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I Enconto Internacional TIC e Educação
97
Tecnologias da Informação e Comunicação:
A Lógica Instrumental do Acesso
ROSILENE HORTA TAVARES
Faculdade de Educação/UFMG
RESUMO: Este artigo analisa as políticas autodenominadas
de democratização das tecnologias da informação, também
escolares, que procuram ocultar a primazia das intenções de
acentuação de acumulação na sociedade atual. Sob uma
metodologia dialética apontamos limites do acesso social às
tecnologias, assim como reconhecemos possibilidades
emancipatórias. Esperamos com isso colaborar para novas
perspectivas de investigação da temática.
Palavras-chave: Lógica Instrumental – Sociedade da
Informação – Tecnologias da Informação e Comunicação
ABSTRACT: This paper examines the self-denominated
policies of democratization of the information technologies,
also academic, which seek to occult the primal intentions of
accentuation of accumulation in the society today. We point
some limits under a dialectic methodology to social access to
technologies, recognizing emancipatory possibilities. We
expect to cooperate with new perspectives of thematic
investigation.
Keywords: Instrumental logic – society of information –
information and communication
**
Pode-se encontrar um – ou mais? – sentidos nas
práticas de integração e inovação curricular em curso nas
escolas? Consoante a orientação política, pode haver
intenções diferenciadas (ou quiçá antagônicas?) nas
iniciativas de integração das tecnologias da informação e
comunicação (TIC) à educação escolar. Uma destas
orientações teria como fim a emancipação humana, um
múltiplo desenvolvimento das possibilidades humanas e
a criação de uma nova forma de associação digna da
condição humana; no interior de tal sociedade cada
indivíduo teria necessariamente os meios de cultivar seus
dotes e possibilidades em todos os sentidos. Talvez seja
este ideário um dos critérios que pautam o conceito de
democratização da ampliação qualitativa das formas de
utilização das TIC. Entretanto, esta orientação, apesar de
que talvez possua uma adesão considerável de
educadores é a que define os rumos educacionais? Com
base nessa indagação, optou-se, neste trabalho, por
evidenciar como objetivo principal a reflexão sobre a
importância de se analisar políticas (em sentido lato) em
curso que, com argumentos também de democratização,
parecem, entretanto, tentar ocultar a primazia das
intenções de acentuação de acumulação de capital, já em
altíssimos patamares. Assim, tendo como base a crítica à
lógica ou à racionalidade de tipo instrumental (Escola
de Frankfurt1) – que está limitada pela eleição dos meios
adequados para alcançar os fins pretendidos – apresenta-
se, nos pontos seguintes, uma análise de como se
processariam alguns dos eixos da orientação
hegemônica ou dominante de utilização das TIC na
pedagogia escolar.
Advém das formulações anteriores a importância e
justificativa central para a elaboração deste artigo para o
I Encontro Internacional TIC e Educação (Lisboa, nov.,
2010).
Uma abordagem em tal perspectiva parece ser
importante para o entendimento e possíveis políticas e
práticas em realidades de países pobres, como é o caso do
Brasil, assim como dos países da América Latina e
Caribe. Considerando que as alterações que se verificam a
nível mundial na economia e na sociedade se manifestam
de diversas maneiras na realidade brasileira, definindo
para este país um sentido diferenciado do que cobre nos
países industrializados. A argumentação trazida neste
trabalho pretende ter um grau de análise que possa refletir
um debate social que, na realidade, ocorre em todo o
mundo. Buscar desvelar alguns dos limites reais das
políticas de acesso às novas tecnologias se constitui,
assim, em uma necessidade da praxis social Esta,
entendida como síntese das relações entre a realidade e as
1 A Escola de Frankfurt foi criada na Alemanha em 1923,
composta por um grupo de intelectuais com inspiração
marxista, que formularam uma teoria social específica, como
crítica à sociedade industrial. Teve como principais
representantes Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert
Marcuse e Jürgen Habermas.
I Enconto Internacional TIC e Educação
98
ideias, em um embate pela transformação social, com
vistas à emancipação humana (MARX, 1977).
