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TEOLOGIA
CONTEMPORÂNEA
E AS LINHAS
TEOLÓGICAS
MORÉH: Pr. SANDRO G. G. NOGUEIRA
Diretor Geral
Pastor Presidente da Igreja Batista Vida Abundante de Santa Maria - DF, Diretor do Ulpan Estudos
Hebraicos, Teólogo e Professor de Língua Hebraica e Grega e demais Disciplinas do curriculum
teológico na FE - Faculdade Evangélica de Brasília, na FATADEB –Faculdade Teológica da
Assembléia de Deus de Brasília, Professor no ICEA - Instituto de Educação Cristã Aliança (FE),
Professor de Teologia Bíblica, Antigo e Novo Testamentos na FATEN - Faculdade Teológica
Nacional de Luziânia - GO, Registrado no CFECH - Conselho Federal Evangélico de Capelania
Hospitalar do DF, Registrado no COPEV-DF Conselho de Pastores Evangélicos do Distrito
Federal, Registrado na ORMIBAN-DF - Ordem dos Ministros Batistas do Distrito Federal,
Registrado na CBN-DF – Convenção Batista Nacional do Distrito Federal, Juiz Arbitral pelo
TJAEM -Tribunal de Justiça Arbitral e Mediação dos Estados Brasileiros.
Contatos
WWW.ULPAN.COM.BR
E-mail: [email protected]
Fone: (61) 30452188 ou (61) 96221288 / 86220402
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA E AS
LINHAS TEOLÓGICAS Prof. M.e Pr. Sandro Nogueira
Introdução
1 Pedro 3:15 antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados
para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós"...
Vivemos em um momento de grande marasmo teológico, onde ideologias e novas concepções
surgem a cada momento atacando e afrontando as maneiras tradicionais de se crer no divino. Diante
dessa conjuntura é preciso que sejamos objetivos quando somos abordados acerca da razão de nossa
esperança cristã; por que cremos assim? Qual a nossa concepção de Deus? Qual a cosmovisão em
que estamos estribados? Enfim, qual é a definição teológica dos evangélicos em contraste com as
demais, pois se soubermos distinguir desse marasmo o que realmente acreditamos teremos como
levar avante o verdadeiro evangelho de Jesus.
Por isso exporemos abaixo algumas das mais expressivas linhas de pensamentos teológicos.
Linhas Teológicas
Teologia Católica Romana:
A Teologia Católica está estribada em um tripé - A Bíblia, incluindo os apócrifos; A Tradição e o
ensino dos Pais da Igreja e a autoridade Papal, ex cathedra, onde o Papa decide questões
doutrinárias e morais. Com esse tripé teológico a Igreja Católica concatenou novas doutrinas, sem
criar constrangimentos por tais doutrinas estarem além ou aquém da Bíblia. A Bíblia tem um papel
secundário em detrimento da própria Igreja que é superior a qualquer outra fonte de autoridade
eclesiástica. Essa conjuntura ideológica da cosmovisão teológica gerou os sete sacramentos:
batismo, crisma ou confirmação, penitência, eucaristia ou missa, matrimônio, unção de enfermos ou
extrema-unção e santas ordens. Segundo o catecismo de 1994, "a Igreja afirma que para os crentes
os sacramentos da nova aliança são necessários à salvação." Os sete sacramentos são nada menos
que uma séria de boas obras que os católicos crêem que precisam fazer para alcançar a salvação. (A
deterioração da doutrina católica iniciou-se por volta de século IV).
Teologia Natural
A Teologia Natural Baseia-se somente na razão em detrimento da fé e a iluminação do Espírito
Santo e seu mover. Os atributos de Deus são aqueles comuns a todos os indivíduos, ou seja, criação,
raciocínio lógico, etc... O conhecimento de Deus é obtido pelo relacionamento com o universo por
meio da reflexão racional, sem se voltar a vaticínios e meios sobrenaturais.
Teologia Luterana
Sola Escriptura - Somente a Bíblia, Sola Gratia - Somente a Graça e Sola Fide - Somente a Fé
formam o fundamento da Teologia Luterana. A Bíblia é a bandeira pela qual o exército de Cristo
deve marchar, Ela não fala apenas de Deus, mas é a própria Palavra de Deus. O centro das
escrituras é o Cristo revelado a humanidade. Na questão salvífica o indivíduo em nada contribui,
sendo destituído do livre-arbítrio, Deus é a causa eficiente da obra redentora. (Século XVI)
Teologia Anabatista
A Teologia Anabatista preconizou o batismo somente para adultos, testificando assim o
rompimento do cristão em relação ao mundo e o seu comprometimento em obedecer a Jesus Cristo.
Opunham-se ao controle da religião pelo o estado e nutriam um enorme zelo missionário. Devido a
maneira pragmática como viam a vida não deram ênfase aos estudos teológicos sistemáticos.
Teologia Reformada
Como na Teologia Luterana, a Teologia Reformada tem como principal bandeira "sola scriptura". A
Bíblia é a Palavra de Deus e isenta de erros. Deus é soberano sobre todas as coisas, tudo está sob o
domínio de Deus, como criador e soberano de universo Ele não pode ser limitado por nada. Deus
predestinou um certo número de criaturas caídas para serem reconciliadas com Ele mesmo. A
salvação pode ser resumida nos cinco pontos do Calvinismo: Depravação Total, Eleição
Incondicional, Expiação Limitada, Graça Irreversível e Perseverança dos Santos. (adaptado, 01)
Teologia Arminiana
A Teologia Arminiana divergiu do calvinismo, argumentando que os benefícios da graça são
oferecidos a todos, em oposição ao princípio calvinista da condenação predestinada. A ênfase desta
Teologia gira em torno da presciência divina, da responsabilidade e livre arbítrio do indivíduo e do
poder da Graça capacitadora de Deus.
Teologia Wesleyana
A Teologia Wesleyana era praticamente de cunho arminiana, embora a principal doutrina destacada
por Wesley fosse a da justificação pela fé através de uma experiência súbita de conversão. Também
se destacava a doutrina da perfeição cristã ou do perfeito amor, segundo a qual era possível a
perfeição cristã absoluta ainda nesta vida... Wesley deixou claro que não propunha a perfeição sem
pecado nem a perfeição infalível, mas, antes, a possibilidade da santidade no coração (03).
Teologia Liberal
A Teologia Liberal é recheada por convicções contemporâneas de novas ideologias filosóficas e
culturais. A humanidade não é pecadora e nem caída por natureza, não precisa de uma conversão
pessoal, apenas o aperfeiçoamento sociológico. Jesus não sofreu vicariamente na cruz, ele não é o
cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, nem Deus, mas simplesmente um representante de
Deus, um modelo a ser seguido. A Teologia Liberal segue a visão unitária da pessoa de Deus, Jesus
estava cheio de Deus, mas nunca foi Deus. O Espírito Santo é simplesmente a atividade de Deus no
Mundo. Os registros bíblicos são falíveis.
Teologia Existencial
Os teólogos existenciais explicam tudo o que é sobrenatural como sendo um mito. Deus atua no
mundo como se não existisse, e não se pode conhecê-lo de nenhum modo objetivo. A Trindade, os
milagres de Jesus Cristo e sua historicidade, o Velho e o Novo Testamento, as atuações do Espírito
Santo, tudo isso, não passam de mitologia religiosa, sendo que pouco se aproveita como conteúdo
histórico fidedigno. Encontrar o nosso verdadeiro eu e desmistificar a Bíblia é a maneira pela qual a
humanidade poderá ser salva.
Teologia Neo-Ortodoxa
Essa teologia foi uma reação contra a concepção liberal implantada no final do século XIX e houve
a tentativa de preservar a essência da teologia da Reforma ao mesmo tempo em que se adaptava a
questões contemporâneas. Deus não pode ser conhecido por doutrinas objetivas, mas por meio de
uma experiência de revelação. O Cristo importante é aquele experimentado pelo indivíduo, o Cristo
bíblico não teve um nascimento virginal. A Bíblia apenas contém a Palavra de Deus, sendo humana
e falível. O relato da criação não passa de um mito. Não existe nenhum pecado herdado de Adão, o
homem peca por concepção, e não por causa da sua natureza. O inferno e o castigo eterno não são
realidades. (adaptado, 01)
Teologia da libertação
A experiência cotidiana das comunidades cristãs latino-americanas que combatem as injustiças
econômicas, sociais, culturais e políticas, está na origem da chamada teologia da libertação. A
teologia da libertação constitui uma nova interpretação da mensagem evangélica, à luz da injustiça
social. Apesar do nome, não é propriamente uma teologia, no sentido de reflexão sobre Deus. Suas
raízes podem ser encontradas no movimento denominado teologia política, surgido na Europa na
década de 1970, depois que o Concílio Vaticano II (1962-1965), examinou o problema das relações
entre a igreja e o mundo moderno. A característica mais inovadora do movimento foi encarar os
problemas políticos como base para a interpretação dos textos bíblicos... A mensagem de salvação é
interpretada à luz das mazelas sociais de que o homem precisa ser libertado. Ao narrar a libertação
dos hebreus do cativeiro no Egito e sua marcha para a Terra Prometida, o Êxodo é a imagem bíblica
da mensagem da salvação, e a história sagrada não é algo distinto da história da humanidade ou
superposto a ela, mas sim a intervenção de Deus. Um outro elemento importante da teologia da
libertação é o método de análise marxista (02).
Conclusão
Mas enfim qual é a concepção teológica dos Evangélicos?
A Soberania de Deus, Ele está acima da sua criação e de tudo o que há, não é limitado por nada. A
Bíblia é a única fonte de autoridade, inerrante, verdadeira, ela não contém mas é a Palavra de Deus
(II Tm. 3:16). Jesus Cristo é o centro das Escrituras; a sua pessoa e obra, principalmente sua obra
vicária, são o fundamento de nossa fé cristã e da mensagem da salvação (Jo. 5:39). O Espírito Santo
é uma pessoa, que atua por intermédio da Palavra de Deus convencendo o homem do pecado, da
justiça e do juízo (Jo. 16:8). A salvação é somente pela graça mediante a fé (Ef. 2:8-9), a fonte da
salvação é a graça de Deus manifestada pela obra de Cristo, o fundamento da salvação. A
concepção trinitariana é a única maneira de compreender o Deus revelado na Bíblia (Mt. 28:19; II
Co. 13:13). O batismo é simbólico, para quem já tem consciência do que é pecado, mostrando a
decisão de se separar do mundo em compromisso para com o Senhor Jesus (Cl. 2:12). A Igreja é o
corpo de Cristo na terra, composta pelos filhos de Deus (I Co. 12:27; Ef.4:15.16). O cristão deve
sempre procurar a santificação em sua vida diária (I Ts. 4:3). A Ceia do Senhor é em memória da
obra de Cristo (I Co. 11:24) e todos os batizados devem participar da mesma (Mc. 16:16; Jo. 6:54).
Em linhas gerais, o que concluímos no fim desse estudo comparativo é a teologia professada pelos
protestantes evangélicos atuais.
Fontes de Pesquisas:
(01) H. W. House, "Teologia Cristã Em Quadros", Editora Vida, 2000, São Paulo - SP.
(02) Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda - CD ROM.
(03) E. E. Cainrs, "O Cristianismo Através dos Séculos", Editora Vida Nova, 1988, São Paulo - SP.
Introdução à História da Teologia Ortodoxa*
Ghiorghiu Vasilievich Florovski
(1893)
Filho de Capelão e neto de reitor, recebeu a educação inicial de seus pais; herdou deles profunda
piedade e um conceito muito elevado do que fosse religião. Realizou seus estudos clássicos no
Liceu de Odessa. Estudou história e filo. Em 1917 publicou seu primeiro livro, um ensaio sobre a
secreção salivar. Em 1919 obteve livre docência pela Universidade de Odessa. Em 1925 criou em
Paris o Instituto ortodoxo de São Sérgio, para a formação do clero ortodoxo. Duas de suas grandes
obras foram: The Church: her Nature and Taske e Lê Corps du Christ: une interprétation Orthodoxe
de I`Êglise.
Ghiorghiu FLOROVSKY e a "Síntese Neo-Patrística"
hiorghiu Florovsky goza a fama de ser "o mais teólogo russo ortodoxo de hoje».1 E
granjeou essa reputação pelo modo como concretizou o seu programa de libertar a teologia
ortodoxa das influências católicas e protestantes e renová-la remetendo-a à tradição
"helênica» e patrística. Ele não o fez com a especulação abstrata ou com a construção de um
sistema grandioso, mas sim com o estudo amoroso e meticuloso das fontes. Com a análise atenta do
imutável. Procurou na Ortodoxia dos Padres - uma resposta para as questões do mundo ocidental e
do homem moderno. Florovsky nunca compartilhou o sistema "sofiológico" de Bulgakov, entre
outras coisas, também por uma aversão inata ao sistema.
Apaixonado ecumenista, Florovsky teve um papel fundamental nos acontecimentos relacionados
com a inserção da Igreja Ortodoxa no Movimento Ecumênico e com a determinação da natureza e
das funções do Conselho Mundial das Igrejas.
Por todos esses títulos, ele é indubitavelmente um dos personagens mais gabaritados da teologia
contemporânea.
I. Vida1 e Obras
Ghiorghiu Vassilievich Florovsky nasceu nos arredores de Odessa em 28 de agosto de 1893. Na
época, seu pai Basílio era capelão e professor de religião num colégio da cidade. Sua mãe, Cláudia
Poprouzhenko, descendia do meio clerical: seu pai era reitor da paróquia da Apresentação do
Senhor e professor de grego no Seminário Teológico de Odessa.
Ghiorghiu recebeu sua educação inicial de seus pais: não foi uma educação apenas profana, mas
também religiosa. Assimilou de seus pais um sentido de profunda piedade e um conceito muito
elevado de tudo aquilo que diz respeito à religião: a Igreja, os ícones, a liturgia, a Tradição, o clero.
Realizou seus estudos clássicos num liceu de Odessa, formando-se em 1911. Foi sempre um dos
melhores alunos.
Ingressou então na Universidade de Odessa, onde inicialmente estudou história e filologia e depois
filo, psicologia e ciências naturais (química e fisiologia). Teve duas celebridades entre seus
professores: o filólogo e psicólogo N. N. tange, seguidor de W. Wundt, e o biólogo B. Babkin,
discípulo de I. P. Pavlov.
Em 1917, Florovsky publicou seu primeiro trabalho, um ensaio sobre a secreção salivar, cuja
publicação fora recomendada pelo próprio Pavlov.
No ano anterior, nosso jovem estudioso elaborara um ensaio intitulado Doutrinas Contemporâneas
sobre a lnferência Lógica. Esse escrito juvenil revela a influência da escola neo-kantiana alemã
(sobretudo de Husserl) sobre o autor, influência da qual se livrará em seguida a ponto de tornar-se
para todo o resto de sua vida um adversário declarado de qualquer forma de idealismo.
Em 1919, obteve o Philosophiae Magister e a livre docência em filo na Universidade de Odessa.
Nesse meio tempo, os comunistas haviam tomado o poder e se aproximavam tempos difíceis para o
clero. Em 1920, toda a família Florovsky refugiou-se em , na Bulgária, juntamente com uma
centena de sacerdotes e intelectuais.
No ano seguinte, Florovsky deixou e rumou para Praga, onde se estabelecera uma grande colônia de
emigrados. Prestou novos exames para obter a livre docência em filo. De 1922 a 1926, lecionou
Filo do Direito na Universidade de Praga.
Durante esse período, Florovsky submeteu todas as suas convicções filosóficas a uma análise
crítica: abandonou o idealismo, o kantismo e o racionalismo e voltou à filo cristã oriental.
Expressão dessa conversão filosófica foi o ensaio intitulado As astúcias da Razão 3, um severo
exame de todos os sistemas filosóficos do século XIX, do hegelismo ao marxismo, ao cientismo de
Comte, ao determinismo freudiano ou darwinista, ao naturalismo de Bergson, ao antipsicologismo
de Husserl, ao neo-escolasticismo protestante e à tendência acentuadamente jurídica dos católicos
romanos. Em todos esses sistemas, Florovsky denuncia a esterilização da espontaneidade criadora
do homem, a coisificação da vida e o matematismo dos mistérios. Em seu lugar, propõe uma
reabilitação da Tradição cristã oriental, a única, segundo ele, capaz de salvaguardar o sentido do
mistério e os direitos da pessoa.
Em 1925, realizou-se um sonho que os teólogos da Diáspora cultivavam há anos: a criação em Paris
do Instituto Ortodoxo de São Sérgio, para a formação do clero ortodoxo destinado a prestar
assistência às comunidades dos exilados e defender a Ortodoxia. A direção do Instituto foi confiada
a Bulgakov; Florovsky assumiu a cátedra de Patrologia. E, assim, nosso teólogo transfere-se de
Praga para Paris, onde, em 1932, foi ordenado sacerdote e designado para o patriarcado de
Constantinopla.
Florovsky encontrou no ensino da patrologia o estímulo necessário para redescobrir aquela
"Tradição cristã oriental" que se tornara o seu novo modo de "teologar" depois de seu repúdio às
filos ocidentais, e que a polêmica em torno da visão "sofiológica" de Bulgakov, na década de trinta,
tornava tanto mais urgente.
Não participou diretamente da violenta polêmica que se desencadeou em torno da "sofiologia", por
razões de respeito para com o diretor de sua escola. Mas ofereceu uma alternativa à teologia de
Bulgakov com a publicação de dois livros, Os Padres Orientais do Século Quatro (St. Serge, Paris,
1931) e Os Padres Orientais dos Séculos Cinco ao Oito (idem, 1933). Tais livros contêm o núcleo
da "síntese neo-patrística" (ou "sacro-helenismo") com a qual se identifica a visão teológica
florovskyana.
Confirmando as teses apresentadas nesses dois livros, em 1937 Florovsky publicou uma obra
magistral, Os Caminhos da Teologia Russa 4, na qual demonstrava que do século XVII em diante a
teologia ortodoxa se afastara da tradição patrística, sofrendo profundas infiltrações por parte das
teologias católica e protestante.
Esses livros deram uma certa celebridade ao nosso autor, mas, ao mesmo tempo, colocaram-no em
penoso conflito com seus superiores e colegas do Instituto, que eram todos "sofiólogos" convictos.
Para não piorar a situação, Florovsky deixou por algum tempo de lado a pesquisa científica e
dedicou-se exclusivamente à atividade ecumênica.
O ecumenismo vinha sendo favorecido pela Igreja Ortodoxa Russa desde a Primeira Guerra
Mundial. Florovsky, porém, só começou a se interessar por ele quando se estabeleceu em Paris.
Naquela cidade, Berdiaev fundara um círculo ecumênico abrilhantado por nomes ilustres, como
Bulgakov, Zenkovsky, Boegner, Maury, Maritain, Du Bos, Marcel e Gilson. Florovsky inscreveu-se
no círculo logo que se transferiu para o Instituto São Sérgio. Em 1929, emprestou seu nome também
para a "Fellowship of Saint Alban and Saint Sergius", uma organização ecumênica que reunia
estudantes de línguas inglesa e russa. Em 1931, Karl Barth convidou Florovsky para pronunciar
uma conferência sobre a Revelação na Universidade de Bonn. Foi um acontecimento memorável na
história do ecumenismo. Em 1937, participou da Conferência Ecumênica de Edimburgo e causou
uma forte impressão. Ao término do encontro, foi escolhido para participar do Comitê dos Catorze,
encarregado de preparar o Conselho Mundial das Igrejas. Desde então, sempre esteve presente em
todos os grandes encontros ecumênicos. E desses encontros nasceram alguns dos escritos mais
significativos do nosso autor. Já em 1934, para a "Fellowship of Saint Alban and Saint Sergius",
escrevera o ensaio intitulado "Sobornost': the Catholicity of lhe Church. Em 1948, para a
Conferência de Amsterdã, preparou dois longos trabalhos eclesiológicos: The Church: her Nature
and Task e Le Corps du Christ: une Interprétation Orthodoxe de l'Eglise. Nessa conferência,
Florovsky fez parte da Primeira Seção, tendo como colaboradores Barth, Nygren, Baillie, Lilje,
Schlink e Craig. Na presença deles, criticou vigorosamente a expressão "Conselho Mundial das
Igrejas". Para Florovsky, o plural "Igrejas" era inadmissível. "Ainda que a desgraça das divisões
cristãs", declarou o teólogo de Odessa, "nos obrigue a reconhecer muitas confissões, só há uma
única Igreja, a Igreja Ortodoxa, que tem uma função missionária no seio do Conselho Mundial." Em
1950, na Conferência de Toronto, lutou até o fim pela inserção no relatório final do esclarecimento
de que a participação no Conselho Mundial das Igrejas não implica para qualquer Igreja-membro a
obrigação de reconhecer às outras Igrejas-membros o título de Igreja no verdadeiro sentido da
palavra. Nessa questão da definição eclesiológica do Conselho Mundial, Florovsky mostrou-se
inarredável, fazendo dela uma conditio sine qua non para a participação da Ortodoxia. Na
Conferência de Evanston (1954), lançou uma conclamação a um novo tipo de ecumenismo: "Ao
ecumenismo no espaço deve-se acrescentar também um ecumenismo no tempo", ou seja, uma nova
tomada de contato com os grandes momentos da Tradição apostólica, essencialmente
salvaguardados pela Ortodoxia.
Além das conferências ecumênicas, Florovsky também freqüentou assiduamente os congressos de
filo, história e teologia, fazendo-lhes sempre notáveis contribuições. São especialmente memoráveis
dois relatórios que leu diante do Congresso Teológico Pan-Ortodoxo de Atenas (1936), Westliche
Einflüsse in der Russischen Theologie e Patristics and Modern Theology. O primeiro trata da
"pseudomorfose" da teologia oriental sob as influências latinas e protestantes; o segundo apresenta
o programa de "re-helenização da Ortodoxia".
Durante a Segunda Guerra Mundial, nosso teólogo buscou refúgio inicialmente na Suíça, depois na
Iugoslávia e finalmente na Tchecoslováquia. Depois da guerra, retornou a Paris.
Em 1948, coube-lhe a tarefa de reorganizar o Seminário Ortodoxo de São Vladimir, em Nova York.
E assim teve início a fase norte-americana de sua vida.
As medidas por ele impostas para a reforma acadêmica do Seminário foram consideradas muito
rigorosas por parte dos colegas e estudantes; por isso, em 1955, demitiu-se das funções de decano.
No ano seguinte, ingressou na Faculdade de Teologia da Universidade de Harvard, na qualidade de
professor de História da Igreja Oriental. No ambiente sereno e acolhedor de Harvard, passou a se
dedicar novamente à pesquisa científica. Desenvolveu e aperfeiçoou sua "síntese neopatrística" e
organizou um grupo de estudos sobre o tema "Teologia e História".
Quando do anúncio da convocação do Concílio Vaticano II, embora se alegrando com o
acontecimento, Florovsky manifestou algumas reservas ao convite enviado por Roma à Igreja
Ortodoxa para que enviasse alguns de seus membros da hierarquia como observadores. Pareceu-lhe
um sistema muito triunfalista e paternalista. Segundo ele, o convite devia ser endereçado somente
aos teólogos 5.
Em 1964, alcançado o limite de idade, deixou a cátedra de Harvard e ingressou na Universidade de
Princeton, na qualidade de visiting professor. Na festa de despedida organizada pelos colegas de
Harvard, o professor G. H. Williams pronunciou um aplaudidíssimo discurso, dizendo, entre outras
coisas:
"Cidadão de Odessa, cidade poliglota e interconfessional, filho de um arcipreste da Ortodoxia russa,
aluno magistral de Odessa e de Praga, co-fundador do Instituto de São Sérgio em Paris e do
Seminário de São Vladimir em Nova York, padre do Conselho Mundial das Igrejas, nós, de
Harvard, te saudamos como estudioso formador de estudiosos, como leal homem de Igreja e como
genial colega, membro respeitado da Nova Cambridge, também ela poliglota e interconfessional. E,
enquanto te dizemos adeus (...) e te vemos pronto a abrilhantar uma outra universidade, já sentimos
o frio e a escuridão descendo sobre nossos dias, conscientes de que durante todo o tempo em que
ficaste entre nós fomos aquecidos e iluminados por um pouco da glória da Luz Incriada que foi
estranhamente trazida a nós. Nós te somos agradecidos. Que Deus esteja sempre contigo no resto da
tua peregrinação, cidadão de uma cidade de sólidos alicerces" 6.
Como seu antigo aluno, recordamos Florovsky como o mais amável e humilde dos professores, que
nunca alardeava sua imensa cultura, pois estava mais preocupado em conclamar ao estudo e ao
amor à sabedoria do que comunicar informações interessantes ou doutrinas originais. Dele nos
lembramos com um reconhecimento profundo por seus preciosos conselhos e pela assistência
pressurosa que nos prestava em nossas pesquisas. E nos lembramos dele também por seu sentido de
profunda religiosidade e piedade mística com que celebrava a Divina liturgia.
Dos grandes teólogos do nosso século, nenhum publicou tão pouco como Florovsky: apenas três
livros e uma centena de artigos. Dos livros e também dos artigos mais importantes, já falamos ao
longo das notas biográficas. Por isso, desta vez, omitimos a seção habitualmente reservada às obras
e passamos diretamente ao pensamento do teólogo de Odessa.
II. Síntese Neopatrística
Florovsky deu vários títulos ao seu programa teológico: "helenismo sacro", "helenismo cristão",
"re-helenização do cristianismo", "síntese neopatrística" 7. São todos títulos expressivos: os
primeiros três acentuam o componente filosófico de sua teologia; o último indica o modelo
teológico no qual pretende se inspirar.
Por "helenização" entende a racionalização da Sagrada Escritura através das categorias filosóficas
do pensamento grego. Não compartilha a antipatia de Adolf Harnack e de alguns de seus discípulos
tardios, como T. J. Altizer e L. Dewart, por essa racionalização. Pelo contrário, considera-a como
"uma categoria permanente da experiência cristã", achando ser necessário "sermos mais gregos para
sermos verdadeiramente católicos, para sermos autenticamente ortodoxos" 8.
Mas Plorovsky faz questão de esclarecer que há uma diferença radical entre "helenismo cristão" e
gnosticismo. Este, segundo o teólogo de Odessa, é a busca de um conhecimento religioso que nunca
consegue alcançar a verdadeira liberdade da vida religiosa 9. Esse conhecimento foi chamado gnose
no sentido pejorativo do termo, porque está associado a sistemas de pensamento que não garantem
nenhum fundamento à liberdade da fé e não permitem que se tome consciência das antinomias
insuperáveis da vida e do pensamento que se desenvolvem fora de Deus. Florovsky chegou até
mesmo a sugerir a existência de uma conexão genética entre o gnosticismo antigo e a cabala
hebraica; e, numa ousada generalização, reuniu num único grupo, ao qual deu o nome de "teos para-
escriturísticas", o deísmo, a maçonaria, o idealismo alemão e grande parte do pensamento russo
moderno, inclusive a "sofiologia". Segundo ele, o gnosticismo não é um perigo que tenha se
exaurido durante os primeiros séculos do cristianismo, mas sim uma ameaça que o persegue
continuamente 10
.
O programa de Florovsky não é o programa do cripto-gnosticismo dos "sofiólogos"; tampouco é o
programa oposto da neo-ortodoxia barthiana; na verdade, é o programa da "síntese neopatrística".
Esta tem como ponto de partida a fé em Cristo como Pessoa, como Verdade, como Cabeça do
Corpo místico dos fiéis, como único recurso para o indivíduo e para a humanidade durante o
período de interinidade que vai da Criação até o fim do mundo. Segundo o nosso teólogo, a teologia
patrística soube dar expressão adequada a essa fé, pois, em seu juízo, ela não abrange somente o
período que vai do primeiro ao quarto século, mas também o período que vai do quarto ao oitavo
século (e a esse período cabe propriamente o título de "neopatrístico"); aliás, prolonga-se até a
incluir os teólogos bizantinos da Idade Média: Gregório Palamas, Nicola Cabasilas e outros 11
.
Todas as gerações que querem se manter em contato com a autêntica mensagem de Cristo e se
defender de todo possível desvio devem tomar por referência a síntese teológica criada pela
patrística oriental. Nela encontrarão, adequadamente formuladas, as respostas às questões que o
Evangelho suscita nas mentes de todas as pessoas inteligentes, seja qual for a época a que
pertençam. Portanto, a tarefa primária de todo teólogo (e, portanto, também do teólogo moderno) é
apresentar uma síntese patrística renovada. E essa, obviamente, é a tarefa que Florovsky,
convencido da força sempre juvenescens da teologia dos Padres, tomou para si.
A síntese neopatrística reconstruída por Florovsky, infelizmente até agora só em termos parciais,
nasceu como resposta a desafios provenientes de várias partes. As primeiras linhas surgiram em sua
mente quando se viu diante das implicações filosóficas e teológicas implícitas na revolução em
curso no seu país. Depois, o projeto assumiu contornos mais precisos nas discussões com as filos de
Kant, Hegel e Marx e com as teologias de Bulgakov, dos protestantes e católicos.
Em sua síntese, só duas partes foram amplamente desenvolvidas, se bem que de maneira
assistemática: a cristologia e a eclesiologia. A elas dedicaremos, pois, toda a nossa atenção.
III. A Cristologia
O eixo em torno do qual move-se toda a síntese neopatrística de Florovsky é a figura de Cristo. Ela
se encontra no centro da teologia florovskyana da mesma forma como se encontra no centro da
teologia dos Padres.
Contudo - perguntarão alguns -, não será anti-histórico colocar a figura de Cristo no centro da
teologia no século XX? Não estaria mais em harmonia com a visão antropocêntrica do homem
moderno basear a teologia no homem, como propõem muitos teólogos católicos e protestantes nos
últimos tempos?
Como pensa Florovsky, não se trata em absoluto de uma operação anti-histórica, porque a questão
cristológica não foi superada em nada; ela ainda se encontra no centro do debate teológico. Com
efeito, segundo nosso teólogo, a tensão de que somos hoje espectadores, entre o liberalismo
teológico, de um lado, e a neo-ortodoxia, de outro, não passa de uma "retomada da antiga luta entre
nestorianismo e monofisismo, num nível existencial novo e em novos termos espirituais" 12
.
Coloca na base de sua cristologia o Credo de Calcedônia. Insiste repetidamente que "não há
nenhuma hipóstase humana" em Cristo e evidencia a prioridade e a incomensurabilidade da
natureza divina em relação à humana. Para descrever essa situação de desigualdade, introduziu a
bela expressão "cristologia assimétrica".
Nos escritos de Florovsky, o termo "assimétrico" aparece pela primeira vez no livro Os Padres
Orientais dos Séculos Cinco ao Oito (Paris, 1933, p. 26), sendo introduzido propositalmente para
esclarecer a fórmula de Calcedônia. Esta, segundo Florovsky, ainda carece de precisão: não diz
explicitamente que o Verbo ou a Segunda Pessoa é a hipóstase da unidade humano-divina. Ela
ainda deixa em aberto o problema do caráter e do valor da physis "anipostática", isto é, da
humanidade de Cristo. Depois, a "anipóstase" foi esclarecida como "enipóstase". Como mostra
Florovsky, com base na concepção "anipostática" foi possível às teologias orientais e, como é
sabido, também às teologias ocidentais resolver o problema das relações da pessoa divina com as
duas naturezas durante os três dias da morte e da descida aos Infernos. Cristo morreu como morrem
todos os outros homens, isto é, devido à separação da alma do corpo; todavia, dado que a sua
Hipóstase era única, a alma "deificada" de Jesus pôde penetrar no tenebroso reino dos Infernos e
levar-lhe a vida, enquanto a própria Hipóstase mantinha-se unida ao corpo, incorrupto e, em virtude
da presença divina, incorruptível 13
.
Não obstante a tendência a sublinhar o caráter "assimétrico" entre as duas naturezas, a verdadeira
Ortodoxia - como nota Florovsky -, conseguiu preservar não apenas as duas naturezas, mas, na
controvérsia com os monotelistas, também as duas vontades. Máximo, o Confessor, e outros
fizeram ver que a vontade e a liberdade são essenciais para a natureza humana de Cristo.
A doutrina da "assimetria" também encontra aplicação na soteriologia. Ela serve a Florovsky para
abrir um caminho intermediário entre "o maximalismo e o minimalismo antropológicos". O
maximalismo exagera as possibilidades de que o homem conquiste a salvação com suas próprias
forças: é a doutrina pelagiana. Já o minimalismo exagera a iniciativa divina em prejuízo do esforço
humano: é a posição do agostinismo. Com a doutrina da redenção, por um lado, e a doutrina da
apropriação pessoal da obra de Cristo, por outro, nosso teólogo salvaguarda "assimetricamente"
tanto a graça divina como a liberdade humana.
Segundo Florovsky, o cumprimento da redenção ocorreu na morte e na descida de Jesus aos
Infernos, independentemente da ressurreição e da ascensão aos céus: "A descida ao Hades já é a
Ressurreição dos mortos. Através de sua própria morte, Cristo une-se à companhia dos
transpassados e concretiza assim a nova extensão da Encarnação" 14
. Do momento da encarnação
até a descida aos infernos, progressivamente, teve lugar a obra da redenção da humanidade. No seio
da Virgem, assumindo a natureza humana, Cristo restituiu "tudo à sua inocência (sinlessness) e
pureza originais» 15
"Sobre o Gólgota, o Senhor Encarnado ... in ara crucis ... oferece em sacrifício
a sua natureza humana", porém "não a oferece enquanto Inocente", mas sim enquanto Senhor
Encarnado (lncarnate Lord) 16
.
Em diversos artigos, cita a ousada expressão de Gregório Nazianzeno: "Tivemos necessidade de um
Deus Encarnado, de um Deus condenado à morte, para poder viver" 17
. Contra a tendência crônica
do Ocidente e particularmente das cristologias calvinistas para o nestorianismo, Florovsky insiste,
como já observamos, no fato de que a humanidade de Cristo não era dotada de uma hipóstase
própria. Por isso, conclui o nosso teólogo, "pode-se dizer que Deus morreu sobre a cruz, mas
morreu em sua humanidade" 18. Ademais, a morte sobre a cruz não foi uma ação imposta a Jesus
pela traição de um discípulo, pela perfídia da ralé e de seus chefes, pela covardia de Pilatos, mas
sim a conseqüência da decisão tomada por Jesus durante a Última Ceia: "O sacrifício da Redenção,
o sacrifício de sua Paixão e Morte, foi oferecido na sala superior do Cenáculo" 19
.
No batismo de sangue, que para Florovsky constitui "a própria essência do mistério salvífico da
Cruz", foi operada a redenção da natureza humana 20. No "batismo de sangue de toda a Igreja e
verdadeiramente de todo o mundo", Cristo fez com que os cristãos, através da iniciação sacramental
e moral, exprimissem sua adesão a ele. Fazendo o sinal da cruz, eles "pertencem ao crucifixo" 21.
Florovsky observa que na Igreja Ortodoxa, tanto antigamente como hoje, o batismo, a crisma e a
eucaristia não estão separados. Esse complexo de ações sacramentais constitui para cada cristão o
cumprimento inicial da libertação dos laços da natureza e do mundo. Esta é a razão pela qual são
celebrados em conjunto.
Com sua paixão e morte, Cristo obteve para todos os homens a possibilidade de recuperar a união
com Deus na vida presente e a visão beatifica na vida futura. Em sua ação salvífica, ele não visou
apenas a alma nem tampouco apenas o corpo, mas sim o homem inteiro; portanto, também o corpo.
Assim, conclui o teólogo de Odessa, a salvação operada por Cristo implica a garantia de
imortalidade e incorruptibilidade para todos os homens. E isso porque Cristo compartilhou nossa
natureza humana 22. Mas só os batizados terão a plena comunhão com Deus. Os outros que, no
exercício de sua liberdade, tiverem repelido a oferta divina permanecerão "fora de Deus". Este será
o seu castigo. Aquilo que, para os que aceitam o evangelho e esperam a Segunda Vinda de Cristo,
será motivo de júbilo eterno, para aqueles que os repelem será causa de eterna aflição 23.
IV. A Eclesiologia
Em todos esses anos, a teologia ocidental não foi a única a se ocupar da questão da essência e das
funções da Igreja. A teologia oriental também o fez, com o mesmo empenho e interesse. Basta
recordar as contribuições sobre o assunto dadas por Afanassief, Nissiotis, Evdokimov e Trembelas.
Entretanto, na esfera da teologia ortodoxa, aquele que mais se dedicou ao estudo dos problemas da
Igreja foi Florovsky. A eclesiologia sempre esteve no centro de suas pesquisas teológicas; e nem
poderia ser diferente, tratando-se de alguém que, como ele, participou tão ativamente do
Movimento Ecumênico, cujo objetivo, como todos sabemos, é promover a unidade da Igreja.
Sua eclesiologia centra-se nos dois princípios que estão na base de toda a sua síntese neopatrística:
cristocentrismo e "assimetria". O cristocentrismo constitui o fundamento de sua concepção da
Igreja; a "assimetria" precisa as relações existentes entre as várias partes que a compõem.Para
formular o princípio cristocêntrico, ele se vale da célebre expressão paulina: "A Igreja é o Corpo de
Cristo". Segundo Florovsky, de todas as definições que a Escritura dá da instituição fundada por
Jesus, essa é a que melhor exprime a experiência que os primeiros cristãos tinham da Igreja. "Um
corpo, em suma, o corpo de Cristo; esse excelente paralelo de que se serve são Paulo nos vários
textos em que descreve o mistério da existência cristã é ao mesmo tempo o melhor testemunho que
se possa prestar da experiência íntima da Igreja apostólica. Não é absolutamente metáfora acidental:
é muito mais um resumo da fé e da experiência" 24. Ademais, conforme o pensamento do autor, a
imagem da organização corpórea é também a imagem central em torno da qual gravitam todas as
outras imagens utilizadas pela Sagrada Escritura para significar a Igreja. "As outras imagens e
analogias de que se vale são Paulo e o resto do Novo Testamento acentuam do mesmo modo a
unidade orgânica entre Cristo e os crentes; o alicerce construído com pedras múltiplas e vivas, que
no entanto se apresenta como uma única pedra; a vinha e seus ramos, e muitas outras imagens,
todas elas servem ao mesmo objetivo principal. Dentre elas, a imagem do Corpo é a mais forte e a
mais expressiva" 25.
Nosso teólogo, todavia, acrescenta que o fato de ela estar tão carregada assim de significado não a
impede de ser uma imagem aberta, integrável com outras imagens. Com efeito, são Paulo
freqüentemente faz com que ela se acompanhe com a imagem do pleroma, que, segundo Florovsky,
tem um profundo significado teológico: quer dizer que "a Igreja é o Corpo de Cristo e a sua
'plenitude'. Corpo e Plenitude, to soma e to pleroma, esses dois termos são correlatos e
estreitamente ligados na mente de são Paulo, pois um explica o outro: '(a Igreja) que é o seu Corpo:
a plenitude daquele que plenifica tudo em todos' (Ef 1, 22-23). A Igreja é o Corpo de Cristo porque
e na medida em que (pour autant) ela é o seu complemento... Noutros termos, a Igreja é a extensão
e a 'plenitude' da Encarnação, ou melhor, da vida encarnada do Filho, 'junto a tudo aquilo que foi
feito por nossa salvação: a Cruz e o Sepulcro, a Ressurreição ao terceiro dia, a Ascensão aos céus, o
estar à direita do Pai' (são João Crisóstomo)" 26. "A Igreja, portanto, é o lugar e o modo da presença
salvífica do Senhor, glorificado no mundo ou na humanidade que ele salvou" 27.
Mas "em que se baseia e radica essa unidade, essa conjunção de muitos, que deve ser tão íntima e
orgânica quanto a união entre os membros do mesmo corpo? Qual é o poder que os reúne e liga uns
aos outros? É apenas um instinto social, um impulso de afeto mútuo ou alguma outra atração
natural? Em suma, a comunidade cristã, a Igreja é apenas uma sociedade humana, uma associação
voluntária de homens?" 28.
A resposta a essas perguntas é obviamente sempre negativa: nenhum poder, nenhum impulso,
nenhuma atração humana servem de base à Igreja. Fiel ao princípio do cristocentrismo, Florovsky
faz ver que a base é Cristo: "Os cristãos não são apenas unidos entre si; antes de mais nada, eles são
uma unidade em Cristo e só essa comunhão com Cristo torna possível a comunhão dos homens,
nele. O centro da unidade é o Senhor e o poder que opera essa unidade é o Espírito Santo" 29.
É na Igreja que se perpetua a Encarnação: como em Cristo o Verbo não estava acima ou fora da
natureza humana, assim também na Igreja Cristo "não se encontra acima ou fora. Os fiéis não são
tanto aqueles que o seguem ou obedecem aos seus mandamentos quanto aqueles que foram
incorporados a ele, que vivem nele ou mais ainda aqueles nos quais ele próprio habita
misteriosamente" 30.
O cristocentrismo não impede que Florovsky evidencie também o componente pneumatológico da
Igreja. O penúltimo dos textos acima citados termina com a afirmação: "o poder que opera essa
unidade é o Espírito Santo". Como muitos teólogos católicos e protestantes, Florovsky ensina que o
Espírito Santo é a alma da Igreja. Comunica-lhe a vida através dos sacramentos, sinais que extraem
toda a sua eficácia da ação do Espírito Santo, que está presente no Deus que propõe e no homem
que responde. Presente em ambos os interlocutores, o Espírito de Cristo, testemunha de Deus
perante os homens e testemunha dos homens perante Deus, é o grande ator dos sacramentos que
dão corpo à Igreja. É por obra sua que todos os batizados são incorporados e concorporados em
Cristo, tendo por nutrimento o mesmo amor pelo Pai. Assim como a ação sacramental do Espírito
Santo deu origem à Igreja no dia de Pentecostes, também através da ação que ele explica nos
sacramentos a vida da Igreja se perpetua 31.
Florovsky baseia no princípio do cristocentrismo não somente a natureza da Igreja como também as
suas propriedades. Isso é particularmente evidente quanto às características da unidade e da
santidade, mas fica menos claro quanto à catolicidade e à apostolicidade.
Quanto à catolicidade, Florovsky afirma que, "por meio da criação da Igreja cristã, foi inaugurado
um regime de existência absolutamente novo. Um regime católico, dir-se-á, contrapondo-o a esse
estado funesto de deslocação e fragmentação em que toda a humanidade foi aprisionada devido a
Queda. A salvação implica uma verdadeira reintegração, uma recapitulação total" 32. A obra de
Cristo consistiu verdadeiramente em reunir os filhos de Deus que se encontravam dispersos e
recapitular todas as coisas nele. E essa obra continua na Igreja: "A função principal da Igreja no
mundo é precisamente reunir os indivíduos dispersas e separados, incorporando-os numa unidade
orgânica e viva, em Cristo" 33. A catolicidade da Igreja, segundo Florovsky, consiste exatamente
nessa recapitulação da multiplicidade desagregada na unidade ordenada. Como Congar, recusa-se a
fazer com que a catolicidade consista na dimensão quantitativa, na expansão geográfica e cultural
da Igreja. Florovsky alega que a maior parte dos teólogos tenha reduzido a catolicidade à
universalidade espacial. Protestando contra essa mutilação, declara que "a verdadeira catolicidade é
a catolicidade do interior, uma qualidade intrínseca da Igreja, ruja catolicidade exterior não é mais
do que uma manifestação. A catolicidade essencial não é uma concepção topográfica ou espacial. A
Igreja de Cristo não era menos católica no dia de Pentecostes, quando toda ela se encontrava
encerrada numa pequena sala de Jerusalém, do que mais tarde, quando as comunidades cristãs não
passavam de ilhas dispersas e quase perdidas no oceano da incredulidade e superstição pagãs" 34.
Desse novo conceito de catolicidade, nosso teólogo deriva duas conseqüências importantes: a
primeira diz respeito ao simples cristão e a outra ao tempo. Afirma que o simples cristão é católico
e não apenas a comunidade: "Católico não é um nome coletivo. A Igreja ... é católica em todos os
seus elementos... Cada membro da Igreja é e deve ser católico; Toda a existência cristã deve ser
organicamente 'catolicizada', ou seja, reintegrada, concentrada, centralizada interiormente" 35.
Quanto ao tempo, ele foi resgatado e "catolicizado" pelo mistério da Encarnação, que continua na
Igreja. "Cristo é o mesmo, ontem, amanhã e sempre. Nele todas as gerações cristãs estão unidas"
36. O Cristo onipresente e contemporâneo a todas as épocas transcende as divisões que impõem a
distância e a duração. Quando uma comunidade cristã celebra a Eucaristia, ela participa dessa
assunção do espaço-tempo e é verdadeiramente, então, "a Igreja católica inteira e junta que está
presente ... porque Cristo nunca está separado do seu corpo. Nesse sentido, a Eucaristia é sempre e
cada vez em particular uma revelação majestosa do Cristo total. Na experiência eucarística, por
assim dizer, o próprio tempo se detém, de maneira mística e misteriosa, mustikôs, sacramentaliter.
Nela é verdadeiramente antecipada a síntese da ternidade"37.
Também sua doutrina da apostolicidade baseia-se na Igreja concebida como Corpo de Cristo.
Qualquer corporação, diz Florovsky, exige um esqueleto em torno do qual se organizam os
membros. Na Igreja, tal ossatura é assegurada pelo Colégio Apostólico. A comunidade messiânica
"foi constituída pelo próprio Jesus 'nos dias da sua carne', o qual deu-lhe pelo menos uma
organização provisória, com a escolha e a posse dos Doze, aos quais deu o nome (ou melhor, o
título) de 'mensageiros' ou 'embaixadores'... Os Doze ficaram encarregados de garantir a
continuidade da mensagem e da vida comum.
É por isso que a comunhão 'com os Apóstolos'. .. era a característica fundamental da primitiva
'Igreja de Deus' em Jerusalém" 38. O batismo, que incorpora os cristãos a Cristo, e a Eucaristia, que
realiza a presença do Senhor no seu Corpo que é a Igreja, representam a fonte e o centro místico da
comunhão católica. Os únicos ministros autorizados para a distribuição desses sacramentos, como
também de todos os outros, são os Apóstolos e seus sucessores.
O ministério apostólico, por conseguinte, é o instrumento privilegiado do nascimento, do
crescimento e da coesão da Igreja. Representa" aquilo que a circulação do sangue é para o corpo
animal" 39. Hoje, esse papel vital do sacerdócio evangélico dos Apóstolos e dos bispos está
multiplicado através da ação dos padres, que, por delegação, são pais e unificadores das
comunidades locais 40.
O episcopado, que é a realização plena do ministério apostólico, apresenta-se como um sinal
específico na Igreja: é o sinal da presença ativa do Espírito Santo, construtor e unificador do Corpo
Místico por meio dos sacramentos. "É através do seu bispo ou, mais exatamente, no seu bispo que
cada igreja local ou particular se inclui na totalidade da Igreja católica. Através do seu bispo, ela é
colocada em contato com as fontes primeiras da vida carismática da Igreja, ligada a Pentecostes"
41.
Mas em que episcopado se realiza a herança dos apóstolos? Emoutras palavras, onde se encontra a
verdadeira Igreja hoje?
A resposta a essa grave interrogação não pode ser obtida, segundo o nosso teólogo, por caminhos
jurídicos: "Enquanto organismo místico, o Corpo Sacramental de Cristo, a Igreja, não pode ser
circunscrito adequadamente somente com categorias e termos jurídicos" 42. O único caminho que
pode oferecer uma solução satisfatória é o do exame da situação sacramental de uma dada
comunidade eclesial, devido ao princípio de que lá onde se cumprem os sacramentos é que está a
Igreja. Porém, contrariamente ao que pensam alguns ecumenistas católicos recentes, Florovsky não
considera que a reta administração do batismo constitua por si só uma base suficiente de unidade.
São necessários todos os sacramentos, particularmente a Eucaristia, que é o principal instrumento
de nossa incorporação a Cristo. Dessas premissas, ele tira a conclusão de que a única Igreja
verdadeira é a Igreja Ortodoxa: "Por isso, para mim, a reunião dos cristãos outra coisa não é do que
uma conversão universal à Ortodoxia... Isso não significa que tudo aquilo que se encontra no estado
passado e presente da Igreja Ortodoxa se identifique com a verdade de Deus... A verdadeira Igreja
ainda não é a Igreja perfeita" 43.
No início desta seção, dissemos que a eclesiologia florovskyana baseia-se integralmente em dois
princípios: cristocentrismo e "assimetria". Do primeiro já tratamos amplamente. Façamos agora
algumas breves observações sobre o segundo.
Segundo o teólogo de Odessa, a realidade teândrica da Igreja só pode ser entendida corretamente à
luz do princípio da "assimetria". Qualquer outro princípio traz o risco de se cair no monofisismo ou
no nestorianismo eclesiológico.
O princípio da "assimetria" reconhece a existência tanto da Cabeça como dos membros na Igreja,
porém atribui uma prioridade absoluta à Cabeça: a Igreja tem o seu fundamento em Cristo e o seu
desenvolvimento se efetiva através da incorporação dos homens a ele.
Este princípio, contudo, não opera somente ao nível das relações entre Cabeça e os membros, mas
também ao nível das relações entre os m_mbros, especialmente das relações entre o episcopado e o
laicato.
Contra a doutrina dos" eslavófilos", de planificação das partes visíveis da Igreja e da elevação do
laicato às mesmas funções da hierarquia, Florovsky defende, como já vimos, a prioridade do
episcopado sobre todos os outros membros da Igreja. Unicamente aos bispos cabe a função de
instruir, guiar e reger o povo de Deus. Mas isso - precisa o nosso teólogo - não significa que o
Espírito Santo seja monopólio da hierarquia. "No dia de Pentecostes, o Espírito Santo não desceu
somente sobre os Doze, mas sobre toda a multidão que estava com eles, sobre toda a Igreja que
estava então presente em Jerusalém" 44. O Espírito Santo, todavia, não veio para se difundir numa
massa informe, como uma carga de eletricidade estática se difunde e dispersa num monte de
limadura. Ele veio para animar um corpo, dando a cada órgão a vitalidade específica exigida por sua
função no conjunto. "Os dons e os ministérios do Espírito na Igreja são múltiplos e variados. O
Espírito desce sobre todos, mas somente os Doze (e os seus sucessores) receberam o poder
sacerdotal e ministerial, segundo a promessa solene de Cristo" 45. Em conseqüência, o episcopado
tem poderes que não competem ao laicato; porém, é em função do laicato que tais poderes foram
comunicados ao episcopado.
Avaliação
O mínimo que se pode dizer é que a teologia de Florovsky pode parecer surpreendente a todos
aqueles que estão habituados a falar de renovação da teologia em termos de pré-compreensão
antropocêntrica, existencial e secular, e a considerar como condição preliminar de tal renovação o
abandono das categorias filosóficas clássicas ou "helênicas", como as chama o teólogo de Odessa.
Para esses, a obra de Florovsky só tem valor como pesquisa histórica, provavelmente importante,
talvez até preciosa, mas que não pode ir além da exumação de documentos do passado.
Entretanto, para aqueles que não estão dispostos a admitir que o único modo possível de fazer
teologia seja o de "secularizá-la", "antropologizá-la" ou "existencializá-la", a obra teológica de
Florovsky pode parecer digna de atenção também em termos teoréticos (além de em termos
históricos).
Com efeito, restituindo à teologia a sua estruturação clássica, nosso teólogo não só está em
condições de preservar a inteligibilidade da parte mais preciosa do patrimônio teológico da Igreja,
mas também de garantir uma tal fidelidade de interpretação da Palavra de Deus que não se encontra
em nenhuma das filos modernas (nem no idealismo, nem no existencialismo, nem no personalismo
e muito menos no neopositivismo ou no materialismo). Esses são os dois maiores méritos de sua
síntese neopatrística.
É uma verdadeira pena, porém, que, em virtude de sua instintiva aversão aos sistemas, Florovsky
nunca tenha se preocupado em esclarecer exatamente a natureza e a extensão da base helênica da
teologia patrística. Em que consiste o helenismo dos Padres? De que tipo é ele? Platônico,
aristotélico, estóico, neoplatônico? A que revisões foram submetidas as categorias filosóficas gregas
(por exemplo: natureza, substância, pessoa, essência, hipóstase) antes de serem assumidas pela
teologia cristã? Não colocamos em dúvida a aptidão do pensamento grego para servir de forma ao
cristianismo. Mas quais foram as leis da "informação"? E será que ela sempre teve êxito? Florovsky
respondeu apenas de arranhão e de modo inadequado a essas questões fundamentais.
Entretanto, aquilo que disse já basta para excluir uma interpretação "integrista" da síntese
neopatrística por ele projetada. Insiste muito, pois, na dimensão criadora que a revitalização do
helenismo cristão deve comportar, sob pena de morte; e, para efetuá-la, não propõe reproduzir
literalmente o pensamento dos Padres, mas somente imitar o seu modo de ver. "Aquilo que
Florovsky quer reencontrar e fazer com que a teologia realize hoje é um olhar sobre Deus e o
homem, sobre o mundo e a história, que seja idêntico ao olhar 'cristomórfico' dos Padres dos
séculos IV e V. Na época, ocorreu uma espécie de crise de personalidade da Igreja: naquele
momento histórico em que saía da infância, ela encontrou a estrutura de pensamento e a estrutura de
linguagem que a caracterizarão por toda a vida. Florovsky pensa que, se um espírito quer coincidir
com a indefectível juventude intelectual da Igreja, deve se nutrir com os primeiros frutos
produzidos por sua consciência no momento em que se torna adulta; numa palavra, deve assimilar
esse helenismo cristão que em poucas gerações criou uma linguagem nova e específica da Igreja em
diálogo com o mundo que deve salvar" 46.
Portanto, no parecer de Florovsky, o exemplo dos Padres é normativo: "Nenhuma filo particular foi
canonizada", afirma ele. "A verdade é que os Padres criaram uma nova filo, muito diversa do
platonismo, do aristotelismo ou de qualquer outra. O que torna ridícula qualquer tentativa de
reinterpretar a doutrina tradicional nos termos ou categorias de uma filo nova, qualquer que seja ela
... Aquilo que realmente se exige não é uma linguagem nova ou novas visões gloriosas, mas
unicamente uma melhor vida espiritual que nos torne novamente capazes de discernimento no
âmbito da plenitude da experiência católica" 47.
Além da falta de uma explicitação crítica das relações entre filo grega e teologia cristã, lamenta-se
outras carências no pensamento de Florovsky. Por exemplo, não distingue com suficiente clareza
"tradição", "patrística" e "teologia" , não define adequadamente a função do Magistério na Igreja e
não enfrenta a questão capital do primado do Papa.
Esses aspectos negativos, entretanto, são abundantemente contrabalançados por numerosos aspectos
positivos.
