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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOLENIDADE DE POSSE DOS MINISTROS JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, NA PRESIDÊNCIA E DECIO MEIRELLES DE MIRANDA, NA VICE-PRESIDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (Sessão de 25-2-1985) BRASILIA 1985

SUPREMO TRIBUNAL FEDERALIntegrante da Sociedade Brasileira de Romanistas. Ex-membro do Conselho Jurídico da Associação Comercial de São Paulo. Advogado do Banco do Brasil, de 1963

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

S O L E N I D A D E D E P O S S E D O S M I N I S T R O S

J O S É C A R L O S M O R E I R A A L V E S ,

N A P R E S I D Ê N C I A

E

D E C I O M E I R E L L E S D E M I R A N D A , N A V I C E - P R E S I D Ê N C I A

D O S U P R E M O T R I B U N A L F E D E R A L

(Sessão de 25-2-1985)

BRASILIA 1985

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

J L ^ - C J U - - ^

S O L E N I D A D E D E P O S S E D O S M I N I S T R O S

J O S É C A R L O S M O R E I R A A L V E S ,

N A P R E S I D Ê N C I A

E

D E C I O M E I R E L L E S D E M I R A N D A , N A V I C E - P R E S I D Ê N C I A

D O S U P R E M O T R I B U N A L F E D E R A L

(Sessão de 25-2-1985)

BRASÍLIA 1985

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Palavras do Senhor Ministro Cordeiro Guerra, Presidente

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Declaro aberta a sessão solene destinada a dar posse aos Exmos. Srs. Ministros José Carlos Moreira Alves e Decio Meirelles de Miranda, res­pectivamente na Presidência e Vice-Presidência do Supremo Tribunal Fe­deral.

Faço-o com justificado orgulho, pois, nesta Casa, a sucessão se rea­liza sem lutas ou competições, porque a tradição consagra a escolha pelo merecimento valorizado pelo tempo.

É um momento de intensa emoção, porque se reafirma a confiança no futuro da Pátria e o princípio da autonomia do Poder Judiciário, so­mente submisso à Constituição e às leis.

Felizes os povos que podem aspirar, pelo seu próprio valor, ao de­senvolvimento com liberdade, sob a proteção do Poder Judiciário.

No término de meu mandato, com a serenidade de quem se esforçou por cumprir o seu dever, agradeço a honra que me foi deferida pelos meus eminentes pares e o constante amparo e bom conselho que me de­ram.

Agradeço, por igual, a compreensão recebida dos demais poderes da União, para atendimento das justas reivindicações da Magistratura Na­cional.

Deixo tranqüilo os pesados encargos que me couberam, porque es­tou certo, passo a direção desta egrégia Corte a mãos seguras e hábeis.

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Saudação do Senhor Ministro Sydney Sanches

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Exmo. Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal. Exmos. Srs. Ministros. Exmo. Sr. Procurador-Geral da República. Exmas. autorida­des convidadas, presentes ou representadas, senhoras e senhores.

O Exmo. Sr. Ministro Cordeiro Guerra honrou-me sobremaneira com a designação para falar em nome do Supremo Tribunal Federal nes­ta sessão solene de posse dos Exmos. Srs. Ministros Moreira Alves e De­do Miranda respectivamente na Presidência e Vice-Presidência da Corte, para o próximo biênio.

Suponho que minha condição de co-estaduano haja influído decisi­vamente na escolha já que igualmente nascido no Estado de São Paulo o novo Presidente.

É, aliás, o quarto paulista a chegar a essa Presidência.

Nela o precederam os Ministros Olegário Herculano de Aquino e Castro, Joaquim de Toledo Piza e Almeida, e Laudo Ferreira de Camar­go.

Mas antes das palavras de saudação aos Magistrados que se empos­sam, penso que, em nome do Tribunal, deva aludir também ao douto Presidente que deixa suas funções, o Exmo. Sr. Ministro Cordeiro Guer­ra.

Sua Excelência, no discurso de posse na Presidência, enfatizou «a necessidade da harmonia e cooperação entre os poderes da República, para que o bem comum seja preservado — e os cidadãos se sintam ga­rantidos. Não há divergências possíveis e muito menos insuperáveis entre os Poderes da União, pois todos visam ao mesmo objetivo — preserva­ção dos direitos fundamentais do homem, a propriedade, a liberdade e a segurança dos cidadãos».

E, no curso de sua administração, conseguiu manter essa harmonia e o espírito de cooperação, sem abdicar da autoridade.

Anunciou, desde logo, preocupação com as angústias da Magistratu­ra federal e lutou pelo atendimento de suas reivindicações, logrando pie-

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no êxito junto ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Gene­ral João Baptista de Oliveira Figueiredo, que se mostrou sensível aos re­clamos.

De seu notável empenho dou meu testemunho pessoal, como então Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, envolvido igual­mente na campanha.

E lembro que os resultados acabaram, depois, se estendendo, por lei, em grande parte, à Magistratura dos Estados, sendo de se esperar que todos façam o mesmo.

Sua Excelência lutou igualmente pela criação de uma Escola Supe­rior da Magistratura Nacional, com sadios propósitos de preparação de Juizes para o nobre mister. E já obteve resultado satisfatório.

Não descurou da situação de funcionários dos Tribunais Federais e deles recebeu consagradora homenagem ao fim do ano passado.

Contou sempre, para isso, com a compreensão dos demais Poderes. Constituiu ilustrada comissão para elaborar estudo de reforma do

Regimento Interno da Corte, a fim de que esta possa continuar cumprin­do a contento sua verdadeira missão.

