reconfigurarem as necessidades sociais existentes, possibilitam a
criação de outras necessidades, já que metamorfoseiam a produção e a reprodução
da sociedade (NETO, 1996).
Vê-se, agora, não só a permanência das características da produção
industrial do passado taylorista-fordista, mas também a existência de formas de
cooptação dos trabalhadores, através do engajamento destes aos objetivos da
empresa exigida na palavra da fidelidade dos trabalhadores aos valores
empresariais. Conforme Heloani (1996, p. 97):
O objetivo desses enunciados consiste na imposição de um quadro de referências que obrigatoriamente seja utilizado pelos indivíduos no interior da empresa e, ao fazê-lo, os trabalhadores reforçam o corpo de representações inerentes ao conjunto de valores e à codificação que impõem à realidade. Em síntese, o sistema de regras se estrutura como uma gramática dirigida à identificação com os valores da empresa, em particular à subordinação necessária do trabalho ao capital e, nesse processo, a linguagem desempenha papel essencial.
As empresas têm aderido a esses novos fenômenos de reestruturação
organizacional e não os fizeram por mera vaidade, pelo contrário, isto se torna
imperativo frente às novas demandas do capital, que exigem rapidez, agilidade e
inovação. Nessa perspectiva a força de trabalho passa a ser utilizada, mais
intensamente, como forte potencial de lucratividade, deixando de ser um simples
recurso de produção para se tornar, de modo incomparável, um elemento de pró-
atividade e de competitividade, sendo de extrema relevância para o cumprimento de
metas e para a produção de positivas taxas de rendimento. Características estas
que tentam subscrever os elementos essenciais do trabalho, omitindo o trabalho
49
como produtor de valor em sua natureza constituinte, e conduzindo isso como
prerrogativa do modo de produção capitalista.
Nesse ínterim, os trabalhadores passam a ser exigidos em criatividade,
poder de inovação e de decisão, sendo abertos ilusórios espaços de participação e
comunicação direta que dizem privilegiar as pessoas, mas que não interferem, de
fato, nas ações estratégicas e espaços decisórios das empresas.
Sob o capitalismo contemporâneo se acentua a fragmentação e as
desigualdades que delineiam as relações de trabalho e faz com que se desenvolva o
espaço produtivo em bases toyotista. Mesmo assim, a organização do trabalho
fundamentada na precarização, concomitantemente ao envolvimento do trabalhador,
expressa uma subsunção real do trabalho, que se revela como uma tendência do
atual processo de reestruturação produtiva do capital.
Em contrapartida, os trabalhadores não possuem margem de autonomia
para o desenvolvimento de suas atividades, além de realizarem essas tarefas em
condições de trabalho precarizadas e com um sistema de remuneração deficitário,
tal como no período industrial monopolista. Desse modo, esses trabalhadores
também alargaram formas de resistência que adulteram as demandas gerenciais,
mantendo um ciclo intermitente de práticas consideradas desonestas, violação e
depreciação de normas administrativas para responder ao descompromisso social e
humano das empresas para com estes, bem como, a posição agressiva e
conservadora dos postos hierárquicos superiores, o descumprimento de direitos
sociais e trabalhistas elementares, as frequentes ações disciplinares e a ausência de
benefícios sociais privados. Mesmo assim, é importante ratificar que a concepção de
trabalho voltada para o desenvolvimento do gênero humano, não é possível na
sociedade capitalista, já que a exploração do trabalho não é defeito dessa
sociedade, está inerente a ela.
Vimos que, sob o capital, os interesses são contraditórios entre aqueles que
vedem a força de trabalho e os que a exploram. E que, na atualidade, apresenta
propostas de adesão ativa dos trabalhadores ao seu ideário. São ações que visam
minimizar as tensões de classe, mas que de fato não eliminam a condição
explorador-explorado, inerente ao sistema social do capital.
O que difere na forma de controle (via cooptação) do trabalhador pelo
capital no toyotismo é a introdução de elementos que tentam mascar a exploração
com um sistema de benefícios sociais, salários indiretos e premiações. A atual
50
“gestão de pessoas” entende que além da remuneração fixa, é necessário incentivar
continuamente as pessoas para que sejam capazes de alcançar resultados
satisfatórios, apresentando a percepção dos trabalhadores enquanto “parceiros” das
organizações, como colaboradores no fornecimento de conhecimento, habilidades e
competências, no entanto esses não deixam de ser meros recursos da empresa,
partícipes da grande engrenagem.
Sob a condição da separação absoluta do trabalho, a alienação assume a forma de perda de sua própria unidade: trabalho e lazer, meios e fins, vida pública e vida privada, entre outras formas de disjunção dos elementos de unidade presentes na sociedade do trabalho. Expandem-se, desse modo, as formas de alienação dos que se encontram à margem do processo de trabalho. (ANTUNES e ALVES, 2004, 348).
O fato de estar desempregado ou afastado, mesmo que temporariamente,
causa angústia e sofrimento aos trabalhadores. Todos têm consciência que mesmo
trabalhando muito e ganhando pouco, ainda assim é um “ganho certo”. Muitos deles
preferem ocultar as suas queixas, no que se refere a sua saúde, em razão do medo
de serem demitidos e de não encontrarem um novo emprego e ainda para não se
sentirem inúteis. Dessa forma, o trabalhador se entrega à produção, silenciando sua
dor e se rendendo a pressão das chefias por maior produtividade.
O medo imobiliza, deixa-os inseguros. É um medo objetivo, causado por situações vivenciadas no espaço fabril de isolamento, por desqualificações e desmoralizações. Por medo, suportam a dor e se entregam mais intensamente à produção. Alienados de si próprios, desestruturados emocionalmente e sentindo-se culpados, ficam mutilados e submetidos ao poder de um outro homem. (BARRETO, 2003, p.130).
A exigência de um ritmo de trabalho acelerado para acompanhar a
velocidade da máquina, vinculada às condições impróprias de trabalho, torna as
atividades cansativas, onde não são respeitadas as particularidades dos indivíduos,
o que apenas importa é a satisfação das necessidades de produção, onde “tempo é
dinheiro”.
As mudanças que vêm ocorrendo no mercado capitalista, nos processos de
trabalho, com utilização de altas tecnologia e formas inovadoras de racionalização
51
da produção, proporcionam uma redução no valor das mercadorias, que atinge
diretamente a classe trabalhadora, acarretando uma diminuição do valor da força de
trabalho.
A lógica do capital procura, no seu desenvolvimento, colocar sob sua
dependência um contingente humano antes marginalizado, alargando sua reserva
de mão-de-obra e determinando, consequentemente, o preço da força de trabalho.
Assim as empresas absorvem, estrategicamente, a força de trabalho sobrante no
mercado de trabalho, gerando maior absorção de mais-valia por menor custo social
com trabalhadores.
Diante disso e por reconhecer o ambiente de trabalho, nos moldes da
sociedade capitalista, enquanto uma relação de exploração e alienação da classe
trabalhadora fica definida a relação capital-trabalho não só como extração de mais-
valia, mas também, como “máquina” destruidora da saúde, ferramenta fundamental
para o convívio social e, portanto inseparável do trabalho e inestimável para o
trabalhador.
52
A exploração capitalista é assombrosamente clara, colocando o trabalhador num nível inferior ao da máquina. De fato, esta, na permanente passividade da matéria, é conservada pelo dono; [...] e quando morre - digamos assim – [...], origina a mágoa real de um desfalque, a tristeza de um decréscimo da fortuna, o luto inconsolável de um dano. Ao passo que o operário, adstrito a salários escassos demais à sua subsistência, é a máquina que se conserva por si, e mal; as suas dores recalca-as forçadamente estóico; as suas moléstias, [...] - cura-as como pode, quando pode; e quando morre, afinal, [...] ninguém lhe dá pela falta na grande massa anônima e taciturna, que enxurra todas as manhãs à porta das oficinas.
(Euclides da Cunha, Contrastes e confrontos, ensaio, 1907).
As mudanças na estrutura econômica no seio da sociedade capitalista têm
apresentado rebatimentos significativos, também, no campo da saúde, agravando as
condições de vida da população, exigindo das políticas sociais públicas, aqui se
tratando a saúde, uma atenção que contemple a totalidade das relações sociais que
atravessam o cotidiano dessas instituições e seus diferentes níveis de atenção.
A partir do conceito ampliado de saúde, proposto na 8ª Conferência de
Saúde, em 1986, a concepção de saúde passa a se apresentar como não restrita ao
enfrentamento da doença, mas sim como um conjunto de condições básicas que
possibilitem o bem-estar social dos indivíduos, estando relacionada aos diversos
espaços da vida social em sociedade, como educação, moradia, lazer, alimentação,
trabalho.
Para que esse conceito amplo se materialize é preciso, também, garantir
“trabalho em condições dignas, com amplo conhecimento e controle dos
trabalhadores sobre o processo e o ambiente de trabalho” (3ª Conferência Nacional
3 O TRABALHADOR ENTRE A SAÚDE E A (IN) SEGURANÇA NO
TRABALHO
53
de Saúde do Trabalhador, 2005, p.05). Dessa forma vislumbramos que a saúde está
intimamente ligada a outras esferas da vida em sociedade, onde as condições e
organização do trabalho tornam-se determinantes para ter ou não uma vida
saudável. Quando organizado e gerido de forma precária, o que ocorre nos moldes
da sociedade capitalista, tem-se um processo metabólico de destruição da saúde
física e mental dos trabalhadores.
Características claramente expressas no atual padrão de acumulação do
capital, que tem como base a superexploração da força de trabalho, seja pela
inserção de novas tecnologias, seja pelas novas estratégias de organização do
trabalho e da produção, ou ainda, pelas transformações nas formas de reprodução
das relações sociais, constituídas a partir do trabalho, que repercutem de forma
negativa e deletéria na saúde dos trabalhadores. Essas novas estratégias de gestão
da força de trabalho implicam no aumento dos agravos à saúde relacionados ao
trabalho, em que segundo Navarro (2003):
A intensificação do trabalho, que cada vez mais se faz presente na contemporaneidade, tem ocasionado o aumento das doenças relacionadas ao trabalho e criado condições que conduzem ao incremento da probabilidade de acidentes causadores de incapacidade temporária permanente ou mesmo de mortes de trabalhadores, o que evidencia o vínculo causal entre saúde e trabalho.
Exemplo desta realidade, a aceleração, intensificação e precarização dos
modos de trabalhar resultam na ampliação e surgimento de novos casos de doenças
e de riscos de acidentes nos espaços sócio-ocupacionais, que podem ser
percebidos, mais imediatamente, como as LER/DORT10, estafas, cansaço constante,
dores lombares e generalizadas, insegurança intensa evoluindo até a distúrbios
emocionais, além dos danos mais claramente resultantes dos acidentes de trabalho
e fisicamente traumáticos. Vale ressaltar que a socialização desses sintomas é muito
tardia, pois muitos trabalhadores temem a perda do posto de trabalho, como
afirmam Minayo-Gomes e Thedim-Costa (1997):
Por outro lado, a essa forma inconsequente de lidar com a saúde e a vida, une-se a resistência dos indivíduos em aceitar a condição de doentes. O
10
A LER e DORT são as siglas para Lesões por Esforços Repetitivos e Distúrbios Ósteo-musculares Relacionados ao Trabalho, respectivamente, que são doenças caracterizadas pelo desgaste de estruturas do sistema músculo-esquelético que atingem várias categorias profissionais.
54
medo de perder o emprego - garantia imediata de sobrevivência - aliado aos mais variados constrangimentos que marcam a trajetória do trabalhador doente, "afastado" do trabalho, mascara, em muitos casos, a percepção dos indícios de comprometimento da saúde ou desloca-os para outras esferas da vida, inibindo ou protelando, freqüentemente, ações mais incisivas de reivindicação às instâncias responsáveis pela garantia da saúde no trabalho.
Alguns estudos científicos já expressam que os trabalhadores na maioria
das vezes preferem omitir o sofrimento causado pelas doenças profissionais ou
acidentes de trabalho para não serem taxados de inválidos, incompetentes ou
inúteis11, ou ainda a sofrer a sanção mais temida, a perda dos vínculos
empregatícios. Optam por silenciar a dor e só procuram ajuda médica quando já não
mais suportam. Os trabalhadores vivem num verdadeiro clima de incertezas e
desesperanças, vinculando imediatamente o ato de trabalhar a uma dimensão
negativa, um aspecto ruim da vida societária. Neste sentido, vêem apenas os
elementos mais aparentes da realidade que os cercam, enquanto um fenômeno
distorcido do sentido ontológico do trabalho.
A questão central da temática Saúde do Trabalhador é, sobretudo, observar
a relação saúde/trabalho/doença, ou seja, o entendimento que os processos de
trabalho têm papel determinante nas formas de adoecer e morrer da classe que vive
do trabalho, entendida, nos termos de Antunes (2006), como a totalidade dos
assalariados, homens e mulheres que vivem da venda da sua força de trabalho e
que são despossuídos dos meios de produção. Uma relação que tem como
característica o fato de enxergar as questões de saúde e de trabalho em sua
dimensão global e de totalidade.
Para Minayo-Gomes e Thedim-Costa (1997, s/p):
Nesse contexto de reflexão crítica quanto à limitação dos modelos vigentes, criam-se os alicerces para o surgimento dessa nova forma de apreender a relação trabalho-saúde, de intervir nos ambientes de trabalho e consequentemente de introduzir, na Saúde Pública, práticas de atenção à saúde dos trabalhadores, no bojo das propostas da Reforma Sanitária Brasileira. Configura-se um novo paradigma que, com a incorporação de alguns referenciais das Ciências Sociais - particularmente do pensamento
11
Sobre esse assunto consultar a dissertação de Mestrado de Margarida Maria Silveira Barreto, intitulada de Violência, saúde e trabalho: uma jornada de humilhações. Publicada pela editora EDUC de São Paulo, em 2003. O trabalho apresenta uma rica análise sobre o assédio moral e suas repercussões na saúde dos trabalhadores.
55
marxista -, amplia a visão da Medicina do Trabalho e da Saúde Ocupacional.
Assim, a Saúde do Trabalhador constrói seu campo de atuação na Saúde
Pública, e abre espaço para novas discussões em outras áreas do conhecimento,
tendo nessa nova prática um diferencial importantíssimo: a participação dos
trabalhadores, que se materializam mais imediatamente através das Comissões de
fábrica12, organizações sindicais, conselhos de saúde, fóruns de debate e grupos
tripartites13, espaços potencializadores para o questionamento das condições
precárias de trabalho e reivindicação do direito à informação e recusam o
desenvolvimento de trabalho em atividades insalubres que ponham em maiores
riscos a sua saúde sem a proteção adequada.
O trabalho e a saúde estão, portanto, intimamente articulados e em mútua
relação, na medida em que as condições de trabalho contribuem diretamente para
manter e reproduzir a situação de explorado e o comprometimento da saúde,
integridade física e mental e bem-estar social do trabalhador, o que, por seu lado,
está também articulado, no capitalismo, à divisão social do trabalho. Para o aumento
e/ou manutenção dos índices de lucratividade, na atualidade, os “empregadores”
fazem uso cada vez mais da exploração do trabalho, utilizando estratégias de
redução dos custos, salários e direitos sociais e trabalhistas. Há uma intensiva
racionalização da força de trabalho, “enxugando” ao máximo o quadro de
trabalhadores e estendendo a carga de trabalho dos que se encontram no processo
produtivo.
12
A exemplo da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA, regida pela Lei nº. 6.514 de 22/12/77 e regulamentada pela NR-5 do Ministério do Trabalho, aprovada pela portaria nº. 3.214 de 08/06/76, publicada no D.O.U. de 29/12/94 e modificada em 15/02/95.
13 O Decreto nº 4.085, de 15/01/2002 promulga a Convenção n.º174 da OIT e a Recomendação n.º
181 sobre a Prevenção de Acidentes Industriais Maiores, prevendo a participação do tripé governo, empregadores e empregados nas decisões acerca de regulamentações de segurança e medicina do trabalho. Em seu Artigo 2° destaca “Quando se apresentarem problemas particulares de certa magnitude que impossibilitem pôr em prática o conjunto de medidas preventivas e de proteção previstas pela Convenção, todo Estado Membro deverá formular, sob consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores e com outras partes interessadas que possam ser afetadas, planos com vistas à aplicação por etapas de referidas medidas”. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4085.htm >. Acesso em 23 set. 2007.
56
3.1 A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO CAPITALISTA E SUAS IMPLICAÇÕES
PARA A ÁREA DA SAÚDE DO TRABALHADOR
Independente de que fase do capitalismo venhamos a falar, sabemos que
em todas elas ocorrem formas diretas e ativas de degeneração da saúde dos
trabalhadores e da população em geral. Por isso mesmo, junto à luta por melhorias
de salários, sempre se constituiu ponto de pauta e objeto da luta dos trabalhadores a
exigência por condições salubres e seguras de trabalho. Os diferentes modelos de
gestão da força de trabalho e de organização dos processos de produção –
taylorismo, fordismo e o toyotismo – constituem formas diferenciadas de exploração
do trabalho e da classe trabalhadora, bem como de tratar a questão da saúde do
trabalhador, mas que essencialmente reiteram a vitalidade do capital em seu
processo de exploração da força de trabalho.
Essas mudanças na estrutura econômica no seio da sociedade capitalista
têm apresentado rebatimentos significativos, também, no campo da saúde,
agravando as condições de vida da população, exigindo das políticas sociais
públicas, aqui se tratando a saúde, uma atenção que contemple a totalidade das
relações sociais que atravessam o cotidiano dessas instituições e seus diferentes
níveis de atenção.
Nesse sentido, veremos a seguir, mais especificamente, como o campo da
Saúde do Trabalhador foi concebido e praticado em cada uma dessas fases, e como
a organização do trabalho repercute na saúde e na segurança da classe
trabalhadora. Para tanto, buscaremos desvendar a relação entre os regimes de
acumulação do capital e as consequências na saúde do trabalhador, compreendidos
a partir de uma processualidade histórica que os articula como unidade diferenciada.
Nenhum desses modelos apresenta clara e expressamente tipos específicos
de agravos à saúde dos trabalhadores. No entanto os elementos essenciais que os
caracterizam são determinantes para entender o quadro geral de saúde da classe
trabalhadora nos respectivos períodos, assim como permitem analisar de modo mais
abrangente os aspectos tratados até aqui, especificamente, aqueles relacionados
aos avanços e retrocessos da saúde do trabalhador no capitalismo.
57
3.1.1 O Taylorismo e a Saúde o Trabalhador
Ainda durante a vigência da era concorrencial do modo de produção
capitalista no século XIX, centrado na expansão do trabalho assalariado, na plena
vigência do Estado Liberal, e na defesa da liberdade e da igualdade jurídica – com
reduzida interferência nas relações de trabalho e validando o contrato privado –
Taylor14 desenvolveu um modelo de divisão do trabalho baseado no controle do
tempo e rendimentos, aumentando a produtividade à medida que racionalizava a
produção de mercadorias e neutralizava a resistência operária. Separou as
atividades de planejamento das de execução, de forma que cada trabalhador era
treinado e contratado para um posto de trabalho específico, sendo desconsideradas
a aptidão e criatividade do trabalhador num processo maior de expropriação do
saber operário.
Nessa fase há uma maior intensificação das tarefas de caráter repetitivo
onde os indivíduos são valorizados, prioritariamente, em sua capacidade física,
configurando-se enquanto verdadeiros apêndices das máquinas. Segundo Lenhart e
Turmina (2007) “nesta perspectiva não se levava em conta a fadiga, o stress dos
trabalhadores submetidos a extensas jornadas de trabalho”, o que é valorizado é o
quanto o funcionário pode produzir, e não sob que circunstâncias ele produz. Não
são levadas em consideração a saúde e a segurança do trabalho.
O modelo de gestão desenvolvido por Taylor era basicamente fundamentado
na observação e na quantificação. Percebeu que seria possível reduzir o tempo
destinado à execução de determinadas tarefas, observando que os operários as
desenvolviam de formas diferentes, utilizando-se de instrumentos e em espaços de
tempo também diferenciados. Sendo assim, ele propôs a racionalização do trabalho
conforme o estudo dos tempos e dos movimentos, definindo o tempo considerado
necessário para a execução de cada atividade.
Essa padronização do trabalho acarretou um maior controle das operações
pelas chefias, onde o resultado final do processo de trabalho aprofunda a separação
entre produto e produtor, em razão desse mesmo trabalho ser tão partido e
fragmentado. O operário não se identifica com aquilo que cria, reproduzindo de
14
Frederick Winslow Taylor (1856 - 1915), foi um engenheiro mecânico norte-americano, que formoulou vários preceitos da “Administração Científica”, que se desenvolve no século XX com sua obra Principíos da Administração Científica, publicada em 1911.
58
maneira cíclica a “fórmula produtiva” escolhida através da uniformidade dos
movimentos. Essa rígida fragmentação do trabalho acarreta na especialização do
trabalhador em determinadas tarefas, executando-as de forma mecânica, automática
e repetitiva, é na verdade um trabalho “robotizado”, em que o trabalhador é uma
mera engrenagem da máquina, pago apenas para acompanhar o ritmo desenvolvido
por ela, restando-lhe apenas a execução, pura e simplesmente.
Todo esse movimento tinha um objetivo maior: o alcance da eficiência,
refletida na expansão da produtividade e da lucratividade. Caso o trabalhador
apresentasse alguma enfermidade logo seria substituído por outro, assim como as
peças desgastadas também são.
Em razão das atividades monótonas, repetitivas e excessivamente
controladas, aumenta-se a probabilidade de doenças e acidentes de trabalho, ao
passo que se diminui a produtividade e a qualidade do trabalho, tornando-se assim,
um elemento redutor da tão almejada eficiência.
No que se refere às condições de trabalho nessa fase do capitalismo pode-
se inferir que o uso de instrumentos ou equipamentos que viessem a reduzir o
esforço do trabalhador e o tempo gasto para a execução das atividades, implicava
diretamente no aumento do tempo sobrante, que mais uma vez, seria utilizado para
elevação da produtividade e não para reduzir o impacto da carga de trabalho sobre
os trabalhadores.
