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    RSP

    ENAP

    Ano 49Nmero 4

    Out-Dez 1998

    O novo paradigma da gesto pblica e a busca da accountability democrtica Robert D. Behn

    Radiografia da alta burocracia federal brasileira:o caso do Ministrio da Fazenda

    Maria Rita Loureiro, Fernando Luiz Abrucio eCarlos Alberto Rosa

    A mudana de poltica na crise do Estado deBem-Estar Social: uma anlise comparada

    Marcello Fedele

    Nem privada, nem estatal: em busca de uma novaestratgia para a proviso dos servios pblicos

    Carlos Antonio Morales

    Administrando Governos, governando administradores Henry Mintzberg

    Revista do Servio Pblico

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    Revista do Servio PblicoAno 49

    Nmero 4Out-Dez 1998

    RSP

    ENAP Escola Nacional de Administrao Pblica

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    RSPConselho editorialRegina Silvia Pacheco presidenteEdson de Oliveira NunesEvelyn LevyMarcus Faro

    Maria Rita G. Loureiro DurandTnia FischerVera Lcia Petrucci

    Colaboradores ( pareceristas ativos ):Antonio Augusto Junho Anastasia; Antonio Carlos Moraes Lessa; Caio Mrcio Marini Ferreira;Carlos Roberto Pio da Costa Filho; Carlos Manuel Pedroso Neves Cristo; Eli Diniz; ricaMssimo Machado; Ernesto Jeger; Fernando Abrucio; Jacques Velloso; Jos Geraldo PiquetCarneiro; Jos Mendes; Ladislau Dowbor; Lvia Barbosa; Marcel Burzstyn; Marco AurlioNogueira; Marcus Andr Melo; Marcus Faro de Castro; Maria das Graas Rua; Maria Rita G.Loureiro Durand; Moema Miranda de Siqueira; Olavo Brasil de Lima Jnior; Paulo Modesto;Srigio Azevedo; Teresa Cristina Silva Cotta.

    EditoraVera Lcia Petrucci

    Coordenao editorialFranco Csar Bernardes

    Supervisora de produo grficaFatima Cristina de Araujo

    RevisoKarla GuimaresMaria Elisabete FerreiraMarluce Moreira Salgado

    Projeto grficoFrancisco Incio Homem de Melo

    Editorao eletrnicaAccio Valrio da Silva Reis

    Fundao Escola Nacional de Administrao Pblica ENAPSAIS rea 2-A70610-900 Braslia DFTelefone: (061) 445 7095 / 445 7096 Telefax: (061) 245 6189

    ENAP, 1981

    Tiragem: 1.500 exemplaresAssinatura anual: R$ 40,00 (quatro nmeros) Exemplar avulso: R$ 12,00

    Revista do Servio Pblico/Fundao Escola Nacional de Administrao Pblica v.1, n.1 (nov. 1937) Ano 49, n.4 (Out-Dez/1998). Braslia: ENAP, 1937.

    trimestral

    ISSN:0034/9240

    De 1937 a 1974, periodicidade irregular, editada pelo DASP e publicada no Rio deJaneiro at 1959. Interrompida de 1975 a 1981. Publicada trimestralmente de 1981 a1988. Periodicidade quadrimestral em 1989. Interrompida de 1989 a 1993.

    1. Administrao pblica - Peridicos.I. Escola Nacional de Administrao Pblica.

    CDD: 350.005

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    RSP

    Revista doServioPblico

    Ano 49 Nmero 4Out-Dez 1998

    Sumrio

    O novo paradigma da gesto pblica e abusca daaccountability democrtica 5

    Robert D. Behn

    Radiografia da alta burocracia federal brasileira:o caso do Ministrio da Fazenda 46

    Maria Rita Loureiro, Fernando Luiz Abrucio,Carlos Alberto Rosa

    A mudana de poltica na crise do Estado deBem-Estar Social: uma anlise comparada 83

    Marcello Fedele

    Nem privado nem estatal: em busca de uma novaestratgia para a proviso de servios pblicos 115Carlos Antonio Morales

    EnsaioAdministrando Governos, governando administradores 158

    Henry Mintzberg

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    RSP

    Revista doServioPblico

    Ano 49 Nmero 4Out-Dez 1998

    Professor eDiretor doGovernorsCenter eprofessor doTerry Santerd

    Institute of

    Public Policy ,ambos daUniversidade deDuke, Carolinado Norte, EUA

    O novo paradigma dagesto pblica e a busca daaccountability democrtica

    Robert D. Behn

    1. Introduo

    Os campees da nova gesto pblica tm desafiado o paradigmatradicional da administrao pblica, que regulou nosso pensamento edeliberaes (se no nossa prtica) por mais de um sculo. O argumen-to deles bastante simples: o mtodo tradicional de organizao do po-

    der executivo muito lento, burocrtico, ineficiente, pouco responsivo,improdutivo. Ele no nos d os resultados que esperamos de um gover-no. E atualmente, cidados esperam que um governo produza resulta-dos. Eles no toleram mais a ineficincia ou a ineficcia. Portanto,precisamos de uma nova forma de trabalhar, um novo paradigma degesto governamental .1

    Mas esperem, respondem os defensores do paradigma tradicionalda administrao pblica. Nossa abordagem de trabalho com o governopode ter algumas deficincias, mas ela tambm tem uma enorme vanta-

    gem: temaccountability perante os cidados. Aaccountability demo-crtica no opcional; ela uma caracterstica essencial de qualquerabordagem para a estruturao do poder executivo. No importa que oparadigma de vocs aplique-se bem s organizaes do setor privado.Com o governo diferente. Governos devem ser responsveis, no sperante alguns poucosstakeholders interessados, mas sim ante todo oEstado. Se seu sistema no asseguraaccountability perante os cida-dos, ento ele , por definio, inaceitvel.2

    Tal provocao no pode ser ignorada. Os defensores da aborda-

    gem da nova gesto pblica devem agora no apenas demonstrar que suaestratgia mais eficiente e eficaz. Eles devem tambm provar que ela

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    RSPpoliticamente responsvel. Aqueles que buscam criar um novo paradigmade gesto pblica tero o nus de apresentar um conceito correlato deaccountability democrtica.

    2. O paradigma da administrao pblica eo problema da corrupo

    No final do sculo XIX, o paradigma da administrao pblica evo-luiu em resposta corrupo que havia invadido o governo norte-ameri-cano. Em seu famoso ensaio de 1887 sobreO Estudo da Administrao ,Woodrow Wilson observou que os americanos tinham acabado de co-mear a sanear um servio pblico que j estava podre h 50 anos.Alm disso, ele relacionou diretamente a eliminao da corrupo com aintroduo de uma administrao eficaz: A atmosfera venenosa do go-verno municipal, os segredos fraudulentos da administrao estatal, aconfuso, os benefcios e a corrupo constantemente descobertos nosgabinetes de Washington, probem-nos de acreditar que quaisquer con-cepes claras do que constitui uma boa administrao sejam, at o mo-mento, comuns nos Estados Unidos. Dessa forma, Wilson defendeu umanova abordagem para a tarefa da administrao governamental: Poressa razo deve haver uma cincia da administrao, que busque endirei-tar os caminhos do governo, tornar seus negcios mais parecidos comnegcios privados, fortalecer e purificar sua organizao, e coroar suadiligncia (1887: 13-6).

    De muitas formas, o paradigma da administrao pblica solucio-nou o problema da corrupo. Ao separar a implementao das polticaspblicas das decises polticas que as criam, tal como Wilson recomenda-ra, os defensores da nova administrao pblica buscavam proteger aspolticas do favoritismo e do ganho individual, que se intrometiam nasdecises administrativas sobre pessoal, suprimentos, finanas e presta-o de servios. Como resultado, nesse sculo, o governo dos EstadosUnidos comportou-se de forma muito menos corrupta do que no sculoanterior. Obviamente, o governo no sculo XX no tem sido completa-mente livre de corrupo; mas sempre que ocorressem abusos ao poderpblico, isso poderia ser atribudo a um colapso de um dos princpios bsi-cos do paradigma da administrao pblica em especial do princpioda separao entre administrao e poltica.

    2.1. O paradigma da gesto pblicae a questo do desempenho

    No final do sculo XX, porm, o governo americano est menosinfestado pelo problema da corrupo do que pela questo do desempenho.

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    RSPO governo americano pode no ser muito fraudulento; mas tambm no to eficaz. A resposta tem sido o que alguns chamam de nova gestopblica com nfase na produo de resultados.

    Em muitos pontos, o paradigma da gesto pblica uma respostadireta s inadequaes do paradigma da administrao pblica, particu-larmente quelas da burocracia. Na nova gesto pblica, os servidorespblicos no so autmatos, simplesmente implementando polticas se-gundo regras promulgadas por alguns superiores. Ao contrrio, oparadigma da nova gesto pblica pressupe que servidores pblicossejam inteligentes, compreendam os problemas de suas agncias com areduo dos quadros, tenham algumas idias teis tanto prpriasquanto emprestadas de outros sobre como solucionar tais proble-mas, e que possam, se tiverem liberdade para tal, transformar rapida-

    mente tais idias em aes eficazes. De fato, o paradigma da gestopblica pressupe que, como os servidores pblicos na linha de frenteesto mais prximos dos problemas, eles esto em excelente posio(talvez a melhor) de decidir que abordagem tomar para solucionar osproblemas pblicos.

    Os defensores da nova gesto pblica no pretendem que a adminis-trao possa ser desligada do Estado ou da poltica. Eles aceitam o fatocomo tal e buscam explorar essa realidade bem conhecida, mas cuidadosa-mente evitada. Portanto, sob o paradigma da gesto pblica, servidores

    pblicos so investidos de poder para tomar decises. Eles so instrudos aresponder aos cidados individualmente e encorajados a desenvolver abor-dagens novas e inovadoras para solucionar problemas pblicos.

    Tais defensores da nova gesto pblica desprezam o paradigma daadministrao pblica. Eles rejeitam a idia de que a poltica deva (oupossa) ser separada da administrao que a mente do servidor pblicodeva desligar-se da soluo dos problemas polticos. Eles olham com es-crnio o ideal burocrtico que tenta basear a implementao de polticasem regras impessoais. No entanto, ironicamente, eles no rejeitam com-pletamente a gesto cientfica; mas preferem, ao invs de buscar o me-lhor caminho, procurar pela melhor prtica3dos dias atuais.

    Os defensores do paradigma da gesto pblica ainda esto tentandosolucionar o problema da desempenho. Para eles, o controle da corrupo um desafio muito menor do governo atual do que a produo de resulta-dos. Conseqentemente, eles no esto to preocupados em descartaralgumas das salvaguardas da administrao pblica que ajudaram a eli-minar (e continuam a prevenir) a corrupo. O mais significativo queeles tambm no se preocupam em combinar seu novo paradigma dedesempenho com os conceitos existentes ou mesmo os novos deaccountability poltica. Nem sequer incomodam-se em construir um novoparadigma deaccountability democrtica.