Interessou-se pela aprovação de novas Súmulas de Jurisprudência, que, por certo, concorrerão para a uniformidade de tratamento, no país, de seu ordenamento jurídico.

Manteve cordial relacionamento com todas as autoridades da Repú­blica e bem alto o nome do Supremo Tribunal Federal.

E há poucos dias, quando de visita informal do Exmo. Sr. Presiden­te eleito da República, Dr. Tancredo Neves, já deixou claro o desejo e o empenho da Corte de ser ouvida sobre eventuais reformas constitucionais atinentes ao Poder Judiciário, a fim de que possa prestar sua impres­cindível colaboração, com oferecimento de sugestões ditadas pela expe­riência de seus integrantes.

Por tudo isso e pelo mais que realizou no exercício de suas funções, seus colegas, Senhor Ministro Cordeiro Guerra, o cumprimentam caloro­samente e manifestam seu profundo agradecimento.

José Carlos Moreira Alves nasceu em Taubaté, Estado de São Pau­lo, a 19 de abril de 1933, filho de Luiz de Oliveira Alves e Maria Ismênia Moreira Alves.

No Instituto Lafayette, do Rio de Janeiro, concluiu o curso primá­rio, o ginasial, o científico. Na Faculdade Nacional de Direito da Univer­sidade do Brasil o curso superior e o de doutorado.

Sempre e sempre como primeiro aluno da turma. Com 28 anos de idade, livre docente de Direito Civil e Romano na­

quela mesma Faculdade. E de Direito Romano na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

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Com 35 anos, Professor Catedrático de Direito Civil das legendárias «Arcadas» do Largo de São Francisco, na Capital Paulista.

Com 39, Procurador-Geral da República. Com 42, Ministro do Su­premo Tribunal Federal. Com 48, Presidente do Tribunal Superior Elei­toral. E, com 51, Presidente do Supremo Tribunal Federal.

A simples referência a esses dados pessoais bastaria para a conclusão de que estamos diante de um jurista notável, de um homem incomum, de valor extraordinário.

Mas não podemos nos olvidar de que todas essas vitórias foram en­tremeadas de inúmeras outras atividades no magistério, na advocacia, em missões oficiais de governo e nas letras jurídicas.

Todas vividas com intensidade e extrema dedicação. Basta lembrar, nesse sentido, que lecionou de 1957 a 1968 Direito

Civil e Direito Romano, na Faculdade de Direito da Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro, inclusive no Curso de Doutorado.

De 1960 a 1968, Direito Romano, na Faculdade de Direito Cândido Mendes.

Direito Civil e Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (de 1962 a 1968). Di­reito Romano em 1962.

Instituições de Direito Público e Privado, na Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas, também no Rio, de 1964 a 1968.

Desde 1969, Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, em São Paulo.

E ultimamente, cedido pela Universidade de São Paulo, na Universi­dade de Brasília, cursos de mestrado e de bacharelado.

Paralelamente aos inúmeros e profundos artigos de doutrina sobre temas de vários ramos do Direito Público e Privado, escreveu livros clás­sicos e vitoriosas teses de concurso, dentre os quais: «Direito Romano» (2 volumes), «A retrovenda», «Da alienação fiduciária em garantia», «Tertiis nundinis partis secanto», «Os efeitos da boa fé no casamento nulo», «A forma humana no Direito Romano», «Unus Casus», «Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português», estes em colaboração com Mar­cello Caetano, Clóvis do Couto e Silva e Almeida Costa.

Elaborou Anteprojetos da Parte Geral do Código Civil Brasileiro e de Lei de Direitos Autorais, ambos entregues ao Senhor Ministro da Jus­tiça da época.

Advogou no Rio de Janeiro, desde 1969 até 1975. Membro do Insti­tuto dos Advogados Brasileiros, Seção do Estado de São Paulo, e ex-membro do Instituto dos Advogados Brasileiros, Seção do Estado do Rio de Janeiro.

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Integrante da Sociedade Brasileira de Romanistas. Ex-membro do Conselho Jurídico da Associação Comercial de São

Paulo. Advogado do Banco do Brasil, de 1963 a 1975. Coordenador da Comissão de Estudos Legislativos do Ministério da

Justiça. Participante da Comissão encarregada de elaborar o Anteprojeto de

Código Civil Brasileiro, Presidente da Comissão Revisora do Anteprojeto do Código de Processo Penal, da Comissão Revisora do Anteprojeto do Código das Contravenções Penais.

Chefe do Gabinete do Ministro da Justiça Alfredo Buzaid, entre 1970 a 1971.

Representante do Governo em inúmeras missões internacionais e conferências diplomáticas. Todas da mais alta expressão.

Recebeu inúmeras distinções e condecorações, dentre as quais Gran­de Oficial da Ordem de Rio Branco, Grã-Cruz da Ordem do Mérito de Brasília, Grã-Cruz da Ordem do Mérito Judiciário Militar, Grande Ofi­cial da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho, Grande Oficial da Or­dem do Mérito Aeronáutico, Grande Oficial da Ordem do Mérito Mili­tar, Medalha do Mérito da Magistratura conferida pela Associação dos Magistrados Brasileiros, Grande Oficial da Ordem do Infante Dom Hen­rique, conferida pelo Presidente da República Portuguesa, Grande Ofi­cial da Ordem do Mérito Naval e Grã-Cruz da Ordem do Mérito da Re­pública Federal da Alemanha, por decreto do Presidente Karl Carstens.