Dessa forma, a ideia era reduzir o desperdício de tempo e aumentar a
eficiência, fazendo uso do sobretrabalho. Nesta fase a preocupação era única e
exclusivamente com a eficiência, com a produção. Ao trabalhador só cabia mesmo o
incentivo salarial e os prêmios por peça produzida, numa tentativa de ofuscar os
interesses econômicos do empregador.
O ritmo de produção era intensificado, no sistema taylorista, através dos
instrumentos de coerção como a pressão pela extensão da jornada de trabalho; e de
consenso, com o incentivo por peça fabricada, e prêmios por produtividade. Desse
modo, os horários destinados ao descanso eram reduzidos, pois os trabalhadores
passam a ser exigidos cada vez mais, tendo como estímulo o aumento do quantum
salarial. Pelo desgaste físico e mental, a vida em família e em sociedade era
comprometida e o lazer não era um elemento presente no cotidiano dos
trabalhadores.
59
As jornadas extenuantes, em ambientes extremamente desfavoráveis à saúde, às quais se submetiam também mulheres e crianças, eram frequentemente incompatíveis com a vida. A aglomeração humana em espaços inadequados propiciava a acelerada proliferação de doenças infecto-contagiosas, ao mesmo tempo em que a periculosidade das máquinas era responsável por mutilações e mortes. (MINAYO-GOMES e THEDIM-COSTA, 1997).
Neste modelo, a vigilância em saúde no ambiente fabril era voltada para a
reparação de acidentes e doenças do trabalho, não se detendo a prevenção dos
fatores de risco, sendo o médico do trabalhado conhecido depreciativamente como o
“doutor compensação” 15 em razão das práticas puramente curativas. Na França, os
médicos das grandes indústrias passam a ser chamados de “médicos de mãos
sujas” por estarem sempre a serviço do patronato.
Data-se do século XIX a obrigatoriedade das ações em saúde e segurança
nas fábricas restritas aos exames de seleção ou de aptidão dos trabalhadores e na
investigação dos desastres no trabalho, tendo como uma grande conquista do
período, em especial na Europa, o princípio da notificação obrigatória das doenças
profissionais, consolidado a partir do Factory and Workshop Act of 1895, “que
comprometia os médicos a intervir sempre que havia um caso de patologia suspeita
de ter sido provocada pela exposição profissional” (GRAÇA, 1999).
Nesse período, bem como na atualidade, os médicos e outros profissionais
da saúde e da segurança passam a entrar nas fábricas a partir dos imperativos
legais e morais, desenvolvendo ações pontuais e de caráter compensatório,
reforçando a cultura imediatista de reparação dos danos.
3.1.2 O Fordismo e a Saúde do Trabalhador
As propostas fordistas, inicialmente aplicadas na indústria automobilística,
disseminaram-se nas primeiras décadas do século XX. Caracterizavam-se pela
intensificação da racionalização produtiva de origem taylorista. Essa racionalização
15
Tradução do termo compensation doctor utilizado na Inglaterra no início do século XX. (GRAÇA, 1999).
60
baseia-se na linha de montagem, onde são fragmentadas as atividades, resultando
na desqualificação do trabalhador. Esse modelo de gestão estendeu ainda mais a
jornada de trabalho, e consequentemente a exploração do trabalhador, que através
da esteira automatizada foi submetido à intensificação dos ritmos e dos movimentos.
O fordismo se constituiu como um modo de organização da produção e
acumulação capitalista baseado na produtividade e no consumo em massa; um
sistema rígido de produção em série, com padrões de fabricação e cuidado especial
com a otimização da produção sem desperdícios. Este modo organização da
produção que nasceu na própria indústria Ford, nos Estados Unidos, introduziu
esteiras rolantes que levavam o chassi do carro e as demais peças a percorrerem a
fábrica enquanto os operários distribuídos lateralmente iam montando os veículos
(FRAGA, 2007). Porém, um diferencial importante foi o chamado “pacto fordista” que
assegurava o aumento da massa salarial e concedia alguns benefícios sociais e
trabalhistas em troca de alta produtividade e garantindo o consumo relativamente
massivo, principalmente nos países centrais.
Ford fez um acordo geral que aumentou o salário nominal de 2,5 para 5 dólares ao dia. Mas o que Ford pretendia ao dobrar o salário de seus trabalhadores? É claro que a explicação não vem de uma das suas famosas frases "quero que meus trabalhadores sejam pagos suficientemente bem para comprar meus carros", já que eles eram responsáveis por uma fatia muito pequena das suas vendas. O five dollars day acabava com a alta rotatividade dos trabalhadores. Para que continuassem recebendo o salário duplicado, os operários faziam de tudo para permanecerem na Ford Motor Company. Com isso, as funções na linha de produção tinham fixas a elas trabalhadores que ficavam por mais tempo na empresa, aumentando a prática em determinada função e diminuindo o tempo de cada movimento. Além disso, ao impedir a alta rotatividade dos trabalhadores, economizava-se dinheiro gasto em sua preparação e treinamento. (FRAGA, 2007, p. 2).
Temos uma representação clássica deste processo na obra de Charles
Chaplin “Tempos Modernos” (1936), que retrata de forma brilhante o processo de
desumanização promovido pela inserção intensiva de máquinas no sistema
produtivo somado a exaustão do trabalho braçal, fatores esses, amplamente
destrutivos da saúde do trabalhador.
A acentuação da intensificação produtiva, com as esteiras móveis e a
mecanização do trabalho, manifesta a alienação dos trabalhadores e a divisão entre
61
os que pensam e os que executam, entre trabalho intelectual e braçal. Baseando-se
nos estudos de tempo e de movimento e na remuneração produtiva, ambos
desenvolvidos por Taylor, compondo-se, assim, o binômio taylorismo-fordismo.
Assim, o modelo fordista pode ser entendido por uma série de
características: a separação entre projeto e execução, iniciativa e atendimento a
comandos, liberdade e obediência (BAUMAN, 2001); baixa mobilidade dos
trabalhadores; homogeneização da força de trabalho; mão-de-obra numerosa e
predominantemente masculina (BEYNON, 1995); rotinas de trabalho; controle do
tempo; adaptação ao ritmo da máquina; e homogeneidade dos produtos (ANTUNES,
2006)16.
[...] ao operário já não cabia pensar o seu trabalho, mas apenas reagir interpretativamente aos movimentos que o ritmo do processo de trabalho impunha ao seu corpo. O processo de trabalho não dependia da mediação de sua interpretação para que tivesse seqüência. Seu corpo fora transformado num instrumento dos movimentos automáticos da linha de produção. (MARTINS, 1994, p.18).
É justamente nesse período que surgem as primeiras ações de segurança
do trabalho, a partir da segunda Revolução Industrial e com o advento do padrão
taylorista-fordista, com incursão na medicina do trabalho17, como expressão das
lutas de classes e da pressão dos trabalhadores por melhores condições de
trabalho.
Este processo de industrialização trouxe graves consequências sociais,
percebidas, sobretudo, no nível da saúde ambiental, comunitária e familiar, não
percebidos seus efeitos, particularmente, na saúde individual dos trabalhadores,
exceto no caso das crianças e mulheres, brutalmente exploradas nas minas de
carvão e nas indústrias têxteis. Graça (1999), ainda nos revela que na Europa do
século XIX, o problema das indústrias insalubres e perigosas não se põe tanto na
perspectiva da saúde da população trabalhadora (indivíduo), mas já se pauta como
16 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2006. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. BEYNON, Huw. A destruição da classe operária inglesa. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 27, p. 5-17, Fev. 1995. 17
Marx em O Capital já citava, em especial no capítulo da Grande Indústria, os relatórios governamentais ingleses que atestavam a presença dos médicos no ambiente fabril.
62
campo da “saúde pública” 18. Isso denota a necessidade atual de repercussão das
condições de trabalho enquanto uma questão de saúde coletiva que deva estar em
pauta nas políticas públicas de saúde e trabalho, no entanto, o destaque de “saúde
pública” revela, na verdade, no período, a relação paralela entre as condições de
saúde das populações e a forma como o trabalho está organizado nos ambientes
fabris, em que era entendida a relação saúde-trabalho, mas não se procurava sanar
a origem dos grandes problemas de saúde urbana, ou seja, intervir efetivamente nas
fábricas.
Neste momento, a medicina atua no serviço da seleção de pessoal e na
vigilância periódica da saúde do operário-massa, atuando com o intuito de prover o
máximo de rendimento do trabalhador com o menor desgaste biológico. O
trabalhador era visto como uma máquina que deve ter total eficiência e o mínimo de
manutenção, em contra partida, sem “garantia de fabricação”.
Nessa fase do capitalismo são desenvolvidas as teorias da Saúde
Ocupacional, com caráter meramente curativo, com solução rápida para os
acontecimentos, de forma a não interromper o processo de produção, sendo
requerida a reposição do trabalhador de forma breve. Assim como uma peça que se
troca na engrenagem quando já está desgastada.
3.1.3 O Toyotismo e a Saúde do Trabalhador
O modo de gestão do trabalho toyotista ou acumulação flexível implica em
sérios agravos à saúde dos trabalhadores, e em sua extensão, a toda a população,
uma vez que está interligado a uma crise estrutural do capital, onde há uma busca
incessante pelo retorno aos anteriores níveis de acumulação, usando para isso
enquanto estratégia, a exploração da mão-de-obra, por meio de inovações
tecnológicas ou ainda, através de uma extrema intensificação do ritmo de trabalho,
obtendo-se assim um maior controle, objetivo e subjetivo, sobre a força de trabalho.
18
A preocupação com os ambientes fabris era evitar que estes contribuíssem com risco de epidemias e com a propagação de doenças infectocontagiosas como a cólera, o tifo ou a tuberculose nas novas aglomerações populacionais, nascidas com a revolução industrial.
63
No toyotismo a empresa adere uma imagem de “empresa-família”, elevando-
se o compromisso e a exigência por parte da mesma são oferecidos benefícios
como recompensa pelo saber operário, pelo atendimento de metas e pelos ganhos
por produtividade.
Nessa fase, de acordo com entendimento de Chiavenato (1999b), na
perspectiva da administração científica, o trabalhador passa a ser multifuncional,
com ênfase no trabalho em equipe e não mais no campo do individual. Há intensa
utilização dos recursos informáticos e mudanças nas relações trabalhistas, com
novas formas de vinculação ao trabalho, como por exemplo, os contratos
temporários, parciais, prestação de serviço, terceirização, entre outros. Aumenta-se
o controle dos processos de trabalho, eliminando ao máximo as falhas, reduzindo os
custos e elevando os lucros. A empresa oferece maior satisfação pessoal e
participação nas decisões. No entanto, mascara formas tão degradantes como as
dos modelos anteriores de exploração do trabalhador, extraindo o que nele há de
mais valioso: sua capacidade produtiva, sua saúde, sua auto-estima, sua identidade
enquanto classe, e até mesmo sua vida.
Pode-se observar que houve mudanças nas formas de controle, passando a
ser de cunho mais subjetivo e quase imperceptível, com vistas a um
comprometimento silencioso que envolvesse a alma dos trabalhadores, o que
acabava refletido nas suas formas de adoecimento. Esse é o caso do assédio
moral19, fenômeno que se faz presente na realidade organizacional, mas que
frequentemente é banalizado, e até ignorado; algumas vezes por indiferença, outras
por covardia e, na maioria das vezes a razão é o próprio desconhecimento.
Os agravos silenciosos incorporam o hall das formas mais diversificadas de
como a moralidade do capital afeta à saúde e adoece o trabalhador como
circunstância mais direta e visível. De acordo com Barreto (2003), outras formas de
agravos como a violência e o assédio moral, qualificam-se como formas subjetivas e
sutis de violência, que adoecem os sujeitos e lhes retira o sentido do ser social,
tornando-se então necessário desvendar essas formas de violência no trabalho que
19
O assédio moral é um fenômeno antigo, mas só a partir da década de 1990 vem despertando o interesse dos estudiosos. Caracteriza-se por situações humilhantes e constrangedoras, que degradam a dignidade da pessoa humana, principalmente durante o exercício de suas funções laborais. Esta prática afeta fisicamente e psiquicamente os trabalhadores, motivo pelo qual está sendo enquadrado no campo das doenças relacionadas ao trabalho. O termo “assédio moral” teve grande repercussão a partir da obra, da psicóloga francesa Marie-France Hirigoyen, “Assédio Moral – A Violência Perversa no Cotidiano”, de 1998.
64
se apresenta de forma crescente e grave no cotidiano da organização do trabalho.
Isto nos levanta a necessidade, no cotidiano das ações profissionais, de um olhar
direcionado ao sujeito e não só à doença/agravo, como meio para analisar o
“subtexto” das queixas apresentadas.
É no toyotismo que surgem os Círculos de Controle de Qualidade – CCQ
valorizando o trabalho em equipes autogeridas, com ênfase na melhoria da
qualidade, com a proposta de oferecer um espaço para que os trabalhadores
participem da solução de problemas ligados à empresa, melhorando a comunicação
e o relacionamento interpessoal na hierarquia funcional. Tais estratégias ocultam
seus limites uma vez que, efetivamente, não alcançam os espaços decisórios, seja
no interior da fábrica, seja no campo mais amplo das decisões político-
governamentais.
As características básicas desse modo específico de gerir o trabalho estão
vinculadas às inovações tecnológicas inseridas no atual processo de reestruturação
produtiva. Seus resultados nos mostram a precarização das relações e das
condições de trabalho e a flexibilização do trabalho, via terceirização, trabalho
temporário e parcial, onde também são flexibilizados direitos sociais e trabalhistas.
Já os processos de desgaste-reprodução dos trabalhadores não têm sido revertidos
ou amenizados, simplesmente vêm adquirindo novos padrões, tendo acentuado a
presença de elementos que configuram as cargas fisiológicas e psíquicas.
Desse modo, os processos de trabalho se apresentam de forma mesclada,
onde os diferentes modelos de gestão do trabalho se confundem e se completam
num misto de produção e de superexploração do trabalho.
É importante lembrar que no cenário brasileiro, no que se refere aos
processos produtivos, pode-se desvelar que em uma mesma organização convivem
tecnologias de primeira dimensão, provenientes do processo de acumulação flexível
e processos de trabalho característicos das fases anteriores, fordismo e taylorismo,
onde predominam processos de trabalho e consequentemente, acidentes de
trabalho típicos, com mutilações, amputações e mortes, além das doenças
profissionais ligadas a determinados ramos da produção.
Ao passo em que o capital investe fortemente na ampliação dos níveis de
acumulação, o trabalhador é cada vez mais explorado até chegar o seu
esgotamento físico e mental, sujeitando-se a atividades precárias, em razão da
insegurança que permeia os ambientes de trabalho. Se sujeita também a fortes
65
pressões pela responsabilidade da qualificação, pela manutenção do emprego e
pela forte concorrência, no interior dos ambientes de trabalho, aliadas ao
desemprego, “traduzido atualmente na angústia mais aterradora do indivíduo”, que
eleva sobremaneira as doenças ocupacionais derivadas dessas condições de
trabalho (LENHART e TURMINA, 2007).
A sociedade incentiva o trabalhador na troca de sua saúde pelo pagamento de percentuais de insalubridade e periculosidade, como alternativa mais barata, o que desresponsabiliza os patrões de investimentos na melhoria das condições ambientais de trabalho. É uma premiação perniciosa do risco, lesiva aos interesses do próprio trabalhador que perde a sua saúde e lesiva ao interesse de todos porque o SUS e a Previdência Social arcam com as consequências dos danos à saúde dos trabalhadores – quando ele tem direito. (Vasconcelos, 2007, p. 263)
Na atualidade multiplicam-se novas propostas capitalistas, tais como o
conceito de Responsabilidade Social Empresarial, que se apresenta enquanto uma
ferramenta de gestão utilizada para garantir transparência e compromisso ético com
as demandas sociais dos trabalhadores (CHIAVENATO, 2004). Na verdade
sabemos que tal proposta não significou nem a efetivação de ambientes de trabalho
menos nocivos, nem o desenvolvimento de processos produtivos sem danos
ambientais. Ao contrário, apenas incluem as responsabilidades em segurança e
saúde no trabalho no âmbito do marketing social e empresarial, com planos de auto-
gestão que transformam saúde em negócio, bem como os programas de redução de
acidentes, compromisso com questão ambiental e responsabilidade social enquanto
prerrogativas de mercado.
Essa tendência de responsabilidade sócio-ambiental, enquanto uma das
muitas visões que se ancoram no atual ambiente pós-moderno, reproduzindo-se
amplamente no senso comum, em especial no trato das expressões da “questão
social”, coloca como o grande desafio para a atualidade a proposta de
responsabilizar os indivíduos, as empresas, a “sociedade civil” para melhorar seu
relacionamento com o meio ambiente. Configura-se aqui uma reatualização das
perspectivas de humanização do capitalismo.
No entanto, o capitalismo, em si, produz contraditoriamente processos de
humanização/desumanização. A relação do homem com a natureza, numa
66
perspectiva marxiana, mostra-nos que há uma diferença ontológica, que não há
identidade entre natureza-sociedade. Na medida em que as sociedades se
complexificam, que se desenvolvem as forças produtivas capitalistas, há uma
superação crescente das barreiras naturais, numa busca de atendimento às
necessidades sociais dos homens, através de um intercâmbio com a natureza, que,
no modo de produção capitalista, é cada vez mais destrutivo.
A forma como o desenvolvimento histórico do capital acontece,
contemporaneamente, faz com que se mantenha uma relação de destruição com a
natureza, uma apropriação em que as relações sociais sob o capital, não pensam o
futuro da humanidade em seu sentido histórico de desenvolvimento do gênero
humano, já que se volta, fundamentalmente, para a produção de valor de troca.
Mesmo que o discurso hegemônico queira nos fazer acreditar, segundo
Dejours (2006, p. 27) “que o sofrimento no trabalho foi bastante atenuado ou mesmo
completamente eliminado pela mecanização e a robotização”, as formas de
organização do trabalho na sociedade capitalista, sobretudo as contemporâneas,
revelam que por trás do progresso técnico e inovações dos processos gerenciais
temos inúmeros trabalhadores inseridos em condições de trabalho precárias,
inclusive desenvolvendo atividades sob condições penosas que não acompanham
os avanços da produção humana e que se configuram em novas formas de explorar
o trabalhador e de reforçar a insegurança no trabalho. O que nos leva a afirmar que
do taylorismo ao toyotismo, a “forma” de organizar o trabalho e os respectivos
processos de trabalho e gestão da força de trabalho mantêm estreita relação com as
formas de adoecimento dos indivíduos, configurando-se como determinantes para a
saúde.
67
3.2 AS MUDANÇAS TEÓRICO-CONCEITUAIS NO CAMPO DA SAÚDE DO TRABALHADOR
A partir das considerações anteriores acerca da relação entre as mudanças
na organização da produção capitalista e suas implicações para o debate da saúde
do trabalhador, veremos com essa discussão sofre modificações teórico-conceituais
que se deram a partir dos determinantes históricos da processualidade capitalista.
Ou seja, embora a exposição a seguir apresente o debate em sua “evolução”
teórico-conceitual, não há aqui qualquer concessão a um tratamento formal-abstrato
da questão.
Essas repercussões na saúde dos trabalhadores não são meras
consequências das atuais mudanças e configurações no mundo do trabalho, mas
uma marca registrada de todo o processo de desenvolvimento do modo de produção
capitalista, desde sua origem até os dias atuais.
Sabe-se que desde a Antiguidade, as formas de adoecimento dos indivíduos
já eram identificadas em sua estreita relação com o trabalho, sendo essa relação
ainda mais reforçada durante a Revolução Industrial. No entanto, isso não se
constituía foco de atenção, afinal o trabalho era tido inicialmente como castigo,
punição, fardo, enfim, adjetivos bem próprios de sua definição original: tripalium20,
que se refere a um instrumento de tortura utilizado para punir os escravos. Apesar
das inúmeras tentativas de enaltecer e supervalorizar o trabalho enquanto atividade,
reconhecimento profissional, o termo jamais perdeu sua primitiva ligação com a dor
e o sofrimento. O que se distingui da perspectiva aqui adotada, que pensa o trabalho
em sua dimensão estruturadora do ser social como gênero humano.
Conforme estudos de Oliveira (2001) e Souza (1998) as ações voltadas para
a saúde dos trabalhadores tiveram início com a Medicina do Trabalho, surgida na
Inglaterra após o advento da Revolução Industrial, na primeira metade do século
XIX. O surgimento da medicina do trabalho tornou-se uma exigência diante da
intensificação do trabalho e da submissão dos trabalhadores a processos produtivos
precários, desumanos e em ritmo cada vez mais acelerados, tornando necessária a
20
Disponível em: <http://www.sualingua.com.br/02/02_trabalho.htm> . Acesso em: 16 set. 2007.
68
intervenção médica no interior das fábricas, como forma de manter os ritmos da
produção.
Nessa ótica, o grande objetivo dos médicos do trabalho desse período era
preservar o potencial físico e psicológico dos trabalhadores em seu nível máximo,
constituindo num forte aliado na busca por maior produtividade. Nesse período era
perceptível uma visão eminentemente biologizante e individual: focada na figura do
médico; restrita aos espaços das unidades fabris; reprodutora de uma relação
unicausal, onde se buscava apenas a causa para cada doença ou acidente na
tentativa de saná-la; ou, ainda, estritamente vinculada às necessidades de
reprodução da força de trabalho.
Dessa forma, cabia ao médico, a responsabilidade de manter nas linhas de
produção os trabalhadores mais saudáveis, afastando aqueles que sofriam de algum
mal. A presença da figura do médico no ambiente laboral era uma garantia para o
empresário de recuperação da saúde dos seus operários para que eles retornassem
o mais rápido possível para a produção e para que eles pudessem produzir cada vez
mais, tendo, portanto, como objetivo a eliminação dos obstáculos postos ao
desenvolvimento econômico da época.
Essa maneira de lidar com a saúde do trabalhador com ênfase no
tratamento e recuperação não permite que questões ligadas às condições sociais de
vida, à subjetividade e as percepções do trabalhador sejam consideradas,
revelando, portanto, a impotência da Medicina do Trabalho para intervir sobre os
problemas de saúde causados pelo processo de produção.
