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Serviço Social e família: reflexões iniciais de um estudo comparado sobre a intervenção dos assistentes sociais com as famílias no âmbito das políticas públicas Eveline Chagas LEMOS Máster en Intervención Psicosocial Doctoranda do Programa: Educación y Sociedad Departamento de Trabajo Social - Facultad de Pedagogía Universidad de Barcelona - Espanha [email protected] Resumo O Serviço Social é uma disciplina inserida no campo das ciências sociais. Desde sua origem intervém com os coletivos mais vulneráveis, buscando o pleno exercício de seus direitos. As famílias sempre foram um enfoque da intervenção dos assistentes sociais e são o foco de diferentes políticas públicas, como destaca a Política Nacional de Assistência Social PNAS (Brasil) e a “Nova Lei Catalana de Servicios Sociales”. Atualmente, no marco do doutorado “Educación y Sociedad” da faculdade de Pedagogia da Universidade de Barcelona; e da linha de investigação “Trabajo Social com Familias” do GRITS – “Grupo de Recerca i Innovació em Treball Social”, se realiza a pesquisa: “Trabajo social con familias: un estudio comparado sobre la intervención en los Centros de Referência de Assistência Social-CRAS de Fortaleza- CE-Brasil y en los Centros de Servicios Sociales-CSS de Barcelona-ES”. O objetivo é conhecer como os assistentes sociais intervêm com as famílias nos referidos centros, e identificar as metodologias, conceitos e teorias utilizadas. A metodologia empregada tem uma abordagem qualitativa e como método de investigação o estudo de casos. Se buscará identificar as semelhanças e diferenças na intervenção dos assistentes sociais e nas políticas públicas dos dois países, gerando conhecimentos sobre a temática desde uma perspectiva internacional. Palavras-chave: Serviço Social, famílias, intervenção, políticas públicas. Abstract The social work is a discipline included in the social sciences. Since its origin is involved with the most vulnerable collective, looking for the full exercise of their rights. Families have always been a focus of the social workers intervention and are also the focus of various public policies, as the National Policy for Social Care PNAS (Brazil) and the "New Catalan’s Law of Social Services”. Currently, is developping the study: Social work with families: a comparative study about the social workers intervention in the Reference Center of the welfare CRAS in Fortaleza-CE-Brazil and the Social Services Centers CSS in Barcelona-ES. This study is inserted in the framework of the PhD "Educación y Sociedad" at the University of Barcelona, and in the line of research "Social Work with Families" from GRITS “Innovation and researching group in Social work”. The goal is to understand how social workers intervene with families, and identify their methodologies, concepts and theories. With a qualitative research method it will try to identify the similarities and differences in the intervention of social workers and public policies of both countries, generating knowledge from an international perspective. Keywords: Social Work, families, intervention, public policies.

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Resumo Abstract Keywords: Social Work, families, intervention, public policies. Palavras-chave: Serviço Social, famílias, intervenção, políticas públicas.

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Serviço Social e família: reflexões iniciais de um estudo comparado sobre a intervenção dos assistentes sociais com as famílias no

âmbito das políticas públicas

Eveline Chagas LEMOS Máster en Intervención Psicosocial

Doctoranda do Programa: Educación y Sociedad Departamento de Trabajo Social - Facultad de Pedagogía

Universidad de Barcelona - Espanha [email protected]