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    RSP3. Wilson, Taylor e Weber: o paradigma daadministrao pblica

    A herana intelectual do atual paradigma da administrao pblicadecorre do pensamento, escritos e proselitismo de Woodrow Wilson,Frederick Winslow Taylor e Max Weber. De fato, os trs construram abase conceitual da atual forma da maioria dos nossos governos. Wilsonafirmava que a administrao deveria e poderia ser separada dapoltica; depois que os responsveis pelas polticas tomassem as decisesde Estado, a tarefa de implementar tais polticas podia ser delegada que-les bem versados na cincia da administrao, que executariam a tare-fa da implementao da forma mais eficiente possvel (1887). Isso seriapossvel porque, segundo afirmava Taylor, entre os vrios mtodos eimplementos utilizados em cada elemento de cada caso, existe sempreum mtodo e um implemento mais gil e melhor que todos os outros(1911:25). Finalmente, Weber afirmava que a burocracia era o mais efi-ciente mecanismo organizacional; assim, a burocracia seria ideal paraimplementar os princpios cientficos de Taylor.4

    Todos eles, Wilson, Taylor e Weber, buscavam melhorar a eficin-cia. E alm se ser um valor em si mesmo, a eficincia tem outra vanta-gem. Ela impessoal, e portanto justa. Ao separar a administrao daspolticas, aplicando o exame cientfico ao desenho do melhor processo detrabalho, e empregando organizaes burocrticas para implementar es-ses processos, o governo garantiria no s que as polticas fossem justas,mas que sua implementao tambm o fosse5. E, claro, a administraodo governo dos Estados Unidos da Amrica tinha de ser justa.

    A nfase na eficincia tem outra vantagem: ela implica em que aimplementao da poltica pode, de fato, ser separada das decises polti-cas. E se h, de fato, uma maneira eficiente de implementar qualquerpoltica, e uma forma ideal de executar qualquer deciso poltica, entoseparar a administrao da poltica razoavelmente factvel.

    Alm disso, a separao entre administrao e poltica permite queo processo governamental esteja conceitualizado de forma clara e linear:as pessoas elegem seus representantes legislativos e chefes do executi-vo; tais indivduos (e seus assistentes polticos imediatos) desempenhama tarefa poltica de desenvolver e decidir sobre as polticas pblicas; a se-guir, o aparato administrativo do governo determina a forma mais eficientede implementar cada poltica e assim o faz; e finalmente, caso algo derrado, as autoridades eleitas verificam o trabalho dos administradores.

    Conceitualizar o processo do governo dessa maneira tambm for-nece um mtodo claro, simples e direto deaccountability democrtica.Como a administrao pode ser separada da poltica, e visto que o aparato

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    RSPburocrtico do governo encontrar e escolher o modo mais eficiente deimplementar qualquer poltica, o pblico no precisa se preocupar com aadministrao. Tudo com o que os cidados devem preocupar-se com apoltica. E se eles no gostarem das polticas do governo (ou de como asua administrao est sendo vista), eles tm meios diretos e eficazes decorrigir a situao: numa eleio, eles podem retirar as autoridades dosgabinetes. Isso accountability poltica. Isso accountability direta6 .

    O paradigma da administrao pblica tem sentido ele inter-namente consistente porque a distino entre poltica e administraopermite a construo de um modelo simples, atraente e direto deaccountability poltica. Alm disso, com todas as suas falhas, o antigoparadigma tem uma vantagem significativa: legitimidade poltica. As re-laes deaccountability poltica so transparentes. O paradigma tradi-cional da administrao pblica combina-se bem com nosso paradigmatradicional deaccountability democrtica.

    3.1. A distino de Wilson entre poltica e administrao

    Em seuO estudo da administrao , Woodrow Wilson definiu adistino entre poltica e administrao. Administrao pblica a exe-cuo detalhada e sistemtica da lei pblica, declarou Wilson. O campoda administrao o campo dos negcios. Ele desprovido da pressa e

    da luta da poltica. De fato, Wilson escreveu sobre a verdadede que aadministrao repousa fora da esfera prpria da poltica. Questes admi-nistrativas no so questes polticas (1887: 18-9).

    Wilson descreveu sua distino entre poltica e administrao devrios modos: a distino se d entre planos gerais e meios especficos.Os vastos planos da ao governamental no so administrativos; aexecuo detalhada de tais planos que administrativa. Wilson sequertentou definir a distino de modo muito preciso pois, para ele, essadiscriminao entre administrao e poltica hoje, felizmente, bastantebvia para demandar qualquer discusso (1887: 18-9)7 .

    Em 1881, o presidente Garfield foi assassinado por um funcionriodesapontado e, dois anos mais tarde, o Congresso aprovou oPendleton

    Act para reformar o servio pblico federal. Portanto, quando Wilsonescrevia, em 1887, tinha muito da reforma do servio pblico em mente.Para Wilson, por uma necessidade puramente de negcios que o go-verno americano possui um corpo de oficiais cuidadosamente treinados,servindo durante um perodo de bom comportamento. Isso, claro, traz tona a seguinte questo: em que constitui o bom comportamento?, qual Wilson respondeu com sua prpria definio do que hoje costuma-sechamar competncia neutra: todos os servidores pblicos devem teruma submisso firme, inerente poltica do governo que eles servem.

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    RSPAlm do mais, tal poltica no ser a criao de autoridades permanen-tes, mas de homens de Estado cuja responsabilidade perante a opiniopblica ser direta e inevitvel. Portanto, conclua Wilson, a reforma doservio pblico est realizando uma limpeza na atmosfera moral da vidaoficial, ao estabelecer a santidade do gabinete pblico como uma confian-a pblica; e ao tornar o servio apartidrio, est abrindo caminho paraaproxim-lo do mundo dos negcios (1887: 18-2, 21).

    De fato, a cincia eminentemente prtica da administrao defen-dida por Wilson estava designada a fazer mais do que fornecer orienta-o para estruturar o servio pblico: praticamente um pressupostobsico para todos ns, que o movimento atual, chamado reforma do ser-vio pblico, deva, aps a concretizao de seu primeiro propsito, ex-pandir-se em esforos para aperfeioar no somente o pessoal mastambm a organizao e os mtodos das nossas autoridades de governo,visto que bvio que sua organizao e mtodos necessitam ser aperfei-oados tanto quanto seu pessoal. Estamos no momento corrigindo osmtodos de seleo; deveremos avanar at ajustarmos as funes exe-cutivas de modo mais saudvel e receitar melhores mtodos para a orga-nizao e ao executivas (1887: 11-8).

    Alm disso, para Wilson, o objetivo do estudo da administrao o libertar os mtodos executivos dos mtodos confusos e custosos daexperincia emprica e ergu-los sobre bases firmemente enraizadas emum princpio estvel. Dessa forma, quase 25 anos antes das idias deFrederick Taylor terem ficado famosas, quando a Comisso Interestadualde Comrcio, em 1910, realizou audincias sobre as tarifas ferrovirias,Wilson j tinha defendido o princpio que Louis Brandeis classificara, du-rante tais audincias, de gesto cientfica. Wilson escreveu a respeitode uma cincia da administrao e preocupou-se com o fato de quepoucos mtodos cientficos imparciais podem ser discernidos na nossaprtica administrativa [americana] (1887: 13-8). Realmente, uma dascaractersticas mais proeminentes da escola poltica de Wilson, segundoNeils Thorsen, era uma convico amadurecida de que o conhecimentocientfico das prticas econmicas, polticas e administrativas podia serintroduzido na conduta governamental (1988:10-1).

    Na busca de tal conhecimento, Wilson esperava que a Europafornecesse modelos de administrao governamental. Para aqueles quepudessem amedrontar-se com a idia de analisar sistemas administra-tivos estrangeiros para instruo e sugesto, Wilson enfatizava a dis-tino entre os fins puramente norte-americanos e a adaptao de meiosteis europeus. Wilson estava interessado unicamente em estudar ad-ministrao como forma de pr em prtica, convenientemente, nossasprprias polticas. Para provar seu ponto de vista, ele lanou mo da

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    RSPseguinte metfora: se eu observar um assassino afiar sua faca de ma-neira sbia, eu posso aprender seu modo de amolar lminas sem adqui-rir sua provvel inteno de cometer um assassinato com ela; portanto,se eu observar um monarquista empoado administrando bem um escri-trio pblico, eu posso aprender seus mtodos de trabalho sem alterarminhas vises republicanas. Ele pode servir ao seu rei; eu continuarei aservir ao povo; mas eu gostaria de servir ao meu soberano to bemquanto ele o faz.

    Qualquer que fosse o modelo administrativo encontrado na Euro-pa, Wilson enfatizava que ele deveria ser adaptado forma do governofederal dos Estados Unidos: devemos americaniz-lo (1887: 13-4; 23).

    3.2. A gesto cientfica de Taylor

    Frederick Winslow Taylor pregava uma variedade de mudanas uma revoluo mental completa; uma grande revoluo mental (Wregee Greenwood, 1991: 191) na forma em que a nao deveria organi-zar seus locais de trabalho. Ele preocupava-se com a grande perdaque todo o pas sofre em virtude da ineficincia em quase todas asnossas aes dirias e estava convencido de que o remdio para todaessa ineficincia reside na gesto sistemtica, e no na busca de umhomem incomum ou extraordinrio. No cerne do pensamento de Taylor

    estava sua crena de que em cada elemento do mercado existe sem-pre um mtodo e uma implementao que mais rpido e melhor quequalquer outro(1991: 7-25).

    A ineficincia que Taylor encontrara havia sido criada pelo uso demtodos como na falta de regras, improvise e sempre se fez assimque os empregados utilizavam ao desenvolver suas atividades. Isso, noentanto, no era culpa deles. Resultava, ao contrrio, dos velhos siste-mas de gesto em uso que davam a cada trabalhador a responsabilidadefinal de realizar suas tarefas praticamente da forma que eles julgassemmelhor, com pouca ajuda e aconselhamento da gerncia. Taylor queriaque a gerncia assumisse a tarefa de desenhar o fluxo de trabalho. Elequeria que a gerncia especificamente o Departamento de Planeja-mento determinasse cientificamente qual componente do trabalho po-deria ser executado de maneira mais eficiente, particularmente por umfuncionrio de primeira classe, que estivesse cientificamente prepara-do para a tarefa (1911: 16; 25;32)8 .

    A respeito de gerncia cientfica, Taylor escreveu:Os gerentes assumem cargas de trabalho adicionais e responsabi-

    lidades jamais pensadas no passado. Os gerentes assumem, por exemplo,a carga de recolher e organizar todo o conhecimento tradicional que nopassado fora possudo pelos trabalhadores, alm de classificar, tabular e

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    RSPreduzir esse conhecimento a regras, leis e frmulas que sero imensa-mente teis aos trabalhadores no cumprimento de suas tarefas dirias.