Antes de mais nada, ele soube fundir admiravelmente em suas pesquisas e ensaios o conhecimento
intuitivo e "experimental" do Oriente com uma metodologia tipicamente ocidental. De tal forma
que, como observa Lelouvier, quando o lemos "nos encontramos ao mesmo tempo desambientados
e em nossa própria casa: desambientados porque temos consciência de estarmos adentrando um
universo novo; na própria casa porque o estilo dialético se efetua de um modo que nos é familiar"
48.
Em segundo lugar, soube integrar a eclesiologia na cristologia e ligar diretamente o mistério da
Igreja ao mistério da Encarnação. Florovsky sustenta que a dialética teândrica de Calcedônia é
também a lei necessária de toda eclesiologia, dado que a Igreja não é outra coisa senão um
prolongamento da realidade inseparável, divina e humana, do próprio Cristo. Em sua eclesiologia,
soube evidenciar também outros aspectos importantes que a Igreja Católica proclamou solenemente
no Concílio Vaticano II: os aspectos pneumatológico, " misterioso" e sacramental.
Em honra a Florovsky, citamos por fim um texto em que, contra os grandiosos e presunçosos
programas da teologia contemporânea, ele fixa aquela que considera ser a tarefa primeira do teólogo
do século XX:
"A primeira tarefa para a geração atual de teólogos ortodoxos é restaurar em si mesmos a
capacidade de sacrifício que lhes permita não tanto exprimir as próprias idéias ou as próprias visões,
mas unicamente prestar testemunho da fé imaculada da Mãe Igreja. Cor nostrum sit semper in
Ecclesia!" 49
Ele procurou ater-se a esse ideal em toda a sua vida. E isso explica porque sua produção teológica é
tão fragmentária e limitada.
Notas:
* Capítulo 11 da Obra«Os Grandes Teólogos do Século Vinte» Vol. 2 - Os Teólogos protestantes e
ortodoxos
1. E. LANNE, "La Teologia Russa" em Oriente Cristiano, 1968, n. 1, p. 4.
2. Para as notas biográficas, me vali do que já escreveram G. H. WILLIAMS, "Georges V
assilievich Florovsky: His American Career (1948-1965)" em T he Greek Orthodox Theological
Review, XI, 1965, pp. 7-107, e Y. N. LELOUVIER, Perspectives Russes sur l'Église - un
Théologien Contemporain: Georges Florovsky, Paris, 1968, bem como das experiências pessoais
que pude acumular em 1958, ano em que freqüentei um curso ministrado por Florovsky na
Universidade de Harvard sobre a noção de participação no período neo-patrístico.
3. Iskhod k Vostoku, , 1921, I, pp. 28-39.
4. Puti Russkovo Bogoslovija, YMCA Press, Paris, 1937.
5. Cf. o artigo "On the Prospective Council of the Roman Church" em Vestnik Russkovo
Studentchskovo Kristianskovo Dvijenija, 1959, pp. 33-36.
6. WILLIAMS, o.c., p. 107.
7. Cf. FLOROVSKY, "Patristics and Modern Theology" em Proces-verbaux du ler Congres de
Theologie Orthodoxe à Athenes, Atenas, 1939, pp. 238-242; "Cristianity and Civilization" em SI.
Vladimir's Seminary Quarterly, 1952, pp. 13-20; "The Cristian Hellenism" em The Orthodox
Observer, 1957, pp. 9-10.
8. lbid., p. 242.
9. Cf. "Le Astuzie della Ragione" em Dukhovna Kultura, , 1921, pp. 85-96, em búlgaro.
10. Cf. "Ein Unveroffentlichter Aufsatz von Vladimir Soloviev" em Zeitschrift für Slavische
Philologie, 1965, pp. 16-26; 90-100.
11. FLOROVSKY, "Patristics and Modern Theology", p. 239.
12. "As the Truth is in Jesus, Ephesians 4,21" em The Christian Century, 1951, p. 1458.
13. "On the Tree of the Cross" em St. Vladimir's Seminary Quarterly, 1 (1953), n. 3-4, p. 17.
14. "The Ressurrection of Life" em Bulletin 01 lhe Harvard Univ. Divinity School, 49. (1952), n. 8,
p. 17.
15. "On the Tree of the Cross", p. 13.
16. "The Ressurrection of Life", p. 16; "On the Tree of the Cross, p. 13.
17. "The Ressurrection of Life", p. 16.
18. Ibid.
19. Ibid.
20. Ibid.
21. Ibid.
22. Ibid., p. 19.
23. Ibid., p. 20.
24. "Les Corps du Christ Vivant, une Interprétation Orthodoxe de l'Église" em La Sainte Église
Universelle, Paris, 1948, p. 1.5.
25. Ibid., p. 20.
26. Ibid., p. 21.
27 Ibid., p. 22.
28 Ibid., p. 16.
29 "L'Église: sa Nature et sa Tâche" em L'Eglise Universelle et le Dessein de Dieu. Rapport
Préparatoire de l'Assemblée d'Amsterdam: 1948, Paris, 1949, p. 64.
30 "Le Corps du Christ Vivant..." já citado, p. 17.
31 Ibid., pp. 18-19.
32 Ibid., p. 24.
33 Ibid., p. 19.
34 Ibid., p. 26.
35 Ibid., p. 27.
36 Ibid., p. 29.
37 Ibid., pp. 39.40.
38 Ibid., p. 15.
39 Ibid., p. 36.
40 Ibid., p. 36.
41 Ibid., p. 37.
42 "Les Limites de I'Église" em Messager de l'Exarchat, 1961, n. 37, p. JU.
43 "Confessional Loyalry in the Ecumenical Movement" em The Student World, v. 43 1.1950,). D.
20.4.
44 "Le Corps du Christ Vivant..." já citado, p. 39.
45 Ibid., p. 38.
46 LELOUVIER, O.c., p. 162.
47 FWROVSKY, "Patristics and Modern Theology", p. 241.
48 LELOUVIER, O.c., p. 35.
49 FLOROVSKY, "Patristics and Modern Theology", p. 241.
Nota bibliográfica:
Há dois ótimos estudos sobre o pensamento de Florovsky: G. WILLIAMS, " Georges Vassilievich
Florovsky: His American Career" em The Greek Orthodox Theological Review, XI, 1965, pp. 7-
107; Y. N. LELOUVIER, Perspectives Russes sur I'Église - un Théologien Contemporain: Georges
Florovsky, Centurion, Paris, 1968. O primeiro é um estudo de caráter geral; o segundo é dedicado
ao problema eclesiológico.
Esaú, Jacó, a primogenitura e a Teologia Contemporânea
A saga dos dois irmãos gêmeos que entraram em litígio por causa da bênção de seu pai pelo direito
de ser o filho primogênito é uma das histórias mais conhecidas da Bíblia. Até mesmo Machado de
Assis se inspirou nela para escrever um de seus mais célebres romances. E isto se deve, certamente,
porque ela revela muito sobre o espírito humano. E não somente em termos individuais, mas
coletivos. Destarte, os mesmos princípios também podem ser aplicados na análise das correntes
ideológicas e teológicas presentes na Filosofia Moderna e na Teologia Contemporânea. E, também
aqui, encontraremos Esaú e Jacó digladiando-se na briga pela primogenitura…
A Teologia Contemporânea nasce de uma crise: a crise do modernismo logo após a Primeira Guerra
Mundial. O modernismo marcou profundamente todos os campos do saber humano, inclusive a
teologia. A escalada da ciência, o desenvolvimento da crítica histórica e a divinização da razão,
características do espírito modernista, adentraram à teologia via dois movimentos: o iluminismo
alemão e o empirismo inglês. O primeiro, deu à luz ao Liberalismo Teológico; o segundo, está na
base do Fundamentalismo Teológico. Ambos os movimentos, portanto, nada mais são que irmãos
gêmeos sob a paternidade do modernismo!
O Liberalismo Teológico foi um movimento localizado no tempo e no espaço: séculos XVIII e
XIX, na Europa. A principal alegação dos liberais era que a Revelação Divina não dependia de
Cristo ou da Bíblia, mas eles admitiam outros meios de Revelação, chegando até a colocá-la como
supérflua ao defender que o homem poderia chegar a Deus pelas vias da razão. Hoje, entretanto, no
século XXI, o Liberalismo Teológico não existe mais… Ele foi devidamente rechaçado no início do
século XX por um grupo de teólogos, capitaneados por Karl Barth, que influenciaram toda a
produção teológica posterior e sepultaram o liberalismo. Sendo assim, ainda que possam até brotar
aqui e ali um ou outro autor que defenda pressupostos similares aos do liberalismo, como
movimento teológico ele não existe mais. Faz parte apenas da história da teologia.
Todavia, o Liberalismo ainda teve tempo de conhecer o seu irmão gêmeo. O Fundamentalismo
Teológico foi uma reação nascida no Seminário de Princeton, entre alguns professores de origem
presbiteriana, preocupados com os “perigos” do liberalismo teológico, da crítica bíblica, do
socialismo e da ciência empírica que estavam adentrando em sua denominação. Mais tarde, os
batistas e outros grupos evangélicos aderiram ao movimento. Os dois documentos fundamentais do
movimento são os livros The Fundamentals, publicado em 1917, editado por Lyman e Milton
Stwart, que define os cinco pilares básicos do fundamentalismo: 1) A inerrância das Escrituras, 2) A
divindade de Jesus, 3) O nascimento virginal, 4) A morte vicária de Cristo, 5) A ressurreição física
e a volta de Jesus; e “Christianity and Liberalism”, de J. Gresham Machen, de 1923, que é um grito
contra o que ele entendia ser apostasia dentro da Igreja Presbiteriana nos EUA, grito este que levou
ao cisma e à criação da Orthodox Presbyterian Church poucos anos depois.
Diferentemente do Liberalismo, o Fundamentalismo foi sendo reavivado de tempos em tempos até
hoje por diversos grupos religiosos, liderados por gente como Cornelius Van Til e Francis
Schaeffer, entre outros pensadores que admiravam o movimento e o tentavam reproduzir em suas
épocas. Por influência de alguns desses pensadores, o Fundamentalismo Teológico nos EUA foi
tomando conotações políticas, dando origem à chamada direita religiosa que deu sustentação
“mitológica” à Guerra Fria nos anos 60/70 e, no passado recente, dava sustentação político-
ideológica ao governo de George W. Bush. Dos EUA, ele também migrou para outras regiões sobre
sua influência, como o Brasil.
O Fundamentalismo Teológico é um movimento historicamente condicionado. Ele é uma reação a
um determinado tipo de pensamento e em uma determinada época. Por isso, suas afirmações são
condicionadas como oposição ao tipo de pensamento que eles desejavam combater, mormente, o
liberalismo teológico. Com a derrota do liberalismo a partir do trabalho dos teólogos dialéticos (ou
neo-ortodoxos) europeus, estas definições do fundamentalismo perderam o seu sentido, ficaram
esvaziadas. Além disso, em muitas delas, há também o erro da assimilação dos paradigmas de
pensamento do modernismo.
A questão da inerrância das Escrituras é o melhor exemplo. Para se contrapor às afirmações da alta
crítica bíblica de que a Bíblia contém erros históricos/geográficos e contradições, o
Fundamentalismo advogou que ela era inerrante. O problema é que tipo de inerrância se tem em
mente. Para o fundamentalista, pelo seu condicionamento histórico e epistemológico, ser inerrante é
passar pelo crivo da razão e da ciência. No entanto, para os Reformadores, especialmente para
Calvino, a Bíblia é Palavra de Deus em palavra de homem. Por isso, ela é infalível no que se refere
à auto-revelação de Deus, mas sujeita a equívocos e imprecisões no que se refere à participação
humana. Aqui, Calvino usa o conceito de attemperatio (acomodação, adaptação) para falar dessa
interação entre a revelação divina e a linguagem humana: “Deus adapta-se a nosso modo comum de
falar por causa de nossa ignorância e, às vezes, por assim dizer, até gagueja” (Calvin’s New
Testament Commentaries, vol. 5, p. 226). A inerrância das Escrituras, portanto, se refere ao seu
conteúdo divino e seu sentido teológico, mas não à sua linguagem.
Outro exemplo importante e relacionado ao anterior é quanto à historicidade da Ressurreição. O
conceito de “historicidade” mudou completamente a partir o Iluminismo. Após Lessing, Kant,
Hegel e outros pensadores do período, aquilo que advoga para si a categoria de “fato histórico”
deve ser empiricamente observável, ou seja, deve ser, de alguma forma, possível de se provar
objetivamente. O que é diametralmente oposto à atitude que no cristianismo é biblicamente
chamada de Fé: a “certeza da esperança” e a “convicção do invisível” (cf. Hb 11.1). A Igreja
sempre confessou que Jesus é real e que por sua vida, morte e ressurreição os cristãos recebem a
plena revelação de Deus. Porém, estas coisas não são possíveis de ser provadas cientificamente e
nem devem ser, uma vez que precisam ser recebidas por fé. Este foi o erro do Liberalismo
Teológico e é o mesmo erro reproduzido pelo Fundamentalismo, a saber: a assimilação do
paradigma ideológico da modernidade acerca dos “fatos históricos” tentando aplicá-los à Bíblia. Os
dois movimentos “amaram o presente século” (cf. 2Tm 4.10). Por isso, ambos se corromperam em
deturpações do verdadeiro Evangelho!
Liberalismo e Fundamentalismo são, portanto, como irmãos gêmeos que brigaram pela
primogenitura, mas exatamente porque os dois têm os mesmos interesses. São Esaú e Jacó na
Teologia Contemporânea! Nenhum dos dois sabe ler a Bíblia. Os dois a lêem com as mesmas lentes
modernistas, as quais filtram tudo pelo historicismo e o cientificismo. Os liberais com intuito
colocar a Bíblia sob o crivo da razão crítica, o segundo com o desejo de dar validade e credibilidade
ao relato bíblico através da comprovação histórica e científica dos fatos. Ambos se apegam à fria
letra para terem segurança de alguma coisa nas Sagradas Escrituras. Isso é estar preso ao
modernismo!
Ao contrário, os cristãos históricos, mormente os de tradição reformada, fazem coro com o
reformador João Calvino que aos que exigiam “provas racionais” de que Moisés e os profetas eram
inspirados, “respondo, não obstante, que o testemunho do Espírito é superior a toda razão. Ora,
assim como só Deus é idônea testemunha de Si [Mesmo] em Sua Palavra, também assim a Palavra
não logrará fé nos corações humanos antes que seja [neles] selada pelo testemunho interior do
Espírito. Portanto, é necessário que penetre em nosso coração o mesmo Espírito que falou pela
boca dos profetas, para que [nos] persuada de que [eles] hão proclamado fielmente o que lhes fora
divinamente ordenado” (Institutas I, III, 4).
Por isso, estamos plenamente de acordo com o princípio reformado de que a capacidade de
reconhecer a Bíblia como Palavra de Deus não provém de estudos históricos ou arqueológicos, mas
pela ação do Espírito que outorga a fé, conforme define o mestre genebrino: “procedem
insipientemente, porém, aqueles que desejam que se prove aos infiéis que a Escritura é Palavra de
Deus, pois que, a não ser pela fé, [isso] se não pode conhecer” (Institutas I, VIII, 13).
Mas, afinal, de quem é a primogenitura?
Não nos importa! O que nos importa é que nós, cristãos reformados, não fazemos parte desta
família. É necessário, então, que o labor teológico contemporâneo ultrapasse definitivamente esta
questão, buscando na identidade histórica do cristianismo e não no espírito modernista e secular
(seja de viés liberal ou fundamentalista) as bases e paradigmas de sua reflexão.
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA - UM ENSAIO
Não pretende-se, à exaustão, escrever uma história da Teologia Contemporânea. Mas, apresentar
brevemente um panorama histórico dos antecedentes da Teologia do Século XX, com perspectivas à
Teologia atual. Assim, tem-se por objetivo compreender alguns fatores dos antecedentes históricos–
filosóficos que deram origens ao que chamamos de Teologias Contemporâneas.
Lutero, Zuínglio e Calvino
Por Teologia Contemporânea quer-se dizer da Teologia ou Teologias surgidas no início do século
XX, precisamente em 1919, na Suíça, com Karl Barth e sua obra Der Römerbrief [Cartas aos
Romanos – 1919](CONN, p. 4). Mas há um curso até chegar o motivo da publicação de Barth;
deve-se compreender isto para poder se entender a Teologia do Século XX, ou seja, as Teologias
que temos hoje são frutos colhidos de sementes plantadas antes de 1919. Possuem suas bases
fundamentadas em Imannuel Kant, Hegel, Sorem Kickgaard, Friedrich Schleiermacher, Martin
Heidegger, Friedrich Nietzche, Karl Marx e outros. É isto que buscaremos apresentar nesta primeira
parte.
Da Reforma Religiosa do Século XVI até o período conhecido como Iluminismo abrange trezentos
anos. Os Séculos XVI, XVII e XVIII foram o berço do pensamento moderno(BROWN, 1999, p.
31). Os Reformados (Lutero, Calvino e Zunglío) representam a fina flor do pensamento teológico
sistematizado. Isto faz com que as obras dos Reformadores sejam tidas primeiramente como fontes
para o estudo da fé cristã(MONDIN, 1980, p. 5, 6). Horden faz uma crítica ao fato dos Protestantes
de hoje não conhecerem seus fundamentos. Diz ele: “Uma das fraquezas do Protestantismo nos dias
atuais reside no fato de que é limitado o número de crentes que se inteira do conteúdo do que crê e
das razoes por que crê. Trata-se de erro no qual os comunistas, por exemplo, geralmente não
incidem. O Partido Comunista se emprenha tremendamente em adestrar os que se lhe tornam
filiados. Nenhuma religião admitida parcialmente poderá subsistir diante da disciplina agressiva do
Comunismo”(1979, p. 15).
A redescoberta de Deus na Reforma foi uma virada teológica, pois Deus deixa de ser objeto de
especulação e do Credo e passa a ser visto com Aquele com que os homens podem se relacionar,
que entrou na vida humana e fala através das Escrituras(BROWN, 1999, p. 31). Tal descoberta
incentivou mais o interesse no mundo em geral como já havia iniciado na Renascença(XIV). O
mundo passou a ser visto como Criação de Deus a qual deveria ser explorado, rejeitando, assim, a
teologia natural. “Para muitos, isto significava que podiam parar de olhar para a natureza em busca
de provas de uma realidade além dela; podiam estudá-la e apreciá-la por amor a si mesma como
criação de Deus”(idem, p. 32).
O resultado desta nova investigação gerou novas perguntas filosóficas, principalmente aquelas
voltadas para explicações naturais do universo criado. Cada vez mais os filósofos que surgiam
tendiam ou ao Deísmo ou ao Ateísmo. Com um Universo tão natural “as pessoas vieram a pensar
que a ciência poderia explicar tudo em termos de causas naturais”(idem, p. 32). Cada vez mais o
Deus descoberto pelos Reformadores passava à margem do pensamento filosófico, sendo
empurrado para fora, pois o homem estava cada vez mais racional.
Lutero havia rompido com a Teologia Escolástica da Idade Média, chegando a proferir sermões
contra a Razão. Não a Razão per si, a quem Lutero chamava de “Prostituta do Diabo”. A crítica de
Lutero era quanto ao fato de se depender totalmente de Aristóteles (filosofia aristotélica) para
compreensão das Escrituras. Para ele “tudo devia ser examinado à luz da Palavra de Deus na
Escritura (...) a filosofia fez com que a Bíblia fosse irrelevante, e a razão tomou para si o lugar da
revelação”(idem, p. 33, 35). Lutero considerava que a Razão era útil para julgar e discernir os
assuntos da sociedade e do governo, não podendo ultrapassar o nível “mundano”(GEORGE, 1993,
p. 60). A Razão, para servir à fé precisava ser iluminada pelo Espírito Santo, ou seja, a mente devia
ser cativa à Palavra de Deus: “A menos que eu seja condenado pelas Escrituras e pela razão
simples, não posso e não irei me retratar”. Note, portanto, que Lutero critica a Razão autônoma, a
que tira a primazia da Revelação. Assim conclui Brown: “A razão tinha seu legítimo lugar na
ciência e nas questões de todos os dias. Tinha sua função verdadeira em entender e avaliar aquilo
que era colocada diante dela. Mas não era o único critério da verdade”(idem, p. 35). Desta forma
podia dizer Lutero: “É perigoso desejar investigar e aprender a pura divindade pela razão humana
sem Cristo o mediador, conforme têm feito os sofistas e os monges, além de ensinarem os outros a
fazer assim... A nós foi dado o Verbo encarnado, que foi colocado na manjedoura e pendurado no
Madeiro. Este Verbo é a Sabedoria e o Filho do Pai, e Ele nos declarou qual é a vontade do Pai para
conosco. Aquele que deixa este Filho, para seguir seus próprios pensamentos e especulações, é
esmagado pela majestade de Deus”(idem, p. 35).
Zuínglio também teve um passado ligado ao Humanismo Erasmiano. Os seu desenvolvimento
intelectual treinado nas disciplinas humanistas o fazia aberto à filosofia e à razão(GEORGE, 1993,
p. 112, 113). Mesmo assim, desejava ser guiado pelas Escrituras: “dirigido pela Palavra e pelo
Espírito de Deus, vi a necessidade de deixar de lado todos esses [ensinamentos humanos] e aprender
a doutrina de Deus diretamente de sua própria Palavra”. Sua formação nas Humanidades e
inclinação ao racionalismo foi vista como um precursor da Teologia Liberal, mas é certo que não é
assim, pois, fundamentava sua Teologia não apenas sobre o sola scriptura, mas também sobre o
tota scriptura. A Escolásticas Tomista, fundamentada no Aristotelismo, também teve influência
sobre Zuínglio. A Razão era tão forte em Zuíngliu que o mesmo aceitou a possibilidade de Pagãos
serem eleitos e não pertencerem à Igreja Visível. Isto foi a conseqüência lógica de sua exposição da
doutrina da eleição(idem, p. 124, 125). O único caminho de salvação estava em Cristo e “dependia
da livre decisão de Deus para escolher quem ele deseja”. O mesmo pode ser dito de seu colóquio
em torno da Ceia do Senhor, que, segundo Zuínglio, era apenas um memorial, discordando tanto de
Roma como de Lutero. O certo é, a despeito disso, ver em Zuínglio um Reformador temente a Deus
e que, à semelhança de Lutero, procurava ter sua mente cativa à Palavra de Deus.
Calvino, o Grande Reformador, teve uma abordagem mais sistemática na Teologia e no papel da
Filosofia. Segundo Calvino, não obstante as provas escolásticas da existência de Deus, o homem
possui a plena consciência de Deus. O subtítulo de um dos capítulos das Institutas (Livro I) é “A
Mente Humana é naturalmente imbuída com o Conhecimento de Deus”. Mas a revelação de Deus,
que o mostra como Criador e Redentor em Cristo, só é encontrada nas Escrituras. Em seus estudos
no Collège de Montaigu, Calvino ocupou-se, antes de sua conversão, com os estudos humanistas.
Timothy George diz que nesta escola, enquanto os amigos de Calvino se divertiam, ele “ocupava-se
das minúcias da lógica nominalista ou das quaestiones da teologia escolástica”(idem, p. 170).
Mesmo assim, Calvino repudiou o método escolástico de se fazer teologia(idem, p. 170)
comparando-a a “um tipo de magia esotérica”. Nota-se, que semelhante a Lutero, que Calvino,
mesmo sendo influenciado pelo Humanismo, busca formular a sua Teologia a partir das Escrituras.
Não era a Filosofia o fundamento, mas a Teologia Bíblica[1]. Devia-se “Crer a fim de
Entender”(credo ut intellego - Anselmo). Deus e Sua Palavra não eram questão apenas de
demonstração lógica, mas de vivê-los.
Escolástica protestante: Aristotelismo
Melanchthon buscou corrigir a má impressão que havia na Filosofia Aristotélica admitindo que o
erro estava nos editores e comentaristas. O Aristotelismo era indispensável para a Teologia tanto na
metodologia como no conteúdo, segundo Melanchthon (MONDIN, 1980, p. 6). A Escolástica
Protestante se deu no século XVII onde os teólogos protestantes sistematizam suas doutrinas e
buscam defender a fé dos ataques dos teólogos romanos. “O impulso original se enfraquece ao se
propagar; a paixão viva se petrifica em códigos e credos; a revelação torna-se lugar comum. E
assim a religião que começou em visão termina em ortodoxia”(MACKINTOSH, 1964, p. 19). A
atitude desta época é o rigor teológico e os amplos sistemas dogmáticos (idem, p. 19). As Escrituras
passam a ser “texto-prova”(dicta probantia) das Doutrinas; passa-se a reconhecer “a aptidão da
razão a conhecer Deus e receber a Revelação”(MONDIN, 1980, p. 7). A proposta é não deixar
qualquer tema sem uma abordagem intelectual fundamentada na Teologia Natural.
Racionalismo (Filosofia), Iluminismo (Aufklärung)[2]
Dentro do Século XVIII surgiram movimentos que influenciaram o Século XX, tanto na Teologia
como na Filosofia. Esses movimentos foram o Racionalismo, o Iluminismo e o Pietismo. O
Racionalismo se relaciona com o Iluminismo, e deixou marcas profundas na Religião, na Filosofia e
na Ciência(MACKINTOSH, 1964, p. 23).
O Racionalismo foi o movimento que surgiu já no Século XVII e que deu impulso e fundamentos
para o Iluminismo(XVIII). Tinha como fundamento o fato de que a Razão era apta para julgar todas
as coisas, visto que no universo havia racionalidade, isto é, uma mente racional(BROWN, 1999, p.
37). Isto já mostra que os primeiros Racionalistas do século XVII não eram tão ateus. Defendiam “o
emprego certo da razão” para se examinar o mundo criado por Deus. Diz Colin Brown que eles
“não eram homens sem religião”(1999, p. 38). William Horden confirma tal proposição ao
apresentar a proposta de John Locke de não haver tolerância com os Ateus por estes se constituírem
ameaças à estrutura da civilização ocidental(1979, p. 45). Havia espaço, pouco ou muito, para Deus
em seus pensamentos, mas este espaço era apenas uma forma de aguçar a curiosidade deles pela
“estrutura racional do universo”.
René Descartes (1596 - 1650), considerado “o pioneiro do Racionalismo”, defendia o uso da razão
apenas na ciência e na metafísica, crendo que assuntos como a política e a religião não estivessem
ao alcance da razão. Seu método de investigação através da dúvida deu origem ao “racionalismo
cartesiano”. O princípio de Descartes era “nunca aceitar qualquer coisa como verdadeira a não ser
que a conhecesse claramente com tal”. Sua principal obra foi Discurso do Método(1637). Seu
método da dúvida o levou a questionar mesmo a existência do mundo, concedendo a possibilidade
de que tudo na sua mente fossem apenas sonhos e ilusões. Para sua resposta ele lançou mão de três
teses:
1) Poderia duvidar de tudo, menos de que estivesse duvidando. Isto o leva ao seu famoso cogito
ergo sum(Penso, logo existo!);
2) Deus também existe. Isto Descartes o fez através dos argumentos causal e ontológico. Se a idéia
do finito subentende a existência de um ser infinito, a idéia do ser Perfeito subentendia a existência
Dele.
3) A realidade existe. Assim, Descartes entendia que, se Deus existe e é Perfeito ele não nos
enganaria colocando idéias falsas em nossas mentes. O que se percebe em Descarte é um
estabelecimento da consciência individual como o juízo final da verdade. Isto o contrasta com
Lutero, cuja Razão estava cativa à Palavra de Deus.
Deve-se entender que o Racionalismo lançou a base para o Iluminismo. O Racionalismo Escolástico
deu impulso ao Racionalismo Iluminista à medida que aquele colocava mais e mais a Razão como
apta a julgar todas as coisas. Enquanto o primeiro preservou a autoridade da Revelação
bíblica(MONDIN, 1980, p. 7) este submeteu a Revelação Bíblica também à Razão. Enquanto, por
exemplo, o filósofo protestante Gottfried Wilhelm Leibniz (1646 – 1716) procurava estabelecer
uma harmonização sistemática entre a fé e a razão, outros como em Baruch Spinoza (1633 – 77),
‘livre – pensador’, o Racionalismo obteve sua expressão exponencial sistematizada, sendo ele um
“pioneiro na crítica bíblica”(BROWN, 1999, p. 40).
David Hume (1711 – 76) também levou ao extremo o pressuposto Racionalista, empregando “a
razão até aos limites para demonstrar as limitações da razão”(idem, p. 48) . Publicou um livro que
criticava a idéia de Milagres, dizendo ser impossível acontecer algum, pois, contradiziam as leis da
natureza. Seu ataque à Religião veio através de sua The Natural History of Religion discursando
sobre a “origem evolucionária da religião”. Para ele, os atributos dos deuses e deusas do passado
foram unidos para formar uma só divindade. Deus foi ficando cada vez mais à margem dos
discursos. O Racionalismo deu origem aos Deístas que acreditavam que Deus apenas tratava este
mundo como um proprietário. Ora, se tudo era possível explicar através da Razão, por meio das
Causas Naturais, implicava que Deus não mais interferia neste Mundo. Então pergunta-se: Para que
Deus e para que a Religião? Eis o ápice do Racionalismo, o Iluminismo.
O Iluminismo foi “um movimento intelectual durante o século dezoito que elevou a Razão humana
próxima do status divino e atribuiu a esta a capacidade de discernir verdades de todos os tipos sem
apelar para a Revelação divina sobrenatural”(SAWYER, 1998, p. 2). Os alemães a chamam de
Aufklärung e este período é conhecido como “A Época das Luzes” pelo fato de sair do
obscurantismo da Idade Média tendo sua “linha filosófica caracterizada pelo empenho em estender
a razão como crítica e guia a todos os campos da experiência humana” (ABBAGNANO, 1998, p.
535). Na realidade, o Iluminismo foi “as Luzes que trouxeram as trevas”(SOUZA, 2002, p. 4), pois
saiu-se do Obscurantismo Religiosos e entrou no Obscurantismo Científico. O Iluminismo
compreende três aspectos diferentes e conexões(ABBAGNANO, 1998, p 535):
1) Estender-se a criticar toda forma de crença e conhecimento, sem exceção;
2) Organizar instrumentos para a correção do conhecimento; e
3) O usar permanentemente estes princípios a todos os campos do conhecimento, objetivando o
melhoramento da vida privada e social dos homens.
James Sawyer faz os seguintes comentários sobre o Iluminismo: “O Iluminismo deu origem a muito
do que ainda vemos hoje como parte da mente moderna. Estes aspectos incluem:
1) O inicio da história cientifica;
2) Cada verdade deve justificar a si mesma no tribunal da razão;
3) A natureza é a fonte principal de resposta para a questão fundamental da existência humana;
4) A liberdade[NT - de pensamento] é indispensável para o avanço do progresso e o bem- estar
social do homem;
5) Os criticismos literário e histórico são indispensáveis para determinar a legitimidade de nossa
herança histórica;
6) A necessidade pela filosofia crítica;
7) A Ética como separada e independente da autoridade da religião e da Teologia;
8) Dúvida e hostilidade a toda verdade que reivindique pretexto, em qualquer assunto, de
autoridade, exceto a razão, e.g. tradição ou revelação divina;
9) Elevar o valor da ciência como o principal meio pela qual o homem pode encontrar a verdade;
10) Tolerância com os principais valores em matéria de religião”(1998, p. 2).
Com estas proposições o homem viu a possibilidade de, por si só e por sua razão, encontrar a
verdade. Não é por acaso que o Iluminismo tem sido nomeado de Paganismo Moderno (idem, p. 2).
CRISTIANISMO ORTODOXO
Por ortodoxo, entende-se o bojo essencial do cristianismo histórico. Essa visão ortodoxa das
Escrituras foi preservada ao longo dos anos, embora em alguns períodos da história não faltassem
grupos para elaborar uma teologia diferente, apresentando novos e estranhos pressupostos sob os
quais a Bíblia deveria ser interpretada.
Algumas das características do cristianismo ortodoxo se baseiam nos seguintes pontos:
• Manter fidelidade incondicional à Bíblia, que é inerrante, infalível e verbalmente inspirada;
• Acreditar que o que a Bíblia diz é verdade (verdade absoluta, ou seja, verdade sempre, em todo
lugar e momento);
• Julgar todas as coisas pela Bíblia e ser julgado unicamente por ela;
• Afirmar as verdades fundamentais da fé cristã histórica: a doutrina da Trindade, a encarnação, o
nascimento virginal, o sacrifício expiatório, a ressurreição física, a ascensão ao céu, a segunda vinda
do Senhor Jesus Cristo, o novo nascimento mediante a regeneração do Espírito Santo, a ressurreição
dos santos para a vida eterna, a ressurreição dos ímpios para o juízo final e a morte eterna e a
comunhão dos santos, que são o Corpo de Cristo.
• Ser fiel à fé e procurar anunciá-la a toda criatura;
• Denunciar e se separar de toda negativa eclesiástica dessa fé, de todo compromisso com o erro e
de todo tipo de apostasia;
• Batalhar firmemente pela fé que foi concedida aos santos.
Assim, o cristianismo apresenta-se como religião revelada. Há pouca necessidade de especulações
e elucubrações metafísicas, pois ele (o cristianismo) já parte do pressuposto de que Deus se revelou
em sua Palavra, e na plenitude dos tempos nos falou por meio do seu filho Jesus, que andou entre
nós pregando e fazendo milagres, sendo crucificado no tempo em que Pôncio Pilatos era
governador da Judéia. Os apóstolos, encarregados por ele de pregar a sua mensagem ao mundo,
escreveram sua biografia e eventos relacionados ao cristianismo. Esses registros documentais
começaram a surgir após um breve hiato, não maior que trinta anos. É interessante notar que quando
os primeiros relatos começaram a circular, muitas das testemunhas oculares dos fatos por eles
narrados ainda estavam vivas. Ora, caso a narrativa apresentada por eles fosse considerada
fantasiosa ou mítica, não faltariam pessoas para desmascará-los. No entanto, nos dias apostólicos
não houve alguém que pudesse por em dúvida a historicidade de Jesus. Nem mesmo o Talmude, em
todo o seu zelo judaico, nega que Jesus de Nazaré tenha feito milagres.
Ainda segundo a narrativa bíblica, esse Jesus nasceu de uma virgem, exatamente como vaticinara
o profeta Isaías cerca de setecentos anos antes do seu nascimento. Ele era da descendência de Davi,
e ressuscitou ao terceiro dia, havendo aparecido aos seus apóstolos e a uma multidão de mais de
quinhentas pessoas (1Coríntios 15.6). Sua morte não foi um evento fortuito, contingente – ela foi
providencial. Através do seu sacrifício, todos nós podemos chegar perto de Deus e, confessando as
nossas iniqüidades, receber o Seu imerecido perdão.
As ideias que ajudaram a modelar o pensamento teológico do século vinte
Teologia é um vocábulo que encontra sua origem na junção de duas palavras gregas: “Theos”, que
significa Deus, e “logos”, que significa discurso ou razão. Logo, a teologia é o estudo de Deus e de
sua relação com o universo. Ela é também o estudo das doutrinas religiosas e das questões de
divindade. Toda dissertação ou raciocínio sobre Deus, constitui uma teologia.
O estudo de Deus é da máxima importância. Como disse o reformador João Calvino: “Quase toda
sabedoria que possuímos, ou seja, a sabedoria verdadeira e sadia, consiste em duas partes: o
conhecimento de Deus e de nós mesmos”.
O homem é irremediavelmente um animal religioso. Desde a antiguidade, Deus tem sido a principal
preocupação do escrutínio humano. Sócrates, Platão, Aristóteles e todos os pensadores gregos
importantes formularam teorias teológicas especulativas sobre Deus. A existência de Deus para
esses homens era algo totalmente racional e necessário.
Diferentemente da teodiceia Socrática, Platônica ou Aristotélica, o cristianismo apresenta-se como
religião revelada. Há pouca necessidade de especulações e elucubrações metafísicas, pois ele já
parte do pressuposto de que Deus se revelou em sua Palavra, e na plenitude dos tempos nos falou
por meio do seu filho Jesus, que andou entre nós pregando e fazendo milagres, sendo crucificado no
tempo em que Pôncio Pilatos era governador da Judéia. Os apóstolos, encarregados por ele de
pregar a sua mensagem ao mundo, escreveram sua biografia e eventos relacionados ao cristianismo.
Esses registros documentais começaram a surgir após um breve hiato, não maior que trinta anos. É
interessante notar que quando os primeiros relatos começaram a circular, muitas das testemunhas
oculares dos fatos por eles narrados ainda estavam vivas. Ora, caso a narrativa apresentada por eles
fosse considerada fantasiosa ou mítica, não faltariam pessoas para desmascará-los. No entanto, nos
dias apostólicos não houve alguém que pudesse por em dúvida a historicidade de Jesus. Nem
mesmo o Talmude, em todo o seu zelo judaico, nega que Jesus de Nazaré tenha feito milagres.
Ainda segundo a narrativa bíblica, esse Jesus nasceu de uma virgem, exatamente como vaticinara o
profeta Isaías cerca de setecentos anos antes do seu nascimento. Ele era da descendência de Davi, e
ressuscitou ao terceiro dia, havendo aparecido aos seus apóstolos e a uma multidão de mais de
quinhentas pessoas (1Coríntios 15.6). Sua morte não foi um evento fortuito, contingente – ela foi
providencial. Através do seu sacrifício, todos nós podemos chegar perto de Deus e, confessando as
nossas iniquidades, receber o seu imerecido perdão.
Os dois últimos parágrafos são um resumo do cristianismo bíblico e ortodoxo. Por ortodoxo,
entende-se o bojo essencial do cristianismo histórico. Essa visão ortodoxa das Escrituras foi
preservada ao longo dos anos, embora em alguns períodos da história não faltassem grupos para
elaborar uma teologia diferente, apresentando novos e estranhos pressupostos sob os quais a Bíblia
deveria ser interpretada.
As primeiras controvérsias surgiram quando o cristianismo ainda era uma religião recente: Primeiro
os judaizantes, depois os docetistas, no século segundo foram os gnósticos, no século terceiro, Ário,
e nos séculos seguintes também não faltaram homens controversos cujo exacerbado intento era
comprometer a ortodoxia. O auge da controvérsia ocorreu na idade média e no início da era
moderna quando o romanismo, em seu afã de arrecadar fundos para a construção da basílica de São
Pedro, espoliou o povo europeu sob promessa de livrar as pobres almas do purgatório, e isso sem
falar na comercialização de ícones, tais como espinhos da coroa de Cristo, pedaços da cruz na qual
ele morreu, crânios (isso mesmo, plural – crânios) de João Batista, e tantas outras invencionices
humanas que o “infalível” Papa e a “Santa” Igreja Católica homologavam sem nenhuma inibição.
Tal era o abandono da Bíblia.
Caso a situação continuasse assim, seria realmente o fim da ortodoxia. Porém, nesse mesmo tempo
houveram homens impulsionados pelo zelo ardoroso da verdade, que assumiram a tarefa de lutar
pela manutenção da ortodoxia. Foi então que surgiram nomes como Martinho Lutero, João Calvino,
Felipe Melanchton e Zuínglio, que não temendo a fúria de Roma, expuseram os abusos do clero
católico e iniciaram o movimento que hoje conhecemos como a Reforma. Sua alcunha era Sola
Fide, Sola Gratia, Sola Scriptura e Soli Deo Gloria. Desde então o movimento protestante, oriundo
da Reforma religiosa, tem sido o principal preservador da ortodoxia.
Desde a época da Reforma, o mundo passou por uma série de transformações, e porque não dizer,
pelas maiores transformações de toda a nossa história. Das caravela ao ônibus espacial, da bússola
ao GPS, o mundo sentiu o impacto da tecnologia e essa mudança teve grande influência no
pensamento ocidental. O Renascimento no século dezesseis, o Racionalismo do século dezoito, o
Romantismo do século dezenove e todas as mudanças pela qual o mundo passou tiveram seu
impacto sobre a teologia. O Renascimento trouxe de volta a ortodoxia, o Racionalismo, por sua vez,
introduziu a crítica, a teologia liberal e o deísmo, e o Romantismo foi o portão de acesso para o
existencialismo cristão, ou neo-ortodoxia.
Todo pensador está de certo modo envolvido com as idéias do seu tempo. Esse é um axioma antigo,
porém válido. O contexto sócio-cultural, os conceitos filosóficos, o progresso tecnológico, a
economia e os conflitos mundiais interferem indubitavelmente na maneira de pensar, e desde a
Reforma até os nossos dias, não faltaram mudanças. Isso ocorreu de tal maneira e em tão grande
quantidade que, se fossemos enumerá-las uma a uma, milhares de páginas seriam escritas, e isso
não é nenhuma hipérbole.
Embora não seja possível listar de forma exaustiva os pensadores que exerceram influência no
cenário teológico contemporâneo, faz-se necessário mencionar ao menos três deles: Immanuel
Kant, Charles Darwin e Karl Marx.
O pensamento de Immanuel Kant é, sem dúvida, o grande divisor de águas da filosofia moderna, de
modo que seu nome representa para a filosofia o mesmo que Copérnico representa para a ciência.
Sua formação é um pouco eclética, para não dizer estranha: começou seu estudo dentro do pietismo,
sendo depois influenciado pelo Iluminismo, em especial por Jean-Jacques Rousseau e Christian
Wolff. Um dos filósofos da sua época, G.E. Lessing, propôs que “os eventos contingentes da
história não podem servir de base para o conhecimento do mundo transcendente, eterno”. Segundo
essa concepção, existe um abismo intransponível entre nós e Deus, e nós simplesmente não
podemos passar para o outro lado e conhecê-lo. Ele é Todo-Transcendente. É nesse contexto que
Kant aparece. A própria idéia de Deus como “Todo-Transcenente” ocorre inúmeras vezes em sua
obra, sendo um dos principais postulados da sua filosofia. Essa idéia se transformaria no paradigma
principal da neo-ortodoxia.
Charles Darwin
O nome Charles Darwin (1809-1882) é comumente associado à teoria evolucionista. Embora já
houvesse muitos modelos evolucionistas antes dele e tenham surgido muitos outros depois, é quase
impossível ouvir seu nome sem associá-lo a teoria da evolução das espécies.
Em 1831 Darwin partiu para uma viagem ao redor do mundo para fazer observações científicas,
levando na viagem o livro de Charles Lyell, Princípios de Geologia. Em 1839 ele começou a
escrever a obra que se tornaria o seu legado, concluindo-a em 1844. Não se sabe ao certo por que,
mas o fato é que Darwin levou 15 anos para imprimi-lo. É possível que a razão da demora resida no
temor da indignação que seu livro poderia lançar. Em Origem das Espécies, Darwin faz a polêmica
afirmação de que todos nós procedemos de um ancestral comum e animalesco, não havendo
essencialmente nada que confira dignidade ao homem. O acaso nos gerou, portanto, não há Deus.
Essa é a consequência lógica da sua cosmovisão.
Filho de judeus, Karl Marx nasceu em Trier, na Alemanha, em 1818. Foi, sem dúvida, um gênio
intelectual, obtendo seu doutorado em filosofia aos 23 anos. Ele foi muito influenciado pelas ideias
de Ludwig Feuerbach, o qual dizia que o homem não foi criado à imagem de Deus, mas Deus foi
criado à imagem do ser humano. Sua filosofia lançou as bases do Socialismo. O pensamento de
Marx é um pensamento voltado para o trabalho. Para Marx, não é o conhecimento espiritual que
transforma a existência e, consequentemente, a vida social, mas exatamente o contrário: com a
revolução, o corpo social transforma também a sua subjetividade. Esse pensamento servirá de base
do movimento da “teologia da libertação”, na segunda metade do século vinte.
Embora seja útil apontar todos os ascendentes do pensamento teológico do século vinte, tal tarefa
seria muito pesarosa e fugiria ao escopo da nossa pesquisa. Certamente há muitas outras vertentes
que influenciaram o pensamento teológico no século passado e contribuíram para o abandono da
teologia ortodoxa no século vinte. Mas não foi só o pensamento renascentista, iluminista ou
evolucionista que exerceu influência sobre a teologia do século passado: a intempérie do início do
século vinte também contribuiu para as diversas variações ocorridas na teologia contemporânea. Só
na sua primeira metade, houve duas guerras mundiais. Esse processo de guerras consecutivas
contribuiu de certo modo para uma perda de identidade do homem do século vinte. Essa perda de
identidade e falta de objetividade resultante do pós-guerra foi a coluna principal do existencialismo.
Em um mundo desorganizado e desumanizado, a única certeza que o homem tem está relacionada a
sua própria existência. Desde então houve um grande desenvolvimento da uma filosofia centrada no
“Eu”, e nomes como Martin Heidegger e Jean-Paul Sartre ganharam projeção mundial. Os
pressupostos existencialistas destes pensadores também tiveram grande influência no pensamento
teológico contemporâneo.
Esta obra não é fruto de toda uma vida de esmero teológico e nem tampouco nenhum grande logro
acadêmico. Ela é muito simples e até limitada, oferecendo apenas uma pequena introdução à
matéria de teologia contemporânea. “TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA: Uma análise do
desenvolvimento do pensamento teológico no século vinte”, encontra sua justificativa na
necessidade de conhecermos as mudanças históricas que vêm acontecendo no cenário teológico
mundial. Ela certamente servirá de guia no estudo da Teologia Contemporânea, podendo ser
utilizada por professores nos seminários.
A perspectiva adotada é conservadora, como entendemos ser também a teologia apostólica, porém,
conservadorismo não é sinônimo de ignorância ou apatia intelectual. Muitas pressuposições da
teologia contemporânea nos são úteis, principalmente no campo da critica textual, mas não
podemos jamais sacrificar as nossas crenças fundamentais no altar do pós-modernismo.
A pós-modernidade não tem influenciado apenas os teólogos em sua maneira de pensar, mas
também os pastores e líderes das nossas denominações. A Bíblia tem sido abandonada, e quando
aparece, é permutada. Que ao examinar as correntes teológicas que serão apresentadas nessas
páginas, ninguém assuma uma postura indiferente. Nosso desejo é que ao ler o conteúdo
programático dessa dissertação, o leitor, seja teólogo, pastor ou leigo, possa assumir uma postura de
apologeta e juntar-se a nós na luta pela manutenção da ortodoxia bíblica, por aquela unidade
fundamental que havia em nossos irmãos primitivos.
ILUMINISMO
No século XVIII, uma nova corrente de pensamento começou a tomar conta da Europa defendendo
novas formas de conceber o mundo, a sociedade e as instituições. O chamado movimento iluminista
aparece nesse período como um desdobramento de concepções desenvolvidas desde o período
renascentista, quando os princípios de individualidade e razão ganharam espaço nos séculos iniciais
da Idade Moderna.
René Descartes
No século XVII o francês René Descartes (1596-1650) concebeu um modelo de verdade
incontestável. Segundo este autor, a verdade poderia ser alcançada através de duas habilidades
inerentes ao homem: duvidar e refletir. Nesse mesmo período surgiram proeminentes estudos no
campo das ciências da natureza que também irão influenciar profundamente o pensamento
iluminista.
Isaac Newton
Entre outros estudos destacamos a obra do inglês Isaac Newton (1643-1727). Por meio de seus
experimentos e observações, Newton conseguiu elaborar uma série de leis naturais que regiam o
mundo material. Tais descobertas acabaram colocando à mostra um tipo de explicação aos
fenômenos naturais independente das concepções de fundo religioso. Dessa maneira, a dúvida, o
experimento e a observação seriam instrumentos do intelecto capazes de decifrar as “normas” que
organizam o mundo.
Tal maneira de relacionar-se com o mundo, não só contribuiu para o desenvolvimento dos saberes
no campo da Física, da Matemática, da Biologia e da Química. O método utilizado inicialmente por
Newton acabou influenciando outros pensadores que também acreditavam que, por meio da razão,
poderiam estabelecer as leis que naturalmente regiam as relações sociais, a História, a Política e a
Economia.
John Locke
Um dos primeiros pensadores influenciados por esse conjunto de idéias foi o britânico John Locke
(1632-1704). Segundo a sua obra “Segundo Tratado sobre o Governo Civil”, o homem teria alguns
direitos naturais como a vida, a liberdade e a propriedade. No entanto, os interesses de um indivíduo
perante o seu próximo poderiam acabar ameaçando a garantia de tais direitos. Foi a partir de então
que o Estado surgiria como uma instituição social coletivamente aceita na garantia de tais direitos.
Essa concepção lançada por Locke incitou uma dura crítica aos governos de sua época, pautados
pelos chamados princípios absolutistas. No absolutismo a autoridade máxima do rei contava com
poderes ilimitados para conduzir os destinos de uma determinada nação. O poder político
concentrado nas mãos da autoridade real seria legitimado por uma justificativa religiosa onde o
monarca seria visto como um representante divino. Entretanto, para os iluministas a fé não poderia
interferir ou legitimar os governos.
Montesquieu
No ano de 1748, a obra “Do espírito das leis”, o filósofo Montesquieu (1689-1755) defende um
governo onde os poderes fossem divididos. O equilíbrio entre os poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário poderia conceber um Estado onde as leis não seriam desrespeitadas em favor de um único
grupo. A independência desses poderes era contrária a do governo absolutista, onde o rei tinha
completa liberdade de interferir, criar e descumprir as leis.
Voltaire
Essa supremacia do poder real foi fortemente atacada pelo francês Voltaire (1694 – 1778). Segundo
esse pensador, a interferência religiosa nos assuntos políticos estabelecia a criação de governos
injustos e legitimadores do interesse de uma parcela restrita da sociedade. Sem defender o radical
fim das monarquias de sua época, acreditava que os governos deveriam se inspirar pela razão
tomando um tom mais racional e progressista.
Jean-Jacques Rousseau
Um outro importante pensador do movimento iluminista foi Jean-Jacques Rousseau (1712-1778),
que criticava a civilização ao apontar que ela expropria a bondade inerente ao homem. Para ele, a
simplicidade e a comunhão entre os homens deveriam ser valorizadas como itens essenciais na
construção de uma sociedade mais justa. Entretanto, esse modelo de vida ideal só poderia ser
alcançado quando a propriedade privada fosse sistematicamente combatida.
Esses primeiros pensadores causaram grande impacto na Europa de seu tempo. No entanto, é de
suma importância destacar como a ação difusora dos filósofos Diderot e D’Alembert foi
fundamental para que os valores iluministas ganhassem tamanha popularidade. Em esforço
conjunto, e contando com a participação de outros iluministas, esse dois pensadores criaram uma
extensa compilação de textos da época reunidos na obra “Enciclopédia”.
A difusão do iluminismo acabou abrindo portas para novas interpretações da economia e do
governo. A fisiocracia defendia que as produções das riquezas dependiam fundamentalmente da
terra. As demais atividades econômicas era apenas um simples desdobramento da riqueza produzida
em terra. Além disso, a economia não poderia sofrer a intervenção do Estado, pois teria formas
naturais de se organizar e equilibrar.
Ao mesmo tempo, o iluminismo influenciou as monarquias nacionais que viam com bons olhos os
princípios racionalistas defendidos pelo iluminismo. Essa adoção dos princípios iluministas por
parte das monarquias empreendeu uma modernização do aparelho administrativo com o objetivo de
atender os interesses dos nobres e da burguesia nacional.
TEOLOGIA LIBERAL
Teologia liberal (ou liberalismo teológico) foi um movimento teológico cuja produção se deu entre
o final do século XVIII e o início do século XX. Relativizando a autoridade da Bíblia, o liberalismo
teológico estabeleceu uma mescla da doutrina bíblica com a filosofia e as ciências da religião.
Ainda hoje, um autor que não reconhece a autoridade final da Bíblia em termos de fé e doutrina é
denominado, pelo protestantismo ortodoxo, de "teólogo liberal".
Friedrich Schleiermacher
Oficialmente, a teologia liberal se iniciou, no meio evangélico, com o alemão Friedrich
Schleiermacher(1768-1834), o qual negava essa autoridade e igualmente a historicidade dos
milagres de Cristo. Ele não deixou uma só doutrina bíblica sem contestação. Para ele, o que valia
era o sentimento humano: se a pessoa "sentia" a comunhão com Deus, ela estaria salva, mesmo sem
crer no Evangelho de Cristo.
Albrecht Ritschl
Meio século depois de Schleiermecher, outro teólogo questionou a autoridade Bíblica, Albrecht
Ritschl (falecido em 1889). Para Ritschl, a experiência individual vale mais que a revelação escrita.
Assim, pregava que Jesus só era considerado Filho de Deus porque muitos assim o criam, mas na
verdade era apenas um grande gênio religioso. Negou assim sistematicamente a satisfação de Cristo
pelos pecados da humanidade, Pregava que a entrada no Reino de Deus se dava pela prática da
caridade e da comunhão entre as pessoas, não pela fé em Cristo.
Ernst Troeschl (falecido em 1923) foi outro destacado defensor do liberalismo teológico. Segundo
ele, o cristianismo era apenas mais uma religião entre tantas outras, e Deus se revelava em todas,
sendo apenas que o cristianismo fora o ápice da revelação. Dessa forma, tal como Schleiermacher,
defendia a salvação de não-cristãos, por essa alegada "revelação de Deus" em outras religiões.
A TEOLOGIA LIBERAL... e suas implicações para a fé bíblica
Do jeito que as coisas andam em nossos dias, precisamos urgentemente nos libertar da teologia
liberal. É espantoso o crescente número de livros (inclusive publicados por editoras evangélicas)
que esboçam os ensinamentos deste tipo de teologia ou tecem comentários favoráveis. Embora esta
teologia tenha nascido com os protestantes, hoje, porém, seus maiores expoentes são os católicos
romanos. Na católica encontramos grande quantidade de obras defendendo e/ou propagando a
teologia liberal. E não é só isso. A forma com que alguns seminários e igrejas vêm se
comprometendo com os ensinos desta teologia também é de impressionar.
A libertação da teologia liberal não só é necessária como também é vital para a Igreja brasileira,
ameaçada pelo secularismo e pelo liberalismo teológico corrosivo.
Apesar das motivações iniciais dos modernistas, suas idéias, no entanto, representaram grave
ameaça à ortodoxia, fato já comprovado pela história. O movimento gerou ensinamentos que
dividiram quase todas as denominações históricas na primeira metade deste século. Ao menosprezar
a importância da doutrina, o modernismo abriu a porta para o liberalismo teológico, o relativismo
moral e a incredulidade descarada. Atualmente, a maioria dos evangélicos tende a compreender a
palavra “modernismo” como uma negação completa da fé. Por isso, com facilidade esquecemos que
o objetivo dos primeiros modernistas era apenas tornar a igreja mais “moderna”, mais unificada,
mais relevante e mais aceitável em uma era caracterizada pela modernidade.