Resumo O Serviço Social é uma disciplina inserida no campo das ciências sociais. Desde sua origem intervém com os coletivos mais vulneráveis, buscando o pleno exercício de seus direitos. As famílias sempre foram um enfoque da intervenção dos assistentes sociais e são o foco de diferentes políticas públicas, como destaca a Política Nacional de Assistência Social – PNAS (Brasil) e a “Nova Lei Catalana de Servicios Sociales”. Atualmente, no marco do doutorado “Educación y Sociedad” da faculdade de Pedagogia da Universidade de Barcelona; e da linha de investigação “Trabajo Social com Familias” do GRITS – “Grupo de Recerca i Innovació em Treball Social”, se realiza a pesquisa: “Trabajo social con familias: un estudio comparado sobre la intervención en los Centros de Referência de Assistência Social-CRAS de Fortaleza-CE-Brasil y en los Centros de Servicios Sociales-CSS de Barcelona-ES”. O objetivo é conhecer como os assistentes sociais intervêm com as famílias nos referidos centros, e identificar as metodologias, conceitos e teorias utilizadas. A metodologia empregada tem uma abordagem qualitativa e como método de investigação o estudo de casos. Se buscará identificar as semelhanças e diferenças na intervenção dos assistentes sociais e nas políticas públicas dos dois países, gerando conhecimentos sobre a temática desde uma perspectiva internacional. Palavras-chave: Serviço Social, famílias, intervenção, políticas públicas. Abstract The social work is a discipline included in the social sciences. Since its origin is involved with the most vulnerable collective, looking for the full exercise of their rights. Families have always been a focus of the social workers intervention and are also the focus of various public policies, as the National Policy for Social Care – PNAS (Brazil) and the "New Catalan’s Law of Social Services”. Currently, is developping the study: “Social work with families: a comparative study about the social workers intervention in the Reference Center of the welfare – CRAS in Fortaleza-CE-Brazil and the Social Services Centers – CSS in Barcelona-ES”. This study is inserted in the framework of the PhD "Educación y Sociedad" at the University of Barcelona, and in the line of research "Social Work with Families" from GRITS – “Innovation and researching group in Social work”. The goal is to understand how social workers intervene with families, and identify their methodologies, concepts and theories. With a qualitative research method it will try to identify the similarities and differences in the intervention of social workers and public policies of both countries, generating knowledge from an international perspective. Keywords: Social Work, families, intervention, public policies.

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1. Introdução

presente artigo tem como objetivo compartilhar as primeiras reflexões de um estudo comparado sobre a intervenção dos assistentes sociais com as famílias no âmbito das políticas públicas. Essa pesquisa está inserida no marco do doutorado

“Educación y Sociedad” da faculdade de Pedagogia da Universidade de Barcelona; da linha de pesquisa “Trabalho Social, Serviços Sociais e Políticas Sociais” do Departamento de Trabalho Social e Serviços Sociais da Universidade de Barcelona, e da linha principal de investigação do GRITS – “Grupo de Recerca i Innovació em Treball Social”. GRITS1 está formado em sua totalidade por professores do Departamento de Trabalho Social e Serviços Sociais da Universidade de Barcelona-Espanha. O referido departamento foi criado recentemente, em julho de 2008, e está inserido na Faculdade de Pedagogia-UB. O principal objeto de investigação do grupo é o trabalho social em sua totalidade e sua criação se deu pela necessidade de realizar pesquisas relacionadas e vinculadas a atuação e intervenção dos assistentes sociais. O ponto de partida é o reconhecimento das grandes mudanças sociais e das complexas situações cotidianas que se deparam os assistentes sociais. Trata-se de um grupo de investigação inserido em um contexto universitário e seus principais objetivos são: contribuir com o conhecimento sobre o serviço social; preparar os futuros profissionais assistentes sociais para os novos retos sociais, garantindo uma melhor qualidade na graduação e pós graduação; colaborar com o fomento e estímulo às pesquisas vinculadas as práticas e intervenções em serviço social. A principal linha de investigação do grupo é o “Trabalho Social com Famílias”. Atualmente se realiza uma investigação sobre como os trabalhadores sociais intervém com as famílias. Esta, abrange todo o território da Catalunha e seus mais diversos âmbitos de intervenção. A pesquisa está na fase de análise dos dados das primeiras 28 entrevistas exploratórias a expertos sobre o tema, ao mesmo tempo em que se constrói o marco teórico de referencia. A investigação “Trabajo social con familias: un estudio comparado sobre la intervención en los Centros de Referência de Assistência Social-CRAS de Fortaleza-CE-Brasil y en los Centros de Servicios Sociales-CSS de Barcelona-ES” está vinculada a investigação principal do GRITS, tendo uma maior delimitação do seu objeto de investigação. A realização de um estudo comparado e avaliativo possibilitará identificar as semelhanças e diferenças das duas realidades locais, das políticas públicas e da intervenção profissional, gerando novos conhecimentos sobre o tema desde uma perspectiva internacional. Espera-se

1 Fui bolsista do grupo GRITS durante o ano de 2009. Nesse momento, sigo como colaboradora e como

estudante do doutorado na linha de investigação do grupo e do Departamento de Trabalho Social - UB.