    Em particular, Taylor acreditava que os gerentes de qualquer em-presa possuam quatro novos deveres:

    a) eles desenvolveriam a cincia de cada elemento do trabalhohumano, que substituiria o antigo mtodo da improvisao;

    b) eles selecionariam cientificamente e depois treinariam, ensina-riam e capacitariam cada trabalhador, enquanto que no passado cada umescolhia seu prprio trabalho e treinava-se o melhor que pudesse;

    c) eles cooperariam de maneira dedicada e cordial com os traba-lhadores para assegurarem-se de que todo o trabalho estaria sendo feitode acordo com os princpios da cincia desenvolvida;

    d) existiria uma diviso praticamente igual de trabalho e responsa-

    bilidade entre os gerentes e os trabalhadores. A gerncia assumiria [sic]todo o trabalho para o qual ela estivesse melhor preparada que os traba-lhadores, enquanto no passado quase todo o trabalho e grande parte daresponsabilidade eram depositados nos ombros dos trabalhadores.

    Essas so responsabilidades da gerncia, argumentava Taylor, por-que os trabalhadores no tm tempo de pensar no melhor sistema de traba-lho e tambm de trabalhar. Pois mesmo caso o trabalhador esteja bempreparado para desenvolver e utilizar dados cientficos, seria fisicamenteimpossvel para ele trabalhar numa mquina e numa escrivaninha ao mes-

    mo tempo. Alm do mais, continuava Taylor, tambm claro que namaioria dos casos, necessrio um tipo de homem para planejar adiante, eum tipo completamente diferente para executar o trabalho (1911: 36-8).

    Taylor organizava o trabalho em torno do conceito de tarefa - aqual ele chamava de talvez o elemento nico mais proeminente da ge-rncia cientfica moderna. A tarefa especifica no s o que deve serfeito, mas como deve ser feito e o tempo exato permitido para que sejafeito. E o trabalho de definir cada uma das tarefas responsabilidade dagerncia: o trabalho de cada homem totalmente planejado pela gern-cia, com pelo menos um dia de antecedncia, e cada homem recebe, namaioria dos casos, instrues completas por escrito, que no s descre-vem em detalhe a tarefa que ele deve executar, como tambm os meios aserem utilizados durante o trabalho. Para Taylor, gerncia cientficaera uma tarefa da gerncia (1911: 39).

    Alm disso, a gerncia tem a responsabilidade de encaixar aspessoas nos trabalhos para os quais elas so melhor qualificadas. Essaera a definio de homem de primeira classe algum que estavacientificamente preparado para o trabalho. E, apesar de haverempessoas de segunda classe em alguns trabalhos, todos seriam deprimeira classe para algum trabalho. Eu tentei, disse Taylor naCmara dos Deputados americana, deixar claro que, para cada tipo

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    RSPde trabalhador, pode ser encontrado um trabalho para o qual ele deprimeira classe, com a exceo daqueles homens que estariam per-feitamente qualificados para um trabalho, mas que no o realizaro(Wrege e Greenwood, 1911: 194).

    O conceito de Taylor sobre tarefa e sua abordagem sobre cadatarefa individual reflete-se nas descries de tarefas9 do nosso sis-tema do servio pblico. Pois no governo, responsabilidade da gerncia(e no do trabalhador) definir cada tarefa que cada trabalhador devedesempenhar. Tais tarefas esto listadas na descrio de tarefas, e agerncia preenche cada posto vago pela seleo cientfica do indivduocujas qualificaes mais se assemelham ao perfil da referida descrio.A responsabilidade do trabalhador de executar tais tarefas e somen-te essas tarefas. Trabalhadores no devem pensar sobre tais tarefas; isso estritamente trabalho da gerncia. Os sistemas do servio pblicoaplicam o conceito de Taylor de gerncia cientfica, o qual envolve oestabelecimento de vrias regras, leis e frmulas que substituem o julga-mento do indivduo trabalhador (1911: 37).

    Taylor argumentava que seus quatro deveres tarefas podem seraplicados a absolutamente todas as classes de trabalho, do mais elemen-tar ao mais intrincado. Alm do mais, ele afirmava que quando elesso aplicados, os resultados devem ser incrivelmente maiores do que aque-les que se pode atribuir ao estilo de gerncia de iniciativa e incentivo.

    Na verdade, Taylor foi ainda mais longe: a adoo geral da gernciacientfica dobraria, no futuro, a produtividade do homem mdio envolvidocom o trabalho industrial. E apesar de Taylor ter feito todo o seu traba-lho em esferas industriais, ele acreditava claramente que seus princpiospodiam ser aplicados gerncia de vrias instituies, inclusive de igre- jas, universidades e de reparties governamentais (1911: 8;40;142).

    3.3. A burocracia de Weber

    medida que a sociedade torna-se mais complexa, afirmava MaxWeber, ela necessita de instituies mais complexas. Para Weber, issosignificava um salto de organizaes informais, pessoais, para a burocra-cia. A burocracia de Weber distinguia-se por ser uma organizao hie-rrquica, onde trabalhavam pessoas indicadas, com credenciais eespecialidades, que teriam obrigaes regulares e oficiais, que elas exe-cutavam como se fossem curadores, aplicando regras racionais deforma impessoal, sobre uma jurisdio especfica. No governo, diziaWeber, isso era chamado autoridade burocrtica, ao passo que no setorprivado era chamado gerncia burocrtica (1946: 81).10

    O princpio da autoridade hierrquica do escritrio, escreveuWeber, encontrado em todas as estruturas burocrticas: no Estado e

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    RSPnas estruturas eclesisticas, e tambm em grandes organizaes de par-tidos [polticos] e empresas privadas. De fato, ele afirmava, no inte-ressa ao carter da burocracia se sua autoridade privada ou pblica.A hierarquia ainda o princpio organizador, e esse escritriohierarquizado organizado monocraticamente. Weber escreveu especi-ficamente que os princpios da hierarquia do escritrio e dos nveis deautoridade graduada significam um sistema firmemente ordenado, ondeos nveis mais baixos so supervisionados pelos mais altos (1946: 81-2).

    As pessoas que trabalham nas vrias posies nessa hierarquiaadquirem credenciais educacionais, so nomeadas, desenvolvem suasespecialidades, e concordam em executar suas obrigaes de forma leal,mas impessoal. A gerncia de escritrio, ou ao menos a gerncia doescritrio especializado, disse Weber, geralmente pressupe um treina-mento detalhado e especializado. Ao aceitar uma posio na burocracia,ele continua, um indivduo aceita uma obrigao especfica de realizaruma gerncia fiel, em troca de uma existncia segura. Esse indivduono leal a seu chefe como pessoa, mas posio de seu chefe; o quesignifica que a lealdade moderna devotada a propsitos impessoais efuncionais (1946, 82-83).

    Para Weber, a burocracia comporta-se como um juiz de posse deum computador: a burocracia como um juiz moderno, que por sua vez como uma mquina de vender doces, que recebe as solicitaes juntocom o pagamento e a seguir libera o julgamento juntamente com as ra-zes derivadas mecanicamente do cdigo (Bendix, 1960:421). A buro-cracia de Weber com nfase na implementao impessoal por meiode regulamentos racionais era ao mesmo tempo eficiente e justa:

    A experincia tende, universalmente, a mostrar que aorganizao burocrtica de tipo puramente administrativo isto ,a burocracia de variedade monocrtica , do ponto de vistapuramente tcnico, capaz de atingir o mais alto grau de eficincia e,

    nesse sentido, formalmente o meio racional mais conhecido deexecutar o controle imperativo sobre os seres humanos. Ela superiora qualquer outra forma em termos de preciso, estabilidade, rigorde sua disciplina, e confiabilidade... Ela finalmente superior tantona sua eficincia intensiva e no escopo de suas operaes, e formalmente capaz de aplicar todos os tipos de tarefasadministrativas (Weber, 1947: 337).

    No entanto, a interferncia da poltica pode ameaar a burocracia,tanto em sua eficincia como na sua capacidade de justia.

    Na verdade, reconheceu Weber, a corrupo poltica pode interfe-rir no trabalho dos especialistas nomeados impessoalmente de acordo

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    RSPcom as regras. Embora Weber acreditasse que as burocracias eficazesseriam um benefcio para os polticos que buscassem a reeleio, eletambm reconheceu que esse no seria sempre o caso:

    Quando a demanda pela administrao dos especialistastreinados for considervel, e os seguidores do partido tiverem dereconhecer uma opinio pblica intelectualmente desenvolvida,educada e com movimentos livres, o uso de pessoal desqualificadocair nas mos do partido no poder na eleio seguinte... Ademanda pela administrao treinada existe atualmente nosEstados Unidos, mas nas maiores cidades, onde os votos dosimigrantes so votos de curral, a opinio pblica educada ,certamente, inexistente. Portanto, as eleies populares do chefe

    administrativo e dos oficiais subordinados ameaam geralmente aqualificao do pessoal, como tambm o funcionamento precisodo mecanismo burocrtico (1946: 85).

    Portanto, para garantir tanto a eficincia quanto a justia, Weber,como Wilson, buscou separar a poltica da administrao.

    4. A falcia da administrao eficiente e apoltica

    Infelizmente, o paradigma da administrao pblica no se demons-trou nem eficiente nem apoltico como previam os escritos de Wilson,Taylor e Weber. De fato, ele muito ineficiente e bastante poltico. Algica de cada um dos fundadores intelectuais do paradigma da adminis-trao pblica foi contaminada pela falcia crtica.

    4.1. A falcia de Weber: burocracias so burocrticas

    A burocracia eficiente? Atualmente pensamos que no. Na rea-lidade, o termo burocracia hoje , no vernculo, sinnimo de ineficincia.

    Uma das caractersticas da burocracia a especializao das ta-refas. E a base conceitual dessa especializao sua eficincia. Vistoque indivduos diferentes especializam-se em realizar distintas tarefas,cada indivduo ter domnio somente de sua tarefa. No preciso que aspessoas de toda a burocracia saibam como realizar todas as tarefas; elasnem ao menos necessitam entender tais tarefas individuais ou como elasse relacionam e se complementam. Ao contrrio, cada um pode concen-trar-se em realizar a sua prpria tarefa muito bem.

    Infelizmente, dividir o trabalho de uma burocracia em tarefas dis-tintas e especializadas cria um problema novo: a coordenao. Se todosexecutam todas as tarefas, eles podem coorden-las em seus crebros,

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    RSPseparadamente; no existe problema de coordenao. Mas quando todasas tarefas so divididas, a coordenao torna-se um fardo enorme. Defato, ela geralmente um fardo insuportvel. E se a conduo das tarefasno for coordenada, a organizao tende a tornar-se bastante ineficiente.

    4.2. A falcia de Taylor: no h necessariamenteuma maneira melhor, universal

    Numa era onde a resposta a cada questo cientfica tem umaresposta nica, universalmente correta (e um bilho de outras erradas),a idia de que cada questo gerencial deve ter uma resposta nica,universalmente correta, parece no s atraente, mas tambm plausvel.Mas a gerncia parece-se menos com a cincia do que com a engenha-

    ria. E as questes de engenharia tm vrias respostas possveis (Behn,1996: 100-2). Em algumas circunstncias, algumas respostas seromelhores do que outras. Mas mesmo para um simples conjunto de cir-cunstncias, podem existir mltiplas respostas corretas.