Mas o que caracterizaria um teólogo liberal? O verbete sobre o “protestantismo liberal” do Novo
Dicionário de Teologia, editado por Alan Richardson e John Bowden, nos traz uma boa noção do
termo. Vejamos três destaques de elementos do liberalismo teológico:
1- É receptivo à ciência, às artes e estudos humanos contemporâneos. Procura a verdade onde quer
que se encontre. Para o liberalismo não existe a descontinuidade entre a verdade humana e a
verdade do cristianismo, a disjunção entre a razão e a revelação. A verdade deve ser encontrada na
experiência guiada mais pela razão do que pela tradição e autoridade e mostra mais abertura ao
ecumenismo;
2- Tem-se mostrado simpatia para com o uso dos cânones da historiografia para interpretar os textos
sagrados. A Bíblia é considerada documento humano, cuja validade principal está em registrar a
experiência de pessoas abertas para a presença de Deus. Sua tarefa contínua é interpretar a Bíblia, à
luz de uma cosmovisão contemporânea e da melhor pesquisa histórica, e, ao mesmo tempo,
interpretar a sociedade, à luz da narrativa evangélica;
3 - Os liberais ressaltam as implicações éticas do cristianismo. O cristianismo não é um dogma a ser
crido, mas um modo de viver e conviver, um caminho de vida. Mostraram-se inclinados a ter uma
visão otimista da mudança e acreditar que o mal é mais uma ignorância. Por ter vários atributos até
divergentes, o liberal causa alergia para uns e para outros é motivo de certa satisfação, por ser
considerado portador de uma mente aberta para o diálogo com posições contrárias.
As grandes batalhas causadas pelo liberalismo foram travadas dentro das grandes denominações
históricas. Muitos pastores que haviam saído dos EUA no intuito de se pós-graduarem nas grandes
universidades teológicas da Europa, especificamente na Alemanha, em que a teologia liberal
abraçava as teorias destrutivas da Alta Crítica produzida pelo racionalismo humanista, acabaram
retornando para os EUA completamente descrentes nos fundamentos do cristianismo histórico. Os
liberais, devido à tolerância inicial dos fiéis para com a sã doutrina, tiveram tempo de fermentar as
grandes denominações e conseguiram tomar para si os grandes seminários, rádios e igrejas, de
modo que não sobrou outra alternativa para grande parte dos fundamentalistas senão sair dessas
denominações e se organizar em novas denominações. Daí surgiram os Batistas Regulares (que
formaram a Associação Geral das Igrejas Batistas Regulares, em 1932), os Batistas Independentes,
as Igrejas Bíblicas, as Igrejas Cristãs Evangélicas, a Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos (em
1936, que mudou seu nome para Igreja Presbiteriana Ortodoxa), a Igreja Presbiteriana Bíblica (em
1938), a Associação Batista Conservadora dos Estados Unidos (em 1947), as Igrejas
Fundamentalistas Independentes dos Estados Unidos (em 1930) e muitas outras denominações que
existem ainda hoje.
Podemos dizer que algumas das características do cristianismo ortodoxo se baseiam nos seguintes
pontos:
• Manter fidelidade incondicional à Bíblia, que é inerrante, infalível e verbalmente inspirada;
• Acreditar que o que a Bíblia diz é verdade (verdade absoluta, ou seja, verdade sempre, em todo
lugar e momento);
• Julgar todas as coisas pela Bíblia e ser julgado unicamente por ela;
• Afirmar as verdades fundamentais da fé cristã histórica: a doutrina da Trindade, a encarnação, o
nascimento virginal, o sacrifício expiatório, a ressurreição física, a ascensão ao céu, a segunda vinda
do Senhor Jesus Cristo, o novo nascimento mediante a regeneração do Espírito Santo, a ressurreição
dos santos para a vida eterna, a ressurreição dos ímpios para o juízo final e a morte eterna e a
comunhão dos santos, que são o Corpo de Cristo.
• Ser fiel à fé e procurar anunciá-la a toda criatura;
• Denunciar e se separar de toda negativa eclesiástica dessa fé, de todo compromisso com o erro e
de todo tipo de apostasia;
• Batalhar firmemente pela fé que foi concedida aos santos.
Contudo, o liberalismo, em sua apostasia, nega a validade de quase todos os fundamentos da fé,
como, por exemplo, a inerrância das Escrituras, a divindade de Cristo, a necessidade da morte
expiatória de Cristo, seu nascimento virginal e sua ressurreição. Chegam até mesmo a negar que
existiu realmente o Jesus narrado nas Escrituras. A doutrina escatológica liberal se baseia no
universalismo (todas as pessoas serão salvas um dia e Deus vai dar um jeito até na situação do
diabo) e, consequentemente, para eles, não existe inferno e muito menos o conceito de pecado. O
liberalismo é um sistema racionalista que só aceita o que pode ser “provado” cientificamente pelos
próprios conhecimentos falíveis, fragmentados e limitados do homem.
Os primeiros estudiosos que aplicaram o método histórico-crítico sem critérios ao estudo das
Escrituras negavam que a Bíblia fosse, de fato, a Palavra de Deus inspirada. Segundo eles, a Bíblia
continha apenas a Palavra de Deus.
O liberalismo teológico tem procurado embutir no cristianismo uma roupagem moderna: pegam as
últimas ideias seculares e, sorrateiramente, espalham no mundo cristão. J.G. Machem, em seu livro
Cristianismo e liberalismo, trata deste assunto com maestria. Na contracapa, podemos ver uma
pequena comparação entre o cristianismo e o liberalismo: “O liberalismo representa a fé na
humanidade, ao passo que o cristianismo representa a fé em Deus. O primeiro não é sobrenatural, o
último é absolutamente sobrenatural. Um é a religião da moralidade pessoal e social, o outro,
contudo, é a religião do socorro divino. Enquanto um tropeça sobre a ‘rocha de escândalo’, o outro
defende a singularidade de Jesus Cristo. Um é inimigo da doutrina, ao passo que o outro se gloria
nas verdades imutáveis que repousam no próprio caráter e autoridade de Deus”.
Muitos, por buscarem aceitação teológica acadêmica, têm-se comprometido fatalmente, pois, na
prática, os liberais tentam remover do cristianismo todas as coisas que não podem ser autenticadas
pela ciência. Sempre que a ciência contradiz a Bíblia, a ciência é preferida e a Bíblia, desacreditada.
Hoje, a animosidade que demonstram para com a Bíblia tem caracterizado aqueles que creem que
ela é literalmente a Palavra de Deus e inerrante (sem erros em seus originais) como
“fundamentalistas”.1 Ora, podemos por acaso negociar o inegociável?
Os liberais acusam os evangélicos de transformar a Bíblia em um “papa de papel”, ou seja, em um
ídolo. Com isso, culpam os evangélicos de bibliolatria.2 Estamos cientes de que tem havido alguns
exageros por parte de alguns fundamentalistas evangélicos, mas a verdade é que os “eruditos”
liberais têm-se mostrado tão exagerados quanto muitos do que eles denominam de
fundamentalistas. Teoricamente falando, a maioria dos liberais acredita em Deus, supondo que Ele
pode intervir na história da humanidade, porém, na prática, e com frequência, mostram-se muito
mais deístas.3 Normalmente, os liberais também favorecem o “relativismo”, ou seja, difundem que
no campo da verdade não há absolutos. Segundo este raciocínio, se não há verdades absolutas,
então, as verdades da Bíblia (que são absolutas) são relativas, logo, não podem ser a Palavra de
Deus. Tendo rejeitado a Bíblia como a infalível Palavra de Deus e aceitado a ideia de que tudo está
fluindo, o teólogo liberal afirma que não é segura qualquer ideia permanente a respeito de Deus e da
verdade teológica.
Levando o pensamento existencialista às últimas consequências, conclui-se que: se quisermos que a
Bíblia tenha algum valor para a modernidade e fale ao homem moderno, temos de criar uma
teologia para cada cultura, para cada contexto, onde nenhum ensino é absoluto, mas relativo,
variando conforme o contexto sociocultural. Obviamente, tal pensamento possui fundamento em
alguns pontos, mas daí ao radicalismo de pregar que nada é absoluto, isso já extrapola e fere
diversos princípios bíblicos.
Raízes
O liberalismo teológico começou a florescer de forma sistematizada devido à influência do
racionalismo de Descartes e Spinoza, nos séculos 17 e 18, que redundou no iluminismo.4 O
liberalismo opunha-se ao racionalismo extremado do iluminismo.
Na verdade, quando a igreja começa a flertar com o liberalismo e se render aos seus interesses, ela
perde sua autoridade e deixa de ser embaixadora de Deus. A história tem provado que onde o
liberalismo teológico chega a Igreja morre. Este é um aviso solene que deve estar sempre
trombeteando em nossos ouvidos.
A baixa crítica
Conforme Gleason L. Archer Jr, “a ‘baixa crítica’ ou crítica textual se preocupa com a tarefa de
restaurar o texto original na base das cópias imperfeitas que chegaram até nós. Procura selecionar as
evidências oferecidas pelas variações, ou leituras diferentes, quando há falta de acordo entre os
manuscritos sobreviventes, e pela aplicação de um método científico chegar àquilo que era mais
provavelmente a expressão exata empregada pelo autor original”.5
A alta crítica
J. G. Eichhorn, um racionalista germânico dos fins do século 18, foi o primeiro a aplicar o termo
“alta crítica” ao estudo da Bíblia. E, por esse motivo, ele tem sido chamado de “o pai da crítica do
Antigo Testamento”. Segundo R. N. Champlin, “a ‘alta crítica’ aponta para o exame crítico da
Bíblia, envolvendo qualquer coisa que vá além do próprio texto bíblico, isto é, questões que digam
respeito à autoria, à data, à forma de composição, à integridade, à proveniência, às ideias
envolvidas, às doutrinas ensinadas, etc. A alta crítica pode ser positiva ou negativa em sua
abordagem, ou pode misturar ambos os pontos de vista”.6 Mas o que temos visto na prática é que
esta forma de crítica tem negado as doutrinas centrais da fé cristã, em nome da ciência, da
modernidade e da razão. O que fica evidente é que alguns críticos partem com o intuito de
desacreditar a Bíblia, devido a alguns pressupostos naturalistas, chegando ao cúmulo de dizer que a
Igreja inventou Jesus.
Conforme Norman Geisler “a alta crítica pode ser dividida em negativa (destrutiva) e positiva
(construtiva). A crítica negativa, como o próprio nome sugere, nega a autenticidade de grande parte
dos registros bíblicos. Essa abordagem, em geral, emprega uma pressuposição anti-sobrenatural”.7
Métodos aplicados a qualquer tipo de literatura passaram a ser aplicados também à Bíblia, com
grandes doses de ceticismo (no que diz respeito à validade histórica e à integridade de seus livros),
com invenções de entusiastas que tinham pouca base nos fatos históricos. Assim, onde vemos nas
narrativas da Bíblia fatos sobrenaturais esta teologia lhes confere interpretações naturais, retirando
da Palavra de Deus todas as intervenções miraculosas. Claramente é impróprio, ou mesmo
blasfematório, nos colocarmos como juízes sobre a Bíblia.
Penosamente, a “alta crítica” tem empregado uma metodologia faltosa, caindo em alguns
pressupostos questionáveis. E, devido aos seus resultados, ultimamente vem sendo descrita como
“alta crítica destrutiva”. (para melhor compreensão, veja o quadro comparativo acima)8
C. S. Lewis, sem dúvida o apologista cristão mais influente do século 20, em seu artigo “A teologia
moderna e a crítica da Bíblia”, tece os seguintes comentários:
“Em primeiro lugar, o que quer que esses homens possam ser como críticos da Bíblia, desconfio
deles como críticos9 [...] Se tal homem chega e diz que alguma coisa, em um dos evangelhos, é
lendária ou romântica, então quero saber quantas lendas e romances ele já leu, o quanto está
desenvolvido o seu gosto literário para poder detectar lendas e romances, e não quantos anos ele já
passou estudando aquele evangelho1 0 [...] os críticos falam apenas como homens; homens
obviamente influenciados pelo espírito da época em que cresceram, espírito esse talvez
insuficientemente crítico quanto às suas próprias conclusões1 1 [...] Os firmes resultados da
erudição moderna, na sua tentativa de descobrir por quais motivos algum livro antigo foi escrito,
segundo podemos facilmente concluir, só são ‘firmes’ porque as pessoas que sabiam dos fatos já
faleceram, e não podem desdizer o que os críticos asseguram com tanta autoconfiança”.1 2
Prove e veja
Na Universidade de Chicago, Divinity School, em cada ano eles têm o que chamam de “Dia
Batista”, quando cada aluno deve trazer um prato de comida e ocorre um piquenique no gramado.
Nesse dia, a escola sempre convida uma das grandes mentes da literatura no meio educacional
teológico para palestrar sobre algum assunto relacionado ao ambiente acadêmico.
Certo ano, o convidado foi Paul Tillich,1 3 que discursou, durante duas horas e meia, no intuito de
provar que a ressurreição de Jesus era falsa. Questionou estudiosos e livros e concluiu que, a partir
do momento que não existiam provas históricas da ressurreição, a tradição religiosa da igreja caía
por terra, porque estava baseada num relacionamento com um Jesus que, de fato, segundo ele,
nunca havia ressurgido literalmente dos mortos.
Ao concluir sua teoria, Tillich perguntou à platéia se havia alguma pergunta, algum
questionamento. Depois de uns trinta segundos, um senhor negro, de cabelos brancos, se levantou
no fundo do auditório: “Dr Tillich, eu tenho uma pergunta, ele disse, enquanto todos os olhos se
voltavam para ele. Colocou a mão na sua sacola, pegou uma maçã e começou a comer... Dr
Tillich... crunch, munch... minha pergunta é muito simples... crunch, munch... Eu nunca li tantos
livros como o senhor leu... crunch, munch... e também não posso recitar as Escrituras no original
grego... crunch, munch... Não sei nada sobre Niebuhr e Heidegger... crunch, munch... [e ele acabou
de comer a maçã] Mas tudo o que eu gostaria de saber é: Essa maçã que eu acabei de comer...
estava doce ou azeda?
“Tillich parou por um momento e respondeu com todo o estilo de um estudioso: ‘Eu não tenho
possibilidades de responder essa questão, pois não provei a sua maçã’.
“O senhor de cabelos brancos jogou o que restou da maçã dentro do saco de papel, olhou para o Dr.
Tillich e disse calmamente: ‘O senhor também nunca provou do meu Jesus, e como ousa afirmar o
que está dizendo?”. Nesse momento, mais de mil estudantes que estavam participando do evento
não puderam se conter. O auditório se ergueu em aplausos. Dr. Tillich agradeceu a platéia e,
rapidamente, deixou o palco”.
É essa a diferença!
É fundamental considerar que tudo o que engloba a fé genuinamente cristã está amparado em um
relacionamento experimental (prático) com Deus. Sem esse pré-requisito, ninguém pode seriamente
afirmar ser um cristão. Seria muito bom se os críticos se atrevessem a experimentar este
relacionamento antes de tecerem suas conjeturas. Se assim fosse, certamente se lhes abriria um
novo horizonte para suas proposições e, quem sabe, entenderiam que o sobrenatural não é uma
brecha da lei natural, mas, sim, uma revelação da lei espiritual.
Notas
1 O fundamentalismo foi um movimento surgido nos Estados Unidos durante e imediatamente após
a 1ª Guerra Mundial, a fim de reafirmar o cristianismo protestante ortodoxo e defendê-lo contra os
desafios da teologia liberal, da alta crítica alemã, do darwinismo e de outros pensamentos
considerados danosos para o cristianismo.
2 Adoração à Bíblia.
3 Segundo a comparação clássica entre Deus e o fabricante de um relógio, Deus, no princípio, deu
corda ao relógio do mundo de uma vez para sempre, de modo que ele agora continua com a história
mundial sem a necessidade de envolvimento da parte de Deus.
4 O Iluminismo enfatizava a razão e a independência e promovia uma desconfiança acentuada da
autoridade. A verdade deveria ser obtida por meio da razão, observação e experiência. O
movimento foi dominado pelo anti-sobrenaturalismo e pelo pluralismo religioso.
5 ARCHER, Gleason L. Merece confiança o Antigo Testamento? Edições Vida Nova, p.54.
6 CHAMPLIN, R.N. Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. Vol 1. Candeia, p. 122.
7 GEISLER, Norman. Enciclopédia de Apologética. Editora Vida, p.113.
8 Ibid. p. 116.
9 MCDOWELL, Josh. Evidência que exige um veredicto. Vol 2. Editora Candeia, p.522.
10 Ibid., p.526.
11 Ibid., p.526.
12 Ibid., p.528.
13 Paul Tillich nasceu em 20 de agosto de 1886, em Starzeddel, na Prússia Oriental, perto de
Guben. Foi um teólogo-filósofo e representante do existencialismo religioso.
* matéria colhida na revista Defesa da Fé.
por Danilo Raphael
A INFLUÊNCIA KANTIANA
A influência de Immanuel Kant na Teologia Contemporânea
A revolução teológica do século passado que ficou conhecida pelo nome de teologia existencialista
ou contemporânea, tem as suas raízes nas idéias do filósofo Immanuel Kant. Embora já tenha sido
mencionado na introdução, esse filósofo merece, sem nenhuma dúvida, um capítulo à parte. Kant
logrou sistematizar a confiança do homem moderno na capacidade da razão para tratar de tudo o
que diz respeito ao mundo material, e sua incapacidade para ocupar-se de tudo o que está além do
nosso mundo. Ao fazer isso, Kant não se projetou apenas sobre o século dezenove, mas também
sobre o século vinte.
2.1– Um novo conjunto de pressupostos religiosos para o homem moderno.
O mundo grego havia elaborado algumas normas religiosas básicas em torno do paradoxo entre a
forma e a matéria. Na idade média, o homem do ocidente havia assimilado algumas dessas ideias,
reorganizando-as em torno do conceito de natureza e graça. De certa forma, a síntese de Tomás de
Aquino era de origem pagã e aristotélica, e privava a graça de seu caráter puramente cristão,
fazendo dela um elemento aperfeiçoador da superestrutura, ao invés de ser um ato transformador de
Deus.
Kant e sua ideia de autonomia fizeram dessa privação da graça mais que uma simples moldura
teológica: pela primeira vez na história da civilização ocidental, a natureza foi separada da graça de
forma elaborada, consequente e consciente. No pensamento do homem moderno, a graça foi
suplantada pela ideia de emancipação; o homem tinha que nascer de novo como pessoa
completamente livre e autônoma, emancipada de qualquer pensamento preconizado. De acordo com
essa nova maneira de pensar, até mesmo o conceito de natureza – conservado da síntese medieval
aquiniana – se transformou, passando a ser uma esfera micro-cósmica dentro da qual a
personalidade humana podia exercer sua autonomia. A natureza era agora interpretada como um
terreno infinito que o pensamento matemático autônomo devia controlar.
A história do pensamento e da teologia ocidental desde Kant nos mostra como esses pressupostos
religiosos, trabalhando com idéias tomadas do cristianismo, modelaram uma nova teologia e um
novo mundo.
2.2- A autonomia do homem e sua influência no pensamento religioso moderno.
A autonomia preconizada por Kant, isto é, a emancipação de valores exteriores, produziu uma
avaliação muito elevada da capacidade humana, sobretudo da razão humana como autoridade final e
como crivo para a verdade. A razão, e somente a razão, poderia julgar o mundo do fenômeno e o
mundo do número. Para Kant, essa autonomia representava a substituição do conceito de revelação
do cristão – que tem sua expressão máxima em Cristo e na Bíblia – pela razão autônoma do homem.
Em um sentido ulterior, Kant entroniza a razão como sendo o princípio supremo. A verdadeira
religião, na filosofia kantiana, não consiste em conhecer o que Deus tem feito para a nossa salvação,
e sim em conhecer o que devemos fazer para chegarmos a ser dignos dela. Essa moralidade
religiosa, segundo Kant, pode ser alcançada sem a necessidade de nenhum aprendizado bíblico.
Não há muita distância entre esse pensamento de Kant e o pensamento posterior dos teólogos
contemporâneos, tal como em Bultmann e sua idéia de desmitologização, nem está longe da idéia
da razão autônoma como juíza da revelação na análise racional de Pannenberg, que apresenta os
relatos da ressurreição como estando contaminados de lendas, nem da negativa de Cullmann de
considerar os relatos da criação de Gênesis como história autêntica.
2.3- O relativismo de David Hume e sua influência na filosofia kantiana.
David Hume, filósofo escocês, havia lançado dúvida em quanto à possibilidade de alguém provar
alguma coisa, tanto dentro como fora de si mesmo. Causa e efeito, Deus como origem de todas as
coisas, o homem como ser contingente, tudo isso era para ele completamente evasivo. Segundo ele,
não conhecemos a coisa em si, mas apenas aquele conhecimento que os sentidos nos proporcionam.
Kant tomou emprestado de Hume o problema do conhecimento proposto por ele e o reformulou,
como se isso fosse pudesse resolver o problema epistemológico. Kant criou dois mundos, à saber, o
mundo dos fenômenos e o mundo dos números, sendo um percebido pela razão e pelos sentidos, e o
outro, o mundo de Deus, da imortalidade, da liberdade e das ideias reguladoras que a razão não
pode explicar, mas que devem ocupar um lugar na vida como se fossem objetos reais ao alcance da
razão.
O efeito de tudo isso foi em parte, devastador. Kant, ao colocar Deus em um outro mundo, o
aprisionou com um muro à prova de som; seu único vínculo com o mundo dos fenômenos se daria
por meio da necessidade que o homem tem da ideia de Deus para o seu mundo ético. Com isso,
Kant não fechou totalmente a porta do nosso mundo para Deus, mas a diminuiu de tal forma que o
Deus soberano, cujas vestes enchiam o templo (Isaías 6.1), não pode entrar. Da mesma forma, uma
vez que o homem não pode perceber as coisas como são na realidade – tanto no mundo dos
fenômenos como no mundo dos números – não pode introduzir-se por essa porta para conhecer a
Deus. Ele ficou isolado no mundo dos fenômenos e Deus no mundo numeral.
2.4- O confinamento de Deus na teologia contemporânea.
Esse confinamento de Deus no mundo dos números é o tema favorito da teologia contemporânea.
Tal confinamento se reforça com a insistência crescente do existencialismo na liberdade, e
reaparece de forma modificada nos primeiros escritos de Karl Barth acerca de Deus como
“Totalmente Outro”, como “Aquele que não pode ser explicado como se explica um objeto”. Ele
reaparece na divisão neo-ortodoxa entre História e Geschichte, na diferenciação de Bultmann entre
o Jesus histórico e o Cristo kerigmático, ou, usando uma linguagem kantiana, entre o Jesus
fenomenal e o Cristo numenal. Esse confinamento do mundo espiritual é o fator preponderante da
insistência contemporânea na “humanidade” da Bíblia e da definição barthiana de revelação como
sendo o encontro divino-humano, o numeral que toca o fenomenal, porém, sem entrar nele. Ele
também produz em Moltmann uma teologia da esperança, completamente cética quanto a qualquer
fim escatológico na história fenomenal, ainda que capaz de falar de um futuro numenal. Nesse
ínterim, quase ninguém se atreve a buscar o Jesus histórico; ele é simplesmente irrelevante.
2.5- As idéias deístas presentes na filosofia da emancipação e sua influencia na teologia
contemporânea.
O conceito deísta que fez parte do processo de florescimento da autonomia não dava nenhum lugar
à intervenção divina na criação por meio de algo sobrenatural e revelador. Da mesma forma, a
autonomia do método sobre o texto bíblico estabeleceu certos pressupostos que o método histórico-
crítico ainda mantém, como o abandono da doutrina da inspiração verbal. Começa-se então a fazer
distinção entre a Palavra de Deus e a Bíblia, e junto com o pressuposto metodológico, ressurge a
idéia de que há erros na Bíblia e que esta deve ser tratada como qualquer conjunto de documentos
do passado.
Essa ideia de humanização da Bíblia veio a ser uma das características distintivas da crítica bíblica,
quer seja em sua forma mais conservadora (como se encontra em Oscar Cullmann e Wolfhart
Pannenberg), ou em suas expressões mais radicais (como em Paul Tillich, John Robinson e nos
teólogos seculares). Também Barth e Bultmman, apesar de todo o seu debate interno, seguem
unidos no emprego dessa metodologia.
2.6- Uma separação radical entre história e fé.
A divisão entre história e fé também se tornou mais tarde um pressuposto da teologia
contemporânea. O Jesus histórico parecia cada vez mais distante do Cristo da fé. Acerca desse
impasse, G.E. Lessing afirmou que “o verdadeiro valor de qualquer religião não depende da
história, senão de sua capacidade de transformar a vida através do amor”. Os teólogos
contemporâneos apresentam repetidas vezes essa dissociação do Jesus histórico e do Jesus da fé,
afirmando que ainda que a história escrita do cristianismo não se possa aceitar, o ensino de Cristo
pode e deve ser aceito. A historicidade da Bíblia parece menos importante que aquilo que ela diz.
Barth fará isso ao ser indagado sobre se a serpente realmente falou no jardim do Édem, dizendo que
isso não tem a menor importância diante do que a serpente disse. Bultmann fará o mesmo ao rejeitar
os relatos evangélicos como sendo produtos historicamente duvidosos por um lado, e aceitando-os,
por outro lado, por causa da sua compreensão existencial do “Eu”. Moltmann o utilizará ao burlar-
se da noção clássica de escatologia cumprindo-se na história, e ao mesmo tempo falará sobre a
igreja orientada para o futuro. Também John Robinson, ao mesmo tempo em que rejeita a ideia de
céu como sendo um “lugar lá em cima”, fala de uma nova dimensão de vida como ser em
profundidade, e de Deus como o Fundamento do ser.
Não há duvida de que Immanuel Kant teve grande influência sobre o pensamento teológico
contemporâneo. Na verdade, desde Kant que a história do pensamento e da teologia ocidental é a
história de como seus pressupostos religiosos, associados a muitas ideias cristãs, deram origem a
um mundo novo. Embora sua filosofia encarasse com valentia as questões pleiteadas por Hume, ele
enclausurou os seres humanos no mundo dos fenômenos, não havendo modo da mente fenomenal
conhecer o numeral. Entre tantas objeções que se pode fazer a Kant, uma é a mais óbvia: Se o nosso
entendimento acerca de Deus não é ao menos alegórico, como pode o homem conhecer a Deus? A
filosofia de Kant transforma Deus em um ser incognoscível, e esse pressuposto será um grande
dilema para a teologia dialética de Karl Bath, bem como de outros teólogos contemporâneos.
DIALÉTICA DE KARL BARTH
A teologia dialética de Karl Barth e a revolta contra o Liberalismo Teológico
Tendo já comentado a influencia da filosofia kantiana para a teologia do século vinte, passemos
agora a discorrer sobre a teologia contemporânea em si.
Em 1919, um jovem pastor de uma pequenina igreja da Suíça escreveu um comentário tão radical
que certo escritor disse que Karl Barth pegou uma carta escrita em grego do primeiro século e
transformou em uma carta urgente para o homem do século vinte. Um teólogo católico disse que
esse comentário aos Romanos foi uma revolução copernicana na teologia protestante que acabou
com o predomínio do liberalismo teológico. Ele foi, de fato, uma bomba que Barth lançou no
cenário teológico contemporâneo.
Diz-se da segunda versão do comentário aos Romanos, totalmente revisada e publicada em 1921,
que ela foi ainda mais revolucionária que a primeira. Porém, de qualquer forma, 1919 tem sido para
muitos o ponto de partida da teologia contemporânea.
A influência da obra de Karl Barth nessa nova era da teologia é enorme. Ele transformou a teologia
do século vinte em teologia da crise. Foi ele quem dominou o ambiente teológico, formulou os
problemas e apresentou as hipóteses de maior relevância, e desde então tem estado no centro da
teologia moderna. Não há nenhuma dúvida de que o pensamento de Barth dominou o pensamento
teológico do seu tempo. Ele produziu um impacto tão grande na teologia protestante, que todo
teólogo do nosso século que quiser estudar teologia a sério, pode se opor à sua teologia ou acolher
suas ideias, mas não pode jamais ignorá-la se quiser conhecer a situação teológica contemporânea.
O que havia nesse comentário do pastor Barth que sacudiu os alicerces teológicos do século vinte?
Quais foram os princípios que Barth apresentou e que se converteram no legado de uma nova era
teológica? Harvie M. Conn, aluno do Dr. Cornelius Van Til, esboça alguns princípios que emanam
do comentário de Karl Barth aos Romanos e que parecem ter desempenhado o papel mais influente
na formação das novas variantes teológicas. Esses princípios serão abordados nos tópicos a seguir.
3.1- A revolta teológica contra o liberalismo teológico foi uma das mais notórias características da
teologia barthiana.
Barth havia aprendido teologia aos pés de dois grandes teólogos liberais, à saber: Harnack e
Herrmann. O Jesus do mentor de Barth, Harnack, não era o filho de Deus único e sobrenatural, mas
a encarnação do amor e dos ideais humanistas. A Bíblia do mentor de Barth, Herrman, não era a
Palavra infalível de Deus, e sim um livro extraordinário, ainda que ordinário, cheio de erros e que
exigia uma crítica radical para encontrar a verdade. A medida de toda a verdade era a experiência, o
sentimento. A teologia desses dois mestres e também a de Barth era o Idealismo teológico,
caracterizado por uma profunda veia de pietismo e de preocupação pela prática da experiência
religiosa cristã. Em 1919, e com muito mais força em 1921, Barth se encarregou de repudiar grande
parte desse liberalismo clássico.
A primeira guerra mundial e seus horrores acabaram por soterrar o idealismo teológico liberal. A
culta Alemanha, a liberal Inglaterra e a civilizada França lutavam como animais ferozes. Nesse
ínterim, os mestres liberais de Barth se uniram com outros teólogos para declarar seu apoio à
Alemanha, o que demonstrou que eles eram mestres de uma religião atada a uma cultura, e não a
Deus. O comentário de Barth aos Romanos surgiu então como repúdio de seus antigos mestres
liberais. O liberalismo fazia de Deus algo imanente ao mundo; Barth se opôs a isso e apresentou
Deus como “Totalmente Outro”. O subjetivismo do liberalismo do século 19 havia colocado o
homem no lugar de Deus; Barth exclamou: “Seja Deus, e não o homem!”. O liberalismo havia
exaltado o uso aculturado da religião; Bart condenou a religião como o pecado máximo. O
liberalismo edificou a teologia sobre a base da ética, Barth quis edificar a ética sobre a base da
teologia.
3.2- O comentário de 1921 de Barth propôs uma nova ideia de revelação.
Em oposição ao antigo liberalismo, Barth enfatizou a necessidade que o homem tem da revelação, e
chamou suas ideias de Teologia da Palavra de Deus. Barth, porém, insistiu na distinção entre a
Bíblia e a Palavra de Deus. Este era seu legado kantiano.
Segundo Barth, pode-se ler a Bíblia sem ouvir a Palavra de Deus. A Bíblia é simplesmente um
livro, mas, pelo menos, um livro através do qual nos pode chegar a Palavra de Deus. A relação entre
Deus e a Bíblia é real, porém indireta. A Bíblia, diz Barth, “é a Palavra de Deus enquanto Deus fala
por meio dela [...] a Bíblia se transforma em palavra de Deus nesse momento”. Para ele, até que a
Bíblia se torne real para nós, até que ela nos fale da nossa situação existencial, ela não é Palavra de
Deus. Esse é o conceito barthiano de revelação.
3.3- A dialética de Barth, ou teologia do paradoxo.
O comentário de Barth também introduziu um novo método para explicar a teologia, a dialética.
Esse termo ficou rapidamente associado à obra de Barth, ainda que o método tenha sido tomado por
empréstimo do teólogo existencialista Soren Kierkegaard. Kierkegaard havia dito que toda
afirmação teológica era paradoxal, não podendo ser sintetizada. O homem devia somente conservar
ambos os elementos do paradoxo. É esse ato de sustentação do paradoxo que Kierkegaard chama de
“salto de fé”.
Soren Kierkegaard
Tal conceito influenciou muito a teologia barthiana, de maneira que quando preparava o comentário
aos Romanos, Barth afirmava que “enquanto estamos na terra, não podemos fazer outra coisa em
teologia a não ser utilizar o método de afirmação e contra-afirmação. Não nos atrevemos a
pronunciar em forma absoluta a palavra definitiva [...] O paradoxo não é acidental na teologia
cristã. Ele pertence, em certo sentido, ao coração do pensamento doutrinário”. A própria natureza da
revelação, segundo Barth, é um paradoxo: Deus é o oculto que se revela; conhecemos a Deus e
conhecemos o pecado; todo homem é escolhido e também reprovado em Cristo; o homem é
justificado por Cristo, mas ainda é pecador. Certo comentarista observou que, segundo a teologia
dialética de Barth, a revelação que vem de cima para o homem, ao encontrar a contradição do
pecado e finitude humana, só pode ser assimilada pela mente humana como sendo um paradoxo.
3.4- O comentário de Barth veio reafirmar a transcendência absoluta de Deus.
Um dos pressupostos de Barth, que também é um legado kantiano, é que Deus é sempre sujeito,
nunca objeto. Deus não é simplesmente uma unidade no mundo dos fenômenos; ele é infinito e
soberano, “Totalmente Outro”, e só pode ser conhecido quando nos fala. “Ele não pode ser
explicado como qualquer outro objeto pode ser, apenas podemos nos dirigir a Ele [...] Por esta
razão, não cabe à teologia medi-lo em uma forma de pensamento direto ou unilinear”. Não podemos
falar a respeito de Deus. Apenas falamos a Deus. Segundo Barth, a própria natureza de Deus exige
que as afirmações que lhe dirigimos sejam revestidas de contradição: “Não podemos considerá-lo
perto, a não ser que o consideremos longe”.
Sem dúvida o grande tema de Barth, em oposição declarada ao liberalismo, foi a “infinita diferença
qualitativa” entre eternidade e tempo, céu e terra, Deus e o homem. Não se pode identificar Deus
com nada no mundo, nem sequer com as palavras da Escritura. Deus chega ao homem como a
tangente que toca o círculo, mas na realidade não o toca. Deus fala ao homem como a bomba
explode na terra. Depois da explosão, tudo o que resta é uma cratera abrasada no terreno, e essa
cratera é a igreja.
3.5- O comentário de Barth também demarcou a fronteira entre a história e a teologia.
A teologia do século dezenove se dedicou a procurar o Jesus histórico por detrás do Cristo
sobrenatural da Bíblia. Os liberais clássicos como o professor de Barth, Harnack, se dedicaram a
buscar nos evangelhos – os quais eles condenavam como não-confiáveis – os fatos históricos sobre
Jesus. Barth asseverou que essa busca é um a busca sem importância, pois, segundo ele, a revelação
não entra na história, apenas a toca como uma tangente toca um círculo. Segundo Barth, não há
nada na história sobre o que possamos basear a fé. A fé é um vazio preenchido não pela história,
mas pela revelação.
Franz Overbeck
Profundamente influenciado pelos conceitos de história de Kierkgaard e de Franz Overbeck, Barth
dividiu a história em dois níveis: Historie e Geschichte. Ainda que ambos os termos possam ser
traduzidos por história, no alemão, a conotação que essas duas palavras têm é bem diferente.
Historie é a totalidade dos fatos históricos do passado, podendo ser comprovada objetivamente.
Geschichte se ocupa daquilo que une essencialmente, que exige algo de mim e requer meu
compromisso. Segundo Barth, a ressurreição de Jesus pertence ao âmbito de Geschichte, não de
Historie. Para ele, o âmbito da Historie de nada vale para o crente. Jesus deve ser confrontado no
âmbito de Geschichte.
Mais uma vez a influência do pensamento de Immanuel Kant sobre a teologia de Karl Barth,
principalmente no que concerne ao mundo dos fenômenos e dos números é muito grande, podendo-
se até dizer que a teologia contemporânea tem sua raiz em Konigsberg, na Prússia. Ao longo do
desenvolvimento da teologia contemporânea, as idéias kantianas de fenomenal e numenal “volta e
meia” reaparecem com uma nova roupagem. Alguns tomam o tema e o ampliam, porém sua
influência continua sendo grande a ponto de podermos designar o século dezoito e o pensamento de
Kant como protótipo da teologia contemporânea.
3.6- Objeções à teologia dialética de Karl Barth.
Há, sem dúvida, algumas críticas que se pode fazer à obra de Barth. Ele mesmo reconheceu alguns
de seus excessos e poliu boa parte dos argumentos que enfatizou a princípio, e até certo ponto,
pode-se dizer que ele suavizou algumas idéias mais incisivas. O que passo a expor agora, são
algumas críticas que se podem fazer ao pensamento de Barth.
Em primeiro lugar, ainda que as ideias de Barth representem uma revolta contra o liberalismo
clássico, suas ideias podem ser chamadas de novo liberalismo. Barth não conseguiu se livrar do
ponto de vista crítico liberal das Escrituras. Por causa dos seus pressupostos liberais, Barth não
aceita a inerrância da Bíblia, chegando mesmo a afirmar que toda a Bíblia é um documento humano
falível e que buscar partes infalíveis nas Escrituras é “simples capricho pessoal e desobediência”. A
inerrância das escrituras é uma das diferenças cruciais entre o liberalismo e o cristianismo ortodoxo,
e o posicionamento de Barth nada mais é que uma opção por ficar em cima do muro.
Sua ideia de revelação, em última instancia, é puramente subjetiva. Para Barth, a diferença entre a
Bíblia como meramente um livro e a Bíblia como a Palavra de Deus depende exclusivamente da
reação humana frente a este livro. Embora em uma atitude de revolta contra o liberalismo ele tenha
exclamado: “Seja Deus e não o homem”, na prática, dentro da sua teologia dialética, o homem é
entronizado no centro da experiência religiosa.
O resultado final da dialética de Barth é a destruição da verdade objetiva. Se toda comunicação
histórica e toda experiência direta com Deus se encaixa em uma concepção pagã de Deus, como
poderemos aproximar-nos da verdade sobre Deus? Também a sua insistência em descrever Deus
como “Totalmente Outro” faz de Deus um ser indescritível. Como Deus não é um objeto no tempo
e no espaço, e visto que a “inescrutabilidade e recondidez formam parte da natureza de Deus”, o
homem não pode conhecê-lo diretamente, afirma ele. A questão é: se Deus é assim tão indescritível
e insondável, de que maneira o homem pode conhecê-lo?
A separação que Barth faz da Historie e da Geschichte, traz à tona a problemática concernente à
historicidade da obra redentora de Cristo como fundamento do cristianismo. Ela argumenta na
tradição de Nietzche e Overbeck, separando o cristianismo da história, e ao fazê-lo, acaba por
solapar a base do cristianismo. É claro que o propósito de Barth foi tirar do liberalismo o monopólio
quanto ao método de interpretação, mas ao fazê-lo, também privou o cristianismo do seu lugar na
história.
Ao que vemos, embora a teologia de Barth tenha sido responsável por uma prática religiosa em que
os valores evidenciam a religiosidade do cristão, ele jamais conseguiu se libertar completamente do
liberalismo teológico de seus mestres Herrmann e Harnack. Ele revoltou-se contra o liberalismo
teológico, argumentou contra ele, mas não pode livrar-se de seus pressupostos. Tal como Kant,
Barth confina Deus ao mundo dos números e apresenta a dialética – a teologia do paradoxo – como
sendo à única teologia possível. Ele exclui a razão a priori e deixa a porta fechada à percepção
humana.
Sua teologia é de suma importância para o século vinte e, de fato, quase todo o pensamento
teológico moderno até a década de setenta envolverá a perspectiva de Barth. Podemos aceitar seus
pressupostos ou acirrar-nos contra ele, mas nenhum teólogo de nossa época poderá jamais ignorar a
teologia dialética de Karl Barth e sua influência no cenário teológico contemporâneo.
NEO-ORTODOXIA, EMIL BRUNNER
Neo-ortodoxia: Analisando os pressupostos teológicos do novo liberalismo
Karl Barth havia desencadeado uma tremenda revolução com seu comentário aos Romanos, e nos
anos que se seguiram, a revolução se ampliou consideravelmente, se avolumando sob a égide de um
novo movimento teológico denominado “neo-ortodoxia”. Emil Brunner talvez tenha sido um dos
nomes mais conhecidos dessa nova escola, depois, é claro, de Barth.
Brunner foi um teólogo suíço residente nos Estados Unidos que também teve participação
importante no desenvolvimento da teologia neo-ortodoxa. Nascido em 1889, estudou em Zurich,
Berlim e também no Union Theological Seminary, em Nova Iorque. Tornou-se professor de
teologia em Zurich em 1924, e em 1953 deixou a Suíça para tornar-se professor na Universidade
Cristã do Japão.
Desde os primeiros anos do comentário aos Romanos, a neo-ortodoxia – às vezes chamada de
barthianismo – cruzou muitas fronteiras, tendo exercido influência no oriente. No Japão, por
exemplo, apesar da influencia de Brunner, foi Barth quem foi apelidado de “o papa teológico”.
Enquanto nos Estados Unidos ele era recebido como um dos mais importantes teólogos, no Japão
ele era conhecido como o único teólogo. Essa influência de Barth no Japão, deve-se principalmente
aos escritos de Tokutaro Takahura, por volta de 1925. Na verdade, o mundo inteiro sentiu o abalo
da teologia barthiana, tanto que ao final da década de cinquenta, as três principais correntes
teológicas já eram mencionadas como sendo a conservadora ou ortodoxa, liberal e neo-ortodoxa.
Temos que reconhecer que existe muita rivalidade no movimento. A ferrenha diferença de opiniões
entre Barth e Brunner quanto à realidade do nascimento virginal e da revelação geral, as criticas de
Barth à Bultmann e as críticas que Bultmann devolveu à Barth, a discordância de Pannenberg
acerca do conceito barthiano de história, são indicativos de que as vozes dentro do movimento neo-
ortodoxo nem sempre foram unânimes. Emil Brunner aceita a revelação geral, e a mesma é negada
por Barth. Barth aceita o nascimento virginal, conceito que é negado por Brunner. Ele foi
duramente criticado por Barth por afirmar que a imagem de Deus se encontra ainda no homem
pecador e que Deus se revela na natureza, mas se defendeu argumentando que se o homem pecador
não é mais a imagem de Deus e se não há nenhuma revelação de Deus na natureza, então o homem
não pode ser responsabilizado pelo pecado que comete.
A teologia de Brunner, assim como a de Barth, é extremamente subjetiva. Buscando inspiração nos
escritos dos filósofos Martin Bubber e Soren Kierkgaard, ele define o cristianismo e a teologia em
termos mais relacionais que racionais. Ele argumenta que Deus não pode ser tratado como um
objeto de estudo, ou um “isso”, mas devemos nos relacionar com ele apenas como um “Tu”. Essa
insistência em que Deus é sempre sujeito e nunca objeto será um tema bastante recorrente na
teologia contemporânea.
Em um capítulo anterior, indicamos alguns dos pressupostos, bem como a metodologia da estrutura
teológica neo-ortodoxa. Agora, cabe a nós destacarmos os temas comuns. O esboço que
demonstraremos a seguir está baseado principalmente na obra Dogmática da Igreja, de Barth.
4.1- O tema mais debatido pela neo-ortodoxia é o conceito de revelação.
A revelação, segundo Barth, é uma perpendicular que vem de cima, e que por isso não pode se
comparar com as melhores intuições humanas. A revelação é um evento no qual Deus toma a
iniciativa. Também é dito que a revelação não pode comparar-se com a Bíblia, pois é superior a ela.
A Bíblia e suas afirmações são testemunhas, são sinais indicadores da revelação, mas não é a
revelação em si. A Escritura não é a Palavra de Deus, e nem as afirmações da Escritura são
revelação. Segundo Barth, comparar a Bíblia com a Palavra de Deus é objetivar e materializar a
revelação.
Nesse mesmo terreno, Brunner definiu a revelação como sendo uma ocasião de diálogo em que
Deus se encontra com o homem. Não se pode dizer que a revelação tenha acontecido, à não ser que
ambos os participantes do encontro – a saber, Deus e o homem – se encontrem.
4.2- O coração da revelação da Palavra de Deus, segundo a perspectiva neo-ortodoxa, é Jesus
Cristo.
De fato, Barth insiste tanto nessa ideia que chega ao ponto de negar a existência de qualquer outra
revelação, à parte de Cristo. Para ele, a história da revelação e a história da salvação vêm a ser a
mesma coisa. No Cristo de Barth, Deus revelou que não queria deixar o homem existir em pecado.
Por isso, Barth insiste em que nunca deveríamos mencionar o pecado, a não ser que agreguemos
imediatamente que o pecado foi derrotado, esquecido e vencido por Jesus. A reconciliação entre
Deus e o homem se efetua por meio de Cristo. Jesus Cristo é o próprio Deus, isto é, é Deus que se
humilha a si mesmo. Em sua liberdade, Deus cruza o abismo aberto e mostra que ele é
verdadeiramente Senhor.
Na encarnação, Deus se humilha a si mesmo. Barth não quer admitir a humilhação do homem
Jesus. Segundo ele, dizer que a humilhação se refere ao homem é uma mera tautologia. Que sentido
haveria em falar de um homem humilhado? A humilhação é algo natural no homem. Porém, dizer
que Deus se humilhou a si mesmo, segundo Barth, é entender o verdadeiro significado de Jesus
Cristo como Deus. Ele é o Deus que se humilha, que se revela, e é também a própria essência da
revelação.
4.3- Barth afirma que Cristo, embora haja se humilhado como Deus, foi exaltado como homem.
Ele se nega a admitir a ideia tradicional dos dois estados de Cristo, humilhação e exaltação,
referindo-se à totalidade do Deus-homem em ordem cronológica. Para Barth, Deus se humilhou a si
mesmo e o homem (a humanidade de Jesus) foi exaltada. Dizer que o estado de exaltação se refere a
Deus também é mera tautologia. Que sentido haveria em falar em um Deus exaltado? A exaltação é
algo natural em Deus. Segundo Barth, “em Cristo, a humanidade é humanidade exaltada, assim
como a divindade é divindade humilhada. E a humanidade é exaltada com a humilhação da
Divindade”.
4.4- A doutrina de Barth traz implícito o universalismo.
Outro problema bastante polêmico dentro da neo-ortodoxia é a ambiguidade de seus proponentes no
que concerne à possibilidade de salvação universal. Barth desde o início repudiou o conceito
supralapsariano – que é a dupla predestinação – afirmando que a eleição não diz respeito a pessoas,
e sim à Cristo. Ele afirma que a tarefa da igreja é proclamar que os homens já foram eleitos em
Cristo, e que portanto, devem viver como escolhidos. Para Barth, a eleição não é um estado que
adquirimos em Cristo, e sim uma vida de ação e serviço a Deus.
Esse conceito barthiano implica em universalismo? Barth não afirmou, mas também jamais negou
essa hipótese. Em uma de suas últimas conferências sobre a humanidade de Deus, ele disse que
“não temos o direito teológico de estabelecer quaisquer limites à misericórdia de Deus que se
manifesta em Jesus Cristo”.
4.5- Objeções à neo-ortodoxia.
Como se pode observar, muitos pressupostos da neo-ortodoxia são resultantes da influência do
liberalismo, o que torna algumas de suas propostas inaceitáveis para os teólogos ortodoxos. Há
ainda muita polêmica dentro da neo-ortodoxia, não sendo difícil levantar objeções a essa corrente
teológica. O que apresentamos a seguir são algumas objeções mais frequentes que são levantadas
contra a neo-ortodoxia.
Primeiramente, a neo-ortodoxia coloca a experiência subjetiva acima da revelação objetiva. Para a
neo-ortodoxia, a revelação não é simplesmente uma declaração de Deus ao homem, e sim um
encontro divino-humano, uma confrontação e um diálogo existencial. De acordo com essa premissa,
a Bíblia não pode ser a Palavra de Deus. Ela se transforma em Palavra de Deus à medida que Deus
fala conosco por meio dela. Reconhece-se nessa premissa a dívida que a neo-ortodoxia tem com a
escola de filosofia existencialista.
A neo-ortodoxia conserva a linguagem teológica ortodoxa, porém a reinterpreta, e muitas vezes o
resultado desta reinterpretação é tão nocivo quanto veneno no leite. As doutrinas do pecado
original, da queda de Adão, da redenção, da ressurreição e da segunda vinda de Cristo são
chamadas de mitos por Brunner e de saga por Barth. A interpretação que a neo-ortodoxia dá a essas
passagens é acima de tudo existencial, quase nunca literal, sob alegação de que essas doutrinas não
descrevem eventos na história, e sim condições históricas sob as quais todos os homens vivem.
Gênesis 3, por exemplo, não deve ser tomado como história literal, sendo apenas uma forma
simbólica de explicar a realidade do pecado e do orgulho na vida humana. Esse conceito de teologia
não deixa nenhuma porta pela qual possa entrar a pregação da vinda do Filho de Deus como evento
a ocorrer na história, por exemplo.
A insistência de Barth em Jesus Cristo como o coração da revelação é tão forte que o leva a negar a
existência de qualquer outra revelação de Deus. Essa ideia é contrária a Bíblia, pois esta afirma que
Deus se revela através da sua criação (Atos 14.17 e Romanos 1.19-20). O conceito barthiano e neo-
ortodoxo de revelação também é contrário à doutrina bíblica da inspiração, e acaba por destruir o
caráter bíblico de revelação canônica.
Alguns acusam Barth de fazer uma interpretação dualista da encarnação de Cristo, pois ele parece
fazer distinção entre as duas naturezas, repudiando por completo o credo da Calcedônia. Ora, Cristo
não nos salvou apenas por meio da sua divindade, mas também por meio da sua humanidade. Nós
temos paz por meio do sangue da cruz (Colossenses 1.20, Efésios 2.16) e não há nada mais humano
que o sangue de uma pessoa.
Ainda que Barth diz que nem afirma e nem nega a teoria da salvação universal, sua ideia de
“eleição universal em Cristo” parece uma espécie de neo-universalismo. Além disso, seu repúdio
pelas descrições do céu e do inferno parecem um conceito de salvação bem diferente do que é
apresentado nas Escrituras. O resultado dessa postura “neo-universalista” é a destruição da
gravidade da incredulidade, e deste modo a neo-ortodoxia destrói as advertências bíblicas contra a
apostasia, bem como o chamado ao arrependimento e à fé.
Por várias razões, muitos teólogos têm entendido mal a neo-ortodoxia. Essa corrente teológica
pretende, entre outras coisas, ser um retorno ao ensino dos reformadores. A razão de ser da neo-
ortodoxia é atacar o otimismo do liberalismo clássico e as corrupções da teologia católica romana. É
sua intenção por em evidência a centralidade absoluta da pessoa de Cristo, a transcendência de Deus
e a necessidade de revelação. Naturalmente, todos esses pontos básicos estão em harmonia com o
conceito evangélico. Apesar disso, como se pode observar, a neo-ortodoxia se separa da fé cristã
histórica não somente em algumas esferas pouco relevantes, mas também em seus conceitos
básicos. Recomendamos as obras de Barth, Bultmann e Brunner – bem como de outros teólogos
neo-ortodoxos – por sua influência e contribuição para o cenário teológico contemporâneo, mas a
apreciação dessas obras deve ser feita com cautela e com espírito crítico.
DESMITOLOGIZAÇÃO, DE BULTMANN
Desmitologização: O método interpretativo de Rudolf Bultmann
Uma das palavras chaves para entender a teologia do século vinte é a “desmitologização”. Essa
palavra cacofônica é uma terminologia que foi popularizada por Bultmann em um ensaio escrito em
1941, tornando-se a partir daí um jargão teológico. O impacto desse conceito na Europa foi
tremendo, e se por um lado a Alemanha perdeu pouco a pouco o interesse pelos pressupostos da
desmitologização, a ideia recebeu um novo estímulo quando o John Robinson discorreu sobre o
tema em seu livro Honest to God, de 1963.
Não é possível sintetizar todo o pensamento de Bultmann em uma única palavra. No capítulo
anterior, apresentamos uma parte muito importante da influência atual de Bultmann. Apesar disso, a
teologia da desmitologização é sem dúvida uma parte importantíssima da teologia contemporânea e
merece destaque entre as ideias que Bultmann ajudou a preconizar, além de ser ainda hoje a parte de
sua formulação teológica mais controversa.
O que será que há de tão controverso e ao mesmo tempo tão atraente nesse conceito de Bultmann, a
ponto de instigar consideravelmente os teólogos dos Estados Unidos, Europa e da Ásia, e continuar
exercendo influência no pensamento teológico contemporâneo ocidental? É isso que estaremos
analisando neste capítulo.
6.1- O programa de desmitologização.
No centro do programa de desmitologização de Bultmann consta na afirmação de que no Novo
Testamento encontram-se duas coisas:
O Evangelho cristão, por um lado.
A cosmogonia do século primeiro, de índole mitológica, de outro lado.
Sendo assim, o teólogo contemporâneo precisa separar o kerigma (transliteração da palavra grega
que significa “conteúdo da pregação”), de sua envoltura mitológica. O kerigma seria a entranha
irredutível na qual o homem moderno deve crer.
A ideia de mito, para Bultmann, tem sua origem no pensamento pré-científico do século primeiro. O
propósito do mito seria expressar a maneira como o homem vê a si mesmo, e não apresentar um
quadro objetivo e histórico do mundo. O mito emprega imagens e termos tomados deste mundo
para transmitir convicções acerca do enfoque que o homem tem de si mesmo. No século primeiro, o
judeu entendia o seu mundo como um sistema aberto a Deus e aos poderes sobrenaturais. Nessa era
pré-científica, acreditava-se que o universo tinha três níveis, com o céu acima, a terra no centro e o
inferno debaixo da terra. Bultmann insiste que essa é a visão de mundo encontrada na Bíblia.
Esta inserção mítica, segundo Bultmann, também foi utilizada para transformar Jesus. A pessoa
histórica de Jesus, segundo esse professor, se converteu rapidamente em um mito do cristianismo
primitivo, e é por isso que Bultmann argumenta que o conhecimento histórico de Jesus não tem
valor para a fé cristã primitiva, pois o quadro apresentado pelo Novo Testamento é de índole
essencialmente mítica. Os fatos históricos acerca de Jesus se transformaram em uma história mítica
de um ser divino e preexistente que se encarnou e expiou com seu sangue os pecados de todos os
homens, ressuscitando também dentre os mortos e subindo ao céu e, segundo se cria, regressaria
rapidamente para julgar o mundo e iniciar uma nova era. Esta história também foi embelecida com
histórias milagrosas, vozes celestes e triunfos sobre demônios. Bultmann afirma que toda essa
apresentação que o Novo Testamento faz de Jesus não passa de mito., isto é, do reflexo do
pensamento pré-científico das pessoas do século primeiro, que criaram esses mitos para entenderem
melhor a si mesmos. Esses mitos, segundo ele, não tem nenhuma validade para o homem do século
vinte, que acredita em hospitais, e não em milagres; em penicilina, e não em orações. Para
transmitir com eficácia o evangelho ao homem moderno, devemos despojar o Novo Testamento dos
mitos e encontra o Evangelho por trás dos Evangelhos. É este processo de descobrimento que
Bultmann chama de desmitologização.