O

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contribuir com a geração de conhecimentos no âmbito dos serviços sociais, e favorecer o intercambio técnico, acadêmico e investigador entre os dois países. 2. Porque realizar investigação sobre a intervenção dos assistentes sociais no âmbito das políticas públicas e da família? A realização de investigações no âmbito social promove a aplicação de conhecimentos científicos na resolução de problemas de caráter pratico. Seu objeto de estudo compreende os sujeitos em movimento, em constante relação com outras pessoas e com as redes sociais, inseridos em um particular contexto social, político, econômico e cultural. O serviço social se constitui como uma disciplina no marco das ciências sociais. Reconhece a complexidade das interações entre as pessoas e seu entorno analisa situações complexas; facilita transformações pessoais, grupais, comunitárias, organizacionais, sociais e culturais. Sua origem vem da preocupação com os coletivos mais vulneráveis y da busca pelo pleno exercício os direitos dos cidadãos. Ao mesmo tempo, essa disciplina sempre se identificou com a intervenção com as famílias, considerando-a como um dos principais sistemas de socialização. As primeiras publicações nesse âmbito já consideravam a importância da família na atuação dos assistentes sociais, e sempre a partir de uma visão global e integradora. A família vem sofrendo diversas transformações com o passar dos anos. Nesse processo, se pode observar a interferência do estado em sua estrutura e organização e essa ingerência tem diferente intensidade, dependendo do momento histórico. Atualmente a família é o foco de diferentes políticas publicas, principalmente no âmbito dos serviços sociais. Em geral, a intervenção dos assistentes sociais com estas tem como objetivo fortalecer seu empedramento para eliminar os obstáculos que impedem a consecução e cobertura dos direitos sociais. Os enfoques e princípios da Política de Desenvolvimento Humano2 situam o ser humano no centro das intervenções; o desenvolvimento como o pleno exercício da cidadania; o estímulo a participação social e ao empedramento; a igualdade de gênero; o desenvolvimento como um processo de aprendizagem; a superação do conceito de ajuda; a participação local; o apoio as políticas públicas y ao associacionismo; e a melhora da qualidade de vida das pessoas. Os serviços sociais básicos são uma aposta da Política Integral para o Desenvolvimento; as famílias são o objeto de diferentes políticas públicas; e os assistentes sociais são profissionais fundamentais na execução de muitas das ações e programas derivados destas, e na busca do pleno exercício dos direitos humanos.

2 http://www.un.org/spanish/millenniumgoals/pdf/MDG_Report_2008_SPANISH.pdf

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Tanto no Brasil como na Espanha as políticas sociais vêm sofrendo grandes modificações, conseqüência direta das mudanças nos contextos político, econômico, social e cultural. No âmbito das políticas de assistência social, as famílias continuam sendo o foco de diferentes programas e ações (Flaquer, 2000). No Brasil, a Política Nacional de Assistencia Social – PNAS, aprovada em 2004, postula que a proteção social deve garantir a unidade de convivência familiar, por meio de um conjunto de ações, cuidados, atenção e prevenção dos impactos das vicissitudes sociais e naturais. A nova Lei Catalã de Serviços Sociais, de 11 de outubro de 2007, amplia as intervenções e atuação dos assistentes sociais e considera o trabalho com as famílias como o núcleo básico da prática profissional. A Proteção Social Básica (PSB) brasileira tem um caráter preventivo e o objetivo de fortalecer os vínculos familiares e comunitários da população que vive em situação de vulnerabilidade social, como conseqüência da situação de pobreza, violência no núcleo familiar, discriminação ou desvantagem. Os centros de referencia a Assistência Social – CRAS foram criados para executar os serviços de proteção social básica e para organizar e coordenar a rede municipal do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. Atuam a nível territorial e estão compostos por uma equipe interdisciplinar com a participação de no mínimo, um assistente social. Os Centros de Serviços Sociais de Atenção Primária de Barcelona – CSS integram atividades relacionadas à orientação, assessoramento e atenção aos problemas sociais, oferecendo tratamento a pessoas e famílias com dificuldades econômicas, falta de recursos, marginalização, etc. Os CSS também estão compostos por ma equipe interdisciplinar e atuam a nível territorial. Alguns dos serviços oferecidos pelos CSS são: informação, orientação e assessoramento a problemas pessoais e sociais; apoio a pessoas, famílias e grupos; atenção domiciliar; acesso a recursos e serviços sociais especializados; e informações e derivações a serviços e recursos sociais para jovens, idosos, mulheres e pessoas com deficiências (física ou mental). A criação de serviços e programas para as famílias, derivados das políticas públicas, é um avanço e uma mostra de que há maior sensibilização ao fato de que o bem-estar pessoal não está desvinculado do contexto familiar. Tanto nos CRAS como nos CSS a família é o núcleo base da intervenção profissional dos assistentes sociais e é a partir dela que se busca garantir a proteção social e a efetivação dos direitos sociais. O serviço social, como disciplina e prática tem um importante papel na construção do conhecimento e no fomento a elaboração de políticas públicas mais inovadoras, fundamentadas nas reais necessidades da população. Ao mesmo tempo em que a intervenção profissional dos assistentes sociais e as políticas públicas têm que acompanhar as transformações na constituição, função e organização sofridas pelas famílias nos últimos anos.