    4.3. A falcia de Wilson: a implementao inerentemente poltica

    Finalmente, impossvel separar a administrao da poltica edo Estado. Administrao no s uma questo de eficincia e re-gras racionais; mas envolve inerentemente escolhas polticas, ou aomenos dependentes de como comportam as autoridade eleitas nosEstados Unidos. Elas no podem coletiva ou individualmente pensar em todas as circunstncias possveis, situaes e instnciasque iro surgir. No importa o quanto tentem os lderes polticos doexecutivo e legislativo, eles no podero desenvolver um conjunto depolticas que sero aplicveis a todas as situaes. Os casos individu-ais no sero atendidos por nenhuma poltica - nem por vrias polti-cas contraditrias. Portanto, os encarregados da mera implementaoeficiente das polticas oficiais autorizadas devem por definio tomar decises polticas tambm.

    Na verdade, Wilson reconheceu que os assuntos administrativos eramconectados aos polticos ou ao menos que a diviso da responsabilidadeentre as polticas e a administrao uma questo inerente da poltica.

    O estudo da administrao, revisto filosoficamente, est fortemen-te conectado com o estudo da distribuio adequada da autoridade cons-titucional. Para ser eficiente, a administrao enquanto cincia devedescobrir os arranjos mais simples pelos quais a responsabilidade podeser corretamente atribuda aos dirigentes; qual a melhor forma de dividirautoridade sem dificult-la, e responsabilidade sem obscurec-la.

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    RSPNo entanto, Wilson esperava que o estudo administrativo possadescobrir os melhores princpios sobre os quais basear tal distribuio depoder entre os dirigentes encarregados da poltica e da administrao(1887: 19-20).

    Mas suponhamos que tal estudo administrativo descubra alguns ex-celentes (se no necessariamente os melhores) princpios para dividir opoder entre dirigentes polticos e administrativos. O que aconteceria ento?Tais princpios seriam rapidamente codificados como leis? Todos duvida-mos. Pois a distribuio da autoridade constitucional particularmenteentre os poderes legislativo e executivo (nos Estados Unidos) umafonte de contnua competio poltica. Tal distribuio de autoridade eportanto de poder pode ser influenciada pelas concluses do estudo,mas determinada pela negociao poltica, e portanto pelo poder poltico.

    No entanto, no final do sculo XX, como tentamos desenvolvernovas estratgias para melhorar o desempenho inadequado dos gover-nos, o paradigma da administrao pblica continua extremamente atra-ente. Por que? Porque ele abenoado pela simples e irresistvel teoriadaaccountability poltica, que o novo paradigma da gesto pblica aindatem de incorporar.

    John Maynard Keynes escreveu que Homens prticos, que acre-ditam serem isentos de quaisquer influncias particulares, so geralmenteos escravos de algum economista j falecido (1964: 383). Nenhum de-

    les, Wilson, Taylor ou Weber, era economista. Todos faleceram h maisde 70 anos. No entanto, pessoas que sabem a respeito do trio pouco maisdo que o fato de Wilson ter sido presidente dos Estados Unidos durante a1a. Guerra Mundial so, sem dvida, escravas de suas idias.

    5. A questo da accountability democrtica

    O que queremos dizer comaccountability democrtica? O quesignifica, quando dizemos que, da perspectiva do paradigma da adminis-trao pblica, tanto a poltica quanto a administrao devem teraccountability ? Accountability perante quem? Para que? De que for-ma? Como exatamente poderemos exigiraccountability do governo?De fato, empregamos a frase cobraraccountability do governo comose seu significado fosse bvio11 . Porm, como iremos cobraraccountability de quem e por qu?

    Os defensores do paradigma da gesto pblica respondem: noesperem que respondamos pelo processo; mas sim pelos resultados. Aafirmao, ao menos, soa como uma resposta parte do por qu dapergunta. Na verdade, porm, ela s faz apresentar outra questo: quemdecide por quais resultados produzidos o governo deveria responder?

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    RSPAssim, a questo daaccountability torna-se (ao menos da perspectivado paradigma da gesto pblica): como iremos cobraraccountability dequem e para produzir quais resultados?

    Finalmente, existe um ponto adicional envolvido na questo daaccountability . Quem somos ns? Quer dizer, quem, exatamente, irassumir as atividades de cobrana deaccountability ? Ser esse papeldos cidados em geral, tanto pelo processo eleitoral quanto por outro modoqualquer? Ser esse papel dos representantes eleitos pelos cidados especialmente os parlamentares eleitos pelo tradicional processo deaudincias de controle? Devero existir vigilantes oficialmente autoriza-dos, tais como auditores e inspetores-gerais, ou vigilantes no-oficiais,auto-escolhidos, como os grupos de cidados e jornalistas? Para criaruma nova teoria deaccountability democrtica, os defensores do novo

    paradigma da administrao pblica precisam responder seguinte ques-to essencial primordial:Como e quem ir cobraraccountability de quem para produzir

    quais resultados?Portanto, a questo daaccountability democrtica tem quatro

    componentes, levantando quatro perguntas, suplementares mas inter-relacionadas:

    quem decidir quais resultados devem ser produzidos? quem deve responder pela produo desses resultados? quem responsvel pela implementao do processo de

    accountability ? como ir funcionar esse processo deaccountability ?O novo paradigma da gesto pblica precisa de um paradigma

    correlato deaccountability que responda essas quatro perguntas.

    5.1. Quem decidir quais resultados devem ser produzidos?

    Esta a mais problemtica questo levantada pelo paradigma danova gesto pblica. Pois a nova gesto pblica pressupe que s vezes

    talvez freqentemente essas decises sero tomadas pelos servidorespblicos. Mas ento, como fazem esses servidores, que no foram eleitos(mas so geralmente irremovveis) para obter a autoridade necessria paratomar tais decises polticas? Isso no seria responsabilidade exclusiva dasautoridades eleitas (e de seus indicados polticos diretos)? Como podem osdefensores da nova gesto pblica ignorar aquilo que foi, por mais de umsculo, um dos princpios operacionais bsicos da democracia americana?

    A resposta oferecida pelos defensores da nova gesto pblica deordem prtica, e no terica. Eles simplesmente afirmam que, apesar de

    ser verdade que segundo as regras do paradigma da administrao pblicatradicional os servidores pblicos no devem tomar decises polticas, elesfreqentemente tomam. Esse , claro, o segredinho sujo da administrao

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    RSPpblica: os servidores pblicos, de fato, fazem poltica. tpico que elesneguem que faam uma tal coisa, e insistam em que estejam simplesmen-te completando os detalhes administrativos das polticas gerais estabele-cidas pelo processo poltico. Por mais de cem anos, estivemos mantendoa fico de que os servidores pblicos no fazem poltica.

    Esta uma fico bastante conveniente (apesar de precria). Poisuma vez que confessemos a desagradvel realidade de que, para quefaam o seu trabalho, os servidores precisam tomar decises polticas,ns deveremos negar o paradigma da administrao pblica. No entanto,se continuamos a professar publicamente tanto o princpio quanto apraticidade da dicotomia poltica-administrao, os defensores da admi-nistrao pblica tradicional podem oferecer uma teoria internamenteconsistente para a implementao da poltica pblica.

    Aqueles que propem uma nova gesto pblica, porm, renderam-se a essa vantagem, e aceitam que os servidores pblicos tomem deci-ses polticas. De fato, eles defendem que os servidores pblicos tomemdecises polticas. E assim ficam sem sada. Eles precisam de uma novateoria poltica que explique por que e como isso ser (ou poder ser)consistente com aaccountability democrtica. Necessitam de uma teo-ria que responda a quatro questes inter-relacionadas, a respeito de comoservidores pblicos com maior autonomia e capacidade de resposta po-dem tomar decises inovadoras em um governo democrtico:

    A questo da tomada de deciso descentralizada : que teoriade governo democrtico encoraja a tomada de deciso descentralizadaenquanto mantm aaccountability perante todo o Estado?

    A questo da responsividade : que teoria do governo democr-tico permite que indivduos empregados pblicos sejam responsivos snecessidades dos indivduos cidados e ainda garanta que o governo tratetodos com justia?

    A questo do empowerment : que teoria do governo democrticopermite aos servidores pblicos exercerem poder discricionrio e ao mes-mo tempo garanta que continuemos sendo um governo regido por leis?

    A questo da inovao : que teoria do governo democrtico per-mite ou de fato encoraja que trabalhadores na linha de frentesejam inovadores na busca de um melhor desempenho?

    O problema da performance somente no chega a exigir umanova teoria deaccountability democrtica; o enfoque na produo deresultados tambm no. Mas dar aos servidores pblicos a autoridadede tomar decises sobre quais resultados devem ser produzidos ecomo exatamente devem ser produzidos obriga os defensores doparadigma da nova gesto pblica a pensar seriamente sobre a relaoentre a eficcia de suas estratgias de gesto e a necessidade deaccountability democrtica.

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    RSP5.2. Quem deve responder pela produo desses resultados?

    A resposta a essa pergunta dever parecer bvia: a agncia res-ponsvel. Mas a nova gesto pblica refere-se a servidores mais que

    capacitados, engajados em uma tomada de deciso inovadora, responsiva.A nova gesto pblica no s rejeita a idia de que servidores pblicossejam implementadores passivos (se considerados cientficos) de deci-ses polticas; ela tambm rejeita o ideal burocrtico de organizaesseparadas responsveis pela implementao de polticas separadas.

    Por detrs do conceito tradicional de administrao pblica e deaccountability est a suposio implcita de que uma organizao res-ponsvel por uma poltica ou ao menos de que toda poltica respon-sabilidade de uma organizao. Essa a outra beleza da burocraciahierrquica. Cada componente da organizao claramente responsvelpela implementao de uma poltica ou de um componente dessa pol-tica. Para cada componente de uma organizao, h um indivduo clara-mente encarregado; portanto, cada indivduo deve sempre teraccountability:

    O secretrio de estado responsvel pela implementao dapoltica educacional no estado.

    O secretrio distrital municipal responsvel pela implementaoda poltica educacional nas escolas do distrito ou municipais.

    O diretor da escola responsvel pela implementao da polticaeducacional na escola.

    O professor responsvel pela implementao de poltica educa-cional na sala de aula.

    O emprego da burocracia hierrquica na implementao da polti-ca torna aaccountability individual bastante clara.

    Esse arranjo ideal , obviamente, outra fico. Pois medida queos propsitos que buscamos no governo tornam-se mais complexos, eportanto as polticas que buscamos implementar tornam-se tambm maiscomplexas, o mesmo ocorre com os arranjos organizacionais necessriospara implement-las. Novamente, porm, os defensores do paradigma daadministrao pblica tradicional tm a soluo mais fcil. Pois eles po-dem continuar insistindo em utilizar polticas antiquadas, ultrapassadas.Talvez devssemos rotular este outro princpio da administrao pblica:a separao das polticas. Cada parte da legislao cria uma poltica que implementada por uma organizao. Chamemos a isso princpio da leinica, poltica nica, organizao nica.