O processo de desmitologização, segundo o próprio Bultmann, não significa negar a mitologia, e
sim interpretá-la existencialmente, em função da compreensão que o homem tem de sua própria
existência. Bultmann busca fazer essa interpretação existencialista dos mitos utilizando conceitos do
filósofo existencialista alemão Martin Heidegger (1889). Assim, ele afirma que o suposto
nascimento virginal de Cristo é uma tentativa humana de expressar o significado de Jesus para a fé.
A cruz de Cristo também perde seu significado expiatório. Cristo na cruz não está fazendo nenhuma
substituição vicária: ela tem significado apenas como símbolo de que o homem assumiu uma nova
existência, renunciando toda a segurança material por uma vida que se vive apoiado no
transcendente.
6.2- Características básicas da mitologia do Novo Testamento.
Em ultima análise, Bultmann diz que as características básicas da mitologia do Novo Testamento se
concentram em duas categorias de autocompreensão: a vida fora da fé e a vida de fé.
A vida fora da fé.
Nesse sentido, os termos conhecidos como pecado, carne, temor e morte são apenas explicações
míticas da vida fora da fé. Em termos existenciais, pode-se dizer que significam uma vida escrava
das realidades tangíveis, visíveis e que perecem.
A vida de fé.
A vida de fé, por outro lado, consiste em abandonar completamente esta adesão às realidades
tangíveis. Significa ainda a libertação do próprio passado e a abertura para o futuro de Deus. Para
Bultmann, essa abertura ao futuro de Deus é o único significado real da escatologia. A implicação
desse pensamento é que o viver escatológico genuíno é viver em constante renovação através da
decisão de obedecer.
6.3 – Objeções à doutrina de Bultmann.
A teologia de Bultmann é anti-cristã e herética, e o nosso juízo sobre ela deve ser negativo por
vários aspectos:
Primeiro, a desmitologização, assim como a neo-ortodoxia, tem grande dívida com a filosofia
existencialista, que está em desacordo com o Novo Testamento. No existencialismo, assim como na
neo-ortodoxia e na teologia da desmitologização, o enfoque central é o próprio homem, quando na
Bíblia o enfoque é Deus. Sob influência do existencialismo, Bultmann coloca o homem no centro
das atenções, cometendo uma injustiça e porque não dizer, sendo desonesto para com o caráter
teocêntrico do Novo Testamento. O verdadeiro propósito do Novo Testamento é proclamar que o
Deus soberano veio ao mundo na pessoa de Jesus para restaurar a natureza humana e resgatar a
humanidade. O coração do Novo testamento continua sendo Deus, e não o Homem.
A desmitologização destrói a objetividade do Novo Testamento, portanto, é anti-cristã. Ela converte
a Bíblia em uma religiosidade baseada no irreal e pré-científico. A religião cristã se transforma em
um aglomerado de mitos e a historicidade dos eventos milagrosos é logo descartada. Herman
Riddebos nota que, segundo Bultmann, Jesus “não foi concebido pelo Espírito Santo, nem nasceu
da virgem Maria. Sofreu sob Pôncio Pilatos e foi crucificado, mas não desceu ao hades, não
ressuscitou dos mortos e nem subiu aos céus. Também não está assentado à direita de Deus Pai e
não voltará para julgar os vivos e os mortos”. Segundo Bultmann, ressurreição, inferno e
nascimento virginal são palavras desprovidas de significado real, não sendo literais. São dogmas
mitológicos e não expressam nenhuma realidade objetiva. O mesmo ocorre com a trindade, com a
expiação vicária e com a obra do Espírito Santo.
O cristianismo primitivo está marcado pelo impacto da pessoa e da obra de Cristo. Não existe outra
justificativa capaz de explicar o nascimento da igreja e da sua teologia, porém Bultmann reduz sua
influência à zero. Ele preconceituosamente assume uma postura anti-sobrenaturalista e presume,
com base em seus conceitos tendenciosos e sem nenhuma evidência plausível, que todos os relatos
confiáveis acerca de Jesus ficaram suprimidos ou destruídos no breve período que transcorreu entre
sua vida terrena e o início da pregação evangélica. Seu ceticismo é insustentável. Será que 50 dias é
tempo suficiente para que os discípulos viessem a esquecer tudo o que ouviram e viram?
David Hume
Não foi só Heidgger que influenciou a teologia de Bultmann. As ideias de David Hume, o cético
escocês, haviam influenciado o mundo e seu legado se estendia à época de Bultmann. É
injustificável a negação de Bultmann dos relatos sobrenaturais e a classificação arbitrária desses
relatos como sendo essencialmente mitológicos. Também podemos perceber várias pressuposições
do liberalismo clássico na obra de Bultmann, razão pela qual tanto o seu método crítico como sua
teologia da desmitologização ganharam o apelido de neo-liberalismo. Bultmann é totalmente
incoerente ao basear suas ideias nas Escrituras, pois o que ele chama de mito, a Bíblia chama fato.
Seu antropocentrismo pode estar bem de acordo com a filosofia existencialista, mas é totalmente
oposto ao caráter teocêntrico do Novo Testamento.
O desvendamento das Escrituras pela desmitologização é herético. Ao contrário do que Bultmann
pretende, não é a desmitologização que desvendará de modo compreensível as Escrituras para o
homem moderno, e sim o Espírito Santo. Somente ele, segundo a Bíblia, é que pode dissipar as
trevas da incredulidade levando o pecador a ver o Evangelho.
Com seu método interpretativo, Bultmann nos desafia a compreender o homem moderno, quando
pregamos a ele. Esse enfoque é digno e necessário, mas não é “desmitologizando” o Evangelho e
interpretando-o existencialmente que nós solucionaremos os problemas da humanidade. Ao
apresentar a mensagem cristã ao homem moderno, devemos ter em mente que por mais moderno
que ele seja, ele ainda é homem natural, e portanto “não pode compreender as coisas que são do
Espírito de Deus, porque lhe parece loucura” (1 Coríntios 2.14). Creio que esse versículo, mais que
qualquer outro, pode ser aplicado ao método interpretativo de Rudolf Bultmann.
HEILSGESCHICHTE, DE OSCAR CULLMAN
Heilsgeschichte: A escola teológica do Dr. Oscar Cullmann
Parte do mundo teológico do século vinte gira em torno de uma palavra alemã, Heilsgeschichte, que
pode ser traduzida para a língua portuguesa como história da salvação. A palavra ganhou um
significado mais pleno dentro da teologia ocidental contemporânea após os escritos do teólogo
suíço, perito no Novo Testamento, o Dr. Oscar Cullmann. Ainda que o significado e origem de
heilsgeschichte remonta aos teólogos alemães do século dezenove, como J.C.K. von Hofmann e
Adolf Schlater, o Dr. Cullmann é a pessoa que popularizou o termo no século vinte.
Introduzir neste ponto nosso estudo sobre Cullmann e a Heilsgeschichte é intencional, porque parte
da obra de Cullmann foi escrita de modo a refutar e interagir algumas ideias de dois importantes
teólogos contemporâneos, cujos pressupostos já foram apresentados, a saber: Barth e Bultmann. De
Karl Barth, a Heilsgeschichte de Cullmann tomou muitas ideias básicas para um novo enfoque da
história. Também foi influenciado pela compreensão cristocêntrica do barthianismo e pelo conceito
definitivo do papel da fé na revelação divina. De Rudolf Bultmann, Cullmann tomou os métodos
exegéticos da crítica formal para aplicá-lo em sua reconstrução da história do Novo Testamento.
Devido a essa relação com os escritos de Barth e Bultmann, é sábio referir-se as ideias de Oscar
Cullmann como sendo neo-ortodoxas em sua orientação.
O mais interessante na obra de Cullmann é que, ao mesmo tempo em que Cullmann manteve
algumas ideias de Barth e Bultmann, ele não temeu desassociar-se desses homens. Ele diz que Barth
e Bultmann assimilaram noções filosóficas estranhas “que corromperam sua percepção da
mensagem espontânea do Novo Testamento”. Segundo Cullmann, o impulso de Bultmann,
principalmente ao fazer distinção entre os elementos essenciais e acidentais da mensagem do Novo
Testamento, é arbitrário e ingênuo. O Novo Testamento, segundo ele, deve ser a chave para a
compreensão de si mesmo.
Esta diferença entre Cullmann e seus contemporâneos pode explicar porque muitas de suas ideias
têm sido aceitas aos evangélicos ocidentais, ao passo que as ideias de Barth têm sido rejeitadas.
Seus escritos são menos dependentes do existencialismo e de outros pressupostos filosóficos, e mais
dependentes da exegese bíblica do que a obra de Barth e Bultmann. Diferente desses dois homens,
ele submeteu suas interpretações ao contexto que lhe oferecia a própria Escritura, se opondo
fortemente a muitas características radicais da crítica formal e da desmitologização. Neste mesmo
sentido, enfatizou a importância da história para a compreensão adequada da Bíblia. Ainda que seu
conceito de história está bastante renhido com o evangélico, sua ênfase na idéia central da história
da salvação, de que Deus atua na história, comunga muito bem com a teologia ortodoxa. Outro
ponto importante na teologia do Dr. Cullmann é a ênfase cristológica de seus escritos. Um dos
livros mais inteligentes de Cullmann é um estudo exegético dos títulos de Cristo no Novo
Testamento. Neste livro ele afirma que a teologia cristã primitiva é quase exclusivamente
cristologia.
7.1- Principais postulados da escola Heilsgeschichte de teologia.
A Heilsgeschichte (daqui por diante nos referiremos a ela apenas por história da salvação), como
escola de interpretação teológica insiste principalmente na história e na revelação de Deus na
história. O tempo, para Cullmann, é algo no qual Deus atua para realizar a salvação do homem em
Cristo. A revelação e a redenção divina estão baseadas em realidades históricas bem objetivas, e
não em mitos levantados pela igreja, como afirma Bultmann, porém, ao enfatizar a história como
veículo da revelação, Cullmann consequentemente está privando a Escritura de ser o dado básico da
religião cristã. O dado básico passa a ser a história santa e a Escritura passa a ser apenas uma
constante desse dado definitivo, e não uma realidade em si mesma. Como afirmou George Ernest
Wright, perito em Antigo Testamento da mesma escola, “a revelação se dá em fatos históricos, não
em palavras. Devemos entender o Novo Testamento como testemunho dos atos reveladores de
Deus”.
A ação central na história da salvação é a primeira vinda de Jesus Cristo como Salvador. Toda a
história e todo o tempo, segundo Cullmann, são um drama mundial e Jesus é a figura principal neste
drama. Os judeus no tempo do Novo Testamento aguardavam a vinda do Messias-Salvador como o
anuncio iminente do fim do mundo, o centro da história, depois do qual viriam as glórias da era
vindoura. A Bíblia dá testemunho que Jesus é o messias e que ele deu início a essa nova era.
Isso implica em uma nova perspectiva escatológica. Para Cullmann, a escatologia inclui todos os
sucessos salvadores a partir da encarnação e concluirá com a segunda vinda. As bênçãos da era
vindoura começaram com a obra e o testemunho de Cristo, mas sua finalização está reservada para
o tempo da segunda vinda, quando o Reino de Deus estará presente de modo pleno, em todo o seu
poder e glória. A igreja, portanto, apareceu na história da salvação na fase final do plano de
redenção divino. A batalha que decide a vitória final já teve seu lugar, de modo que a história se
encontra em um drama cósmico, sendo ela mesma a chave de ação na linha estreita da história
bíblica. A razão pela qual Cullmann não admite que o Evangelho seja revelação é justamente essa:
aceitar o Evangelho seria limitar a ação de Deus a essa linha estreita.
Quanto à revelação, Cullmann afirma que o interprete somente conhece a história quando se
identifica com ela. Obviamente que essa é uma idéia neo-ortodoxa. A história, quando o interprete a
conhece, passa a ser revelação, e o estudioso participa dessa história pela fé. A pesar da forte
insistência na historicidade dos relatos bíblicos, Cullman e os outros teólogos da história da
salvação ainda têm dificuldades em considerar o significado da salvação como algo objetivamente
acessível, e continua falando da experiência religiosa como ponto de apoio da revelação.
7.2- O pensamento de Cullman e a ortodoxia teológica.
Apesar da crítica que Cullmann faz do uso da crítica formal por parte de Bultmann, em última
análise, o uso que ele mesmo faz do criticismo faz distinção entre a Bíblia e a palavra de Deus.
Cullmann chama o relato Bíblico da criação e a segunda vinda de mitos, o que mostra que ele não
está totalmente disposto a admitir a realidade da revelação como verdade infalível contida na
Escritura.
Com relação ao conceito de Cullmann sobre a revelação, também deveríamos advertir que ele
continua dependendo muito do subjetivismo da neo-ortodoxia. A teologia da reforma sempre
insistiu na necessidade da iluminação do Espírito Santo para compreender a revelação de Deus
(1Coríntios 2.14). O maior propagador da história da salvação crê que, a menos que o homem a
entenda, ela nem mesmo é revelação.
Por último, sua ênfase exclusivamente cristológica acaba por converter o cristianismo em
cristomonismo – para usar uma terminologia barthiana – , pois ao enfatizar demais o
cristocentrismo, ele acaba por negligenciar as formulações cristãs históricas da doutrina da trindade.
É verdade que a teologia da igreja primitiva estava marcada pela cristologia (2Coríntios 13.13), mas
era também uma teologia trinitariana (Romanos 8.31-39; João 1.18 e 1Coríntios 15.28).
Como já foi esposado anteriormente, a teologia da Heilsgeschichte se parece muito com a teologia
ortodoxa. Sua forte insistência na salvação como um sucesso histórico centrado em Cristo é muito
útil como defesa apologética e refuta a contento o programa de desmitologização de Bultmann.
Suas ideias acerca da relação entre a escatologia e a primeira vinda de Cristo, têm se demonstrado
especialmente úteis, inclusive para corrigir certa insistência ortodoxa do passado. Suas ideias
exegéticas a respeito das escrituras também são parte significativa de sua contribuição para a
teologia. Junto com isso, o leitor evangélico deve ter sempre presente que os pressupostos básicos
de Cullmann são os de Barth e Bultmann e consequentemente essas mesmas ideias às vezes são um
estorvo para o exame e compreensão da história da salvação.
TEOLOGIA SECULAR, COX E BUREN
Martin Van Burer
Teologia Secular: Robinson, Cox e Buren: Uma teologia do mundo para o homem moderno.
Na idade média houve uma forte tendência eclesiástica de sacramentalizar a sociedade, de tal forma
que o pensamento teológico acerca do Reino de Deus se mesclou com as pretensões do papado. A
intenção era trazer o Reino de Deus através da força militar e plantar suas ideias na sociedade. Em
meados do século vinte, a tendência parecia ser a oposta. Desde Karl Barth, havia um forte clamor
por um cristianismo menos dogmático e mais vivenciável, e no período pós-guerra esse clamor se
intensificou e se homogeneizou com algumas ideias extremamente sociais e humanistas. Começava
a nascer então a teologia da secularização.
Poucos sabem, mas o secularismo tão presente e difundido em nossa era, já esteve organizado em
um forte sistema religioso. A princípio, os secularistas conservaram alguma forma moderada de
religião, talvez por medo de se oporem ao amor e ao culto cristão, mesmo quando pensavam que a
ideia de Deus era obsoleta. Esse tipo de concessão, porém, está mudando vertiginosamente, tanto
que se cumpre hoje o que foi dito por certo comentarista: “no fim do século vinte, os cristãos
consagrados serão uma minoria consciente no ocidente, rodeados por um paganismo agressivo e
arrogante, que é o desenvolvimento lógico da nossa tendência secularista”. De fato, o final do
século vinte e início do século vinte e um, foram marcados por uma forte tendência secular,
apostasia deliberada e oposição aberta ao sagrado.
Uma das manifestações mais abertas e nocivas dessa “deserção secularista de Deus” que caracteriza
a apostasia, encontra sua versão religiosa no que passou a chamar-se teologia secular. Sendo esse
um movimento com muitas posições extremas, resiste a toda definição, ainda que exige atenção. O
conhecido movimento da morte de Deus talvez tenha já morrido como moda teológica, porém,
como ramificação da teologia secular, ele continua influenciando a igreja e seus ensinos sadios.
Esse radicalismo ateológico ganhou proporções gigantescas no best-seler de John Robinson, Honest
to God (1963). O livro de Robinson começa com o convencimento de que a idéia de um Deus “lá
em cima”, tão transcendente como na teologia de Kierkgaard, de Barth e na filosofia de Kant deve
ser deixada de lado por se tratar de uma ideia antiquada e errônea. O problema é que ao invés de
buscar a moderação entre a transcendência e a imanência de Deus, ele parte para a ideia de um Deus
no nosso interior, algo totalmente imanente. Robinson reafirma que Deus é o fundamento do nosso
ser, e acrescenta que a igreja nunca deveria ser uma organização para homens religiosos; não deve
haver uma distinção entre igreja e mundo. O lema desses novos “crentes”, cristãos secularistas é
“ama a Deus e faça o que quiser”.
A Cidade Secular - Harvey Cox
Em outro livro, escrito em 1965, se percebem as mesmas exigências teológicas. A Cidade Secular,
de Harvey Cox, apresenta o secularismo não como inimigo da igreja, mas como fruto do evangelho.
Por secularismo, Cox entende o processo histórico pelo qual a sociedade se liberta do controle da
igreja e dos sistemas metafísicos fechados. O centro de interesse dessa nova teologia não é a igreja,
mas sim o mundo e as suas necessidades. O Deus da Bíblia, segundo ele, deve ser redefinido como
sendo o Deus deste mundo (cf. 2 Coríntios 4.4).
8.1- A postura da teologia secular.
Quais seriam os pressupostos dessa teologia do mundo? Que ideias os chamados teólogos seculares
defendem? O que apresentamos à seguir são as principais ideias esposadas pela teologia do mundo.
Em primeiro lugar, os teólogos seculares estão de acordo que os problemas deste mundo deveriam
ser uma das preocupações vitais da igreja.Eles reclamam que a igreja tem se esquivado e
racionalizado quanto as suas falhas em não enfrentar-se com os males sociais e políticos. Com
respeito a isso, a voz mais eloquente foi Dietrich Bonhoeffer, pastor alemão executado pelos
nazistas durante a Segunda Guerra Mundial por participar de um complô contra a vida de Hitler. O
espírito ativista de Hitler é o espírito da teologia secular, e talvez seja essa a razão pela qual ele
chegou a ser considerado uma espécie de patrono do secularismo teológico. Muitos dos valores
desse movimento teológico foram retiradas do diário e das cartas de Bonhoeffer, escritas na prisão,
enquanto este aguardava a execução.
Dietrich Bonhoeffer
A conduta de Bonhoeffer é reprovável e anti-cristã. A Bíblia nos instrui a amar nossos inimigos
(Mateus 5.44), não a assassiná-los; a orar pelas autoridades (1 Timóteo 2.2), e não lutar contra elas.
Porém, seus pressupostos nos trazem à mente uma verdade que foi expressa pelo próprio
Bonhoeffer, a de que “não se pode encerrar a Cristo na sociedade sagrada da igreja”. O campo é o
mundo, e a nossa teologia não deve ser confinada às quatro paredes da nave de um templo.
Os teólogos seculares também afirmam que nossa teologia deve expressar um espírito de
secularização. Harvey Cox diz que devemos deixar de falar da ontologia antiquada para
começarmos a falar de funções e de ativismo dinâmico. Nas palavras de Robinson, a pergunta
“Como posso encontrar um Deus benigno?” deve ser substituída por “Como encontrar um próximo
benigno?”. Sem dúvida, o mais radical dos teólogos seculares é Paul Van Buren. Buren, em seus
razoamentos teológicos afirma que o próprio Deus deve ser excluído do cenário teológico. O
cristianismo, segundo ele, deve ser reconstruído sem Deus, e Cristo deve ser visto como o
paradigma da existência humana. Na teologia secular, não há espaço para o Jesus salvador. Ele é, no
máximo, um bom exemplo.
A terceira objeção diz respeito à possibilidade do sobrenatural. Existe na teologia secular um
esforço para minimizar o sobrenaturalismo. A ideia liberal de que Jesus foi apenas um homem bom
que viveu perto de Deus ganhou vida dentro da teologia secular. Robinson fala da expiação como “a
entrega completa de Jesus em amor”, no qual ele “revela que o fundamento do ser humano é o
amor”. Ele, assim como Cox e Buren, repudia a ideia de uma expiação sobrenatural e perdoadora. É
uma teologia totalmente naturalista, cujo Deus é literalmente o Deus deste mundo (2 Coríntios 4.4).
Assim também, os teólogos seculares rejeitaram totalmente o reino sobrenatural e a segunda vinda
de Cristo. O único mundo real é o aqui e agora, e a ideia do céu é chamada por eles de “escotilha de
escape”.
8.2- Avaliação da teologia secular.
Há quem creia que a teologia da secularização tenha trazido apenas prejuízo à teologia ortodoxa,
mas, apesar do prejuízo causado ter sido maior que o bem que ela tem feito, uma da suas
contribuições para a teologia ortodoxa foi plantar algumas perguntas que os teólogos, encerrados
em seus sistemas dogmáticos, não tinham pensado em fazer, e muitas delas têm repercussão
missionária e verdadeira importância na contextualização da mensagem cristã para o mundo.
Qual deve ser a reação da igreja perante essas doutrinas? Certamente reconhecemos que esses
homens captaram o espírito de nosso tempo. O problema é que eles não somente captaram, senão
que deixaram dominar-se por ele. A teologia secular é radical e anti-bíblica. É verdade que Jesus
recomendou que preocupássemos com os males do nosso mundo e buscássemos corrigi-los (Mateus
25.31-46), mas os teólogos seculares confundem o serviço no mundo com serviço para o mundo;
estamos no mundo para servir nele, e não para servir a ele. Além do mais, eles esquecem que o
amor de Deus escolhe filhos, e não apenas servos. A vida cristã é um viver com Deus, é uma vida
em adoração e não somente uma vida de trabalhos humanitários. Os teólogos seculares vestem seu
humanismo de jargões teológicos e nos ensinam a viver no mundo de Marta, quando uma coisa só é
necessária.
A teologia secular, em seu repúdio pela metafísica e a ontologia, demonstram seu preconceito
quanto ao mundo fenomenal. Eles não querem uma Bíblia sobrenaturalmente inspirada, não querem
crer em um Deus ativo na criação, e não esperam um reino futuro. Tal como Bultmann, eles
ignoram o sobrenatural. Sua teologia é a essência da apostasia descrita na Bíblia como característica
do tempo do fim. A teologia secular fala de um reino centralizado na obra e no futuro de um homem
autônomo. O único reino que a Bíblia conhece está centralizado no poder e na obra de Cristo, nunca
no homem (cf. Mateus 11.11 ss.; 12.22 ss.).
A teologia secular demonstra o desejo de uma reformulação do cristianismo em termos que sejam
aceitáveis para o pensamento moderno e que possa ser traduzido em termos compreensíveis para o
homem do século vinte. A teologia secular é uma teologia mundana elaborada para responder à
incredulidade arrogante de um homem que não ama a Deus, mas a si mesmo.
ÉTICA SITUACIONAL, DE JOSEPH FLETCHER
Joseph Fletcher
Ética Situacional: Joseph Fletcher e um novo conjunto de valores para o homem moderno
Não demorou muito para que o ocidente abandonasse as ideias éticas tradicionais do cristianismo. O
homem moderno distanciou-se de Deus, e ao distanciar-se perdeu também seus valores éticos, e
consequentemente teve que partir em busca de uma nova moralidade. É esse novo conjunto de
valores do homem moderno que nós denominamos ética situacional.
Com raízes que penetram os princípios éticos de homens como Karl Barth, Rudolf Bultmann e Paul
Tillich, com princípios teológicos mais existencialistas que puritanos, mais neo-ortodoxos do que
propriamente ortodoxos, o movimento chamou a atenção da opinião publica em 1966, quando o Dr.
Joseph Fletcher, professor de ética social no Seminário Episcopal de Cambridge, Massachusetts,
publicou o livro Situation Ethics. O livro de Robinson, Honest to God, também ajudou a propagar
as idéias do movimento.
A popularidade da ética situacional como sistema teológico não teve tanta influência nos seminários
teológicos protestantes do Brasil, embora como sistema filosófico, suas idéias tenham sido
rapidamente implantadas nas universidades brasileiras. Quanto aos pressupostos da ética
situacional, Fletcher definiu esses pressupostos como sendo:
Pragmatismo – Doutrina segundo a qual o valor da verdade é determinado pela
funcionabilidade.
Relativismo – Conceito filosófico segundo a qual a verdade é um valor subjetivo, não
havendo imposição moral absoluta.
Positivismo – Segundo essa cosmovisão, as declarações de fé são voluntaristas e não
racionais.
Existencialismo – Filosofia que coloca o homem no centro do universo. O importante não
são os valores objetivos, mas a maneira como o ser humano experimenta esses valores.
Essa nova moralidade religiosa, ou ética situacional, se opõe grave e abertamente a muitas formas
da “ética tradicional”. Ela é uma reação às leis, normas e princípios morais da velha moralidade,
sustentada como modo ideal de conduta. Robinson diz que a velha moralidade é dedutiva,
começando a partir de normas absolutas, eternamente validadas e imutáveis. A nova moralidade,
por sua vez, é indutiva, começando com a própria pessoa, o que denota, segundo ele mesmo, a
prioridade da pessoa sobre os princípios. Com isso, a ética situacional exalta o homem sobre a lei.
O critério fundamental e único de conduta para o situacionista, não é um código ético, e sim o amor
ágape, um amor desinteressado e sacrificado, porém tal amor é impossível dentro de uma teologia
pragmática, em que os fins justificam os meios. Para Robinson e Fletcher, o único mal intrínseco é a
falta de amor e o único bem e virtude é exclusivamente o amor. A nova moralidade da qual o
homem moderno se vê vestido tende a ver toda a moralidade cristã como um conjunto de tabus que
devem ser quebrados a todo custo. Não há nela nenhuma menção a pureza sexual, ao contrário, ela
promove a sensualidade. Ao afirmar que aquilo que é feito com amor não é pecado, a nova ética
transforma o amor ágape em eros.
A principal característica da ética situacional é que o fim justifica os meios. Pode um bom fim ser
anulado por um meio mau? Para a ética situacional, a resposta é não. Certo e errado dependem da
nossa decisão neste mundo relativista. Por exemplo: “se o bem estar emocional e espiritual do casal
e dos filhos será promovido com a separação do casal, então, neste caso, o amor exige o divórcio”.
O certo e o errado, segundo a cosmovisão situacionista, é uma questão subjetiva, pragmática,
existencial e deve estar baseada no amor. Em outras palavras, para Fletcher e os demais teólogos da
situação, ao avaliar a veracidade de um determinado comportamento a pergunta a ser feita não é “o
que a Bíblia diz?”, mas: “o que eu acho disso?”, “de que forma isso pode me dar prazer?”, “dará
certo?” e por último “eu estou fazendo por amor?”. É claro que esses conceitos são demasiadamente
ingênuos e conduzem fatalmente à imoralidade.
9.1- Conhecendo os pressupostos da nova moralidade.
Quanto ao pragmatismo como tendência evangélica, John F. McArthur diz o seguinte: “Oponho-me
ao pragmatismo tão frequentemente defendido por especialistas em crescimentos de igreja, que
colocam o crescimento numérico acima do crescimento espiritual, crendo que podem induzir esse
crescimento numérico por seguirem quaisquer técnicas que parecem produzir resultados naquele
momento”. O pior de tudo não é quando as tendências pragmáticas são usadas para construir o
crescimento de igrejas – ainda que o pragmatismo já seja um conceito escandaloso em si mesmo –
mas sim, quando a ética cristã é comprometida no afã alcançar as massas, conforme diz C. Peter
Wagner, que também é um pragmático: “A Bíblia não nos consente pecar, a fim de que a graça seja
mais abundante, ou não permite usarmos quaisquer meios que Deus tenha proibido, a fim de
alcançarmos os fins que Ele nos recomendou”. É justamente esse tipo de pragmatismo imoral e anti-
cristão que Fletcher propõe em sua teologia. É tolice pensar que alguém pode ser bíblico e
pragamático, ao mesmo tempo. O pragmatista deseja saber o que produzirá resultados. O pensador
bíblico, por outro lado, se importa tão-somente com o que a Bíblia ordena. As duas filosofias se
opõem mutuamente no nível mais básico.
O pragmatismo também foi a maior tendência da igreja ocidental na segunda metade do século
vinte. Em 1955, de um modo quase profético, o estudioso A.W. Tozer discorreu sobre o futuro da
igreja nestes termos: “Digo sem hesitação que uma grande parte das atividades existentes hoje nos
círculos evangélicos não são apenas influenciadas pelo pragmatismo, mas parecem totalmente
dominados por ele”. Este mesmo escritor acrescenta, em tom de desabafo: “A filosofia pragmática
[...] não faz perguntas embaraçosas a respeito da sabedoria daquilo que estamos realizando ou a
respeito de sua moralidade. Aceita como corretos e bons nossos alvos escolhidos, buscando meios e
maneiras eficientes para alcançá-los”.
Qualquer filosofia de ministério do tipo “fins-que-justificam-os-meios” inevitavelmente
comprometerá a doutrina, a despeito de qualquer proposição em contrário. Se a eficácia se tornar o
indicador do que é certo ou errado, sem a menor dúvida nossa doutrina será diluída. Em última
análise, o conceito de verdade para um pragmatista é moldado pelo que parece ser eficaz e não pela
revelação objetiva das Escrituras.
Assim como o pragmatismo, o relativismo também é uma afronta ao cristianismo. Não há nenhuma
possibilidade de ser um indivíduo cristão e ao mesmo tempo relativista, visto que as duas
cosmovisões são mutuamente excludentes. Além disso, o relativismo deve ser rejeitado por várias
questões. Se todas as reivindicações de verdade são de um mesmo valor, todas as proposições de
verdade são verdadeiras, e consequentemente, não há verdade nenhuma. Dentro de um sistema
relativista o assassínio, o estupro e o genocídio possuem o mesmo valor dos ideais cristãos da
caridade, perdão e respeito mútuo. Se a verdade é apenas uma questão relativa, não há razão
nenhuma no estudo da verdade. Do mesmo modo, se a verdade em moralidade é uma questão
pragmática e relativa, a única razão para ser bom é a vantagem que eu posso tirar da situação.
Porém, ao contrário do que ensina o relativismo, a verdade não é uma questão relativa, mas
extremamente absoluta que tem seu ápice na pessoa de Jesus (João 14.6). A Bíblia nos apresenta um
conjunto de imposições morais que devem ditar o nosso modo de viver, e não apenas ideias
pragmáticas e relativas (Mateus 5.44-48). Qualquer tentativa de conciliar o relativismo com o
cristianismo constitui irracionalidade e fraude.
O existencialismo é uma filosofia centrada no eu, portanto, como doutrina teológica ela comete
erros graves. Ao propor um antropocentrismo teológico, o existencialismo se descaracteriza
completamente como proposta bíblico-teológica. Deus é a pessoa central para quem todas as coisas
convergem, e não o homem (Romanos 11.36). Essa tendência de interpretar a Bíblia em termos
existenciais tem sua origem muito antes de Fletcher, no pensamento do dinamarquês Soren
Kierkgaard, bem como na teologia de Friedrich Scheleiermacher, e está sempre reaparecendo na
teologia contemporânea. Com idéias que remontam ao Romantismo, o existencialismo é uma forte
tendência na teologia contemporânea. O positivismo, por sua vez, é um fideísmo exagerado e anti-
bíblico. Como corrente teológica, tem sua maior abrangência nos círculos místicos, onde às vezes a
ignorância pretensamente se veste de autoridade espiritual.
9.2 – Uma análise da nova moralidade religiosa.
A ética situacional elabora seu programa sem dar nenhuma atenção ao arrependimento, ao juízo, à
fé e à redenção. Robinson deixa a impressão de que o homem moderno é tão maduro que precisa de
muito pouca – e talvez nenhuma – ajuda espiritual fora dos seus próprios recursos naturais,
expressando, sem nenhuma dúvida, a religiosidade idealizada pelo homem moderno. O sistema
ético situacional é um sistema que não pede nada em termos éticos e teológicos. As implicações
surgem em vários aspectos, desde desonestidade a imoralidade sexual. Poderia haver sistema
melhor para o homem natural?
A conclusão quanto ao referido capítulo é aparentemente óbvia: qualquer teologia do tipo “fins-que-
justificam-os-meios” inevitavelmente comprometerá a doutrina, a despeito de qualquer proposição
em contrário. Se a eficácia se tornar o indicador do que é certo ou errado, sem a menor dúvida nossa
doutrina será diluída. Em última análise, o conceito de verdade para um pragmatista/relativista é
moldado pelo que parece ser eficaz e não pela revelação objetiva das Escrituras.
TEOLOGIA DA ESPERANÇA, DE MOLTMANN
Teologia da Esperança: Jurgen Moltmann e a análise escatológica existencial
Em 1965, um jovem teólogo alemão da Universidade de Tubinga fez ressoar a sua voz através de
seu livro The Theology of Hope (A Teologia da Esperança), que saiu em inglês em 1967, cujo teor
repercutiu grandemente no mundo acadêmico. Há quem relacione ao movimento outros dois nomes:
Wolfhart Pannenberg, de Munique, e Ernst Benz, de Marburg, porém, em nosso estudo, entendemos
que Pannenberg se encaixa melhor em outro movimento, que apresentaremos no capítulo seguinte.
Porém, ainda que seja possível fazer essa distinção, não há como negar que esses homens possuem
muitos aspectos em comum. No ano de 1969, foi publicada a sua segunda obra, Religion,
Revolution and the Future (Religião, revolução e o Futuro). Os teólogos receberam entenderam o
livro de Jurgen Moltmann como sendo um chamado refrescante a uma maior valorização da
escatologia, dentro da teologia cristã, além de ser um ataque devastador aos teólogos
existencialistas que argumentavam na linha de Bultmann.
10.1 – Entendendo a teologia futurista de Moltmann.
A chave central para entender a teologia futurista de Moltmann é sua idéia de que Deus está sujeito
ao processo temporal. Neste processo, Deus não é plenamente Deus, porque ele é parte do tempo
que avança para o futuro. No cristianismo tradicional, Deus e Jesus Cristo aparecem fora do tempo,
no atempo. Na teologia de Moltmann, a eternidade se perde no tempo. Para Moltmann, o futuro é a
natureza essencial de Deus. Deus não revela quem ele é, e sim quem ele será no futuro. Desta
forma, Deus está presente apenas em suas promessas. Deus está presente na esperança. Todas as
afirmações que fazemos sobre Deus, são produto da esperança. Nosso Deus será Deus quando
cumprir suas promessas e com isso estabelecer o seu reino. Deus não é absoluto; ele está
determinado pelo futuro.
Segundo Moltmann, toda teologia cristã deve modelar-se através da escatologia. Acontece que a
escatologia para ele não significa a previsão tradicional da segunda vinda de Jesus. Moltmann
interpreta como aberta ao futuro, aberta à liberdade do futuro. Deus entrou no tempo, e
consequentemente o futuro se tornou algo desconhecido tanto para o homem como para Deus.
O cristianismo evangélico relaciona intimamente a ressurreição de Cristo com a escatologia. O
Cristo ressuscitado é “as primícias” da ressurreição (1Coríntios 15.23; At 4.2). A morte e
ressurreição de Cristo são a garantia que Deus dá de que haverá ressurreição futura, e por isso, o
começo da ressurreição final. A ressurreição de Cristo é um fato histórico que atribui pleno
significado ao nosso futuro. Porém, para Moltmann, a questão da historicidade da ressurreição
corporal de Jesus não é válida. Jesus ressuscitou dentre os mortos há quase dois mil anos com seu
corpo físico? Para Moltmann essa é uma questão sem importância. Não devemos olhar desde o
Calvário para a Nova Jerusalém, e sim olhar o nosso futuro ilimitado para o Calvário. Afirma-se
tradicionalmente que a ressurreição de Cristo é a base histórica da ressurreição final. Moltmann
porém diria que a ressurreição final é a base da ressurreição de Jesus.
Ainda quanto ao futuro, Moltmann diz que o homem não deve olhá-lo passivamente; ele deve
participar ativamente na sociedade. A tarefa da igreja é não é apenas se informar sobre o passado
para mudar o futuro. É também “pregar o Evangelho de tal forma que o futuro se apodere do
indivíduo e lhe impulsione a agir de modo concreto para mudar o seu próprio futuro. O presente em
si mesmo não é importante. O importante é que o futuro se apodere da pessoa no presente”.
Para que o futuro se realize na sociedade, as categorias do passado devem ser descartadas, pois não
existem formas ou categorias fixas no mundo. O futuro significa liberdade e liberdade é
relatividade.
O principal propósito da igreja é ser o instrumento por meio do qual Deus trará a “reconciliação
universal e social”. A participação da igreja na sociedade poderá utilizar a revolução como meio
apropriado, mesmo que ela não seja necessariamente o único meio. Neste avançar para o futuro, o
problema da violência versus não-violência recebe o nome de “problema ilusório”. A questão não é
a violência em si, e sim se o uso da violência foi justificado ou injustificado. Essa tendência
pragmática em que os fins justificam os meios é uma tendência muito forte dentro da Teologia da
Esperança.
Assim como na “Teologia Secular”, aqui também pode ser vista uma profunda consciência para
com o mundo. A ideia de Moltmann de considerar a Bíblia desde o começo como um livro
escatológico pode parecer um atrativo para o cristão ortodoxo. Realmente um assunto tão
importante quanto a escatologia não deveria ocupar as últimas páginas em nossos livros de teologia
sistemática. Porém, qualquer conservador certamente saberá reconhecer os erros patentes de
Moltmann, bem como os horrores que traria a sua visão ética.
10.2- Objeções à Teologia da Esperança.
Moltmann critica muitos conceitos neo-ortodoxos, mas ele acaba levando os conceitos barthianos
muito mais longe. Barth havia transcedentalisado a escatologia por meio do emprego da distinção
entre Historie e Geschichte, mas Moltmann foi ainda mais além, e rejeitou todo o conceito objetivo
da história. Se por um lado a dialética de Barth acabou com a possibilidade da relação entre história
e fé, a teologia de Moltmann destruiu até mesmo a possibilidade de haver história.
Ainda que Moltmann revista sua escatologia de conceitos bíblicos, seu sistema está mais
fundamentado no marxismo do que em Cristo. O primeiro livro de Moltmann, “Teologia da
Esperança” nasceu de um dialogo com o ateu alemão Ernst Bloch, e quando lemos o seu segundo
livro, vemos que nesse intercâmbio, Moltmann assimilou muitas idéias de Bloch.
A ideia que Moltmann tem da escatologia é destituída de base bíblica. Apesar de todo esforço de
Moltmann para produzir uma teologia bíblica, no final, seu sistema nada mais é do que uma
teologia centralizada no homem, em um homem que observa o futuro e age na sociedade. A meta
do futuro de Moltmann não é a plena manifestação da glória de Cristo; ela é a edificação da utopia
na terra. Para ele, o Reino de Deus se introduz na terra por meio da política e da revolução. Para o
apóstolo Paulo, no entanto, o Reino de Deus é, e será introduzido por meio da proclamação do
poder salvador de Jesus Cristo (Atos 28.30-31). Para Moltmann, esse reino é também uma realidade
terrenal e tangível; o Reino de Deus, no entanto, é descrito na Bíblia como celestial. Para
Moltmann, o Reino de Deus é trazido por meio da revolução; no entanto, segundo a Bíblia, o Reino
de Deus traz a paz, e não a guerra (Romanos 14.7).
Quanto ao conceito de Deus, ele não admitia nenhum Deus eterno ou infinito. Ao entrar no tempo,
segundo ele, Deus se tornou finito e aberto a um futuro desconhecido. O Deus da Bíblia existe de
eternidade a eternidade; o de Moltmann, porém, só existe no futuro, pois no presente ele sequer é
Deus. Como observou certo escritor: “No monte sinai, Deus disse a Moisés: Eu sou o que sou, mas
Moltmann não permitua que Deus lhe dissesse o mesmo.
A teologia de Moltmann tem maior dívida com Nietzche, com Overback e com Feurbach do que
com Paulo, Pedro ou João. Ela é mais marxista que bíblica, e mais filosófica que teológica. Em seu
afã de refutar as teologias não-ortoxas do seu tempo, Moltmann ultrapassou o limite do bom senso e
acabou por propor uma teologia quase tão nociva quanto aquela a que ele se dedicou a refutar. Essa
teologia do Deus finito e temporal, e que ainda incita a rebeldia e a revolução, não pode ser teologia
bíblica. Ela é antes, um tropeço, um escândalo e uma nociva ameaça à sã doutrina.
TEOLOGIA DA HISTÓRIA, DE PANNENBERG
Teologia da história: Wolfhart Pannenberg e a teologia histórica da ressurreição
No final da década de cinqüenta se podia facilmente perceber o surgimento de uma nova escola de
interpretação teológica. Esta nova ênfase podia ser claramente percebida nas teses de doutorado de
jovens professores como Ulrich Wilckens, Klaus Koch e Rolf Rendtorff. Porém, o maior nome
dessa nova escola foi sem dúvida o de Wolfohart Pennenberg, tanto que esse grupo de jovens
teólogos e a nova escola ganhou o epíteto de “círculo de Pannenberg”.
Wolfhart Pannemberg, jovem professor de teologia sistemática da Universidade de Mainz, na
Alemanha, foi o responsável por dar uma forma mais sistemática ao que posteriormente se
convencionou chamar Teologia da História, ou Teologia da Ressurreição.
Apesar do caráter particular da sua obra, há quem associe a este círculo o nome de Jurgen
Moltmann. É verdade que Pannenberg compartilhem algumas idéias comuns, como o interesse pela
relação entre a história e a fé, o desejo de uma orientação teológica escatológica e principalmente a
ressurreição de Cristo, além do esforço por refutar os pressupostos existencialistas de Bultmann.
Porém, mesmo com tal similaridade de interesses, seria incorreto agrupar os dois na mesma escola
de pensamento, isso porque, se por um lado há um ponto de contado entre os dois, por outro lado há
diferenças importantes entre esses dois esquemas teológicos. Por exemplo: Moltmann não está tão
interessado em alicerçar a fé na história. Outra diferença entre ambos está no modo de entender a fé:
Para Pannenberg, a fé está relacionada com o passado, enquanto Moltmann a relaciona com o
futuro. Neste sentido, Moltmann está muito mais vinculado a Bultmann que a Pannenberg. Os dois
também falam da ressurreição de cristo como um tema central da fé cristã, porém, enquanto
Moltmann descarta qualquer interesse pela ressurreição corporal como sendo algo impertinente,
Pannenberg reconhece a realidade histórica da ressurreição como algo crucial para a compreensão
do Novo Testamento. Pannenberg também não compartilha dos pressupostos marxistas de
Moltmann, nem com suas idéias de revolução social.
11.1- A questão da fé relacionada à história.
Em sua teologia, Pannenberg apresenta uma forte resistência às ideias de Rudolf Bultmann,
principalmente por seu conceito de redução da história à experiência individual. Ele também se
opõe à Karl Barth, acusando-o de proteger sua teologia, escondendo-a dos ataques da história.
As idéias de Pannenberg foram revolucionárias em seu tempo, ao ponto de certo crítico afirmar que
ele foi o primeiro teólogo alemão contemporâneo a romper totalmente com os pressupostos
dialéticos barthianos. Ele não consegue assimilar as ideias dialéticas. As supostas diferenças entre
Historie e Geschicthe, entre o Jesus histórico e o Cristo Kerigmático, e ainda os dois mundos
propostos por Kant: o dos fenômenos e o mundo numenal , na visão de Pannenberg são “um clamor
sem sentido”. A pregação da “Palavra de Deus” é uma afirmação vazia se não estiver relacionada
com aquilo que realmente aconteceu. A fé não pode ser separada de sua base e conteúdo histórico.
11.2- O conceito de revelação e fé em Pannenberg.
Pannenberg insiste em que a revelação de Deus não chega ao homem de forma imediata, e sim
mediata, por meio dos sucessos históricos. Ele afirma ainda que esta história na qual se dá a
revelação, não é uma revelação especial que só pode ser compreendida pela fé, como afirma a
escola Heilsgeschichte. Segundo ele, não devemos fazer distinção entre história salvífica e história
secular ou profana (distinção comum tanto na Heilsgeschichte como nas teologias existencialistas
contemporâneas), uma vez que os atos salvíficos de Deus realmente aconteceram e tem o seu lugar
na história. Para ele, a revelação se dá exclusivamente por meio de atos históricos.
Não existem partes específicas na história, ou ramificações dentro da história, antes, toda história é
algo plenamente conhecido e até mesmo ordenado por Deus. Esta revelação histórica está ao
alcance de todo aquele que tenha olhos para ver. O conhecimento histórico é a única base da fé. A
fé é, portanto, o conhecimento da verdade histórica.
11.3- Pannenberg e a ressurreição de Cristo.
Diferente de Moltmann e dos outros teólogos existencialistas, Pannenberg não busca desmitologizar
a ressurreição, isso porque, para Pannenberg, a ressurreição foi um fato histórico. Ele diz estar
convencido não só de que a crença da igreja na ressurreição não é um mito pré-fabricado, como
ensinou Bultmann, como também de que ela é historicamente demonstrável, em oposição clara e
aberta com a escola Heilsgeschichte. Ele se recusa a explicar os relatos evangélicos da ressurreição
como fruto da imaginação dos apóstolos, pois estes estavam muito desanimados após a morte de
Cristo para chegarem sozinhos à conclusão de que Cristo ressuscitou. Eles também não teriam
nenhum benefício em inventar uma mentira de tamanha proporção. A única explicação satisfatória
para a repentina mudança que ocorreu nos apóstolos é exatamente a ressurreição corporal de Cristo.
Além disso, a comunidade cristã primitiva não teria conseguido sobreviver, caso o túmulo de Jesus
não estivesse, de fato, vazia. A explicação inventada pelos judeus para refutar a ressurreição é que
os discípulos roubaram o corpo, mas ninguém se atreve a questionar a realidade do túmulo vazio. O
túmulo vazio é um fato histórico e aliado à mudança repentina que ocorreu nos discípulos, é uma
forte evidência de que Jesus realmente ressuscitou corporalmente.
11.4- Objeções à teologia de Wolfhart Pannenberg.
Ainda que Pannemberg ataque as posições de Barth e Bultmann no que concerne à relação entre fé
e história, há muitos aspectos em que ele parece mais um herdeiro da neo-ortodoxia que seu
oponente. Ele não confere à toda Bíblia o status de revelação divina, dando a entender que algumas
partes são mais importantes que outras. Embora o mesmo ocorra no pensamento de Agostinho e até
mesmo de Lutero, essa visão que ele possui da Bíblia tem levado muitos a relacionar o seu nome
com a crítica histórica e com o próprio Bultmann. Uma e outra vez ele insiste em que o nascimento
virginal é um mito. Ele também está de acordo com Bultmann em que os títulos que expressam a
divindade de Jesus foram criados pela igreja primitiva.
Ao fazer que a fé dependa exclusivamente da história, Pannenberg leva-nos a concluir que as
pessoas simples e sem condições para efetuar uma pesquisa investigativa, não são capazes de crer
por si mesmas; elas apenas podem crer quando ouvem e confiam no relato de um perito em história
cristã. Com isso, ele parece tirar a fé das mãos do crente simples e colocá-la nas mãos do teólogo
experiente, que garante a confiabilidade da informação.
Os críticos de também parecem indicar que, sobre esta base, Pannenberg não pôde explicar de modo
satisfatório a razão da incredulidade. Se a fé está baseada exclusivamente no conhecimento da
história e esta é o seu único fundamento, Porque foi que quando Paulo pregou em Atenas uns
creram e outros zombaram?
A teologia de Pannenberg é muito mais do que uma simples escola de interpretação. Ela é uma
brilhante defesa apologética em favor do cristianismo histórico. Seu sistema é mais ortodoxo que o
proposto pelos existencialistas e nos faz lembrar que, embora Barth e Bultmann hajam tido debates
acirrados, não existe grande diferença entre seus sistemas. Ambos advogam uma teologia dialética
que sufoca tanto a revelação histórica como o caráter universal do cristianismo. Além disso,
Pannemberg também ressalta que a falta de uma revelação objetiva da neo-ortodoxia é, de fato, uma
ameaça à própria revelação. Sua teologia também é importante porque ressalta ao mundo que a fé
cristã é a única verdade universal. Ao refutar a idéia neo-ortodoxa de que a revelação só se
transforma em verdade para as pessoas por meio de uma aceitação pessoal, Pannenberg destaca que
a revelação não se torna revelação quando é compreendida, ela é revelação, mesmo quando o
homem não se interessa ou busca compreendê-la.
TEOLOGIA DA EVOLUÇÃO, DE CHARDIN
Teologia da Evolução: Teilhard de Chardin e o darwinismo teológico
Um dos acontecimentos religiosos que mais despertaram o interesse dos teólogos no fim da década
de cinqüenta foi a popularidade póstuma do cientista e místico jesuíta Pedro Teilhard de Chardin
(1881-1955), fundador de um sistema teológico que ficou conhecido como teologia da evolução.
Durante sua vida, este teólogo foi impedido de publicar seus livros, considerados pela igreja
católica como sendo nocivos e de conteúdo herético. Porém, quinze anos depois da sua morte, esses
livros suprimidos durante toda a sua vida começaram a aparecer.
Embora ele tenha sido um teólogo católico, alguns dos seus comentaristas mais apaixonados são
cientistas e teólogos protestantes. Sua influência pode ser percebida até mesmo nos países que
compõem o nosso terceiro mundo. Francisco Bravo, estudioso equatoriano, publicou uma obra
meticulosa sobre Teilhard. Suas ideias lograram arrancar elogios até mesmo de Dom Hélder
Câmara, arcebispo do Recife.
Muitos fatores ajudam a explicar a repentina popularidade que alcançou a teologia de Teilhard. Sua
destacada personalidade e seu caráter humanitário podem ser percebidos por qualquer pessoa que o
tenha conhecido ou lido algo acerca da vida deste destacado sacerdote católico, que apesar das
restrições que o Vaticano impôs aos seus livros, permaneceu fiel a sua ordem durante toda vida.
Seus conhecimentos de geólogo e paleontólogo são grandes atrativos para o mundo científico.
12.1- Conhecendo a proposta teológica de Teilhard de Chardin.
O ponto de partida do pensamento teológico de Telhard é a evolução, a qual ele chama de “luz que
ilumina todos os fatos, curva a que devem seguir todas as linhas”. A terra, segundo ele, foi formada
ente cinco e dez milhões de anos e desde então vem se desenvolvendo através da evolução. Este
processo evolutivo avança segundo o que Teilhad chama de “lei da consciência e da
complexidade”, com o que ele alude que na evolução existe uma tendência por parte da matéria, que
a faz tornar-se cada vez mais complexa. O processo, segundo ele, pode ser resumido como consta
no seguinte esquema: Partículas elementares (chamadas de Ponto Alfa) => Átomos => Moléculas
=> Células Vivas => Organismos Pluricelulares. Ele admite que a terra veio a existir por meio de
um lento processo, que pode ser descrito na seguinte ordem: Barisfera (época da “terra derretida”)
=> Formação da crosta => Formação da água e do ar => Formação da atmosfera. Esta é a fase da
história evolutiva da terra aparece a vida biológica na terra, ou biosfera. Para descrever a etapa
seguinte, em 1920, Chardin criou o termo noosfera, que significa a “camada mental” da terra. Essa
noosfera nada mais é do que o surgimento do homem pensante sobre a terra. Esta é a etapa mais
importante na história do mundo, e também é chamada de hominização. Nesta fase, o processo
evolutivo adquire consciência de si mesmo.
Nessa etapa de sua teoria evolutiva, Teilhard começa a se apoiar na teologia para predizer o futuro
da evolução. Ele vê todo o processo evolutivo que começa com as partículas, o ponto Alfa; e
converge no que ele chama de Ponto Ômega, ou seja, a união sobrenatural de todas as coisas em
Deus. Assim sendo, Deus vem a ser a causa final, mais que a causa eficiente do universo, dando a
perfeição a todas as coisas. Nesta etapa, Deus será tudo em todos (1Coríntios 15.28), numa forma
superior de panteísmo, a expectativa da unidade perfeita, na qual cada um dos elementos alcançará
sua consumação, ao mesmo tempo que o universo.
Na teologia darwiniana de Teilhard, Cristo é o centro do processo evolutivo e o seu princípio
básico. O Cristo de Teilhard é o reflexo no coração do processo do ponto Ômega, e se encontra no
final do processo. Por meio de um ato pessoal de comunhão, Cristo incorpora em si o “psiquismo”
total da terra, e o universo se auto-realiza em Cristo. Esse movimento para o centro, para Teilhard, é
o processo de amor. O amor, segundo ele, não é exclusividade humana, e sim propriedade geral de
toda a vida, sendo ele a afinidade do “ser” com o “ser”. Movidos pelas forças do amor, os
fragmentos do mundo se buscam para que o mundo possa chegar a “ser”.
12.2- Principais objeções a teologia evolucionista de Chardin.
Os princípios de Teilhard de Chardin apresentam várias dificuldades para o crente ortodoxo. Sua
linguagem é obliqua e seu esforço hercúleo para fazer de Cristo o centro da evolução é desonesto e
contraditório. Sua teologia é o reflexo do pensamento naturalista do seu tempo. Sua ênfase na
personalidade autônoma que, desde Kant aparece e reaparece na teologia contemporânea, é também
contrária a Bíblia.
Dessa síntese filosófico/naturalista procedem as demais divergências de Teilhard com a teologia
ortodoxa. Assim como as teorias evolutivas seculares, a teologia evolucionista deste teólogo
descaracteriza a criação, tal como aparece na Bíblia. Há muitos teólogos contemporâneos que
concordam com a teoria da antiguidade da terra, e com a evolução das espécies à partir das espécies
criadas por Deus (Gênesis 1.21-25), fazendo diferenciação entre microevolução e macroevolução.
Microevolução é a mutação que ocorre dentro das espécies e seria o fator responsável pelas
diferentes raças de cães, diferentes tons de pele, etc., mas nenhuma dessas concessões desabilita o
esquema de criação conforme narrado em Gênesis. Ao contrário disso, a teoria de Teilhard é
macroevolucionista e negligencia completamente o ponto mais básico da criação que é Deus
fazendo todas as coisas do nada pela sua palavra, e criando cada ser em conformidade com a sua
espécie. Assim como todas as teorias evolucionistas seculares, a teologia de Teilhard Chardin parte
do pressuposto de que o homem alcança sua verdadeira dignidade e plenitude espiritual por meio do
processo evolutivo. Isso também é contrário a doutrina da graça, segundo a qual o aperfeiçoamento
advém da comunhão com Cristo Jesus.