Foi também Vice-Presidente do Tribunal Superior Eleitoral e do Su­premo Tribunal Federal.

E, durante todo esse tempo, manteve seus serviços em dia e sempre encontrou intervalos para incontáveis e apreciadíssimas conferências em todos os centros, cantos e recantos do País.

Além do nosso, domina vários idiomas (ao que se sabe, francês, in­glês, espanhol, italiano, alemão, grego e latim) e lê no original as obras que invoca em seus trabalhos e votos.

É notoriamente jovem, mas amadurecido no estudo, no trabalho, nas importantíssimas funções que já exerceu e vem exercendo.

Não lhe falta sequer, para o amadurecimento exigido, a dureza pun­gente de um grande revés, de uma enorme injustiça sofrida na brilhante carreira de Professor, que, todavia, dela não o desestimulou.

O imenso valor intelectual já havia sido notado por seu antigo Pro­fessor Hermes Lima, depois Ministro desta Corte, que, num voto em Plenário, há mais de 20 anos, a 7/12/1964, chegou a dizer a seu respeito:

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«... o recorrido foi meu aluno. E distintíssimo. Nunca tive nem mais inteligente, nem mais estudioso do que ele. Eu o considero uma das promessas positivas para o magistério su­perior do Brasil.

Tem qualidades excepcionais: agilidade, inteligência, capacida­de e vocação» (voto no RMS n? 14.057, RTJ 32/203-4).

Como salientou o Exmo. Sr. Procurador-Geral da República, Pro­fessor Inocencio Mártires Coelho, quando da posse do Ministro Moreira Alves, na Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, «tudo em sua vida é mérito, tudo em sua vida é vitória».

Na ocasião, lembrou Sua Excelência certo episódio ocorrido na Uni­versidade de Brasília:

«Um grupo de estudantes da UNB comentava, após o si­nal de chamada para a sala de aula, que convinha correr por­que nas aulas do Ministro Moreira Alves sempre faltavam carteiras.»

É a consagração do Mestre. Na mesma oportunidade, falando, como Advogado, o eminente Pro­

fessor (e depois Ministro desta Casa) Alfredo Buzaid, deixou assinalado:

«Raros são os que no Brasil, como alhures, logram alcan­çar uma vocação luminosa em curto espaço de tempo. Exem­plo vivo e edificante dessa categoria de seres privilegiados é o eminente Ministro Moreira Alves, a quem a providência con­fiou o destino singular de projetar-se, em muito poucos anos, em três setores da inteligência e do saber: no magistério, na função executiva e no Poder Judiciário. E, em todos eles, realçou virtudes peregrinas.»

Na solenidade de posse do Ministro Moreira Alves, como Vice-Presidente desta Egrégia Corte, o então Presidente também empossado na ocasião, Ministro Cordeiro Guerra, disse a respeito de sua Excelência: «um dos mais ilustres cultores do Direito que o Brasil já teve».

E o Exmo. Sr. Procurador-Geral da República, na mesma ocasião: «A biografia de sua Excelência — já o dissemos mais de

uma vez, e aqui se impõe repetir — é a própria trajetória do mérito, eis que tudo em sua vida, de uma forma ou de outra, tem o timbre da disputa e da conquista, do embate e da vitó­ria, a que ainda se aliam, para lhes conferir maior realce, ju­ventude, erudição e talento.

Os concursos memoráveis, que lhe ensejaram legítimo acesso às cátedras mais difíceis; as inúmeras obras que já pu­blicou com sucesso, sobre temas da mais alta complexidade; os profundos e alentados pareceres, que produziu como Procurador-Geral da República; os brilhantes votos que tem

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proferido no Plenário e nas Turmas deste Excelso Tribunal, muitos dos quais ordenados no aceso dos debates, que não ra­ro deliberadamente estimula ou provoca, tudo enfim, nesse ju­rista de escol, pode servir de exemplo aos que pretendam tri­lhar a senda do direito sem atalhos, nem expedientes menores.»

A isso tudo se pode acrescentar, ainda, a inteligência fulgurante, a prodigiosa rapidez de raciocínio, o notável poder dialético e de persua­são, uma coerência permanente, uma memória pouco encontradiça nos homens de tanto talento. E mais que tudo: uma incrível capacidade de lutar por suas idéias e convicções. A isso se somam um indiscutível espírito publico e um profundo amor ao mister de julgar.

O Ministro Moreira Alves, em certa oportunidade, deixou revelado seu modelo de juiz, dizendo que, além das qualidades exigidas por Mura-tori, apoiado nas santas escrituras (o saber, para bem aplicar as leis; o amar a verdade, para poder distingui-la do erro; o temer a Deus, para não deixar-se levar pelo ódio, medo, cupidez ou qualquer outra inclina­ção; o desprezar as posições e regalias, para ser imparcial) outra se impu­nha: o exercer a magistratura como sacerdócio, com o amor de quem ne­la, e só por ela, realiza o ideal de suas aspirações.

Pois bem, com todas essas virtudes e com todas essas convicções, chega à Presidência do Supremo Tribunal Federal, escolhido por seus Pa­res, o Ministro Moreira Alves.

Assume a condição de Chefe de um dos Poderes da República.

A importância política do cargo é imensa.

Sobretudo, quando se anunciam reformas constitucionais, inclusive de interesse do Poder Judiciário e, por conseguinte, de todo o Povo que dele se socorre.