Superado esse modelo, surge a Saúde Ocupacional por volta de da década
de 1950, seguindo determinações das convenções da OIT e apresentando, em certa
medida, uma superação da Medicina do Trabalho, expressando outras proposições
relacionadas à área, acompanhando as contradições da dinâmica capitalista. Ela
emergiu como uma resposta às demandas contraditórias do capital – buscando um
modelo que desse conta da vida do trabalhador como forma de mantê-lo produtivo –
e do trabalho, decorrentes das reivindicações operárias, históricas, por melhores
condições de trabalho.
Esse modelo se caracteriza, ainda, por uma ação de caráter interdisciplinar,
relacionando o ambiente de trabalho às formas de adoecer dos trabalhadores. Essa
nova teoria atribui a um conjunto de riscos à produção da doença, tendo assim, um
69
enfoque multicausal, observando além dos exames médicos os indicadores
ambientais.
Nesta fase, conforme Mendes e Dias (1991), diferentemente da primeira,
que era predominantemente curativa, são desenvolvidas ações de promoção da
saúde com atividades educativas que tinham como objetivo mudar o comportamento
das pessoas no espaço ocupacional. É importante perceber que mais uma vez o
indivíduo é culpabilizado, sendo, portanto, o único responsável pelas mudanças em
prol de sua saúde física e psicológica, como afirmam Machado e Minayo-Gomes
(1995 apud MINAYO-GOMES e THEDIM-COSTA, 1997):
Entretanto, as medidas que deveriam assegurar a saúde do trabalhador, em
seu sentido mais amplo, acabam por restringir-se a intervenções pontuais sobre os
riscos mais evidentes. Enfatiza-se a utilização de equipamentos de proteção
individual, em detrimento dos que poderiam significar a proteção coletiva;
normatizam-se formas de trabalhar consideradas seguras, o que, em determinadas
circunstâncias, conforma apenas um quadro de prevenção simbólica. Assumida
essa perspectiva, são imputados aos trabalhadores os ônus por acidentes e
doenças, concebidos como decorrentes da ignorância e da negligência,
caracterizando uma dupla penalização.
É importante ressaltar que entendemos a “evolução conceitual” do campo
temático por meio das razões sócio-históricas que as determinaram. Nesse sentido,
o campo temático da saúde do trabalhador é, também, expressão das necessidades
sociais concretas das classes, que se manifestam em sua aparência como
demandas21, contraditórias por natureza.
Em razão das limitações dos modelos até então vigentes surge na década
de 1980 à área da Saúde do Trabalhador, que no Brasil aparece num contexto
conjuntural marcado por reivindicações sociais e sindicais que lutavam por melhores
condições de vida e de trabalho. Tal concepção permite tratar a saúde do
trabalhador como “questão social” na medida em que passa a ser vista como
resultante das condições de vida, de trabalho, das relações Estado-sociedade, etc.
21
Mota e Amaral (2008) nos explicam que as novas modalidades de produção e reprodução social da força de trabalho, sob a sociabilidade capitalista, colocam em disputa esses dois conceitos, considerando as “demandas” como requisições técnico-operativas ligadas ao mercado de trabalho, que não expressam as reais necessidades sociais; já as “necessidades sociais”, representam a problematização das demandas apresentadas, pensadas a partir da realidade concreta.
70
Enfim, quando a politização da saúde como questão política e social é colocada para
a sociedade brasileira, se materializando na luta em prol da construção de uma
sociedade democrática.
O entendimento de que a saúde dos trabalhadores extrapola os limites da saúde ocupacional possibilita conceituá-la como resultante de um conjunto de fatores de ordem política, social e econômica. Em síntese, saúde dos trabalhadores significa: condições dignas de vida; pleno emprego; trabalho estável e bem remunerado; oportunidade de lazer; organização e participação livre, autônoma e representativa de classe; informação sobre todos os dados que digam respeito à relação vida, saúde, trabalho; acesso a serviços de saúde, com capacidade resolutiva, em todos os níveis; recusa ao trabalho sob condições que desconsiderem estes e outros tantos direitos. (BRASIL, 2005, p. 09)
22.
Desse modo, as ações em saúde do trabalhador devem zelar pela saúde
nos ambientes laborais e nas relações dos indivíduos sociais com o trabalho,
promovendo a saúde, prevenindo riscos e agravos, reparando os danos à saúde e
reabilitando o trabalhador, o que enfatiza a compreensão da Saúde do Trabalhador,
conforme Laurell e Noriega (1989 apud OLIVEIRA, 2001, s/p), enquanto:
[...] um campo do saber que busca compreender a relação do processo de saúde/doença no trabalho, entendendo a saúde e a doença articulado com o modo de produção e desenvolvimento da sociedade num determinado contexto histórico. Parte do princípio, que a forma de inserção dos homens no trabalho, contribui efetivamente para sua forma de adoecer e morrer.
A questão central na perspectiva da Saúde do Trabalhador é a relação
saúde/trabalho/doença, ou seja, o entendimento que os processos de trabalho têm
papel determinante nas formas de adoecer e morrer dos trabalhadores. O trabalho
não pode ser visto apenas como uma fonte de dominação e exigências e sim como
um fator de questionamento para alterações políticas, sociais e econômicas
vigentes.
22
Fragmento de texto contido nas principais deliberações resultantes da 1ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador relacionadas com o temário da 3ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador. Disponível em: BRASIL. Ministério da Saúde. 3ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador – 3ª CNST: “trabalhar, sim! adoecer, não!” (coletânea de textos). Brasília: Ministério da Saúde, 2005.
71
O melhor interlocutor para os problemas dos trabalhadores é ele próprio, em cujas mãos está a força das mudanças. Não podemos analisar a saúde do trabalhador de uma forma fragmentada e sim enquadrada num contexto complexo, com várias vertentes que confluem para a formação do novo homem. (SOUZA, 1998)
23.
Todo esse processo social se desdobrou, no Brasil24, em uma série de
iniciativas e se expressou nas discussões da 8ª Conferência Nacional de Saúde
(1986), na realização da I Conferência Nacional de Saúde dos Trabalhadores em
dezembro do mesmo ano, e foi decisivo para a mudança de enfoque estabelecida na
nova Constituição Federal (1988, p.50).
O Sistema Único de Saúde - SUS se institucionalizou a partir de uma
construção social proposta pelo Movimento da Reforma Sanitária – movimento pela
transformação do setor da saúde, que lutou pela elevação dos padrões de saúde da
população – sendo regulamentado pela Carta Constitucional de 1988, considerado
enquanto uma das mais bem sucedidas conquistas de ordem democrática no âmbito
das Políticas Sociais, constituído segundo LIMA (et al, 2005, p. 15), pela afirmação
do binômio “saúde e democracia”, consolidando a assistência à saúde de forma
integral, em seu caráter universal, com acesso igualitário na forma de prestação de
serviços descentralizados e hierarquizados, com ênfase na participação social.
Dessa forma, temos na Constituição Federal de 1988 e na consequente
implantação do SUS, uma real atenção à saúde do trabalhador, passando a ser
melhor discutida nas agendas políticas e planos de ação voltados para a garantia de
ambientes de trabalho “livres” de agentes nocivos a uma vida humana “digna”, ainda
que nos marcos do modo de produção capitalista.
Resultante de um processo Constituinte marcado pela participação dos
movimentos sociais e sindicais, a incorporação da Saúde do Trabalhador como
competência própria da política de saúde é uma conquista que deve ser
comemorada por todos os segmentos sociais.
Mais recentemente, a denominação "saúde do trabalhador" aparece,
também, incorporada à Lei Orgânica da Saúde (1990), que estabelece sua
23
Citação extraída da tese de doutorado de Hilda Maria Montes Ribeiro de Souza, disponível em: <http://portalteses.cict.fiocruz.br/transf.php?script=thes_chap&id=00010705&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 18 set. 2007. Sem numeração das páginas.
24 Pontuaremos neste momento alguns dos avanços políticos na atenção á saúde dos trabalhadores,
outras questões jurídico-legais serão contempladas no item 3.3, que se refere à legislação brasileira na área.
72
conceituação e define as competências do Sistema Único de Saúde neste campo.
Portanto, a lei nº. 8.080/90 (LOS) define a Saúde do Trabalhador como sendo:
[...] um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho [...].
Embora a Constituição Federal de 1988 e a Lei n°. 8.080/90 confiram
funções essenciais ao SUS, em relação à saúde do trabalhador, somente a partir de
2003 é que o governo federal vem desencadeando iniciativas concretas no sentido
de que a Saúde do Trabalhador, progressivamente, passe a ser assumida pela
saúde pública, com obrigações bem definidas nas esferas federal, estadual e
municipal. Isto se dá através da Política Nacional de Saúde do Trabalhador
juntamente com a criação25 e a ampliação26 dos Centros de Referência em Saúde
do Trabalhador – CEREST´s previstas pela Rede Nacional de Atenção Integral à
Saúde do Trabalhador – RENAST.
De acordo com a Portaria 2.437/2005 o CEREST tem por missão:
[...] o provimento de retaguarda técnica para o SUS, nas ações de prevenção, promoção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e vigilância em saúde dos trabalhadores urbanos e rurais, independentemente do vínculo empregatício e do tipo de inserção no mercado de trabalho.
O CEREST destina seus atendimentos aos trabalhadores acometidos por
agravos a sua saúde, resultantes de: acidentes do trabalho e doenças profissionais,
agravos que têm relação com condições específicas de trabalho; doenças
relacionadas ao trabalho como prevê a Política Nacional de Segurança e Saúde do
Trabalhador – PNSST, de 29 de dezembro de 2004. Seu trabalho deve ser
desenvolvido de forma articulada não só internamente, mas efetivamente em razão
25
Portaria nº. 1679/GM de 19 de setembro de 2002 que dispõe sobre a estruturação da rede nacional de atenção integral à saúde do trabalhador no SUS e dá outras providências.
26
Portaria nº. 2.437/GM de 7 de dezembro de 2005 que dispõe sobre a ampliação e o fortalecimento da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador - RENAST no Sistema Único de Saúde - SUS e dá outras providências.
73
do trabalho com parcerias, a fim de possibilitar qualidade aos serviços prestados,
desenvolver a rede de profissionais envolvidos e garantir a transversalidade das
ações em saúde do trabalhador, como está posto que:
Em razão da abrangência de seu campo de ação, a saúde do trabalhador, obrigatoriamente, exige uma abordagem intra-setorial, multiprofissional e interdisciplinar, que envolva todos os níveis de atenção e esferas de gestão do SUS, e intersetorial, dos setores da previdência Social, Trabalho e Emprego, Meio Ambiente, Justiça, Educação e outros relacionados com as políticas de desenvolvimento, com a participação pró-ativa do trabalhador. (3ªCNST, p.55).
Assim, as ações do CEREST devem ser realizadas em sintonia com a esfera
privada, com as várias instâncias do poder público e com outros espaços
societários, em especial com os movimentos sociais de organização dos
trabalhadores.
Essas proposições se configuram enquanto instrumentos legais de
articulação entre o Ministério da Saúde, as Secretarias de Saúde dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, tendo como objetivo desenvolver, no âmbito do
SUS, ações de prevenção, promoção e recuperação da saúde dos trabalhadores
urbanos e rurais, independentemente do vínculo empregatício e tipo de inserção no
mercado de trabalho.
Desse modo, a efetivação da ampliação da Rede se dará a partir da
adequação e da ampliação dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador –
CEREST e pela incorporação das ações de saúde do trabalhador na atenção básica,
integrando dessa forma a rede de serviços do SUS.
Conforme Silva (2000), no campo da saúde, assim como nos outros espaços
de decisão política, os grupos se organizam e negociam seus interesses. As
instâncias colegiadas do SUS, especificamente os Conselhos de Saúde (Estadual –
CES e Municipal – CMS) e as Comissões Intergestores Bipartites - CIB, constituem
arenas de embates constantes entre escolhas políticas e técnicas, assumindo
elevado grau de importância na formulação e implementação da política de saúde
atual.
É certo que, se por um lado os conselhos e as comissões são um espaço intermediário cuja criação buscou abrir os fechados círculos tecnocráticos de decisão no autoritarismo, por outro congregam cúpulas que formam uma
74
elite, cuja tendência à oligarquização deve ser continuamente combatida mediante a renovação periódica dos membros e a vigilância das conferências de saúde. De toda forma, as arenas colegiadas do SUS representam uma parcela importante dos interesses dos cidadãos, incentivam a capacidade de mobilização e organização dos atores e contribuem para a democratização do policy-making setorial. (SILVA, 2000, p. 85)
A Política de Saúde abrange questões relativas ao poder em saúde:
natureza, estrutura, relações, distribuição e lutas, se referindo basicamente ao
estabelecimento de diretrizes, planos e programas de saúde em consonância com a
participação popular. Fato que ainda não é contemplado efetivamente nos processos
de emergência, formulação e implementação de políticas que constituem a agenda
pública, pois fica congelado diante das ingerências governamentais, ao invés de se
tornarem objeto de intervenção da dinâmica e atuação de seus atores sociais (PAIM,
2003).
Nesse período dos anos 1990, a política de saúde, inserida no contexto
neoliberal, sofre com o ajuste fiscal, acometida por uma política econômica
privatizante e pelo enxugamento do Estado nos gastos sociais, resultando no
sucateamento dos serviços sociais públicos, que desresponsabilizam a máquina
estatal e transferem para a esfera do mercado parte de suas obrigações previstas
constitucionalmente.
Diante da exposição dos fatos, se faz urgente o rompimento com as
concepções ainda hegemônicas nos espaços de trabalho e nos profissionais da
área, que consideram o processo de trabalho na simples relação
causa/consequência e que têm um direcionamento uni ou multicausal, para só então
compreender a dimensão social e histórica do trabalho e da saúde/doença, pois
segundo Lefèvre (1999 apud BARRETO, 2003, p.55) a doença:
Tem certamente algo a ver com alguma coisa que vai mal dentro de nós, de nosso corpo. Mas não é apenas da ordem do “fisicamente constituído”. Vai além, entrelaçando o individual e o biológico num acontecer socialmente determinado e construído, revelador da complexidade corporal dos trabalhadores, que produzem e reproduzem seus meios de existência e sua vida material.
75
É preciso, portanto, apreender a transversalidade das questões ligadas à
saúde, entendendo sua complexidade e sua inter-relação com as condições de vida
e de trabalho, e ainda, sua influência nas relações sociais. Não podemos nos deter
apenas ao que é visível aos olhos, como os acidentes de trabalho. Muitas doenças
como é o caso da LER/DORT são ignoradas em razão da sua difícil comprovação,
como também as situações de assédio moral e sexual, depressão e stress no
trabalho, tornando-se uma dupla violência, silenciosa e com efeitos amplamente
degradantes à saúde física e psicológica dos seres humanos.
Assim, propomos o desempenho da atenção em saúde no campo da saúde
do trabalhador – CEREST, em articulação com a Política Nacional de Saúde e
Segurança do Trabalhador, faz-se necessário destacar que esta dissertação se
apresenta enquanto um dos novos desafios da contemporaneidade, apontando a
necessidade de uma visão social macro, baseada numa análise crítica das relações
sociais na qual está inserida, o que aponta para a abordagem da temática como
mais uma expressão da “questão social” entendida nas suas múltiplas
determinações.
3.3 A (IN) SEGURANÇA DO TRABALHO
No item que segue pensaremos a o conceito de segurança do trabalho e os
sistemas formais de proteção dos espaços de trabalho em embate com as reais
condições oferecidas por essa política, aliando às formas de enfretamento desse
campo de ação pelo Estado no Brasil.
A literatura técnica recorrente e os estudos especializados no âmbito das
organizações, em especial das organizações privadas, compreendem a Segurança e
Medicina no Trabalho enquanto serviços destinados a amenizar ocorrências que
interfiram na continuidade de qualquer processo produtivo, independentemente se
nele tenha resultado lesão corporal, perda material, perda de tempo ou mesmo
esses três fatores conjuntos (OLIVEIRA, 2001). Esses serviços atuam, ou deveriam
atuar, desenvolvendo ações integradas de gestão dos dispositivos formais de
segurança e medicina do trabalho.
76
Conforme Melo (2001) o Sistema de Gestão da Segurança e Saúde no
trabalho é compreendido como um conjunto de pessoas, recursos, políticas e
procedimentos para assegurar a realização das tarefas e alcançar ou manter um
resultado específico, qual seja, a prevenção de acidentes e doenças do trabalho,
minimizando os riscos para os trabalhadores e melhorando o desempenho dos
negócios. Considerando os padrões tecnicamente estabelecidos para a realização
das tarefas de forma mais segura.
Esses estudos consideram a ausência de acidentes como sinônimo de bom
desempenho de segurança e saúde, no entanto estas afirmações podem reluzir uma
saúde do trabalhador falaciosa, pois um dos grandes agravantes da realidade
acidentária é a escassez e inconsistência das informações, tendo em vista que
grande parte dos trabalhadores naturalizam os agravos sofridos pelo trabalho,
paralelamente à insegurança da permanência no trabalho, resultado do desemprego
estrutural, que tem sua raiz na forma como a sociedade está organizada, uma
sociedade de classes desiguais e antagônicas. Dessa forma muitos destes
trabalhadores se sujeitam às situações mais perversas de trabalho omitindo e
silenciando os agravos a que são acometidos.
A omissão dos sintomas da doença é prática comum entre os trabalhadores, o que reflete, simultaneamente, um misto de esperança da reabilitação espontânea e o medo de perder o emprego. A doença só se manifesta na fábrica quando a dor é insuportável, rompendo o silêncio dos órgãos no corpo submetido, que já não consegue cumprir as metas preestabelecidas. A esperança estrangulada dá visibilidade à enfermidade, que por certo tempo manteve-se oculta na fronteira da dor e dos múltiplos medos. (BARRETO, 2003, p. 36).
Os Sistemas de Gestão da Qualidade não são suficientes para tornar as
empresas mais competitivas e lucrativas. A organização e a luta dos trabalhadores
procuram imprimir a necessidade das empresas tornarem pública à sociedade uma
atuação empresarial, no mínimo, ética e “responsável” no que diz respeito às
condições ambientais de trabalho e suas interfaces com o meio ambiente. Isto
implica em dar ao gerenciamento da segurança e saúde no trabalho a mesma
importância dada a outros aspectos das atividades produtivas e comerciais das
organizações, o que demanda a adoção de um enfoque adequado para a
identificação, avaliação e controle dos riscos relacionados ao trabalho e
77
consequente prevenção desses agravos, trazendo sua própria concepção do “ético e
responsável”.
As instituições que normatizam a Segurança e Medicina do Trabalho em
nível nacional e as Leis que já acostumamos a lidar são relativamente novas: a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por exemplo, principal parâmetro legal
brasileiro na área, só foi criada em 1943 e a Fundação Jorge Duprat Figueiredo de
Segurança e Medicina do Trabalho (FUNDACENTRO) incumbida de “produzir” e
“difundir” conhecimento em saúde e segurança no trabalho, em 1966, para atender a
uma diretriz da Organização Internacional do Trabalho – OIT, a qual recomendava
que todos os países mantivessem uma organização voltada para estudos e
pesquisas na área de segurança e saúde no trabalho, independentemente dos
órgãos de inspeção das condições de trabalho. Já a existência nas empresas do
Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho - SESMT, só se
constituiu através da Portaria nº. 3.237 de 27 de junho de 1972, do Ministério do
Trabalho. A norma regulamentadora que institui esses serviços é a NR 4 que prevê
que as empresas privadas e públicas, os órgãos públicos da administração direta e
indireta e dos poderes Legislativo e Judiciário, que possuam empregados regidos
pela CLT, mantenham, obrigatoriamente, esta equipe com a finalidade de promover
a saúde e proteger a integridade do trabalhador no local de trabalho.
Esse conjunto de normas, legislações e serviços se propõem a combater
uma realidade cruel, onde a violência no trabalho é uma constante, onde são
reproduzidas situações que isolam os riscos específicos e passam a atuar
diretamente em suas consequências, de forma pontual. As doenças e os riscos
tornam-se legalmente constituídos, e o direcionamento dado a eles tem caráter
meramente biologizante, não contemplando as dimensões psicossociais (SILVA,
2000).
Outro reflexo desta situação são os baixos investimentos em Equipamentos
de Proteção Individual – EPI´s, que conforme matéria publicada na Revista
Proteção27 destaca que a média anual de investimentos em EPI28 no Brasil é de R$
19,00 por trabalhador “isso significa que, na média global, as empresas brasileiras
27
Revista de grande destaque na área técnica de Segurança e Saúde do Trabalho(n. 189, setembro/2007, p.30).
28 Conforme a mesma reportagem o mercado de EPI´s também é vítima de pirataria, em que os
produtos são vendidos sem Certificado de Aprovação (C.A) ou fabricados em lotes específicos para a aquisição do C.A e ainda aqueles em que são feitas as cópias idênticas de produtos certificados e já reconhecidos no mercado.
78
não chegam a comprar um par de calçado de segurança para seus trabalhadores
por ano”. Mesmo o Brasil gastando cerca de 1,6 bilhão em equipamentos desta
natureza ainda há altos índices de acidentes e de gastos com lesões ocupacionais.
O acidente de trabalho29, pela definição legal, é aquele que ocorre pelo
exercício do trabalho e a serviço da empresa (fora do local de trabalho), ou durante
o trajeto (residência/trabalho/residência), provocando lesão corporal ou perturbação
funcional que cause a morte, a perda ou redução da capacidade para o trabalho
permanente ou temporária. (Cf. Lei 8.213/91). Já as doenças profissionais30são
oriundas de agravos que têm relação com condições específicas de trabalho e as
doenças relacionadas ao trabalho31, em razão das condições ambientais, como
prevê a Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador – PNSST, de 29 de
dezembro de 2004.
Alguns desses agravos exigem notificação compulsória32, são os casos de:
acidente de trabalho fatal; acidente de trabalho com mutilações; exposição a
material biológico; acidente de trabalho com crianças e adolescentes; dermatoses
29
Consideram-se acidente do trabalho: I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério da Previdência Social; II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério da Previdência Social. Equiparam-se ao acidente do trabalho: I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação; II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em consequência de: a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho; d) ato de pessoa privada do uso da razão; e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior; III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade; IV - o acidente sofrido pelo segurado, ainda que fora do local e horário de trabalho: a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa; b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito; c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhorar capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado; d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado; V - nos períodos destinados à refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local de trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho; Não é considerada agravação ou complicação de acidente do trabalho a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se superponha às consequências do anterior. (Cf. Lei nº. 8.213/91).