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3. A família e seu processo histórico A família, como instituição social e histórica responsável pela socialização primaria dos indivíduos, vem sofrendo alterações em sua estrutura, gerando uma multiplicidade de modelos a serem considerados na implantação de políticas sociais. Diversos estudos sociológicos e antropológicos descrevem essas transformações, assim como consideram as diferentes configurações assumidas pelas distintas sociedades e grupos. Young e Willmot (em Bruschini, 2000), tendo como base a família inglesa do período pré-industrial, descrevem a história da família em três fases. Na primeira fase, a unidade familiar se caracterizava com uma unidade de produção, onde todos trabalham juntos no campo. Poster (em Bruschini, 2000) destaca que a comunidade era a unidade básica da vida campesina e tudo era compartido entre todos. Nas relações entre os casais e entre pais e filhos a autoridade e o amor estavam repartidos por uma ampla rede de parentes e outros campesinos. A privacidade, bem como a intimidade e a intensidade emocional eram desconhecidos, ou bem não tinham tanta importância na vida familiar. A segunda fase é assinalada no contexto da revolução industrial e da industrialização (final do século XIX e inicio do século XX) e é marcada por uma ruptura com o modelo anterior. A família passa a ser uma unidade influenciada pela capacidade de venda da sua força de trabalho. Nessa conjuntura, e com condições de vida precárias, era comum que todos os membros das famílias, incluindo as crianças e jovens, trabalhassem nas fábricas, que passaram a ser importantes espaços de socialização. A terceira fase remete ao século XX e caracteriza a família como uma unidade de consumo. Esse é um período marcado pela privatização da vida familiar, pelo fortalecimento da família nuclear e por uma menor segregação dos papéis sexuais. Predomina o modelo burguês que, aliado ao Estado e a medicina, interfere nas famílias definindo o papel das “mães” e gerando um maior destaque das crianças, do núcleo conjugal e do espaço privado do lar. Ariés (1979) descreve sobre o surgimento da família nuclear burguesa e afirma que na aristocracia dos séculos XVI e XVII não havia uma rigorosa separação entre o público e o privado, as famílias não viviam isoladas e não tinham uma função afetiva e de socialização. Era constituída com a finalidade de produzir descendentes, garantir a conservação dos bens e propriedades, repassar a pratica de um determinado ofício, favorecer a ajuda mútua e proteger a honra e a vida em situações de crise. A ascensão da burguesia no século XVIII é acompanhada pela privatização da vida familiar e as funções de socialização e afetividade passam a ser desenvolvidas no âmbito do lar burguês. Esses são elementos que constituem a formação da família moderna e trazem consigo um novo conjunto de atitudes e valores voltados para a infância. A diversidade de conceitos e investigações sobre a família encontram suas especificidades nas disciplinas que exploram a temática. Bruschini (2000) realizou uma descrição de distintos pontos de vista, destacando os diferentes conceitos de família e objetos de estudos nas mais variadas disciplinas.