A respeito dessa chefia, disse o eminente e saudoso Ministro Rodri­gues Alckmin:

«O encargo pode aparentar-se despido de dificuldade de maior tomo. É que nos Poderes do Estado, cujas atividades se exercem colegialmente pela deliberação majoritária, parece que a atividade de direção se restringe a meros problemas de ordem interna. A função própria do Poder, o exercício da ju­risdição, como ato coletivo, não comporta deliberação unipes-soal superior, que caracterizasse comando ou chefia. Faltaria à usual expressão, assim, sob este aspecto, rigor terminológi-co.

Tem ela, entretanto, outro conteúdo. Traduz o respeito devido a quem encarna, em mais alto grau, a autoridade e a dignidade do Poder Judiciário do Brasil.

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É o Supremo Tribunal Federal o órgão máximo da juris­dição no País. Sobreposto aos mais colégios judicantes, cabe-lhe, por derradeiro, velar pela intangibilidade da Constituição, pela integridade do direito federal e pelo respeito às liberdades individuais.

Decorre dai que, em consenso unânime, ao seu Presidente se atribui a máxima representação desse Poder Nacional.

Já não lhe tocam, somente, os ônus de direção e governo internos, e o exercício específico de atividades judiciárias e ad­ministrativas previstas nas leis ou no Regimento.

É de fato, primordialmente, a mais elevada expressão da Justiça no País.»

Com a autoridade moral e intelectual que ostenta, com a representa-tividade que o sistema constitucional lhe confere e com o apoio de seus co­legas da Corte Suprema, Eminente Ministro Moreira Alves, é que Vossa Excelência estará em contacto com os demais Chefes de Poderes da Re­publica, para o trato das questões de interesse do Poder Judiciário de um modo geral e da Magistratura, em particular.

Discorrendo sobre possíveis reformas constitucionais, a envolver o Poder Judiciário, disse recentemente um dos mais brilhantes Magistrados deste País, o Desembargador Dínio de Santis Garcia, do Eg. Tribunal de Justiça de São Paulo, em solenidade de abertura do ano judiciário:

«Há, ainda, um aspecto do processo legislativo que não pode ser descurado: a necessidade de que dele participe, ao menos em determinados temas, o Poder Judiciário.

A idéia, estou certo, não agradará aos puristas da tripar-tição dos poderes, e menos ainda aos que acreditam que o Di­reito é a teoria pura encerrada nos livros («law in the books»), sem qualquer compromisso com a realidade.

Mas na verdade é injustificável que se legisle sobre maté­rias pertinentes à administração da Justiça civil e penal, sem que se aproveite a experiência que os magistrados acumulam durante ampla existência dedicada à condução e solução de processos.»

Essa participação, é de se acrescentar, aqui e agora, deve ser enten­dida, é claro, em termos de colaboração, de encaminhamento de suges­tões, para as possíveis reformas, aos Poderes competentes.

E há de ser interpretada como empenho de um Poder que não quer pa­recer omisso ou indiferente diante dos males que o afligem. Nem des­preocupado com o estado de direito do País.

Como ponderou recente editorial do jornal «O Estado de São Paulo» (06-02-1985), sob o tema «Problemas do Judiciário», «é necessário que os tribunais encontrem a maneira de tornar pública suas inquietações e

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de apresentar sugestões destinadas à discussão pelo conjunto da socieda­de e não apenas por círculos restritos de iniciados».

Nessa conjuntura, o talento, a experiência e o alto espírito público de Vossa Excelência, Ministro Moreira Alves, testados ao longo de uma vida de Professor, de Advogado, de Chefe do Ministério Público Fede­ral, de importante agente e missionário do Poder Executivo e de Magis­trado, aliados a sua juventude e combatividade, serão mais uma vez, es­tamos certos, postos a serviço da Pátria.

Toma posse na Vice-Presidência do Supremo Tribunal Federal o Ex­celentíssimo Senhor Ministro Decio Miranda, varão ilustre, jurista con­sumado, juiz de manifesta vocação para o cargo, homem comedido, sim­ples, puro, bom, suave nos gestos e ameno no trato, fidalgo, de fina sen­sibilidade e de imenso prestígio nos meios pelos quais passou e aos quais prestou enorme serviço: a advocacia militante; o Ministério Público Fe­deral em seu cargo mais alto; e a Magistratura no Tribunal Federal de Recursos, no Tribunal Superior Eleitoral e no Supremo Tribunal Federal.

Homem tão preocupado com suas tarefas que, recentemente, acome­tido por enfermidade, sentiu-se imensamente constrangido, como que culpado, na suposição de que o fato pudesse sobrecarregar ainda mais seus colegas. Colegas, aliás, que estão muito felizes com seu restabeleci­mento, Ministro Decio Miranda.

Moreira Alves e Decio Miranda, homens que, na vida particular, tão bem se conduziram sempre, ao lado de suas digníssimas Esposas, Exmas. Sras. Dra. Evany de Albuquerque Maul Alves e Da. Maria Alice Moura Costa de Miranda, cujo apoio nunca lhes faltou.

Pois bem, homens de tão grande valor moral e intelectual, juristas e Juizes de tão grande prestígio nos meios judiciários do País, assumem a Presidência e a Vice-Presidência da Corte Suprema do País, em momento de reencontro com a plenitude do direito e com as aspirações democráti­cas.

Seus colegas estão absolutamente confiantes no bom desempenho de mais essa missão, desejam a ambos pleno êxito e pedem a Deus que os inspire, ampare e ilumine.