    Se esse princpio pelo menos uma vez descreveu a realidade, eleseguramente no o faz mais. Devemos reconhecer que os propsitos damaioria das polticas exigem a cooperao de vrias agncias. Eles devem

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    RSPexigir a cooperao de agncias de vrios nveis de governo porexemplo, de agncias ambientais das esferas federal, estadual e munici-pal. Exigiro tambm a cooperao de vrias agncias do mesmo nvel -por exemplo, de agncias estaduais de proteo ambiental, agricultura,recursos hdricos e comrcio. E, obviamente, a poltica muitas vezes exi-gir tambm a cooperao de organizaes privadas e sem interesse lu-crativo. Os propsitos polticos ambiciosos que buscamos alcanaratualmente exigem o esforo cooperativo de uma rede de organizaes12.

    No entanto, como uma rede poder responder pela produo dequais resultados? Como o conceito deaccountability poder aplicar-sea uma rede? Como se define uma rede? Quem faz parte de uma rede, equem no faz? Quem na rede temaccountability ? Na burocracia tradi-cional, essa questo pouco ambgua. O gerente de cada nvel temaccountability individual. Mas, numa rede cooperativa de indivduos de fato, uma rede cooperativa de burocracias no fcil identificar oindivduo, ou mesmo os indivduos. E por que deveriam tais indivduosresponder? So eles coletivamente responsveis pela produo do resul-tado global? Ou cada componente da rede responsvel somente pelaproduo do seu componente prprio, especfico, daquele resultado? Nomundo ps-burocrtico (mesmo que tal mundo consista de redes de buro-cracia), no fcil identificar quem temaccountability e por qu. Nes-se mundo ps-burocrtico, a questo daaccountability torna-se ainda

    mais complicada:Quem vai cobraraccountability de quem na rede pela produode quais resultados?13

    5.3. Quem responsvel pela implementaodo processo de accountability ?

    Segundo o paradigma tradicional da administrao pblica, a res-posta a essa questo linear. Tanto as autoridades eleitas quanto o eleito-rado tm a responsabilidade. As autoridades eleitas devem controlar aimplementao da poltica pelas agncias pblicas. E o eleitorado estencarregado de controlar as autoridades. A linha deaccountability par-te dos servidores pblicos, passa por aqueles indicados politicamente pe-las autoridades e chega ao eleitorado.

    claro que, novamente, a realidade um pouco distinta. Quasetoda poltica pblica complicada, portanto a implementao da poltica eo controle de sua implementao tambm o so. Assim, tanto as autori-dades eleitas quanto o eleitorado so incapazes de devotar muito tempoao controle14. Essa outra razo pela qual os servidores acabam toman-do decises polticas: vaga a orientao poltica inicial, como tambm vaga a orientao contnua de controle.

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    RSPObviamente, algumas pessoas preocupam-se muito com a polticae sua implementao. Mas taisstakeholders no buscam exercitar suainfluncia somente pelo voto. Ao contrrio, eles criam seu prprio pro-cesso deaccountability , independente do processo oficial. Buscam as-sim influenciar diretamente as escolhas de implementao feitas pelosservidores pblicos e por aqueles indicados politicamente, oferecendo in-formao e aconselhamento, e fornecendo apoio organizacional e finan-ceiro durante as eleies. Em geral, osstakeholders tm um profundointeresse pessoal; o processo formal deaccountability , embora direto demaneira superficial, dilui qualquer influncia individual; as autoridades elei-tas no esto inerentemente interessadas ou ativamente engajadas nasuperviso/controle; os servidores pblicos tomam decises polticasfreqentemente com muito pouca orientao oficial; tais decises sosuscetveis a influncias diante de tudo isto,stakeholders organizadosso usualmente os mais ativamente envolvidos na criao deaccountability, embora o processo por eles desenvolvido seja comple-mente estranho ao mecanismo daaccountability concebido pelos funda-dores do paradigma da administrao pblica.

    Os defensores de qualquer paradigma da nova gesto pblica po-deriam simplesmente abraar essa realidade. Poderiam rejeitar, comosendo utpico, o conceito tradicional de autoridades eleitas e cidadosresponsveis pela implementao daaccountability democrtica e acei-

    tar que osstakeholders de qualquer poltica so as nicas pessoas cominteresse suficiente para dedicar tempo s questes deaccountability .15Porm o resultado parece ser ligeiramente inconsistente. Por que deve-ria ser delegada (mesmo que extra-oficialmente) aos mais organizados mesmo que eles tenham o maior interesse direto na poltica a res-ponsabilidade de implementar aaccountability ? O que ter acontecidocom aaccountability perante o Estado?16

    5.4. Como ir funcionar esse processo de accountability ?

    Segundo o paradigma da administrao pblica tradicional, o pro-cesso deaccountability funciona de forma bastante linear. As autorida-des eleitas so responsveis pelo controle da implementao de cadapoltica estabelecida por elas. Ento, se os cidados no esto felizes coma poltica, com a implementao daquela poltica, ou com o controle da-quela implementao, eles substituem as autoridades no momento daseleies. O processo deaccountability funciona tanto por meio das au-toridades eleitas quanto do eleitorado.

    Infelizmente, na prtica isso tambm no funciona to bem quantona teoria. Afinal, as autoridades eleitas estabelecem vrias polticas. Al-gumas dessas polticas so por vezes conflitantes, at contraditrias. Al-

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    RSPgumas vezes uma agncia deve implementar polticas conflitantes ou responsvel por implementar a poltica sem os recursos adequados.Isso complica significativamente o processo deaccountability : complicatanto a parte do processo que cabe s autoridades eleitas como complicao papel da base eleitoral.

    Se as autoridades eleitas apiam uma poltica particular e forne-cem recursos adequados para a agncia implementadora, o controle dapoltica relativamente linear. As autoridades precisam criar mecanis-mos simples para verificar se a agncia responsvel est aplicando osrecursos de forma adequada, se est implementando a poltica de formainteligente, e se a poltica est produzindo os efeitos desejados. Caso con-trrio, as autoridades precisam mudar os dirigentes da agncia, o uso derecursos, ou a prpria poltica.

    Mas como podero as autoridades controlar polticas com as quaiselas discordem? Devero controlar estritamente a implementao da po-ltica, verificando se a mesma est atingindo os propsitos desenhadospor seus criadores? Ou devero tambm reexaminar os propsitos origi-nais? E se seu controle der origem a uma crtica, ter sido por causa deuma implementao inadequada, ou ser inadequada a prpria poltica?Qualquer resposta confusa, pois muito difcil (se no impossvel) se-parar tais motivos.

    E para que deveriam as autoridades teraccountability perante os

    cidados? Para cada poltica individual? Ou pelo conjunto das polticasque elas apiam? Ou pela totalidade das polticas estabelecidas pelo go-verno? Ou pela poltica nica que interessa mais a cada cidado?17.Umavez que uma vasta gama de polticas diversas esteja sendo implementada,que papel tm os cidados naaccountability dessas polticas?

    Numa democracia parlamentar, a linha deaccountability muitomais clara. O governo o partido com a maioria parlamentar, e portantoencarregado do poder executivo responsvel por todas as polticas.Os cidados podem gostar de algumas polticas, e de outras no, maseles sabero quem so os responsveis. E a oposio leal busca constan-temente deixar claro as suas diferenas com essas polticas18. Os cida-dos ainda podero escolher entre pacotes de polticas; uns poucos estarototalmente satisfeitos com cada poltica, e com a implementao de cadapoltica naquele pacote. No entanto, o papel do cidado na implementaodo processo deaccountability durante as eleies peridicas aindamais linear.

    Os Estados Unidos, porm, no contam com uma democracia par-lamentar. Assim, os cidados americanos no podem fazer todo o proces-so deaccountability funcionar facilmente. Quando eles votam, eles nopodem enviar facilmente sinais efetivos sobre as polticas (ou aimplementao) das quais eles discordam.

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    RSPAssim, nos Estados Unidos, o processo deaccountability funcio-na basicamente fora da estrutura constitucional. Isso uma pena, poisexiste pouco controle ou equilbrio nesses mecanismos extra-constitucio-nais deaccountability . Em algumas circunstncias,stakeholders distin-tos podem controlar ou equilibrar cada lado. Mas se houver uma coalizode vriosstakeholders , se eles negociarem um acordo que reflita osmaiores interesses de cada um deles, eles podero criar um processo deaccountability livre de controles ou equilbrios de outras foras, que fra-cassar em incorporar os interesses do Estado.

    Novamente, os defensores do paradigma da nova gesto pblicapoderiam simplesmente aceitar e sacramentar essa realidade. Mas istoainda no tornaria o processo deaccountability mais democrtico.

    6. Poder discricionrio, responsabilidade e confiana

    A contrrio de Frederick Taylor e Max Weber, Woodrow Wilsonacreditava no poder discricionrio da administrao. Sua cincia da ad-ministrao no previa um autmato sem julgamento prprio seguindo apauta elaborada pelos lderes polticos; ao contrrio, sua cincia eminen-temente prtica da administrao iria descobrir, primeiro, o que o go-verno pode fazer de maneira correta e bem-sucedida, e segundo, comoele pode fazer essas coisas corretamente, e com o mximo possvel deeficincia e o mnimo possvel de custos, seja financeiro ou de energia.Portanto, ele pregava, especificamente, a delegao ao aparato adminis-trativo do governo do poder discricionrio necessrio para empregar, de-senvolver e adaptar os meios mais eficientes e eficazes de implementaode polticas. Wilson afirmava que o administrador deveria ter e temvontade prpria na escolha dos meios para executar seu trabalho. Eleno e no deve ser um mero instrumento passivo(1887: 11-9).

    Alm disso, dizia Wilson, sem essa delegao de poder discricio-nrio, impossvel estabelecer responsabilidades: autoridade e poderdiscricionrio irrestritos parecem-me condies indispensveis da res-ponsabilidade. Assim, para ser eficiente, o estudo da administraopara Wilson deveria descobrir os arranjos mais simples pelos quais aresponsabilidade pode ser inequivocamente atribuda aos dirigentes; ea melhor forma de dividir autoridade sem dificult-la, e responsabilida-de sem obscurec-la (1887: 19-20).

    A distino entre poltica e administrao existe de ambas as par-tes. A administrao de Wilson no s estritamente o ato de executarpoliticamente as leis aprovadas. Mas tambm a poltica no deve intro-meter-se em tal execuo: Mesmo que a poltica estabelea as tare-fas da administrao, afirmava Wilson, ela no deve ser utilizada para

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    RSPmanipular seus gabinetes (1887: 18). Como outros reformadores quesurgiram na histria da nossa nao, Wilson queria tornar o governomais parecido com o mundo dos negcios mantendo assim a polticafora da administrao.