30 “É aquela em que o trabalho ou as condições em que ele é realizado se constituem como causa
direta para o acometimento da doença” (PNSST, 2004, p. 6). 31
“Doenças que tem sua frequência, surgimento ou gravidade modificado pelo trabalho” (Idem). 32
Conforme Portaria 2.437/2005 que dispõe sobre a ampliação da Rede Nacional de Atenção Integral a Saúde do Trabalhador – RENAST.
79
ocupacionais; intoxicações exógenas; LER/ DORT; pneumoconioses; Perda Auditiva
Induzida por Ruído – PAIR; transtornos mentais relacionados ao trabalho e câncer
relacionado ao trabalho, feita a partir do preenchimento do Sistema de Informação
de Agravos de Notificação - SINAN, realizado a fim de se ter um controle dos
agravos que acometem a população trabalhadora, com registros no âmbito da saúde
pública.
Uma outra notificação, aplicada a todos os agravos decorrentes do trabalho,
porém restrita aos trabalhadores de regime celetista é a Comunicação de Acidente
do Trabalho – CAT33, esta é, na maioria das vezes, sonegada por seus responsáveis
diretos pelo preenchimento, os empregadores, já que o acidente-doença
ocupacional pode ser considerado “pejorativo” pelas empresas, por garantir um ano
de estabilidade ao trabalhador e também por obrigar o empregador a depositar
regularmente a contribuição devida em conta do FGTS, correspondente ao período
de afastamento.
A ocorrência de uma lesão é o resultado de uma série de eventos ou circunstâncias, que ocorrem em uma ordem lógica e fixa. Uma é dependente da outra, e uma só ocorre se a outra já ocorreu. Isto constitui uma seqüência que pode ser comparada com uma fileira de dominós alinhados. A queda de uma peça precipita a queda das demais. Um acidente é apenas um fator na seqüência. Dai, se a série for interrompida pela eliminação de um, ou vários fatores componentes, a lesão possivelmente não ocorrerá. (AQUINO, 1996, p. 32).
A fatalidade dos acidentes e incidentes do trabalho, pelo conceito
prevencionista, está relacionado comumente à existência de causas básicas que
possibilitam a ocorrência de acontecimentos imediatos, classificadas como práticas e
condições sub-padronizadas. As causas imediatas frequentemente são
denominadas como atos e condições inseguras. O ato inseguro como a violação de
um procedimento de segurança aceito por todos; a condição insegura referente a
uma condição ou circunstância física perigosa que poderia permitir a ocorrência de
um acidente.
Com base nesse entendimento qualquer mudança em uma prática ou
condição aceita como padrão pode permitir a ocorrência de um acidente. Este
posicionamento dá ênfase ao fator humano nos acontecimentos, tendo como
33
Ver Anexo A.
80
referência a culpabilização dos indivíduos. Da mesma forma, Oliveira e Vasconcelos
(1992, p. 154) nos fazem lembrar que:
A intervenção do aparelho de Estado nos ambientes de trabalho tem servido para a legitimação do risco, na medida em que, por um lado, é estritamente tecnicista, considerando o trabalhador como apêndice da máquina e, por outro, legaliza o risco, através da indenização pelo trabalho insalubre e perigoso.
Mesmo compreendendo que a legislação indica o caminho obrigatório e
determina limites mínimos de ação, para que se alcance um ambiente de trabalho
seguro e saudável é necessário que a prevenção de acidentes não se faça
simplesmente com a aplicação de normas, pois para a realização do direito à saúde
e demais direitos fundamentais não é suficiente que os mesmos estejam previstos
na Constituição. Assim, as normas sobre direitos fundamentais se concretizam por
intermédio do agir político, sobretudo em sua dimensão social.
É fácil entender que a efetivação desses direitos torna-se uma questão de
operação sistêmica de uma política de direitos fundamentais e que se de um lado
está o direito à saúde, constitucionalmente estabelecido, do outro está o dever do
Estado em garantir o gozo desse direito à população, por intermédio da adoção de
políticas públicas que têm como instrumentos de realização o arcabouço legal, a
execução de ações e a eleição de prioridades, juntamente à participação ativa da
classe trabalhadora.
No entanto, este processo não escapa das tendências mais amplas de
relação entre política social e capitalismo, na relação mais ampla Estado-Sociedade,
como uma realidade complexa e contraditória. Que traz a via redistributivista, ou
compensatória, como solução da desigualdade social e modalidade de
enfrentamento das expressões da “questão social”, o que desconsidera seus limites,
já que, a natureza do modo de produção capitalista não prevê esta separação entre
a esfera da produção e a vontade política (BEHRING, 1998). Aliados a esse
conjunto de determinantes, os processos neoliberais, que rompem com os valores
humanistas e seguem com uma força reguladora de lógica mercantil, que se torna
uma perspectiva pacífica para diferentes correntes profissionais, inclusive as que se
situam no campo da saúde do trabalhador, determinando como única forma de
superação da auto-estima e força única dos sujeitos.
81
O Ministério da Previdência Social propôs ao Conselho Nacional de
Previdência Social – CNPS, órgão de natureza quadripartite – com representação do
Governo, Empresários, Trabalhadores e Associações de Aposentados e
Pensionistas, a adoção de um importante mecanismo auxiliar, considerando a
hipótese do mascaramento na notificação de acidentes e doenças do trabalho: o
Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP34. O NTEP foi implementado
nos sistemas informatizados do INSS, para concessão de benefícios, em abril/2007
e de imediato provocou uma mudança radical no perfil da concessão de auxílios-
doença de natureza acidentária: houve um incremento da ordem de 148%. No
entanto, mesmo com mudanças no arcabouço da metodologia previdenciária,
continua entendendo-se como acidentes do trabalho aqueles eventos que tiveram
Comunicação de Acidente de Trabalho – CAT protocoladas no INSS e aqueles que,
embora não tenham sido objeto de CAT deram origem a benefício por incapacidade
de natureza acidentária. Todos os demais agravos, doenças, incapacidades e óbitos
que não estejam dentro dessas condições – ou que não possam ser formalmente
mensurados/documentados – não são considerados acidentes do trabalho.
Os dados constantes dizem respeito apenas ao acidente, ou a doença,
caracterizado tecnicamente pela Perícia Médica do INSS, que faz o reconhecimento
técnico do nexo causal entre o acidente e a lesão; a doença e o trabalho; e a causa
mortis e o acidente, com base em critérios conservadores e restritos em sua base
tecnicista. Na conclusão da Perícia Médica, o médico-perito pode decidir pelo
encaminhamento do segurado para retornar ao trabalho ou emitir um parecer sobre
o afastamento, e a realidade do serviço prestado vem reproduzindo uma lógica
produtivista de “quem concede menos benefícios”.
Essa realidade não está abstraída das tendências hoje em curso na
Seguridade Social no Brasil, em que a lógica do Seguro sustenta a previdência
brasileira desde sua origem e não foi eliminada na constitucionalidade vigente. Ainda
permanece a tensão entre consolidar uma seguridade social pública, ampla,
universal ou restringir sua função às camadas mais pobres. Esse é o âmbito da
construção de uma cultura privatista da seguridade social e que fundamenta a
argumentação do grande capital no sentido de imprimir reformas, ou melhor dizendo
34
Cruzamento das informações de código da Classificação Internacional de Doenças – CID-10 e de código da Classificação Nacional de Atividade Econômica – CNAE que aponta a existência de relação entre a lesão ou agravo e a atividade desenvolvida pelo trabalhador, embasada em estudos científicos baseados nos fundamentos da estatística e epidemiologia.
82
contra-reformas, nos direitos e garantias ora conquistados pela Constituição Federal
de 1988 (BOSCHETTI, 2003).
As mudanças são concernentes ao contexto contemporâneo, em que as
estratégias utilizadas pelo capital para garantir sua permanência e hegemonia
atingem as mais variadas dimensões da vida humana, interferindo nos processos de
reprodução das relações sociais. Atingem, também, o Estado em sua relação com
os diversos sujeitos coletivos que se afirmam na atuação pela garantia dos direitos
sociais.
Dessa forma, a precarização dos Serviços de Segurança, a não
aplicabilidade da legislação, a ainda mínima participação dos trabalhadores e das
organizações sindicais, bem como uma política Estatal que oficializa os riscos,
permitem a criação de uma cultura compensatória, onde se privilegia o pagamento
de indenizações, quando na verdade deveria priorizar as ações de caráter
prevencionista, na busca pela promoção dos indivíduos sociais, considerando os
limites do modo de produção vigente. Pois esses fatores estão articulados à
totalidade dos determinantes do modo de produção capitalista.
Os números de acidentes e doenças, portanto, são muito maiores do que
apresentam os dados oficiais, pelo fato de haver tantas subnotificações. Tal situação
reitera a urgência em se pensar estratégias de ação para se evitar que vidas sejam
perdidas em razão das precárias condições de trabalho. Existe uma necessidade
imediata de intervenção nesse campo, que não exclui as ações políticas mais
estratégicas.
O novo aparato tecnológico se apresenta enquanto uma estratégia mais
eficaz de exploração maciça da força de trabalho e as conquistas referentes à nossa
legislação, no que concerne ao direito dos trabalhadores, acabam por ser
escamoteadas, ou em alguns momentos, simplesmente suprimidas.
Todos esses elementos nos levam a refletir que o campo da Saúde do
Trabalhador é constituído por avanços e retrocessos, mesmo com a constituição de
uma legislação tida como progressista. Segundo Cortez (2001, p.17), “na prática
estas levavam em seu bojo dificuldades tamanhas de aplicabilidade, que resultavam
na diminuição da comunicação do acidente de trabalho, tornando-o oculto”.
As formas de vinculação do trabalho traz a representação para o trabalhador
de que este não pode adoecer, tomando o adoecimento como algo que não tem
83
lugar no seu cotidiano de trabalho, pois traz significativo comprometimento de seus
vínculos empregatícios.
Pensar o direito a um trabalho saudável e a aplicabilidade das leis,
pressupõe tratá-lo no âmbito de uma sociedade de classes, cujos limites devem ser
considerdos.
Todo complexo social, como o direito, tem como característica fundamental
a contraditoriedade como condição ineliminável. Assim, não podemos deixar de
observar, na complexidade do direito as forças que agem sobre ele, no sentido da
manutenção do que é a sociedade e das forças que podem levar a algo diferente do
que está posto, sem desconsiderar, diante dos limites da luta, a via dos direitos
como processo para ampliação dos padrões de vida da classe trabalhadora.
Os direitos em si não têm a capacidade de mudar a realidade societária
vigente, mas incidem na vida cotidiana, têm sua importância e podem favorecer as
mudanças. Essas lutas por direitos – seja por um trabalho seguro e saudável, seja
por trabalho – são importantes como ponto de partida, no campo da emancipação
política, mas não conseguem colocar os indivíduos no patamar de liberdade plena,
pois continuam oprimidos e explorados, presos às amarras do assalariamento.
Embora haja essa ampla composição legal no campo da saúde do
trabalhado, toda essa discussão extrapola os marcos da lei e deve ser traçada sob o
modo de produção capitalista. Ou seja, as conquistas legais não podem ser
renegadas, pois compõem a luta histórica dos trabalhadores, mas é preciso ter
clareza que a eficácia relativa da legislação não pode ser entendida em si, já que é
inerente a lógica do capital e seus tensionamentos no máximo aliviam os efeitos da
barbárie. Sua concretização só se realiza com a luta política organizada dos
trabalhadores, sobrepostas às demandas e requisições do capital.
No processo de emancipação política, embora hajam formas diferentes de
liberdade, seu nível máximo jamais pode ultrapassar o caráter jurídico-político,
sendo, fundamentalmente, parcial e limitada. Somente a emancipação humana se
apresenta sob uma forma real, integral e essencialmente ilimitada. É a este processo
que Marx chama de “comunismo, reino da liberdade e emancipação humana”
(MARX, s/d, p.130). Desse modo, a defesa de patamares dignos de vida e de
trabalho para a maioria da população, a partir da almejada cidadania, só pode ser
pensada pela superação da atual ordem societária de produção e reprodução das
84
relações sociais capitalistas, única via para o alcance da forma de sociabilidade que
expressa o homem como um ser integralmente livre.
Assim, trazemos a direção conceitual de que onde os trabalhadores,
enquanto classe social, não apresentam nível de organização suficiente para impor
limites aos abusos do capital e superação de sua lógica societária. Refuncionalizam-
se formas de exploração que vão desde o trabalho em domicílio, trabalho infantil e
até trabalho escravo combinando-as com processos que envolvem alta tecnologia. E
que, em totalidade, constituem fator preponderante no processo de adoecimento da
classe que vive da venda da sua força de trabalho.
3.4 UMA JORNADA DE ACIDENTES
O desenvolvimento capitalista avança no século XXI com maior voracidade,
somando a seus altos faturamentos uma ascensão de atividades econômicas
extrativistas35 - como a mineração –, na maioria dos casos de natureza exploratória
e devastadora, acompanhando o reaquecimento da demanda mundial por novas
matérias-primas, com forte presença dos capitais transnacionais. A presença do
Estado se destaca nos investimentos para expansão dessas atividades econômicas
e a preocupação com a arrecadação e cumprimento das obrigações pecuniárias das
empresas. Já na fiscalização e acompanhamento das condições de trabalho e o
provimento das garantias e direitos sociais é preponderantemente omisso.
Esse “desenvolvimento” traz também, e essencialmente, a exploração do
trabalhador, pela apropriação indevida de seu trabalho, e a precarização das
condições objetivas em que atua, faturando junto aos lucros doenças, mutilações e
mortes. O que vemos é um total comprometimento das potencialidades e vitalidades
do ser social, que se metamorfoseia na composição dos objetos produzidos. Um
processo metabólico para o capitalista e naturalizado para a grande massa dos
trabalhadores, numa expressão clara do que é o trabalho e saúde sob esse modo de
produção.
35
Segundo reportagem do jornal Brasil de Fato, de 28 de julho de 2011, intitulada “Eldorado Seridó”, o faturamento da atividade de mineração no Brasil, em 2010, chegou a US$ 157 bilhões, o que representou 10% do PIB nacional e 25% das exportações brasileiras.
85
Na contemporaneidade, os elevados números de acidentes de trabalho e de
doenças profissionais, representam, para a realidade brasileira, um dos mais graves
entraves da saúde pública. Dados do Anuário Estatístico da Previdência Social36 de
2006 revelam a ocorrência de 503.890 mil acidentes de trabalho no país37,
distribuídos em: 403.264 acidentes típicos (aqueles que ocorrem no
desenvolvimento do trabalho na própria empresa ou a serviço desta), 73.981
acidentes de trajeto (aqueles que ocorrem no trajeto entre a residência e o trabalho
ou vice-versa) e 26.645 doenças do trabalho (aquelas causadas pelo tipo de
trabalho ou pelas condições do ambiente de trabalho). Percebe-se que os acidentes
típicos representam, conforme representação gráfica abaixo, cerca de 80% dos
registros, seguidos de 15% e 5%, são correspondentes aos acidentes de trajeto e as
doenças do trabalho, respectivamente.
36
Disponível em: <http://www.previdenciasocial.gov.br/aeps2006/15_01_03_01.asp>. Acesso em: 02 dez. 2007.
37 No Brasil, como explica LIMA (2007), em 15 de janeiro de 1919 é promulgada a primeira Lei nº
3724 sobre acidente de trabalho, já com o conceito do risco profissional. Em 10 de novembro de 1944, é revogada pelo Decreto Lei 7.036 que passa às autoridades do Ministério do Trabalho a incumbência de Fiscalizar a Lei dos Acidentes do Trabalho. Já em 1943 houve a publicação do Decreto Lei 5.452 que aprovou a CLT, Consolidação das Leis do Trabalho, cujo capítulo V refere-se a Segurança e Medicina do Trabalho. Concepções aprofundadas em 1953, com a Portaria 155 que regulamenta e organiza as CIPA´s, estabelecendo as normas para seu funcionamento. Nos anos sequenciais surgem novas iniciativas para a regulamentação do uso dos EPI´s (Portaria 319 de 30 de dezembro de 1960 regulamenta a uso dos EPI´s). A Lei 5.136, Lei de Acidente de Trabalho, surge, ainda, em 14 de setembro de 1967. Um ano depois são fixadas as condições para organização e funcionamento das CIPA´s nas Empresas, a partir da Portaria 32. Em 1972 a Portaria 3.237 determina obrigatoriedade do serviço Especializado de Segurança do Trabalho - SESMT. Depois dessas conquistas pontuais é aprovada, em 22 de dezembro de 1977, a Lei 6.514 que modifica o Capítulo V da CLT, regulamentada pela Portaria 3.214, que prevê as Normas Regulamentadoras de Segurança e Medicina do Trabalho. Outra grande conquista no campo da saúde do trabalhador se dá em 1973 com a Lei 5.889 e a Portaria 3.067 (12/04/1988), que aprovam as Normas Regulamentadoras Rurais relativas à Segurança do Trabalho rural e no mesmo ano, a Constituição Federal (Disposições Transitórias Art. 10 item II), proporciona aos trabalhadores membros da CIPA a garantia do emprego.
86
Gráfico 01 - Acidentes e Doenças do Trabalho em 2006
Fonte: Elaborado a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social - 2006
Além desse número ser elevado, ele diz respeito apenas àqueles
trabalhadores celetistas que contribuem para a Previdência Social, não sendo
contabilizados os trabalhadores vinculados ao setor informal da economia, os de
regime estatutário (servidores públicos), militares e os trabalhadores domésticos,
que juntos representam mais de 50% da população trabalhadora nacional, segundo
dados do IBGE38.
É de responsabilidade da empresa a notificação de qualquer acidentes de trabalho e/ou doença ocupacional, independente da natureza do agravo ou intensidade, via emissão da Comunicação de Acidentes de Trabalho - CAT, formulário específico do INSS, que deve ser emitido em até 24 horas após a ocorrência do fato. Entretanto, na realidade brasileira percebemos certa resistência dos organismos empresariais quanto à realização dos registros. Esta notificação se dá, em geral, quando os agravos à saúde são mais graves, necessitando de um período de afastamento superior a 15 (quinze) dias; são irreparáveis e o trabalhador considerado incapaz para a atividade laboral, e ainda quando não há possibilidades de reabilitação para o retorno ao exercício de atividade que lhe garanta a subsistência (MERLO, 2005).
Em razão da política de subnotificação adotada pela maioria das empresas,
não é possível quantificar de fato os reais números de acidentes e doenças do
trabalho no país, embora se estime que esse quantitativo seja, aproximadamente,
38
Informação disponível em: <http://www.cut.org.br/site/start.php?infoid=12016&sid=6>. Acesso em 28 out. 2007.
ACIDENTES E DOENÇAS DO TRABALHO EM 2006
80%
15%
5%
Acidente Típico
Acidente de Trajeto
Doença do Trabalho
87
três vezes maior. Cabe lembrar que a notificação dos acidentes e doenças de
trabalho é uma base de dados importantíssima, indispensável na formulação e
direcionamento de políticas de prevenção, promoção, proteção e recuperação da
saúde da classe trabalhadora.
Os custos com acidentes e doenças do trabalho no Brasil consomem
aproximadamente 4%39 do Produto Interno Bruto – PIB. Nesse quantum estão
incluídas as indenizações pagas pela Previdência Social, os custos em saúde e a
perda de produtividade do trabalhador, destes, aproximadamente R$ 8 bilhões são
destinados ao pagamento de benefícios acidentários40 e aposentadorias especiais.
Esses custos com acidentes de trabalho atingem diferentes segmentos. A
empresa, por exemplo, é prejudicada com a perda de tempo na ocasião do agravo;
com as despesas destinadas aos primeiros socorros; a possível destruição de
equipamentos e materiais; a interrupção da produção; a substituição de
trabalhadores e o pagamento de horas-extras; a recuperação dos empregados; os
salários pagos aos trabalhadores afastados; as despesas administrativas e muito
mais. O custo mais direto cai sobre o SUS que tem que reparar o dano provocado
pela negligência das empresas e pela impunidade no descumprimento das leis.
Por outro lado, devem ser considerados, principalmente, os danos aos
trabalhadores e às suas famílias na forma de redução de renda, gastos com
tratamento medicamentoso, interrupção do vínculo trabalhista, além da dor e do
estigma do acidentado ou do doente, mutilado física e psicologicamente, em
decorrência dos agravos sofridos. Em meio a todas essas perdas, há uma que não é
possível mensurar o seu impacto: a perda de vidas humanas, fruto de
posicionamentos egoístas que negligenciam os riscos e os agravos à saúde e a
segurança dos trabalhadores.
39
Cf. Ilo apud Cacciamali et al (2002, p. 06) em: A busca pela promoção da saúde e pelas medidas preventivas nas negociações coletivas. In: Estudos e análises com vistas à definição de Políticas, Programas e Projetos relativos ao mercado de trabalho brasileiro. São Paulo, 2002. Disponível em: http://www.mte.gov.br/observatorio/778_Tema_37.pdf. Acesso em: 02 dez. 2007.
40 O benefício acidentário é devido ao segurado acidentado, ou ao(s) seu(s) dependente(s), quando o
acidente ocorre no exercício do trabalho a serviço da empresa, equiparando-se a este a doença profissional ou do trabalho, ou ainda, quando o mesmo é sofrido no percurso entre a residência e o local de trabalho, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou redução da capacidade para o trabalho. Os benefícios acidentários classificam-se em aposentadoria, pensão por morte, auxílio-doença, auxílio-acidente e auxílio-suplementar. Fonte: <http://www.previdenciasocial.gov.br/pg_secundarias/previdencia_social_13_06-A2.asp>. Acesso em: 29 out. 2007.
88
Com base no Anuário Estatístico da Previdência Social 2006, o setor que
mais teve registros de acidentes de trabalho foi o da indústria, atingindo 47,4% das
notificações, com destaque para a indústria da construção civil, segundo dados do
Ministério da Previdência Social, seguido do setor de serviços com 45,7% e por
último o setor agrícola que participou com 6,9% do total de registros.