Pressupostos de Análise e Metodologia
As tecnologias da informação e comunicação se
configuram como força produtiva essencial, ou seja, as
TIC são hoje elementos que atuam na sociedade
exercendo signficativa influência para modificar ou
transformar a natureza, bem como produzir bens
materiais. De fato, as TIC se investem de especial
estatuto sob o chamado sistema Toyota, modo de
organização da produção capitalista originário do Japão,
e que adquiriu projeção global, tendo sito criado na
fábrica da Toyota após a Segunda Guerra Mundial,
elaborado pelo engenheiro Taiichi Ohno. O importante a
ressaltar para os fins deste artigo é que, no toyotismo, há
um abandono de um sistema em que se explorava
predominantemente o trabalho manual para outro em
que se explora cada vez mais a componente intelectual
do trabalho, correspondendo então, conforme Marx
(1989), a um aumento de mais-valia relativa;
mecanismo que propicia um trabalho a mais produzido,
mas não pago ao trabalhador (de que se origina o
capital). A mais-valia relativa é extraída do trabalhador
através da intensificação dos processos de trabalho, com
a introdução de novas formas de produção, mais ágeis.
Isso se faz incrementando a tecnologia e aumentando a
capacidade mental do trabalhador.
Decorre das alterações nas formas de produção, sob
o toyotismo, a configuração das atuais relações de
produção, que estão condicionando uma reengenharia
geopolítica mundial, na qual se reformulam os papéis
dos Estados com relação aos das empresas
transnacionais, estas possuindo de fato a supremacia. Ao
mesmo tempo, há uma nova engenharia social, com as
mudanças nas formas de organização e gestão do trabalho
muito integradas à renovação dos meios de alienação
ideológica. (ANDREFF, 2000; BERNANRDO, 1998;
KLEIN, 2002).
Esses são os elementos de base das análises em
investigações que se tem vindo a desenvolver – sob uma
metodologia dialética (Marx), que parte das
determinações abstratas que levam à reprodução do
concreto no pensamento; e sob uma visão crítica (Escola
de Frankfurt). Tais investigações têm como preocupação
central inquirir sob quais variantes as novas TIC se
constituem hoje tanto como um instrumento
fundamental de acumulação de capital, quanto com suas
funções maximizadas em seu viés de racionalidade
instrumental. Ou seja, uma Razão que significa o “[...]
triunfo da máquina, do trabalho, da natureza útil e grátis,
razão mistificada que se realiza como razão
instrumental, pela qual a natureza, o útil-grátis, é
espoliado pela máquina e pelo trabalho. Mistificada
porque é o lado abstrato da regularidade, da disciplina do
trabalho legitimador dessa prática de pilhagem – prática do
trabalho para o capital, da exploração dos homens para o
capital.” (MATOS, 1989, 130).
Nesse papel de meio da razão instrumental as TIC
conseguiram sintetizar como nunca, por suas múltiplas
funções, a máxima economia de tempo com o máximo
de produtividade. Supõe-se que, na educação, as
expressões hoje mais evidentes dessa síntese são aquelas
modalidades de Educação a Distância pautadas pela
lógica da economia de escalas; que organiza o processo
produtivo de maneira que se alcance a máxima
utilização dos fatores produtivos envolvidos no processo,
procurando como resultado baixos custos de produção e o
incremento de bens e serviços. As TIC são, nesse sentido,
um fator produtivo fundamental. E, à medida que são
cada vez mais integradas também aos sistemas presenciais
de educação, possivelmente, com isto, estão promovendo
uma metamorfose no lugar social da escola.
Para tanto, em outro nível de políticas, os
Organismos Internacionais e o Estado cumprem seu
papel nesse contexto, elegendo a educação como meio
de promover certa inclusão e justiça social, buscando
adequar os indivíduos ao mercado de trabalho, de acordo
com a lógica atual do sistema em sua fase de “Sociedade
da Informação ou do Conhecimento”.
Mas, a democracia posta em prática nessa sociedade,
no entanto, traz em seu bojo contradições explícitas em
uma ideologia difundida por tais políticas para a
educação. Ideologia esta divulgada como meio de
democratização; e que representaria igualdade, mas que
reflete desigualdades em sua efetivação e resultados.