    Nesse ensaio, Wilson alertou contra o erro de se tentar fazerdemais por meio do voto. Para explicar seu raciocnio, ele ofereceuuma metfora:

    Autogovernar no significa ter uma mo em tudo, da mesmaforma que cuidar de uma casa no consiste necessariamente empreparar o jantar com as prprias mos. O cozinheiro deve recebermuita autonomia para administrar o forno e o fogo (1887: 20).

    De fato, se voc disser ao cozinheiro exatamente como adminis-trar o forno e o fogo, ento o cozinheiro j no ser o responsvel pelaqualidade do jantar. Ser voc.19

    Mas, como tambm notou Wilson, para delegar autonomia ao cozi-nheiro, o dono da casa deve confiar no cozinheiro; da mesma forma, paradelegar autonomia a uma agncia administrativa, o pblico deve confiarna agncia. Obviamente, os donos de casa confiam em seus cozinheirosmais do que o pblico confia em suas agncias administrativas. Comoobservou Wilson: todos os soberanos suspeitam de seus servos, e o povosoberano no uma exceo regra (1887: 20).20

    Para Wilson, tal suspeita no necessariamente m: Se tal sus-peita pudesse ser esclarecida com sbia vigilncia, ela seria de todo sau-dvel; se a tal vigilncia pudesse ser adicionado uma dose inequvoca deresponsabilidade, ela seria de todo benfica. Mas por si mesma, conti-nua Wilson, a suspeita nunca saudvel, seja na mente pblica ou priva-da. A suspeita deveria ser combinada com confiana: Confiana afora de todas as relaes da vida. Assim, tanto na constituio dascomposies polticas quanto na criao de sistemas administrativos, necessrio dar-lhes o desenho para que abriguem confiana: da mesmaforma que o gabinete do reformador constitucional deve criar condiesde confiabilidade, assim tambm o gabinete do administrador deve mo-delar a administrao com condies de responsabilidade claras, paragarantir que a confiana valha pena (1877: 20).

    Ao contrrio de Woodrow Wilson, porm, James Madison no acre-ditava em confiana. Assim, ele desenhou uma constituio que nocriava condies de confiana. De fato, Madison desenhou uma consti-tuio que refora a suspeita. Ao desenhar mltiplas instituies comresponsabilidade especfica de equilibrar e controlar uma outra, Madisoncriou instituies rivais que suspeitam e no confiam umas dasoutras. Como se isso j no fosse bastante, ns contnuamente criamos

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    RSPnovas instituies como os inspetores gerais e promotores indepen-dentes com o nico objetivo de suspeitar dos outros. E, claro, existemos jornalistas, que esto no ramo da suspeita em tempo integral. Comoobservou Wilson, ns continuamos a criticar quando deveramos estarcriando (1887: 16).

    Nessa crtica da nova gesto pblica, Donald Savoie comentousobre o problema dos erros:

    A administrao pblica opera em um ambiente poltico que estsempre busca de erros e que demonstra nveis extremamente baixosde tolerncia com as falhas; no mundo dos negcios no importamuito que voc se equivoque 10% do seu tempo, desde que vocapresente lucro no final do ano. No governo no importa muito que

    voc esteja certo 90% do seu tempo porque a ateno ser dirigidaaos 10% de tempo em que voc esteve errado (1995 a: 114-5).

    De fato, no governo, no importa muito se voc est certo 99% dotempo, porque a ateno ser voltada para aquele 1% de tempo em quevoc esteve errado. por isso que os Dez Mandamentos do Governo soVoc no deve cometer erros. Voc no deve cometer erros . . . Vocno deve cometer erros (Behn, 1991b: 1).

    A suspeita institucionalizada mina a confiana. Uma instituioencarregada de suspeitar revelar, a menos que seja totalmente incom-petente, comportamentos suspeitos. Pouco importa se a conduta dbiativer sido um erro insignificante, na tentativa de seguir regras para com-pra de suprimentos, ou um erro maior e mais grave, no julgamento de umapoltica. De fato, os pequenos erros de procedimento devem ter um efeitomaior na destruio da confiana no governo do que os principais fracas-sos polticos. Isso porque a realidade do pequeno erro de procedimento bvia para todos, enquanto a existncia de um grande fracasso poltico sempre objeto de muita discusso21. Assim, a descoberta diria e repeti-da de pequenos faltas de ateno aos detalhes das regras burocrticasdeve ter um impacto negativo maior na confiana no governo do que osdebates polticos contnuos sobre temas maiores e mais substantivos.

    A confiana um bem frgil principalmente no governo. Aindaassim, todo governo requer confiana. Wilson compreendeu isso. Ade-mais, a responsabilidade e o poder discricionrio requeridos para aimplementao do paradigma da nova gesto pblica exigem um aumen-to significativo da confiana dos americanos nos seus vrios governos.Infelizmente, temos poucas instituies pblicas dedicadas tarefa daconstruo da confiana. Ao contrrio, dispomos de numerosas organi-zaes, dentro e fora do governo, encarregadas de identificar, perseguir eexpor nossas suspeitas minando assim a confiana. Para mudar nossa

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    RSPGestores pblicos que exercitam pouca iniciativa produzem pou-cos resultados e assim ameaam a confiana pblica no governo.Gestores pblicos que so lderes podem produzir resultados, mas peloseu estilo arruinam a confiana pblica. Pois afinal, eles funcionam dentrode organizaes que possuem regras detalhadas sobre como fazer eno fazer tudo. No entanto, observa Marc Zegans, as organizaesobcecadas por regras transformam os tmidos em covardes e os ousa-dos em fora-da-lei (1997, 115).

    Talvez exista algum nvel intermedirio mais feliz: a liderana queproduz resultados sem ser to agressiva. Mas com todas as outras con-sideraes e interesses que o gestor pblico moderno deve equilibrar,chegar a esse ponto ideal parece um fardo desalentador.

    7. Adaptando o mecanismo existentede accountability retrospectiva

    Administradores pblicos so responsveis por processos. E o m-todo tradicional deaccountability pelos processo de trabalho relativa-mente linear: o Poder Legislativo estabelece regras gerais para seremseguidas em vrios processos, e unidades reguladoras em vrias agnci-as do executivo codificam-nas com regulaes mais detalhadas. A seguir,a agncia passa a manter alguns registros, para demonstrar que seguetais processos fiel e consistentemente, podendo eventualmente emitir umrelatrio resumido de tais registros. Ao mesmo tempo, auditores exami-nam tais registros detalhadamente, verificando se todos os processos fo-ram realmente seguidos (e detectando qualquer comportamentodesonesto). Outros jornalistas, organizaes de vigilncia estakeholders tambm escrutinam a agncia com bastante cuidado,identificando as instncias onde a agncia falhou ao implementar seusprprios processos. E quando um padro de erros emerge, ou um casoparticularmente notrio identificado, ou um erro pequeno mas atraente descoberto, comits legislativos realizam audincias e adotam aescorretivas. s vezes, as pessoas que falharam em seguir os processosprescritos so despedidas, ou sofrem medidas disciplinares. Alm do mais,como tudo isso bastante divulgado, as agncias so incentivadas aatingir o cumprimento dos processos estabelecidos.

    Gestores pblicos so responsveis por resultados. Por que entoo processo tradicional deaccountability no pode ser aplicado a resulta-dos, ao invs de processos? Por que no podemos simplesmente adaptaros mecanismos tradicionais deaccountability ao nosso novo enfoque nodesempenho? Por exemplo: o Poder Legislivo estabeleceria as regrasgerais para os resultados que devem ser atingidos durante o ano fiscal

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    RSPseguinte, e uma organizao do poder executivo as codificaria em metasmais detalhadas. A seguir, a agncia manteria registros para demonstrarque est fazendo progressos com respeito ao cumprimento das metas, eesporadicamente emitiria um relatrio resumindo suas conquistas. En-quanto isso, auditores examinariam tais registros detalhadamente, verifi-cando se as metas teriam sido realmente atingidas (e detectando qualquercomportamento desonesto). Outros jornalistas, organizaes de vigi-lncia estakeholders escrutinariam a agncia cuidadosamente, iden-tificando as instncias onde a agncia falhou no cumprimento de suasprprias metas. E quando um padro de falhas fosse identificado, ou umafalha particularmente significativa ou um erro pequeno mas atraente fos-se descoberto, comits legislativos realizariam audincias e adotariamaes corretivas. As pessoas que falhassem em atingir suas metas seri-am despedidas, ou sofreriam medidas disciplinares. Alm do mais, comotudo isso seria bastante divulgado, as agncias seriam incentivadas aatingir suas metas.

    Isso simplesmente o mecanismo tradicional deaccountabilityretrospectiva, empregado atualmente pelas legislaturas para garantir queas agncias sigam todos os processos desenhados para garantir justia eeficincia. genrico, exceto pelo fato de ter sido adaptado para criarum mecanismo deaccountability assegura que s agncias executoraso alcance de metas especficas.

    Esse processo deaccountability exige que a legislatura estabele-a ao menos propsitos gerais; mas as legislaturas j o fazem. Ele tam-bm exige que as agncias executoras estabeleam metas especficasque possam indicar o progresso rumo concretizao de tais propsitos;considerando todas as aspiraes pessoais dos gestores pblicos de se-rem todo-poderosos no governo, eles deveriam estar dispostos a estabe-lecer uma ou duas metas especficas.22 Ento, uma vez que a agnciatenha escolhido sua(s) meta(s) para o ano fiscal, o processo deaccountability por resultados pode seguir o processo deaccountability

    para processos, que j ter sido desenhado, empregado e aperfeioado.Para implementar esse mecanismo deaccountability retrospecti-va, a legislatura ter de fazer duas coisas. Durante o ano fiscal, revisar aescolha da meta. Depois do ano fiscal, avaliar a capacidade da agnciade atingir a meta.

    7.1. Revisando a meta

    Aps a escolha da meta, o Poder Legislativo deve determinar seela faz sentido. Ele pode estipular pessoal para analisar a meta, conside-rar alternativas e acompanhar o processo da agncia encarregada deescolher a meta. Pode realizar audincias para determinar se os

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    RSPstakeholders e o pblico em geral esto satisfeitos com as metas.A seguir, caso o Poder Legislativo esteja insatisfeito com a escolha daagncia, pode solicitar agncia que repense sua meta e mande de voltauma definio. Se estiver extremamente insatisfeito com a escolha dameta, pode ainda pressionar a agncia a alterar sua meta, sancion-la,tentar convencer o chefe do Executivo a alterar o quadro gerencial daagncia, ou aprovar legislao modificando a meta para o ano fiscal atual.