O número de óbitos por acidentes de trabalho no Brasil vem aumentando
terrivelmente ao longo das últimas décadas, de acordo com dados do Ministério da
Previdência Social, evidenciando a piora das condições de trabalho.
Quadro 01 – Óbitos por Acidente do Trabalho
Período Óbitos / 10 mil acidentes (média)
Década de 70 23
Década de 80 42
Década de 90 85
2000-2003 80
Fonte: <http://www.previdenciasocial.gov.br/AEPS2004/docs/4c30_01.xls>. Acesso em 29
out. 2007.
O Brasil está entre os países com maiores índices de mortes por acidentes
do trabalho no mundo, ficando atrás apenas da Índia, Coréia do Sul e El Salvador.
Em 2004, cerca de 2.800 trabalhadores perderam a vida41.
41
Informação disponível em: < http://www.cecac.org.br/MATERIAS/Acidentes_trabalho_06.htm>. Acesso em: 23 out. 2007.
89
Quadro 02 - Número de Acidentes e Doenças do Trabalho no Brasil: Média por Décadas, de 1970 a 2008.
DÉCADA
(Média
Anual)
TRABALH. QT. DE ACIDENTES
(Com CAT)
TOTAL
DE ACID.
TOTAL
DE
ÓBITOS Típico Trajeto Doença
1970 12.428.828 1.535.84
3
36.497 3.227 1.575.566 3.604
1980 21.077.804 1.053.90
9
59.937 4.220 1.118.071 4.672
1990 23.648.341 414.886 35.618 19.706 470.210 3.925
2000 32.055.280 363.796 60.525 24.297 486.785 2.833
MÉDIA
GERAL
22.052.493 854.373 47.827 12.569 923.578 3.782
Total de acidentes ao longo desse
período
36.019.53
6
Total de
óbitos
147.504
Fonte: Adaptação do Documento “Acidentes de Trabalho ocorridos nos últimos 39 anos”.
MTE/RAIS, MPS/AEPS42
.
Conforme os dados internacionais de acidentes, divulgados pela
Organização Internacional do Trabalho – OIT, há informações importantes sobre o
mundo do trabalho dos países que têm enviado periodicamente à entidade
informações sobre sua população trabalhadora. Porém, desde o ano 2000, o Brasil
não mais envia os seus registros de acidentalidade e, por isso, foram mantidos
desatualizados por falta de informações.
Nesse documento da OIT constam informações acidentárias dos 188 países
com mais trabalhadores no mundo, contemplando todos os continentes. Mesmo
assim, é difícil traçar um comparativo, pois cada país utiliza conceitos próprios para
registrar seus infortúnios laborais e número de mortos, além disso muitos países não
fornecem os dados completamente, o que dificulta o estabelecimento alguma
relação entre eles.
42
O documento apresenta como Nota: De 1970 a 1984 a fonte de referência da coluna
“Trabalhadores” era a Coordenação Geral de Estatística e Atuária, que identificava o número de trabalhadores segurados. A partir de 1985, passamos a adotar como fonte de referência para esta coluna o número de trabalhadores formais de acordo com o MTE/RAIS.
90
De acordo com a OIT43, todos os anos, cerca de 330 milhões de
trabalhadores são vítimas de acidentes de trabalho em todo o mundo, além de 160
milhões de novos casos de doenças ocupacionais. Sobre as mortes, a OIT aponta
mais de 2 milhões relacionadas ao trabalho: 1.574.000 por doenças, 355.000 por
acidentes e 158.000 por acidentes de trajeto.
Os dados brasileiros refletem uma realidade de alta gravidade, e podem ser
mais bem representadas no quadro abaixo, que expressa um resumo das
informações estatísticas levantadas no ano de 200944.
Quadro 03 – Demonstrativo resumido das estatísticas acidentárias do
ano de 2009.
SITUAÇÃO REPRESENTAÇÃO
QUALITATIVA
REPRESENTAÇÃO
QUANTITATIVA
Acidentes do trabalho registrados no INSS
Comparado com 2008, o número de acidentes de trabalho teve queda de 4,3%. O total de acidentes registrados com Comunicação de Acidente do Trabalho - CAT45 diminuiu em 4,1% de 2008 para 2009.
Cerca de 723 mil
Acidentes típicos Registrados com CAT 79,7%
Acidentes de trajeto Registrados com CAT 16,9%
Doenças do trabalho Registrados com CAT 3,3%.
Fonte: http://www.mpas.gov.br/. Acesso em 14 jun 2011.
43
Informações do Anuário Brasileiro de Proteção 2010 retirados do Anuário Estatístico da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) 2009 e os dados de trabalhadores destes países extraídos do site da Central Intelligence Agency – CIA, com acesso https://www.cia.gov.
44Essas informações foram extraídas do Sistema Único de Benefícios – SUB e do Sistema de Comunicação de Acidente do Trabalho – CAT, desenvolvido pela DATAPREV para processar e armazenar as informações da CAT, disponíveis em http://www.mpas.gov.br/.
45De acordo com informações do Ministério da Previdência Social, mesmo a entrega da CAT sendo legalmente estabelecida com o prazo de até 48 horas da ocorrência do acidente, o INSS recebe o documento a qualquer tempo. Portanto, uma CAT referente a um acidente pode ser entregue após a concessão de um benefício acidentário originado deste acidente. Assim, para fins de esttísticas oficiais divulgadas pela instituição, são consideradas todas as CAT entregues no ano civil e todos os benefícios concedidos nesse mesmo ano, nesse caso o de 2009.
91
Esses dados46 ainda trazem revelações quanto a representação por sexo,
indicando que as pessoas do sexo masculino participaram com 77,1% e as pessoas
do sexo feminino 22,9% nos acidentes típicos; 65,3% e 34,7% nos de trajeto; e
58,4% e 41,6% nas doenças do trabalho. No que se refere à faixa etária, vimos nos
acidentes típicos e nos de trajeto, que a faixa etária de maior incidência de acidentes
foi a constituída por pessoas de 20 a 29 anos com, respectivamente, 34,7% e 37,8%
do total de acidentes registrados. Já no caso das doenças de trabalho a faixa de
maior incidência foi a de 30 a 39 anos, com 33,9% do total de acidentes registrados.
Quanto aos setores econômicos com maior participação, o setor Agropecuário
participou com 4,4% do total de acidentes registrados com CAT, já o setor da
Indústria com 48,0% e o setor de Serviços ficou com 47,6% do total de
acidentes/doenças registrados.
Diante desse contexto de insegurança nos postos de trabalho, desemprego
em massa, condições precárias para a prática profissional, o campo da Saúde do
Trabalhador se apresenta enquanto um espaço de mobilização e reivindicações. No
entanto, alguns fatores mostram-se pertinentes para o debate atual da temática,
considerando-se a transversalidade das ações de saúde do trabalho, como a
efetivação da PNST47; a escassa e fragmentada produção científica da área e
limitada literatura técnica; e o enfraquecimento ou pouca capacidade de pressão dos
movimentos sociais e dos trabalhadores acerca das questões de saúde do
trabalhador.
Como expressa Costa e Pena (2005):
[...] no Ministério da Saúde há a busca de construção hegemônica de um PNST em conformidade com as lutas estabelecidas na reforma sanitária e na construção do SUS. Entretanto, no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e na Previdência Social, a partir da metade da década de 1990, consolidou-se um projeto de PNST articulada ao ciclo neoliberal no nosso país. Esse ciclo se instalou efetivamente em 1990, e se configurou como hegemônico para as políticas de governo. Ou seja, o processo de ajuste estrutural no país seria efetivado no âmbito setorial de uma política de saúde do trabalhador, mas houve resistência institucional centrada no Ministério da Saúde, em alguns grupos da área sindical e de técnicos do MTE.
46
Idem. 47
Esta política ainda apresenta-se na versão preliminar, divulgada pelo Ministério da Saúde em 2003.
92
Esta contra-tendência à efetivação de uma política ampla no campo da
saúde do trabalhador, mostra-se enquanto um reflexo do contexto estrutural no qual
estão inseridas as mudanças na organização do trabalho a partir da década de
1990, aqui tratando o Brasil, pois vemos a solidificação de um plano macro de
características neoliberais, que perpassa a base das garantias e direitos sociais,
nela presentes as condições de trabalho saudáveis.
A realidade no Rio Grande do Norte segue a mesma tendência da escala
nacional, registrando no ano de 2006, 4.834 mil acidentes, sendo: 3.955 típicos; 649
de trajeto e 230 doenças ocupacionais. Deste total, 386.022 são do sexo masculino
e 117.866 são do sexo feminino48, correspondendo aproximadamente 0,95% do
índice nacional de acidentes.
Esses dados elucidam a triste realidade acidentária que nos rodeia, que
vitimiza, diariamente, milhares de pessoas, que na maioria dos casos, não tem
consciência dos riscos à saúde e à vida a que estão expostos, independentemente,
do tipo de trabalho executado, refletindo uma realidade naturalizada em todo o
território nacional.
48
Esses dados foram extraídos do site da Previdência Social, que têm como base os registros realizados no sistema DATAPREV-CAT. Disponível em: http://www.previdenciasocial.gov.br/aeps2006/15_01_03.asp. Acesso em: 02 dez.2007.
93
Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence.
(Bertolt Brecht)
Ao longo do trabalho foi pensado um percurso metodológico para apreensão
do objeto estudado que passa pela recuperação do sentido ontológica da categoria
trabalho e de suas expressões no modo de produção capitalista, partindo para a
análise das repercussões da organização do trabalho ao longo do século XX até os
dias atuais. Buscando-se observar como essa dinâmica se reflete na saúde dos
trabalhadores, pensada em sua trajetória histórico-conceitual no curso desse mesmo
período histórico.
Todo esse contexto teve como finalidade construir e sistematizar um
conjunto de categorias teóricas centrais para análise crítica das produções
científicas no campo da saúde e segurança do trabalho. Assim, essas categorias de
análise serão o fio condutor para a discussão que faremos a parir das produções
científicas que aqui foram delimitadas.
Essas categorias não são tidas aqui como a única forma de produção do
saber, uma vez que essa escolha se define pela necessidade de atender aos
parâmetros formais de elaboração desse estudo e, principalmente, porque
consideramos que os processos de aprendizagem são contínuos e se situam para
além dos muros das universidades e outras instituições formais de ensino/pesquisa.
Assim, esses processos são aqui pensados a partir do trabalho intelectual
que se concentra na formulação/elaboração do conhecimento, ou seja, na produção
teórica que se realiza no seio das universidades, em especial nos programas de
pós-graduação stricto sensu – que contemplam os cursos de mestrado e doutorado
–, que aqui serão apreendidos de áreas especificamente delimitadas.
4 O DEBATE ACERCA DA SAÚDE DO TRABALHADOR:
TENDÊNCIAS TEÓRICAS DO CAMPO TEMÁTICO
94
Contemplando, também, eixo de análise que foram elencados de forma
correspondente às principais categorias abordadas nos capítulos anteriores,
analisando como se expressam as categorias “trabalho” e “saúde do trabalhador”, a
fim de desvelar os principais referenciais teóricos adotados e a articulação dessas
produções científicas com as categorias de análise elencadas nesse estudo.
Para isso, é fundamental pensar também as condições específicas em que
se realiza a produção do conhecimento no atual contexto de reestruturação e ajustes
estruturais por que passa o ensino superior, numa relação de totalidade com os
processos mais gerais do atual processo de reestruturação do capital.
Nas universidades são fortes as repercussões desses ajustes e os impactos
são visíveis, e em muitos casos, desenvolvem-se subliminarmente, com discretos e
sorrateiros processos de privatização das instituições públicas de ensino e por meio
das inovações científicas e tecnológicas, cercadas de incentivos mercadológicos e
altos financiamentos.
Como prelúdio de nosso estudo, cabe-nos destacar os impactos na área da
pesquisa universitária, com a implementação da Inovação Tecnológica49. Um projeto
que subordina explicitamente as universidades, e o lugar de pesquisa, ao campo
empresarial, redefinindo-a como um espaço de venda de serviços, produtos e idéias,
estabelecendo de acordo com esses interesses o que deve ser desenvolvido como
saber. Garante-se, assim, no âmbito de instituições de ensino públicas, a
possibilidade de contribuições pecuniárias à universidade, nas mais variadas formas
e numerários.
De modo assustador, docentes e técnicos se envolvem num mar de
iniciativas empreendedoras, nos marcos da lógica empresarial, auferindo ao bom
carreirista: incentivos salariais, afastamentos protegidos, ganhos institucionais,
ampliação dos vencimentos e progressões funcionais.
De acordo com Mészáros (2007), os processos educacionais e os processos
sociais estão intimamente ligados. Reformular a educação não se faz corrigindo os
defeitos da ordem estabelecida, pois permanecem intactas suas determinações
fundamentais. É inconcebível qualquer transformação sem alteração nos quadros
estruturais da sociedade capitalista – como uma “totalidade reguladora sistêmica”,
nos termos do autor –, pois suas determinações são “irreformáveis”.
49 Regulamentada pela Lei 10.973/2004, que dispões sobre o incentivos à inovação e à pesquisa
científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências.
95
O caminho pode estar em uma mudança absolutamente necessária, sem a
qual não pode haver esperança para a sobrevivência da humanidade, a fim de
garantir uma melhoria das condições de existência. O que torna necessário uma
mudança estrutural para além do capital, numa transformação social qualitativa.
Essa lógica exclui, com uma irreversibilidade categórica, a possibilidade de legitimar o conflito entre as forças hegemônicas fundamentais rivais, em uma dada ordem social, como alternativas viáveis entre si, quer no campo da produção material, quer no âmbito cultural/educacional, [...] para a alternativa hegemônica fundamental entre o capital e o trabalho. (MÉSZÁROS, 2007, p. 197).
Daí a importância da educação, pensada aqui no tecido da instituição
universitária e integrante de um sistema articulado de composição orgânica da
hegemonia do capital.
Ademais, consideramos o ensino superior enquanto peça fundamental na
formação de profissionais de diversas áreas e que possui, também, uma forte
tradição na consolidação das ciências, a partir da sistematização, produção e
reprodução do conhecimento, que se transmite e se universaliza no seio da
sociedade, incorporando, assim, seus elementos de contradição.
A educação também pode gerar e transmitir um quadro de valores que
legitimam os interesses dominantes, adulteram ou falseiam a história para seu
propósito, destorcem fatos, criam novidades, deturpam teorias, propagam uma
suposta verdade absoluta e incontestável, respaldando teses e argumentos, muitas
vezes, conservadores da ordem social estabelecida, tratando-a como uma ordem
natural.
Segundo Mészáros (2007), o que se verifica ao longo do desenvolvimento
do sistema capitalista é um forte impacto da incorrigível lógica do capital sobre a
educação. As modalidades de imposição dos imperativos estruturais do capital no
âmbito educacional são hoje diferentes, em relação à “acumulação primitiva”. Hoje o
sentido da mudança educacional radical não pode ser senão o “rasgar da camisa-
de-força da lógica incorrigível do sistema”, perseguindo de modo planejado e
consciente uma estratégia de rompimento do controle exercido pelo capital, com
todos os meios disponíveis, bem como com todos os meios ainda a serem
inventados e que tenham o mesmo espírito.
96
As determinações gerais do capital afetam profundamente cada âmbito particular com alguma influência na educação e de forma nenhuma apenas as instituições educacionais formais. Estas estão estritamente integradas na totalidade dos processos sociais. Não podem funcionar adequadamente exceto se estiverem em sintonia com as determinações educacionais gerais da sociedade como um todo. (MÉSZÁROS, 2007, p. 206).
Ademais, consideramos o ensino superior enquanto peça fundamental na
formação de profissionais de diversas áreas e que possui, também, uma forte
tradição na consolidação das ciências, a partir da sistematização, produção e
reprodução do conhecimento, que se transmite e se universaliza no seio da
sociedade, incorporando, assim, seus elementos de contradição. Considerando,
ainda, que a educação também pode gerar e transmitir um quadro de valores que
legitimam os interesses dominantes, adulteram ou falseiam a história para seu
propósito, destorcem fatos, criam novidades, deturpam teorias, propagam uma
suposta verdade absoluta e incontestável, respaldando teses e argumentos, muitas
vezes, conservadores da ordem social estabelecida, tratando-a como uma ordem
natural.
Interessa-nos, especificamente, nesse estudo, refletir sobre os
determinantes que ganham destaque na atual configuração da produção teórica
sobre a saúde dos trabalhadores.
4.1 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO CAMPO DA SAÚDE E SEGURANÇA
DO TRABALHO
A significação dos objetos estudados se legitima por sua mediação com a
existência dos homens, numa visão intencional dos processos de sociabilidade que
se apresentam como avanço das forças produtivas no âmbito da correlação de
forças historicamente constituída. A produção de conhecimento como uma
característica inerente ao ser social, é uma das expressões das respostas às
necessidades da humanidade, com vistas à construção dialética de novas
possibilidades.
97
Assim a produção do conhecimento se dará não como mera representação
mental, mas, sobretudo, num complexo processo de apreensão da realidade na
mesma velocidade com que se apreende o objeto do estudo. Entretanto, a direção
da investigação no processo de apreensão do objeto estudado deve seguir,
necessariamente, uma perspectiva teórico-metodológica, no sentido de dar direção à
investigação, formulando-se um conjunto de noções para estudo em confronto
analítico direto e constante com o objeto pesquisado.
Lucia Neves (2010) nos faz refletir que a atividade intelectual, de
competência técnico-científica, sistematiza conhecimento sobre determinadas
temáticas, criando discernimento necessário para propor, de forma autônoma,
soluções gerais às necessidades da sociedade e com forte posição política, mesmo
que não intencionalmente.
Para Marx, na análise do social, o que cabe ao sujeito que pesquisa é
apreender a dinâmica do objeto pesquisado, em uma relação que permite ao sujeito,
precisamente, apreender, para reproduzir idealmente, ou seja, no campo das ideias,
o movimento do objeto, o movimento do real.
A forma concreta e imediata, como se apresenta a realidade a ser estudada,
expressa a existência do objeto de análise, mas, conforme o método aqui definido,
não dá a sua expressão de verdade. No entanto, não devemos atribuir ao objeto
determinadas características, mas retira-lhe de forma analítica e intelectiva as
características que ele efetivamente porta.
Assim tomamos a construção teórica como uma reprodução ideal do
movimento real do objeto. Logo teoria não é a realidade, é uma expressão ideal da
realidade, que com a perspectiva de totalidade das relações sociais, compreende-se
a realidade estudada a partir das relações sociais da sociedade burguesa, tendo,
ainda a produção material não como um fim em si mesmo, mas como ponto de
partida.
O traço empírico nos dá a imediaticidade, cuja aparência é o ponto de
partida para o conhecimento, não enquanto uma dimensão menor ou menos
importante, mas como o caminho a partir do qual se inicia o conhecimento da
essência. O concreto é tanto o ponto de partida quanto o ponto de chegada e vai
aparecer como síntese intelectual da análise, como síntese do processo de
enriquecimento das determinações do objeto.
98
Pensando nesse caminho, a pesquisa foi empreendida com base nos
bancos institucionais de teses e dissertações da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte - UFRN, defendidas durante o período de 2006 a 2010. Para tal, e
enquanto recorte da pesquisa, foram consultados os seguintes programas de Pós-
Graduação: Programa de Pós Graduação em Ciências da Saúde; Programa de Pós-
Graduação em Enfermagem; Programa de Pós Graduação em Engenharia de
Produção; Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais; Programa de Pós
Graduação em Serviço Social; Programa de Pós Graduação em
Psicologia/Psicologia Social. Os programas escolhidos contemplam as áreas de
Serviço Social, Psicologia, Ciências Sociais, Enfermagem, Medicina e Engenharia
da Segurança.
A coleta foi realizada através de consulta ao Sistema de Publicação
Eletrônica de Teses e Dissertações50. Onde foram levantadas as teses e
dissertações dos programas de pós-graduação escolhidos para a pesquisa,
defendidas entre 2006 e 201051. Esse marco temporal tem relevância pois nele se
deu o avanço e a ampliação das ações e políticas no campo, constituindo-se como
marco histórico na discussão da Saúde do Trabalhador a partir do século XXI52.
Além disso, é no ano de 2006 que se inicia na UFRN a publicação digital do banco
de dados utilizado, que atualiza todas as produções nessa universidade a partir
deste período.
A partir desse levantamento, foi realizada uma identificação dos trabalhos
que traziam uma abordagem sobre a temática da saúde do trabalhador,
50
A Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), da UFRN, iniciou suas atividades no ano de 2006, integrando, ao mesmo tempo, a BDTD Nacional e a Networked Digital Library of Theses and Dissertation (NDLTD), sendo estas coordenadas pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) e pela Virgínia Tech University, respectivamente. As teses e dissertações produzidas no âmbito da UFRN são disponibilizadas via internet, através do endereço http://bdtd.bczm.ufrn.br/tedesimplificado/, proporcionando assim maior visibilidade nacional e internacional a esta produção, como também democratizando o seu acesso. A Biblioteca Central Zila Mamede – BCZM/UFRN é a responsável pela manutenção do sistema e a alimentação desse banco de dados. Os trabalhos são encaminhados à BCZM através da Pró-Reitoria de Pós-Graduação, em arquivos no formato digital, gravados em CD's, juntamente com o Termo de Autorização preenchido e assinado pelos alunos. Os trabalhos, em formato PDF, protegidos com senha, permitem apenas o download, impressão e leitura.
51 Podem existir trabalhos que foram defendidos nesse período, mas que ainda não foram
homologados, uma vez que isso só acontece com a apresentação da versão definitiva após a defesa.
52 Como vimos no capítulo anterior, no século XXI, a publicação da Política Nacional de Saúde e
Segurança do Trabalho – PNSST (2004); da Política Nacional de Saúde do Trabalhador – PNST (2009); a criação e ampliação da rede de atendimento em saúde do trabalhador, a RENAST (respectivamente, 2002; 2005); além da realização da 3ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador (2005).
99
considerando a interface com a segurança e medicina do trabalho. Uma escolha
intencional que partiu de uma análise preliminar sobre a totalidade dos trabalhos
levantados. Conforme especifica o quadro abaixo.