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De acordo com a autora, na literatura sociológica, a reflexão sobre a temática está influenciada por uma teoria funcionalista (originada na década de 50) e compreende a família como uma agencia de socialização, cujas funções se concentram na formação da personalidade dos indivíduos. A literatura marxista não privilegia o tema família, mas é necessário destacar a contribuição de Engels que tenta suprimir essa falta integrando a reprodução na teoria mais geral da sociedade, onde o homem é definido pela sua relação com o sistema de produção. Assim, a reprodução tem sua importância por garantir a produção dos meios de sobrevivência (alimentação, vestuário, moradia, instrumentos de trabalho, etc.) e por responder às necessidades de outras pessoas, ou a propagação da espécie. Na literatura antropológica a família é considerada um grupo de procriação e de consumo. As investigações nesse âmbito geram a queda de dois mitos: a família conjugal como universal, e o casamento associado a uma função sexual. Sua grande contribuição é afirmar que as relações de parentesco, o casamento e a divisão sexual do trabalho são estruturas universais que existem em todas as sociedades, variando apenas no modo como se combinam. A literatura psicológica destaca as contribuições da teria freudiana compreendendo a família como uma rede complexa de vínculos e emoções que se expressam simultaneamente através do amor e do ódio. A autora acrescenta que:

“outro aspecto fundamental a considerar – além da não-neutralidade, mutabilidade e a diversidade de conceitos – é que o conceito de família se refere, por um lado, a um grupo social concreto e empiricamente delimitado, e por outro, remete também a um modelo cultural e a sua representação. A analise da família tem, por esses motivos, que se mover tanto na dimensão das construções ideológicas como em seu papel na organização da vida social” (Bruschini, 2000, p.63).

4. O Serviço social e a intervenção com famílias

O serviço social tem uma historia intensamente ligada ao trabalho com famílias. Pérez de Ayala (1999) faz um recorrido histórico destacando como se desenvolveu a intervenção dos assistentes sociais nesse âmbito. Afirma que a atuação denominada “trabalho social familiar” surge em 1857, na Conferencia da Caridade (COS), realizada na cidade de Búfalo-EUA. Nesse mesmo período, na Inglaterra, também se realizava intervenção com famílias sendo esta denominada “Bem-estar da família”. Em 1980 essa prática é fortalecida e em 1899 é criada a primeira Escola Profissional de Trabalho Social, pela Family Service Association of America. Em 1908 Mary Richmond publica o primeiro caso de intervenção direto com famílias ampliando o espaço de debates sobre o tema, bem como as temáticas relacionadas ao mesmo. O serviço social considera que a família é o principal sistema de socialização e que não é possível dimensionar a situação de um individuo sem considerar seu contexto familiar. A

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família, por sua vez, não é a soma de todos os seus membros, mas o produto das relações entre seus componentes e destes com as redes sociais das quais formam parte. A intervenção dos assistentes sociais com as famílias busca “empoderar as famílias para remover os obstáculos que impedem a consecução dos seus direitos sociais” (Fernández, 2006, p.19). Esse objetivo está de acordo com a própria definição de Serviço Social aprovada pela Federação Internacional de Trabalhadores Sociais – FITS-IFSW3, em julho de 2000, que propõe que a finalidade do serviço social é incrementar o bem-estar por meio da promoção de mudanças sociais, da resolução das dificuldades nas relações humanas e do fortalecimento e libertação das pessoas. O serviço social é caracterizado pela intervenção com famílias nos mais diversos âmbitos, sejam nos serviços sociais de atenção primaria aos serviços mais especializados. Fernández (2006) explica que essa atuação deve ir de encontro a uma melhora na quantidade e qualidade de informação e energia compartilhada entre o contexto e as famílias; a detecção de alguma disfunção que possa impedir essa dialética; a remoção dos obstáculos que a dificultem; e a facilitação de novos recursos que permitam o bem-estar da família demandante. Ressalta que a intervenção sempre deve apoiar e resgatar os recursos próprios das famílias, assim como de suas redes sociais e comunitárias. O clima de confiança e apoio em torno à intervenção ajuda a gerar o empoderamento necessário para que esta se veja como autora e protagonista na superação de seus próprios problemas. 5. Família e Políticas Sociais A inclusão e o cuidado com as famílias, bem cmo o seu papel no âmbito das políticas sociais é um fato recente (Mioto, 2008). Antes do modo de produção capitalista a proteção social era desenvolvida e assegurada pela família, pela igreja e pelas ações solidarias dos senhores feudais. Com o surgimento do sistema capitalista, a divisão do trabalho, o modo de vida urbano e a divisão dos papéis (homem x mulher) a família passa a ser, por excelência, fonte de proteção de seus membros e sua provisão estava vinculada a sua capacidade de compra e venda (de produtos, serviços, e mão de obra) no mercado de trabalho. Desenvolve-se um ideal de família com papéis claramente definidos, ao mesmo tempo em que todos os problemas e conflitos gerados nas relações de produção são transferidos para o interior das relações familiares. A complexidade das questões sociais abriga o Estado a se constituir como o principal ator na regulação das relações entre a economia e as demandas sociais. Na sociedade européia do pós-guerra nasce o Estado de Bem Estar Social, onde a proteção social se converte em direito da cidadania e passa a ser executada por sistemas específicos no interior dos Estados.