Nesse sentido, Borón (2000, p.68), ao analisar a
democracia existente no capitalismo, afirma que ela é
operacionalizada como método e não como fim; não
tendo demasiado sentido falar da democracia em sua
abstração, quando na realidade do que se trata é de
examinar a forma, as condições e os limites da
democratização em sociedades como a capitalista, que se
fundam em princípios constitutivos que lhes são
irreconciliavelmente antagônicos.
A despeito de nossos compromissos críticos,
queremos destacar aqui a hipótese de que parece estar
em curso uma junção das políticas de cidadania ou da
democracia enquanto método, com as políticas de
integração das TIC na escola.
I Enconto Internacional TIC e Educação
99
Isso ocorre em um momento em que se assiste a uma
intensificação das exigências de um novo perfil de
trabalhador em suas características cognitivas, de
comportamento e plásticas, procedentes das inovações
derivadas da dinâmica gestora, da microeletrônica, da
automação e da robótica, como analisa Santos (2001,
p.02). Agora, o trabalhador deve exercer várias funções
ao mesmo tempo; e também saber operar vários tipos de
máquinas ou instrumentos, simultaneamente.
Nesse contexto, no tocante ao lugar da escola como
formadora de novos trabalhadores, a educação escolar se
situaria como uma força produtiva, geral, para responder
aos desafios das empresas no processo de mundialização
do capital. O investimento do setor empresarial e sua
atuação, às vezes diretamente no interior da escola
pública, ante a amplitude que este movimento assume,
não têm precedentes, por exemplo, no Brasil, nas
décadas anteriores a 1990 (SILVA, 2001).
Mas, como essa realidade se relaciona com o fato de
ter ocorrido, nos últimos anos, uma criação ou produção
– cujo sentido se verá adiante – da ideologia da chamada
“sociedade da informação”? Tendo como objetivo
analisar quais são as implicações de tal ideologia para a
educação escolar, se passa, a seguir, ao desenvolvimento
da formação do conceito sobre a identidade da sociedade
contemporânea.
Sobre a Idéia de Sociedade da Informação
A idéia da sociedade da informação é hoje
dominante. Porém, tal noção, na realidade, segundo
analisa Mattelart (2001), foi construída ideologicamente
e pode ser revelada pela história. Como um “clichê”, o
conceito de sociedade da informação encobre uma nova
ideologia, responsável pela definição de mudança e do
“novo”, que tem um olhar voltado apenas para os
lugares em que há dispositivos técnicos. Instaura-se
assim um “sentido comum”, que legitima todas as
eleições e recortes, que são, de fato, próprios de um
regime particular de verdade, como se fossem os únicos
possíveis e racionais. “Passe mágico, cujo segredo se
revela pela história: foi sob a da teoria dos fins,
começando com a do final da ideologia, a que foi
incubada ao largo da Guerra Fria, a idéia da sociedade da
informação aparece então como alternativa aos sistemas
antagônicos.” (MATTELART, 2001, p.09).
A noção de sociedade da informação se formaliza na
seqüência das “máquinas inteligentes” criadas ao largo
da Segunda Guerra Mundial, e entrou nas referências
acadêmicas, políticas e econômicas a partir da década de
1960. E, durante a década seguinte, já estaria
“funcionando” plenamente. Convidando-nos à
desmistificação do “poder milagroso” das tecnologias
informacionais, Mattelart (2001, p.09) diz que “não se
deve esquecer a obra de longo prazo. É testemunha disto
o aparecimento precoce da utopia de uma língua
universal, muito antes que a língua da informática
cristalizasse este projeto. E, com a esperança da
possibilidade de estabelecer os princípios classificatórios
de uma linguagem mundial, se reaviva o graal da
“Biblioteca de Babel”, tão vasta como o universo,
englobando todos os pensamentos humanos, abrigando
todos os livros possíveis [...]”.