Quadro 4: Classificação das produções científicas na UFRN
PROGRAMA
TITULAÇÕES
TOTAL DE TESES/ DISSERTAÇÕES
(2006-2010)
ANALISADAS
Ciências da Saúde Mestrado/Doutorado 180 10
Enfermagem Mestrado/Doutorado 85 08
Engenharia de
Produção
Mestrado 124 08
Ciências Sociais Mestrado/Doutorado 175 00
Psicologia Mestrado/Doutorado 71 02
Psicologia Social Mestrado/Doutorado 10 01
Serviço Social Mestrado 40 01
TOTAL 685 30
Fonte: SIGAA, Acesso em 19 abr 2011.
Essa identificação não partiu de uma amostragem percentual das produções
científicas, pois os documentos foram selecionados de acordo com a temática que
apresentavam e sua relação com o objeto desse trabalho. Nesse sentido, foram
analisadas todas as produções que se voltavam para a temática “saúde do
trabalhador”.
Os documentos serão tabulados nessa seção, constando uma
especificação por área escolhida e uma organização numérica, percentual e
qualitativa dos dados a partir dos seguintes elementos: quantidade geral de
trabalhos analisados por área; identificação das principais abordagens dadas à
temática geral; inter-relação dos estudos e das áreas.
A seguir, mostramos as áreas que atuam no campo da saúde do trabalhador
e algumas características dos Programas de Pós-Graduação os quais o tema é
pesquisado, formando profissionais da área.
100
As áreas aqui identificadas nos Programas de Pós-Graduação podem se
inserir no âmbito da saúde do trabalhador nas mais diversificadas formas, nas quais
encontramos diversos profissionais (enfermeiros, médicos, engenheiros, assistentes
sociais, psicólogo), também expostos aos agravos que estudam. Há áreas que
apresentam certa tradição no campo prático-profissional, com as ações de saúde e
segurança do trabalho. No interior das empresas, em geral, há uma equipe técnica
formalmente estabelecida para atuar nessas atividades, comumente compostas por
Médico e Enfermeiro do trabalho e o Engenheiro de Segurança (atividade
especializada em nível lato sensu, formada prioritariamente na área da Engenharia de
Produção). No campo da saúde do trabalhador, as Ciências Sociais, a Psicologia e o
Serviço Social não possuem uma vinculação formal à área, como as categorias
profissionais acima, mas podem atuar no atendimento dos trabalhadores, apropriando-
se indiretamente do enfrentamento de questões relacionadas ao mundo do trabalho,
especialmente aquelas que contemplam aspectos da saúde do trabalhador.
4.1.1 Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde
O Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde foi aprovado pela
UFRN, através da Resolução nº. 021/2001-CONSEPE, de 17/04/2001. Em 2001 e
em 2004, foram aprovados pela CAPES o Mestrado e o Doutorado, respctivamente.
Compreende um Programa interdisciplinar, interagindo com a Ecologia, Bioética,
Teologia,Educação, Humanidades, Artes, Física, Química, Matemática,
Oceanografia, Agronomia, Veterinária, Planejamento, Gestão e Política, Ciências
Aplicadas e Básicas e outras disciplinas mais. Tem como objetivo a formação de
recursos humanos nas diversas áreas da saúde em nível de Mestrado e Doutorado.
Uma de suas características é não possuir “Áreas de Concentração”. Em seu lugar
há “Linhas de Pesquisa” e “Temas”.
101
4.1.2 Programa de Pós-Graduação em Enfermagem
A pós-graduação na área de Enfermagem tem forte tradição no Brasil,
presente desde a década de 1970. Sua Área de Concentração situa-se na
“Enfermagem na Atenção à Saúde”, tendo por base, segundo posição do Programa,
a compreensão do imperativo do reordenamento das práticas circunscritas ao novo
paradigma da produção social da saúde e da intersetorialidade e
interdisciplinaridade das ações, bem como do reconhecimento das diversas matrizes
teóricas de análise e de estratégias de investigação disponíveis. Prioriza o
desenvolvimento da enfermagem como ciência, no processo de cuidar, por ser
defensável pelos pesquisadores envolvidos e comprometidos com a ampliação da
consciência sanitária e ambiental de suas práticas53.
O ensino na pós-graduação é oferecido através dos cursos de Mestrado em
Enfermagem na Atenção à Saúde e Doutorado em Enfermagem na Atenção à
Saúde. Além disso, suas atividades de pesquisa estão distribuídas nas Bases: Ações
Promocionais e de Atenção a Grupos Humanos em Saúde Mental e Saúde Coletiva;
Caleidoscópio da Educação em Enfermagem; Enfermagem Clínica; Enfermagem
nos Serviços de Saúde; Incubadora de Procedimentos de Enfermagem; Laboratório
de Investigação do Cuidado, Segurança, Tecnologias em Saúde e Enfermagem.
4.1.3 Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção
O Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da UFRN
(PEP-UFRN) foi criado em 1998, tendo iniciado suas atividades em 1999.
Atualmente, possui o curso de Engenharia de Produção na modalidade stricto
sensu, em nível de mestrado acadêmico54. No seu projeto de criação foram traçados
vários objetivos estratégicos, nas diversas áreas da engenharia de produção e de
suas competências, mas apresenta como objetivo principal a disseminação e
53
Informações disponíveis em http://www.posgraduacao.ufrn.br//enfermagem. Acesso em 20 abr 2011.
54 Ver Anexo C, em que consta a Grade Curricular do curso.
102
produção de conhecimento científico na área de Engenharia de Produção,
qualificando recursos humanos em prol de sua inserção e integração nos setores de
serviço, comercial, industrial e acadêmico55.
4.1.4 Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
O Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, vinculado ao Centro de
Ciências Humanas, Letras e Artes – CCLHA, surgiu originalmente como mestrado
em Antropologia Social, aprovado pelo parecer 175/78 (CONSEPE/UFRN), iniciando
seu funcionamento em 1979 e com formação em mestrado e doutorado.
Como áreas de concentração foram identificadas as de “Políticas,
Desenvolvimento e Sociedade” e “Dinâmicas sociais, Práticas culturais e
Representações”. Com forte tradição, principalmente em nível de doutorado, na
formação de profissionais de áreas afins.
4.1.5 Programa de Pós-Graduação em Psicologia / Psicologia Social
O Programa de Pós-Graduação em Psicologia, vinculado ao Centro de
Ciências Humanas, Letras e Artes – CCLHA, surgiu originalmente só com mestrado
e passou a ter o curso de Doutorado em Psicologia Social a partir de um convênio
com a Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Em 2010, essa parceria foi desfeita
e o Programa passou a ter seu próprio curso de Doutorado em Psicologia.
Como Linhas de Pesquisa o programa congrega os estudos sobre os
“Processos psicológicos” envolvidos nas relações do homem nos diversos contextos
sociais, a Linha de “Psicologia e Práticas Sociais”, que se propõem a pensar a
inserção do psicólogo nas diversas áreas de atuação.
55
Informações disponíveis em http://www.posgraduacao.ufrn.br//pep. Acesso em 20 abr 2011.
103
4.1.6 Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
O Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, vinculado ao Centro de
Ciências Sociais Aplicadas - CCSA possui apenas o curso de Mestrado em Serviço
Social e foi implantado em 08 de agosto de 2000 atendendo aos planos de
expansão do Departamento de Serviço Social e para suprir a uma demanda que se
via crescente, sendo hoje o único programa de todo o estado do RN na área.
Desde então o programa abre regularmente processo seletivo para o curso,
além de oferecer espaços para alunos especiais (vinculo temporário). O mestrado
conta com as atividades de ensino, pesquisa e orientação de dissertações. A
proposta pedagógica do curso tem caráter multidisciplinar, contemplando tantos
docentes e discentes de Serviço Social quanto de áreas afins.
Seu objetivo principal está pautado em “viabilizar a qualificação de
profissionais do Serviço Social e áreas afins, a investigação crítica e prepositiva, que
os levem a produção de conhecimento sobre o seu exercício profissional”, numa
proposta de interlocução com o contexto da realidade social, buscando particularizar
a inserção profissional do Assistente Social no mundo contemporâneo.
4.2 ANÁLISES DOS DADOS: ONDE ESTÁ A “CRÍTICA” DO DEBATE?
O levantamento dos trabalhos, ora identificados, teve como objetivo,
identificar as abordagens relacionadas à temática da saúde do trabalhador e analisar
os dados em sua totalidade, identificando os principais referenciais teóricos
adotados e a articulação dessas produções científicas com as categorias de análise
elencadas nesse estudo.
As condições objetivas em que a produção do conhecimento se realiza nos
colocam fortes questionamentos sobre o efetivo apoio que os programas de pós-
graduação e docentes recebem. Uma vez que as instâncias de incentivo,
planejamento e coordenação de pesquisas se direcionam, muitas vezes, por ditames
produtivistas, que podem comprometer a autonomia das universidades. Sob essas
condições somos postos a pensar que contribuições essas pesquisas trazem de fato
104
e que funções sociais estas instituições assumem hoje, e, principalmente, qual a
intencionalidade de suas práticas e que projeto societário defendem.
Para melhor análise, fez-se necessária uma organização categorial para
elencar e analisar as temáticas abordadas, não como modelos ideais classificatórios
das produções científicas, mas como forma de identificar tendências que possam
revelar os elementos teóricos críticos ou conservadores, as formas de naturalização
da realidade, bem como os aspectos contraditórios presentes nos estudos. Assim,
partimos para a apreensão dos trabalhos analisados, considerando a abordagem
conceitual desenvolvida nesse estudo. Buscaremos identificar as seguintes questões
nos trabalhos levantados:
a) Revelar a concepção de homem e de trabalho abordados, pensados
aqui na direção da centralidade do trabalho na vida dos homens e desse
enquanto ser social;
b) Refletir se esses estudos dão conta de analisar (e como analisam) as
transformações engendradas no modo de produção capitalista,
enfatizando o atual processo de reestruturação produtiva e seus
elementos a partir da década de 1970, identificando como são tratadas as
condições de exploração da classe trabalhadora;
c) Desnudar as concepções de saúde do trabalhador presentes nas
pesquisas, buscando desvelar se as abordagens situam a área enquanto
política social pública, inseridas no campo da saúde pública.
A análise crítica que desdobraremos a partir das três questões acima
arroladas se sustentará no universo teórico-categorial estudado nos seções
precedentes. Será a partir desse universo que empreenderemos nossas críticas aos
trabalhos levantados, considerando-se as questões acima indicadas em “a”, “b” e
“c”.
Da mesma forma, e com a intenção de construir um quadro analítico que
torne a exposição clara, organizamos o conjunto dos Programas aqui escolhidos em
blocos, especificados nas áreas:
I. Ciências da Saúde, que contempla as áreas das Ciências da Saúde e
Enfermagem;
II. Ciências Exatas, que inclui a pós-graduação (mestrado) em
Engenharia de Produção;
105
III. Ciências Sociais e Humanas, que compreende os programas de
Ciências Sociais, de Psicologia/Psicologia Social e de Serviço Social.
Como se verá no decorrer das análises que desenvolveremos nesta seção,
optamos por identificar as questões dos itens “a”, “b” e “c” no conjunto das
produções científicas, separadas por áreas acima especificadas. Ou seja, à exceção
de uma ou outra citação de autor/trabalho específicos, a forma que adotamos para a
pesquisa foi a de sistematizar os traços comuns presentes nos estudos que nos
permitam identificar as tendências teóricas de cada área. Desse modo, privilegiou-
se, aquilo que predomina em cada área e não em cada autor/trabalho tomados
isoladamente.
Assim, a representatividade quantitativa dessas áreas sobre a totalidade dos
trabalhos analisados pode ser visualiza melhor no gráfico abaixo.
Gráfico 02 – Total de Teses/Dissertações Consultadas (2006-2010)
Fonte: Banco de Teses e Dissertações da UFRN (BCZM: 2006-2010), Acesso em
19 Abr 2011.
Esses percentuais fazem referência ao quadro anteriormente apresentado
(Quadro 03), a fim de melhor expressar a participação de cada área na totalidade
39%
18%
43%
Total de Teses/Dissertações (2006-2010)
Biomédica
Exatas
Sociais e Humanas
106
das teses/dissertações consultadas, que se revelou num total de 685 trabalhos.
Desses, 265 foram da área Biomédica (39%), 124 da área Exatas (18%) e, ainda,
296 do bloco das Sociais/Humanas (43%).
Mesmo assim, quando recorremos à escolha intencional dos trabalhos a
serem analisados, ou seja, aqueles que contemplam a discussão sobre a temática
da saúde do trabalhador, o quadro se altera como se pode ver na ilustração
seguinte.
Gráfico 03 – Trabalhos Analisados
Fonte: Banco de Teses e Dissertações da UFRN (BCZM: 2006-2010), Acesso em
19 Abr 2011.
4.2.1 Área Biomédica
No bloco da área Biomédica, identificamos os Programas de Ciências da
Saúde e Enfermagem. A Enfermagem se estabelece como campo de atuação na
área da saúde trabalhador, atuando de forma especializada nas equipes de
segurança do trabalho e serviços médicos no interior das empresas,
desempenhando, fundamentalmente, a função de enfermeiro do trabalho.
18; 60% 8; 27%
4; 13%
Trabalhos Analisados
Biomédica
Exatas
Sociais e Humanas
107
Na Enfermagem os trabalhos analisados situam, basicamente, suas
pesquisas na análise das práticas dos trabalhadores, procurando entender se suas
ações estão em conformidade com as normas de segurança e medicina do trabalho,
principalmente as que são padronizadas e formalizadas para cada atividade
produtiva específica.
Assim, fazem referência aos espaços sócio-ocupacionais e funções de
trabalho específicas e analisam, também, os tipos característicos de agravos,
levantando os fatores que determinam seu acometimento. Os objetivos principais
dos estudos pautam-se em constatações, verificações e compreensão dos
significados das ações de controle e diminuição dos riscos do trabalho. Observa-se
claramente nessa área uma atenção maior aos riscos biológicos.
Em alguns casos, até passam por uma análise mais criteriosa sobre essas
práticas, inclusive com a identificação da existência de riscos nos ambientes de
trabalho e da necessidade de serviços e ações nesse campo, mas, mesmo
destacando a atenção à saúde dos trabalhadores como essencial ao cumprimento
de uma política maior, têm como única referência as prescrições normativas e legais,
bem como a implementação dessa normatividade de condutas, observadas a partir
de análises comparativas de espaços sócio-ocupacionais distinguidos por áreas
(educação, saúde, etc), por vínculos empregatícios (privado/celetista,
público/estatutário), dentre outros fatores.
Identificam, também, fatores como pressão, tensão e sobrecarga de trabalho
como principais responsáveis para o comprometimento da saúde psíquica dos
trabalhadores e consequente comprometimento da sua qualidade de vida.
Considera-se conceitualmente as formas de adoecimento como “processo saúde-
doença” não como relação, ou seja, tratam o adoecer no trabalho como uma
expressão imediata e mecânica de causa-efeito, como consequência natural da vida
laboral. Dessa maneira, não relacionam os diversos e contraditórios aspectos que
concorrem para a degradação da saúde dos trabalhadores que, em geral, vivem em
condições materiais de existência extra-fabris bastantes precárias.
Há preponderância de estudos relacionados a avaliações de sintomatologia
de fatores pautados na dor e nexos causais56 de agravos relacionados ao trabalho,
considerando a grande interferência da dor na vida dos trabalhadores, e ainda
56
Condição adquirida através de laudo médico-pericial, realizado pelo Médico do Trabalho (campo especializado da medicina).
108
avaliações relacionadas à “qualidade de vida”, muitos deles direcionados ao
profissionais da saúde. Levantam como agravos a sobrecarga e intensificação das
jornadas de trabalho, que interferem no nível de tensão e ansiedade dos
profissionais e que poderá desencadear sofrimento psíquico.
Os estudos seguem protocolos de ponderação para a avaliação da
qualidade de vida através das propriedades físico, psicológico, social e meio
ambiente nos quais pretendem conhecer as representações sociais sobre o risco
ocupacional construídas por trabalhadores. Valem-se do uso de metodologias como
o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de LIPP (ISSL) e o Questionário de
Saúde Geral de Goldberg (QSG), direcionados à avaliação dos níveis de estresse
baseados em análises estatísticas, como um recurso capaz de mensurar
quantitativamente o que passa de subjetivo para os sujeitos.
As produções estão fundamentadas no referencial teórico da Teoria das
Representações Sociais57, indicando condições de trabalho desfavoráveis com
desgaste físico e mental ao trabalhador, e, patologias pouco reconhecidas como
ocupacionais em sua origem. Segundo os autores da área, pode-se observar que as
representações sociais construídas pelos trabalhadores da saúde revelam algum
nível de conscientização desses trabalhadores referente às consequências do
ambiente de trabalho para sua saúde, referindo-se ao processo de trabalho
hospitalar, em sua dimensão tecnológica e em seus aspectos físicos, psíquicos e
cognitivos.
Nos resultados e considerações conclusivas dos estudos, é recorrente a
identificação da necessidade de maior mobilização e sensibilização dos
trabalhadores, a partir de ações de educação permanente dos trabalhadores quanto
à importância de práticas seguras, como caminho para proteger os trabalhadores
desses riscos.
Ainda que os estudos, em menor ou maior grau, teçam algumas
considerações acerca das práticas atinentes à saúde pública, em geral, voltadas
para vacinações e campanhas preventivas, não identificamos qualquer relação da
57
Baseada em concepções teóricas presentes no campo da Sociologia e da Antropologia, mas hoje
com forte tendência na Psicologia Social, que propõem pensar a realidade a partir das experiências individuais e cognitivas dos sujeitos em relação ao seu meio de vida, pensando a realidade como um conjunto social, a partir de um estudo de conteúdos e significados. Articula elementos afetivos, mentais e sociais, e integrando, ao lado da cognição, da linguagem e da comunicação, as relações sociais que afetam as representações e a realidade material, social e ideal – no campo das idéias (ARRUDA, 2004).
109
questão específica da saúde do trabalhador com as políticas de saúde pública. Os
atendimentos aos trabalhadores acidentados e adoecidos pelo trabalho estão
diretamente relacionados ao âmbito de atendimento no interior das empresas,
através dos serviços de segurança e medicina do trabalho disponibilizados nas
empresas, ou seja, circunscrevem-se aos marcos estreitos das políticas sociais
privadas.
As análises se mostram muito relacionadas aos hábitos de vida dos
indivíduos, com apreciações dirigidas ao espaço da vida privada dos trabalhadores.
Em muitos trabalhos, ganham identificação como principais fatores de risco no
trabalho: o tabagismo, o etilismo, o sobrepeso e sedentarismo, numa apreensão
desses como fatores geradores de agravos como hipertensão, diabetes, mas
principalmente como “comprometedor do potencial físico do homem para o trabalho”.
Analisam como fatores de risco as funções que exercem e os hábitos de vida
“inadequados” que possuem.
São recorrentes nos resultados das pesquisas, considerações nas as quais
os trabalhadores apresentam um “comportamento de risco”, com baixa adesão às
ações preventivas e trabalhos de sensibilização de prevenção de acidentes e
doenças. Para tal “problema”, sugerem maiores intervenções educativas, com vistas
à melhoria da “qualidade de vida no trabalho”.
Do mesmo modo, é pautada uma discussão de grande importância, mas,
ainda, de pouco destaque nas produções científicas: a violência no trabalho ou
“violência ocupacional”, como também é denominada. Identifica-se essa forma de
violência como um tipo de agravo à saúde dos trabalhadores, colocando suas
consequências no hall dos agravos psicológicos, das “doenças invisíveis”. Um
desses estudos58, realizado em um complexo hospitalar, revelou que, em um ano,
73,06% dos profissionais desse campo sofreram violência no trabalho, cujas formas
mais verificadas foram a agressão verbal e o assédio moral. Segundo o mesmo
estudo, a violência no trabalho inclui a agressão verbal e física, o assédio moral e o
assédio sexual, que resultam em alto nível de estresse e adoecimento mental, cujas
sequelas estão para além dos espaços de trabalho.
58
CARVALHO, G. R. P. Sofrimento psíquico: representações sociais dos enfermeiros em ambiente hospitalar . (Dissertação de Mestrado), UFRN, 2008.
110
Mesmo assim, os fatores de risco continuam centrados nos indivíduos e na
educação como uma das ações mais eficazes para evitar ou minimizar a ocorrência
desses eventos, numa superestimação dos processos educativos, idealizando-os.
Há ainda, iniciativas de avaliação da capacidade para o trabalho,
considerando-a como resultado de um processo dinâmico entre “recursos do
indivíduo” em relação ao seu trabalho. Considerando que a interferência na
capacidade para o trabalho parte, principalmente, de fatores sociodemográficos,
estilo de vida, processos de envelhecimento e exigências do trabalho.
Segue, assim, o estabelecimento de um Índice de Capacidade para o
Trabalho – ICT, que parte de bases meramente estatísticas e variáveis quantitativas
com ênfase na idade e na capacidade atual e total de doenças, que qualificam a
capacidade dos trabalhadores em: baixa, moderada, boa e ótima. Sugere, ainda,
como medidas a restauração da capacidade para o trabalho, através de estratégia
específicas para cada ICT; e a recomendação para que o ICT seja aplicado nas
demais instituições, a fim de realizar um “diagnostico real”, como condição
necessária à recuperação e promoção da saúde dos “colaboradores”.
No processo de pesquisa tudo que destoa das tendências dominantes
merece uma atenção especial, assim identificamos um único trabalho em especial
que analisa os fatores que desencadeiam violência pela banalização dos problemas
e das questões da saúde dos trabalhadores, pensadas a partir das transformações
no mundo do trabalho, com seus determinantes políticos, sociais e econômicos e
sua relação com a saúde do trabalhador. Assim, aborda a violência no ambiente de
trabalho e suas implicações na saúde do trabalhador, enfocando a banalização dos
problemas enfrentados por esses trabalhadores como uma forma de violência no
trabalho. Apresenta como categorias de análise o cotidiano no ambiente de trabalho
e sua influência na vida dos trabalhadores; a violência presente no ambiente de
trabalho e suas consequências na vida e na saúde dos trabalhadores; a banalização
da injustiça social, a propósito da violência contra o trabalhador e sonhos divisados.