É o que tinha a dizer em nome do Tribunal. Muito obrigado a todos pela atenção.

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Palavras do Professor Inocencio Mártires Coelho, Procurador-Geral da Republica

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Senhor Presidente, Senhores Ministros do Supremo Tribunal Fede­ral, dignas autoridades aqui presentes, Senhoras e Senhores.

Há precisamente dois anos, em sessão solene como está, quando as­sumiu a Presidência da Corte o eminente Ministro Cordeiro Guerra, e a Vice-Presidência o ilustre Ministro Moreira Alves, tivemos ensejo de afir­mar que dois eventos se destacam no calendário das solenidades deste Tribunal Excelso — a posse de seus novos Ministros e a investidura da­queles que lhe dirigirão os destinos.

Com a assunção dos novos Ministros, garante-se a continuidade or­gânica do Tribunal; com a troca inexorável de seus dirigentes, promove-se a salutar rotatividade no comando da instituição, graças ao que a che­fia do Poder Judiciário nacional — simbolizada na presidência da Corte —, é permanentemente renovada, seguindo a praxe, longa e bem aceita, de se elegerem os mais antigos sem disputas, surpresas ou sobressaltos, tudo a serviço da majestade do Tribunal e da tranqüilidade de seus juris-dicionados.

Graças a esse critério sapientíssimo, por outro lado, a cada biênio a direção do Supremo Tribunal Federal é exercida sob estilos diversos — expressão da personalidade dos magistrados chamados à presidência — sem, no entanto, qualquer ruptura com aqueles padrões, quase centená­rios, de austeridade, equilíbrio e bom senso, que fizeram desta Corte um Tribunal venerado e a mais importante instituição republicana.

É sob essa perspectiva, em nome do Ministério Público Federal, que desejamos registrar o nosso mais profundo respeito e o nosso maior reco­nhecimento pelo trabalho do eminente Ministro Cordeiro Guerra nos dois anos em que dirigiu o Supremo Tribunal Federal, anos marcados por in­cessante luta pela dignificação da magistratura nacional e pela defesa in­transigente de suas prerrogativas constitucionais.

Tendo cumprido todos os compromissos que expressa ou implicita­mente assumiu com os juizes brasileiros, dos quais recebeu unânime reco­nhecimento, ingressa o eminente Ministro Cordeiro Guerra na galeria dos ex-Presidentes do Supremo Tribunal Federal com a mesma grandeza com

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que lá se entronizaram seus ilustres antecessores, porque exerceu a presi­dência da Corte tal como, em seu discurso de posse, preconizou deva ela ser exercida:

«O presidente do Tribunal o representa, não dirige. Tra­duz um pensamento, não o cria, nem o impõe. Composto de varões ilustres, provados em longa vida pública, não têm aspi­rações próprias. Inspiram-no o bem comum e o ideal da lega­lidade e justiça».

Se o balanço dessa fecunda gestão nos enche de alegria, é plena de esperança a perspectiva que se abre à nossa frente com a investidura dos eminentes Ministros Moreira Alves e Decio Miranda, respectivamente, na Presidência e na Vice-Presidência do Tribunal.

Homens que viveram a dura experiência de chefiar o Ministério Pú­blico Federal têm suas Excelências todas as credenciais para o desempe­nho de trabalho fecundo, imprimindo à chefia do Judiciário nacional a marca de seu talento e de seu caráter, e dando aos seus jurisdicionados a certeza de que este Tribunal Excelso continuará a desempenhar, com in­dependência e grandeza, o inexcedível papel — que lhe atribuíram os fundadores da República —, de guardião dos nossos direitos e protetor das nossas liberdades.

Que Deus os inspire e proteja, eminentes Ministros Moreira Alves e Decio Miranda.

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Discurso do Senhor Ministro Moreira Alves, Presidente

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Senhores Ministros, Senhor Procurador-Geral da República, Digníssimas Autoridades, Minhas Senhoras e Meu Senhores:

Ascendo à Presidência desta Corte em momento delicado como soem ser os çm que o País ingressa em nova fase política, referto de difi­culdades de natureza vária, e não menos de aspirações e de expectativas.

Dos Poderes do Estado, o Judiciário, no Brasil, apresenta peculiari­dade que o singulariza. É federal ou estadual para efeito de integração político-administrativa na União ou nos Estados-membros; é, porém, uno e nacional, no que concerne à sua atribuição específica, que é o exercício da prestação jurisdicional.

Já o percebera, nos primórdios de nosso federalismo, a inteligência lúcida de João Mendes de Almeida Junior, que tanto dignificou uma de nossas cátedras:

«Os Estados particulares têm um poder legislativo e um Poder Executivo, para regerem-se em seus interesses «pró­prios», que dependem de sua ação direta e imediata; quanto ao Poder Judiciário, esse é eminentemente nacional, tanto na jurisdição federal, como nas jurisdições estaduais, porque a sua ação, dependendo de provocação do indivíduo, é sempre indireta e mediata, e aplica-se a direitos regulados por uma lei «comum» da Nação».

Não foi, portanto, por obra do acaso, que, desde 1934, as Constitui­ções da República, que continuaram a limitar-se à disciplina dos Poderes Executivo e Legislativo da União, passaram a dispor sobre os órgãos ju­diciários federais e estaduais, bem como a estabelecer as prerrogativas, os direitos e os deveres dos magistrados de todo o país. Hoje, como corolá­rios desse sistema, integram os juizes e os tribunais estaduais o Poder Judiciário que a Constituição Federal regula; editou-se a Lei Orgânica da Magistratura Nacional; e se criou o Conselho Nacional da Magistratura.

