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Por trás do The World’s 50 Best

TOPVIEW_julho 2014

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Uma entrevista exclusiva com o editor da revista Restaurant, William Drew, responsável pelo ranking The Worlds 50th Best.

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Por trás do The World’s 50 Best

A Osteria Francescana, em Modena, do chef Mastsimo Bottura, é sinônimo de gastronomia criativa. Na foto, a famosa sobremesa Ops, Derrubei a Torta de Limão.

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Jornalista há 16 anos, Drew admite que o ranking se tornou maior que a revista.

á exatos 12 anos, o restaurante El Bulli do chef Fer-

ran Adriá foi apontado como a melhor mesa do mun-

do por um então desconhecido ranking de nome pre-

tensioso, o The World’s 50 Best Restaurants. De lá pra cá,

esse misto de classificação e premiação, cuja formatação os-

cila entre o Hit Parade da Billboard e o Oscar, consagrou a

cozinha molecular, consolidou a culinária espanhola entre

as grandes, revelou os sabores da Escandinávia, colocou o

Noma e seu chef Rene Redze-

pi no topo do mundo e hoje co-

loca os holofotes sobre as boas

tradições amazônicas, andinas

e asiáticas, ajudando assim a re-

desenhar o mapa gastronômi-

co mundial. Ainda que ele seja

acusado por seus detratores de

parcialidade, ou pior, de defen-

der os interesses comerciais de

seus patrocinadores, sua quali-

dade de servir como um termô-

metro de tendências na arte do

bem comer é indiscutível.

Por trás dessa fonte inesgo-

tável de burburinhos e discus-

sões, está a publicação britâ-

nica Restaurant Magazine, que

em plena virada do século teve

a pretensão de dar um chega

pra lá no respeitável Guia Mi-

chelin e seu careta sistema de

avaliação baseado na trinca co-

mida-bebida-ambiente e repre-

sentada por estrelas, cujos critérios jamais foram claramen-

te revelados. Criado em 1900 pelo cofundador da fábrica de

pneus de mesmo nome, o Guia Michelin queria estimular o

turismo, embalado pelo crescente mercado automobilístico.

Aproveitando o apreço que os ingleses têm pelas listas, e

mais ainda pelas apostas, a Restaurant Magazine desenvol-

veu uma metodologia de avaliação dinâmica e diversificada.

Ao invés de um guia com indicação de qualidade, ela previu a

criação de uma classificação em nível mundial, realizada por

profissionais do setor e a ser revelada em uma cerimônia tão

badalada quanto uma premiação de cinema. O ranking é feito

a partir de uma votação. Quase mil experts, entre chefs, jorna-

listas, críticos e bon vivants das mais variadas nacionalidades,

são convidados a listar suas sete melhores experiências gas-

tronômicas, em ordem de relevância, pouco importando a sua

localização ou fama. Para evi-

tar problemas óbvios, nenhum

chef ou dono de restaurante

pode votar em sua própria casa.

E todos são convidados a incluir

pelo menos três representan-

tes instalados fora de sua região

de origem (por exemplo, Ásia e

América Latina, no caso dos eu-

ropeus). A partir da compilação

desses votos, secretos e anôni-

mos, eles estabelecem que ca-

sas servem a melhor comida, no

melhor ambiente, envolvida pelo

melhor conceito. O resultado, o

famoso Top 50 que lhe dá nome

(e que hoje vai a 100), é revelado

a cada mês de abril, em uma fes-

ta em Londres. É neste desven-

dar de votos que mora a polê-

mica. A cada edição do prêmio,

mais e mais se torna evidente

a influência do marketing dos

chefs e da união dos confrades

em associações e eventos nacionais no resultado final. Como

bem prova o Mistura Gastronômica. Essa conferência realiza-

da em Lima, no Peru, em 2012, atraiu tanta gente importante

neste segmento e tantos potenciais membros do júri (ou pe-

los amigos de gente que poderia votar) que a edição seguinte

da lista ganhou a presença de três peruanos: Astrid Y Gáston,

Central e Malabar. Este ano, dois deles se mantiveram entre

por Fernanda Peruzzo, de Paris

A TOP VIEW entrevistou, com exclusividade, o editor da revista inglesa Restaurant, William Drew, porta-voz oficial do ranking

The World’s 50 Best Restaurants, premiação que em pouco mais de uma década mudou o perfil gastronômico mundial

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os 20 melhores, Astrid Y Gáston em 18º e o Central em 15º.

Em uma conversa exclusiva, o editor da publicação e

porta-voz oficial da premiação, William Drew, explicou como

acontece a eleição dos melhores e o impacto que tais indica-

ções têm sobre a arte do comer e beber em tempos de hipe-

rinformação e conectividade máxima.

TOP VIEW: Quem são e como são escolhidas as pes-soas que compõem o júri do The World’s 50 Best?WILLIAM DREW: O júri é formado por mais de 900 ex-

perts, de todas as partes do mundo. Cerca de um terço des-

te grupo é formado por chefs e restaurateurs. Os críticos,

escritores e jornalistas especializados em gastronomia re-

presentam mais um terço. E o restante são o que chamamos

de gastrônomos (pessoas com boa bagagem cul-

tural ligada à gastronomia e dinheiro sufi-

ciente para viajar em busca de experiên-

cias gastronômicas).

TV: E como vocês podem saber se esses experts realmente visi-taram os restaurantes listados?WD: Nós pedimos a cada um dos ju-

rados que criem uma lista com seus

sete restaurantes preferidos, visitados

nos últimos 18 meses. Junto a cada um

deles, pedimos que eles incluam a data da

última refeição feita lá. Esse sistema é base-

ado exclusivamente em confiança. Acreditamos

que os votantes vão de fato indicar restaurantes importan-

tes para eles. E como os votos são anônimos, simplesmente

não faz sentido eles votarem em um lugar onde nunca esti-

veram antes!