3 http://www.ifsw.org/p38000411.html

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O Estado passa a ser o principal agente de promoção da proteção social e força ativa na regulação e ordenamento das relações sociais. O desenvolvimento da função legal do Estado na garantia do bem estar coletivo se deu de modo distinto nos diversos países enquanto que a família, como instituição, sempre teve um significativo papel na organização e incremento dos diferentes sistemas de proteção social. Flaquer (2000:2) define o conceito de políticas familiares como sendo “as intervenções da administração pública para facilitar recursos às pessoas com responsabilidades familiares a fim de que possam desempenhas as mesmas em melhores condições”. Discorre sobre o fato de que a família, ao longo da história, foi associada à idéia do privado e que pode parecer uma contradição falar em políticas familiares, já que isso significaria romper com o conceito de que o espaço privado é imune a influência dos assuntos públicos. Acrescenta que o designo de uma política familiar está baseado em considerar de interesse comum a todos os problemas que afetam grande maioria das unidades familiares, tentando dar uma resposta coletiva mediante a elaboração e aplicação de políticas públicas. Na Espanha, segundo o autor, as medidas públicas destinadas à família acompanharam as mudanças ocorridas na Europa Ocidental, e foram criadas recentemente. Estão relacionadas com a evolução do mundo, da economia, do trabalho, e da incorporação da mulher no mercado laboral. Afirma que as primeiras medidas aprovadas correspondem à fase embrionária dos Estados de Bem-estar e ao final da segunda guerra mundial. No Brasil, a proteção social e as medidas públicas destinadas às famílias começaram a ganhar novos horizontes no período pós-ditatorial (1980), com a rearticulação da sociedade civil brasileira, a eclosão de novos movimentos sociais, a estruturação sindical e a reorganização dos partidos políticos. Inicia-se a busca pelo resgate do bem-estar social, da concepção de cidadania, da restauração da democracia, e da luta pela ampliação e universalização dos direitos sociais descritos na Constituição de 1988. Somente em 1990 o país assume um projeto de desenvolvimento econômico, sob a orientação da ideologia neo-liberal, que fomenta a participação do setor não governamental na proteção social, e passa a sofrer influencia direta das orientações e dos organismos internacionais na condução das políticas sociais. A lei Catalã de Serviços Sociais dispõe que os serviços sociais são um dos sistemas de bem-estar social, se constituindo como o conjunto de intervenções que tem como objetivo garantir as necessidades básicas dos cidadãos, colocando atenção na manutenção da sua autonomia pessoal e promovendo o desenvolvimento das capacidades pessoais, pautadas no respeito à dignidade. Além do que, têm a finalidade de assegurar o direito das pessoas a viverem dignamente durante todas as etapas da vida, através da cobertura das necessidades pessoais básicas e das necessidades sociais. As necessidades pessoais básicas são consideradas como próprias à subsistência e a qualidade de vida de cada pessoa. Já as necessidades sociais repercutem na autonomia