    7.2. Avaliando o cumprimento da meta

    Quando o ano fiscal terminar, o Poder Legislativo precisa verifica sea meta foi ou no cumprida. Pode solicitar um relatrio agncia, solicitaruma auditoria desse relatrio, e nomear alguns funcionrios para fornecer

    sua prpria avaliao sobre quo bem saiu-se a agncia. Pode realizaraudincias para determinar se osstakeholders e o pblico em geral estosatisfeitos com o desempenho da agncia. A seguir, caso o Legislativo es-teja insatisfeito com o desempenho da agncia, ele pode determinar ascausas e solicitar que a agncia desenvolva um plano para melhorar seudesempenho durante o ano fiscal seguinte. Se estiver extremamente insa-tisfeito com o desempenho, pode pressionar a agncia a realizar alteraesgerenciais especficas, sancion-la, tentar convencer o chefe do Executivoa alterar o quadro gerencial da agncia, ou aprovar legislao criando

    metas novas e distintas para o ano fiscal seguinte. Parece correto adaptaros mecanismos retrospectivos existentes daaccountability por processoss novas necessidades de criao de um mecanismo retrospectivo paraestabelecer aaccountability por resultados.

    Ademais, esse mecanismo genrico deaccountability mesmosimilar ao modo como o mundo dos negcios criaaccountability porresultados. Os gestores de vrias divises e de outras unidades chegama um acordo com seus superiores a respeito das metas para o ano. Issopode estar sujeito a mais negociaes do que pode acontecer entre umaagncia executiva e o Legislativo (mesmo que seja uma negociao cla-ramente privada). Uma vez iniciado o ano fiscal, a gerncia monitora odesempenho de cada diviso. E, ao final do ano, conduz uma auditoria,determina quais divises atingiram suas metas e quais no, toma aescorretivas quando necessrio, e negocia novas metas para o ano seguin-te. Se uma diviso atingiu sua(s) meta(s) (sem fazer nada ilegal) ela foium sucesso foi responsvel pela administrao dos recursos do pro-prietrio e por suas obrigaes maiores para com a sociedade.

    O mecanismo deaccountability do setor privado consiste no acordosobre metas especficas a serem alcanadas durante um perodo espec-fico, no acompanhamento freqente do progresso durante o perodo, e naavaliao retrospectiva ao final do mesmo. A nica grande diferena en-

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    RSPtre os mecanismos pblico e privado seria o mtodo de se decidir quemeta deve ser buscada por uma agncia governamental ou uma divisode uma empresa.

    8. Polticas de processos e polticas de resultados

    Por que aaccountability por resultados no pode funcionar exa-tamente como aaccountability por processos? Ou por que aaccountability por resultados no governo no pode funcionar da mesmaforma que aaccountability por resultados do setor privado?

    Porque processos so diferentes de resultados. E porque negciosprivados so diferentes de governo. Especificamente, as polticas de pro-cesso so diferentes das polticas de resultados. Isso torna-se rapida-mente bvio no passo inicial do estabelecimento de metas especficas.Pois novamente h uma pergunta-chave: metas de quem? Quem decidequais resultados devem ser produzidos?

    O Poder Legislativo poderia, claro, faz-lo. Afinal, ele estabele-ce processos. Algumas vezes, o Legislativo cria processos bastante deta-lhados. Outras vezes, formula somente processos gerais, deixando o PoderExecutivo adicionar os detalhes mais especficos o tempo todo reser-vando-se o direito de controlar, modificar ou cancelar tais detalhes. Porque ento o Legislativo no o faz?

    Porque o Legislativo no deseja faz-lo. Ele, como corpo coleti-vo (e cada legislador individual tambm) no quer estabelecer metasespecficas. Como enfatiza Donald Savoie, os objetivos do governoso pouco claros porque os polticos assim o preferem (1995b: 135).Esclarecer os objetivos gerencialmente correto, mas politicamenteirracional. Pois ao esclarecer os objetivos, os polticos devem optarentre bases eleitorais adversrias e valores conflitantes. Pela experin-cia, as autoridades eleitas aprenderam que podem ganhar mais reco-nhecimento, apoio e votos sendo confusas a respeito dos resultados queiro produzir do que sendo claras a esse respeito. Um governador umavez disse aos seus auxiliares: nunca ponham um nmero e uma data namesma frase.

    Qualquer discusso sobre objetivo especfico para um programaespecfico ou uma agncia especfica para um determinado ano introduznovamente os desacordos polticos, que haviam sido cuidadosamenteminimizados pela incorporao de propsitos vagos (ao invs de preci-sos) na legislao. Um prembulo legislativo que especifique propsitosgerais, mltiplos e talvez at contraditrios pode fazer muitas pessoasfelizes. Os propsitos estabelecidos na legislao so mltiplos e gerais,no porque nenhum legislador no tenha uma idia clara de que meta

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    RSPgostaria de atingir; ao contrrio, o prembulo contm propsitos mltiplosgerais porque, embora vrios legisladores possam identificar um ou maisobjetivos especficos a serem atingidos, eles no conseguem concordarsobre objetivos comuns.

    O senador William Roth era a fora principal doGoverment Performance and Results Act (GPRA) , concebido para ter todas agn-cias federais especificando os resultados a serem produzidos. Roth que-ria que o Congresso estabelecesse metas especficas para agnciasespecficas. Sob a legislao, Roth escreveu:

    seria exigido que as agncias federais desenvolvessem metasmensurveis para seus programas. Eu acredito que ns podemosdar um passo alm, e tambm exigir que o prprio Congresso

    exercesse um papel direto no estabelecimento de ao menos algumasdessas metas. O Congresso cria e financia os programas, ento eledeveria dar alguma indicao de como ele espera que eles sejamcumpridos... O Congresso tem a obrigao de dizer aos contribuintesamericanos que resultados pretendemos alcanar com o dinheiroque gastamos, e essa exigncia deveria ser includa na legislao(Senado americano, 1993: 57-9).

    Isso soa razoavelmente suficiente. Mas senadores e deputadosapressaram-se em no aceitar o convite de Roth. Seus debates sobrepropsitos vagos j so acalorados o bastante; eles no desejariam criardebates ainda mais impertinentes sobre metas especficas.

    Ainda assim, sugere o GPRA, pode ser possvel criaraccountability por resultados sem que o Congresso especifique inicial-mente que resultados quer alcanar. A soluo pode ser fazer com que asagncias os especifiquem. claro que isso transfere do Legislativo parao Executivo a carga incmoda de escolher entre propsitos e valoresopostos. Mas, pelo menos, um corpo legislativo o Congresso america-no tem demonstrado sua determinao em fazer precisamente isso.Talvez outros poderes legislativos, pressionados em produzir resultados,mas ainda pouco dispostos a especificar quais resultados, achar que isso aceitvel de qualquer modo. O Legislativo rende-se a certa influncia econtrole; mas evita alguns desacordos bastante desagradveis.

    Mas ser que isso criaaccountability ? Isso ir asseguraraccountability por resultados? Afinal, as agncias executivas podemrelutar tanto quanto o Legislativo em criar desacordos desagradveis e osataques inevitveis que surgem no momento da escolha das metas. Damesma forma, elas tambm podem trapacear. O Legislativo pode criarum processo, um formulrio e uma data limite, exigindo que cada agnciaespecifique um ou vrios objetivos. Mas ele no pode forar as agncias

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    RSPa levar tal requerimento a srio, ou a cumprir a tarefa com inteligncia.As agncias sempre podero optar por metas no-controversas e semconseqncias. Elas tambm podem sempre escolher metas facilmenteatingveis. Dados todos os obstculos que o Legislativo tem forado oExecutivo a saltar, por todos esses anos, as agncias desenvolveram umavasta experincia em corridas de obstculos. Elas podem facilmente des-cobrir como saltar mais este.

    Ser que o Poder Executivo evita a inteno do Legislativo quandocria as regras e regulamentos que estabelecem a estrutura do processode accountability ? No necessariamente. Para cada regulamento huma razo; cada regulamento formulado para prevenir a recorrncia deum erro prvio. No existe limite para o nmero de regulamentaes queo Legislativo ou o Executivo podem criar. Alm disso, politicamente fa-

    lando, a existncia de mais regulamentaes sempre melhor. A existn-cia de mais regulamentaes significa que a agncia est garantindo maior justia, mais eficincia. Significa que a agncia est fazendo um bomtrabalho, criando processos justos e eficientes. E mais, o Legislativo noresiste a uma maior regulao. Ele prprio busca mais; ele cria outraspara si, e pressiona o Executivo a faz-lo tambm. Essa no , porm,uma presso por mais regulamentao no geral, mas sim uma pressopor um maior nmero de regulamentaes menores, individuais, todascontribuindo para mais bem mais.

    Poderia a mesma coisa ocorrer com as metas? Talvez. Uma agn-cia do executivo encarregada de criar metas, que no queira ofendernenhumstakeholder ou negligenciar qualquer valor, pode simplesmenteseguir o exemplo do Legislativo: ela tambm pode criar metas mltiplas evagas. Nesse caso, o Legislativo deve criar suas prprias metas especfi-cas, ou aceitar as metas vagas do Executivo. Caso o Legislativo sejamuito insistente, ele pode exigir que a agncia escolha somente uma meta.Nesse caso, a agncia pode fazer exatamente o que foi pedido esco-lher somente uma meta, criando precisamente o tipo de luta que o

    Legislativo vinha tentando evitar.Processos e resultados tm atributos polticos bastante diferentes.As controvrsias acerca dos processos so diferentes das controvrsiassobre resultados. Assim as polticas de processos so diferentes das pol-ticas de resultados. Conseqentemente, no deve ser fcil fazer peque-nas alteraes nos mecanismos especficos existentes, utilizados paraprocessos, e faz-los funcionar bem para resultados.

    8.1. Destacando responsabilidades

    Os dois inimigos daaccountability so os objetivos pouco clarose o anonimato, escreveu Sanford Borins. Ele afirma ainda, na sua defesa

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    RSPdo paradigma da nova gesto pblica, que ao promover a especificidadedas metas e reduzir o anonimato, a nova gesto pblica est fortalecendoa accountability (1995a:125-6). A importncia de se estabelecer e per-seguir metas especficas clara. De fato, os vrios defensores doparadigma da nova gesto pblica podem ter distintos paradigmas emmente, mas todos compartilham o mesmo enfoque nas metas: o trabalhodo gestor pblico atingir metas especficas. Mas como pode exatamen-te a nova gesto pblica eliminar o anonimato?

    Woodrow Wilson entendeu bem a necessidade de eliminar o anoni-mato burocrtico:

    A ateno pblica deve ser facilmente direcionada, em caso deboa ou m administrao, somente ao homem que merea

    reconhecimento ou culpa. No h perigo no poder, desde que eleno seja irresponsvel. Se ele for dividido, repartido em muitasfraes, ele ser obscurecido; e se for obscurecido, ter tornado-se irresponsvel. Mas se ele for concentrado nas chefias de servioe nas chefias de reas e setores, ser facilmente controlado eregistrado (1887: 20).

    No entanto, apesar de toda a influncia de Wilson, ele no conven-ceu as pessoas a criarem um sistema de agncias de governo que desta-casse a responsabilidade dos chefes de cada agncia e seus poderes.Por que?