TV: Qual é o impacto, para os restaurantes, de uma aparição no ranking?WD: Certamente, ele é bom para os negócios, sobretudo

no que diz respeito ao mercado internacional. Levando em

conta o fato de o ranking considerar os restaurantes, não

apenas chefs, também acredito que represente um estímu-

lo para as equipes envolvidas no trabalho diário dos restau-

rantes, que de repente veem seus trabalhos recompensados

e reconhecidos em uma esfera global.

TV: O ranking já foi apontado como responsável por

criar mitos como Ferran Adriá e, agora, Rene Redzepi...WD: Eu não concordo que o ranking seja responsável por

transformar esses chefs em estrelas. Eles e suas equipes

trabalharam muito duro para conquistar tal reconhecimen-

to. No caso do Noma, ele continua sendo um restaurante

extraordinário, inovador e excitante, que inspirou tantos ou-

tros mundo afora desde a sua primeira aparição na lista. En-

tão é justo que ele continue fazendo parte dela.

TV: Considerando o fenômeno “Noma” e o fortaleci-mento da gastronomia baseada na cultura regional, é possível dizer que o conceito de alta gastronomia está mudando?WD: Este é um conceito que está certamente em expan-

são. Porque o termo alta gastronomia já não faz mais men-

ção a uma ideia monolítica, rígida. Ao contrário,

hoje ele pode ser interpretado sob diferen-

tes pontos de vista e sua abordagem va-

ria de acordo com a região, as tradi-

ções locais, o estilo de cozinhar e os

ingredientes que compõem a base

de uma escola culinária.

TV: Tendências neste segmen-to parecem estar bastante rela-cionadas à tradição. Esse resgate

pode resultar em uma gastrono-mia menos sofisticada, porém mais

autêntica?WD: Não acredito nisso. Existem muito mais co-

midas autênticas carregadas de criatividade e sofisticação

do que muitos pratos da chamada elite gastronômica.

TV: Lugares como a Suécia, a Dinamarca e agora o Brasil integram essa elite graças ao ranking...WD: É verdade. Atualmente, o mapa da gastronomia

mundial é muito mais diversificado do que no passado e

é exatamente isso o que torna o desenvolvimento gastro-

nômico tão interessante e positivo.

TV: Por outro lado, não há nenhum restaurante fran-cês entre os dez melhores. Por quê?WD: Cinco restaurantes franceses figuram na lista (Top 50) e

outros restaurantes de cozinha francesa instalados em dife-

rentes partes do mundo também estão presentes. Isso prova a

força do país e de sua tradição. Mostra como a representativi-

“Como o ranking

considera os restaurantes, não

apenas chefs, acredito que é um estímulo para as equipes envolvidas

no trabalho diário.”

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dade da França continua

sendo extremamente im-

portante em termos gas-

tronômicos. No entanto,

o mundo da gastronomia

está cada vez mais globali-

zado e isso se torna evidente

pela variedade de países repre-

sentados na lista. O fato de não existir

mais uma hegemonia europeia ou norte-americana, como já

aconteceu antes, reflete esse fenômeno genuíno da globaliza-

ção. Sob hipótese nenhuma podemos entender essa ausência

como uma crítica à culinária francesa.

TV: Como a globalização pode mudar a maneira como comemos e o que comemos?WD: Esta é uma grande pergunta! É claro que quanto mais

observamos e absorvemos as influências vindas das mais dife-

rentes partes do mundo, maior é a nossa capacidade de apren-

der e progredir. Com a gastronomia acontece o mesmo. Só que

neste caso o termo globalização não deve ser entendido como

unificação de hábitos culinários ou modismos. Esses dois de-

vem se manter restritos ao âmbito regional (assim eu espero!).

TV: Uma história de sucesso como a do chef Alex Atala pode mudar a maneira como um povo vê e se relaciona com sua própria cultura gastronômica?WD: Grandes chefs têm esse poder de mudar a percepção

da gastronomia local em sua própria casa e fora dela. Ainda

que um número muito pequeno de pessoas possa ter a ex-

periência de comer em seus restaurantes, suas influências

extrapolam os limites de seus próprios estabelecimentos.

Eles exercem essa influência por meio da mídia, da divul-

gação do seu trabalho, de seus livros, por meio de outros

chefs que se formam em suas cozinhas, pelos eventos de

promoção gastronômica, palestras, discussões, viagens e

colaborações. No caso de Atala, seu pioneirismo e senso de

inovação são notáveis, assim como o uso que ele faz dos

ingredientes amazônicos, que me parece muito excitante.

TV: Qual é a sua opinião sobre a gastronomia bra-sileira?WD: Infelizmente, eu nunca estive no Brasil e por isso não

posso julgá-la, mesmo apesar das excelentes experiências

que eu tive com a culinária brasileira mundo afora.

“O fato de não existir mais uma hegemonia

europeia ou norte-americana, como já

aconteceu antes, reflete esse fenômeno

genuíno da globalização.”

Chef à frente do Noma, em Copenhague, Rene Redzepi encabeça o movimento Nova Cozinha Nórdica.

Processo de reserva no Noma é simples

e acontece pela internet.

Com lista de espera

de mais de 6 meses,

difícil é conseguir

uma mesa.

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Segundo brasileiro melhor classificado, o Maní, de São Paulo, é comandado pela melhor chef mulher do mundo, Helena Rizzo, e Daniel Redondo.

A culinária festiva do Maní destaca ingredientes brasileiros como o tucupi e a mandioca.

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