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Uma entrevista exclusiva com o editor da revista Restaurant, William Drew, responsável pelo ranking The Worlds 50th Best.
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Por trás do The World’s 50 Best
A Osteria Francescana, em Modena, do chef Mastsimo Bottura, é sinônimo de gastronomia criativa. Na foto, a famosa sobremesa Ops, Derrubei a Torta de Limão.
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Jornalista há 16 anos, Drew admite que o ranking se tornou maior que a revista.
á exatos 12 anos, o restaurante El Bulli do chef Fer-
ran Adriá foi apontado como a melhor mesa do mun-
do por um então desconhecido ranking de nome pre-
tensioso, o The World’s 50 Best Restaurants. De lá pra cá,
esse misto de classificação e premiação, cuja formatação os-
cila entre o Hit Parade da Billboard e o Oscar, consagrou a
cozinha molecular, consolidou a culinária espanhola entre
as grandes, revelou os sabores da Escandinávia, colocou o
Noma e seu chef Rene Redze-
pi no topo do mundo e hoje co-
loca os holofotes sobre as boas
tradições amazônicas, andinas
e asiáticas, ajudando assim a re-
desenhar o mapa gastronômi-
co mundial. Ainda que ele seja
acusado por seus detratores de
parcialidade, ou pior, de defen-
der os interesses comerciais de
seus patrocinadores, sua quali-
dade de servir como um termô-
metro de tendências na arte do
bem comer é indiscutível.
Por trás dessa fonte inesgo-
tável de burburinhos e discus-
sões, está a publicação britâ-
nica Restaurant Magazine, que
em plena virada do século teve
a pretensão de dar um chega
pra lá no respeitável Guia Mi-
chelin e seu careta sistema de
avaliação baseado na trinca co-
mida-bebida-ambiente e repre-
sentada por estrelas, cujos critérios jamais foram claramen-
te revelados. Criado em 1900 pelo cofundador da fábrica de
pneus de mesmo nome, o Guia Michelin queria estimular o
turismo, embalado pelo crescente mercado automobilístico.
Aproveitando o apreço que os ingleses têm pelas listas, e
mais ainda pelas apostas, a Restaurant Magazine desenvol-
veu uma metodologia de avaliação dinâmica e diversificada.
Ao invés de um guia com indicação de qualidade, ela previu a
criação de uma classificação em nível mundial, realizada por
profissionais do setor e a ser revelada em uma cerimônia tão
badalada quanto uma premiação de cinema. O ranking é feito
a partir de uma votação. Quase mil experts, entre chefs, jorna-
listas, críticos e bon vivants das mais variadas nacionalidades,
são convidados a listar suas sete melhores experiências gas-
tronômicas, em ordem de relevância, pouco importando a sua
localização ou fama. Para evi-
tar problemas óbvios, nenhum
chef ou dono de restaurante
pode votar em sua própria casa.
E todos são convidados a incluir
pelo menos três representan-
tes instalados fora de sua região
de origem (por exemplo, Ásia e
América Latina, no caso dos eu-
ropeus). A partir da compilação
desses votos, secretos e anôni-
mos, eles estabelecem que ca-
sas servem a melhor comida, no
melhor ambiente, envolvida pelo
melhor conceito. O resultado, o
famoso Top 50 que lhe dá nome
(e que hoje vai a 100), é revelado
a cada mês de abril, em uma fes-
ta em Londres. É neste desven-
dar de votos que mora a polê-
mica. A cada edição do prêmio,
mais e mais se torna evidente
a influência do marketing dos
chefs e da união dos confrades
em associações e eventos nacionais no resultado final. Como
bem prova o Mistura Gastronômica. Essa conferência realiza-
da em Lima, no Peru, em 2012, atraiu tanta gente importante
neste segmento e tantos potenciais membros do júri (ou pe-
los amigos de gente que poderia votar) que a edição seguinte
da lista ganhou a presença de três peruanos: Astrid Y Gáston,
Central e Malabar. Este ano, dois deles se mantiveram entre
por Fernanda Peruzzo, de Paris
A TOP VIEW entrevistou, com exclusividade, o editor da revista inglesa Restaurant, William Drew, porta-voz oficial do ranking
The World’s 50 Best Restaurants, premiação que em pouco mais de uma década mudou o perfil gastronômico mundial
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os 20 melhores, Astrid Y Gáston em 18º e o Central em 15º.
Em uma conversa exclusiva, o editor da publicação e
porta-voz oficial da premiação, William Drew, explicou como
acontece a eleição dos melhores e o impacto que tais indica-
ções têm sobre a arte do comer e beber em tempos de hipe-
rinformação e conectividade máxima.
TOP VIEW: Quem são e como são escolhidas as pes-soas que compõem o júri do The World’s 50 Best?WILLIAM DREW: O júri é formado por mais de 900 ex-
perts, de todas as partes do mundo. Cerca de um terço des-
te grupo é formado por chefs e restaurateurs. Os críticos,
escritores e jornalistas especializados em gastronomia re-
presentam mais um terço. E o restante são o que chamamos
de gastrônomos (pessoas com boa bagagem cul-
tural ligada à gastronomia e dinheiro sufi-
ciente para viajar em busca de experiên-
cias gastronômicas).
TV: E como vocês podem saber se esses experts realmente visi-taram os restaurantes listados?WD: Nós pedimos a cada um dos ju-
rados que criem uma lista com seus
sete restaurantes preferidos, visitados
nos últimos 18 meses. Junto a cada um
deles, pedimos que eles incluam a data da
última refeição feita lá. Esse sistema é base-
ado exclusivamente em confiança. Acreditamos
que os votantes vão de fato indicar restaurantes importan-
tes para eles. E como os votos são anônimos, simplesmente
não faz sentido eles votarem em um lugar onde nunca esti-
veram antes!