No ápice desse Poder, encontra-se esta Corte, desaguadouro comum das decisões tanto da jurisdição federal como da jurisdição estadual. Por

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sua posição e competência, tem ela, sem as deformações unilaterais da vivência exclusivamente local, a visão íntegra dos problemas da Justiça brasileira que nela, obviamente, repercutem.

Daí, a responsabilidade que lhe cabe — e responsabilidade que resul­ta da parcela de poder político que detém — nas épocas em que se agu­çam as angústias pelos problemas da Justiça, que não se enfrentam com diletantismos, muito menos com experimentações, jamais com os olhos postos no aplauso imediato.

É de todos os tempos a crítica à Justiça. Por volta de 422 a . C , o gênio cômico de Aristófanes investia, em

«As Vespas», contra a organização judiciária de Atenas. Sua personagem principal — Philocléon — é o protótipo do juiz ridículo, a exaltar a ma­gistratura com estas palavras: «Que há de mais feliz, de mais afortuna­do, do que um juiz? Que vida é mais deliciosa do que a sua? Quem é mais temido, sobretudo quando idoso?»

Quase dois mil anos após, Rabelais, que censura o processo por de­masiado complexo, cria Bridoie, o magistrado que decidia na sorte dos dados: lançava-os, sucessivamente, na direção das razões do autor e do réu, colocadas nas extremidades opostas de sua mesa; vencedora a parte que obtinha maior lance.

Os dados eram a solução jocosa dos dois defeitos capitais da Justi­ça: a demora e a carestia. Àquela se referia, com expressiva comparação, velho epigrama gaulés: «Aos deuses, em todos os tempos, ergueram-se altares; ergam-se também aos processos, porque imortais». Por ambas, Monsieur des Renardeaux — advogado normando que ao gênio de Dide­rot se deve — desaconselhava a ida aos Tribunais, dando, como exem­plo, sua demanda com Madame de Servi, que já durava dez anos, e se prolongaria por outros dez; que o obrigara a cinqüenta viagens a Paris, e a outras tantas ainda o compeliria; que lhe haveria de exigir pelo menos duzentas moedas de ouro, além das duzentas já dispendidas; e que, ou não seria julgada graças às poderosas proteções daquela senhora, ou, se o fosse,não se ressarciria ele senão de uma quarta parte do que desem­bolsara.

O curioso, porém, é que, não obstante de há muito se haverem iden­tificado as causas principais desses defeitos, até os tempos presentes ain­da não se lhes deu adequada solução.

As tentativas se têm multiplicado pelos séculos afora, e as providên­cias adotadas ou sugeridas não diferem substancialmente das hodiernas. Leia-se um dos clássicos universais das letras jurídicas — o Dei Diffetti delia Giurisprudenza de Ludovico Muratori —, e ver-se-á que Justiniano pretendia impedir as dilações provocadas pelas partes com o ordenar ao juiz que as atalhasse com a sentença, devendo a demanda findar antes de decorridos três anos; que na Idade Média, o direito estatutário das diver­sas cidades italianas previa processos sumaríssimos e prazos estreitos; e

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que Antonio Favre, Presidente do Tribunal Supremo de Sabóia e juris­consulte eminentíssimo, preconizava a limitação do curso das causas a seis meses no máximo, e propunha, para desafogo do Judiciário, que aquela das partes que recusasse submeter a lide a árbitros, e ingressasse em juízo, seria condenada nas custas, ainda quando vencedora. Até tra­tados se escreveram, como o de Herman Hoffman (Commentaria in Oc-tavianum Pisanum de litibus abbreviandis) e o de Winther, de 1613 (De mediis abbreuiandarum litium tarn generalibus, quam specialibus).

A Justiça difere, em muito, da Administração. Vícios capitais desta são elementos essenciais daquela. A Justiça é centralizadora, na medida em que cabe ao Juiz, pessoalmente, a direção e a decisão do processo. A desconfiança é ínsita ao conflito de interesses, e, por isso, o. ônus da pro­va recai normalmente sobre quem afirma, sendo excepcional a presunção da verdade. O processo, que em suas linhas estruturais é simples — ale­gações, prova, sentença e recurso — e que é instrumento de técnicos e não de leigos, não pode, contudo, dispensar a forma, que, no dizer de Ihering, não é um jugo, mas a guardiã da liberdade.

O acesso incondicionado ao Judiciário faz crescer, mesmo nos países de escasso progresso demográfico, o número das demandas, a implicar a necessidade de mais juizes e de mais serviços auxiliares, o que, por sua vez, em decorrência dos recursos, acarreta a multiplicação de Tribunais, ou o aumento indefinido da composição dos existentes, resultados ambos que dificultam, quando não impossibilitam, o ideal da uniformização do direito.

A apuração da verdade exige vias processuais várias, que, no entan­to, se utilizadas exaustivamente — o que, nem sempre, implica abuso — gera percalços a ponto deste desabafo de certo arcebispo italiano, que veio a tornar-se santo: «sem os causídicos as cidades foram muito felizes, e haverão de sê-lo».

Rapidez e segurança na aplicação da lei ao caso concreto dificilmen­te se conciliam. Haverá quem prefira ter sua vida, sua liberdade, seu pa­trimônio decididos, sumária e soberanamente, no correr do martelo de um juiz singular? Tem-se notícia da apologia de juizados sumaríssimos de causas de grande valor? Sustentar-se-á limitação à defesa criminal, ainda que modesta a pena susceptível de ser cominada?