Como todas as teorias evolucionistas, a teologia da evolução de Teilhard é demasiado otimista. Ele
divaga pela senda do universalismo e do panteísmo, prometendo um final feliz para todos, sem
fazer nenhuma alusão à graça de Deus. Talvez essa seja uma das razões da sua difusão rápida. O
homem moderno está disposto a aceitar qualquer tipo de droga entorpecente que se apresente sob o
pseudônimo de ciência.
A teologia de Chardin não permite que a graça seja graça, e nem permite que o pecado seja pecado.
A proclamação da evolução constante por parte de Chardin nunca se vê alterada pela realidade
bíblica do pecado no homem. Por essa mesma razão, a doutrina bíblica do juízo quase não se vê na
obra de Teilhard. O mal, para ele, é uma superabundância da estrutura de um mundo em evolução,
que se manifesta em planos diferentes, através da desordem material, morte, solidão e angústia.
A ideia de Teilhard de união do universo com Cristo, sendo que o universo representa o corpo
orgânico de Cristo ainda em evolução, apresenta dois grandes inconvenientes: Primeiro, tal união
tem como consequência lógica a deificação da criação (panteísmo). Em segundo lugar, a cristologia
de Chardin transforma o Cristo da Bíblia em um Cristo cósmico. Em última análise, o resultado de
tal união é a perda tanto do mundo, como de Cristo.
A teologia da evolução, bem como as teorias evolucionistas seculares, é antagônica a Bíblia. Não há
como sustentar esse sistema teológico sem perder a identidade cristã. Teilhard foi um homem
totalmente deslumbrado com as teorias científicas do seu tempo, chegando ao ponto de afirmar que
a evolução é “o sucesso mais prodigioso que a história jamais se referiu”. Ele se emociona tanto
com a evolução que se esquece que, segundo a fé cristã, o maior sucesso da história é a vinda de
Cristo, e não a teoria da evolução.
TEOLOGIA DO PROCESSO, DE HARTSHORNE
Teologia do Processo: Dr. Charles Hartshorne e a Teologia do Deus Finito
De origem norte-americana, essa nova escola teológica tem como seu maior expositor o professor
Dr. Charles Hartshorne, da Universidade de Chicago. A teologia do processo como escola teológica
é uma tentativa de restabelecer a doutrina de Deus em um mundo extremamente cético. Assim
como as outras teologias radicais surgidas no século vinte, a teologia do processo também toma por
empréstimo alguns pressupostos de uma vertente filosófica contemporânea, a saber, a filosofia do
processo, elaborada pelo famoso matemático e filósofo, Alfred North Whitehead (1861-1947), que
por sua vez, elaborou sua filosofia em torno de algumas ideias de Charles Darwin.
13.1- Pressuposições da Teologia do Processo.
Os filósofos antigos desenvolveram seus sistemas em torno da ideia de que o mundo era algo fixo,
em que o ser incluía o porvir. Whitehead desenvolveu seu sistema ao redor da ideia de que o mundo
é dinâmico, estando sempre em constante processo de transformação. Segundo ele, até Deus está
sujeito ao porvir (um conceito semelhante ao do teísmo aberto e da teologia da esperança). A
religião, para ele, “é a visão de algo que está além, atrás e dentro do fluxo passageiro das coisas
imediatas; algo que é real e ao mesmo tempo espera por realizar-se, algo que é uma possibilidade
remota e mesmo assim é o maior de todos os atos presentes, possuí-la é o bem último, e mesmo
assim, está além do nosso alcance”. O legado kantiano, como se pode observar, está bem latente na
filosofia de Whitehead.
Harthshorne desenvolveu ainda mais a filosofia de Whitehead e aplicou suas conclusões no cenário
teológico. Associado com teólogos radicais de língua inglesa como Norman Pittenger, Daniel Day
Willlians, Schubert Ogden e John Coob Jr., o grupo está convencido que para responder à “Teologia
da Morte de Deus”, devemos demonstrar a realidade objetiva de Deus através de uma metafísica
racional. Nesse sentido, Whitehead lhes serve como ponto de partida. As ideias de Chardin também
são muito parecidas com a dos teólogos do processo, isso porque tanto ele quanto Whitehead
assimilam idéias evolucionistas.
13.2- Objeções à teologia do processo.
Deus, segundo a teologia do processo, “não é um ser, e sim uma força dinâmica por detrás da
evolução, emergindo sempre em tudo, tanto na história como na natureza”. Com isso, a teologia do
processo descaracteriza Deus, reduzindo-o a um mero conceito panteísta. Assim como na filosofia
kantiana, na teologia do processo também há um grande apelo à autonomia e a liberdade humana.
Os teólogos do processo também comprometem a soberania de Deus. Deus, segundo Whitehead, é
“co-criador” do universo. A criação de Deus é um processo contínuo, uma coexistência de ordem e
liberdade na qual o homem participa para criar o futuro. Essa tendência teológica torna
injustificável a escatologia, pois uma vez que não há um Deus soberano e onisciente, não há certeza
alguma quanto aos eventos futuros. Desse modo, o livro de apocalipse e as profecias bíblicas
perdem todo o sentido.
Assim como na teologia de Paul Tillich, a teologia do processo tende à dissipar a ideia de Deus
como ser pessoal, reduzindo Deus à uma força que existe como o aspecto principal de todas as
coisas, o que reduz o cristianismo bíblico a uma mera versão panteísta de religião. Nas palavras de
Hartshorne, o teólogo do movimento, “Deus literalmente contém o universo”.
Ainda que muitos teólogos do processo se neguem a admitir que descrevem Deus em termos
panteístas, em sua teologia o mundo se torna necessário para que Deus exista. Além disso, o mundo
também condiciona as atividades de Deus. Dessa forma, o Deus pessoal da Bíblia que se auto-
revela, fala e atua por conta própria, e manifesta seus designos de forma inteligente, dentro da
teologia do processo é “uma sequência de experiências pessoalmente ordenada”, um conceito
mental tomado à partir de analogias da experiência humana.
Mesmo que a teologia do processo tenta dar um “toque bíblico” em sua teologia, esse biblicismo é
apenas aparente. Como disse Carl Henry: “apesar de todo esforço, [na teologia do processo] a
criação se transforma em evolução, a redenção se transforma em relação e a ressurreição se
transforma em renovação. Há um abandono do sobrenatural, os milagres desaparecem, e o Deus
vivo da Bíblia fica submerso em termos imanentes”. Como podemos ver, também na teologia do
processo há uma tendência em reinterpretar os milagres da Bíblia em termos existenciais.
Sua cristologia também é bastante confusa. Cristo aparece mais como um “símbolo” da atividade
divina na terra do que como uma intervenção divina no curso desse mundo. Ele é um homem em
quem Deus atuou, mas suas conclusões o dissociam do Deus encarnado.
A doutrina da ressurreição, segundo os teólogos do processo, também é insustentável porque tal ato
seria uma coerção divina, uma intervenção direta no livre-arbítrio humano. Um evento tal como
esse acabaria por forçar nossa vontade. Como se pode perceber, a teologia do processo está muito
mais fundamentada em hipóteses filosóficas do que naquilo que a Bíblia realmente diz.
Ao negar o conhecimento que Deus possa ter de fatos ainda não ocorridos, a teologia do processo
põe em risco a credibilidade das Escrituras, pois se Deus não tem nenhum conhecimento dos fatos
ainda não ocorridos, como pode fazer predições sobre o futuro? A consequência lógica do seu
sistema é que não pode haver predição ‘cem por cento’ segura na Bíblia, pois parece altamente
improvável que um ser que não tenha presciência plena dos contingentes futuros saiba o que
acontecerá. A Bíblia na afirma categoricamente: “Deus não é homem para que minta”, mas se
Deus é ignorante em relação a grandes períodos da história futura, de que maneira qualquer uma das
profecias preditivas das Escrituras poderia ser qualquer coisa além de probabilidades?
A teologia do processo aniquila a fé que o crente tem em Deus, e não somente isso mas também
retira o próprio Deus Soberano do cenário e introduz em seu lugar uma divindade caricata,
impotente, penteísta e consequentemente, finita.
TEOLOGIA DO SER, DE PAUL TILLICH
Teologia do Ser: Paul Tillich e a fronteira entre o liberalismo racionalista e a teologia existencialista
Há pelo menos três grandes vultos teológicos do século vinte. Já apresentamos dois deles, à saber:
Barth e Bultmann. Queremos agora apresentar o terceiro deles, Paul Tillich.
Tendo fugido da tirania de Hitler em 1933, Paul Tillich se tornou professor do Union Theological
Seminary, em Nova Iorque. Embora fosse um homem de grande erudição, sua intelectualidade não
o privou de prestar importantes serviços sociais e religiosos. Exerceu capelania durante os quatro
anos da Primeira Guerra Mundial e participou do Movimento Socialista Religioso na Alemanha.
Sua experiência como capelão no período da guerra fez com que ele tivesse uma vívida impressão
dos problemas sociais. Há quem pense que seu existencialismo teológico tenha surgido nesse
período e especificamente por causa dos horrores da guerra, mas tal comentário será sempre
especulação. Ao chegar nos Estados Unidos, dedicou seu tempo para ajudar os refugiados da
Europa.
Tillich é mesmo uma figura controversa. Na Europa ele é considerado um liberal e ferrenho
opositor de Barth e Brunner. Na América do Norte, no entanto, ele é considerado como pertencendo
a escola neo-ortodoxa e em alguns círculos teológicos, ele é mencionado em conjunto com Barth e
Brunner. Porém, apesar das semelhanças, Tillich desenvolveu um sistema teológico que resiste a
qualquer rótulo, e talvez, por essa razão, não formou especificamente uma escola teológica
específica. O fato é que Tillich se valeu das elucubrações de ambas as partes, neo-ortodoxa e
liberal, coletando “supostamente” o que havia de melhor nessas duas escolas. O teólogo Willian H.
Hordern define a teologia de Paul Tillich como sendo “a fronteira entre o liberalismo e a neo-
ortodoxia”, e é isso mesmo que ela é. Ele se situa exatamente no centro, entre a crítica destrutiva da
desmitologização e o existencialismo neo-ortodoxo.
Apesar de não ter formado uma escola específica, é provável que somente Rudolf Bultmann tenha
exercido uma influencia igual no cenário teológico mundial. Sua profunda erudição e seus
conhecimentos de história, filosofia, psicologia, arte e análise política, além de sua especialidade, a
teologia, lhe renderam o título de “teólogo dos teólogos”, apelido pelo qual é conhecido hoje nos
círculos acadêmicos.
14.1 – Pressupostos da teologia de Paul Tillich.
Parte da popularidade de Tillich nos círculos acadêmicos deve-se a sua profunda preocupação em
encontra alguma forma de relacionar a mensagem da Bíblia com as necessidades do século vinte.
Falando do “princípio de correlação”, ele argumenta que deve haver uma correlação entre os
problemas do homem e a fé cristã. Se por um lado a filosofia naturalista não pode responder os
questionamentos do homem, por outro lado, segundo ele, o “sobrenaturalismo do cristianismo
histórico” é muito transcendente para que o homem possa encontrar nele a resposta. A mensagem
do cristianismo surge como “um conjunto de verdades sagradas que apareceram em meio à situação
humana como corpos estranhos procedentes de um mundo estranho”. Como encontrar a verdade? E
de que modo podemos construir uma teologia?
Para Tillich, começamos definindo a religião. A religião não é apenas uma questão de ter
determinada crença ou praticar certas ações. Para Tillich, o homem é religioso quando está
“essencialmente preocupado”. A preocupação essencial é aquela que tem prioridade sobre todas as
preocupações da vida. Essa preocupação, segundo ele, tem o poder de elevar o homem sobre si
mesmo. Ela se resume na entrega total de nosso ser. Essa preocupação essencial é o que determina
nosso ser ou o não-ser. Nós nos preocupamos essencialmente quando ponderamos sobre aquilo que
tem o poder de destruir ou de salvar-nos. Nossa preocupação é essencial quando ponderamos sobre
aquilo que é a soma da nossa realidade e a estrutura e objetivo da nossa existência. O essencial é o
próprio Ser, ou aquilo que tradicionalmente chamamos de Deus.
Este Ser (com maiúscula), paradoxalmente não é nem uma coisa nem um ser. Ele esta além do ser
ou das coisas. Deus não é apenas o Ser, mas também o poder de Ser por si mesmo, e isso foge a
nossa compreensão. Não podemos compará-lo a nada a fim de defini-lo, pois mesmo que o
considerássemos como o ser mais elevado, o estaríamos reduzindo a um objeto e uma criatura. Por
isso, para Tillich, afirmar a existência de Deus é tão ateu quanto negá-la, isso porque o Ser
transcende à existência. Ele é a resposta simbólica do homem para a sua busca de bravura para
superar as situações que o limitam, tais como o ser e o não-ser que tanto o angustiam.
Quanto ao pecado, Tillich o define em função do ser e da alienação do Ser. A responsabilidade
pelas tensões da vida moderna não está relacionada a um conceito clássico de pecado, o que seria
uma explicação superficial e simplória. O pecado é a alienação do fundamento do nosso ser.
Em sua cristologia, ele define Jesus como o símbolo no qual se supera a alienação, em que se rompe
a distância. Cristo é o símbolo do “Novo Ser”, no qual se dissolve toda alienação que tenta diluir a
unidade do homem com Deus. A palavra “símbolo” é resultado do repúdio de Tillich por qualquer
interpretação ortodoxa acerca da pessoa e da obra de Cristo. Segundo ele, a afirmação “Deus se fez
homem” é uma afirmação não apenas paradoxal, mas também sem sentido. O relato da crucificação
é mencionado como lendário e contraditório. A ressurreição, segundo ele, significa simplesmente
que Jesus foi restituído à sua dignidade na mente dos discípulos.
As descrições da salvação em seus aspectos, tais como justificação, regeneração e santificação
também estão sujeitas à reinterpretações. A regeneração é descrita por ele como “ser incorporado na
Nova Realidade manifesta em Jesus”, como portador do “Novo Ser”. A justificação também não é
um ato soberano de um Deus pessoal, e sim uma palavra simbólica que indica que o homem é
aceito apesar de si mesmo. A santificação é o processo através do qual o Novo Ser transforma a
personalidade e a comunidade fora da igreja.
14.2 – Objeções à teologia de Paul Tillich.
Quando nos deparamos pela primeira vez com a obra de Paul Tillich, temos a impressão de estar
diante de um incrível tratado teológico produzido por uma mente enciclopédica, precisa, sutil e
tremendamente criativa. No entanto, sua teologia não é especificamente cristã, e sim uma
“tradução” da linguagem teológica em termos teosóficos e ontológicos. As vezes essa tradução
nos ajuda a ver as coisas sob uma luz mais clara e profunda, porém na maioria das vezes, sua
tradução faz violência tanto ao Espírito quanto à letra que ele traduz.
Há várias objeções que se pode fazer à teologia de Tillich, entre elas a sua rejeição da Bíblia como
palavra de Deus. Seguindo os moldes neo-ortodoxos e liberais, ele argumenta que a Bíblia,
interpretada da maneira tradicional, não é aplicável aos problemas da nossa época. Por esta causa,
Tillich utiliza a filosofia para analisar os problemas mais profundos da existência do homem
contemporâneo. No entanto, a maior falta dele não foi substituir a teologia pela filosofia. Como
escreveu o crítico Kenneth Hamilton, “sua maior falha foi substituir a Palavra de Deus pela palavra
do homem”.
O “princípio da correlação” de Tillich afirma que a filosofia pode dar-nos uma analise adequada da
situação humana. A Bíblia, nesse caso, pode até aparecer, mas estará sempre em plano secundário.
Sua doutrina definitivamente não é doutrina bíblica. Não entendemos o porquê Paul Tillich insiste
em empregar a palavra Deus com sentido cristão. Sua idéia de Deus não é trinitária e nem pessoal.
Deus é um poder racional que penetra a profundidade do ser, mas não é uma pessoa que se
comunica ou com quem possamos ter comunhão. O conceito de “Ser” que Tillich apresenta se
assemelha muito mais a um aspecto desse mundo do que existe por si só e independe de sua criação.
No sistema dele, não há mais distinção entre Criador e criatura. Também não conseguimos entender
que tipo de Deus pode estar além da transcendência, e que não é nem sobrenatural nem natural.
Sua cristologia também é uma fraude. Tillich reduz Jesus a um mero símbolo, o que faz dele um
absoluto nada. Essa teologia diluída poderia ser bastante aceitável para um budista ou um hindu.
Religiosos de ambos os grupos certamente abraçariam com alegria seus pressupostos, exceto pela
sua afirmação de que só ele foi e é o Cristo. A soteriologia de Tillich não tem significado concreto,
exceto como um símbolo a mais para descrever uma situação existencial que não tem relação com o
Deus Vivo.
Vemos em Paul Tillich um sério compromisso com a filosofia existencialista, ao mesmo tempo em
que podemos perceber seu particular descaso para com a Palavra de Deus. Ao negar a historicidade
dos fatos narrados no Novo Testamento, a ocorrência literal dos milagres e o maior milagre do
cristianismo: a ressurreição, Tillich remove o fundamento e a esperança da fé cristã. Imagino o que
diria o apóstolo Paulo a um pregador como Paul Tillich: “E, se não há ressurreição de mortos,
então, Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé;
e somos tidos por falsas testemunhas de Deus, porque temos asseverado contra Deus que ele
ressuscitou a Cristo, ao qual ele não ressuscitou, se é certo que os mortos não ressuscitam. Porque,
se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, é vã a
vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados. E ainda mais: os que dormiram em Cristo
pereceram. Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de
todos os homens”(1Coríntios 15.13-19). Não sei ao certo como Paulo argumentaria com Tillich,
mas creio que seria algo assim.
Se por um lado Tillich é considerado excelente erudito (e eu diria até um bom filósofo), sua
interpretação meramente existencial do cristianismo faz dele um teólogo ruim, da perspectiva
ortodoxa. Assim como Bultmann, ele lança tantas dúvidas acerca dos milagres e da ressurreição que
de nenhuma maneira, segundo os princípios paulinos, sua teologia pode ser chamada cristã.
(*)Fonte:http://teologiacontemporanea.wordpress.com/
Prove e veja
Na Universidade de Chicago, Divinity School, em cada ano eles têm o que chamam de “Dia
Batista”, quando cada aluno deve trazer um prato de comida e ocorre um piquenique no gramado.
Nesse dia, a escola sempre convida uma das grandes mentes da literatura no meio educacional
teológico para palestrar sobre algum assunto relacionado ao ambiente acadêmico.
Certo ano, o convidado foi Paul Tillich,1 3 que discursou, durante duas horas e meia, no intuito de
provar que a ressurreição de Jesus era falsa. Questionou estudiosos e livros e concluiu que, a partir
do momento que não existiam provas históricas da ressurreição, a tradição religiosa da igreja caía
por terra, porque estava baseada num relacionamento com um Jesus que, de fato, segundo ele,
nunca havia ressurgido literalmente dos mortos.
Ao concluir sua teoria, Tillich perguntou à platéia se havia alguma pergunta, algum
questionamento. Depois de uns trinta segundos, um senhor negro, de cabelos brancos, se levantou
no fundo do auditório: “Dr Tillich, eu tenho uma pergunta, ele disse, enquanto todos os olhos se
voltavam para ele. Colocou a mão na sua sacola, pegou uma maçã e começou a comer... Dr
Tillich... crunch, munch... minha pergunta é muito simples... crunch, munch... Eu nunca li tantos
livros como o senhor leu... crunch, munch... e também não posso recitar as Escrituras no original
grego... crunch, munch... Não sei nada sobre Niebuhr e Heidegger... crunch, munch... [e ele acabou
de comer a maçã] Mas tudo o que eu gostaria de saber é: Essa maçã que eu acabei de comer...
estava doce ou azeda?
“Tillich parou por um momento e respondeu com todo o estilo de um estudioso: ‘Eu não tenho
possibilidades de responder essa questão, pois não provei a sua maçã’.
“O senhor de cabelos brancos jogou o que restou da maçã dentro do saco de papel, olhou para o Dr.
Tillich e disse calmamente: ‘O senhor também nunca provou do meu Jesus, e como ousa afirmar o
que está dizendo?”. Nesse momento, mais de mil estudantes que estavam participando do evento
não puderam se conter. O auditório se ergueu em aplausos. Dr. Tillich agradeceu a platéia e,
rapidamente, deixou o palco”.
É essa a diferença!
É fundamental considerar que tudo o que engloba a fé genuinamente cristã está amparado em um
relacionamento experimental (prático) com Deus. Sem esse pré-requisito, ninguém pode seriamente
afirmar ser um cristão. Seria muito bom se os críticos se atrevessem a experimentar este
relacionamento antes de tecerem suas conjeturas. Se assim fosse, certamente se lhes abriria um
novo horizonte para suas proposições e, quem sabe, entenderiam que o sobrenatural não é uma
brecha da lei natural, mas, sim, uma revelação da lei espiritual.
TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
Leonardo Boff
Teologia da Libertação: Uma resposta teológica à crise econômica e social Latino-Americana
Até aqui a nossa abordagem tem sido principalmente teórica, passando pelas principais escolas
teológicas da era contemporânea. Temos analisado as doutrinas dessas escolas e em nenhum
momento fugimos da responsabilidade de apresentar o nosso parecer. A análise que fazemos dessas
propostas teológicas encontra seus pressupostos na ortodoxia bíblica, conforme já foi dito no
capítulo primeiro. Apesar da relevância dos problemas até aqui levantados, a influência dessas
escolas teológicas na nossa teologia e em nossas denominações é pequena, ou quase nula. Muitos
dos programas teológicos até aqui apresentados foram postos em caráter de informação, e talvez o
leitor nunca se depare com os problemas aqui levantados, salvo nas esferas seculares, onde o
liberalismo teológico e o naturalismo têm estado ativo e presente. Nas comunidades eclesiásticas
brasileiras, quase não vemos influência desses movimentos, a não ser um ou outro incidente recente
de pastores que abraçaram a teologia relacional, apresentada por nós no capítulo dez sob o título de
“teologia do processo”. Porém, à partir desse capítulo, abordaremos três correntes teológicas cuja
presença é marcante no Brasil, e cujos pressupostos tem de alguma maneira modelado a forma de
fazer teologia no Brasil. A primeira dessas três escolas, de origem netamente Latina, é a Teologia
da Libertação.
15.1 – Contextualizando a teologia da libertação.
Nas décadas de 60 e 70, o ambiente teológico da América Latina passou por sérias transformações.
O ambiente no Brasil e na Argentina era de ditadura. Os teólogos que viveram esse período foram
levados a formular uma teologia que fosse menos acadêmica e teórica, e mais laica e prática, que
pudesse sanar os problemas sociais e econômicos de então. Em meio a uma estrutura social em que
um homem velho morre aos vinte e oito anos, onde quinhentos em cada mil crianças morrem antes
de completar um ano de idade, onde os estudantes que protestam são torturados, e oitenta por cento
da população vive com uma renda de oitenta dólares por ano, a voz revolucionária começou a
clamar em favor das massas. Católicos romanos como Juan Luís Segundo, Hugo Assman e Gustavo
Gutiérrez Merino, animados pela política mais aberta do Vaticano II; protestantes como Rubem
Alves, Emílio Castro, José Míguez Bonino e o então missionário no Brasil, Richard Shaull, se
empenharam em buscar uma teologia que pudesse resolver os conflitos sociais da América Ibero
Hispana.
As palavras chaves para entender essa teologia social são “revolução”, “libertação”, “exploração”,
“dominação estrangeira”, “capitalismo” e “proletariado”. Qualquer semelhança com os conhecidos
jargões do comunismo não é mera coincidência. Ele foi a maior fonte de inspiração e o impulso
motor dessa nova tendência teológica.
Sob a palavra “libertação”, não está subentendida a obra de Cristo por nós, e sim os ideais do
marxismo. A palavra, dentro desse movimento teológico significa:
1. Libertação política das pessoas e setores socialmente oprimidas.
1. Libertação social para melhores condições de vida, uma mudança radical nas estrutura,
resultante da criação contínua de uma nova maneira de ser e de uma revolução permanente.
3. Libertação pedagógica para uma consciência crítica através do que o pedagogo brasileiro Paulo
Freire chamou de “conscientização”, sendo o cerne dessa conscientização o despertar da
consciência das massas miseráveis que vivem a cultura do silêncio, para se inteirarem da dominação
social, política e econômica que lhes é imposta.
15.2 – A teologia da libertação e a revolução social.
Os teólogos da libertação se declararam várias vezes favoráveis a luta armada, ao ponto de alguns
considerarem Camilo Torres, sacerdote colombiano que morreu em um tiroteio como membro da
guerrilha de Che Guevara, como o santo patrono da causa. O padre Camilo costumava dizer que
“cada católico que não é revolucionário e não está do lado da revolução comete pecado mortal”. Na
questão da violência, como se pode deduzir dessas linhas, os teólogos da libertação são bem
pragmáticos. Para eles, o problema da violência e da não-violência é um problema ilusório. Apenas
existe a questão do uso justificado ou injustificado da força, e se o fim é nobre, os meios se fazem
necessário. Essa atitude violenta foi de fato uma proposta aberta aos religiosos para que tomem
lugar nas barricadas e lutem em prol do desenvolvimento social e econômico da América Latina.
No Brasil, Dom Hélder Câmara, então arcebispo do Recife, promove uma revolução pacífica, por
não se contentar com as reformas triviais.
15.3 – Leonardo Boff, a principal voz do movimento no Brasil.
Embora Hugo Assman e Dom Hélder Câmara sejam dos nomes que representam o pensamento da
teologia da libertação no Brasil, atualmente é o Dr. Leonardo Boff que está no centro do debate
sobre a teologia da libertação. Como membro do conselho editorial da Editora Vozes entre 1970 e
1985, Boff participou da coordenação e publicação da coleção “Teologia da Libertação”. Em 1984,
em razão de suas teses ligadas à teologia da libertação, apresentadas no livro “Igreja: Carisma e
Poder”, foi submetido a um processo no Vaticano. Em 1985, foi interrogado pelo cardeal Joseph
Ratzinger (o atual papa Bento XVI), então prefeito da Congregação da Doutrina e da Fé, órgão
herdeiro da Inquisição, e condenado a um ano de “silêncio obsequioso”, sendo também deposto de
todas as suas funções editoriais e de magistério no campo religioso. Dada a pressão mundial sobre o
Vaticano, a pena foi suspensa em 1986, podendo retomar algumas de suas atividades.
Em 1992, sendo de novo ameaçado com uma segunda punição pelas autoridades de Roma,
“apostatou” de sua condição de padre e da própria Igreja Católica para se unir com uma mulher.
“Mudou de trincheira para continuar a mesma luta”: continua como teólogo da libertação, escritor,
professor e conferencista nos mais diferentes auditórios do Brasil e do exterior, assessor de
movimentos sociais de cunho popular libertador, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra e as Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s), entre outros. Curiosamente a cúpula da CNBB
parece continuar com boas relações com Boff, apesar de sua “apostasia” e de seu marxismo.
15.4- Os pressupostos da Teologia da Libertação e as objeções à doutrina.
O ponto de partida para a elaboração da teologia da libertação, segundo o peruano Gutiérrez, “é o
esforço do ser humano para ser parte do processo através do qual o mundo será transformado”, o
que faz da teologia da libertação mais um movimento político que um movimento netamente
teológico. Tal ponto de partida deve ser contextual, com raízes na dimensão humana e política, e a
teologia deve ser elaborada à partir de elucubrações sócio-políticas. Como movimento político, ela
tem sido um brado a favor da dignidade humana, de uma sociedade mais justa e fraterna. Porém, o
que eles admitem na teoria, foi negado por eles mesmos muitas vezes na prática.
A salvação, dentro da cosmovisão libertária, se resume em “um processo que abarca o homem e a
história”, e o evangelho, em nossa época, deve ter uma transcrição e aplicação política. O encontro
com Deus é descrito como “o compromisso com o processo histórico da humanidade”. Essa
concepção de salvação talvez corresponda à ideia judaica de messianismo na época de Cristo, mas
pouco tem a ver com o conceito tal como utilizado por Jesus e por Paulo. A responsabilidade social
é um dever do cristão, mas a salvação não se restringe a essa responsabilidade: salvação significa
perdão e cancelamento dos pecados cometidos contra Deus (Hebreus 9.28, 1João 3.5). Nesse
processo de teologia libertária, a missão da igreja acaba por confundir-se com confrontamento
político e adesão e exposição de ideias sociais, mas a missão do cristão, segundo a Bíblia, é
proclamar que o filho de Deus ressuscitou e tem poder de perdoar pecados.
É preciso ressaltar que as afirmações de violência não são de nenhum modo, características de todos
os teólogos da libertação. Toda rotulação é pobre, e nesse sentido, há de se admitir a classificação
do movimento da teologia da libertação como um movimento violento é falha. Ainda assim, não
podemos deixar de aludir que, ainda que não totalmente, a teologia da libertação é fortemente um
movimento violento. Como disse, Rubem Alves, também teólogo libertário, “a violência se
converte na força que move a história no caminho para conduzir à sociedade perfeita”. Em outras
palavras, é justo empregar a violência contra a violência, pois neste caso, os fins justificam os
meios. Ele também afirma que o “amor para os oprimidos significa cólera contra os opressores”.
Como é difícil associar todo esse discurso com as palavras de Jesus no Sermão da Montanha!
Como o evangelicalismo deve responder a essa “revolução teológica”? É óbvio que o cristão não
deve viver alienado de qualquer ideia política ou deva se conformar a uma mentalidade status quo.
O problema é que, conforme temos exposto em tese, a tendência da teologia cristã é polarizar: Ou a
experiência, ou a razão; ou a história, ou a fé; e no caso da Teologia da Libertação, ou o marxismo,
ou não somos cristãos. Não é preciso polarizar para ter responsabilidade social, nem é preciso forçar
a exegese ou fazer eixegese para defender pressupostos sociais.
Devido à repressão ao movimento, hoje não há muitos grupos ou indivíduos que mantém a Teologia
da Libertação. Atualmente o movimento se reduz a algumas “comunidades de base”, que tentam
colocar em prática as ideias sociais da mesma, mas a influência nas faculdades ainda é grande.
A teologia da libertação está fundamentada em uma postura na qual a presente práxis histórica se
transforma em norma canônica para descobrir a vontade de Deus. Ao refletir algo parecido com a
ética situacional, a teologia da libertação não pode escapar das mesmas acusações levantadas contra
ela: moralidade relativista e pragmática. Ela foge totalmente a ortodoxia reformada, e não há
nenhuma possibilidade de um crente evangélico sustentá-la sem cair em contradição, isso porque a
“Sola Scriptura” não admite nenhum “somado a”, ou “junto com”, diferentemente dessa corrente
teológica que engloba diversas teologias cristãs[1]
desenvolvidas no Terceiro Mundo ou nas
periferias pobres do Primeiro Mundo a partir dos anos 70 do século XX, baseadas na opção
preferencial pelos pobres contra a pobreza e pela sua libertação. Desenvolveu-se inicialmente na
América Latina.
Estas teologias utilizam como ponto de partida de sua reflexão a situação de pobreza e exclusão
social à luz da fé cristã. Esta situação é interpretada como produto de estruturas econômicas e
sociais injustas, influenciada pela visão das ciências sociais, sobretudo a teoria da dependência na
América Latina, que possui inspiração marxista.
A situação de pobreza é denunciada como pecado estrutural e estas teologias propõem o
engajamento político dos cristãos na construção de uma sociedade mais justa e solidária, cujo
projeto identifica-se com ideais da esquerda. Uma característica da Teologia da Libertação é
considerar o pobre, não um objeto de caridade, mas sujeito de sua própria libertação. Assim, seus
teólogos propõem uma pastoral baseada nas comunidades eclesiais de base, nas quais os cristãos
das classes populares se reúnem para articular fé e vida, e juntos se organizam em busca de
melhorias de suas condições sociais, através da militância no movimento social ou através da
política, tornando-se protagonistas do processo de libertação. Além disto, apresentam as
Comunidades Eclesiais de Base como uma nova forma de ser igreja, com forte vivência
comunitária, solidária e participativa.
Por seu método e opções políticas, trata-se de uma teologia extremamente controversa, tanto pelas
suas implicações nas igrejas quanto na sociedade. A partir dos anos 1980, com a redemocratização
das sociedades latino-americanas e a queda do muro de Berlim com consequente crise das
esquerdas e as transformações sociais e econômicas provocadas pela globalização e o avanço do
neoliberalismo esta teologia perdeu parte de sua combatividade política e social.
Terceiro Mundo é um termo da Teoria dos Mundos, originado na Guerra Fria, para descrever os
países que se posicionaram como neutros na Guerra Fria, não se aliando nem aos Estados Unidos e
os países que defendiam o capitalismo, e nem à União Soviética e os países que defendiam o
socialismo. O conceito mais amplo do termo pode definir os países em desenvolvimento e
subdesenvolvidos, ou seja, os que possuem uma economia e/ou uma sociedade pouco ou
insuficientemente avançada(s).
Histórico
A origem do nome é do demógrafo francês Alfred Sauvy, que propunha a ideia de um Terceiro
Mundo, inspirado na proposição do Terceiro Estado usada na Revolução Francesa. Os países
membros do chamado Terceiro Mundo deveriam se unir e revolucionar a Terra, como fizeram os
burgueses e revolucionários na França. Os chamados Primeiro e Segundo mundo surgiram de uma
interpretação errônea por parte principalmente da mídia, que não entendeu a mensagem de Sauvy.
Como consequencia disso, hoje, muitos atribuem o nome a chamada "Velha Ordem Mundial", a
divisão geopolítica de poderes e blocos de influência durante o período da Guerra Fria (1945-1989).
O "Primeiro Mundo" seria o dos países capitalistas desenvolvidos, enquanto o "Segundo Mundo"
seria o dos países socialistas industrializados. Restariam no "Terceiro Mundo" os países capitalistas
economicamente subdesenvolvidos e geopoliticamente não-alinhados. Essa ideia surgiu de uma
interpretação desatenta das afirmações de Sauvy.
O termo foi oficialmente adotado durante a reunião de países asiáticos e africanos que se
emanciparam da colonização européia, em abril de 1955, na Conferência de Bandung, na Indonésia.
É a partir dessa denominação que esses países, considerados pobres e com sérios problemas sociais
como a violência, a miséria extrema e a corrupção, buscaram chamar a atenção do mundo inteiro.
No entanto, muitos desses países acabaram depois cobiçados por forças políticas e sociais ligadas a
cada uma das duas facções da Guerra Fria, a capitalista e a comunista.
Após o fim da União Soviética, o termo vem caindo em gradual desuso, preferindo-se usar os
termos sinônimos "países em desenvolvimento" e "países emergentes" ou mesmo "países
subdesenvolvidos", evidenciando o caráter econômico e social do povo.
América Latina
Contextualização histórica
Segundo Gonçalves,[2]
o nascimento e o desenvolvimento da Teologia da Libertação na América
Latina e no Caribe se deve basicamente a três fatores:
1. Situação política, econômica e social do continente: A Teologia da Libertação foi gestada
durante os regimes militares que governavam países do continente.
2. O desenvolvimento do marxismo como instrumento de análise social: as ciências sociais,
entre elas a análise marxista eram utilizados para compreender a origem das contradições da
sociedade, embora, segundo Gonçalves, o marxismo não fosse utilizado como ferramenta
para construção do projeto social alternativo.
3. Mudanças no âmbito da Igreja Católica. Do ponto de vista católico, algumas mudanças na
Igreja possibilitaram o surgimento da Teologia da Libertação:
1. A experiência da Ação Católica e seu método VER-JULGAR-AGIR. Esta pedagogia
ajudou na busca de uma compreensão crítica da realidade e impulsionou uma ação
transformadora.
2. A realização do Concílio Vaticano II, entre 1962-1965 e a busca de diálogo da Igreja
com o mundo moderno.
3. A Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, em Medellín,
Colômbia, ocorrida na vigência dos regimes militares.
4. O florescimento das Comunidades Eclesiais de Base, que impulsionadas pela
Conferência de Medellín e pela pedagogia da Ação Católica através do método
VER-JULGAR-AGIR, lutavam pela transformação social.
5. O enfrentamento dos regimes militares por parte dos bispos, quer através das
conferências episcopais nacionais, quer por bispos isolados, como Dom Hélder
Câmara, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Oscar Romero,
entre outros.
Foi a partir do engajamento de grupos cristãos na política que surgiu a Teologia da Libertação,
como uma reflexão teórica destas experiências, retro alimentando este movimento de busca da
mudança para uma sociedade com viés esquerdista.
Ao final dos anos 70 e início dos 80, a redemocratização das sociedades latino-americanas e
caribenhas faz com que a Teologia da Libertação perdesse parte de sua combatividade política e
social. Aliado a este fator, a queda do socialismo real e a crise da esquerda política fazem com que
estes movimentos repensem sua identidade. Fatores no interior da Igreja Católica também tiveram
seu impacto: a eleição de João Paulo II. A experiência do novo papa, vindo de um regime
comunista hostil à Igreja , fez com que ele visse com suspeita os movimentos de libertação latino-
americanos. Muitos teólogos da libertação foram acusados de fomentar a formação de células
comunistas dentro da Igreja através das comunidades eclesiais de base.
As mudanças ocorridas na sociedade desde então apresentam novos desafios ao que atualmente se
chama de Cristianismo de Libertação: o neoliberalismo econômico e a exclusão social, a
globalização, o pluralismo cultural e religioso,[3]
a crise das igrejas cristãs históricas ante o
fenômeno da pós-modernidade.
Uma visão mais ampla da libertação passa a ser almejada, não apenas focada em uma visão
economicista, mas baseada também em dados antropológicos, psicológicos e religiosos. Além disto,
temas como a igualdade entre homem e mulher, a discriminação racial, o diálogo inter-religioso, as
minorias e a ecologia vão sendo progressivamente incorporados ao engajamento dos cristãos e à
reflexão teológica sobre a libertação.
Nascimento
A Teologia da Libertação nasceu da influência de três frentes de pensamento: o Evangelho Social
das igrejas norte-americanas, trazido ao Brasil pelo missionário e teólogo presbiteriano Richard
Shaull; a Teologia da Esperança, do teólogo reformado Jürgen Moltmann; e a teologia política que
tinha como seus grandes expoentes o teólogo católico Johann Baptist Metz, na Europa, e o teólogo
batista Harvey Cox, nos Estados Unidos.
Há uma série de eventos que precederam o nascimento da Teologia da Libertação:
1945: O bispo católico Dom Carlos Duarte Costa é excomungado pelo Papa Pio XII, por
adotar uma ação pastoral engajada ao lado dos pobres nas lutas políticas e sociais da época,
e também por utilizar as ciências sociais, inclusive as categorias marxistas para a
compreensão da realidade.
1952: O missionário presbiteriano Richard Shaull chega ao Brasil trazendo o Evangelho
Social e cria uma estreita relação com os pastores presbiterianos Rubem Alves e Jaime
Wright;
1964: O teólogo reformado Jürgen Moltmann publica sua obra Teologia da Esperança;
1965: O teólogo batista Harvey Cox publica A Cidade Secular;
1967: O teólogo católico Johann Baptist Metz pronuncia a conferência Sobre a Teologia do
Mundo;
O marco do nascedouro da Teologia da Libertação está na publicação da obra Da Esperança, de
Rubem Alves, que tinha o título de Teologia da Libertação, criticando a teologia metafísica de uma
forma geral e propondo o nascimento de novas comunidades de cristãos animados por uma visão e
por uma paixão pela libertação humana e cuja linguagem teológica se tornava histórica.
A primeira participação católica no lançamento da Teologia da Libertação foi a publicação da
Teologia da Revolução, em 1970, pelo teólogo belga radicado no Brasil José Comblin. Em 1971,
Gustavo Gutiérrez publicou Teologia da Libertação. Somente em 1972, Leonardo Boff surge no
cenário teológico com a publicação de Jesus Cristo Libertador. Como Rubem Alves estava asilado
nos EUA neste período, Boff passou a ser o mais conhecido representante desta corrente teológica
que vivia no Brasil, devido à proteção recebida pela ordem dos franciscanos, à qual ele pertencia [carece de fontes]
.
O método destas teologias é indutivo:[1]
não parte da Revelação e da Tradição eclesial para fazer
interpretações teológicas e aplicá-las à realidade, mas partem da interpretação da realidade da
pobreza e exclusão e do compromisso com a libertação para fazer a reflexão teológica e convidar à
ação transformadora desta mesma realidade. Ocorre também uma crítica à teologia moderna e sua
pretensão de universalidade. Consideram esta teologia eurocêntrica e desconectada da realidade dos
países periféricos.
Comunidades Eclesiais de Base
As Comunidades Eclesiais de Base (CEB) são comunidades ligadas principalmente à Igreja
Católica que, incentivadas pelo Concílio Vaticano II (1962-1965), se espalharam principalmente
nos anos 1970 e 80 no Brasil e na América Latina. Consistem em comunidades reunidas geralmente
em função da proximidade territorial, compostas principalmente por membros das classes
populares, vinculadas a uma igreja, cujo objetivo é a leitura bíblica em articulação com a vida.
Através do método ver-julgar-agir buscam olhar a realidade em que vivem (VER), julgá-la com os
olhos da fé (JULGAR) e encontrar caminhos de ação impulsionados por este mesmo juízo á luz da
fé (AGIR). A ação encontra respostas variadas segundo as circunstâncias, transcendendo os limites
das igrejas. Estas comunidades impulsionaram a criação de clubes de mães, associações de
moradores, inserção no movimento operário, e outras iniciativas que fortaleceram o movimento
social. Durante a luta contra a ditadura militar, deram uma grande contribuição à redemocratização
do Brasil.
As CEBs são comunidades, uma reunião de pessoas que vivem na mesma região e possuem a
mesma fé. São eclesiais, porque estão unidas à Igreja. São de base porque são constituídas de
pessoas das classes populares. Localizam-se em geral na zona rural e na periferia das cidades.
Organizam-se em torno das paróquias ou capelas por iniciativa de leigos, padres ou bispos.
Segundo Frei Betto,[1]
as CEBs são uma nova forma de organizar a pastoral. Tradicionalmente, a
pastoral da Igreja Católica é organizada em torno das paróquias. As CEBs permitem que a
organização paroquial se dê através de comunidades menores, onde os membros podem estabelecer
laços comunitários entre si. Assim, as paróquias podem se tornar verdadeiras comunidades
paroquiais.
Deve-se ressaltar que as Comunidades Eclesiais de Base não são homogêneas, dada a diversidade
social e geográfica e as formas distintas de compreender e viver sua inserção eclesial e sua
participação na sociedade. Correspondem a uma organização descentralizada, diferentes entre si,
como resposta aos desafios sociais e eclesiais concretos. Não possuem secretariado nacional, mas
uma "comissão ampliada" que faz a ponte entre os encontros nacionais (Encontros Intereclesiais)
entre as igrejas particulares.[2]
Entretanto, segundo Bingemer,[3]
é possível detectar quatro traços distintivos de uma CEB:
O primeiro traço é a territorialidade: são pessoas que se reúnem por proximidade geográfica.
Esta proximidade está na origem da discussão e reivindicação por serviços básicos (água,
saneamento ou melhorias no bairro).
Círculos bíblicos: os grupos se reúnem para leitura e reflexão da Palavra de Deus e
confrontá-la com a vida cotidiana. Muitas comunidades iniciaram a partir destes círculos
bíblicos e passaram a organizar celebração dominical, com ou sem sacerdote.
Participação e discussão dos problemas comunitários em conselhos ou assembléias, com
ampla participação dos membros.
A partir das necessidades das comunidades, foram surgindo diversos ministérios leigos ao
longo da história das CEBs: ministros da Comunhão, ministros das pastorais específicas ou
grupos de alfabetização de adultos, hortas comunitárias, clubes de mães.
A partir da reflexão sobre os problemas da família, do trabalho e do bairro, as CEBs ajudaram a
criar movimentos sociais para organizar sua luta: associações de moradores, luta pela terra e
também o fortalecimento do movimento operário.
Origens
Normalmente se considera que sua origem se deu no começo dos anos 1960, como resultado da
experiência de catequese popular em Barra do Piraí (1956) ou do Movimento da Diocese de Natal,
ou ainda do Movimento de Educação de Base. Sua gestação e nascimento se deram no contexto
mundial da Guerra Fria, quando o mundo era dividido entre o bloco comunista e o bloco capitalista.
Uma das motivações iniciais era suprir a ausência de padres nas regiões onde os desafios eram
maiores, nas quais os batizados não tinham nenhum contato com um processo de evangelização. A
auto-organização leiga preencheria esta lacuna, sob a autoridade do bispo local.
Não se pode negar a influência do esforço da Ação Católica na questão da cidadania, os esforços de
renovação pastoral do Movimento para um Mundo Melhor e dos Planos de pastoral da CNBB -
Plano de Emergência e Plano de Pastoral de Conjunto - e também a rearticulação da pastoral
popular após o golpe militar de 1964.
As conferências católicas de Medellín (1968) e de Puebla (1979) colaboraram decisivamente para
sua evolução. Medellín preencheu o imaginário eclesial com a temática da Libertação e Puebla com
a evangélica opção preferencial pelos pobres.
Características
As CEBs se constituem de grupos de pessoas (em torno de 20 a 80) que, morando no mesmo bairro
ou nos mesmos povoados, se encontram para refletir e transformar a realidade à luz da Palavra de
Deus e das motivações religiosas.
A partir de sua organização elas começavam também a reivindicar pequenas melhorias nos bairros,
mas, ao mesmo tempo, iniciavam uma caminhada para tomar consciência da situação social e
política. Queriam a transformação da sociedade. Inspiradas no método "Paulo Freire" de
alfabetização de adultos, executavam uma metodologia que levasse da conscientização à ação.
Por suas características ecumênicas, o movimento extrapolou os limites da Igreja Católica e as
comunidades passaram contar com representantes também de igrejas como Metodista, Luterana e
Presbiteriana.
Os membros das CEBs no Brasil se encontram periodicamente nos chamados "Encontros
Intereclesiais", sendo que o mais recente deles é o 12º Intereclesial - Arquidiocese de Porto Velho
(Rondônia), aconteceu dos dias 21 a 25 de julho de 2009, como TEMA: "CEBs: 'Ecologia e
Missão'" e o LEMA: "Do Ventre da Terra, o grito que vem da Amazônia".]. Reuniu quase 4 mil
delegados das comunidades de base, 420 religiosos, 380 sacerdotes, 50 bispos católicos e dois
anglicanos, 48 pessoas de outras igrejas cristãs, entre as quais 23 pastores, representantes de 32
povos indígenas e crentes da cultura e espiritualidade afro-brasileira.Somando com voluntários para
a preparação e equipes organizadores passou de 6 mil fieis.[4]
Em 2000 existiam cerca de 70 mil núcleos de Comunidades Eclesiais de Base no Brasil, nas cidades
e no campo, segundo o Instituto de Estudos da Religião (Iser), do Rio de Janeiro. Uma pesquisa
realizada por Pierrucci e Prandi[5]
indicam a existência de 1,8 milhões de católicos adultos atuantes
nas CEBs, de um total de 14 milhões que participam de algum movimento católico organizado.
Opção preferencial pelos pobres
A Opção preferencial pelos pobres foi a principal deliberação do CELAM de Medelin, onde a Igreja
da América Latina expressou de forma explícita a sua preocupação com relação a grande maioria da
população deste continente, que vive em condição de miséria. A Igreja busca então cumprir a
missão de Cristo que afirma: "Eu vim para que as ovelhas tenham vida e para que a tenham em
abundância" Jo 10,10. Entretanto no CELAM de Aparecida, realizado em 2007, o Papa Bento XVI
afirmou não ser correto o termo "opção preferencial" pois o próprio cristianismo se baseia na
preferência pelos pobres, sendo que se não há opção preferencial não há cristianismo. Desta forma o
termo foi corrigido para apenas: opção pelos pobres. O Papa também destacou que apesar desta
afirmação os ricos não são exclúidos da Igreja, porém para serem incluídos estes devem também
fazer a sua opção pelo pobre.
Controvérsias
Ao redor da imagem de "povo de Deus", que foi caracterizada pelo Concílio Vaticano II, as
comunidades sentiram-se parte ativa na construção do Reino de Deus. Houve quem aplaudisse e
quem desqualificasse essa atitude como algo que ameaçasse destruir a estrutura de dois mil anos da
Igreja.
Falava-se da prioridade do carisma sobre a instituição (Leonardo Boff) e usava-se o método das
ciências sociais para analisar a Igreja. Substituir a tradicional filosofia pelas ciências sociais
representava o risco de introduzir a análise marxista dentro da Igreja Católica.
Diante desta realidade começou-se a falar do perigo comunista na Igreja e muitos setores da
sociedade ficaram alarmados. Até o Departamento de Estado dos Estados Unidos pronunciou-se,
contundentemente, através de dois documentos chamados "Santa Fé": "a Teologia da Libertação e
suas células (as CEBs) representam uma doutrina política disfarçada de crença religiosa, com um
significado antipapal e antilivre empresa, destinadas a debilitar a independência da sociedade
frente ao controle estatal" (Santa Fé II).
Encontros intereclesiais
As CEBs brasileiras, ao longo de sua história, já realizaram 12 encontros intereclesiais, reunindo
membros de todo o Brasil:
1º Intereclesial - Vitória (Espírito Santo), 1975. Tema: Uma Igreja que nasce do povo pelo
Espírito de Deus.
2º Intereclesial - Vitória (Espírito Santo), 1976. Tema: Igreja, povo que caminha.
3º Intereclesial - João Pessoa, (Paraíba), 1978. Tema: Igreja, povo que se liberta.
4º Intereclesial - Itaici (São Paulo), 1981. Tema: Povo oprimido que se organiza para a
libertação.
5º Intereclesial - Canindé (Ceará),1983.Tema: Igreja, povo unido, semente de uma nova
sociedade.
6º Intereclesial - Trindade (Goiás), 1986. Tema: Cebs, povo de Deus em busca da terra
prometida.
7º Intereclesial - Duque de Caxias (Rio de Janeiro), 1989. Tema: Povo de Deus na América
Latina a caminho da libertação.
8º Intereclesial - Santa Maria (Rio Grande do Sul), 1992. Tema: Povo de Deus renascendo
das culturas oprimidas.
9º Intereclesial - São Luís (Maranhão), 1997. Tema: Cebs, vida esperança nas massas.
10º Intereclesial - Ilhéus (Bahia), 2000. Tema: Cebs, povo de Deus, 2000 anos de
caminhada.
11º Intereclesial - Ipatinga (Minas Gerais), 2005. Tema: Cebs, espiritualidade libertadora.
12º Intereclesial - Porto Velho (Rondônia), aconteceu dos dias 21 a 25 de julho de 2009.
Tema: CEBs: Ecologia e Missão e Lema: Do Ventre da Terra, o grito que vem da
Amazônia.[6]
O 13º Intereclesial das CEBs acontecerá em janeiro de 2014 em Crato, no estado do Ceará.[7]
Esse
encontro terá como tema Justiça e profecia a serviço da vida e como lema CEBs, romeiras do
Reino no campo e na cidade.[8]
Referências
1. ↑ Frei Betto: O que é Comunidade Eclesial de Base. 2a edição. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1981.
2. ↑ Souza, L.A.G.: Centralização ou pluralidade? O caminho criativo das CEBs. Mutações
sociais, Rio de Janeiro, n. 1, julho-setembro de 2002.
3. ↑ Bingemer, M.C.: As Comunidades Eclesiais de Base: vida e esperança, Portal Amai-vos
(2003), acessado em 29 de dezembro de 2007.
4. ↑ Dias, A.:XI Intereclesial e a vocação profética das CEBs, no sítio www.adital.com.br,
acessado em 29 de dezembro de 2007
5. ↑ Pierrucci, A.F.; Prandi, R. A realidade social das religiões no Brasil. São Paulo: Hucitec,
1996, ISBN 8527103745. l
6. ↑ Dez mil no encerramento do encontro das CEBs. Página visitada em 16 de julho de 2010.
7. ↑ Modificada a data do 13º Intereclesial das CEBs. Página visitada em 2 de fevereiro de
2011.
8. ↑ Escolhidos o Tema e o Lema do 13º Intereclesial das CEBs. Página visitada em 19 de
julho de 2010.
Polêmica e críticas
Acusa-se tal movimento de ser condescendente com a culpabilidade da Igreja, que segundos
estudiosos, é bem menor do que julgam os promotores, e de deturpar o caminho divino, colocando-
o em segundo plano diante da missão terrena de ajudar os pobres.[4]
Integrantes do movimento afirmam que este movimento sempre foi baseado em ideais de amor e
libertação de todas as formas de opressão (especialmente opressão econômica). Também afirmam
que ele teria uma forte base nas escrituras sacras. Por outro lado, alguns aspectos da teologia da
libertação têm sido fortemente criticados pela Santa Sé e por várias igrejas protestantes (embora a
Igreja Luterana a tenha adotado), como por exemplo o fato dos adeptos da Teologia da Libertação
defenderem um papel político significativo para as igrejas e pela utilização do Marxismo como base
ideológica e metodológica do movimento.[5][6]
[7]
Posição oficial da Igreja Católica
Na Igreja Católica, a Congregação para a Doutrina da Fé publicou dois documentos sobre esta
teologia: Libertatis Nuntius (1984) e Libertatis conscientia (1986). Para os que combatem esta
teologia, estes documentos, apesar de defender a importância do seu compromisso radical para com
os pobres, considerou-a herética porque ela faz uma releitura marxista (materialista e atéia) dos
acontecimentos espirituais. E também porque a Igreja acha que a disposição da teologia da
libertação em aceitar postulados do marxismo ou de outras ideologias políticas era incompatível
com a doutrina católica, especialmente ao afirmar que "só seria possível alcançar a redenção cristã
com um compromisso político".