TV: Qual é o impacto, para os restaurantes, de uma aparição no ranking?WD: Certamente, ele é bom para os negócios, sobretudo
no que diz respeito ao mercado internacional. Levando em
conta o fato de o ranking considerar os restaurantes, não
apenas chefs, também acredito que represente um estímu-
lo para as equipes envolvidas no trabalho diário dos restau-
rantes, que de repente veem seus trabalhos recompensados
e reconhecidos em uma esfera global.
TV: O ranking já foi apontado como responsável por
criar mitos como Ferran Adriá e, agora, Rene Redzepi...WD: Eu não concordo que o ranking seja responsável por
transformar esses chefs em estrelas. Eles e suas equipes
trabalharam muito duro para conquistar tal reconhecimen-
to. No caso do Noma, ele continua sendo um restaurante
extraordinário, inovador e excitante, que inspirou tantos ou-
tros mundo afora desde a sua primeira aparição na lista. En-
tão é justo que ele continue fazendo parte dela.
TV: Considerando o fenômeno “Noma” e o fortaleci-mento da gastronomia baseada na cultura regional, é possível dizer que o conceito de alta gastronomia está mudando?WD: Este é um conceito que está certamente em expan-
são. Porque o termo alta gastronomia já não faz mais men-
ção a uma ideia monolítica, rígida. Ao contrário,
hoje ele pode ser interpretado sob diferen-
tes pontos de vista e sua abordagem va-
ria de acordo com a região, as tradi-
ções locais, o estilo de cozinhar e os
ingredientes que compõem a base
de uma escola culinária.
TV: Tendências neste segmen-to parecem estar bastante rela-cionadas à tradição. Esse resgate
pode resultar em uma gastrono-mia menos sofisticada, porém mais
autêntica?WD: Não acredito nisso. Existem muito mais co-
midas autênticas carregadas de criatividade e sofisticação
do que muitos pratos da chamada elite gastronômica.
TV: Lugares como a Suécia, a Dinamarca e agora o Brasil integram essa elite graças ao ranking...WD: É verdade. Atualmente, o mapa da gastronomia
mundial é muito mais diversificado do que no passado e
é exatamente isso o que torna o desenvolvimento gastro-
nômico tão interessante e positivo.
TV: Por outro lado, não há nenhum restaurante fran-cês entre os dez melhores. Por quê?WD: Cinco restaurantes franceses figuram na lista (Top 50) e
outros restaurantes de cozinha francesa instalados em dife-
rentes partes do mundo também estão presentes. Isso prova a
força do país e de sua tradição. Mostra como a representativi-
“Como o ranking
considera os restaurantes, não
apenas chefs, acredito que é um estímulo para as equipes envolvidas
no trabalho diário.”
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dade da França continua
sendo extremamente im-
portante em termos gas-
tronômicos. No entanto,
o mundo da gastronomia
está cada vez mais globali-
zado e isso se torna evidente
pela variedade de países repre-
sentados na lista. O fato de não existir
mais uma hegemonia europeia ou norte-americana, como já
aconteceu antes, reflete esse fenômeno genuíno da globaliza-
ção. Sob hipótese nenhuma podemos entender essa ausência
como uma crítica à culinária francesa.
TV: Como a globalização pode mudar a maneira como comemos e o que comemos?WD: Esta é uma grande pergunta! É claro que quanto mais
observamos e absorvemos as influências vindas das mais dife-
rentes partes do mundo, maior é a nossa capacidade de apren-
der e progredir. Com a gastronomia acontece o mesmo. Só que
neste caso o termo globalização não deve ser entendido como
unificação de hábitos culinários ou modismos. Esses dois de-
vem se manter restritos ao âmbito regional (assim eu espero!).
TV: Uma história de sucesso como a do chef Alex Atala pode mudar a maneira como um povo vê e se relaciona com sua própria cultura gastronômica?WD: Grandes chefs têm esse poder de mudar a percepção
da gastronomia local em sua própria casa e fora dela. Ainda
que um número muito pequeno de pessoas possa ter a ex-
periência de comer em seus restaurantes, suas influências
extrapolam os limites de seus próprios estabelecimentos.
Eles exercem essa influência por meio da mídia, da divul-
gação do seu trabalho, de seus livros, por meio de outros
chefs que se formam em suas cozinhas, pelos eventos de
promoção gastronômica, palestras, discussões, viagens e
colaborações. No caso de Atala, seu pioneirismo e senso de
inovação são notáveis, assim como o uso que ele faz dos
ingredientes amazônicos, que me parece muito excitante.
TV: Qual é a sua opinião sobre a gastronomia bra-sileira?WD: Infelizmente, eu nunca estive no Brasil e por isso não
posso julgá-la, mesmo apesar das excelentes experiências
que eu tive com a culinária brasileira mundo afora.
“O fato de não existir mais uma hegemonia
europeia ou norte-americana, como já
aconteceu antes, reflete esse fenômeno
genuíno da globalização.”
Chef à frente do Noma, em Copenhague, Rene Redzepi encabeça o movimento Nova Cozinha Nórdica.
Processo de reserva no Noma é simples
e acontece pela internet.
Com lista de espera
de mais de 6 meses,
difícil é conseguir
uma mesa.
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Segundo brasileiro melhor classificado, o Maní, de São Paulo, é comandado pela melhor chef mulher do mundo, Helena Rizzo, e Daniel Redondo.
A culinária festiva do Maní destaca ingredientes brasileiros como o tucupi e a mandioca.
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