Esses contrastes resultam da matéria-prima da Justiça, que é o con­flito de interesses, e do fim a que ela visa, que é sua solução justa, até porque final e irremediável. Entram em jogo valores contraditórios cujo peso se modifica em face das circunstâncias, o que afasta a possibilidade de soluções absolutas, e só permite as relativas, tanto melhores quanto mais exata a aferição do valor predominante nas hipóteses diversas. Mas, ainda aqui — e este é o ponto crucial — interfere um outro fator: os va­lores do interesse público, pelo seu caráter de generalidade, chocam-se, muitas vezes, com os valores individuais dos interesses contrariados. E estes reagem.

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Para defender o interesse público, é preciso desprendimento e deter­minação.

É da natureza do homem não se conformar com um único julga­mento.

Dessa irresistível tendência psicológica e da falibilidade das decisões humanas resultaram os recursos judiciais.

Eles, no entanto, têm, necessariamente, de ser limitados. Para proteger o direito das partes é suficiente o duplo grau de juris­

dição.

Em sistema como o nosso, em que os erros de direito podem ser cor­rigidos por ação rescisória, instância extraordinária, adstrita à apreciação deles, se destina, sem dúvida, à tutela dos interesses gerais da ordem jurídica, e só por via de conseqüência alcança os direitos subjetivos dos litigantes.

Por isso mesmo, é no duplo grau de jurisdição — onde, aliás, não são escassos os recursos — que residem os maiores problemas da Justiça.

Não me cabe aqui, nem me seria possível fazê-lo em momento como o presente, a análise da reforma do Poder Judiciário realizada em 1977, e de cuja elaboração final esta Corte esteve afastada. Mas não posso dei­xar de salientar que teve vários méritos, e empreendimentos dessa ordem surgem para se aperfeiçoarem gradativamente à medida que as deficiên­cias se vão evidenciando pelo quotidiano da prática. As dificuldades da Justiça dependem, também e substancialmente, de fatores que não se corrigem com providências legislativas. Lei não muda mentalidade. Lei, exclusivamente por si, não dá eficiência a instituições. É universal a quei­xa de Hans Schneider de que, embora seja a Justiça o fundamento do Estado de Direito, para o Ministro da Fazenda os tribunais são sempre encarados como uma empresa subvencionada, e a questão é a de saber se merecem crédito. O Judiciário não gera diretamente riquezas, mas é in­discutível que estas, para se produzirem, necessitam da segurança jurídica de que ele é a garantia.

Atualmente, as providências que se fazem necessárias ao aprimora­mento da Justiça Brasileira nos dois graus de jurisdição ordinária depen­dem da estreita colaboração dos três Poderes do Estado, e a ela este Tri­bunal, como cúpula do Judiciário, não faltará.

Já no âmbito desta Corte, o problema que persiste é o que deu ori­gem ao que, há muito, se denominou a crise do Supremo Tribunal Federal, e que, em verdade, nada mais é do que a sobrecarga de trabalho que lhe advém do afluxo crescente de recursos extraordinários e de pro­cessos a eles umbilicalmente ligados.

Essa sobrecarga — registre-se — não tem acarretado atraso na sua prestação jurisdicional, que é, por via de regra, de exemplar presteza,

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mas, além de desumana, impede que se dedique mais tempo ao exame das questões de real interesse para a ordem jurídica do país.

Os números falam por si mesmos. Dos 28.078 processos que tramita­ram, nesta Casa, em 1984, restavam em andamento, a 31 de dezembro, apenas 3.555, pois 24.523, ou já haviam baixado à instância de origem, ou estavam para sê-lo por se encontrarem julgados. De outra parte, ain­da em 1984, dos 15.964 processos aqui chegados, 14.043 foram recursos extraordinários ou instrumentos processuais deles dependentes (agravos e argüições de relevância da questão federal); os demais 1.921 cobriram to­da a sua restante e múltipla competência, inclusive a relativa aos habeas corpus.

Problema semelhante, embora em proporções menores, já ocorreu na Suprema Corte Americana, e encontrou sua solução no Judiciary Act de 1925 que lhe conferiu o poder discricionário de só julgar, das questões que lhe são submetidas, as que considera mais importantes pelo interesse público que revelam. Era, então, seu Presidente um ex-Presidente dos Es­tados Unidos, William Taft, que o justificou com a observação de que as partes têm os seus direitos suficientemente protegidos pelo julgamento de primeiro grau e pela revisão do Tribunal de segunda instância, ao passo que a função da Corte Suprema não é a de remediar erro sofrido por um litigante, mas a de examinar os casos que envolvem princípios de amplo interesse governamental ou público, e que devem ser definitivamente es­clarecidos.

Na Alemanha, há uma Corte Constitucional e, abaixo, Tribunais Su­periores que constituem a terceira instância, restrita a questões de direito, de uma jurisdição comum (civil e criminal) e de quatro jurisdições espe­cializadas (administrativa, financeira, social e trabalhista). Apesar da multiplicidade desses Tribunais e do leque de especializações, a reforma processual de 1975, inspirando-se na solução americana, limitou o acesso a eles, só admitindo que se interponha revisão — que, de certa forma corresponde ao nosso recurso extraordinário — se o Tribunal recorrido, em seu aresto, reconhecer a importância fundamental da causa. Prevale­ceu, assim, o entendimento dominante de que a revisão visa, antes de tu­do, ao interesse geral da ordem jurídica, e, só por conseqüência, se refle­te na tutela do interesse concreto das partes. Aliás, mesmo na Corte Constitucional, estão os recursos constitucionais sujeitos a um juízo de admissibilidade, que não precisa de motivação e RITTERSPACH, em obra recente, já sustenta a necessidade de se atribuir a ela, plenamente, o poder discricionário de que goza a Suprema Corte dos Estados Unidos.