Outros afirmam que o que ocorreu não foi uma crítica ou repressão ao movimento em si, mas sim
correção de certos exageros de alguns de seus representantes (como sacerdotes mais tendentes à
política). Outros, ainda, afirmam que houve uma deliberada sanção à Igreja Latino-Americana na
repressão à sua forma mais pungente de ação e crítica social. Entretanto, o próprio Papa João Paulo
II dirigiu uma carta à CNBB, datada de 9 de abril de 1986, pedindo o compromisso com o
verdadeiro desenvolvimento desta teologia: "...estamos convencidos, nós e os senhores, de que a
Teologia da Libertação é não só oportuna, mas útil e necessária. Ela deve constituir uma nova
etapa - em estreita conexão com as anteriores - daquela reflexão teológica iniciada com a tradição
apostólica e continuada com os grandes padres e doutores, com o magistério ordinário e
extraordinário e, na época mais recente, com o rico patrimônio da Doutrina Social da Igreja
expressa em documentos que vão da Rerum Novarum a Laborem Exercens". "Os pobres deste país,
que tem nos senhores os seus pastores, os pobres deste continente são os primeiros a sentir urgente
necessidade deste evangelho da libertação radical e integral. Sonegá-lo seria defraudá-los e
desiludi-los". Para concluir, o Papa incita ao seu verdadeiro desenvolvimento "de modo homogêneo
e não heterogêneo com relação à teologia de todos os tempos, em plena fidelidade à doutrina da
Igreja, atenta a um amor preferencial e não excludente nem exclusivo para com os pobres".[8]
Porém, João Paulo II depois a condenou. O Cardeal Ratzinger, no retiro espiritual que pregou ao
Papa João Paulo II e aos Cardeais em 1986, escreveu:
"Sem resposta para a fome da verdade, sem cura das doenças da alma ferida por causa da
mentira ou, numa palavra, sem a verdade e sem Deus, o homem não se pode se salvar. Aqui
descobrimos a essência da mentira do demônio. Deus aparece na sua visão do mundo como
supérfluo, desnecessário à salvação do homem. Deus é um luxo dos ricos. Segundo ele, a
única coisa decisiva é o pão, a matéria. O centro do homem seria o estômago" (Cardeal
Joseph Ratzinger, O Caminho Pascal,-- Curso de Exercícios Espirituais realizado no
Vaticano na presença de S.S. João Paulo II, Loyola, São Paulo, 1986, p. 14-15).
E perguntou o Cardeal Ratzinger, falando aos Cardeais: "Porventura não existe uma tendência,
também entre nós, de adiar o anúncio da verdade de Deus, para antes fazer as coisas "mais
necessárias"? Vemos, porém, que um desenvolvimento econômico sem desenvolvimento espiritual
destrói o homem e o mundo" [9]
.
No mundo
Segundo Tamayo,[10]
a Teologia da Libertação surgiu na América Latina como sistematização de
um novo método teológico. Entretanto, nas últimas décadas, desenvolveu-se no Terceiro Mundo e
nos ambientes marginalizados dos países desenvolvidos reflexões teológicas que também podem ser
classificadas como teologia da libertação.
Teologia da libertação africana
A reflexão teológica sobre a libertação trabalha com categorias antropológicas: a aculturação e
consequente perda da identidade coletiva dos povos, além de sua pobreza estrutural e seu sistema de
dominação. Defende-se uma verdadeira inculturação do cristianismo. Os teólogos africanos
associaram-se na Associação Ecumênica de Teólogos Africanos.
Teologia da libertação sul-africana
Esta teologia distingue-se da teologia africana por tratar do tema do apartheid. Trabalha
intensamente a questão da raça, da negritude.
Teologia da libertação negra nos Estados Unidos
Esta teologia surgiu e se desenvolveu a partir da luta pelos direitos civis dos negros, liderados por
Martin Luther King e a busca do poder negro de Malcolm X. Busca dois meios de libertação: a
consciência negra e o poder negro. Posteriormente, ampliou seus horizontes para a busca de
libertação dos pobres e minorias da sociedade americana, como os hispânicos, os asiáticos.
Esta teologia brotou inicialmente nas igrejas negras e seminários protestantes. O marco dessa
teologia negra a publicação em 1969 da obra Black Theology and Black Power (Teologia negra e
poder negro) pelo Rev. James Cone.[11]
Esta teologia vem ganhando destaque devido à sua
influência sobre Barack Obama, eleito Presidente dos Estados Unidos da América.
Teologia da libertação na Ásia
Tomando como base o desenvolvimento da Teologia da Libertação na América Latina, os teólogos
asiáticos refletem basicamente sobre dois aspectos: a interação entre filosofia (como uma
cosmovisão religiosa) e religião (como filosofia vivida) e a interação entre religiosidade e pobreza
na Ásia. Um dos baluartes desta teologia é o diálogo inter-religioso, dada a situação não-cristã dos
pobres da Ásia.
Diálogo com o Islã
Em agosto de 1988, um pequeno grupo de teólogos xiitas liderados pelo Ayatullah Yafhar
Subhanni, enviados do Ayatullah Ruhollah Khomeini, chegou à Argentina buscando contatos com a
Teologia da Libertação através do Prêmio Nobel da Paz e ativista dos Direitos Humanos Adolfo
Pérez Esquivel. Iniciou-se então um diálogo singelo porém duradouro e crescente. Ocorreram vários
encontros na cidade de São Paulo, Rio de Janeiro e Buenos Aires. Do lado cristão participaram
Leonardo Boff, Clodovis Boff, Rosalvo Salgueiro, Adolfo Pérez Esquivel, Dom Paulo Evaristo
Arns, Pedro Ribeiro de Oliveira, Paulo de Andrade entre outros, e do lado islâmico participaram
principalmente professores da Universidade da Cidade Santa iraniana de Qom, como o Ayatullah
Yafhar Subhanni, o Ayatullah Mohammad Taqi Misbah Yazdi, o Huyatolislam Mohsen Rabanni, o
Sheik Abdul Karin Paz, o embaixador do Irã no Vaticano Maseyami Y, o historiador Shamsudin
Helia, e a teóloga Lili Kashanni.
O diálogo se esmaeceu e a última reunião ocorreu há mais de dez anos, em setembro de 1997.
Outras tentativas de diálogos foram e estão sendo tentadas mas os principais momentos de encontro
acabam ocorrendo por ocasião do Fórum Social Mundial.
Associação Ecumênica de Teólogos do Terceiro Mundo
A Associação Ecumênica de Teólogos do Terceiro Mundo reúne diversos teólogos da América
Latina, Ásia e África e das minorias dos Estados Unidos em torno de encontros e reflexões. Publica
a revista semestral Voices of the Third World, editada na Índia.
Fórum Mundial de Teologia e Libertação
Os teólogos da libertação atualmente reúnem-se no Fórum Mundial de Teologia e Libertação. Este
fórum surgiu de um encontro de teólogos durante o III Fórum Social Mundial, em 2003.[12]
O
primeiro Fórum Mundial ocorreu em Porto Alegre, em janeiro de 2005. O II Fórum ocorreu em
janeiro de 2007 em Nairóbi, capital do Quênia, com o tema “Espiritualidade para outro mundo
possível”. Estes Fóruns antecedem o Fórum Social Mundial (FSM). O último fórum ocorreu em
Belém (Pará) de 21 a 25 de janeiro de 2009. Seu tema geral foi Água, Terra, Teologia - para outro
mundo possível. A proposta do fórum é reunir teólogos e teólogas cristãs dos diversos continentes
que trabalhem com o tema da libertação, em todas as suas dimensões, tornando-se "um espaço de
encontro para reflexão teológica de alternativas e possibilidades de mundo, tendo em vista
contribuir para a construção e uma rede mundial de teologias contextuais marcadas por
perspectivas de libertação".[13]
O IV Fórum Mundial de Teologia e Libertação foi realizada de 5 a 11 de fevereiro de 2011, em
Dakar, Senegal, junto ao 10º Fórum Social Mundial.[14]
. No evento estiveram presentes cerca de 110
teólogos e teólogas de diversas tradições religiosas e de diferentes partes do mundo, com o objetivo
de promover o diálogo entre as religiões e as práticas sociais.
Teólogos da libertação
Não existe uma lista oficial dos teólogos da libertação. A lista aqui apresentada é uma lista não-
oficial de teólogos reconhecidos ou que se identificam como pertencentes à corrente da Teologia da
Libertação:
Alberto Parra
Agenor Brighenti
Andrés Torres Queiruga
Carlos Filipe Ximenes Belo
Carlos Palácio
Camilo Torres
Carlio Tursione
Carlos Bravo
Carlos Mesters
Cleto Caliman
Clodovis Boff
Diego Irrarázaval
Domingos Barbé
Elza Tamez
Enrique Dussel
Ernesto Cardenal
Erwin Kräutler
Francisco Taborda
Geraldo Albano de Freitas
Giampietro Baresi
Gustavo Gutiérrez
Hélder Câmara
Hugo Assmann
Hugo Echegaray
Ignacio Ellacuría
Ivone Gebara
Jean-Bertrand Aristide
João Batista Libanio
Jon Sobrino
Jorge Pixley
José Comblin
José Luis Caravias
José Miguez Bonino
Juan Hernándes Pico
Juan Luis Segundo
Leonardo Boff
Luis del Valle
Luis Pérez Aguirre
Luiz Carlos Susin
Marcelo Barros
Miguel Concha
Milton Schwantes
Oscar Romero
Pablo Richard
Paul Gauthier
Paulo Suess
Pedro Casaldáliga
Pedro Trigo
Paulo Evaristo Arns
Ricardo Antoncich
Richard Schaull
Roberto Oliveros
Ronaldo Muñoz
Rosalvo Salgueiro
Rubem Alves
Samuel Ruiz
Víctor Codina
Virgilio Elizondo
Diego Knecht
Ivan dal Cero
Adélson
Felipe dos Santos
Fontes
Página da Agência de Notícias Frei Tito para a América Latina
Referências
1. ↑ a
b Tamayo J. J. Teologias da libertação. In: Dicionário de Conceitos Fundamentais do
Cristianismo. São Paulo: Paulus, 1999. ISBN 85-349-1298-X
2. ↑ Gonçalves, A. J (2007). Gênese, crise e desafios da Teologia da
Libertação,<http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=28241&busca=
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Ligações externas
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TEORIA DA DEPENDÊNCIA
A teoria da dependência é uma formulação teórica desenvolvida por intelectuais, como Ruy
Mauro Marini, André Gunder Frank, Theotonio dos Santos, Vania Bambirra, Orlando Caputo,
Roberto Pizarro e outros, consistindo em uma leitura crítica e marxista não-dogmática dos
processos de reprodução do subdesenvolvimento na periferia do capitalismo mundial, em
contraposição as posições marxistas convencionais ligada aos partidos comunistas ou a visão
estabelecida pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).
A explicação da “dependência” e a produção intelectual dos autores influenciados por essa
perspectiva analítica obtiveram ampla repercussão na a América Latina no final da década de 1960
e começo da década de 1970, quando ficou evidente que o desenvolvimento econômico não se dava
por etapas, um caminho que bastaria ser trilhado para que os resultados pudessem ser alcançados.
Para a teoria da dependência a caracterização dos países em "atrasados" decorre da relação do
capitalismo mundial de dependência entre países "centrais" e países "periféricos". Países "centrais",
como centro da economia mundial será identificado nos espaços em que ocorrem a manifestação do
meio técnico científico informacional em escala ampliada e os fluxos igualmente fluam com mais
intensidade. A periferia mundial (países periféricos)se apresente como aqueles espaços onde os
fluxos, o desenvolvimento da ciência, da técnica e da informação ocorram em menor escala e as
interações em relação ao centro se dêem gradativamente. A dependência expressa subordinação, a
ideia de que o desenvolvimento desses países está submetido (ou limitado) pelo desenvolvimento de
outros países e não era forjada pela condição agrário-exportadora ou pela herança pré-capitalista
dos países subdesenvolvidos mas pelo padrão de desenvolvimento capitalista do país e por sua
inserção no capitalismo mundial dada pelo imperialismo. Portanto, a superação do
subdesenvolvimento passaria pela ruptura com a dependência e não pela modernização e
industrialização da economia, o que pode implicar inclusive a ruptura com o próprio capitalismo.
Origens da teoria da dependência
A teoria da dependência surge na década de 1960 para repensar o modelo cepalino, isto é,
desenvolvido pela CEPAL (da Organização das Nações Unidas — ONU), e oferecer uma
alternativa de interpretação da dinâmica social da América Latina. Portadora de um método
analítico mais sofisticado, ela suplantou com facilidade o estagnacionismo, que havia sido abraçado
pelos remanescentes do nacional-desenvolvimentismo, e transformou-se na crítica mais consistente
ao desenvolvimento autoritário, que países como Brasil, a partir de 1964 começara a aderir.
Após o golpe de 1964, firmou-se no Brasil o desenvolvimentismo autoritário, que foi calcado na
teoria do desenvolvimento equilibrado de Rosenstein-Rodan, Ragnar Nurkse, Arthur C. Lewis e
outros teóricos dessa vertente da teoria do desenvolvimento.
Foi ainda nessa mesma época que surgiu o pensamento dos neomarxistas, com o modelo de
desenvolvimento do subdesenvolvimento, e ainda sofrendo forte influência dos marxistas
americanos, como Paul A. Baran e Paul Sweezy, e das teses de Trotsky para os países atrasados
(baseadas na lei de desenvolvimento desigual e combinado). André Gunder Frank, Theotonio dos
Santos e Rui Mauro Marini não viam possibilidade de desenvolvimento capitalista autônomo e
pleno no Brasil e na América Latina, mas apenas de um subdesenvolvimento ao qual esses países
estariam condenados, apesar do processo da industrialização, ao menos que houvesse uma
revolução socialista.
O início
Em Brasília, nos início da década de 1960, os professores e pós-graduandos da Universidade de
Brasília (UnB), Theotonio dos Santos, Ruy Mauro Marini, Luís Fernando Victor, Teodoro
Lamounier, Albertino Rodriguez, Perseu Abramo e Vania Bambirra, iniciam um seminário
permanente de leitura de O Capital aplicando seu método analítico à interpretação da realidade de
desenvolvimento histórico latino-americano, e reuniu ali representantes, inclusive convidados
estrangeiros, das mais importantes tendências interpretativas da obra fundamental de Karl Marx,
entre os quais por exemplo, André Gunder Frank, que inclusive ajudaram a disseminar pelos outros
países do subcontinente essas novas reflexões desenvolvidas por esse grupo.
Essas novas análises retomam o pensamento do imperialismo de Lenin e de Rosa Luxemburgo, e de
desenvolvimento desigual e combinado de Trotski, além da concepção crítica sobre o
desenvolvimento latino-americano formulada por André Gunder Frank, que tem por sua vez origem
no conceito de subdesenvolvimento de Paul A. Baran e Paul Sweezy, abrindo enfim caminho para a
teoria marxista da dependência.
Muito desses intelectuais do grupo de Brasília, especialmente Theotonio dos Santos e Ruy Mauro
Marini, participaram dos movimentos sociais, particularmente o movimento estudantil secundarista
e universitário da década de 1950, inclusive ingressando em organizações políticas, e em geral,
críticas ao stalinismo, corrente marxista hegemônica da esquerda brasileira, representada
principalmente pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB). O stalinismo entendia que o
subdesenvolvimento latino-americano era resultado da herança pré-capitalista desses países.
Ainda no mestrado em Ciências Políticas em Brasília, Theotonio inicia uma linha de investigação
sobre a estrutura das classes dominantes no Brasil, na que se propõe revelar os termos da
complexidade da formação social brasileira, especialmente a disposição dos sujeitos sociais do
capitalismo nacional, a partir do método marxista dO Capital, na tentativa de investigar as estruturas
sociais internas de reprodução do subdesenvolvimento no Brasil. Paralelamente, André Gunder
Frank havia formulado, ainda nos Estados Unidos, aportes teóricos próprios, que posteriormente
convergiram com o grupo brasileiro. Frank aplicara metodologicamente a teoria da lei do
desenvolvimento desigual e combinado para o desenvolvimento histórico latino-americano,
formulando a compreensão que nesses países o seu atraso não provinha do seu legado ou resquícios
pré-capitalistas mas por ter-se desenvolvido nos marcos de um "capitalismo colonial", ainda não
totalmente superado na metade do século XX.
Nesse processo intelectual realizado na UnB ocorre a superação crítica da posição do pensamento
social brasileiro sua crítica tanto ao reformismo comunista quanto ao estagnacionismo que
dominava a intelectualidade antes do período do milagre brasileiro. A crítica se dava, por um lado,
as teses progressistas, representada pelo nacional-desenvolvimentismo cepalino (CEPAL) e do
Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e o funcionalismo do pensamento social da
Universidade de São Paulo (USP) ou o reformismo ligado ao PCB. E por outro lado, tanto ao
liberalismo do imperialismo inglês das elites agro-exportadoras locais como às teorias de
modernização associadas ao imperialismo estadounidense, de desenvolvimento equilibrado, para
assentar as bases de um paradigma próprio de pensamento social,culmina com o estabelecimento de
uma teoria da dependência, que proporcionará novos parâmetros para teorizar sobre a realidade
brasileira e latino-americana.
Histórico e auge da teoria da dependência
Com o golpe de 1964 começa um processo de expurgo dos intelectuais de esquerda dentro das
universidades brasileiras, inclusive com a cassação, e acabam a maioria se exilando no Chile, onde
vários intelectuais brasileiros buscam refúgio.
Ruy Mauro Marini se refugiará no México posteriormente se reencontrado com o grupo no Chile.
Theotonio dos Santos e Vania Bambira exilou-se no Chile em 1966, onde se vinculou ao Centro de
Estudos Sócio-Econômicos da Faculdade de Economia da Universidade do Chile (CESO), e em
seguida torna-se diretor do CESO, reunindo vários cientistas sociais chilenos, brasileiros e de outros
países latino-americanos para estudar o imperialismo e seu impacto nas sociedades dependentes. Se
alinhará a teoria da dependência importantes intelectuais como Fernando Henrique Cardoso.
Será o período de auge da popularidade da teoria da dependência, ao fato inclusive de influenciar as
políticas econômicas dos governos latino-americanos mais progressistas do período, especialmente
o governo do presidente chileno Salvador Allende. Com o golpe militar de 1973, que derruba o
governo Salvador Allende, o grupo se exila, pela segunda vez, indo a maioria para o México, mas
muitos outros para a Europa, dispersando o grupo, e dificultando a sua unidade teórica.
Estagnacionismo, etapismo, dualidade e obstáculos externos vs. desenvolvimento
subdesenvolvido
A intelectualidade de esquerda, apoiando-se nas idéias cepalinas e no reformismo do marxismo
stalinista, atribuíam o atraso do capitalismo latino-americano aos “obstáculos externos” ao
desenvolvimento nacional proporcionado pela estratégia imperialista e os resquícios feudais que
também obstaculizavam o desenvolvimento capitalista interno. Postulavam, portanto, que a “nação”
deveria se opor ao “imperialismo” o que, obviamente, implicava uma aliança de classe no interior
do país dependente entre o proletariado e a burguesia considerada “nacional”.
Os autores da Dependência criticavam aqueles que concluiam que o capitalismo era inviável na
periferia do sistema mundial. Criticaram três conceitos simultaneamente o “mito do feudalismo na
agricultura brasileira”, os “obstáculos externos” ao desenvolvimento e o "dualismo" estruturalista
da CEPAL.
Os autores da dependência afirmavam que o desenvolvimento capitalista efetivamente ocorreria,
mas sob a forma do subdesenvolvimento. A fórmula “desenvolvimento do subdesenvolvimento”
capta com precisão esta dinâmica. A crítica ao estagnacionista dava-se na percepção que a
industrialização na América Latina não apenas era possível e se completaria, como seria necessária
ao centro do capitalismo, mas reforçaria o subdesenvolvimento das economias nacionais, no que
ficou conhecido como "nova dependência".
Dependência e o Imperialismo
A perspectiva teórica dos autores da teoria da dependência era entender o imperialismo sobre os
países periféricos, as chamadas "colônias" e "semi-colônias", à medida que os grandes autores da
Segunda Internacional - Lênin, Trotski, Rosa Luxemburgo, Karl Kautsky, Bukharin, Hilferding -
haviam estudado o fenômeno o enfocando sobre os países centrais do capitalismo mundial (os
países imperialistas), tendo como recorte analítico o caso particular do desenvolvimento dos países
latino-americanos.
Desenvolvimento dependente: centro e periferia
Os teóricos da dependência, viam desenvolvimento e subdesenvolvimento como posições
funcionais dentro da economia mundial, ao invés de estágios ao longo de uma escala de evolução
das nações.
A teoria da dependência trata do relacionamento das economias dos países chamados "periféricos"
com as economias dos países chamados "centrais" ou "hegemônicos", e que estas relações
econômicas "dependentes" por parte dos países periféricos em relação às economias centrais,
criavam redes de relações políticas e ideológicas que moldavam formas determinadas de
desenvolvimento político e social nos países "dependentes" ou "periféricos".
Dependência, setor externo e extração do excedente
Um dos temas mais discutidos pela teoria da dependência é a questão da extração do excedente
econômico gerado nos países atrasados pela ação do capital estrangeiro, o que está fortemente
vinculado a como as estruturas sócio-econômicas internas se articulam com o capital externo.
Afirmar-se na teoria da dependência o papel principal que cumpre o capital estrangeiro na extração
do excedente, entendido aqui como valor excedente, como mais-valia, produzido internamente, e na
reprodução da dependência. Esse aporte permite os estudos de como se deram as relações de
dependência e de extração do excedente, com a visão tradicional sobre o mesmo, expressa na teoria
econômica ortodoxa e nas teorias da modernização, contrapondo no caso brasileiro desde o pós-
guerra aos dias de hoje.
O capitalismo dependente, o conceito que os autores da teoria da dependência esgrimiram contra as
teses cepalinas, surge centrado nos efeitos integradores da substituição de importações, e não
desintegradores ao mercado externo, que encontra expressão crescente na América Latina a partir
do fim da década de 1960. Cada vez mais, altas taxas de importação e exportação associadas a um
mercado interno reduzido pela brutal desigualdade de renda são um cenário característico da região.
Dependência e divisão internacional do trabalho
Para a teoria da dependência a caracterização dos países em "atrasados" decorre da relação do
capitalismo mundial de dependência entre países centrais (América do Norte, Europa Ocidental e
Japão) e países periféricos (América Latina, África e Ásia).
A Dependência, como bem destacou Theotonio dos Santos, não era forjada pela condição agrário-
exportadora ou pela herança pré-capitalista dos países subdesenvolvidos mas pelo padrão de divisão
internacional do trabalho do capitalismo moderno, dada pelo imperialismo. A divisão se dá entre
países cujos seu capitais centralizam o processo de acumulação capitalista mundial e possuiu
parques industriais baseados no que há mais avançado em tecnologia, e países que exportam mais-
valia, são fornecedores de mão-de-obra e recursos naturais baratos e possuem parques industriais
especializados em produtos de baixo valor agregado e/ou tecnologia.
Dependência e superxploração do trabalho
O conceito de superexploração do trabalho foi estabelecido no final da década de 1960, enfatizado
sua relação com a gênese e funcionamento da acumulação capitalista. A partir da condição de
dependência, a burguesia nacional dos países periféricos mesmo após a industrialização e
modernizações do século XX, torna-se sócia minoritária do capital transnacional, tendo que repartir
a mais-valia gerada internamente com eles.
Para compensar essa menor participação na repartição da acumulação gerada em seu próprio país, a
burguesia nacional dos países periféricos utiliza-se de mecanismos extraordinários de exploração da
força de trabalho, que visam ampliar a mais-valia extraída do trabalho, a superxploração do
trabalho. Assim explicava-se a situação latino-americana de precariedade das condições de
trabalho, baixos salários e longas jornadas.
Nova dependência
A re-alimentação da dependência e a manutenção do subdesenvolvimento, apesar da
industrialização interna, foi definida como "nova dependência". Os capitais e as atividades
econômicas mais dinâmicas das economias nacionais periféricas passaram a estar em mãos das
empresas transnacionais e que determinam portanto a dinâmica interna da economia.
A dependência quer era antes marcada pelas trocas desiguais externas passa a ser exercida pela
dependência de tecnologias, direitos autorais e investimentos diretos externos, o endividamento
externo, a imposição de políticas monetaristas e neoliberais pelos organismos multilaterais, o envio
de remessas de lucros e os fluxos de capitais especulativos.
Dependência e processos sociais
Na perspectiva da teoria da dependência a dependência não é um processo externo mas também
interno, determinado pela luta de classe no plano nacional. A teoria da dependência nasce em parte
a partir de uma linha de investigação sobre a estrutura das classes dominantes no Brasil, na que se
propõe revelar os termos da complexidade da formação social brasileira, especialmente a disposição
dos sujeitos sociais do capitalismo nacional, a partir do método marxista dO Capital na tentativa de
investigar as estruturas sociais internas de reprodução do subdesenvolvimento nos países latino-
americanos.
O conceito do feudalismo aplicado a América Latina foi um dos pontos iniciais das batalhas
conceituais que indicavam profundas implicações teóricas do debate sobre desenvolvimento. A
definição que qualificava o caréter das economias coloniais como feudal servia de base para as
propostas políticas que apontavam à necessidade de uma revolução burguesa, limitando a luta
revolucionária do proletariado latino-americano. O que era condenado pelos autores da
dependência, mas, sem subestimar o obstáculo representado pela hegemonia das relações servis ou
semi-servis na formação de uma sociedade civil capaz de conduzir a uma luta revolucionária. A
América Latina era resultado da expansão do capitalismo comercial europeu no século XVI, surgido
para atender as demandas da Europa e se inseriu no mundo do mercado mundial capitalista.
O aporte dessa teoria à análise da realidade social permite portanto investigar que a dependência das
economias periféricas, cuja a maioria baseou seu crescimento econômico em modelos exportadores
de matérias-primas, produtos primários em geral ou manufaturas, acabou reforçando uma situação
de dependência dos capitais e tecnologias produzidos pelos países desenvolvidos (centrais), e essa
dependência acabaram limitando as possibilidades de decisão e ação autônomas destes países
periféricos, impedindo que o centro político das forças sociais locais nesses países se
sobrepusessem ao mercado e conquistassem maior autonomia política. Há uma endêmica debilidade
da burguesia nacional e uma disposição para converte-se em associada menor do capital
internacional. Havia portanto um limite histórico do projeto nacional e democrático e do populismo
conduzido pelos sérios limites de classe, apesar de ter se desenvolvido intelectualmente através de
vertentes de pensamento como o ISEB ou a CEPAL.
Para os autores da dependência, embora que, as forças sociais, políticas, econômicas e ideológicas
no mundo contemporâneo podem ser mobilizadas para deter as tendências à superexploração, à
nova dependência e ao subimperialismo, a conclusão dependentista é que era contraproducente ao
proletariado latino-americano fazer aliança com as suas respectivas burguesias nacionais, como
defendiam as teses cepalinas e marxistas stalinistas, à medida que esta classe, embora alguns
circunstância se atritem com a burguesia internacional ou com as oligarquias agroexportadoras
locais, ao final sempre se alinharia com ambas. A aliança de classe no interior do país dependente
seria entre o proletariado urbano, às classes médias e o campesinato.
Dependência e sub-imperialismo
Para os autores da teoria da dependência os esforços paradoxais dos governos militares brasileiros
de desenvolvimento industrial e de hegemonia continental, como bem posicionou-se Rui Mauro
Marini, reforçavam os laços de dependência ao invés de rompê-los.
Surge a categoria sub-imperialismo, para designar um processo dinâmico do capitalismo nacional,
que expande seus capitais sobre as economias vizinhas, porém sob os limites impostos pelo capital
monopólico mundial.O conceito de subimperialismo refere-se à necessidade da burguesia dos países
dependentes desdobrar sua acumulação para o exterior, ao alcançar um determinado grau de
composição orgânica do capital com a industrialização. O subimperialismo produz o movimento ao
exterior sem integrar a economia nacional em um mercado de massas, em razão da superexploração,
que limita o espaço interno de realização da mais-valia.
Esse movimento à subimperialismo dá-se pela ação da "nova dependência", principalmente a
dependência tecnológica, pois a burguesia periférica não tem força própria para competir
mundialmente. O capitalismo nacional dependente vincula a sua realização crescentemente ao
mercado exterior, à medida que o mercado interno é atrofiado e o consumo do Estado é limitado
pelo endividamento público.
Contudo, apesar de rivalizar parcialmente com o país central, o país sub-imperialista não rompe
com a dependência. Serve na prática como plataforma de intermediação de capitais e de mais-valia
entre o país central e os países periféricos. Sendo inclusive condição necessária ao sistema mundial
imperialista, havendo uma divisão de trabalho entre o país central e os país sub-imperialista.
Fernando Henrique Cardoso e a teoria da dependência
Uma das mais importantes referências da teoria da dependência é o sociólogo Fernando Henrique
Cardoso, acadêmico formado na USP (Universidade de São Paulo) e que, mais tarde, também
tornou-se presidente da República Federativa do Brasil.
Na obra escrita com Enzo Falleto, no Chile, em 1967, (intitulada "Dependência e Desenvolvimento
na América Latina") e, em textos posteriores (como o livro “As idéias e seu lugar”), Cardoso
colocou em relevo o papel dos fatores internos na compreensão dos processos estruturais de
dependência. Nesta direção, ele procurava mostrar como as diferentes formas de articulação entre
economias nacionais e sistema internacional e, ao mesmo tempo, os diferentes arranjos de poder,
indicavam modalidades distintas de integração com os pólos hegemônicos do capitalismo. Assim,
em seu ponto de partida (período primário-exportador), podiam ser identificadas duas formas
distintas de organização econômica: as economias de enclave e aquelas na qual existia o controle
nacional do sistema produtivo. A evolução destas diferentes formas de articulação econômica com o
capitalismo mundial também se diferenciou de acordo com as composições e lutas de classes dos
diferentes países da América Latina. Nas década de 1960 e 70, as sociedades latino-americanas já
tinham consolidado seu mercado interno e a internacionalização do capitalismo (fase do capitalismo
monopolista, com expansão das indústrias multinacionais) indicava um novo padrão de
dependência.
A obra de Fernando Henrique Cardoso notabilizou-se também pelo fato de negar que a dependência
implicava – necessariamente – em estagnação econômica e subdesenvolvimento e de que a ruptura
socialista seria a única via possível para a industrialização do continente. Ao mesmo tempo,
Cardoso criticou o “consumo” da idéia de dependência como arcabouço teórico sistemático e a-
histórico, lembrando que as “análises da dependência” constituam estudos que estavam situados no
campo teórico do marxismo, em particular da teoria do imperialismo, sendo seu objetivo precípuo a
análise da realidade concreta das diferentes sociedades situadas na América Latina.
O desprestígio da teoria da dependência
A Teoria da Dependência no decorrer da década de 1970 entrou em uma crise, a produção autoral
ligada a ela diminuiu, principalmente a partir do fim dessa década.
Sofreu um primeiro baque com o golpe do Chile (1973). Foi muito criticada porque teria
influenciado o governo chileno de Salvador Allende. Seus críticos dizem que assim como a
experiência fracassou, a teoria da dependência teria tido o mesmo destino.
Segundo os críticos, ela também não teria captado as mudanças que ocorreram na década de 1980, a
partir dos dois mandatos do presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan (1980-1988) - a
consolidação do neoliberalismo na América Latina, e nos anos 1990 a globalização. Outros, por sua
vez, dizem que a teoria da dependência não processou essa fase porque já estava em baixa.
No fim da década de 1970 encerra-se o ciclo de densenvolvimento a partir das experiência de
industrialização planejadas pelos governos locais. A economia desses países ficaram mergulhados
na hiper-inflação e na crise das dívidas externas. Nesse contexto o espaço do debate em torno ao
desenvolvimento ficou limitado. Também, houve um “vendaval neoliberal” que afastou o interesse
da intelectualidade e dos formuladores das políticas públicas por essa perspectiva, inclusive entre as
novas gerações. O debate acadêmico e político na região durante a década de 1980 e 1990 ficou
impregnado e dominado pelos temas e perspectivas derivadas da Macroeconomia.
Apesar do retorno do exílio com a re-democratização nos países sulamericanos os autores da teoria
da dependência tiveram grande dificuldade de ocupar o espaço para no debate nas ciências sociais.
No caso brasileiro ajudou a limitar o espaço acadêmico, o advento da Escola de Campinas no
decorrer da década de 1970, inclusive ganhando popularidade na intelectualidade acadêmica e nas
autoridades das políticas públicas, inclusive por sua ligação com os temas macroeconômicos.
Houve, particularmente no Brasil, apesar da anistia, dificuldade dos intelectuais da dependência em
re-inserir-se em universidades e centros de pesquisa importantes. Também houve uma campanha de
críticas contra a Teoria, em que colaborou antigos membros como o próprio Fernando Henrique
Cardoso.
No decorrer da década de 1970 com a fuga do Chile e ascensão em quase todos os países de
governos autoritários houve uma dispersão do grupo e uma baixa articulação entre os mesmos, além
de uma perseguição as suas ideias, dificultando a divulgação de seu pensamento. No Brasil,
acresce-se dois fatos: a expulsão precoce dos fundadores pela ditadura militar entre 1964 a 1967 e a
pouca edição em língua portuguesa das obras da corrente.
Os próprios autores ligados a teoria da dependência também em parte contribuíram para situação de
baixa. Houve dificuldades desses intelectuais após a redemocratização em seus países em se
reinserirem nos movimentos sociais mais dinâmicos e em organizações política de maior influência
de massas, o que poderia ter ajudado na sua popularidade.
Novos rumos dos autores teoria da dependência
Também, parte da dificuldades pode ser atribuida aos próprios autores da teoria da dependência, em
medida dos seus próprios novos rumos intelectuais e na direção da produção autoral tomada a partir
do fim da década de 1970 e início da década de 1980.
Ruy Mauro Marini faz reflexões atualizando e aperfeiçoando suas análises sobre o capitalismo
latino-americano em vários artigos, mas não há uma análise profunda e sistemática do
neoliberalismo e da globalização, embora estabelecerá no México um importante centro de
investigação sobre a América Latina. Theotonio dos Santos faz um trânsito sem rupturas à Teoria
do Sistema mundo. O mesmo fará André Gunder Frank, que em Reflections on the World Economic
Crisis (1981) explica isso com as seguintes palavras "embora a teoria da dependência esteja morta,
na realidade está viva, porque não há como substituí-la por uma teoria ou ideologia que negue a
dependência; seria necessário substituí-la por uma teoria que fosse além dos limites da teoria da
dependência, incorporando esta, juntamente com a dependência em si, numa análise global da
acumulação."
Nessa nova fase acadêmica, a partir das bases estabelecidas pela teoria da dependência, dedicam-se
à elaboração de uma da teoria dos ciclos sistêmicos de acumulação que vislumbra como uma fase
superior da teoria da dependência para o qual retoma o trabalho já iniciado no CESO e que havia
sido, em grande parte, destruído pela repressão chilena. Theotonio dos Santos e André Gunder
Frank passam tratar a ideia de desenvolvimento de longo termo do sistema mundial capitalista
combinando com os ciclos de longo prazo de Nikolai Kondratiev (as ondas longas ou ciclos de
Kondratiev) e os ciclos históricos de Fernand Braudel, aproximando assim da teoria do sistema
mundial, também trabalhada por Giovanni Arrighi, Samir Amin e Immanuel Wallerstein.
Obras (seleção)
Cardoso, Fernando H. e Faletto, Enzo. Dependência e Desenvolvimento na América Latina,
Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1970.
Santos, Theotonio dos. El Nuevo Caracter de la Dependencia, Santiago, Centro de Estudios
Sócio-Económicos da Universidade do Chile, CESO, 1967.
o Socialismo o Facismo, Buenos Aires, Editora Periferia, 1972.
o Imperialismo y Dependencia (1978).
o A Teoria da Dependência: balanço e perspectivas. Ed. Civilização Brasileira, Rio de
Janeiro, 2000.
Marini, Ruy Mauro. Dialéctica de la Dependencia. Serie Popular Era, 3a. edição, México,
1977.
o América Latina: dependência e integração. Ed. Brasil Urgente, 1992.
Referências bibliográficas
Santos, Theotonio dos. Dependencia y Cambio social, 1972.
o Teoria da Dependência: balanços e perspectivas, 1999.
Frank, André Gunder. Reflexões sobre a crise econômica mundial. Zahar editores, 1983.
Mantega, Guido. Teoria da Dependência Revisitada - um Balanço Crítico. FGV-EAESP.
Baptista Filho, Almir Cezar de Carvalho. Dinâmica, determinações e sistema mundial no
desenvolvimento do capitalismo nos termos de Theotônio dos Santos: da Teoria da
Dependência à Teoria dos Sistemas-mundo. Dissertação de Mestrado apresentada como ao
Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de Uberlândia, 2009.
Muro de Berlim
Grafites sobre o Muro de Berlim em 1986.
Mapa do traçado do Muro de Berlim.
Imagem de satélite de Berlim, com a localização do Muro em amarelo.
O Muro de Berlim (em alemão Berliner Mauer) era uma barreira física, construída pela República
Democrática Alemã (Alemanha Oriental) durante a Guerra Fria, que circundava toda a Berlim
Ocidental, separando-a da Alemanha Oriental, incluindo Berlim Oriental. Este muro, além de
dividir a cidade de Berlim ao meio, simbolizava a divisão do mundo em dois blocos ou partes:
República Federal da Alemanha (RFA), que era constituído pelos países capitalistas encabeçados
pelos Estados Unidos; e República Democrática Alemã (RDA), constituído pelos países socialistas
simpatizantes do regime soviético. Construído na madrugada de 13 de Agosto de 1961, dele faziam
parte 66,5 km de gradeamento metálico, 302 torres de observação, 127 redes metálicas
electrificadas com alarme e 255 pistas de corrida para ferozes cães de guarda. Este muro provocou a
morte a 80 pessoas identificadas, 112 ficaram feridas e milhares aprisionadas nas diversas tentativas
de o atravessar.
A distinta e muito mais longa fronteira interna alemã demarcava a fronteira entre a Alemanha
Oriental e a Alemanha Ocidental. Ambas as fronteiras passaram a simbolizar a chamada "cortina de
ferro" entre a Europa Ocidental e o Bloco de Leste.
Antes da construção do Muro, 3,5 milhões de alemães orientais tinham evitado as restrições de
emigração do Leste e fugiram para a Alemanha Ocidental, muitos ao longo da fronteira entre
Berlim Oriental e Ocidental. Durante sua existência, entre 1961 e 1989, o Muro quase parou todos
os movimentos de emigração e separou a Alemanha Oriental de Berlim Ocidental por mais de um
quarto de século.[1]
Durante uma onda revolucionária que varreu o Bloco de Leste, o governo da Alemanha Oriental
anunciou em 9 de novembro de 1989, após várias semanas de distúrbios civis, que todos os
cidadãos da RDA poderiam visitar a Alemanha Ocidental e Berlim Ocidental. Multidões de alemães
orientais subiram e atravessaram o Muro, juntando-se aos alemães ocidentais do outro lado, em uma
atmosfera de celebração. Ao longo das semanas seguintes, partes do Muro foram destruídas por um
público eufórico e por caçadores de souvenirs, mais tarde, equipamentos industriais foram usados
para remover quase todo da estrutura. A queda do Muro de Berlim, abriu o caminho para a
reunificação alemã, que foi formalmente celebrada em 3 de outubro de 1990. Muitos apontam este
momento também como o fim da Guerra Fria. O governo de Berlim incentiva a visita do muro
derrubado, tendo preparado a reconstrução de trechos do muro. Além da reconstrução de alguns
trechos está marcado no chão o percurso que o muro fazia quando estava erguido.
antecedentes
Alemanha pós-guerra
Depois de 1949 os dois estados alemães e a dividida cidade de Berlim desenvolveram-se através do
Zonas da ocupação aliadas. A Alemanha Ocidental era formada pelas zonas estado-unidense,
britânica e francesa e a Alemanha Oriental era formada pela Zona Soviética.
Zonas da ocupação aliadas em Berlim.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial na Europa, o que restou da Alemanha nazista a oeste da
linha Oder-Neisse foi dividido em quatro zonas de ocupação (por Acordo de Potsdam), cada um
controlado por uma das quatro potências aliadas: os Estados Unidos, o Reino Unido, a França e a
União Soviética. A capital, Berlim, enquanto a sede do Conselho de Controle Aliado, foi
igualmente dividida em quatro sectores, apesar da cidade estar situada bem no interior da zona
soviética.[2]
Em dois anos, ocorreram divisões entre os soviéticos e as outras potências de ocupação,
incluindo a recusa dos soviéticos aos planos de reconstrução para uma Alemanha pós-guerra auto-
suficiente e de uma contabilidade detalhada das instalações industriais e infra-estrutura já removidas
pelos soviéticos.[3]
Reino Unido, França, Estados Unidos e os países do Benelux se reuniram para
mais tarde transformar as zonas não-soviéticas do país em zonas de reconstrução e aprovar a
ampliação do Plano Marshall para a reconstrução da Europa para a Alemanha.[4][5]
O Bloco de Leste e o Bloqueio de Berlim
Após a Segunda Guerra Mundial, o líder soviético Joseph Stalin construiu um cinturão protector da
União Soviética em nações controladas em sua fronteira ocidental, o Bloco do Leste, que então
incluía Polónia, Hungria e Tchecoslováquia, que ele pretendia manter a par de um enfraquecido
controle soviético na Alemanha.[6]
Já em 1945, Stalin revelou aos líderes alemães comunistas que
esperava enfraquecer lentamente a posição Britânica em sua zona de ocupação, que os Estados
Unidos iriam retirar sua ocupação dentro de um ano ou dois e que, em seguida, nada ficaria no
caminho de uma Alemanha unificada sob controle comunista dentro da órbita soviética.[7]
A grande
tarefa do Partido Comunista no poder na zona Soviética alemã foi abafar as ordens soviéticas
através do aparelho administrativo e fingir para as outras zonas de ocupação que se tratavam de
iniciativas próprias.[8]
Nesse período, a propriedade e a indústria foram nacionalizadas na zona de
ocupação Soviética.[9]
Em 1948, após desentendimentos sobre a reconstrução e uma nova moeda alemã, Stálin instituiu o
Bloqueio de Berlim, impedindo que alimentos, materiais e suprimentos pudessem chegar a Berlim
Ocidental.[10]
Os Estados Unidos, Reino Unido, França, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e vários
outros países começaram uma enorme "ponte aérea de Berlim", fornecendo alimentos e outros
suprimentos à Berlim Ocidental.[11]
Os soviéticos montaram uma campanha de relações públicas
contra a mudança da política Ocidental e comunistas tentaram perturbar as eleições de 1948,[12]
enquanto 300 mil berlinenses pediam para que o transporte aéreo internacional continuasse.[13]
Em
maio de 1949, Stalin acabou com o bloqueio, permitindo a retomada dos embarques do Ocidente
para Berlim.[14][15]
A República Democrática Alemã (Alemanha Oriental) foi declarada em 7 de outubro de 1949, onde
o Ministério de Negócios Estrangeiros Soviético concedeu autoridade administrativa a Alemanha
Oriental, mas não sua autonomia, onde os soviéticos possuíam ilimitada penetração no regime de
ocupação e nas estruturas de administração e de polícia militar e secreta.[16][17]
A Alemanha Oriental
diferia da Alemanha Ocidental (República Federal da Alemanha), que se desenvolveu como um
país Ocidental capitalista com uma economia social de mercado ("Soziale Marktwirtschaft" em
alemão) e um governo de democracia parlamentar. O crescimento económico contínuo a partir de
1950 da Alemanha Ocidental alimentou um "milagre económico" de 20 anos
("Wirtschaftswunder"). Enquanto a economia da Alemanha Ocidental cresceu e seu padrão de vida
melhorou continuamente, muitos alemães orientais tentavam ir para a Alemanha Ocidental.
Emigração para o ocidente no início dos anos 1950
Depois da ocupação soviética da Europa Oriental no final da Segunda Guerra Mundial, a maioria
das pessoas que viviam nas áreas recém-adquiridas do Bloco Oriental aspiravam à independência e
queriam que os soviéticos saíssem.[18]
Aproveitando-se da zona de fronteira entre as zonas ocupadas
na Alemanha, o número de cidadãos da RDA que se deslocam para a Alemanha Ocidental totalizou
197.000 em 1950, 165.000 em 1951, 182.000 em 1952 e 331.000 em 1953.[19][20]
Uma das razões
para o aumento acentuado em 1953 foi o medo de Sovietização mais intensa com as ações cada vez
mais paranóicas de Joseph Stalin em 1952 e no início de 1953.[21]
226.000 pessoas fugiram apenas
nos primeiros seis meses de 1953.[22]
Mais um episódio da Guerra Fria
O secretário-geral do Partido Comunista da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, Nikita
Kruschev, havia negociado meses a fio, sem sucesso, com o então novo presidente norte-americano,
John F. Kennedy. Kruschev queria que Berlim se tornasse uma "cidade livre", fora da
responsabilidade das potências aliadas vencedoras da Segunda Guerra Mundial. Aos poucos – assim
era o plano – os setores ocidentais da metrópole dividida deveriam então ser "integrados" à
Alemanha Oriental.
Kennedy rejeitou a ideia, e Kruschev deu então às lideranças da RDA (República Democrática
Alemã, de regime comunista) o sinal verde para a construção do Muro de Berlim. Na manhã do dia
13 de agosto de 1961, os operários alemães orientais começaram as obras, que deveriam marcar os
limites da "capital da RDA", como dizia a cúpula do partido único SED, da parte ocidental da
cidade.
Construção do muro
Os planos da construção do muro eram um segredo do governo da RDA. Poucas semanas antes da
construção, Walter Ulbricht, líder da RDA na época, respondeu assim à pergunta de uma jornalista
da Alemanha Ocidental[23]
:
Vou interpretar a sua pergunta da maneira que na Alemanha Ocidental existem pessoas
que desejam que nós mobilizemos os trabalhadores da capital da RDA para construir
um muro. Eu não sei nada sobre tais planos, sei que os trabalhadores na capital estão
ocupados principalmente com a construção de apartamentos e que suas capacidades são
inteiramente utilizadas. Ninguém tem a intenção de construir um muro![24]
Assim, Walter Ulbricht foi o primeiro político a referir-se a um muro, dois meses antes da sua
construção.
Os governos ocidentais tinham recebido informações sobre planos drásticos, parcialmente por
pessoas de conexão, parcialmente pelos serviços secretos. Sabia-se que Walter Ulbricht havia
pedido a Nikita Khrushchov, numa conferência dos Estados do Pacto de Varsóvia, a permissão de
bloquear as fronteiras a Berlim Ocidental, incluindo a interrupção de todas as linhas de transporte
público.
Construção do muro em 1961.
Depois desta conferência, anunciou-se que os membros do Pacto de Varsóvia intentassem inibir os
actos de perturbação na fronteira de Berlim Ocidental, e que propusessem implementar um guarda
e controle efectivo. Dia 11 de Agosto, a Volkskammer confirmou os resultados desta conferência,
autorizando o conselho dos ministros a tomar as medidas necessárias. O conselho dos ministros
decidiu dia 12 de Agosto usar as forças armadas para ocupar a fronteira e instalar gradeamentos
fronteiriços.
Na madrugada do dia 13 de Agosto de 1961, as forças armadas bloquearam as conexões de trânsito
a Berlim Ocidental. Eram apoiadas por forças soviéticas, preparadas à luta, nos pontos fronteiriços
para os sectores ocidentais. Todas as conexões de trânsito ficaram interrompidas no processo (mas,
poucos meses depois, linhas metropolitanas passavam pelos túneis orientais, mas não servindo mais
as estações fantasma situadas no oriente).
Reações
Alemanha ocidental
Ainda no mesmo dia, o chanceler da Alemanha ocidental, Konrad Adenauer, dirigiu-se à população
pelo rádio, pedindo calma e anunciando reações ainda não definidas a serem colocadas junto com os
aliados. Adenauer tinha visitado Berlim havia apenas duas semanas. O Prefeito de Berlim, Willy
Brandt, protestou energicamente contra a construção do muro e a divisão da cidade, mas sem
sucesso. No dia 16 de Agosto de 1961 houve uma grande manifestação com 300 000 participantes
em frente do Schöneberger Rathaus, em Berlim Ocidental, para protestar contra o muro. Brandt
participou nessa manifestação. Ainda em 1961, fundou-se em Salzgitter a Zentrale Erfassungsstelle
der Landesjustizverwaltungen a fim de documentar violações dos direitos humanos no território da
Alemanha Oriental.
Aliados
O então presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, visitando o Muro de Berlim.
As reações dos Aliados ocidentais vieram com grande demora. Vinte horas depois do começo da
construção do muro apareceram as primeiras patrulhas ocidentais na fronteira. Demorou 40 horas
para reservar todos os direitos em Berlim ocidental em frente do comandante soviético de Berlim
Oriental. Demorou até 72 horas para o protesto ser oficial em Moscou. Por causa desses atrasos
sempre circulavam rumores que a União Soviética havia declarado aos aliados ocidentais de não
afectar seus direitos em Berlim ocidental. Seguindo as experiências no Bloqueio de Berlim, os
Aliados sempre consideravam Berlim ocidental em perigo, e a construção do muro manifestou esta
situação.
Reações internacionais, 1961:
A solução não é muito linda, mas mil vezes melhor do que uma guerra. John F. Kennedy,
presidente dos EUA.
Os alemães orientais param o fluxo de refugiados e desculpam-se com uma cortina de ferro
ainda mais densa. Isto não é ilegal. Harold Macmillan, primeiro-ministro britânico.
Contudo, o presidente norte-americano John F. Kennedy apoiou a ideia da cidade libre de Berlim.
Mandou forças armadas suplementares e reactivou o general Lucius D. Clay. Dia 19 de Agosto
1961 chegaram em Berlim Clay e o vice-presidente dos EUA, Lyndon B. Johnson. Protestaram
fortemente contra o chefe de estado da RDA, Walter Ulbricht, que havia declarado que as polícias
popular e fronteiriça da RDA tivessem autoridade de controle sobre policias, oficiais e empregados
dos aliados ocidentais. Finalmente até o comandante soviético na RDA mediou pedindo moderação
do lado do governo alemão oriental.
Dia 27 de Outubro de 1961 houve um confronto perigoso entre tanques dos EUA e soviéticos ao
lado do Checkpoint Charlie na rua Friedrich. Dez tanques norte americanos enfrentaram dez
tanques soviéticos, mas todos se retiraram no dia seguinte. As duas forças não queriam deixar
explodir a guerra fria, com o risco de uma guerra nuclear.
Estrutura e áreas adjacentes
Posição e traçado do Muro de Berlim e seus postos de fronteira (1989).
Havia oito passagens de fronteira entre Berlim Oriental e Ocidental, o que permitia o trânsito de
berlinenses ocidentais, alemães ocidentais, estrangeiros ocidentais e funcionários dos Aliados na
Berlim Oriental, bem como as visitas de cidadãos da República Democrática Alemã e cidadãos de
outros países socialistas na Berlim Ocidental, desde que possuíssem as permissões necessárias.
Essas passagens eram restritas às nacionalidades que possuíam autorização para usá-las (alemães do
leste, os alemães oeste, berlinenses ocidentais, outros países). A mais famosa foi o ponto de
verificação de pedestres na esquina da Friedrichstraße e Zimmerstraße, também conhecida como
Checkpoint Charlie, que era limitada aos funcionários dos países Aliados e estrangeiros.
Quatro rodovias ligavam Berlim Ocidental à Alemanha Ocidental, sendo a mais famosa a rodovia
Helmstedt, que entrava em território da Alemanha Oriental, entre as cidades de Helmstedt e
Marienborn (Checkpoint Alpha), e que entrou em Berlim Ocidental Dreilinden (Checkpoint Bravo)
no sudoeste de Berlim. O acesso a Berlim Ocidental também era possível pelo transporte ferroviário
(quatro linhas) e de barco através dos canais e rios.
Tentativas de fuga
Memorial em homenagem as vítimas do muro em Berlim. Foto de 1982.
Nos 28 anos da existência do Muro morreram muitas pessoas. Não existem números exatos e há
indicações muito contraditórias, porque a RDA sistematicamente impedia todas as informações
sobre incidentes fronteiriços. A primeira vítima morta a tiros foi Günter Litfin, baleado pela polícia
dia 24 de Agosto de 1961 ao tentar escapar perto da estação Friedrichstraße. Rudolf Urban havia
morrido em 17 de setembro de 1961 depois de cair no dia 19 de agosto enquanto tentava escapar
utilizando uma corda de um apartamento localizado na Bernauer Strasse, exatamente na divisa entre
as duas Alemanhas. No dia 17 de agosto de 1962, Peter Fechter desangrou no chamado corredor da
morte, à vista de jornalistas ocidentais, sendo a vítima mais famosa. [25]
Em 1966, foram mortas
duas crianças de 10 e 13 anos. O último incidente fatal ocorreu no dia 8 de março de 1989, oito
meses antes da queda, quando Winfried Freudenberg, de 32 anos, morreu na queda de seu balão de
gás de fabricação caseira no bairro de Zehlendorf, quando tentava transpor o muro.
Estima-se que na RDA 75 000 pessoas foram acusadas de serem desertores da república. Desertar
da república era um crime que, segundo o artigo §213 do código penal da RDA, era punido com até
2 anos de prisão. Pessoas armadas, membros das forças armadas ou pessoas que carregavam
segredos nacionais eram mais severamente punidas, se considerado culpado de escape da república,
por pelo menos 5 anos de prisão.
Também houve guardas fronteiriços que morreram por causa de incidentes violentos no muro. A
vítima mais conhecida era Reinhold Huhn, que foi assassinado por um Fluchthelfer (pessoas que
ajudavam cidadãos do Leste a passar a fronteira, ilegalmente). Estes tipos de incidentes eram
utilizados pela RDA para a sua propaganda, e para posteriormente justificar a construção do muro
de Berlim.
Processos pelas mortes do muro
Os processos judiciais do Schießbefehl, a respeito de se atirar em todas as pessoas que tentaram
cruzar o Muro entre 1961 e 1989, demoraram até o outono de 2004. Entre os responsáveis acusados,
estavam o presidente do Conselho de Estado, Erich Honecker, o sucessor dele, Egon Krenz e os
membros do Conselho Nacional de Defesa Erich Mielke, Willi Stoph, Heinz Keßler, Fritz Streletz e
Hans Albrecht e ainda o presidente regional do partido SED em Suhl. Além disso, foram acusados
alguns generais, como o chefe das forças fronteiriças, Klaus-Dieter Baumgarten e vários soldados
que eram parte do Exército Popular Nacional (NVA) ou das forças fronteiriças da RDA.
Como resultado dos processos, 11 dos acusados foram condenados à prisão, 44 foram condenados a
uma pena, que foi suspensa condicionalmente, 35 acusados foram absolvidos. Entre estes, Albrecht,
Streletz e Keßler foram condenados a vários anos de prisão. O último processo acabou dia 9 de
Novembro de 2004, exatamente 15 anos depois da derrubada do Muro, com uma sentença
condenatória.
"Mr. Gorbachev, tear down this wall!"
Ronald Reagan no Muro de Berlim em Junho de 1987: “Tear down this wall!”