Dantas (1993, p.19) analisa que a idéia de que a
tecnologia pudesse viabilizar uma apresentação cidadã
autônoma, estendida ao espaço geopolítico da nação,
seria recolocada na década de 1970 pelos franceses
Simon Nora e Alain Minc (1978), que retomaram o
conceito grego de agora: assembléia popular, na qual os
cidadãos livres participavam diretamente na condução
democrática dos negócios de Estado.
No entanto, no contexto histórico e político em que
Simon Nora e Alain Minc elaboraram estas idéias, a
utopia da universalização do acesso de massas às
tecnologias da informação se desvanece de novo.
Mattelart (2002, p.107-116) analisa o caráter prático que
cumpre o “Informe Nora-Minc” (ainda que não haja
sido esta a intenção de seus autores): o panorama
internacional das estratégias de informatização dos
grandes países industrializados. O ponto de partida da
análise de Mattelart é o papel do Japão como modelo
político-administrativo que, desde o início da década de
1970, havia instalado uma estratégia com o objetivo de
responder ao desafio das novas tecnologias; e que, talvez
por isto mesmo, haveria evitado a recessão econômica
mundial a partir de 1979. A idéia de crise é exatamente a
que teria se “infiltrado” nos discursos das grandes
economias mundiais sobre as estratégias de informatização.
O que pode levar a que se inferira que, nesse momento
histórico, as novas tecnologias são expressão ou resultam
das relações sociais que até então estavam estabelecidas.
O Informe de Simon Nora e Alain Minc sobre a
informatização da sociedade, entregue ao presidente
Giscard d'Estaing em janeiro de 1978, constitui “uma
rara exceção que confirma a regra da simples evolução
ritual” afirma Mattelart (2002, p.111). Esclarece que
quando tal Informe iniciou seus trabalhos a ameaça de
penúria energética, no âmbito mundial, já revelava o
espectro da crise. Neste contexto, Simon Nora e Alain
Minc “aprofundam a noção com o propósito de definir o
estado dos lugares e de propor uma terapia,
reencontrando assim a doutrina sansimonista sobre a
I Enconto Internacional TIC e Educação
100
crise e o papel reorganizador atribuído à rede”, analisa
Mattelart (2002, p.113).2 Para Nora e Minc a
informatização crescente da sociedade estaria no coração
da crise, e poderia agravá-la ou contribuir para sua
solução, já que revolucionaria o “sistema nervoso das
organizações e da sociedade por inteiro”, os cita
Mattelart. A premissa de Nora e Minc era de que o novo
modo global de regulação da sociedade que a
informatização ajudaria a instaurar seria capaz de combater
a “perda de consenso social” e fazer que fosse reencontrada
a adesão dos cidadãos às regras do jogo social.
A análise de Mattelart desmistifica assim a noção
hegemônica de “sociedade da informação”,
considerando que a telemática, como um “neologismo”
inventado naquele momento histórico para indicar a
conexão entre as telecomunicações e a informática,
pressagiaria modos mais “brandos” de gestão de
consenso. E isto é o que teria aberto caminho à
“recriação de uma agora informacional”. Mattelart relata
então todo o processo desenvolvido a partir do Informe
Nora-Minc na França que impulsiona uma doutrina
francesa em matéria de circulação dos fluxos. O que
implicou que, em 1981, o governo socialista inaugurasse
uma estratégia industrial que confiara à investigação
científica e ao progresso tecnológico os elementos
motores para sair da crise.
Assim, Mattelart (2001, p.07-08), analisa como
simples “clichê” a narrativa da conquista da
ciberfronteira, representada pela formulação “sociedade
global da informação”, de onde se anunciam das mais
diversificadas maneiras, uma nova sociedade, “mais
solidária, mais aberta e mais democrática”. A noção de
“futuro tecnoinformacional”, de tal maneira, se teria instalado
sem polêmicas e distanciada dos debates cidadãos. Na
realidade, a referência de “sociedade global da informação”
seria o resultado de uma construção geopolítica.