Os resultados revelam que o cotidiano de trabalho desses trabalhadores,
apresentam condição ambiental e organizacional insalubres, caracterizada pela
insegurança física e técnica; falta e desqualificação de recursos instrumentais e
humanos; sobrecarga e complexidade do serviço; má distribuição das tarefas e
pressão por prazo e produtividade, gerando tensão, conflito e ansiedade
relacionados com os usuários, colegas, superiores, e com a tarefa. No ambiente de
111
trabalho foram identificadas a violência externa, o sofrimento psíquico, o assédio
moral, o assédio psicológico e a violência estrutural ocupacional. Essas formas de
violência trazem consequências à vida, explicitadas por fatores de ordem
profissional, econômica e moral e à saúde, por fatores de ordem biológica, mental e
emocional. A banalização da injustiça social no cotidiano de trabalho foi discutida
nos aspectos da banalização dos problemas e das condições de trabalho, da
banalização da saúde e da qualificação e valorização profissional. As expectativas
dos trabalhadores apontaram para a necessidade de: condições de trabalho
seguras; treinamentos e assistência técnica; política de atenção a saúde física,
mental e social para os trabalhadores, extensiva à família.
Conclui-se que as condições ambientais e organizacionais não oferecem
segurança física e técnica de que os trabalhadores necessitam para a execução de
suas atividades, nem oferecem conforto e bem-estar físico e psíquico. A política que
vem sendo utilizada pela instituição, aponta para a desvalorização e desumanização
destes, acarretando sentimento de insatisfação, frustração e indignação com
respeito à instituição e ao trabalho, acarretando sofrimento e adoecimento físico e
mental.
Mesmo esse único estudo avançando na análise, não há qualquer
identificação desses elementos como intrínsecos ao modo de produção capitalista.
Constatou-se que a forma mais cruel de violência presente no ambiente de trabalho
é a banalização da injustiça social diante dos problemas e saúde desses
trabalhadores, gerando padecimento lento e morte simbólica de seus sonhos e de
suas vidas. Com a proposição, mais uma vez, da necessidade de implementação de
uma política que promova segurança, saúde, educação integral, valorização e
humanização desses trabalhadores.
De uma forma mais ampla o que permanece visível nas produções da área
Biomédica é a insatisfação advinda da falta de crença nas possibilidades de
mudança do contexto contemporâneo que originam dificuldades para a realização
profissional resultando no sofrimento psíquico do profissional
112
4.2.2 Área das Ciências Exatas
No âmbito das Ciências Exatas, especificamente no segmento da
Engenharia de Produção, identificamos as análises de atividades e/ou processos de
trabalho específicos que se pautam na verificação dessas realidades e suas
implicações na saúde e desenvolvimento do trabalho, ou seja, nas formas e
implicações que o adoecimento do trabalhador tem para o processo produtivo,
pensando ainda, algumas patologias específicas a determinadas atividades e
processos de trabalho.
As conclusões se baseiam em determinar os padrões mais adequados para
a realização de cada tarefa do processo produtivo, investigando os determinantes
globais que interferem em sua plena realização. Nesse aspecto, inclui-se desde o
número de toques adequados sobre um teclado, até os padrões de comportamento
humano para além do espaço da fábrica, tomando na globalidade dos fatores o
espaço da vida privada dos homens – suas relações afetivas e familiares, o uso de
substâncias entorpecentes (álcool, tabaco e outras drogas) ou medicamentosas,
bem como as condutas sociais públicas.
A identificação dos riscos e das condições inadequadas de trabalho é
apontada como uma intervenção necessária para, de imediato, não comprometer a
segurança e a saúde dos trabalhadores, mais essencialmente, para garantir o bom
desenvolvimento no espaço de trabalho e o melhor potencial produtivo dos sujeitos,
que segundo a mesma retórica ainda melhora a “qualidade de vida”.
Vemos algumas considerações sobre as transformações em curso, mas
estudos se limitam a indicar as mudanças ocorridas pela introdução de novas
tecnologias e novas formas de administração dos processos produtivos e da força
de trabalho, promovendo uma interlocução com as características mais marcantes
do modelo toytista, de “acumulação flexível”. Referem-se, acriticamante à
reestruturação produtiva, como uma marca de novidade e de registro recente nas
novas modalidades de gestão que superam o padrão.
Considerando, mesmo sem as mediações necessárias, que esse contexto
tem causado impacto na saúde dos trabalhadores e que estas mudanças que
repercutem no processo de trabalho geram uma ação combinada de fatores de
riscos que resultam em inúmeros agravos e doenças, como as sempre citadas
113
LER/DORT. Também constatam em muitas das atividades estudadas que essas
submetem os trabalhadores a condições de trabalho em situação de risco grave de
adoecimento, identificando como principais fatores contributivos e determinantes
para este adoecimento: as exigências e o controle; os sistemas de avaliação de
resultados baseados em metas de produtividade; sistemas de gerenciamento de
tempo de atendimento (nos segmentos de Serviços); trabalho com fatores
estressantes; sobrejornada de trabalho; mobiliário dos postos de trabalho com
inadequações ergonômicas e a política de prevenção de doenças ocupacionais
como ineficiente; além desses, há também largo destaque para os impactos
ambientais e o descumprimento da exigência legal da emissão da CAT e o não
afastamento do trabalhador do posto de trabalho, mesmo acidentado ou doente.
Destacando-se estudos que compreendem os processos de adoecimento
relacionados às extensas jornadas de trabalho, o desgaste físico, alimentação
inadequada, condições de higiene precárias, ausência de equipamentos de
segurança e instrumentos de trabalhos adequados. Considerando que esses
aspectos contribuem para um quadro de insegurança e adoecimento.
Esses fazem grande uso de metodologias baseadas em análises
ergonômicas do trabalho que empregam técnicas internacionais de padrões
produtivos de qualidade, protocolos de observação do comportamento produtivo do
trabalhador, investigação dos fatores estressores, estratégias de conscientização
ligadas à percepção dos indivíduos. Há, ainda, análises na perspectiva de sistema
de gestão de segurança e saúde ocupacional tal como definido pela OIT em seu
modelo ILO/OSH-2001, considerado como o modelo de gestão mais difundido no
mercado, assim como, o ISO 9000, o OHSAS 18001 e as Normas
Regulamentadoras brasileiras59, analisando a adaptação das empresas a esses
modelos normativos, sem questionamentos significativos sobre os mesmos. Na
verdade, os argumentos não ultrapassam a máxima do aumento da capacidade
produtiva.
As observações que se propõem para além das análises técnicas ou de
aplicabilidade normativas, não vão além da mera constatação empírica, em alguns
casos aparecem considerações de cunho antropológico e outras meramente
59
Em 2005 o Brasil assinou termo de compromisso em adotar a Diretriz de Sistema de Segurança e Saúde Ocupacional da Organização Internacional do Trabalho denominada ILO/OSH 2001.
114
condizentes com teorias “humanistas” de gestão60 – baseadas em alguns aspectos
da psicologia e da sociologia do trabalho –, em que o trabalhador ou é um “ser”
desconhecido e diferente do pesquisador ou um “ator social”, ou, ainda, um recurso
produtivo, como “capital humano”.
É recorrente o entendimento de que os ganhos produtivos estão diretamente
relacionados às inovações tecnológicas, ao ordenamento dos processos de gestão
e, ainda, do controle dos fatores de risco à produção – pensando os componentes e
recursos, técnicos, materiais e humanos. Todos os determinantes identificados e
analisados excluem em definitivo a natureza do processo produtivo na totalidade do
atual modo de produção, assim, são completamente descartadas, sequer
conhecidas, as categorias “exploração do trabalho” e “mais-valia”. Pensando a
sociabilidade capitalista, mesmo que não afirmativamente, mas bem
intencionalmente, como uma realidade “dada”, e que necessita, no máximo, ser
aperfeiçoada para que toda “engrenagem social” funcione como tal, com
recomendações para sustentabilidade ambiental e a qualidade de vida no trabalho,
concebidos como potencias transformadores da realidade.
4.2.3 Área das Ciências Humanas e Sociais
No campo das Ciências Sociais e Humanas, apesar da escassa quantidade
de produções na área, principalmente nos Programas de Ciências Sociais e Serviço
Social.
Sobretudo no curso de Ciências Sociais não foi identificado qualquer estudo
que se aproximasse da área de saúde do trabalhador. Até conseguimos encontrar
pesquisas que debatem as transformações no mundo do trabalho, às quais não
dotamos de maiores análises para não se distanciar do objeto desse estudo. Outra
60
Teorias da administração que formam o estudo das Relações Humanas no trabalho, defendendo a importância da organização informal, da motivação, das necessidades humanas, da dinâmica de grupo, da comunicação e da liderança como determinantes para o desempenho organizacional dos trabalhadores. Assumem uma reação às idéias de Taylor e Fayol, negando alguns dos conceitos que estes consideraram mais importantes, como a organização formal, a autoridade, a responsabilidade, a hierarquia ou a unidade de comando. Mesmo assim, trazem como principal referência a importância dos incentivos sociais e simbólicos para além das recompensas salariais e não avançam na análise da alienação e exploração dos trabalhadores, entendendo que esses sacrifícios poderiam ser recompensados.
115
grande parte das discussões nessa área concentra a reflexão sobre os valores e
significados do trabalho, mas no entorno do simbólico do que é trabalhar.
Identificamos análises que situam o contexto das mudanças contemporâneas do
trabalho e seus elementos de precarização. Mas, em muitos casos, o trabalho é
pensado em suas configurações atuais genéricas (no sentido universal/abstrato) e
em alguns aspectos que envolvem os conflitos de classe relacionados à exploração
do trabalhador.
Tal ausência de estudos nas Ciências Humanas/Sociais sobre a área da
saúde do trabalhador pode ser um indicador do quão distante essa área do saber se
encontra das mediações reais que dão concretude às reflexões teóricas,
reproduções ideais do real. Uma hipótese para tal alheamento da realidade pode ser
atribuída ao notório domínio das teorias pós-modernas no mundo acadêmico,
particularmente entre os cientistas sociais.
Existem, ainda, estudos que se aproximam das discussões sobre
Responsabilidade Social Empresarial, em diversos segmentos econômicos,
investigando percepções e práticas do empresariado, que envolvem aspectos
econômicos, sociais, culturais e simbólicos da relação “empresa-sociedade”.
No Serviço Social apenas um único trabalho foi contemplado para o estudo
e, mesmo assim, não traz uma abordagem direta sobre a saúde do trabalhador,
referindo-se às condições de trabalho da categoria profissional no âmbito hospitalar,
situando a discussão sobre as condições de trabalho desse grupo e como isso
afetava a saúde desses trabalhadores. Desse modo, analisa a inserção do
profissional (assistente social) nos processos de trabalho no âmbito de atuação
delimitado, pensando as condições objetivas de trabalho, nas quais são identificados
processos de racionalização e reestruturação da organização do trabalho.
Este dado nos faz refletir que a produção científica no Serviço Social, apesar
dos grandes avanços das análises mais universalizantes – seja sobre o serviço
social, o mundo do trabalho ou a própria conjuntura societária – ainda pouco
contempla as mediações concretas que marcam o cotidiano profissional. Ao
constatar essa lacuna na profissão, Iamamoto (2005, p.197) afirma:
Nos anos 1980, o Serviço Social realizou um enorme avanço na análise das políticas sociais públicas e abriu o debate sobre as políticas sociais empresariais, inscritas no mundo do trabalho. Porém, não efetuou, com a mesma ofensiva, a apropriação das alterações históricas que vêm
116
ocorrendo nos quadros da sociedade, das mudanças no perfil das classes sociais em sua heterogeneidade, em sua inserção à produção/reprodução do processo social. A atenção para as políticas de Estado redundou em uma certa secundarização da análise dos sujeitos sociais, da dinâmica da sociedade civil, e, em especial, da compreensão dos segmentos sociais que são o público alvo das ações profissionais, mais além da proximidade cotidiana que se tem com o mesmo, de modo que retraduza esta convivência em explicações de sua existência. (grifos do autor).
Vemos que, no Serviço Social, mesmo como uma profissão interventiva, faz-
se necessário avançar nas reflexões que capturem as mediações profissionais.
Assim, relega-se a apreensão da vida cotidiana e a preocupação com o trabalhador
no espaço fabril, fazendo com que essa análise acabe sendo incorporada por
perspectivas conservadoras.
O assistente social, como profissional das Ciências Sociais Aplicadas,
possui sensibilidade para valorizar o caráter social dos agravos à saúde,
potencializando o diagnóstico, a intervenção, entendendo-os como um conjunto de
problemas (de saúde) da coletividade - conforme a 3ªCNST. De forma contrária, à
visão organicista encontrada em grande parte dos atendimentos e
encaminhamentos médicos, que negam ou ocultam a centralidade do trabalho no
processo saúde-doença, dificultando a resolutividade dos casos apresentados e a
verdadeira incorporação do SUS em tal finalidade. O profissional pode possibilitar
que o usuário seja ouvido, decodificando seus anseios e angústias na forma de
intervenção social, tendo em vista que o trabalhador já chega ao atendimento não só
com a saúde comprometida, mas como vítima, também, de uma peregrinação
institucional irracional e perversa, perambulando de um lado para outro a procura da
resolução de seu caso.
Diferentemente, as pesquisas no campo da Psicologia – que incluem os
Programas de Psicologia e Psicologia Social – se voltam para a prevenção dos
transtornos mentais e do comportamento relacionados ao trabalho, baseando-se nos
procedimentos de vigilância dos agravos à saúde e dos ambientes e condições de
trabalho, além de análises sobre o bem-estar psicológico dos indivíduos,
considerando os ambientes de trabalho. Avaliam o que consideram de “disfunção e
incapacidade” causada pelos transtornos mentais e do comportamento relacionados
com o trabalho. Esses estudos delimitam-se em análises sobre a realidade de
117
trabalho de determinadas categorias/setores, com abordagens específicas, mas que
expressam as correntes e leituras teóricas preponderantes nessas pesquisas.
Há grande relevância nos estudos analisados da Área na reflexão sobre a
influência negativa que as atividades profissionais e os ambientes de trabalho
exerce sobre a vida dos indivíduos. São identificados fatores de risco e o
comprometimento das ações de “Higiene” e segurança do trabalho. Reiteram a
importância de se desenvolverem mais estudos sobre a área e destacam a
necessidade de garantia de políticas públicas.
Apreendemos nas análises um distanciamento entre homem e trabalho,
numa concepção do homem que não o trata como ser social, omitindo os elementos
essenciais para o estudo da saúde do trabalhador, pensando o trabalho sob a
sociabilidade capitalista. Identificam o que há de mais aparente na análise das
realidades estudadas, limitados aos seus sintomas (psicológicos), desvinculadas do
conjunto das relações sociais capitalistas, o que contribui para a naturalização e
conservação desse modo de produção.
Na Psicologia Social o único trabalho existente se situa, predominantemente,
no âmbito da Psicologia Organizacional e do Trabalho, voltando-se para a análise
dos efeitos dos regimes de trabalho sobre a saúde mental de uma determinada
categoria profissional, buscando construir um perfil biográfico e sócio-ocupacional
desses trabalhadores. O estudo conclui que a maioria dos trabalhadores de um
determinado grupo (petroleiros) tem sua saúde mental bem preservada, a despeito
das condições de trabalho inadequadas. Tal conclusão se deve a uma noção de que
os efeitos sobre o bem-estar psicológico dos trabalhadores são consequência da
“auto-percepção” que esses desenvolvem frente às suas condições de trabalho,
numa visão plenamente individualizante dos agravos.
A temática dos significados e sentidos do trabalho é pesquisada por
diferentes autores com base em diversas vertentes epistemológicas e com múltiplas
perspectivas teóricas. Sabemos que grande parte dos estudos na Psicologia
relaciona o que é o sentido do trabalho à qualidade de vida no trabalho, não
concebendo-o em sua contradição central de trabalho concreto e trabalho abstrato,
nem considerando as mudanças pelas quais vêm passando na contemporaneidade.
Apropriando-se de autores como Hackman e Oldhan (1975), Morin (1996)
definem o sentido do trabalho como uma estrutura afetiva formada por determinados
significados, ou seja, por representações que o sujeito tem de sua atividade, assim
118
como o valor que lhe atribui, pensando ainda o que o sujeito busca (como forma de
satisfação pessoal) com o trabalho e o que orienta suas ações. Todo esse
entendimento é pautado numa perspectiva de coerência, harmonia e equilíbrio na
sua relação com o trabalho, na sua relação com o ambiente de trabalho.
O que é preponderante nos estudos da Psicologia, que se baseiam em
muitas referências de Dejours (1992, 2006), é trazer a significação do trabalho como
própria para cada indivíduo, sendo criada a partir das técnicas particulares
desenvolvidas por cada sujeito (Dejours, 1992). Em tal obra, sustenta-se que a
divisão do trabalho conduz a maioria dos trabalhadores a ignorar o “verdadeiro”
sentido do trabalho - representativo de uma dimensão mais pessoal – limitando-o a
uma tarefa individual e o desconhecendo o seu sentido de atividade coletiva.
Pensa-se o homem como indivíduo, dotado de uma história personalizada e,
por outro lado, a organização do trabalho como portadora de um caráter
despersonalizante, no qual emerge uma vivência e um sofrimento do homem. Assim,
o trabalho só tem sentido por meio da transformação do sofrimento – decorrente da
divisão das tarefas pela organização do trabalho – em prazer pela utilização das
competências e liberdades individuais. Compreende-se que o prazer no trabalho é
fundamental para a manutenção da saúde e da normalidade.
Desse modo, o que se torna presente é a visão do sujeito trabalhador como
um indivíduo isolado, considerando as representações de sua vida como diferente,
ou distanciada da realidade que o cerca, deixando de concebê-lo como produção
histórica, com determinações genéricas e fruto de condições e relações sociais
particulares.
4.3 O DEBATE ACERCA DA SAÚDE DO TRABALHADOR: TENDÊNCIAS
TEÓRICAS NO CAMPO TEMÁTICO
A produção de conhecimento na universidade contribui, quando socializada,
para explicitar tanto a sua relevância social, quanto a perspectiva teórica
(conservadora ou crítica) que predomina na academia.
119
Segundo Mészáros, a reprodução social da sociedade do capital depende de
concepções de mundo que representem idealmente os seus fundamentos:
Por maior que seja, nenhuma manipulação vinda de cima pode transformar o imensamente complexo processo de modelagem da visão geral do mundo de nossos tempos – constituída por incontáveis concepções particulares na base de interesses hegemônicos alternativos objetivamente irreconciliáveis, independentemente de quanto os indivíduos possam estar conscientes dos antagonismos estruturais subjacentes – num dispositivo homogêneo e uniforme, que funcione como um promotor permanente da lógica do capital. Nem mesmo o aspecto da “manutenção” pode ser considerado um constituinte passivo da concepção de mundo que predomina entre os indivíduos. (MÉSZÁROS, 2007, p. 209).
Desse modo, o domínio do capital se realiza em assegurar que os sujeitos
sociais adotem os parâmetros reprodutivos do capital como metas próprias,
individuais, com a intenção primeira que essas questões sejam internalizadas pelos
indivíduos, legitimando essas posições como deles, induzindo ao conformismo e
subordinação à ordem estabelecida. Nesse contexto, Mészáros (2007) nos faz
lembrar bem que as instituições formais de educação são parte importante, pois
induzem a uma aceitação ativa dessas perspectivas, das dimensões mais visíveis às
ocultas. Romper com essa lógica na educação equivale “a substituir as formas
onipresentes e profundamente enraizadas de internalização mistificadora por uma
alternativa concreta abrangente” (p. 207), pois mantêm como raiz de seus
determinantes a alienação do trabalho. Esse rompimento será conquistado, apenas,
pela organização coletiva e consciente desses sujeitos, como elementos de pressão
capazes de modificar o modo de internalização historicamente prevalecente – que
oprime e sustenta a concepção dominante de mundo – rompendo, em definitivo,
com essa lógica.
[...] fica bastante claro que a educação formal não é a força ideologicamente primária que consolida o sistema do capital; tampouco ela é capaz de, por si só, fornecer uma alternava emancipadora radical. Uma das funções principais da educação formal nas nossas sociedades é produzir tanta conformidade ou “consenso” quanto for capaz, a partir de dentro e por meio de seus próprios limites institucionalizados e legalmente sancionados. (MÉSZÁROS, 2007, p. 206).
120
Segundo o mesmo autor, a missão de uma proposta educativa que se paute
numa perspectiva emancipatória, ou seja, o reino fundamental da liberdade dos
homens, pressupõe a adoção de uma totalidade de práticas educacionais, culturais
e, principalmente, políticas, que conjuguem uma contraconsciência de classe e se
realizem numa transformação da sociedade. Considerando ainda que:
[...] a necessária intervenção consciente no processo histórico, orientada pela adoção da tarefa de superar a alienação por meio de um novo metabolismo reprodutivo social dos “produtores livremente associados”, esse tipo de ação estrategicamente sustentada não pode ser apenas uma questão de negação, não importa quão radical. (MÉSZÁROS, 2007, p. 215).
Esse é o grande destaque que trazemos para a educação – a partir da
concepção aqui abordada -, como um espaço que desempenha importante papel na
transformação social, contribuindo vitalmente para romper os processos de
internalização dominantes, numa construção autônoma e alternativa de
contracorrente.
A necessidade imperante de desconstruir o discurso e o curso das supostas
ações de prevenção de acidentes e doenças do trabalho nos leva a desvelar as
falsas virtudes do sistema capitalista, bem como a dar maior destaque às relações
de trabalho como relações de exploração e conflitos de classe.
Os discursos hegemônicos operam em nome de um (neo)
desenvolvimentismo imperialista, em nome da macroeconomia neoliberal que
flexibiliza direitos e suprime garantias sociais e trabalhistas. Essas idéias são, ainda,
elaboradas e difundidas no campo intelectual e têm grande circulação nas
universidades, mas seus desafios extrapolam o campo acadêmico e levam à batalha
das idéias até o cotidiano da vida dos sujeitos.