Em um discurso no Portão de Brandemburgo em comemoração ao 750º aniversário de Berlim[26]
em
12 de junho de 1987, Ronald Reagan desafiou Mikhail Gorbachev, então Secretário Geral do
Partido Comunista da União Soviética, para derrubar o muro como um símbolo de crescente
liberdade no Bloco de Leste:
“ Damos as boas-vindas à mudança e à abertura, pois acreditamos que a liberdade e
segurança caminham juntos, que o progresso da liberdade humana só pode reforçar a causa
da paz no mundo. Há um sinal de que os soviéticos podem fazer que seria inconfundível,
que faria avançar dramaticamente a causa da liberdade e da paz. Secretário Geral
Gorbachev, se você procura a paz, se você procura prosperidade para a União Soviética e a
Europa Oriental, se você procurar a liberalização, venha aqui para este portão. Sr.
Gorbachev, abra o portão. Sr. Gorbachev, derrube esse muro![27]
”
Queda do Muro
Alemães em pé em cima do muro, em 1989, ele começaria a ser destruído no dia seguinte.
O Muro de Berlim começou a ser derrubado na noite de 9 de Novembro de 1989 depois de 28 anos
de existência. O evento é conhecido como a queda do muro. Antes da sua queda, houve grandes
manifestações em que, entre outras coisas, se pedia a liberdade de viajar. Além disto, houve um
enorme fluxo de refugiados ao Ocidente, pelas embaixadas da RFA, principalmente em Praga e
Varsóvia, e pela fronteira recém-aberta entre a Hungria e a Áustria, perto do lago de Neusiedl.
O impulso decisivo para a queda do muro foi um mal-entendido entre o governo da RDA. Na tarde
do dia 9 de Novembro houve uma conferência de imprensa, transmitida ao vivo na televisão alemã-
oriental. Günter Schabowski, membro do Politburo do SED, anunciou uma decisão do conselho dos
ministros de abolir imediatamente e completamente as restrições de viagens ao Oeste. Esta decisão
deveria ser publicada só no dia seguinte, para anteriormente informar todas as agências
governamentais.
O muro de Berlim e o Portão de Brandemburgo ao fundo em 9 de novembro de 1989.
Pouco depois deste anúncio houve notícias sobre a abertura do Muro na rádio e televisão ocidental.
Milhares de pessoas marcharam aos postos fronteiriços e pediram a abertura da fronteira. Nesta
altura, nem as unidades militares, nem as unidades de controle de passaportes haviam sido
instruídas. Por causa da força da multidão, e porque os guardas da fronteira não sabiam o que fazer,
a fronteira abriu-se no posto de Bornholmer Strasse, às 23 h, mais tarde em outras partes do centro
de Berlim, e na fronteira ocidental. Muitas pessoas viram a abertura da fronteira na televisão e
pouco depois marcharam à fronteira. Como muitas pessoas já dormiam quando a fronteira se abriu,
na manhã do dia 10 de Novembro havia grandes multidões de pessoas querendo passar pela
fronteira.
Os cidadãos da RDA foram recebidos com grande euforia em Berlim Ocidental. Muitas boates
perto do Muro espontaneamente serviram cerveja gratuita, houve uma grande celebração na Rua
Kurfürstendamm, e pessoas que nunca se tinham visto antes cumprimentavam-se. Cidadãos de
Berlim Ocidental subiram o muro e passaram para as Portas de Brandenburgo, que até então não
eram acessíveis aos ocidentais. O Bundestag interrompeu as discussões sobre o orçamento, e os
deputados espontaneamente cantaram o hino nacional da Alemanha.
Referências
1. ↑ Freedom! - TIME
2. ↑ Miller 2000, p. 4-5
3. ↑ Miller 2000, p. 16
4. ↑ Miller 2000, p. 18-23
5. ↑ Turner 1987, p. 23
6. ↑ Miller 2000, p. 10
7. ↑ Miller 2000, p. 13
8. ↑ Wettig 2008, p. 95-5
9. ↑ The political process contrasted with that in western German zones occupied by Britain,
France and the United States, where minister-presidents were chosen by freely elected
parliamentary assemblies. (Turner, Henry Ashby The Two Germanies Since 1945: East and
West, Yale University Press, 1987, isbn 0300038658, page 20)
10. ↑ Gaddis 2005, p. 33
11. ↑ Miller 2000, p. 65-70
12. ↑ Turner 1987, p. 29
13. ↑ Fritsch-Bournazel, Renata, Confronting the German Question: Germans on the East-West
Divide, Berg Publishers, 1990, ISBN 0-85496-684-6, page 143
14. ↑ Gaddis 2005, p. 34
15. ↑ Miller 2000, p. 180-81
16. ↑ Wettig 2008, p. 179
17. ↑ In a congratulatory telegram, Stalin emphasized that, with the creation of East Germany,
the "enslavement of European countries by the global imperialists was rendered impossible."
(Wettig, Gerhard, Stalin and the Cold War in Europe, Rowman & Littlefield, 2008,
isbn=0742555429, page 179)
18. ↑ Thackeray 2004, p. 188
19. ↑ Bayerisches Staatsministerium für Arbeit und Sozialordnung, Familie und Frauen,
Statistik Spätaussiedler Dezember 2007, p.3 (in German)
20. ↑ Loescher 2001, p. 60
21. ↑ Loescher 2001, p. 68
22. ↑ Dale 2005, p. 17
23. ↑ Entrevista por Annamarie Doherr, correspondente em Berlim para o Frankfurter
Rundschau, 15 de junho de 1961. Original disponível no site (em alemão) Chronik der
Mauer
24. ↑ Ich verstehe Ihre Frage so, dass es Menschen in Westdeutschland gibt, die wünschen, dass
wir die Bauarbeiter der Hauptstadt der DDR mobilisieren, um eine Mauer aufzurichten, ja ?
Mir ist nicht bekannt, dass eine solche Absicht besteht ; da sich die Bauarbeiter in der
Hauptstadt hauptsächlich mit Wohnungsbau beschäftigen und ihre Arbeitskraft voll
eingesetzt wird. Niemand hat die Absicht, eine Mauer zu errichten !
25. ↑ MOURA, Matheus & OLIVEIRA, Leide. As vítimas do muro. A queda do Muro de
Berlim. São Paulo: Editora Escala, 2009, p. 68-69.
26. ↑ Reagan's 'tear down this wall' speech turns 20 - USATODAY.com. Página visitada em
2008-02-19.
27. ↑ http://www.reaganfoundation.org/reagan/speeches/wall.asp (em inglês).
GLOBALIZAÇÃO
A globalização é um dos processos de aprofundamento da integração econômica, social, cultural,
política, que teria sido impulsionado pelo barateamento dos meios de transporte e comunicação dos
países do mundo no final do século XX e início do século XXI. É um fenômeno gerado pela
necessidade da dinâmica do capitalismo de formar uma aldeia global que permita maiores mercados
para os países centrais (ditos desenvolvidos) cujos mercados internos já estão saturados. O processo
de Globalização diz respeito à forma como os países interagem e aproximam pessoas, ou seja,
interliga o mundo, levando em consideração aspectos econômicos, sociais, culturais e políticos.
Com isso, gerando a fase da expansão capitalista, onde é possível realizar transações financeiras,
expandir seu negócio até então restrito ao seu mercado de atuação para mercados distantes e
emergentes, sem necessariamente um investimento alto de capital financeiro, pois a comunicação
no mundo globalizado permite tal expansão, porém, obtêm-se como consequência o aumento
acirrado da concorrência.
História
A globalização é um fenômeno capitalista e complexo que começou na era dos descobrimentos e
que se desenvolveu a partir da Revolução Industrial. Mas o seu conteúdo passou despercebido por
muito tempo, e hoje muitos economistas analisam a globalização como resultado do pós Segunda
Guerra Mundial, ou como resultado da Revolução Tecnológica.
Sua origem pode ser traçada do período mercantilista iniciado aproximadamente no século XV e
durando até o século XVIII, com a queda dos custos de transporte marítimo, e aumento da
complexidade das relações políticas europeias durante o período. Este período viu grande aumento
no fluxo de força de trabalho entre os países e continentes, particularmente nas novas colônias
europeias.
Já em meio à Segunda Guerra Mundial surgiu, em 1941, um dos primeiros sintomas da globalização
das comunicações: o pacote cultural-ideológico dos Estados Unidos incluía várias edições diárias de
O Repórter Esso , uma síntese noticiosa de cinco minutos rigidamente cronometrados, a primeira de
caráter global, transmitido em 14 países do continente americano por 59 estações de rádio,
constituindo-se na mais ampla rede radiofônica mundial.[1]
É tido como início da globalização moderna o fim da Segunda Guerra mundial, e a vontade de
impedir que uma monstruosidade como ela ocorresse novamente no futuro, sendo que as nações
vitoriosas da guerra e as devastadas potências do eixo chegaram a conclusão que era de suma
importância para o futuro da humanidade a criação de mecanismos diplomáticos e comerciais para
aproximar cada vez mais as nações uma das outras. Deste consenso nasceu as Nações Unidas, e
começou a surgir o conceito de bloco econômico pouco após isso com a fundação da Comunidade
Europeia do Carvão e do Aço - CECA.
A necessidade de expandir seus mercados levou as nações a aos poucos começarem a se abrir para
produtos de outros países, marcando o crescimento da ideologia econômica do liberalismo.
Atualmente os grandes beneficiários da globalização são os grandes países emergentes,
especialmente o BRIC, com grandes economias de exportação, grande mercado interno e cada vez
maior presença mundial.[2]
Antes do BRIC, outros países fizeram uso da globalização e economias
voltadas a exportação para obter rápido crescimento e chegar ao primeiro mundo, como os tigres
asiáticos na década de 1980 e Japão na década de 1970.[3]
Enquanto Paul Singer vê a expansão comercial e marítima europeia como um caminho pelo qual o
capitalismo se desenvolveu assim como a globalização, Maria da Conceição Tavares aposta o seu
surgimento na acentuação do mercado financeiro, com o surgimento de novos produtos financeiros.
Impacto
A característica mais notável da globalização é a presença de marcas mundiais
A globalização afeta todas as áreas da sociedade, principalmente comunicação, comércio
internacional e liberdade de movimentação, com diferente intensidade dependendo do nível de
desenvolvimento e integração das nações ao redor do planeta.
Comunicação
A globalização das comunicações tem sua face mais visível na internet, a rede mundial de
computadores, possível graças a acordos e protocolos entre diferentes entidades privadas da área de
telecomunicações e governos no mundo. Isto permitiu um fluxo de troca de ideias e informações
sem critérios na história da humanidade. Se antes uma pessoa estava limitada a imprensa local,
agora ela mesma pode se tornar parte da imprensa e observar as tendências do mundo inteiro, tendo
apenas como fator de limitação a barreira linguística.
Outra característica da globalização das comunicações é o aumento da universalização do acesso a
meios de comunicação, graças ao barateamento dos aparelhos, principalmente celulares e os de
infraestrutura para as operadoras, com aumento da cobertura e incremento geral da qualidade graças
a inovação tecnológica. Hoje uma inovação criada no Japão pode aparecer no mercado português ou
brasileiro em poucos dias e virar sucesso de mercado. Um exemplo da universalização do acesso a
informação pode ser o próprio Brasil, hoje com 42 milhões de telefones instalados,[4]
e um aumento
ainda maior de número de telefone celular em relação a década de 1980, ultrapassando a barreira de
100 milhões de aparelhos em 2002.
Redes de televisão e imprensa multimédia em geral também sofreram um grande impacto da
globalização. Um país com imprensa livre hoje em dia pode ter acesso, alguma vezes por televisão
por assinatura ou satélite, a emissoras do mundo inteiro, desde NHK do Japão até Cartoon Network
americana.
Pode-se dizer que este incremento no acesso à comunicação em massa acionado pela globalização
tem impactado até mesmo nas estruturas de poder estabelecidas, com forte conotação a democracia,
ajudando pessoas antes alienadas a um pequeno grupo de radiodifusão de informação a terem
acesso a informação de todo o mundo, mostrando a elas como o mundo é e se comporta[5]
Mas infelizmente este mesmo livre fluxo de informações é tido como uma ameaça para
determinados governos ou entidades religiosas com poderes na sociedade, que tem gasto enorme
quantidade de recursos para limitar o tipo de informação que seus cidadãos tem acesso.
Na China, onde a internet tem registrado crescimento espetacular, já contando com 136 milhões de
usuários [6]
graças à evolução, iniciada em 1978, de uma economia centralmente planejada para uma
nova economia socialista de mercado,[7]
é outro exemplo de nação notória por tentar limitar a
visualização de certos conteúdos considerados "sensíveis" pelo governo, como do Protesto na Praça
Tiananmem em 1989, além disso em torno de 923 sites de noticias ao redor do mundo estão
bloqueados, incluindo CNN e BBC, sites de governos como Taiwan também são proibidos o acesso
e sites de defesa da independência do Tibete. O número de pessoas presas na China por "ação
subversiva" por ter publicado conteúdos críticos ao governo é estimado em mais de 40 ao ano. A
própria Wikipédia já sofreu diversos bloqueios por parte do governo chinês.[8]
No Irã, Arábia Saudita e outros países islâmicos com grande influência da religião nas esferas
governamentais, a internet sofre uma enorme pressão do estado, que tenta implementar diversas
vezes barreiras e dificuldades para o acesso a rede mundial, como bloqueio de sites de redes de
relacionamentos sociais como Orkut e MySpace, bloqueio de sites de noticias como CNN e BBC.
Acesso a conteúdo erótico também é proibido.
Qualidade de vida
Londres, a cidade mais globalizada do planeta.
O acesso instantâneo de tecnologias, principalmente novos medicamentos, novos equipamentos
cirúrgicos e técnicas, aumento na produção de alimentos e barateamento no custo dos mesmos, tem
causado nas últimas décadas um aumento generalizado da longevidade dos países emergentes e
desenvolvidos. De 1981 a 2001, o número de pessoas vivendo com menos de US$1 por dia caiu de
1,5 bilhão de pessoas para 1,1 bilhão, sendo a maior queda da pobreza registrada exatamente nos
países mais liberais e abertos a globalização.[9]
Na China, após a flexibilização de sua economia comunista centralmente planejada para uma nova
economia socialista de mercado,[7]
e uma relativa abertura de alguns de seus mercados, a
porcentagem de pessoas vivendo com menos de US$2 caiu 50,1%, contra um aumento de 2,2% na
África sub-saariana. Na América Latina, houve redução de 22% das pessoas vivendo em pobreza
extrema de 1981 até 2002.[10]
Embora alguns estudos sugiram que atualmente a distribuição de renda ou está estável ou está
melhorando, sendo que as nações com maior melhora são as que possuem alta liberdade econômica
pelo Índice de Liberdade Econômica,[11]
outros estudos mais recentes da ONU indicam que "a
'globalização' e 'liberalização', como motores do crescimento econômico e o desenvolvimento dos
países, não reduziram as desigualdades e a pobreza nas últimas décadas".[12]
Para o prêmio nobel em economia Stiglitz, a globalização, que poderia ser uma força propulsora de
desenvolvimento e da redução das desigualdades internacionais, está sendo corrompida por um
comportamento hipócrita que não contribui para a construção de uma ordem econômica mais justa e
para um mundo com menos conflitos. Esta é, em síntese, a tese defendida em seu livro A
globalização e seus malefícios: a promessa não-cumprida de benefícios globais.[13]
Críticos
argumentam que a globalização fracassou em alguns países, exatamente por motivos opostos aos
defendidos por Stiglitz: Porque foi refreada por uma influência indesejada dos governos nas taxas
de juros e na reforma tributária [1].
Efeitos na indústria e serviços
Os efeitos no mercado de trabalho da globalização são evidentes, com a criação da modalidade de
outsourcing de empregos para países com mão-de-obra mais baratas para execução de serviços que
não é necessário alta qualificação, com a produção distribuída entre vários países, seja para criação
de um único produto, onde cada empresa cria uma parte, seja para criação do mesmo produto em
vários países para redução de custos e ganhar vantagem competitivas no acesso de mercados
regionais.
O ponto mais evidente é o que o colunista David Brooks definiu como "Era Cognitiva", onde a
capacidade de uma pessoa em processar informações ficou mais importante que sua capacidade de
trabalhar como operário em uma empresa graças a automação, também conhecida como Era da
Informação, uma transição da exausta era industrial para a era pós-industrial.[14]
Nicholas A. Ashford, acadêmico do MIT, conclui que a globalização aumenta o ritmo das
mudanças disruptivas nos meios de produção, tendendo a um aumento de tecnologias limpas e
sustentáveis, apesar que isto irá requerer uma mudança de atitude por parte dos governos se este
quiser continuar relevante mundialmente, com aumento da qualidade da educação, agir como
evangelista do uso de novas tecnologias e investir em pesquisa e desenvolvimento de ciências
revolucionárias ou novas como nanotecnologia ou fusão nuclear. O acadêmico, nota porém, que a
globalização por si só não traz estes benefícios sem um governo pró-ativo nestes questões,
exemplificando o cada vez mais globalizado mercados EUA, com aumento das disparidades de
salários cada vez maior, e os Países Baixos, integrante da UE, que se foca no comércio dentro da
própria UE em vez de mundialmente, e as disparidades estão em redução.[15]
Teorias da Globalização
A globalização, por ser um fenômeno espontâneo decorrente da evolução do mercado capitalista
não direcionado por uma única entidade ou pessoa, possui várias linhas teóricas que tentam explicar
sua origem e seu impacto no mundo atual.
A rigor, as sociedades do mundo estão em processo de globalização desde o início da História,
acelerado pela época dos Descobrimentos. Mas o processo histórico a que se denomina
Globalização é bem mais recente, datando (dependendo da conceituação e da interpretação) do
colapso do bloco socialista e o consequente fim da Guerra Fria (entre 1989 e 1991), do refluxo
capitalista com a estagnação econômica da URSS (a partir de 1975) ou ainda do próprio fim da
Segunda Guerra Mundial.
No geral a globalização é vista por alguns cientistas políticos como o movimento sob o qual se
constrói o processo de ampliação da hegemonia econômica, política e cultural ocidental sobre as
demais nações. Ou ainda que a globalização é a reinvenção do processo expansionista americano no
período pós guerra-fria (esta reinvenção tardaria quase 10 anos para ganhar forma) com a imposição
(forçosa ou não) dos modelos políticos (democracia), ideológico (liberalismo, hedonismo e
individualismo) e econômico (abertura de mercados e livre competição).
Vale ressaltar que este projeto não é uma criação exclusiva do estado norte-americano e que
tampouco atende exclusivamente aos interesses deste, mas também é um projeto das empresas, em
especial das grandes empresas transnacionais, e governos do mundo inteiro. Nesta ponta surge a
inter-relação entre a Globalização e o Consenso de Washington.
Antonio Negri
O pensador italiano Antonio Negri defende, em seu livro "Império", que a nova realidade sócio-
política do mundo é definida por uma forma de organização diferente da hierarquia vertical ou das
estruturas de poder "arborizadas" (ou seja, partindo de um tronco único para diversas ramificações
ou galhos cada vez menores). Para Negri, esta nova dominação (que ele batiza de "Império") é
constituída por redes assimétricas, e as relações de poder se dão mais por via cultural e econômica
do que uso coercitivo de força. Negri entende que entidades organizadas como redes (tais como
corporações, ONGs e até grupos terroristas) têm mais poder e mobilidade (portanto, mais chances
de sobrevivência no novo ambiente) do que instituições paradigmáticas da modernidade (como o
Estado, partidos e empresas tradicionais).
Mário Murteira
O economista português Mário Murteira, autor de uma das abordagens científicas mais antigas e
consistentes sobre o fenômeno da Globalização[16]
, defende que, no século XXI, se verifica uma
'desocidentalização' da Globalização, visto que se constata que os países do Oriente, como a China,
são os principais atores atuais do processo de Globalização e a hegemonia do Ocidente, no sistema
econômico mundial, está a aproximar-se do seu ocaso, pelo que outras dinâmicas regionais,
sobretudo na Ásia do Pacífico, ganharam mais força a nível global[17]
. Para Mário Murteira, a
Globalização está relacionada com um novo tipo de capitalismo em que o «mercado de
conhecimento» [18]
é o elemento mais influente no processo de acumulação de capital e de
crescimento econômico no capitalismo atual, ou seja, é o núcleo duro que determina a evolução de
todo o sistema econômico mundial do presente século XXI[19]
.
Stuart Hall
Em A Identidade cultural na Pós-Modernidade, Stuart Hall (2003)[2] busca avaliar o processo de
deslocamento das estruturas tradicionais ocorrido nas sociedades modernas, assim como o
descentramento dos quadros de referências que ligavam o indivíduo ao seu mundo social e cultural.
Tais mudanças teriam sido ocasionadas, na contemporaneidade, principalmente, pelo processo de
globalização. A globalização alteraria as noções de tempo e de espaço, desalojaria o sistema social e
as estruturas por muito tempo consideradas como fixas e possibilitaria o surgimento de uma
pluralização dos centros de exercício do poder. Quanto ao descentramento dos sistemas de
referências, Hall considera seus efeitos nas identidades modernas, enfatizando as identidades
nacionais, observando o que gerou, quais as formas e quais as consequências da crise dos
paradigmas do final do século XX.
Benjamin Barber
Em seu artigo "Jihad vs. McWorld", Benjamin Barber expõe sua visão dualista para a organização
geopolítica global num futuro próximo. Os dois caminhos que ele enxerga — não apenas como
possíveis, mas também prováveis — são o do McMundo e o da Jihad. Mesmo que se utilizando de
um termo específico da religião islâmica (cujo significado, segundo ele, é genericamente "luta",
geralmente a "luta da alma contra o mal", e por extensão "guerra santa"), Barber não vê como
exclusivamente muçulmana a tendência antiglobalização e pró-tribalista, ou pró-comunitária. Ele
classifica nesta corrente inúmeros movimentos de luta contra a ação globalizante, inclusive
ocidentais, como os zapatistas e outras guerrilhas latino-americanas.
Está claro que a democracia, como regime de governo particular do modo de produção da sociedade
industrial, não se aplica mais à realidade contemporânea. Nem se aplicará tampouco a quaisquer dos
futuros econômicos pretendidos pelas duas tendências apontadas por Barber: ou o pré-
industrialismo tribalista ou o pós-industrialismo globalizado. Os modos de produção de ambos
exigem outros tipos de organização política cujas demandas o sistema democrático não é capaz de
atender.
Daniele Conversi
Para Conversi, os acadêmicos ainda não chegaram a um acordo sobre o real significado do termo
globalização, para o qual ainda não há uma definição coerente e universal: alguns autores se
concentram nos aspectos econômicos, outros nos efeitos políticos e legislativos, e assim por diante.
Para Conversi, a 'globalização cultural' é, possivelmente, sua forma mais visível e efetiva enquanto
"ela caminha na sua trajetória letal de destruição global, removendo todas as seguranças e
barreiras tradicionais em seu caminho. É também a forma de globalização que pode ser mais
facilmente identificada com uma dominação pelos Estados Unidos. Conversi vê uma correlação
entre a globalização cultural e seu conceito gêmeo de 'segurança cultural', tal como desenvolvido
por Jean Tardiff, e outros [20]
Conversi propõe a análise da 'globalização cultural' em três linhas principais: a primeira se
concentra nos efeitos políticos da alterações sócio-culturais, que se identificam com a 'insegurança
social'. A segunda, paradoxalmente chamada de 'falha de comunicação',[20]
tem como seu
argumento principal o fato de que a 'ordem mundial' atual tem uma estrutura vertical, na realidade
piramidal, onde os diversos grupos sociais têm cada vez menos oportunidades de se intercomunicar,
ou interagir de maneira relevante e consoante suas tradições; de acordo com essa teoria não estaria
havendo uma 'globalização' propriamente dita, mas, ao contrário, estariam sendo construídas
ligações-ponte, e estaria ocorrendo uma erosão do entendimento, sob a fachada de uma
homogenização global causando o colapso da comunicação interétnica e internacional, em
consequência direta de uma 'americanização' superficial.[20]
A terceira linha de análise se concentra
numa forma mais real e concreta de globalização: a importância crescente da diáspora na política
internacional e no nascimento do que se chamou de 'nacionalismo de e-mail" - uma expressão
criada por Benedict Anderson (1992).[21]
"A expansão da Internet propiciou a criação de redes
etnopolíticas que só podem ser limitadas pelas fronteiras nacionais às custas de violações de
direitos humanos".[20]
Samuel P. Huntington
O cientista político Samuel P. Huntington, ideólogo do neoconservadorismo norte-americano,
enxerga a globalização como processo de expansão da cultura ocidental e do sistema capitalista
sobre os demais modos de vida e de produção do mundo, que conduziria inevitavelmente a um
"choque de civilizações".
Antiglobalização
Apesar das contradições há um certo consenso a respeito das características da globalização que
envolve o aumento dos riscos globais de transações financeiras, perda de parte da soberania dos
Estados com a ênfase das organizações supra-governamentais, aumento do volume e velocidade
como os recursos vêm sendo transacionados pelo mundo, através do desenvolvimento tecnológico
etc.
Além das discussões que envolvem a definição do conceito, há controvérsias em relação aos
resultados da globalização.[22]
Tanto podemos encontrar pessoas que se posicionam a favor como
contra (movimentos antiglobalização).
A globalização é um fenômeno moderno que surgiu com a evolução dos novos meios de
comunicação cada vez mais rápidos e mais eficazes. Há, no entanto, aspectos tanto positivos quanto
negativos na globalização. No que concerne aos aspectos negativos há a referir a facilidade com que
tudo circula não havendo grande controle como se pode facilmente depreender pelos atentados de
11 de Setembro nos Estados Unidos da América. Esta globalização serve para os mais fracos se
equipararem aos mais fortes pois tudo se consegue adquirir através desta grande autoestrada
informacional do mundo que é a Internet. Outro dos aspectos negativos é a grande instabilidade
econômica que se cria no mundo, pois qualquer fenômeno que acontece num determinado país
atinge rapidamente outros países criando-se contágios que tal como as epidemias se alastram a
todos os pontos do globo como se de um único ponto se tratasse. Os países cada vez estão mais
dependentes uns dos outros e já não há possibilidade de se isolarem ou remeterem-se no seu ninho
pois ninguém é imune a estes contágios positivos ou negativos. Como aspectos positivos, temos
sem sombra de dúvida, a facilidade com que as inovações se propagam entre países e continentes, o
acesso fácil e rápido à informação e aos bens. Com a ressalva de que para as classes menos
favorecidas economicamente, especialmente nos países em desenvolvimento,[23]
esse acesso não é
"fácil" (porque seu custo é elevado) e não será rápido.
Referências
1. ↑ O Repórter Esso e a Globalização
2. ↑ G8: a desatualizada elite econômica do planeta
3. ↑ Globalisation and the Asia-Pacific Revival.
4. ↑ Universalização da telefônica
5. ↑ A comunicação de massa como condição para a democracia
6. ↑ China pode ultrapassar EUA em usuários de internet
7. ↑ a b Economic system, fonte: China.org.cn
8. ↑ Internet na China
9. ↑ How Have the Worlds Poorest Fared Since the Early 1980s
10. ↑ Índices de pobreza do Banco Mundial
11. ↑ Global Inequality Fades as the Global Economy Grows
12. ↑ Globalização não reduz desigualdade e pobreza no mundo, diz ONU. Agência Efe. In:
Mundo, Folha online, 10/02/2007 às 08h50
13. ↑ PRADO, Luiz Carlos Delorme. A política econômica deles, e a nossa.... uma resenha de A
globalização e seus malefícios: a promessa não-cumprida de benefícios globais. Rio de
Janeiro: Revista de Economia Contemporânea, vol.11 no.3, Sept./Dec. 2007
14. ↑ The Cognitive Age
15. ↑ Sustainable Development and Globalization: New Challenges and Opportunities for Work
Organization
16. ↑ Pioneirismo de Mário Murteira no estudo científico da Globalização
17. ↑ A 'desocidentalização' da Globalização segundo Mário Murteira
18. ↑ A Econômia do Conhecimento e a Globalização
19. ↑ O novo tipo de Capitalismo está na origem da Globalização
20. ↑ a b c d CONVERSI, Daniele. Americanization and the planetary spread of ethnic conflict :
The globalization trap. in Planet Agora, dezembro 2003 - janeiro 2004
21. ↑ ANDERSON, Benedict 1992 Long-Distance Nationalism: World Capitalism and the Rise
of Identity Politics.
22. ↑ STIGLITZ, Joseph E. The pact with the devil. Beppe Grillo's Friends interview
23. ↑ GARDELS, Nathan.Globalização produz países ricos com pessoas pobres: Para Stiglitz, a
receita para fazer esse processo funcionar é usar o chamado "modelo escandinavo" .
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NEOLIBERALISMO
Neoliberalismo, como entendido é um produto do liberalismo econômico neoclássico. O termo foi
cunhado em 1938 no encontro de Colloque Walter Lippmann pelo sociologista Alemão e
economista Alexander Rüstow.[1]
O termo se refere a uma redefinição do liberalismo clássico,
influenciado pelas teorias econômicas neoclássicas. Inexiste no entanto uma escola neoliberal.
Etimologia
O Neoliberalismo é um nome que foi usado em duas épocas diferentes com dois significados
semelhantes, porém distintos:
na primeira metade do século XX, significou a doutrina proposta por economistas franceses,
alemães e norte-americanos voltada para a adaptação dos princípios do liberalismo clássico
às exigências de um Estado regulador e assistencialista;
a partir da década de 1960, passou a significar a doutrina econômica que defende a absoluta
liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia, só devendo
esta ocorrer em setores imprescindíveis e ainda assim num grau mínimo (minarquia). É
nesse segundo sentido que o termo é mais usado hoje em dia.[2]
Sem embargo, autores da
filosofia econômica[3]
e comentaristas de economia[4]
que se alinham com as postulações
liberais rejeitam a alcunha "neoliberal", preferindo adotar o termo liberal. Nesse sentido,
pode-se afirmar que a denominação neoliberalismo é mais uma denominação elaborada
pelos críticos dos pressupostos do liberalismo que uma reivindicação terminológica por
parte dos precursores de sua doutrina.
a partir da década de 1930 o ordoliberalismo tornou-se a variante alemã do neoliberalismo.
Segundo Moraes o neoliberalismo é: 1. uma corrente de pensamento e uma ideologia, isto é, uma
forma de ver e julgar o mundo social; 2. um movimento intelectual organizado, que realiza
reuniões, conferências e congressos, edita publicações, cria think tanks, isto é centros de geração de
idéias e programas, de difusão e promoção de eventos; 3. um conjunto de políticas adotadas pelos
governos neoconservadores, sobretudo a partir da segunda metade dos anos 1970, e propagadas
pelo mundo a partir das organizações multilaterais criadas pelo acordo de Bretton Woods (1945),
isto é, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).[5]
O termo neoliberalismo, para os liberais, possui uma conotação pejorativa e recobre analises de
escolas muito diferentes. Sua utilização para designar este conjunto de análises não faz assim
consenso. Ele é usualmente utilizado pelas correntes críticas ao liberalismo contemporâneo,
enquanto que a maioria dos analistas designados por este termo rejeitam se reconhecer como tais.
História
Origem
Quando se afirma a existência de governos "neoliberais", a utilização do prefixo 'neo' não se refere
a uma nova corrente do Liberalismo, mas à aplicação de alguns dos preceitos liberais consagrados e
em um certo contexto histórico (qual seja, o contemporâneo) diverso daquele no qual foram
formulados (no início do século XVII, na Inglaterra, através de John Locke). A denominação
'neoliberal' assemelha-se ao termo 'neoclássico' na História da Arte..
As origens do que hoje se chama neoliberalismo nos remetem à Escola Austríaca, nos finais do
século XIX, com o Prêmio de Ciências Econômicas Friedrich von Hayek,[6]
considerado o
propositor da sua base filosófica e econômica, e Ludwig von Mises.[7]
A Escola Austríaca[8]
adotava a Lei de Say e a teoria marginalista, que veio a ser contestada, mais
tarde, por Keynes, quando este formulou, na década de 1930, sua política Keynesiana e defendeu as
políticas econômicas com vistas à construção de um Estado de bem-estar social - hoje em dia
também chamado, por alguns, de Estado Escandinavo - por ter sido esse caminho o adotado pelos
países escandinavos (ou países nórdicos) tais como a Suécia, a Dinamarca e a Noruega e a
Finlandia. Esse modelo é também chamado de welfare state, em inglês.[9][10]
Mais recentemente, o liberalismo ressurgiu, em 1947, do célebre encontro entre um grupo de
intelectuais liberais e conservadores realizado em Monte Pèlerin, na Suíça, onde foi fundada uma
sociedade de ativistas em oposição às políticas do estado de bem-estar social, por eles consideradas
"coletivistas" e, em última análise, "cerceadoras das liberdades individuais"[7]
A Mont Pèlerin
Society dedica-se a difundir e propagar as ideias conservadoras e liberais da Escola Austríaca e a
combater ideologicamente todos os que delas divergem. Com esse objetivo promove conferências,
publica livros, mantém sites na internet e conta para isso, em seus quadros, com vários economistas
com treinamento acadêmico, como Jesús Huerta de Soto,[8]
seu vice-presidente e professor da
Universidade de Madrid
Essas ideias atraíram mais adeptos depois da publicação, em 1942 na Inglaterra, do Relatório
Benveridge,[11]
um plano de governo britânico segundo o qual - depois de obtida a vitória na
segunda grande guerra - a política econômica britânica deveria se orientar no sentido de promover
uma ampla distribuição de renda, que seria baseada no tripé da Lei da Educação, a Lei do Seguro
Nacional e a Lei do Serviço Nacional de Saúde (associadas aos nomes de Butler, Beveridge e
Bevan).[11]
A defesa desse programa tornou-se a bandeira com a qual o Partido Trabalhista inglês venceu as
eleições de 1945, colocando em prática os princípios do estado de bem-estar social.[11]
Para Friedrich August von Hayek, esse programa leva "a civilização ao colapso". Num de seus
livros mais famosos O Caminho da Servidão (1944), Hayek expôs os princípios básicos de sua
teoria, segundo a qual o crescente controle do estado é o caminho que leva à completa perda da
liberdade, e indicava que os trabalhistas, em continuando no poder, levariam a Grã-Bretanha ao
mesmo caminho dirigista que os nazistas haviam imposto à Alemanha.[11]
Essas posições de von
Hayek não são baseadas exclusivamente em leis econômicas ou na ciência pura da economia, mas
incorporam, em sua argumentação, um grande componente político-ideológico. Isso explica por que
o economista socialista Gunnar Myrdal, o teórico inspirador do Estado do bem-estar social sueco,
ironicamente, dividiu o Prêmio de Ciências Econômicas (Prêmio Nobel), em 1974, com seu maior
rival ideológico, von Hayek, cujo livro O Caminho da Servidão tornou-se referência para os
defensores do capitalismo laissez-faire.[12][13]
Essa discussão, que se iniciou no campo da teoria econômica, transbordou - na Inglaterra - para o
campo da discussão político-partidária e serviu de mote à campanha que elegeu Winston Churchill,
pelo Partido Conservador, o qual chegou a dizer que "os trabalhistas eram iguais aos nazistas".[11]
Uma outra vertente do liberalismo surgiu nos Estados Unidos da América e concentrou-se na
chamada Escola de Chicago, defendida por outro laureado com o Prêmio de Ciências Econômicas,
o professor Milton Friedman.
Milton Friedman criticou as políticas econômicas inauguradas por Roosevelt com o New Deal, que
respaldaram, na década de 1930, a intervenção do Estado na Economia com o objetivo de tentar
reverter uma depressão e uma crise social que ficou conhecida como a crise de 1929. Essas
políticas, adotadas quase simultaneamente por Roosevelt nos Estados Unidos e por Hjalmar Horace
Greeley Schacht[14][15]
na Alemanha nazista foram, 3 anos mais tarde, defendidas por Keynes que
lhe deu seu aracabouço teórico em sua obra clássica General theory of employment, interest and
money (1936),[16]
cuja publicação marcou o início do keynesianismo. Ao fenômeno de ressurgência
dos princípios liberais do início do século XX, muitos chamam de neoliberalismo .
Friedman, assim como vários outros economistas defensores do capitalismo laissez-faire, como
Hayek e Mises, argumentaram que a política do New Deal, do Presidente Franklin Delano
Roosevelt, ao invés de recuperar a economia e o bem estar da sociedade, teria prolongado a
depressão econômica e social. Principalmente, segundo Friedman, por ter redirecionado os recursos
escassos da época para investimentos não viáveis economicamente, ou seja, os desperdiçavam, o
que teria diminuído a eficiência, a produtividade e a riqueza da sociedade. Em resumo, os
investimentos não estariam sendo mais realizados tomando como parâmetro principal a eficiência
econômica, mas, ao contrário, a eficiência política. Os recursos destinavam-se aos setores mais
influentes politicamente, que traziam maior popularidade ao governante, independentemente de seu
valor produtivo para a sociedade.
Friedman era contra qualquer regulamentação que inibisse a ação das empresas, como, por
exemplo, o salário mínimo que, segundo as teorias que defendia, além de não conseguir aumentar o
valor real da renda, excluiria a mão-de-obra pouco qualificada do mercado de trabalho. Opunha-se,
consequentemente, ao salário mínimo e a qualquer tipo de piso salarial fixado pelas categorias
sindicais ou outro órgão de interesse social, pois estes pisos, conforme ele argumentava,
distorceriam os custos de produção, e causariam o aumento do desemprego, baixando a produção e
a riqueza e, consequentemente, aumentando a pobreza da sociedade. Friedman defendeu a teoria
econômica que ficou conhecida como "monetarista" ou da "escola de Chicago"[11]
Queda do liberalismo clássico
O declínio do liberalismo clássico remonta ao final do século XIX quando começou a declinar
lentamente. Com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, e a subsequente Grande
Depressão, a queda foi vertiginosa. A partir daí, caiu em descrédito, ao passo que ganharam força
teorias de intervenção do Estado na economia, notadamente as idéias de Keynes, aplicadas, quase
simultaneamente, pelo plano do New Deal do presidente norte-americano Franklin Roosevelt e pelo
governo Nacional Socialista da Alemanha de Hitler, onde seu ministro da economia Horace Greely
Hjalmar Schacht [14]
(1934–37), nesses três anos, enquanto o resto do mundo se afundava ainda
mais na recessão, conseguiu acabar com o desemprego na Alemanha Nazista, sem provocar
inflação, adotando um déficit orçamentário que chegou a atingir 5% do PIB alemão. Estas políticas
já tinham sido incorporadas à legislação alemã no final de 1932 pelo governo de Kurt von
Schleicher [17]
e tiveram influência nas políticas do New Deal de Roosevelt. Em 1936 Keynes
publicou sua obra magna The General Theory of Employment, Interest and Money [18]
que veio a
dar o suporte teórico a esse tipo de intervenção governamental na economia, a qual já vinha sendo
adotada, intuitivamente, uns poucos anos antes da publicação do livro de Keynes.
Em 1944, os países ricos criaram os acordos de Bretton Woods e estabeleceram regras
intervencionistas para a economia mundial. Entre outras medidas, surgiu o FMI. Com a adoção das
metas dos acordos de Bretton Woods e a adoção de políticas keynesianas, os 30 anos seguintes
foram de rápido crescimento nos países europeus e no Japão, que viveram sua Era de Ouro. A
Europa renascia, devido ao financiamento conseguido por meio do Plano Marshall, e o Japão teve o
período de maior progresso de sua história. O período de pós-guerra, até o início da década de 1960
foram os "anos dourados" da economias capitalistas.
Liberalismo contemporâneo
O primeiro governo democrático a se inspirar em tais princípios foi o de Margaret Thatcher na
Inglaterra, a partir de 1980 (no que foi precedida apenas por Pinochet e seus Chicago Boys, no
Chile, no início da década de 1970).
Persuadindo o Parlamento Britânico da eficácia dos ideais neoliberais, fez aprovar leis que
revogavam muitos privilégios até então concedidos aos sindicatos, privatizou empresas estatais,
além de estabilizar a moeda.
Tal foi o entusiasmo de Thatcher pelo discurso do neoliberalismo então em voga que seu governo
acabou por criar uma tributação regressiva, também chamada de Poll tax ou imposto comunitário.
Os neoliberais apontaram o modelo keynesiano como sendo o responsável pela crise. Liderados por
economistas adeptos do laissez-faire, como Milton Friedman, denunciaram a inflação como sendo o
resultado do aumento da oferta de moeda pelos bancos centrais. Responsabilizaram os impostos
elevados e os tributos excessivos, juntamente com a regulamentação das atividades econômicas,
como sendo os culpados pela queda da produção e do aumento da inflação.[11]
A solução que propunham para a crise seria a redução gradativa do poder do Estado, com a
diminuição generalizada de tributos, a privatização [19]
das empresas estatais e redução do poder do
Estado de fixar ou autorizar preços.
O período Reagan foi de redução de impostos e de um mais elevado crescimento econômico, mas
também de significativa elevação da dívida pública, o que os "neoliberais" apontam como sendo um
de seus principais problemas.
Teorias econômicas
As teorias econômicas tidas como Neoliberais geralmente são agregadas no termo Economia
neoclássica. O grau que essas teorias são aplicadas pode determinar o resultado final na política
econômica como sendo classificada de neoliberal dependendo da corrente partidária avaliando a
situação. Partidos de extrema-esquerda tendem usar o termo neoliberal para toda e qualquer
aplicação de teorias do capital, independente da política econômica ser derivada das teorias
neoclássicas ou não.
As teorias neoclássicas foram influenciadas ou interagem com as seguintes escolas de pensamento:
Liberalismo econômico
Economia clássica
Escola keynesiana
Monetarismo
Governos neoliberais
Considerações
É importante ressaltar que a tentativa de "rotular políticos" é uma atitude mal colocada na análise
do tema neoliberalismo econômico. Nem mesmo Augusto Pinochet, com toda a amplitude de ação
que lhe permitia a sua ditadura, praticou exclusivamente ações de tipo neoliberal - adotou, com
Hernán Büchi, algumas políticas de inspiração nitidamente keynesiana.
Embora seja possível afirmar com segurança que um determinado economista, como, por exemplo,
Milton Friedman, é um neoliberal, não se pode fazer o mesmo com a maioria dos políticos, uma vez
que eles adotam, em seus governos, uma mistura de práticas indicadas por várias escolas de
pensamento econômico, simultaneamente.
Chile
O Chile foi o primeiro país do mundo a adotar o neoliberalismo. As privatizações no Chile durante
o governo de Augusto Pinochet antecederam às da Grã-Bretanha de Margaret Thatcher. Em 1973,
quando um golpe militar derrubou o presidente socialista Salvador Allende, o novo governo já
assumiu com um plano econômico debaixo do braço.[20]
Esse documento era conhecido como "El
ladrillo" e fora elaborado, secretamente, pelos economistas opositores do governo da Unidade
Popular poucos meses antes do golpe de 11 de setembro e estava nos gabinetes dos Generais
golpistas vitoriosos, já no dia 12 de setembro.[21]
O general Augusto Pinochet se baseou em "El ladrillo" e na estreita colaboração de economistas
chilenos, principalmente os graduados na Universidade de Chicago, os chamados Chicago Boys,
para levar adiante sua reforma da economia.[20][22][23]
Os outros principais governos que adotaram as políticas neoliberais foram os de Margaret Thatcher
(Grã-Bretanha) e Ronald Reagan (Estados Unidos), políticas essas que ficaram conhecidas como
"thatcherismo" e "reaganismo". A política de Reagan, nos Estados Unidos, também ficou
conhecida como Supply-side economics ou Economia do lado da oferta.[24]
O governo Thatcher
Thatcher obteve grande sucesso na estabilização da libra esterlina, na dinamização da economia
britânica e na redução drástica da carga tributária, levando, por conseguinte, o Partido Conservador
a obter larga margem de vantagem nas eleições parlamentares de 1983 e 1987 - tornando-se assim
ícone mundial dos defensores das políticas econômicas neoliberais. Não obstante a pobreza infantil
no Reino Unido triplicou entre 1979 e 1995 - um dos maiores aumentos jamais visto no mundo
industrializado e, o custo social das políticas adotadas por seu governo foi considerado
demasiadamente grande pelos críticos ao neoliberalismo.[25]
Durante o governo Thatcher a renda dos que estavam no decil superior cresceu pelo menos cinco
vezes mais do que a renda dos que estavam no decil inferior; a desigualdade cresceu em um terço[26]
Refletindo isso, o Coeficiente de Gini da Grã-Bretanha deteriorou-se substancial e continuamente
durante todo o governo Thatcher, passando de 0,25 em 1979 para 0,34 em 1990. Esta siginificativa
piora no Coeficiente de Gini não pôde ainda ser corrigida pelos governos que a sucederam.[27]
Quando Thatcher foi derrotada, em 1990, 28% das crianças inglesas eram consideradas pobres - o
pior desempenho dentre os países desenvolvidos - índice que continuou subindo (até atingir um pico
de 34%, em 1995-96, quando iniciou sua trajetória descendente).[28][29]
"Ao mesmo tempo em que é considerada a responsável por reavivar a economia britânica,
Margaret Thatcher é acusada de ter dobrado seus índices de pobreza. O índice de pobreza
das crianças britânicas, em 1997, era o pior da Europa."[29]
O governo Tony Blair (trabalhista) adotou, para corrigir essa distorção, a partir de 1997, medidas de
inspiração keynesiana, tais como o restabelecimento de um salário mínimo, a criação de um
programa pré-escolar para as crianças pequenas e aumento dos créditos fiscais (isenções) para a
classe trabalhadora (uma medida de "transferência indireta de renda"). A proporção de crianças
britânicas que vivem na pobreza caiu do pico de cerca de 34% em 1996-97, atingindo 11% no ano
fiscal de 2005.[28][29]
"Nosso objetivo histórico será tornar nossa geração a primeira a erradicar a pobreza
infantil para sempre, e isso vai levar uma geração. É uma missão para 20 anos, mas
acredito que possa ser cumprida. Tony Blair.[30]
Os partidos de oposição a Blair, e seus críticos, o acusam de estar sendo "assistencialista", de estar
desequilibrando o orçamento, e de estar aumentando a dependência da população no Estado. Os
adversários políticos dos trabalhistas fazem vistas grossas aos estudos que demonstram, por
exemplo, que o custo - em prejuízos indiretos causados ao agregado da economia britânica -
provocado pela existência de crianças abaixo da linha de pobreza onera a sociedade britânica em
cerca de 600 libras por habitante; ou cerca de 40 bilhões de libras por ano no total (2005).[31]
Todavia, o próprio Partido Trabalhista do Reino Unido aceitou, em termos macroeconômicos,
certos princípios enfatizados por Thatcher. Peter Mandelson, político trabalhista próximo a Blair
declarou, em 2002:
"A globalização pune com força qualquer país que tente administrar sua economia
ignorando as realidades do mercado ou a prudência nas finanças públicas. Nesse estrito
sentido específico, e devido à necessidade urgente de remover rigidezas e incorporar
flexibilidade ao mercados de capitais, bens e trabalho, somos hoje todos tatcheristas."[32]
Resultados
A mais recente onda liberalizante, que ficou conhecida como neoliberalismo, teve seu início com a
queda do muro de Berlim. Foi promovida pelo FMI, por economistas liberais como Milton
Friedman, por seguidores da Escola de Chicago, entre outros, sendo por eles apregoada como a
solução que resolveria parte dos problemas econômicos mundiais, reduzindo a pobreza e acelerando
o desenvolvimento global.[33]
Hoje, depois de 28 anos em que as "receitas neoliberais" vêm sendo aplicadas, em maior ou menor
grau, por um grande número de países - entre eles o Brasil - a ONU resolveu analisar os resultados
obtidos por esses fortes ventos liberalizantes e medir seus efeitos nas populações dos países em que
as práticas neoliberais estão sendo adotadas.
Um livro denominado "Flat World, Big Gaps"[34]
("Um Mundo Plano, Grandes Disparidades" -
tradução livre), foi editado por Jomo Sundaram, secretário-geral adjunto da ONU para o
Desenvolvimento Econômico, e Jacques Baudot, economista especializado em temas de
globalização, analisou essas questões e está despertando grande interesse.
Nesse livro seus autores concluem que: "A 'globalização' e 'liberalização', como motores do
crescimento econômico e o desenvolvimento dos países, não reduziram as desigualdades e a
pobreza nas últimas décadas".[35]
A segunda parte do livro analisa as tendências das desigualdes econômicas que vêm ocorrendo em
várias partes do mundo, inclusive na OECD, nos Estados Unidos, na América Latina, no Oriente
Médio e norte da África, na África sub-saariana, Índia e China.
As políticas liberais adotadas não trouxeram ganhos significativos para a melhoria da distribuição
de renda, pelo contrário: "A desigualdade na renda per capita aumentou em vários países da OCDE
(Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) durante essas duas décadas, o
que sugere que a desregulação dos mercados teve como resultado uma maior concentração do
poder econômico."[35]
Supreendentemente, a liberalização do fluxo de capitais financeiros internacionais, que era apontada
como uma maneira segura de fazer os capitais jorrarem dos países ricos para irem irrigar as
economias dos países pobres, deles sedentos, funcionou exatamente ao contrário.
O fluxo de dinheiro inverteu-se, e os capitais fugiram dos países mais pobres, indo para os mais
ricos: "Houve uma tremenda liberalização financeira e se pensava que o fluxo de capital iria dos
países ricos aos pobres, mas ocorreu o contrário", anotou Sundaram. "Como exemplo, citou que os
EUA recebem investimentos dos países em desenvolvimento, concretamente nos bônus e obrigações
do Tesouro, e em outros setores".[35]
Cumpre ressaltar que essa "liberalização" de fluxos financeiros é muito assimétrica. Os países que
mais defendem a liberalização total dos fluxos de capitais não a praticam dentro de suas fronteiras.
Os Estados Unidos, com seu forte discurso liberalizante criou, por exemplo, a "Community
Reinvestment Act" (Lei do Reinvestimento Comunitário) que obriga seus bancos a reaplicar
localmente parte do dinheiro que captam na comunidade. A Alemanha resistiu a todas as pressões
para "internacionalizar" seus capitais; hoje, 60% da poupança da população alemã estão em caixas
municipais, que financiam pequenas empresas, escolas e hospitais. A França criou um movimento
chamado de "Operações Financeiras Éticas". A apregoada liberdade irrestrita para os fluxos de
capitais parece ter sido adotada só pelos países subdesenvolvidos, que se vêem frequentemente
pressionados pelo FMI e em decorrência submetidos a graves crises causadas por sua
vulnerabilidade às violentas movimentações especulativas mundiais.[36]
Essa diferença entre o discurso liberalizante dos países desenvolvidos e suas práticas foi
reconhecida até por Johan Norberg,[37]
o jornalista sueco autor do "best-seller" In Defense of Global
Capitalism que "atira coqueteis Molotov retóricos nas potências ocidentais, cujo discurso em prol
dos livre-mercados é enormemente prejudicado por suas tarifas draconianas sobre a importação
de produtos têxteis e agrícolas, as duas áreas nas quais os países subdesenvolvidos teriam
condições de competir". Le Monde, 12 de Fevereiro de 2004.
De maneira geral, "a repartição da riqueza mundial piorou e os índices de pobreza se mantiveram
sem mudanças entre 1980 e 2000",[35]
como já previra Tobin em 1981.
Por outro lado, os liberais afirmam que as reformas chamadas de "neoliberais" foram insuficientes e
os governos fracassaram em áreas fundamentais para terem êxito, e chegam a afirmar que não
houve nenhum governo liberal de fato. Estes liberais geralmente estão ligados à Escola Austríaca, e
são adeptos normalmente do minarquismo ou do anarcocapitalismo.
Lista de liberais
Adam Smith
Alexis de Tocqueville
Ayn Rand
David Hume
Friedrich Hayek
George J. Stigler
John Locke
John Stuart Mill
Karl Popper
Ludwig von Mises
Milton Friedman
Thomas Hobbes
Wilhelm von Humboldt
Referências
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13. ↑ The Social Welfare State, beyond Ideology, by Jeffrey Sachs, Scientific American Outubro
2006
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35. ↑ a
b
c
d [http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u104540.shtmlGlobalização não
reduz desigualdade e pobreza no mundo, diz ONU. No trabalho se constata que a
distribuição das receitas individuais melhorou levemente, graças ao crescimento econômico
na China e Índia, mas mesmo assim a repartição da riqueza mundial piorou e os índices de
pobreza se mantiveram sem mudanças entre 1980 e 2000. O livro indica que a desigualdade
econômica nos países do Oriente Médio e o Norte da África não mudou, ao contrário da
crença generalizada, mas aumentou na maioria dos outros países em desenvolvimento.
Agência Efe. In: Mundo, Folha online, 10/02/2007 às 08h50].
36. ↑ PINHEIRO, Márcia. A nova ordem mundial, in Sem rédeas nem juízo. Especial. Revista
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PENTECOSTALISMO, DE SEYMOUR
Willian Seymour
Pentecostalismo: Parham, Seymour e o avivamento místico-pietista do século vinte
Segundo o Dr. Gary B. McGee, teólogo pentecostal das Assembleias de Deus, pelo menos dois
reavivamentos do século XIX podem ser considerados precursores do moderno movimento
pentecostal. O primeiro teria ocorrido na Inglaterra, ao redor de 1830, tendo como caudilho o
ministério de Edward Irving, e o segundo teria ocorrido no sul da Índia, sob a liderança de J. C.
Aroolappen.
O movimento também tem suas raízes na Doutrina da Perfeição Cristã, de John Wesley. Em seu
livro A Short Account of Christian Perfection, em 1760, Wesley conclama os crentes à buscarem
uma segunda obra de graça, posterior à conversão, que livraria os crentes de sua natureza moral
imperfeita. Essa doutrina chegou na América do Norte, e inspirou o Movimento de Santidade, cuja
ênfase estava voltada à vida santificada. Porém, quando o pregador Wesleyano radical da Santidade,
Benjamin Hardin Irwin começou, em 1895, a ensinar sobre três obras de graça, a dissidência
teológica começou a surgir. Segundo Irwin, a segunda obra de graça iniciava a santificação e a
terceira trazia o “batismo do amor ardente”, que é o batismo no Espírito Santo. A maior parte do
Movimento de Santidade condenou essa terceira obra da graça como sendo heresia. Mesmo assim,
porém, a noção que Irwin possuía de uma terceira obra de graça, o revestimento de poder para o
serviço cristão, firmou-se como alicerce do Movimento Pentecostal.
Outros três livros que proporcionaram as bases sobre a qual foi construído o movimento pentecostal
foram Guia para a Santidade e A Promessa do Pai, da irmã Phoebe Palmer, uma das principais
líderes metodistas, e Tongue of Fire (Língua de Fogo), de William Arthur. Aos que procuravam
receber a segunda obra de graça, era ensinado que cada cristão precisa esperar pela promessa do
batismo no Espírito Santo, fazendo uma interpretação pessoal de Lc 24.49.