A efervescência da expansão ininterrupta das
inovações técnicas, entretanto, contribui com que se
“esquecesse” este fato. Assim, “a nova ideologia que não
diz o próprio nome se naturalizou e foi levada à
categoria do paradigma dominante de mudança. As
crenças que acompanham a noção de sociedade da
informação mobilizam forças simbólicas que tanto
fazem atuar como permitem atuar em determinada
2 A doutrina de Saint-Simon e de seus discípulos, principalmente
Enfantin e Bazard, preconiza o coletivismo, que garantiria a retribuição
"a cada um conforme suas capacidades, a cada capacidade conforme
suas obras". Tal doutrina critica a propriedade privada porque esta
conduziria a uma organização anárquica da produção e consagraria a
exploração do homem pelo homem.
direção, e não em outra. Orientam a formulação de
programas de ação e de investigação dos Estados e das
instâncias supranacionais” (MATTELART, 2001, p.8).
Apesar de que, por outro lado, a chamada “revolução
digital” cumpre também a função de expansão na esfera
da capacidade de comunicação humana em geral
(RAMONET, 2001; SILVEIRA, 2001). Porém, esta
idéia ficará aqui somente como um enunciado, pois aqui
o foco é a ponderação de que não é como meio de
democratizar a sociedade que a informática tem sido
priorizada. Vejamos um pouco, a seguir, de sua função
na economia e na esfera social.
Articulação entre Economia e Sociedade
A importância da revolução digital em termos
econômicos é analisada por Beck (2001, p.73), quando
argumenta que os movimentos da indústria da
comunicação, que em 1995 era de 1 bilhão de dólares,
chegou a duplicar-se em cinco anos e a representar dez
por cento da economia mundial. Porém, para chegar a
ser esta potência foi necessário que a telefonia e a
radiofonia cumprissem seu papel que, no princípio do
século XX, segundo Dantas (1993, p.34), já ultrapassam
a esfera imediata dos negócios e
[...] penetram no espaço muito mais amplo da família e dos
usos financeiros ou comerciais, exatamente porque serviam à
articulação ampla da produção social geral [...]. Através dos
cabos telefônicos, se configura a forma mais primitiva de
mercado-rede: as unidades familiares, enquanto
“consumidoras”, passam a inter atuar, por um meio técnico
específico, com provedores e distribuidores de bens e
serviços; além disto, articulam e acionam um amplo
conjunto de atos sociais, geralmente de natureza contratual –
como atividades de tempo livre, entretenimento e
convivência familiar ou comunitária – que agenciam novos
estímulos à produção e ao consumo de materiais simbólicos.
Com isso, se pode compreender melhor como a
tecnologia atual “eliminou as distância geográficas e
sociais”, com a ajuda de aviões supersônicos,
computadores, satélites e todas as outras inovações que
permitem hoje, mais que nunca, que pessoas, idéias e
produtos atravessem, tão rapidamente, como nunca,
tempo e espaço. Observe-se aqui a importância da
economia de tempo (valor de base do mecanismo da
mais-valia) propiciada pelo atual sistema técnico que
possui a característica de ser invasor porque é susceptível
de presença em todas as partes. Tudo se junta e articula,
pois, mediante a “inteligência” da firma; caso contrário,
não poderia haver empresas transnacionais.
Mas, como pode haver, por um lado, fragmentação
técnica da produção e, por outro, uma “unidade política
de comando”, no interior das empresas? A partir da
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101
unicidade das técnicas, da qual o computador é uma
peça central, surge então a possibilidade de que exista
uma acumulação do porte atual. Sem ela, seria também
impossível a atual “unicidade do tempo, o acontecer
local sendo percebido como um elo do acontecer
mundial. Sem a mais-valia globalizada e sem esta
unicidade de tempo, a unicidade da técnica não teria
eficácia”, analisa Milton Santos (2000, p.26-27).
A relação contemporânea entre acumulação,
tecnologia e controle social pode ser entendida a partir
do que Dantas (1996) denomina como lógica do capital
informação; que, não obstante, está [tal lógica] oculta
especialmente pelo fato de que a maior parte das pessoas
“pouco ou nada sabem” do funcionamento das
comunicações “como meio através do qual se gera,
registra e distribui a informação, obtendo daqui valores
econômicos e sociais que acumulam ou se apropriam
diversos agentes.” (DANTAS, 1993, p.13-16). Desta
maneira, a organização das comunicações, como hoje as
concebemos, não foi obra do azar ou da realização de
alguns indivíduos genais, e sim de uma “construção
social” – recorde-se a criação da idéia de “sociedade da
informação” – procedente das opções políticas adotadas
através de alianças e conflitos entre grupos e classes, em
diferentes fases da história contemporânea.