O padrão de acumulação capitalista vem sendo aprofundado com alto grau
de consentimento e adesão as massas populares, persistindo e ampliando as mais
aviltantes desigualdades e reiteradas e violentas formas de exploração e
expropriação do trabalho, não deixando de lado as ações coercitivas, mas agora
com um forte componente educativo, em que o consenso pactua uma dimensão de
coerção. Essas ideias são elaboradas e difundidas, principalmente, no campo
intelectual, que tem as universidades como grande referência (NEVES, 2010).
121
O que vemos é uma busca incessante dos corações e mentes dos
trabalhadores, que se baseia numa larga teia de ações que exigem um manejo
ideológico, e que se configuram hoje com novos elementos e estratégias de
dominação, mas que mantêm a ideologia dominante com a reprodução dos
fundamentos do capital.
Pode-se dizer que as idéias difundidas nos estudos aqui analisados trazem
perspectivas que, em geral, fundamentam as concepções de mundo do projeto
burguês. Os sujeitos trabalhadores são abordados na perspectiva histórica da
individualidade burguesa, como indivíduos independentes.
Segundo Antunes (2007), para que exista uma vida cheia de sentido fora do
trabalho é necessária uma vida dotada de sentido dentro do trabalho, pois não é
possível compatibilizar trabalho assalariado, fetichizado e estranhado com
satisfação, realização e pertença que trazem sentido para a vida dos indivíduos.
Uma vida desprovida de sentido no trabalho é incompatível com uma vida cheia de
sentido fora do trabalho.
Reportando-nos à Mota (1998), podemos dizer que está em curso a
construção de uma nova cultura do trabalho, um novo comportamento produtivo
regido pelo capital, repercutindo no conjunto da sociedade. Essa orquestração se faz
ancorada numa nova institucionalidade neoliberal, o que contribui para reformular os
mecanismos reguladores da gestão da força de trabalho, pretendendo, assim,
reorganizar as bases da cidadania burguesa.
Agora essa cidadania deve ser consolidada sobre as requisições do
mercado e da grande empresa. A condição para isso é a quebra de direitos
adquiridos, numa ação agenciada pelo Estado e consentida pelos próprios
trabalhadores, além da difusão da nova noção de individualidade, portadora da
racionalidade técnica e da negação de uma sociabilidade pautada no coletivo.
Como o trabalho, desde a consolidação do modo de produção capitalista, sempre
esteve subordinado ao capital, “o que de ‘novo’ emerge é a tentativa de obter o
consentimento ativo dos trabalhadores ao atual processo de recomposição do
capital” (MOTA; AMARAL, 2008, p. 36).
A análise da sociedade – e, em consequência, o próprio trato da saúde do
trabalhador – presente nos estudos investigados aponta para uma clara hegemonia
de abordagens conservadoras. Mesmo quando fazem a crítica, a realizam baseada
numa perspectiva de humanização do capitalismo, configurando numa forma
122
atualizada de “anticapitalismo romântico”, nos termos de Netto (2009)61. Esses
elementos coadunam com o controle da força de trabalho por meio de um discurso
pseudo-libertador.
O que em geral observamos nos estudos é a perspectiva de saúde do
trabalhador como um elemento que potencia o capital, já que o trabalhador deve
estar sempre bem e saudável para produzir mais e melhor, como uma espécie de
“higienismo” sofisticado e de controle da vida privada.
O conjunto das produções científicas aqui estudadas acaba por renovar a
formação de intelectuais do capital, mesmo que não intencionalmente. Apresentam
um conhecimento a serviço da ordem burguesa e atuam – mesmo no campo da
saúde do trabalhador – no sentido de obter o “consentimento ativo” dos
trabalhadores.
Essas perspectivas, que ganham certa hegemonia nas pesquisas aqui
analisadas, corroboram, nos termos de Mota (1998), com a construção de uma
“nova cultura do trabalho” que incorpora as necessidades do capital e se apresenta
revestida em outra “racionalidade política e ética” compatível com o processo de
acumulação, ou seja, com a sociabilidade do atual projeto capitalista. Ações forjadas
pela “cultura do antiradicalismo e das soluções negociadas”, de ideais
conservadores que pensam a construção de saídas possíveis, sacrificando as
massas trabalhadoras, estimulando “a ‘indiferenciação’ de projetos políticos como
modo privilegiado de administração da desigualdade social” (p. 11).
61
José Paulo Netto, em sua obra “Capitalismo Monopolista e Serviço Social” (2009), levanta a discussão sobre o sincretismo ideológico e faz referência ao “anticapitalismo romântico”, enquanto categoria já concebida e aprofundada por outros autores.
123
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
[...] A maquinaria gera novas condições que capacitam o capital a dar plena vazão a essa tendência constante que o caracteriza, e cria novos motivos para aguçar-lhe a cobiça por trabalho alheio. [...] O instrumental passa a ser animado por um movimento perpétuo, e produziria ininterruptamente, se não fosse tolhido por certas limitações naturais dos auxiliares humanos: a debilidade física e os caprichos. Como capital, esse autômato possui, na pessoa do capitalista, consciência e vontade, e está dominado pela paixão de reduzir ao mínimo a resistência que lhe opõe essa barreira natural, elástica: o homem.
(MARX, 2008, p. 460)
A centralidade da categoria trabalho norteou toda essa dissertação. A
especificidade da temática “Saúde do Trabalhador” foi submetida à centralidade
aludida, cujo intuito foi o de ultrapassar o caráter fenomênico que a área sugere e
que, como vimos, é dominante nas perspectivas teóricas nesse campo.
Sabemos que as formas de vinculação ao trabalho, ou ainda, as maneiras
como é executado, considerando sua objetivação no modo de produção capitalista,
causam impactos na vida e no bem-estar dos indivíduos trabalhadores, provocando
um desgaste social, em maior ou menor grau. Os trabalhadores estão
constantemente expostos a situações de risco, tais como: esforço físico,
levantamento e transporte manual de peso, postura inadequada, ritmos de trabalho
excessivo, monotonia, repetitividade, trabalho noturno, situações causadoras de
estresse psíquico.
São bastante preocupantes os índices de acidentes de trabalho no Brasil,
com inúmeras vítimas que, diariamente, provocam sequelas graves aos
trabalhadores, desde perdas materiais até os enormes encargos sociais do Estado,
além do sofrimento que se estende às famílias das vítimas. Tal quadro ratifica a
cisão existente ente o campo da saúde/segurança do trabalho e o universo do
processo produtivo.
O aumento considerável dos números de acidentes de trabalho tem, dentre
seus determinantes, a pressão por resultados. Há, na contemporaneidade, uma
evidente sobrecarga da força de trabalho que vive uma brutal intensificação dos
124
ritmos da produção, voltadas para a resolução dos problemas estruturais de
valorização do capital. Dessa forma, o capital, faz uso de todas as ferramentas de
controle, coerção e opressão para fazer os trabalhadores produzirem cada vez mais,
engendrando assim, um ambiente de trabalho totalmente inseguro. Tais aspectos
estruturantes do processo de trabalho capitalista, longe de potencializar das
possibilidades humanas, limitam o trabalho a uma mera condição de força motriz,
exprimindo-se assim como um traço destruidor das capacidades do ser social. Com
o desenvolvimento capitalista, o homem torna-se mero instrumento de sua
produção, tão inerte quanto uma natureza inorgânica.
No decorrer desta pesquisa procuramos analisar o trabalho sob a
sociabilidade capitalista, a partir das mudanças organizacionais provocadas pelas
alterações no mundo do trabalho. Desse modo, a pesquisa bibliográfica e
documental foi fundamental para o entendimento das categorias aqui analisadas
acerca da relação saúde-trabalho. Através da revisão bibliográfica, pudemos,
também, conjugar importantes contribuições de diferentes autores que discutem a
concepção ontológica de trabalho e as questões voltadas para a atenção à saúde do
trabalhador.
Identificamos a convivência de modelos distintos de gestão da força de
trabalho, caracterizados pela permanência, predominante, de elementos próprios da
realidade taylorista-fordista, potencializados por estratégias de produção e gestão do
trabalho provenientes da administração flexível. Desvelamos assim, dentre os
elementos contraditórios dessa realidade que as novas relações de trabalho
continuam a reproduzir aspectos quase que “pré-capitalistas” de exploração humana
e reiteradas formas de cooptação dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que
mantêm “antigas” formas de agressão à saúde dos trabalhadores que se combinam
às “novas” demandas do atual processo de reestruturação do capital.
Cabe-nos aqui ressaltar que agravos ocupacionais atuais, mesmo não sendo
novos, intensificam-se nas últimas três décadas. Do mesmo modo, as novas formas
de controle e pressão sobre os trabalhadores repercutem de forma incisiva na
precarização das condições e relações de trabalho, tornando os ambientes de
trabalho um espaço de total insegurança. Assim, os ritmos colocados à força de
trabalho favorecem a suscetibilidade para a ocorrência de acidentes de trabalho e
comprometem a condição de vida do trabalhador com sérias implicações em sua
saúde.
125
Nada mais justo do que aqueles que geram riscos e agravos à saúde dos
trabalhadores sejam os responsáveis pela reparação dos danos. A penalização e a
punição de empresas que negligenciam as questões relacionadas à saúde, a
segurança se fazem necessárias para criar o comprometimento dos empresários
com o mínimo respeito a conservação da vida humana, mesma sabendo que essas
ações não resolvem o problema, uma vez que suas questões são estruturais.
Concomitantemente, as ações em saúde e segurança se apresentam,
geralmente, apenas como o cumprimento de normas operativas e legislativas, além
da inoperância e fragmentação das ações dos poderes públicos. Um descaso, que
deixa de priorizar as ações estratégicas de garantia do bem-estar físico, psicológico
e social do trabalhador dentro e fora do ambiente de trabalho, contribuindo
efetivamente para a manutenção da saúde dos trabalhadores.
Novas tecnologias são incorporadas aos métodos produtivos, levando à
uma modificação do perfil de saúde, adoecimento e sofrimento dos trabalhadores
expressas, principalmente, no aumento da prevalência de doenças relacionadas ao
trabalho, como a LER/DORT; os cânceres; o estresse, a fadiga física e mental; e
outras expressões de sofrimento relacionadas ao trabalho dentro do contexto maior
de doenças ocupacionais. “Essas ‘novas’ formas de adoecimento convivem com as
‘velhas’ doenças profissionais, como a silicose, as intoxicações por metais pesados,
por agrotóxicos, entre outras” (PNST, 2003, p. 15).
Do mesmo modo, os acidentes de trabalho, estão intrinsecamente ligados
ao problema da violência vivido hoje pela sociedade brasileira nos centros urbanos,
enfocadas em múltiplos aspectos que consideram a violência contra o trabalhador
no seu local de trabalho, traduzida pelos acidentes e doenças do trabalho típicos; a
violência decorrente de relações de trabalho deterioradas, como o trabalho escravo
e o trabalho infanto-juvenil; e ainda, a violência ligada às relações de gênero e o
assédio moral, caracterizada pelas agressões entre pares, chefias e subordinados
(PNST, 2003).
São inúmeras situações que expõem a alma e o corpo dos trabalhadores a
condições insalubres de trabalho, aliados à escassez de fiscalização dos postos de
trabalho; a inaplicabilidade da lei, bem como, a negligência das entidades
responsáveis. Cabe ressaltar que esse conjunto de elementos é característico do
capitalismo contemporâneo e possibilita a sujeição dos trabalhadores a situações de
126
trabalho degradantes, em razão do desemprego que assola todo o mundo
capitalista.
Dessa forma, as doenças profissionais e os acidentes de trabalho são
enxergados sob o enfoque do ato ou condição insegura, culpabilizando duplamente
o trabalhador mutilado pelo trabalho, sem responsabilizar a lógica capitalista de
extração de sobretrabalho e sem fazer uso do aparato técnico-operativo para a
prevenção desses acidentes, como no caso do uso adequado de EPI e na instalação
de proteções coletivas.
Os problemas já foram tão naturalizados que atingem um alto grau de
tolerância, tornando-se quase “imperceptíveis” para aqueles que estão nos espaços
de trabalho há mais tempo. Isto faz com que os acontecimentos acidentários sejam
tratados de forma banal num cotidiano de ilegalidades.
Neste sentido essa pesquisa procurou fornecer subsídios para a discussão
na área da saúde do trabalhador, com o objetivo de contribuir para a luta geral dos
trabalhadores por melhores condições de trabalho e de vida, sem a pretensão de
esgotar a questão, mas apenas levantar algumas reflexões importantes para serem
discutidas e incitar novas produções teóricas que embasem outros olhares sobre
ela.
Assim, elegemos nesse estudo a análise das produções científicas no
campo da “saúde do trabalhador” – considerando a delimitação da pesquisa – como
base ilustrativa das tendências teóricas que contornam essa temática, e que,
consequentemente, subsidiam as ações nessa área.
Esses intelectuais são responsáveis pela produção de conhecimento na
universidade e, como resultado de seu trabalho, constroem respostas às
necessidades sociais que se apresentam. Longe da neutralidade, suas respostas e
proposições como resultados teóricos sobre a realidade estudada, dizem muito,
mesmo que não intencionalmente: da forma que pensam a sociedade em que vivem,
das posições políticas que adotam e do projeto societário que defendem. Esses
fizeram suas escolhas diante das alternativas concretas de se pensar a saúde do
trabalhador, por meios de uma perspectiva que, como pudemos ver nessa
dissertação mostrou-se, predominantemente, conservadora.
De uma forma geral, consideramos que os estudos analisados imprimem
tendências teóricas que fundamentam as novas concepções de mundo e práticas
político-pedagógicas do projeto burguês, desconsiderando o protagonismo dos
127
trabalhadores e a defesa de um projeto societário crítico e antagônico à lógica
capitalista.
Dessa forma, considerando o conjunto das produções científicas no seio da
universidade enquanto produção do conhecimento, entendemos que essas devem
também contribuir para o fortalecimento das lutas de classe a favor do conjunto dos
trabalhadores e, consequentemente, para o enfrentamento dos agravos à saúde dos
trabalhadores, que só se torna alcançável pela superação do processo de
exploração e expropriação da força de trabalho pelo capital.
O trabalho sob a sociabilidade capitalista adquire uma nova configuração,
passa a ser estranho aos sujeitos, concebido enquanto uma atividade social dotada
de sofrimento, exploração e destruição das capacidades emancipatórias dos
indivíduos. No modo de produção capitalista a interseção do trabalho na saúde
passa a adquirir uma relação contraditória, na qual, quanto mais o trabalhador vende
sua força de trabalho, menos saúde possui.
Desse modo, se é pelo trabalho e pelas experiências vivenciadas no ato de
trabalhar que a humanidade se constitui, qualquer modo de produção que traga em
sua sociabilidade a exploração do trabalho e a submissão da classe trabalhadora às
formas mais degradantes de vida, será incompatível com as possibilidades reais de
liberdade dos homens. Assim, é impossível pensar, sob o capitalismo, condições
sociais que garantam a plena realização das pontencialidades do ser social e que,
principalmente, apresente á humanidade possibilidades emancipatórias.
Esperamos com essa dissertação contribuir com a produção de
conhecimento crítico, na contramão das produções científicas sobre saúde do
trabalhador aqui estudadas. Há 165 anos, Marx e Engels62 afirmaram
categoricamente: “as idéias dominantes de uma época são as idéias da classe
dominante”. Aqui se inscreve a maior pretensão de nosso estudo, qual seja:
constituir-se numa pequena contribuição que fomente conhecimentos contrários às
idéias dominantes.
62
MARX, K; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2010.
128
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133
APÊNDICE
134
APÊNDICE A - PRODUÇÃO CIENTÍCA DA UFRN – MESTRADO/DOUTORADO
ÁREA ITEM TÍTULO AUTOR ORIENTADOR TÍTULO DATA DA DEFESA
CIÊNCIAS DA SAÚDE
1 Prevalência e fatores associados à dor em
bailarinos profissionais
Bianca Fontes Dore Ricardo Oliveira Guerra
Mestrado 2006
2 Morte como desafio afetivo para o profissional
da saúde: ansiedade e sentimentos de quem lida com o paciente terminal
com câncer
Daniella Antunes Pousa Faria Coelho
Eulália Maria Chaves Maia
Mestrado 2008
3 Prevalência e fatores associados à
sintomatologia dolorosa e a qualidade de vida de odontólogos da cidade
de Teresina-PI
Ivaldo Coelho Carmo
Ricardo Oliveira Guerra
Mestrado 2010
4 Risco ocupacional no contexto hospitalar
Joana D'arc de Souza Oliveira
Maria do Socorro Costa Feitosa
Alves
Mestrado 2009
5 A saúde psíquica de quem “faz” saúde: uma análise crítica sobre a
humanização direcionada ao profissional de saúde
Luciana Carla Barbosa de Oliveira
Eulália Maria Chaves Maia
Doutorado 2008
6 STRESS: um diagnóstico dos policiais militares da
Marcos Aurélio de Albuquerque Costa
Eulália Maria Chaves Maia
Doutorado 2007
135
cidade de Natal – Brasil
7 Caracteristicas sodiodemogáficas,
ocupacionais e de saúde na avaliação da
qualidade de vida de professores da rede
municipal de Natal/RN
Marcos Henrique Fernandes
Vera Maria da Rocha
Doutorado 2009
8 Análise do estado da arte dos aspectos
diagnóticos, periciais e jurisprudenciais das
LER/DORT no contexto previdenciário das
doenças do trabalho no Brasil
Marcus Vítor Diniz de Carvalho
Francisco Ivo Dantas
Cavalcanti
Doutorado 2009
9 Situações de Risco, Trabalho e Saúde de Imigrantes Brasileiros: representações sociais
Maria Adelaide Silva Paredes
Moreira
Maria do Socorro Costa Feitosa
Alves
Doutorado 2007
10 Risco de contagio pela HIV e as medidas de
biossegurança: Significados atribuídos
no kcontexto da formação do profisional
de saúde
Valéria Peixoto Bezerra
Maria do Socorro Costa Feitosa
Alves
Mestrado 2009
ENFERMAGEM 1 Vacinação e Cleonice Andréa Soraya Maria de Mestrado 2008
136
ENFERMAGEM
biossegurança: o olhar dos profissionais de enfermagem
Alves Cavalcante Medeiros
3 Sofrimento psíquico: representações sociais dos enfermeiros em ambiente hospitalar
Gysella Rose Prado de Carvalho
Francisco Arnoldo Nunes
de Miranda
Mestrado 2008
4 Hipertensão arterial e fatores de risco em
servidores atendidos pelo departamento de
assistência da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte
Lucia de Fatima Freire
Bertha Cruz Enders
Mestrado 2009
5 Violência ocupacional contra profissionais de saúde em um hospital de urgência.
Luiz Alves Morais Filho
Glaucea Maciel de Farias
Mestrado 2009
6 Avaliação da capacidade para o trabalho do
servidor público: um estudo de caso em uma
instituição federal de ensino superior
Neuma Maria da Silva
Soraya Maria de Medeiros
Mestrado 2009
7 A banalização da injustiça social no
cotidiano de trabalho : a propósito da violência no
trabalho e ameaça à
Neyla Ivanete Gomes de Farias
Alves Bila
Soraya Maria de Medeiros
Mestrado 2008
137
saúde do trabalhador
8 A precarização do trabalho do enfermeiro na estratégia saúde da família: contribuição ao debate
Palmyra Sayonara de Gois
Soraya Maria de Medeiros
Mestrado 2010
ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
1 Produção pesqueira artesanal: diagnóstico
ergonômico e bases para um planejamento
nutricional situado e a promoção da saúde dos
jangadeiros
Larissa Praça de Oliveira
Maria Christine Werba Saldanha
Mestrado 2010
2 Doenças sem doentes: Ocorrência de Distúrbios
Osteomusculares Relacionados ao
Trabalho – DORT nos operadores de caixa de
um banco
Moizes Martins Junior
Maria Christine Werba Saldanha
Mestrado 2009
3 Fatores estressores no ambiente de trabalho
docente: uma investigação em uma universidade privada
Caroline Werner Gabriel Santos da
Costa
Ana Célia Cavalcanti Fernandes Campos
Mestrado 2006
4 Uma contribuição à reformulação da norma
regulamentadora 13
Edilson Rocha de Sousa
Nominando Andrade de
Oliveira
Mestrado 2008
138
(NR-13) na perspectiva da adoção de sistema de gestão de segurança e
saúde ocupacional
5 Modelagem de arranjos institucionais para
implementação da diretriz de sistema de gestão de
segurança e saúde ocupacional da
organização internacional do trabalho ILO/OSH
2001 no brasil
Gilberto Liberato de Carvalho
Nominando Andrade de
Oliveira
Mestrado 2008
6 Um estudo da aplicação do conceito de risco na
conscientização e conhecimento de
estudantes de ensino técnico sobre riscos de
segurança e saúde ocupacional em
laboratório de soldagem
João Galdino de Lucena Neto
Rubens Eugênio Barreto Ramos
Mestrado 2008
7 Ergonomia, sustentabilidade sócio-
ambiental e atividade de pesca artesanal com
jangadas: estudo de caso na Praia de Ponta Negra,
Natal-RN
Joyce Elanne Mateus Celestino
Maria Christine Werba Saldanha
Mestrado 2010
8 Ergonomia e Maria do Socorro Maria Christine Mestrado 2008
139
Odontologia: determinantes da
postura corporal dos estudantes da clínica-
escola de uma Universidade Federal
Amorim Martins
Werba Saldanha
CIÊNCIAS
SOCIAIS
Nenhum trabalho identificado
PSICOLOGIA
1 Agente penitenciário: trabalho no cárcere
Márcia Maria dos Santos
João Carlos Alchieri
Mestrado 2010
2 Bem-estar psicológico de servidores e funcionários técnico-administrativos das Instituições de Ensino Superior Públicas e Privadas: indicadores e antecedentes
Palloma Rodrigues de Andrade
Lívia de Oliveira Borges
Doutorado 2008
PSICOLOGIA
SOCIAL
1 Saúde mental em operadores de petróleo do Rio Grande do Norte
Silvânia da Cruz Barbosa
Mário César Ferreira
Doutorado 2008
140
SERVIÇO
SOCIAL
1 Processo de trabalho em saúde: uma análise das condições de trabalho dos assistentes sociais no âmbito hospitalar
Érika Silva Meneses Iris Maria de Oliveira
Mestrado 2010
141
ANEXO
142
ANEXO A – Comunicação de Acidente do Trabalho - CAT
143