    Porque, eu acho, as organizaes que separam expressamente apoltica da administrao, obscurecem de modo inerente (se no consci-entemente) toda a responsabilidade, exceto a do nvel mais alto. Os pol-ticos so responsveis pela poltica e por tudo o que flui dela. O nicotrabalho dos servidores pblicos executar cientificamente essa poltica.Como eles podem ser responsveis? (Ao mesmo tempo, como pode apessoa na chefia de qualquer agncia ser realmente responsvel pelocomportamento dos indivduos protegidos pelo servio pblico que traba-lham vrios nveis abaixo na hierarquia da agncia?).

    De fato, as burocracias so quase por definio annimas.Neutralidade burocrtica quase o mesmo que anonimato burocrtico.Quando visitamos uma burocracia governamental e irritamo-nos comum burocrata por aplicar-nos (de forma neutra) alguma regra estpida,sabemos (de maneira analtica, se no emocional) que no podemosrealmente culpar o burocrata. Nosso tratamento no importa quoabsurdo no uma conseqncia da personalidade do burocrata. osistema de regras e de punio pela violao dessas regras quemotiva o burocrata a comportar-se de forma burocrtica. Porque deveriaele tomar para si a responsabilidade por um sistema concebido por algum

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    RSPacima dele na hierarquia, sem mesmo pedir aos trabalhadores da linhade frente suas sugestes? Ao mesmo tempo, como pode o chefe daagncia ser realmente responsvel pela aplicao das regras por partedos indivduos protegidos pelo servio pblico e que trabalham vriosnveis abaixo dele na hierarquia da agncia especialmente se as re-gras foram impostas pelo Legislativo ou por outra unidade reguladoraexterna?

    Um sistema de metas especficas a serem atingidas durante o anofiscal corrente pode ressaltar um pouco mais de responsabilidade. Se ameta estabelecida pelo Legislativo ou pela prpria agncia, o diretor daagncia o responsvel pela sua consecuo. Mas o resto da organiza-o ainda est na berlinda. Por que aqueles que esto nos nveis maisbaixos da hierarquia so responsveis? Eles so simplesmente respons-

    veis por implementar o plano do diretor para a consecuo daquela meta?Em caso positivo, suas vidas pouco mudaram. Eles continuam annimose, portanto, seguem no sendo responsveis. Novamente, como pode ochefe da agncia ser responsvel pela implementao do plano por partede indivduos protegidos pelo servio pblico que trabalham vrios nveishierrquicos abaixo dele?

    Ainda assim, se metas especficas podem ajudar a eliminar o pro-blema do anonimato nos nveis superiores de uma agncia, porque elasno poderiam fazer o mesmo nos nveis mais baixos da hierarquia? Afi-

    nal, todos so gerentes intermedirios. Todo gerente de toda unidade temsuperiores e subordinados. Ento por que no criar metas especficaspara cada nvel da organizao? Tais metas subordinadas estariam dire-tamente ligadas meta global da organizao.23 De fato, se tais metassubordinadas fossem escolhidas de modo inteligente, a organizao esta-ria simplesmente, ao cumprir todas as metas subordinadas, cumprindosua meta global.

    Tais metas de nvel mais baixo no necessitam ser reportadas aoLegislativo. Elas poderiam ser, mas o Legislativo nunca seria capaz deexaminar muitas delas com seriedade. Mas ao estabelecer simplesmentetais metas subordinadas e talvez anunci-las em toda parte umaorganizao criaria responsabilidade nos nveis mais baixos, eliminandoassim o anonimato, ao menos no seu interior. Alm disso, se alguma coisader errado, se a agncia fracassar em atingir suas metas para o anofiscal, a hierarquia das metas permitiria que a agncia (ou o Legislativo)identificasse a causa do fracasso. Se algumas sub-unidades fracassaramem atingir suas metas individuais, elas e as seus superiores tero sidoresponsveis. Se todas as sub-unidades atingiram suas metas, ento odiretor da agncia ter sido o responsvel ao fracassar na criao de umsistema de metas subordinadas que, se atingidas, produziriam a meta glo-bal da agncia.

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    RSPEspecificar as metas ajuda a eliminar o anonimato. Exigir que umaagncia pblica tenha uma meta especfica a cumprir at o ano fiscaldestaca sua responsabilidade. Da mesma forma, exigir que os nveismais baixos na hierarquia da agncia tenham tambm suas metas espec-ficas a serem cumpridas at o final do ano fiscal destaca tambm suaresponsabilidade.24

    8.2. Ganhando a confiana pblica

    A administrao nos Estados Unidos deve ser inteiramente sensvel opinio pblica, afirma Wilson (1887: 21). Se, como Finley Peter Dunn,um contemporneo de Wilson, observou, a Suprema Corte seguir o retor-no da ilicitude, certamente os servidores pblicos o faro tambm.

    Mas quo sensvel opinio pblica a administrao deve ser?Wilson chama isso de o problema fundamental de todo o estudo daadministrao: que papel deve ter a opinio pblica na conduo daadministrao? Wilson respondia que o pblico devia estar engajado,mas no demais:

    O problema tornar a opinio pblica eficiente sem o incmodode t-la intrometendo-se. Exercido diretamente, no controle dedetalhes dirios e na escolha dos meios dirios de governo, a crticapblica logicamente um incmodo desconfortvel, um rsticolidando com mquinas delicadas. Mas como controladora das forasmaiores de poltica formativa, tanto na poltica quanto naadministrao, a crtica pblica de todo segura e benfica,indispensvel. Deixemos o estudo administrativo encontrar a melhorforma de dar crtica pblica esse controle e de mant-la fora dequalquer interferncia...

    O ideal para ns um servio pblico culto e auto-suficiente detal forma que aja com bom senso e vigor, mantendo-se tointimamente conectado com o pensamento popular, por meio deeleies e consulta pblica constantes, como para encontrararbitrariedades ou esprito classista totalmente fora de questo...

    ... estudos comparativos dos modos e meios do governo deveriamtornar-nos capazes de oferecer sugestes que iro praticamentecombinar a abertura e o vigor da administrao de tais governoscom a docilidade pronta de todas as crticas pblicas srias e bem-sustentadas (1887: 20-4).

    E, conforme os escritos de Wilson tornam claro, atingir o equilbriocorreto difcil. Ademais, ainda mais difcil criar um mecanismo formalde accountability que sempre atinja o equilbrio correto.

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    RSPPara a nova gesto pblica, o pblico tem interesse tanto na esco-lha das metas quanto na consecuo delas. Portanto, qualquer mecanis-mo deaccountability deve permitir que o pblico participe do debatesobre a escolha das metas, e no acompanhamento e avaliao da conse-cuo das mesmas.

    Mas como? Sero os mecanismos de eleio existentes adequa-dos? Estaro as organizaes dosstakeholders engajadas em demasia?Continuaro os jornalistas a focalizar sua ateno no processo princi-palmente nos erros menores do cumprimento das regras e procedimen-tos? E o pblico ir comprometer-se com as metas que seu municpioestabeleceu para o sistema escolar, as metas de seu estado para as agn-cias de apoio a famlias, e as metas do governo federal para uma redenacional de organizaes ambientais? Estabelecer sistemas formais para

    o envolvimento pblico dever ser menos bem-sucedido que a evoluode padres do interesse pblico em participar da escolha das metas e noacompanhamento e avaliao da consecuo das mesmas.

    Mas a nfase da nova gesto pblica em alcanar metas espe-cficas pode ter um efeito importante na atitude do pblico com res-peito ao governo. Pois muito do descontentamento pblico com ogoverno pode ser traado por sua crena (seja justificada ou no) deque ele no ganha muito de seu governo, que o que ele recebe nocompensa o dinheiro gasto pelo seu governo, e que seu governo no

    consegue produzir resultados. Se isso verdade, ento o enfoque nosresultados e a criao de um sistema de acompanhamento quedramatize os resultados alcanados ou no por diferentes agncias pode influenciar a opinio pblica. Ao produzir resultados especficos ao atingir metas especficas e preestabelecidas as agnciaspblicas podem comear a convencer os cidados de que o desempenhodo governo no uma contradio.

    9. A busca de um novo paradigma de accountability democrtica

    Ao dar poder aos servidores pblicos para que dem respostas aoscidados, ao dar-lhes autoridade para tomar decises inovadoras, os de-fensores da nova gesto pblica buscam produzir melhores resultados.Mas quais resultados? Quais so os melhores resultados? Quem decideque resultados o governo deve produzir? Quem ir certificar-se de quemresponder pela produo desses resultados? Como ir funcionar esseprocesso deaccountability ? Os defensores da nova gesto pblica pre-cisam no s demonstrar que sua estratgia de organizao do aparatoadministrativo do governo mais eficiente ou eficaz. Eles tambm devem

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    RSPexplicar como ele tem (ou pode ter)accountability . Eles devem sercapazes de responder a questo daaccountability por desempenho:

    possvel permitir que servidores com poder (emplowered ) e ca-pacidade de resposta, tomem decises e sejam inovadores e ainda simcontar comaccountability democrtica?

    Eles ainda tm de faz-lo.Mas essa no uma tarefa trivial. Afinal, criaraccountability

    democrtica por processo no tem sido fcil. Temos tentado trabalharnisso por mais de dois sculos, e ainda no produzimos uma respostatotalmente satisfatria. De fato, os mecanismos que estabelecemos paragarantiraccountability por processo nem sempre funcionam.

    Alm disso, no iremos responder a questo daaccountabilitypor desempenho engajando-nos num profundo pensamento terico. E mais,

    ganharemos pouco ao debatermos, legislarmos, codificarmos e equipar-mos os sistemas formais deaccountability cidad.Ao contrrio, aprenderemos mais de uma srie de experimentos

    ad hoc conduzidos por gestores pblicos que buscam no ser covardesnem fora-da-lei, mais sim cumprir os propsitos pblicos que os cidadosvalorizam. Gestores pblicos que buscam produzir os resultados que oscidados desejam sero os pesquisadores que iro responder a questoda accountability . De fato, a resposta questo daaccountability so-mente poder emergir da prtica evoluindo de uma variedade de es-

    foros classistas de novos gestores pblicos que no desejam obscurecersua accountability , mas sim defini-la e esclarec-la.Alguns desses experimentos fracassaro. E se houver muitos fra-

    cassos, todo o esforo ser abandonado. Alguns, no entanto, poderotornar-se sucessos modestos e qualificados. E sobre tais modestos su-cessos os gestores pblicos planejaro outros experimentos e produzirooutros sucessos. A tarefa de responder questo daaccountability re-cai no somente nos ombros dos tericos da nova gesto pblica, masnaqueles dos seus praticantes. medida que os experimentos esto sen-do construdos, no entanto, os tericos ajudaro a codificar seus fracas-sos, sucessos e lies.

    Por definio, tais experimentos deaccountability devero, dealguma forma, envolver cidados. Pois a base conceitual da nova gestopblica a de que os cidados precisam de um melhor desempenho deseu governo. Mas que tipo de desempenho? Cidados tm interesse tantona escolha das metas quanto na consecuo delas. Assim, qualquer me-canismo deaccountability deve permitir que os cidados participem dodebate sobre a escolha das metas, e do acompanhamento e avaliao daconsecuo delas.

    Mas como? Se