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pessoal, no suporte a dependência, na boa qualidade de vida pessoal, familiar, grupal, e de relações interpessoais, sociais e comunitárias. Através da intervenção profissional, dos programas transversais, dos projetos comunitários e da prestação de serviços, os serviços sociais catalão operam com o intuito de prevenir situações de risco, compensar déficits de suporte social e econômico, dar suporte às situações de vulnerabilidade e dependência, e promover a atitude e capacidade das pessoas para serem protagonistas de suas vidas. Nesse contexto, destacam-se os objetivos: facilitar que as pessoas tenham assegurada sua autonomia pessoal e funcional na unidade familiar ou de convivência que desejem; e promover a tolerância, o respeito e a responsabilidade nas relações pessoais, familiares, de convivência e sociais. No Brasil, a Política Nacional de Assistência Social – PNAS, aprovada através da resolução no.145 de 15 de outubro de 2004, busca incorporar as demandas apresentadas pela sociedade brasileira na agenda política, com o objetivo de aclarar suas diretrizes na garantia da assistência social como direito da cidadania e responsabilidade do Estado. A formulação da PNAS teve como prioridade três vertentes da proteção social: as pessoas, seus contextos e sua família. Os princípios dessa política são: a supremacia da cobertura das necessidades sociais; a universalização dos direitos sociais; o respeito a dignidade, autonomia, aos benefícios e a prestação de serviços de qualidade aos cidadãos; e a divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais. As diretrizes da PNAS são a descentralização político administrativa, a participação da população e a primazia do Estado na condução da política de assistência social, e a centralidade na família. Seus objetivos são: promover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e especial às famílias, indivíduos e grupos que necessitem; contribuir com a inclusão e equidade dos usuários e grupos; assegurar que as ações no âmbito a assistência tenha centralidade na família e garanta a convivência familiar e comunitária. A historia da família; as transformações pelas quais vem passando nos últimos tempos; seus novos modelos, formas, composição e funções; seu papel nas políticas públicas e na socialização dos indivíduos; são pontos que instigam a busca por novos conhecimentos relacionados a intervenção dos assistentes sociais, profissionais que, em seu cotidiano e pelas especificidades da disciplina, estão imersos nesse dinâmico e sistêmico contexto. 6. Conclusões: das reflexões a uma proposta de investigação As rápidas transformações sociais, os novos contextos e as perspectivas sociais estão exigindo dos investigadores estratégias mais indutivas e uma nova sensibilidade investigadora para o estudo empírico dos problemas (Flick, 2004).

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A pesquisa que está sendo realizada propõe um estudo comparado e as principais perguntas de investigação são: como os assistentes sociais dos CRAS e CSS intervêm com as famílias? Quais são as metodologias, conceitos, teorias e instrumentos utilizados nessa intervenção? Qual o impacto dessa intervenção no fortalecimento da unidade de convivência familiar e na autonomia de seus membros? Como método de investigação qualitativa, será realizado um estudo de caso, por possibilitar um exame intensivo e em profundidade dos diversos aspectos desse fenômeno. Como instrumento de recolhida de dados se utilizará a entrevista em profundidade, a observação participante e grupos de discussão. O trabalho de campo será realizado nas duas cidades: Fortaleza-Brasil e Barcelona-Espanha. Os resultados da investigação serão compartilhados com todos os colaboradores e pessoas interessadas (profissionais, instituições, Universidades, prefeituras, grupos de pesquisa, estudantes, etc.) com o objetivo de difundir informação, gerar conhecimentos, dialogar sobre a temática e ampliar as possibilidades de investigações sobre o tema. A publicação dessa comunicação é um primeiro passo na abertura desse diálogo e construção. Referências ADELANTADO, J. (coord.) (2000) Cambios en el Estado de Bienestar: Políticas sociales y desigualdades en España. Icaria Editorial. Universidad Autonóma de Barcelona. ANGUERA, Ma. T. (1987) Investigación Cualitativa, en C.N.R.E.E. Investigación cualitativa. Madrid. MEC. ARIÈS, P. (1979) História social da criança e da família. Zahar. Rio de Janeiro. ARIÈS P.; Duby, G. (1991) História da vida privada: da renascença ao século as luzes. Companhia das Letras. São Paulo. BECK-GERNSHEIM, E. (2003) La reinvención de la familia: en busca de nuevas formas de convivencia. Barcelona. Paidós. BLANCHET, A. (et All) (1989) Técnicas de investigación en ciencias sociales: datos, observación, entrevista, cuestionario. Madrid: Narcea. Brasil (2005) Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Sistema Único de Assistência Social – SUAS. Norma Operacional Básica – NOB/SUAS. Consultada em 12.03.2010, en: http://www.mds.gov.br/cnas/politica-e-nobs/nob-suas.pdf/view BREZMES Nieto, M. (2001) La Intervención en Trabajo Social. Salamanca. Hespérides. BRUSCHINI, C. (2000) Teoria Critica da Família. In: Azevedo, M.A.; Guerra, V.N.A. (org.) Infância e violência doméstica: fronteiras do conhecimento.3ª.Ed. Cortez. São Paulo.

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