O próprio conceito de Comunicações já aponta,
segundo o autor, à necessidade de alerta por parte das
lideranças, quadros e militantes comprometidos com os
movimentos sociais, além de intelectuais que investigam
o tema, do que seriam os “arranjos” capitalistas dos
sistemas de informação, que nos parecem “naturais e
espontâneos.” Dantas (1993, p.15) define comunicações
como “[...] palavra plural que contém, em seu
significado, tanto o que se entende por
„telecomunicação‟ como por „radiofusão‟, „informática‟,
„mídia‟, etc. Em comunicações cabe tudo que se refere
ao registro, tratamento e difusão da informação social.”
Neste sentido, chegamos neste trabalho a uma
formulação central: a informação é um fenômeno social e
histórico. Tal conclusão, segundo Dantas, não havia sido
possível a Marx desenvolver, devido às próprias
limitações de seu tempo, já que este analisou a informação
como sendo [meramente] uma força produtiva.
Entretanto, Dantas (1993, p.24-29) mostra o processo
histórico de como se deu a evolução do capital
financeiro como grande responsável do financiamento
das investigações científicas e técnicas que
impulsionaram definitivamente o desenvolvimento das
tecnologias da informação. O autor cita Cattani (1995,
p.18) em sua constatação de que a Esquerda havia
ignorado a criatividade e a capacidade empresarial de
agenciar a produção “sob formas mutantes”. Outrossim,
que a esquerda clássica tampouco percebera as
dimensões produtivas gerais da indústria da informação,
que crescia lado a lado aos complexos tecnológicos
siderometalúrgicos tayloristas e fordistas. Como, por
exemplo, o papel que “o cinema e o rádio poderiam
exercer, não somente ao gerar milhões de empregos
mais ou menos qualificados e fomentar toda uma
indústria de bens de capital tecnologicamente sofisticada,
senão, sobretudo, como formadores de hábitos de
consumo necessários para a expansão de uma produção
capitalista crescentemente midiatizada; isto não chegou
a frenquentar as investigações das correntes principais da
economia e da sociologia do século XX, ainda que
interessasse a um crescente conjunto acadêmico que
desenvolvia estudos em torno da cultura moderna e dos
meios de expressão. Estes estudos não conseguiram
influenciar as propostas políticas de então,
particularmente as de cunho revolucionário, direta ou
indiretamente baseadas na crença de uma “revolução do
proletariado” fabril –revolução que, a rigor, nunca
ocorreu. As questões culturais se remeteram à
“superestrutura...”. (DANTAS, 1993, p.30).
Por outro lado, o computador, como “ícone” da nova
revolução informacional, conectado à rede, estaria
alterando a relação das pessoas com o tempo e com o
espaço; inclusive “ressuscitando” a escrita ante a
supremacia dos meios audiovisuais, principalmente ante
o império da comunicação televisiva, como destaca por
sua vez Silveira (2001, p.15). Desta forma, as redes
informacionais permitem “ampliar a capacidade de
pensar de modo inimaginável”, segundo analisa o autor.
Mas vejamos alguns limites mais deste fato.
Limites da “Ampliação da Mente”
A idéia de ampliação da capacidade de pensar é
desenvolvida amplamente por Pierre Lévy, que destaca
em sua obra como a revolução informacional ampliara a
inteligência humana. Isto porque a tecnologia da
informação permite aumentar o armazenamento, o
processamento e a análise de informações, realizar
milhares de relações entre milhares de dados por
segundo. De modo que há uma “ampliação da mente”,
exatamente porque tal tecnologia se funda nas
tecnologias da inteligência que, por sua vez, ampliam
exponencialmente as diferenças na capacidade de tratar
informações e transformá-las em conhecimento. Porém,
será a realidade desta tecnologia tão espetacular e
possível, para todas as pessoas?