No Brasil, também desde 1975, adotou-se solução calcada no mode­lo americano, embora menos restritiva. De feito, nosso atual Regimento Interno, com força de lei, estabelece que certas causas, pela natureza ou pelo valor, somente têm seus recursos extraordinários examinados quanto

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à alegação de ofensa à Constituição ou de dissídio com súmula, sendo mister, para a apreciação dos demais aspectos legais, tenha sido acolhida a argüição de sua relevância.

A prudência que sempre caracterizou o Supremo Tribunal Federal fez que não se estendesse, de imediato, esse sistema a quaisquer causas. Devia, antes, ser testado pela prática, submeter-se à crítica, e impor-se como necessário ao interesse nacional.

Quase dez anos decorreram, com média anual de julgamentos cres­centes, de 7.500 a 16.800. Nesse período, evidenciou-se a inconsistência dos ataques que o sistema sofreu. Ou partiram de conceitos processuais inaplicáveis à argüição de relevância — que não é recurso judicial que vi­se à tutela concreta do direito das partes, mas provocação do exercício do poder discricionário de aferir o valor da questão jurídica em abstrato —, ou resultaram do inconformismo dos vencidos com qualquer restrição ao reexame de suas causas pelo mais alto Tribunal da República, como se fosse terceira instância revisora. À falta de argumentos sérios, chegou-se, por vezes, a dizer que seus Juizes — cuja capacidade de traba­lho assombra qualquer magistrado de Corte Suprema de qualquer parte do Universo — não mais queriam julgar.

Recurso Extraordinário é instrumento de viabilização dos Estados federativos, com a preservação do direito nacional contra atentados gra­ves por sua repercussão jurídica, moral, social, política ou econômica. Se tivesse por finalidade principal a correção de erros de direito, seria inex­plicável, sob todos os ângulos, que os Tribunais Estaduais fossem — co­mo são — soberanos na aplicação dos direitos estadual e municipal, que disciplinam, precipuamente, relações administrativas e tributárias, em que são mais críticas as tensões locais. Para eliminar esses erros, há a ação rescisória que, por isso mesmo, alcança a violação de normas jurídi­cas de qualquer origem.

Não tenho dúvida, portanto, de que chegou o momento de esta Cor­te que dispõe de poderes constitucionais para fazê-lo por meio de refor­ma de seu Regimento, generalizar o atual sistema da argüição de relevân­cia a todas as causas objeto de recurso extraordinário com fundamento nas alíneas a e d do inciso III do artigo 119 da Constituição.

Só assim poderá este Tribunal desempenhar, com eficiência e sem desvios, o papel que a Carta Magna lhe reserva.

Não haverá restrição a questões constitucionais. A defesa penal con­tinuará amplíssima por via do habeas corpus, que, aliás, tem a mesma abrangência que o recurso extraordinário criminal, sem a submissão a prazo ou a juízo de admissibilidade. Valorizar-se-á a súmula, que deixa­rá de ser mero expediente de simplificação de julgamento de casos mais freqüentes, para se projetar como instrumento de unificação da ordem jurídica nacional.

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Ainda há pouco, no relatório apresentado pelo meu ilustre predeces­sor nesta Presidência, manifestava-se ele nesse mesmo sentido, invocando recentíssimas palavras do jurista americano William Coleman Junior, das quais destaco estas, pela expressividade de sua síntese:

«A Suprema Corte deve ser libertada da ilusão de que tem o dever de corrigir cada erro e resolver cada litígio. Ao mesmo tempo, a Corte precisa identificar e solucionar os con­flitos significativos de fundamental importância nacional, de maneira clara e convincente».

A firmeza dessa atitude será o exemplo que o Supremo Tribunal da­rá para que se enfrentem, também resolutamente, os problemas que con­tinuam a afligir as instâncias ordinárias da Justiça brasileira.

Meus Senhores: A quem dedicou toda a sua vida ao estudo do direito, como advoga­

do, professor, procurador e juiz, não é preciso dizer da emoção que sen­te ao atingir o mais alto posto que a um jurista é dado almejar.

Sucedo ao eminente Ministro Cordeiro Guerra, que deixa a Presi­dência com os justos aplausos pelo muito que fez para a valorização da magistratura, e pela sensibilidade que demonstrou no trato dos proble­mas do funcionalismo da Casa, não esquecidos os humildes.

Espero não desmerecer a confiança de meus colegas. Do seu apoio e da colaboração dos serventuários que aqui militam, dependerá, em mui­to, o êxito de minha gestão.

Em meu nome e no do Vice-Presidente, Ministro Decio Miranda — padrão de magistrado e amigo de todas as horas —, agradeço as genero­sas saudações que nos dirigiram o Sr. Ministro Sydney Sanches e o Sr. Procurador-Geral da República.

Por fim, a todos os que nos honraram com a gentileza de sua pre­sença, de que sou grato, convido-os a dirigir-se, depois de a Corte deixar este recinto, ao salão contíguo, onde serão recebidos os cumprimentos.

Está encerrada a Sessão.

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