A crença na segunda obra de graça não ficou confinada ao metodismo. O advogado e pregador
cristão Charles G. Finney, por exemplo, acreditava que o batismo no Espírito Santo provesse
revestimento de poder para se obter a perfeição cristã. Outros pregadores de renome, tais como
Dwight L. Moody e R.A. Torrey, também acreditavam que uma segunda obra de graça revestiria o
cristão com o poder do Espírito.
Dois eventos marcaram definitivamente a chegada do moderno movimento pentecostal. O primeiro
deles é datado de 1º de Janeiro de 1901, quando Agnes Ozman, aluna da Escola Bíblica Betel de
Charles Fox Parham, em Topeka, no estado americano do Kansas, teve uma experiência mística e
começou a falar em outras línguas. Charles Parham era um pregador do Movimento de Santidade,
que influenciado por Irwin e convencido pelos seus próprios estudos dos Atos dos Apóstolos,
testemunhou um grande reavivamento na Escola Bíblica Betel. Depois de Agnes Ozman, muitos
outros alunos foram batizados com o “novo” batismo, e falaram em outras línguas (xenolalia).
Aqueles que presenciavam esses acontecimentos, faziam rapidamente um paralelo com os eventos
do livro de Atos dos Apóstolos, e muitos diziam que o movimento era a restauração da fé
apostólica. De fato, quando Bennett Freeman Lawrence escreveu a primeira história do movimento
pentecostal, em 1916, deu ao movimento o título de The Apostolic Faith Restored (Fé Apostólica
Restaurada).
À princípio, os cristãos pentecostais achavam que as línguas faladas por eles eram, de fato,
xenolalia, isto é, línguas inteligíveis – idiomas pátrios. Depois de 1906, porém, cada vez mais
pentecostais estavam de acordo em que as línguas por eles faladas eram glossolalia, isto é, línguas
desconhecidas e não identificáveis pela inteligência humana. Parham, porém, continuava crendo
que as línguas faladas pelos pentecostais eram xenolalia e que essas línguas eram expressões
idiomáticas de outras nações. Sendo assim, o fenômeno das línguas auxiliaria como uma ferramenta
nas mãos dos missionários transculturais, que seriam capacitados sobrenaturalmente para falarem
outros idiomas. Essa tese perdeu força com o decorrer dos anos e hoje é crença quase comum em
círculos pentecostais que as línguas faladas por eles não são idiomas estrangeiros.
A grande contribuição teológica de Parham ao movimento acha-se na sua insistência de que o falar
noutras línguas é a evidência bíblica vital da terceira obra de graça: o batismo no Espírito Santo.
Suas asserções estão baseadas nos relatos de Atos dos Apóstolos, capítulos 2, 10 e 19, e desde então
o falar em outras línguas tem sido destacado pelos pentecostais como sendo a evidência física
inicial do batismo no Espírito e a prova cabal do mesmo.
Posteriormente, Parham mudou-se para Houston, e um de seus alunos, um homem negro chamado
William Seymour, após ter passado pela mesma experiência mística, tornou-se líder de uma igreja
na rua Azuza, em Los Angeles, no ano 1906. Foi então que o movimento pentecostal explodiu. A
partir da rua Azuza, a mensagem pentecostal, que incluía o falar noutras línguas como sinal do
batismo no Espírito Santo, divulgou-se pelos Estados Unidos e pelo resto do mundo.
Na verdade, experiências semelhantes, incluindo o falar noutras línguas, já haviam ocorrido em fins
do século XIX, tanto nos Estados Unidos quanto no exterior, em lugares bem distantes entre si,
como na já mencionada Índia e na Finlândia, porém até então esses eram apenas casos isolados. Foi
à partir do início do século vinte que o pentecostalismo ganhou projeção mundial.
O Dr. Gary B. McGee também menciona as conferências de Keswick, na Grã-Bretanha como tendo
uma grande influência sobre o Movimento de Santidade na América do Norte, e consequentemente
sobre o pentecostalismo. Os conferencistas de Keswick acreditavam que o batismo no Espírito
Santo produzia uma vida contínua de vitória, uma vida mais profunda, caracterizada pela plenitude
do Espírito. Essa sentença está alicerçada no conceito wesleyano, que afirmava que o batismo no
Espírito produzia a perfeição cristã.
16.1 – Os principais pressupostos da doutrina pentecostal.
No início do movimento houve muitos debates acerca da doutrina, e logo nos primeiros dezesseis
anos de existência, houve quatro grandes controvérsias. A primeira, sobre o valor teológico da
literatura narrativa, em especial o livro de Atos e os últimos versículos de Marcos, para
fundamentar o falar noutras línguas como a evidência inicial do batismo no Espírito Santo. A
segunda controvérsia já foi mencionada, e diz respeito à natureza das línguas faladas. Um grupo
acreditava tratar-se de expressões idiomáticas inteligíveis (línguas pátrias) enquanto outro
acreditava que as línguas faladas eram expressões de mistério, portanto, ininteligíveis por meios
naturais. Outro debate girava em torno da segunda obra da graça: a santificação. Seria ela
progressiva ou instantânea? Os pentecostais de tendências wesleyanas asseguravam que a
santificação era uma obra instantânea, enquanto os pentecostais de tendências reformada defendiam
a santificação progressiva. A quarta controvérsia é de ênfase cristológica. Em um sermão pregado
em Arroyo Seco, R.E. McAlister observou que os apóstolos batizavam apenas em nome de Jesus
(At 2.38) ao invés da fórmula trinitariana (Mt 28.19). Os que deram crédito à pregação de
McAlister foram “rebatizados” em nome de Jesus. Houve então uma cisma no movimento e os que
enfatizaram o batismo apenas no nome de Jesus acabaram por propor uma doutrina modalística da
trindade, que é uma variação do unitarismo. As Assembleias de Deus, no entanto, não
acompanharam as tendências modalísticas.
Vemos, portanto, o quanto resulta difícil fazer generalizações doutrinárias acerca do movimento.
Apesar disso, destacamos à seguir aquilo que consideramos ser as crenças mais universais dos
pentecostais. A lista não é exaustiva, podendo haver outros itens não relacionados nessa pesquisa.
Todos os cristãos pentecostais creem:
a) No Batismo no Espírito Santo como experiência subsequente e distinta da salvação.
b) Na atualidade dos dons espirituais, tais como cura, profecias, línguas e interpretação de
línguas e operação de milagres.
c) Que o batismo pentecostal reveste o crente com poder do alto capacitando-o para exercer seu
ministério ao mundo.
Além disso, a maioria dos cristãos pentecostais também crê:
a) Na vinda de Jesus pré-milenista e pré-tribulacionista.
b) No falar em línguas como evidência física inicial do batismo no Espírito.
c) São dispensacionalistas.
16.2 – Razões que contribuíram para crescimento do Movimento Pentecostal.
No final do século dezenove e início do século vinte, a medicina avançava à duras penas e oferecia
pouca ajuda aos que se achavam gravemente enfermos. Consequentemente, a fé no miraculoso para
a cura física começou a ressurgir nos círculos evangélicos. Na Alemanha do século dezenove, os
ministérios que ressaltavam a importância da oração pelos enfermos atraía a atenção dos crentes
estadunidenses, ao mesmo tempo que a teologia pietista, com sua crença na purificação instantânea
do pecado ou no revestimento do poder do Espírito produziu um ambiente receptivo aos ensinos da
cura mediante a fé.
No Brasil, na época em que Daniel Berg e Gunnar Vingren aportaram em nosso país, a medicina era
ainda mais precária, havia em nossas terras um grande número de leprosos e muita gente morria
apenas por falta de higiene ou por efeito de uma desinteria. A promessa de uma cura instantânea
veio de encontro com as necessidades básicas do nosso povo, de modo o movimento teve ampla
aceitação. A crença mística do povo brasileiro, sobretudo no norte do país, também foi um fator
decisivo para a recepção das doutrinas pregadas pelos missionários suecos. Não queremos dizer
com isso que o pentecostalismo somente se instaurou no Brasil por causa da influência dos cultos
afros e do xamanismo. Lembremos que o mundo greco-romano nos dias apostólicos também tinha
suas religiões de mistério, e ainda que isso tenha contribuído para a aceitação do evangelho, esse
não foi o fator decisivo.
16.3 – Objeções à doutrina pentecostal.
Muitos cessacionistas têm se empenhado para desacreditar o pentecostalismo e a atualidade dos
dons espirituais. Porém, nenhuma exegese por eles apresentada justifica o anti-sobrenaturalismo
presente em sua teologia. Os cessacionistas argumentam que se a inspiração profética é atual, então
teremos duas fontes inspiradas: a Bíblia e a profecia. Os restauracionistas pentecostais, por outro
lado, dizem que as profecias só são válidas se estiverem em comum acordo com a Bíblia sagrada e
terão valor apenas após o seu cumprimento. Outra questão diz respeito aos milagres. Alguns
cessassionistas dizem que a ocorrência de sinais fantásticos seria mais que persuasão e violaria
incondicionalmente o livre-arbítrio humano. A isso os pentecostais dizem que Jesus e os discípulos
também faziam sinais, e nem por isso aqueles que se convertiam tinham seu livre-arbítrio violado.
Muitos presenciaram a multiplicação dos pães, mas nem por isso se tornaram crentes.
Muitas foram as contribuições do pentecostalismo. Em meio ao cenário árido da teologia do início
do século vinte, surgiu um movimento com ênfase na santificação, na leitura e pregação devocional
da Bíblia e com uma visão de ministério às nações. As Assembleias de Deus, filha desse
reavivamento espiritual, tornou-se uma das maiores denominações do mundo.
É interessante perceber que nesses cem anos de controvérsias teológicas, enquanto os teólogos
alemães e norte-americanos patenteavam jargões como geschichte, desmitologização, faziam
estudos sobre o Jesus histórico desassociando-o do Jesus da fé, criavam teologias com ênfase em
teorias naturalistas e evolucionistas, surgiu também um movimento de restauração da fé apostólica.
Talvez minha observação pareça arrebatada ou até mesmo apaixonada demais, mas o fato é que o
pentecostalismo foi uma das principais reações contrárias ao secularismo teológico que surgiu no
século vinte. Se por um lado os demais movimentos estavam associados ao desejo de amoldar a fé
cristã aos padrões filosóficos e científicos do homem moderno, o pentecostalismo por sua vez
surgiu do desejo de reencontrar a fé cristã primitiva e de desassociar-se do sistema secular.
Não faltam porém objeções às práticas do movimento, entre as quais destacamos algumas. Em
muitas igrejas evangélicas, a excessiva ênfase na inspiração sobrenatural da fala, ou dom de
profecia, tem substituído a pregação da palavra de Deus.
É comum em nossos dias ver pregadores pentecostais trazendo novas e estranhas revelações acerca
de anjos, visões e da conduta cristã, a ponto de ter se tornado praxe de certo pregador televisivo,
invocar serafins antes de fazer sua preleção. Essa prática definitivamente não é cristã. Jamais vimos
Jesus ou os seus apóstolos invocando a presença de anjos antes de trazer uma mensagem aos fiéis. E
os exageros não param por aí: a Bíblia também, volta e meia desaparece dos púlpitos nos
congressos, e quando reaparece, é permutada. Esse mesmo pregador gosta de dizer a Deus em suas
“fervorosas” orações: “se tenho crédito no céu…”. Crédito no céu? Onde está a mensagem da graça,
do favor de Deus? Outro pregador pentecostal que há anos se identificava como homem ortodoxo
tem se rendido fatalmente à práticas neo-pentecostais, mercadejando as bênçãos de Deus e
enfatizando muito mais o presente que o porvir. Virou já um ícone do evangelho da prosperidade.
De modo quase geral, a pregação catequética e com embasamento escriturístico tem sido substituída
por empolgados shows evangélicos, promovidos por pregadores que mais parecem animadores de
auditório.
Isso, porém, não significa que não haja pentecostais sérios e ortodoxos. Há muitos que ainda
prezam pela pregação bíblica e que mantém o perfeito equilíbrio entre a unção, a erudição e o
conhecimento teológico. Conhecemos muitos assim, e enquanto existirem esses, creio que o
movimento contará com certa credibilidade. No entanto, o atual quadro do pentecostalismo,
sobretudo no cenário nacional, faz-nos pensar na necessidade e porque não dizer, urgência de uma
nova reforma religiosa dentro do próprio movimento: uma nova restauração da fé apostólica.
O pentecostalismo surge no cenário contemporâneo na contramão da teologia moderna liberal e
neo-ortodoxa. Enquanto Barth, Bultmann, Tillich e Brunner agitavam o cenário teológico mundial
com inovações e com suas tendências filosóficas, obviamente influenciados pelo existencialismo de
Kierkgaard, pelo ceticismo de David Hume e pelos apelos filosóficos de Immanuel Kant, surgiu no
cenário mundial um movimento que buscava justamente o oposto. Se por um lado Paul Tillich
buscava amoldar a Bíblia às necessidades do homem, William Seymour e os demais pregadores do
movimento pietista pentecostal instavam para que os homens se amoldassem à Palavra de Deus.
Enquanto Barth apresentava Deus como “Totalmente-Outro”, os pregadores pentecostais insistiam
na possibilidade de um relacionamento pessoal com Deus e definiam-no como aquele que habita os
céus e que paradoxalmente, vive em nós.
Muitos excessos têm sido cometidos desde então, mas isso não desqualifica o movimento. Na
verdade, esses excessos ocorrem bem na fronteira de dois movimentos contemporâneos com muita
força em nosso país: o pentecostalismo e o neo-pentecostalismo. Apesar da semelhança semântica,
quero ressaltar que a dissimile é maior que qualquer afinidade que estes dois nomes possam sugerir.
NEO-PENTECOSTALISMO, DE KENYON E HAGIN
Kenneth Hagin
Neo-pentecostalismo: Misticismo, pragmatismo e culto à Mamom
Na década de 70, chegou no Brasil o movimento que ficou conhecido como neo-pentecostalismo.
Este movimento se originou a partir de denominações históricas, tais como a Igreja Presbiteriana
Renovada, em 1975; as Igrejas Pentecostais Livres: Sinais e Prodígios, fundada em 1970, e
Socorrista, em 1973; as Igrejas com pouca estrutura eclesiástica, como a Igreja Universal do Reino
de Deus (IURD), fundada em 1977; e os Pentecostais Carismáticos, Renovação Carismática,
originária da Igreja Católica Romana, fundadas em 1967. Como já foi dito no capítulo anterior,
embora seja possível estabelecer uma símile entre o pentecostalismo e o neopentecostalismo, as
diferenças entre esses dois grupos protestantes são maiores que qualquer semelhança que possam
ter. Nos nossos dias, juntamente com as doutrinas neopentecostais têm surgido muitas doutrinas
paralelas, como a chamada Confissão Positiva (Evangelho da Saúde e da Prosperidade, Quebra de
Maldições, Maldições Hereditárias, Maldição de Família e Pecado de Geração, Nova Unção);
apregoadas por supostos avivalistas em acampamentos cristãos, em congressos, em escolas bíblicas
de férias e na televisão; e por mentores católicos carismáticos no exercício do Toque do Dom, da
Cura Diferencial e do Exorcismo. Todos estes, evangélicos ou não, sem nenhuma consulta à
exegese bíblica, alicerces ou filtro teológico, ensinam sempre sob a orientação filosófica de seu pai,
Essek William Kenyon e de seus principais porta-vozes, Kenneth Hagin, Marilyn Hickey, Kenneth
Copeland, Robert Schüller, Jorge Tadeu e outros.
Temos buscado nessas páginas, além de apresentar as principais doutrinas do século vinte, defender
com muita submissão os valores do Evangelho e a imaculada Igreja de Nosso Senhor Jesus, à qual
fomos chamados. Muitos obreiros e ministérios são envolvidos em assuntos aparentemente simples
como os que temos abordado, pensando estar fazendo o melhor para Deus, quando na verdade estão
sendo instrumentos para erosão perniciosa contra a vida espiritual da Igreja. Estes, sejam
pregadores ou leigos, vivem em busca de “sinais” de Deus, de novas manifestações, mas
lembremos-nos: o sinal sempre foi sinal para incrédulos! Em toda a história, homens e mulheres no
decorrer de sua incansável busca por um toque religioso, sempre buscaram um sinal e uma
materialização do imaterial. Jesus chamou essa multidão que de um lado para o outro em busca de
uma experiência, de multidão má e incrédula (cf. Mateus 12.38-39).
17.1 – História do Movimento Neopentecostal
Essek Willian Kenyon
Muitas pessoas no movimento da confissão positiva consideram Kenneth Hagin como o pai do
movimento, de tal forma que muitos pregadores da prosperidade – inclusive os brasileiros – se
consideram discípulos de Hagin. Porém, quando se investiga o desenvolvimento histórico do
movimento, chega-se à conclusão de que o verdadeiro pai da confissão positiva é Essek William
Kenyon.
Kenyon nasceu no condado de Saratoga, Nova York, Estados Unidos, em 1867. Em 1892, mudou-
se para Boston, onde frequentou várias escolas, entre elas a Faculdade Emerson de Oratória,
fundada por Charles Emerson. Esse Charles Emerson, segundo se sabe, foi uma mente muito
confusa e sincretista, e chegou a abraçar inclusive muitos ensinos de seitas heréticas, como por
exemplo a Ciência Cristã, que à bem da verdade, não é nem ciência nem cristã. É muito importante
saber quem foi Charles Emerson para se compreender a hermenêutica de Kenyon.
Em Super Crentes, O professor do Makenzie e apologista do ICP, Paulo Romeiro, escreve o
seguinte acerca de Emerson: Charles Emerson foi uma figura um tanto controversa. Em seus 40
anos de ministério, a teologia de Emerson evoluiu do congregacionalismo para o universalismo,
para o unitarismo, para o transcendentalismo, para o Novo Pensamento (Nova Ideia), e terminou,
finalmente, nas mais rígidas e dogmáticas de todas as seitas metafísicas, a Ciência Cristã. Emerson
uniu-se à Ciência Cristã em 1903 e nela permaneceu envolvido até sua morte, em 1908. Sua
conversão à Ciência Cristã foi a última progressão lógica na sua evolução metafísica do ortodoxo
para o sectário”.
No dia 19 de março de 1948, faleceu Kenyon, com a idade de 80 anos. Antes de sua morte,
encarregou sua filha Rute de continuar o seu ministério e publicar os seus escritos, o que ela
cumpriu fielmente. Mais tarde, alguém utilizaria as ideias e os escritos de Kenyon para dar forma ao
que viria a ser um dos maiores e mais controvertidos movimentos dentro do corpo de Cristo da
atualidade. Esta pessoa é Kenneth Erwin Hagin.
Duas experiências polêmicas teriam afetado toda a sua vida e ministério. A primeira foi Hagin ter
sido “levado ao inferno”, onde supostamente viu e sentiu coisas que o deixaram perplexo. Hagin
conta ter descido outras duas vezes “ao inferno” para ali contemplar os seus horrores, sendo assim
levado a tomar uma decisão quanto a sua vida espiritual. Depois da terceira “visita ao inferno”,
Hagin aceitou a Cristo como seu Salvador.
No início do seu ministério, Hagin foi um jovem pregador batista (1934-1937) e pastoreou uma
igreja da comunidade onde morava. Devido à sua crença em cura divina, começou a associar-se
com os pentecostais e em 1937, recebeu o batismo com Espírito Santo e falou em línguas. Neste
mesmo ano foi licenciado como ministro da Assembléia de Deus (1937-1949) e pastoreou várias
igrejas dessa denominação no Estado do Texas. Tendo passado por essas duas denominações,
finalmente fundou, em 1962, seu próprio ministério.
O ministério de Kenneth Hagin é hoje um dos maiores do mundo e sua influência tem se espalhado
por muitas partes do globo. Fundou em Tusla, em 1974, a Escola Bíblica por Correspondência
Rhema e o Centro de Treinamento Bíblico Rhema em Tulsa. Segundo o professor Paulo Romeiro, a
Escola Bíblica de Hagin já formou cerca de 6.600 alunos. A revista Word of Faith (Palavra da Fé),
que também pertence ao movimento, é enviada para 190 mil lares mensalmente e calcula-se que
cerca de 20 mil fitas cassete de estudos são distribuídas a cada mês. Já foram vendidos cerca de 33
milhões de cópias de seus 126 livros e panfletos. Os bens da organização estão avaliados em 20
milhões de dólares. R. R. Soares, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus, responsável pela
publicação da maioria dos livros de Kenneth Hagin no Brasil.
Além de Essek W. Kenyon e Kenneth Hagin, os nomes mais conhecidos ligados à confissão
positiva são Ken Hagin Jr. (filho de Kenneth Hagin), Kenneth e Glória Copeland, T. L. Osborn,
Fred Price, Hobart Freeman, Charles Capps, Jerry Savelle, John Osteen, Benny Hinn e Lester
Sumrall. Outra pessoa que tem influenciado muitos no Brasil é o engenheiro Jorge Tadeu, hoje
pastor e líder das igrejas Maná, em Portugal. Pode ser citado ainda o ministério de Miguel Ângelo
da Silva Ferreira, pastor da Igreja Evangélica Cristo Vive, no Rio de Janeiro, o já mencionado Edir
Macedo e o líder da Igreja Internacional da Graça de Deus, R.R. Soares.
17.2 – Pressuposições da Doutrina da Prosperidade..
É muito difícil enumerar os pressupostos do neopentecostalismo, visto que existem diversas
denominações neopentecostais e todas possuem sistema doutrinario eclético. Nos limitaremos,
portanto, a destacar algumas práticas dos principais grupos neopentecostais.
A marca registrada das igrejas neopentecostais no Brasil tem sido a avidez por dinheiro. Escandalos
envolvendo o Bispo da IURD, Edir Macedo e recentemente com o bispo Estevão Hernandes e com
a ua esposa, a também bispa Sônia Hernandes, da igreja Renascer, têm se tornado corriqueiros. Não
é nossa intenção inquerir até que ponto a arrecadação feita nas denominações é lícita. Apenas
queremos chmar a atenção para algo que se tornou o principal enfoque do neopentecostalismo: a
teologia da prosperidade.
Segundo essa abordagem teológica, pobreza e enfermidade são características de uma vida sem fé.
A doença tem sua origem na falta de comunhão com Deus, de modo que um indivíduo realmente
convertido nunca deve ficar doente, baseando a cura divina na expiação e usando para isso o texto
de Isaías 53.4-5. A prosperidade financeira também é um direito do crente, sendo a pobreza uma
maldição. Para justificar o disparate, afirmam que Jesus era rico – bem como os seus discípulos –
mas até onde sabemos, o Filho do Homem muitas vezes não tinha sequer onde reclinar a cabeça.
Para o Dr. Serafim Isidoro, em seu pequeno, porém inteligente livro Considerações à Doutrina da
Prosperidade, o Novo Testamento traz em seu cerne uma mensagem de abnegação, enquanto no
Antigo Testamento a promessa é de prosperidade advinda da obediência. Ele também diz que “a
busca do sensacionalismo e da prosperidade fácil afasta o homem da ordem antiga: Comerás o pão
do suor do teu rosto”.
Os porta-vozes da doutrina da prosperidade não medem esforços para conseguir arrecadações. Bob
Tilton, que já esteve no Brasil acompanhado de Rex Humbard, é uma figura extremamente
controvertida hoje nos Estados Unidos, principalmente pelos seus métodos de levantamento de
fundos, chegando até mesmo a chorar e a profetizar enquanto pede dinheiro no seu programa de
televisão.
Não há dúvida de que o movimento da fé tem em Benny Hinn, pastor do Centro Cristão de Orlando,
na Flórida, é um de seus nomes mais famosos. Seu livro, Bom Dia, Espírito Santo, é um dos mais
vendidos hoje na América do Norte. Porém, tanto o livro de Hinn como seus ensinos têm levantado
muita polêmica, como, por exemplo, o estudo acerca do “corpo” do Espírito Santo. Não faz muito
tempo, Hinn levou os membros de sua igreja a repetir depois dele a seguinte frase: “Eu sou um
deus-homem”. O vídeo consta nos arquivos do ICP e o episódio é citado por Paulo Romeiro em
Super Crentes. O boletim The Berean Call (O Chamado dos Bereanos), de Oregon, em setembro de
1992, publicou os seguintes comentários de Hinn a respeito de Adão e Eva: “Adão era um ser
sobre-humano quando Deus o criou. Não sei se as pessoas chegam a saber disso, mas ele foi o
primeiro super-homem que já existiu. Adão não só voava [como os pássaros], mas também voava
para o espaço (…) com um pensamento ele estaria na Lua (…) podia nadar [debaixo d'água] sem
perder o fôlego, e sua esposa fazia o mesmo (…) Ambos eram sobre-humanos”. A capacidade
imaginativa de Hinn é tão perspicaz que não hesitaríamos em recomendar sua “história” à Walt
Disney Pictures. No ano de 1992, o jornal Mensageiro da Paz publicou uma nota sobre Benny Hinn:
“O livro Bom Dia, Espírito Santo, de Benny Hinn, está causando celeuma nos Estados Unidos. Ele
passa a ideia de que existem nove deuses na Trindade. O autor se justifica afirmando que não soube
explicar bem o que queria dizer. A confissão positiva já alcançou repercussão significativa nos
meios de comunicação, especialmente na televisão.
Na Igreja Universal do Reino de Deus, fundada pelo bispo Edir Macedo, podemos encontrar muitos
pressupostos do “movimento da fé”. A ênfase sobre a prosperidade financeira é bastante acentuada,
mas a semelhança com as práticas iconoclásticas da idade média é evidente: Substituindo a idolatria
por metodologias visuais e palpáveis, a denominação faz uso de rosas, copos com água, medalhas
com inscrições, cruzes, lenços, retalhos dos ternos usados pelos pastores (será que eles rasgam o
Armani do Bispo Macedo também?), lenços, portais da felicidade, réplicas da Arca do Concerto,
além de objetos sem nenhum valor financeiro, supostamente importados de Israel, tais como água
do Jordão e azeite para unção.
Valnice Milhomens também tem aderido à muitas práticas neopentecostais. Entre seus ensinos mais
controversos está o seu comentário de Is 53:9, onde afirma que Jesus morreu duas vezes, física e
espiritualmente; bem como a afirmação de que o número dos salvos será maior do que o número
dos perdidos; a guarda do sábado. Ela também defende a maldição de família e a necessidade de
ruptura das mesmas. Além destas, há ainda questões escatológicas, como a volta de Jesus num dia
de sábado no ano 2007, quando a Bíblia diz que “aquele dia e hora ninguém sabe”.
Os pregadores neopentecostais também ensinam que a fé e o recebimento das bençãos de Deus está
relacionada com a confissão que fazemos, de modo que a fé é reduzida à uma mera confissão
positiva. Por causa disso, muitos membros dessas igrejas vivem frustrados, pois temem pronunciar
maldições que interfiram em seu progresso espiritual. A cura física também deve ser pronunciada,
ou ainda, utilizando um jargão próprio do neopentecostalismo, “decretada”. É comum assistir na TV
pregadores da Prosperidade ensinando os crentes a dar ordens em Deus. O Senhor Soberano foi
substituído por um Deus vassalo, sempre disposto à acatar ordens e tudo sem reclamar.
17.3 – Objeções ao neopentecostalismo.
John Ankerberg e John Weldon nos ajudam a interpretar o texto de Isaías 53:4-5 com o seguinte
comentário: “No hebraico a palavra “sarar” (em hebraico, rapha), pode-se referir à cura física ou à
cura espiritual. O contexto deve determinar se um dos sentidos ou ambos são empregados. Por
exemplo, em 1 Pedro 2:24, Pedro se refere à cura espiritual (citando a Septuaginta), e em Mateus
8:17, Mateus se refere à cura física (citando o texto hebraico massorético). Segundo Paulo Romeiro,
do ICP (Instituto Cristão de Pesquisas), “não podemos esquecer também que, quando Jesus curou a
sogra de Pedro (Mateus 8:14-17), a expiação de Cristo ainda não havia acontecido. Portanto, usar
esta passagem para dizer que a cura divina, total e perfeita, está garantida na expiação com base em
Isaías 53:4, 5 é forçar o texto e não reflete uma boa exegese”. Ele também afirma que dizer que a
enfermidade é consequência da falta de fé ou pecado na vida do crente constitui-se numa falácia
bíblica. “Basta examinar as Escrituras para notarmos que verdadeiros servos de Deus passaram
privações e dificuldades em suas trajetórias a serviço do Senhor”. Para ratificar sua asserção, ele
menciona o profeta Eliseu, que apesar de ter sido um grande profeta de Deus e de ter tido um
ministério marcado por muitos feitos sobrenaturais, morreu em consequência de sua enfermidade.
Será que ele não tinha fé ou estava em pecado? Muito pelo contrário, pois a Bíblia diz que um
soldado morto, após ser colocado na sepultura de Eliseu, tocou em seus ossos e ressuscitou (2 Reis
13:14-21). Um outro exemplo citado por ele é o de Jó. Seu sofrimento não foi causado por
confissões pessimistas, pecados ocultos ou falta de fé, nem tampouco foi o diabo quem decidiu
provar Jó. A iniciativa partiu de Deus.
Muitos pregadores da confissão positiva declaram que toda enfermidade procede do diabo. O pastor
Jorge Tadeu, líder das igrejas Maná, em Portugal, afirma que “Deus só pode dar o que Ele tem. Para
Deus lhe dar uma doença teria que pedi-la emprestada ao diabo, o que é uma ideia absurda”, mas o
ensino de Jorge Tadeu é contrário ao que diz a Bíblia. Por acaso Deus teve que tomar a lepra
emprestada do diabo para colocá-la em Miriã? A lepra de Miriã foi provocada por Deus (cf.
Números 12:10).
Existe nos Estados Unidos muitos casos documentados de mortes causadas pela pretensa fé.
Supostamente baseados nas promessas de Deus, muitos pais perderam seus filhos para
enfermidades que poderiam ser facilmente medicadas. O ministério das igrejas Maná, não tem
escapado das críticas da imprensa em Portugal. O jornal Tal & Qual, na edição de 30 de agosto a 5
de setembro de 1991, faz uma séria denúncia, na primeira página, sobre as circunstâncias que
levaram ao falecimento do pequeno Nelson Marta, de oito anos, ocorrido em 13 de maio de 1991.
“Mas que Grande Seita! Deixem de tomar remédios! — aconselha a seita religiosa Maná. Mas a
morte de uma criança acaba de pôr em causa o insólito “mandamento”.
17.4 – Logos e Rhema, a polêmica da semântica.
Segundo Michael Horton, não existe nenhuma grande diferença entre estes dois vocábulos, que
seriam como os sinônimos “enorme” e “imenso” no português. Ele declara que “os ensinadores da
fé inventavam uma falsa distinção de significado entre essas duas palavras gregas. Rhema, dizem
eles, é a “palavra’” que os crentes usam para “decretar” ou “declarar” a fim de trazer prosperidade
ou cura para esta dimensão”. Em uma linguagem mais coloquial, o vocábulo rhema é o
“abracadabra” que os neopentecostais pronunciam para materializar o objeto desejado. Depois vem
logos, ou “a palavra de revelação” que é a palavra mística, direta, que Deus fala aos iniciados. O
termo pode-se referir também à Bíblia, mas é geralmente empregado no contexto de sonhos, visões
e comunicações particulares entre Deus e seu “agente”. Dessa forma, podemos perceber no
movimento neopentecostal duas fontes de autoridade: uma objetiva – a Bíblia, e outra subjetiva, a
revelação ou palavra da fé. Assim, quando alguém lê uma referência na literatura do pregador da fé
à “Palavra de Deus”, ou “agir sobre a Palavra” e outras, o autor pode não está mais se referindo à
Palavra de Deus escrita, a Bíblia, mas ao seu próprio “decreto” (rhema) ou uma palavra pessoal de
Deus para ele (logos).
Os apologistas da confissão positiva fazem um cavalo de batalha sobre as palavras gregas logos e
rhema que significam palavra, dizendo que há uma distinção entre eles no sentido de que logos é a
Palavra escrita, revelada de Deus, e que rhema é a palavra dita, expressa de Deus, que faz com que
as coisas sejam realizadas. A palavra rhema seria uma espécie de “vara de condão” capaz de
materializar o objeto da nossa cobiça. Desta forma, eles afirmam que podemos usar a palavra rhema
para realizarmos no mundo espiritual e físico tudo aquilo que desejamos. Entretanto, na Palavra de
Deus não há sequer uma distinção teológica entre estes dois termos. O Dr. Russel Shedd afirma que
Pedro não fez distinção sobre estes termos em sua primeira carta, capítulo 1.23-25: “Sendo de novo
gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra (Gr. Logos) de Deus, viva
que permanece para sempre. Porque toda a carne é como a erva, e toda a glória do homem como a
flor da erva. Secou-se a erva, e caiu a sua flor; Mas a palavra (Gr. Rhema) do Senhor permanece
para sempre; e esta é a palavra (Gr. Rhema) que entre vós foi evangelizada”. Como se pode ver,
na mente do apóstolo não havia distinção entre estas palavras. Sendo assim fica desfeita a pretensão
daqueles que querem forçar uma interpretação e aplicação errônea destes termos.
O neopentecostalismo, à luz da ortodoxia, é uma teologia mal elaborada, eclético-pragmática que
busca os resultados mais que a pureza doutrinaria. Ela desvirtua o crente, levando-o a buscar a
prosperidade terrena, quando a prioridade dele deveria ser “buscar as coisas que são do alto”.
Cristo, alardeado pelos teólogos da prosperidade como um homem abastado, nasceu humilde e
pobre, em um estábulo emprestado. Entrou no mundo desassistido de bens materiais e proferiu suas
pregações em um barco emprestado. Entrou em Jerusalém montado em um jumento emprestado, e
foi sepultado em um túmulo emprestado. Só a cruz era dele.
Em sua mensagem ele nos falou sobre a necessidade de negar-se a si mesmo e tomar a cruz. Foi ele
quem disse: “No mundo, tereis aflições”. Temos depois o apóstolo Paulo escreveria aos coríntios:
“se esperamos em Cristo só nessa vida, somos os mais miseráveis de todos os homens”. A
mensagem triunfalista dos pregadores da prosperidade podem até caber em um discurso político
onde a avareza prima sobre o caráter, mas não cabe nos lábios de Cristo ou dos apóstolos, e nem na
verdadeira igreja evangélica.
COMO SERÁ A TEOLOGIA DO SÉCULO XXI?
Conclusão: Qual será a cara da teologia do século XXI?
Neste trabalho apresentamos as principais escolas teológicas do século vinte e seus respectivos
arautos. É claro que nessa abordagem, alguns nomes inevitavelmente ficaram de fora, e outros,
como Emil Brunner, não puderam ser apresentados em um capítulo próprio. Não tivemos com isso
nenhuma intenção de reduzir a importância Brunner ou qualquer outro teólogo contemporâneo,
apenas tentamos apresentar os nomes associados às respectivas escolas, e nesse aspecto, o nome de
Brunner está bem associado ao de Karl Barth e à teologia dialética.
Nossa exposição começou com uma abordagem panorâmica do pensamento de Kant, Marx e
Darwin, e da influência desses pensadores sobre a teologia contemporânea. Apesar de ser
mencionado já na introdução, demos também a Immanuel Kant um capítulo à parte, pois temos
considerado que sua influência sobre a teologia do século vinte é maior que o de qualquer outro.
Um contemporâneo de Kant que também influenciou a teologia do século vinte foi Soren
Kierkgaard, mas não lhe dedicamos um capítulo especial porque entendemos que ele foi um teólogo
cristão e não especificamente um filósofo secular como Kant e Marx. Também entendemos que seu
nome caberia melhor em um ensaio sobre a teologia do século dezenove, o que um dia faremos, se
Deus permitir.
O teólogo de maior projeção dentro da teologia contemporânea é Karl Bath. Consideramos injusto
que nomes como Barth, Bultmann e Tillich, tenham tanta repercussão quando outros como
Pannemberg e Cullmann, muito mais ortodoxos que os três primeiros, são quase ignorados. Parece
que a popularidade de um teólogo está mais relacionada ao grau de inovação que ele apresenta do
que com a coerência lógica, bíblica e sistêmica de seus escritos. A grande lição que o século vinte
nos ensinou foi: “saia da linha ou seja esquecido”. Ainda bem que não escrevemos nossas obras
para obter lisonjas dos homens.
Barth inspirou-se na filosofia existencialista e principalmente em Kant para elaborar o seu conceito
teológico de Deus, definindo-o como Totalmente-Outro. Ao fazê-lo, inevitavelmente isola Deus do
outro lado do abismo, tornando difícil conhecê-lo e relacionar-se com ele. Seguindo Kant, ele faz
distinção entre Historie e Geschichte, alegando que a primeira diz respeito à história objetiva e
secular, enquanto o segundo diz respeito à história subjetiva e sacra, sendo equiparada à própria fé.
Os milagres, a ressurreição e outros atos sobrenaturais narrados na Bíblia não são Historie, e sim
Geschichte, portanto, não devem ser confrontados na esfera secular. Em suma, tais acontecimentos
não são eventos históricos. Uma distinção semelhante ocorre em Bultmann, que propõe uma
distinção entre história e fé, entre o Jesus histórico e o Cristo kerigmático. Para Bultmann, o Jesus
descrito nos evangelhos não é o Jesus histórico, e sim uma mera narrativa mítica. Ele insiste que a
Bíblia está cheia de mitos, e que deve ser desmitificada por nós. Bultmann também nega todo valor
objetivo da Bíblia como Palavra de Deus, equiparando-a a qualquer narrativa antiga. Quanto aos
milagres, ele é cético: todas as narrativas miraculosas não passam de mitos.
Para refutar a teologia de Bultmann, surge o Dr. Oscar Cullmann com a Heilsgeschichte, ou
simplesmente “História da Salvação”. Para Cullman não existe duas histórias, uma cristã e uma
secular, aliás, ele sequer admite uma história secular. Para ele, toda história é História da Salvação.
A história abrange os atos portentosos de Deus em favor da nossa redenção. Uma característica
interessante de Culmann é que ele aceita o desafio de Bultmann e apresenta suas elucubrações
partindo de alguns pressupostos da crítica formal, porém, discordando dele quanto às conclusões. A
sua ênfase é extremamente cristológica, o que levanta inclusive algumas objeções sobre a sua
teologia. De qualquer forma, a teologia de Cullman é uma ponta de esperança para o pensamento
teológico contemporâneo, bem como Pannemberg, que construiu a sua teologia tendo por base a
história. Em uma época em que os teólogos faziam questão de distinguir entre teologia e história,
Wolfhart Pannenberg construiu uma teologia sobre o alicerce da história, salvando assim a
historicidade do cristianismo.
Porém, apesar de Cullmann e Pannemberg terem prestado um relevante serviço á ortodoxia (ainda
que nenhum deles é considerado literalmente ortodoxo), nem todos os teólogos contemporâneos
assumiram a mesma postura. A maioria deles parecia estar mais ligada às ideias de seu tempo do
que à Palavra de Deus, aliás, a própria expressão “Palavra de Deus” caiu em desuso no decorrer do
século vinte.
Na década de sessenta, surge um grupo de teólogos cujo exacerbado esforço era elaborar uma
teologia que estivesse mais próxima dos problemas da humanidade. O problema é que essa ideia foi
levada ao extremo. O patrono da teologia secular, Dietrich Bonhoeffer ficou conhecido por
participar de um complot contra a vida de Hitler. É essa teologia ativista que os teólogos
secularistas propõem. A Cidade Secular, de Harvey Cox, Honest to God, do “bispo” John
Robinson, foram as principais obras desse movimento. Outro importante teólogo secularista foi
Paul Van Buren. Ele foi sem dúvida o mais radical deles. Nessa mesma época surge na América
Latina a Teologia da Libertação, com pressupostos bastante semelhantes. Buscando inspiração não
na Bíblia, mas na filosofia socialista de Karl Marx, essa nova escola teológica agitou o cenário
teológico nas décadas de sessenta e setenta. No Brasil, o principal expoente dessa nova e estranha
doutrina é o ex-padre e posteriormente professor da PUC-SP, Leonardo Boff. A heresia fomentada
por católicos romanos como Juan Luís Segundo, Hugo Assman e Gustavo Gutiérrez Merino; e
protestantes como Rubem Alves, Emílio Castro, José Míguez Bonino e o então missionário no
Brasil, Richard Shaull, buscava consolidar uma teologia que pudesse oferecer respostas ao clima
ditatorial e à crise econômica latino-americana. A resposta por eles é uma afronta à teologia,
sobretudo à teologia protestante, pois faz do marxismo o maior dos atos de Deus na história.
Várias outras tentativas de amoldar a teologia à praxe modernista também foram elaboradas. Joseph
Fletcher afirmou que a moral não é absoluta. Nossos atos não deveriam ser julgados por padrões
absolutos e uma ética relativa se infiltrou na teologia contemporânea. Usando pressupostos do
existencialismo, do pragmatismo e das filosofias relativista e positivista, a Ética Situacional apregoa
uma teologia na qual os fins justificam os meios. Não há conduta errada quando se quer alcançar
um fim nobre. Esse pragmatismo também está presente na Teologia da Libertação e na Teologia
Secular, mas nada tem a ver com a Bíblia, que nos ensina que melhor é o sofrer fazendo o bem do
que fazer o mal para que os advenham bens. Pecar deliberadamente para que a graça seja mais
abundante, militância contra governos que se oponham aos nossos valores, tudo isso soa dissonante
ao supremo às palavras de Jesus no sermão do monte. Somos bem-aventurados quando somos
perseguidos e vilipendiados, e não o contrário. A Ética Situacional, assim como outras teologias
modernas, nega o sobrenaturalismo das escrituras e se esforça para reinterpretar as narrativas
miraculosas em termos existenciais. Desse modo, a morte de Cristo não foi substitutiva, e sim uma
demonstração de amor.
Em seu afã de apresentar uma teologia que pudesse se adequar aos padrões mundanos e às crenças
seculares, muitos teólogos do século vinte perderam completamente o senso de direção. Como
homens loucos, eles corriam desesperados em busca de uma associação que pudesse “salvar” à
teologia. A Bíblia cada vez mais parecia um livro ultrapassado e cada vez mais os teólogos
procuravam muletas seculares para amparar à Bíblia. Vemos isso na teologia do padre católico
Teilhard Chardin. Esse teólogo católico teve a mente tão doutrinada pelas teorias evolucionistas que
chegou a apresentar o próprio Deus, aquele que a Bíblia descreve como imutável, como um Ser em
evolução. Não é preciso dizer que ele teve que fazer um esforço hercúleo e muita eisegese para
conciliar o criacionismo bíblico e o evolucionismo, duas teorias totalmente opostas uma à outra.
Outra mostra desse desespero é a teologia de Jurgen Moltmann, conhecida como Teologia da
Esperança. Essa teologia é de ênfase escatológica, mas a escatologia de Moltmann nada tem a ver
com a noção tradicional que envolve o retorno de Cristo e a entrada dos crentes no estado eterno.
Na perspectiva de Moltmann, nem mesmo Deus é eterno, uma vez que ele decidiu entrar no tempo,
tornando-se um ser meramente temporal. Esse conceito tem suas base na filosofia ateísta de
Nietzche e aparece também na Teologia do Processo. O “Deus Finito” não é o único problema da
teologia de Moltmann: ele também nega que a ressurreição de Cristo seja um fato histórico. Ora, “se
Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé”. A moralidade de Molmann, assim como a de Fletcher, é
relativa e pragmática. Para ele não existe o problema da violência versus não-violência. A questão
central não é a violência em si, e sim se a violência é justificável ou injustificável. Para Cristo,
porém, a violência é desaconselhável em qualquer situação.
Charles Hatshorne é o preconizador da Teologia do Processo. A característica principal dessa
teologia é a afirmação de que Deus é um ser temporal e está sujeito ao tempo, bem como a
mudanças e a evolução moral. É fácil fazer um paralelo entre Moltmann e Chardin: assim como
Moltmann, ele afirma que Deus tornou-se finito e temporal, e como Chardin, ele assevera que Deus
está em constante processo evolutivo. Contudo, apesar da semelhança com as teologias de
Moltmann e Chardin, a principal influência de Hatshorne foi o matemático e filósofo Alfred North
Whitehead. Essa teologia também é conhecida pelo nome de Teísmo Aberto e Teísmo do Livre-
Arbítrio. Deus, segundo essa concepção, não é um Ser Onisciente, mas um ser finito e limitado ao
tempo. Ele fatalmente não pode prever o futuro. A consequência direta dessa teologia é simples: se
Deus não tem o controle dos contingentes futuros, não há nenhuma razão para depositarmos nele
alguma confiança. Esse teísmo anti-bíblico mina toda confiança que o crente deposita na Bíblia, e
deve ser logo descartado.
O teólogo mais controverso do século passado, no entanto, não foi Hatshorne, Bultmann ou Barth,
mas um que se posicionou bem na fronteira entre esses dois pensadores: Paul Tillich. Valendo-se de
pressupostos existencialistas e liberais, Tillich elaborou uma teologia que ficou conhecida pelo
nome Teologia do Ser. Ele propõe reinterpretações da Bíblia, muito das quais beiram o absurdo.
Entre as doutrinas por ele modificadas estão a encarnação, a natureza do pecado e a própria
salvação. Sua própria teologia está baseada em um ser impessoal, reduzido à mera força racional e
criadora. A ressurreição também é reinterpretada por ele, retirando assim a base da esperança cristã
(cf. 1Co 15.13-19). Embora em alguns círculos Paul Tillich seja citado como o “teólogo dos
teólogos”, da perspectiva conservadora ele não passa de um herege.
Reservamos os dois últimos capítulos para abordar dois movimentos que estão em acelerado
crescimento em nosso país, à saber, o pentecostalismo e o neopentecostalismo. Nascido na
Califórnia, o moderno movimento pentecostal teve como principal pregador o pastor William
Seymour, e o principal teólogo e sistematizador das doutrinas pentecostais foi Charles Parham. Não
foi apenas a importância dessas duas teologias no cenário brasileiro que lhe renderam um lugar
especial neste trabalho, mas também a dissociação dessas dois movimentos das demais escolas
contemporâneas de intrepretação teológica. O pentecostalismo, como já vimos, encontra suas raízes
no Movimento de Santidade e tem em John Wesley seu principal antecessor. Trata-se de uma
tentativa de voltar à fé cristã primitiva, de tal forma que o movimento foi chamado em seus
primórdios de Restauração da Fé Apostólica. Muitos excessos foram cometidos nessa tentativa de
retorno ao modo de culto primitivo, mas isso não desqualifica o movimento como um todo. De
modo geral, podemos perceber no pentecostalismo certo frescor. Ele surge como chuva serôdia em
meio ao árido cenário teológico do século vinte e mantém-se na contramão de Bultmann, Barth,
Tillich e dos demais teólogos de influência no século vinte. Hoje, mais de um século depois,
olhamos ao nosso redor e indagamos pelas igrejas liberais e neo-ortodoxas. Como disse o Rev.
Hernandes Dias Lopes em palestra no congresso Vida Nova de Teologia, “as igrejas liberais
nasceram fadadas ao fracasso”. É simplesmente impossível encontrar uma só igreja liberal com
membresia superior a cem membros. As igrejas pentecostais, ao contrário, vivem abarrotadas e há
constante necessidade de se construir novos templos.
O neo-pentecostalismo surge na década de setenta como uma deturpação do movimento pentecostal
e como reflexo de uma cultura capitalista. O próprio neo-pentecostalismo é um materialismo
disfarçado de cristianismo, prostrado ante Mamon em adoração. A tendência dos “poderosos”
sempre foi usar o poder em benefício próprio, e não demorou para que um grupo de pentecostais,
esquecendo do exemplo de Jesus na tentação de Mateus capítulo quatro, estabelecesse uma teologia
para verter as bênçãos espirituais em materiais e essas sobre si mesmos. Kenyon, Cooperland e
Hagin formam a ala mais materialista do movimento, enquanto Benny Him endossa a fileira
espiritualista. No Brasil, os principais expositores desse movimento pragmático-mercantil são RR.
Soares e Edir Macedo. Atualmente há também pregadores pentecostais aderindo à ideias do
movimento neo-pentecostal, como por exemplo o Pr. Silas Malafaia, da Assembléia de Deus, que
inclusive escreve livros sobre prosperidade e promove a Bíblia de estudo do Morris Cerrullo, a
Bíblia da Batalha Espiritual e Vitória Financeira, que já ganhou o apelido de Bíblia do Milhão.
É difícil enumerar uma a uma as diversas conclusões à que chegamos, haja vista que ao final de
cada capítulo são apresentadas várias objeções às respectivas escolas, e repeti-las agora seria uma
tarefa enfadonha e pouco proveitosa. A análise da teologia do século vinte nos ensina pelo menos
três coisas. A primeira é que do ponto de vista conservador, nem sempre há justiça em teologia.
Parece que para ganhar projeção no meio evangélico é preciso romper com os antigos padrões e
fomentar o erro no seio da cristandade.
A segunda conclusão à que chegamos é que mui dificilmente um pensador escapará às ideias do seu
tempo. Os teólogos do século vinte foram grandemente influenciados pelas idéias teológicas e
filosóficas de pensadores anteriores a eles. Quer seja por Immanuel Kant, Sheleiermacher e Soren
Kierkgaard, como no caso de Brunner, Barth, Tillich e outros tantos teólogos neo-ortodoxos, ou por
Nietzche e Overback, como é o caso de Jurgen Moltmann, o certo é que nenhum deles escapou das
influências do seu tempo. Qualquer que leia a obra de Teilhard Chardin logo se dará conta de que o
evolucionismo para ele está acima da teologia e que as ideias de Darwin são mais aludidas por ele
que os portentosos atos de Cristo. Até no pentecostalismo podemos perceber as ideias previamente
concebidas por John Wesley e no neo-pentecostalismo, vemos de cara a influência da filosofia
pragmatista norte-americana e até mesmo ideias da seita Ciência Cristã. Tudo isso torna o trabalho
do teólogo muito árduo, aumentando a necessidade de apologistas cristãos entre nós. A verdade é
que herdamos uma teologia deturpada, fruto do casamento da teologia com a filosofia
existencialista. Isso porém, não significa que toda filosofia seja ruim; há também a boa filosofia e
como disse C.S. Lewis, “se não há razão para existir a filosofia, que ela exista ao menos para refutar
a filosofia ruim”. O problema é quando a filosofia ruim ou irracional arroga para si o status de
verdade universal.
A terceira conclusão é que embora seja muito difícil escapar do nosso invólucro cultural, não
devemos sujeitar a nossa teologia às novas tendências, correntes filosóficas e modismos pós-
modernistas, à fim de agradar as mentes contemporâneas. Essa tentativa foi feita no século passado
por neo-ortodoxos e liberais, e fracassou. No entanto, aquelas igrejas que permaneceram fiéis à
tradição reformada e ao cristianismo histórico, permanecem até hoje. A razão disso é que o homem
não está simplesmente buscando uma doutrina para concordar; ele está em busca de uma fé para
viver. A necessidade do homem ainda é a salvação. É por isso que um evangelho sem cruz, sem
salvação, ressurreição ou imposições morais, ainda que pareça agradável aos ouvidos no início, logo
será abandonado: Ele fatalmente fracassa por não pode satisfazer às exigências da alma humana.
Diante de tudo o que temos exposto, ainda permanece uma pergunta: Até que ponto nós somos
ortodoxos? Muitos teólogos do século passado se perderam nas ideias do seu tempo de tal forma
que as suas abordagens dificilmente podem ser consideradas cristãs. E a nossa teologia? Ela ainda
pode ser considerada cristã? Ora, hoje estamos analisando a teologia do século vinte, mas amanhã
serão analisados os pressupostos teológicos do século vinte e um. O que dirão da nossa teologia?
Ou será que nós não temos pressupostos? Sim, os temos. E na verdade, nós analisamos e julgamos a
teologia contemporânea à luz das nossas pressuposições, isso porque, como bem afirmou o
controverso Rudolf Bultmann, “é impossível exegese sem pressupostos”. Portanto, nesse início de
século, faz-se necessária a avaliação dos nossos paradigmas e não apenas a simples adequação dos
mesmos à interpretação bíblica. Precisamos olhar para os erros do passado e com muita cautela
construir a teologia do futuro. Devemos nos esforçar ao máximo para fazer da Bíblia o nosso
pressuposto básico, se quisermos construir um edifício teológico bem alicerçado para o futuro.
Terminamos assim a nossa introdução à difícil matéria de teologia contemporânea. Não foi possível
apresentar uma obra completa ou fazer uma analise dos pormenores dentro de cada escola.
Entendemos que tal esforço cabe mais a uma enciclopédia que a um ensaio de teologia. A nossa
principal intenção, além de introduzir estudantes de teologia no panorama teológico do século vinte,
é levá-los a refletir sobre as bases sobre a qual a teologia do século passado foi edificada, incitá-los
a pensar de modo crítico e com isso propor uma analise concernente ao fundamento sobre o qual
construiremos a teologia do século vinte e um. Agora, cabe a cada teólogo fazer a sua parte nesse
edifício, e amanhã, com certeza, saberemos o resultado dessa construção. No momento, uma
música do cantor evangélico João Alexandre parece representar bem o quadro do protestantismo
brasileiro. Esperamos que o que hoje é um fato, amanhã seja apenas história.
É proibido Pensar – João Alexandre
Procuro alguém pra resolver meu problema
Pois não consigo me encaixar nesse esquema
São sempre variações do mesmo tema
Meras repetições
A extravagância vem de todos os lados
E faz chover profetas apaixonados
Morrendo em pé, rompendo a fé dos cansados,
Em suas canções
Estar de bem com a vida é muito mais que Renascer
Deus já me deu sua palavra e é por ela que ainda guio o meu viver!
Reconstruindo o que Jesus derrubou
Recosturando o véu que a cruz já rasgou
Ressuscitando a lei, pisando na graça
Negociando com Deus
No Show da Fé milagre é tão natural
Que até pregar com a mesma voz é normal
Nesse evangeliquês Universal
Se apossando dos céus
Estão Distantes do Trono, caçadores de Deus, ao som de um shofar
E mais um ídolo importado dita as regras para nos escravizar…
É proibido pensar.
Bibliografia consultada
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ROMEIRO, Paulo. Super-Crentes: O Evangelho Segundo Kenneth Hagin, Valnice Milhomens e os
Profetas da Prosperidade – São Paulo: Mundo Cristão, 1998. 7ª Edição.
TILLICH, Paul. Teologia Sistemática. Rio Grande do Sul: Editora Sinodal e Edições Paulinas.
[...] Também foram utilizadas várias resenhas dos livros de Barth, Brunner, Bultmann, John
Robinson, Paul Tillich, Teilhard Chardin, Leonardo Boff, entre outros, bem como artigos
compilados da internet.