I Enconto Internacional TIC e Educação
102
Há quem diga que se faz necessário relativizar este
papel “transformador” da tecnologia da informação.
Todavia, não se pode fazer uma apologia da inteligência
alienada. A quem cabe, ao final, o controle social da
inteligência? Este é um dos pontos centrais a se discutir.
As novas tecnologias informacionais ampliam a
inteligência, mas majoritariamente (e proporcionalmente
à dos setores populares), a dos extratos sociais
dominantes. Ainda que, inegavelmente, existam
possibilidades de estender as potencialidades
emancipadoras das tecnologias informacionais para os
setores populares, inclusive no “terreno” da resistência à
lógica dominante.(KLEIN, 2002; TAVARES, 2005).
Prosseguindo no campo dos limites impostos à
maioria da sociedade para o acesso à tecnologia, há
outros problemas, a seguir destacados.
Norretranders (1998), afirma que aprendemos a
descartar a informação e não a obtê-la. Ainda que se viva
em um mundo onde se crê que a informação é o que há
de mais importante. Segundo o autor, é certo que a
quantidade de informação disponível é muito maior do
que se pode assimilar, tendo em mente a tarefa de
discriminar a que seria relevante ou interessante. A
sociedade da informação seria a “sociedade da entropia”
– uma sociedade da ignorância e da desordem. De outra
forma, Kosko (1999), diz que «a ironia da era digital é
que as coisas são mais vagas que nunca. [...] A era digital
possui seu próprio princípio de incerteza: as coisas se
fizeram mais vagas à medida que as partes se fizeram
mais precisas”, como seria o caso flagrante da Internet.
Aqui a fragmentação é a essência da alienação. Mas esta,
não obstante, está camuflada pela justificativa do acesso
ao todo, possibilitado de fato pela Internet. Contudo, tal
acesso é para todos ou só para aqueles que possuem a
capacidade intelectual e material de ser autônomos, de
dirigir suas próprias escolhas também na Rede?
É mister considerar, apesar dos limites apontados,
que, antes de converter-se em um meio de controle, a
tecnologia se origina “em relação com sua incorporação
antropológica, como fruto da inteligência, da inquietude
e da inventiva do homem”, segundo análise sobre a
origem da “metáfora computacional” de Bustamante
(1993, p.122-150). O autor pondera que “a partir de
certo grau de desenvolvimento, quando a tecnologia se
desdobra em toda sua eficácia como instrumento e como
espelho que devolve ao homem sua imagem distorcida
ainda que todavia com traços humanos, ditas qualidade
começam a ter um menor peso específico no resultado
final, e o desejo do homem começa a ter uma menor
incidência sobre a configuração tecnológica do mundo,
cada vez mais autônoma. “A partir deste momento
começamos a incorporar aparatos em nossas vidas, sem
refletir como eles intervêm nas mesmas.”
(BUSTAMANTE, 1993, p.132).
***
Nesse quadro geral de análise, qual seria então a
função da escola e da integração das TIC em sua
pedagogia? A hipótese aqui é a de que o capitalismo vem
imprimindo hoje à escola, como um de seus papéis, o de
sua função social como formadora de hábitos de consumo
necessários para a expansão de uma produção capitalista
crescentemente midiatizada. Além, evidentemente, de a
escola prosseguir qualificando mais ou menos para os
postos de trabalho. Em conjunto com a escola, somar-se-
ia o papel desempenhado pela televisão, o cinema, o rádio
e a Internet, em suas funções de meios de marketing de
produtos e de ideais dominantes (Escola de Frankfurt).
Assistiríamos então a uma aliança de papéis formadores
– mídias e escola – a fomentar toda uma indústria de
bens de capital tecnologicamente sofisticada.
Mas, a técnica e a tecnologia podem ser tanto meios
do capital, como meios de emancipação. Por isto, pode-
se afirmar que há também espaço para a construção de
lógicas emancipadoras de criação e utilização das
tecnologias da informação e comunicação na educação
escolar, como são já muitas as experiências práticas
existentes neste sentido.
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