163

Souza, Jessé e Mattos, Patrícia - Teoria crítica no século XXI

Embed Size (px)

Citation preview

  • ORGANIZ ADO R ES

    COLE

  • S713

    Infotbes ]nforma~1io e Tesauro

    Souza, Jesse, Org.; Mattos, Patricia, Org.. ~eoria critica no seculo XXI. / Organizayiio de Jesse Souza e

    Patncia Mattos. - sao Paulo: Annablume, 2007. (Critica Contempo-ninea)

    324 p.; 14 x 21cm.

    ISBN 978-85-7419-752-4

    1. Teoria Sociol6gica. 2. Sociologia. 3. Ciencias Sociais.4. Globalizayiio. 5. Cultura. 6. Politica. I. Titulo. II. Serie.

    CDU 30CDD 302

    Catalogaciio elaborada por Wanda Lucia Schmidt - CRB-8-] 922

    Sumario

    7 APRESENTA

  • 257 Foucault e a crftica racional da racionalidadeDiogo Correa

    281 Nietzsche, contemporaneidade e etica: a alegria como respostaafinnativaRenarde Freire Nobre

    303 Condu9ao da vida cotidiana e desigualdade social: urn estudoexplorativo em Salvador da BahiaThomas Kuhn

    319 A crftica da vida moderna em Georg Simmel e Walter BenjaminSergio Duarte

    Os textos reunidos no presente volume pretendem levar ao publicobrasileiro alguns dos autores mais importantes do debate critico na filosofiasocial e nas ciencias sociais contemporaneas. Neste volume esta.o presentesnao apenas textos ineditos em portugues de varios autores fundamentais dodebate te6rico de vanguarda nas ciencias sociais e na filosofia social, mastambem analises criticas acerca de seus trabalhos produzidos pela pena decompetentes especialistas brasileiros.

    Em urn contexto social, politico e academico de quase absolutahegemonia do liberalismo triunfante, estariamos, sem urn pensamento enticevigoroso, muito mais frageis. Eele que nos permite, por exemp!o, criticar a"generaliza

  • 8 Teoria crftica no seculo XXi

    sociedade e da quantifica~aoestatistica vazia e sem interpreta9ao do mundosocial que se passa por conhecimento valida. Nesse contexto desencantado,as perspectivas criticas, como as apresentadas nessa coletanea, sao pe

  • 10 Teoria crltica no seculo XXI Jesse Souza I Patricia Mattos - ORGANIZADORES 11

    Os seres humanos DaD sao os unicos a terem desejos, motiva~5ese escolhas. Eles as compartilham com membros de outras especies,algumas das quais ate mesmo se engajam ern delibera(j:oes e tornamdecisoes baseadas em pensamentos previos. Parece seTparticularmente caracteristico dos seres humanos, entretanto, acapacidade de fonnar (...) desejos de segunda ordem (...). 3

    Em outros tennos, concebemos os animais (pelo menos as maiselevados) como portadores de desejos, e ate mesmo, em alguns casos, comotendo que escoTher entre eles, ou ao menos inibindo alguns desejos emfun9ilo de outros. Mas 0 que e especificamente humano e 0 poder de avaliornossos desejos, de considerar alguns como desejaveis e outros comoindesejaveis. Isto porque "nenhum animal a!em do homem (...) tern acapacidade para auto-avalia9ilo reflexiva que se manifesta na forma9ilo dosdesejos de segunda ordem".'

    Estou de acordo com Frankfurt que eslo capacidade para avaliar desejosesta vinculada ao nosso poder de auto-avaliac;ao, que por sua vez eurn trac;oessencial da maneira de agir (mode ofagency) que n6s reconhecemos comohurnana. Mas eu acredito que n6s podemos alcanc;ar uma definic;ao maisdelimiloda do que esUi envolvido nesta maneira de agir se fizermos umadistin9ilo adicional entre dois tipos categ6ricos de avalial'ilo dos desejos.

    Assim, alguem pode ponderar duas a90es desejadas para determinar amoos conveniente, ou para tomar diferentes desejos compativeis (por exernplo,alguem pode decidir nao comer, mesmo com fome, porque se ele comer maistarde podera tambem nadar), ou para alcan9ar a mais completa satisfal'ilo. Elepode ate mesmo avaliar qual dos dois objetos desejados mais 0 atrai, comoalguem que avalia uma bandeja de massas para ver se deseja urn eclair ouum millefeuilles.

    Mas 0 que esta ausente nos casos acima ea avalia~ao qualitativa dosdesejos, aquilo que nos ocorre, por exernplo, quando nos abstemos de agir apartir de urn dado motivo -digarnos, raiva ou inveja- porque os considerarnosvis e despreziveis. Neste caso, nossos desejos sao classificados em categoriastais como mais elevados e menos elevados, virtuosos e nao-virtuosos, maisrealizadores e menes realizadores, mais refinades e menes refinados,

    3. Idem. p. 6: "Human beings are not alone in having desires and motives, or in makingchoices. They share these things with members of certain other species, some ofwhich even appear to engage in deliberation and to make decisions based on priorthought. It seems to be peculiarly characteristic of humans, however. that they areable to form (... ) second order desires (.. .)".

    4. Idem, p. 7: "No animal other than man (... ) appears to have the capacity forreflective self-evaluation that is manifested in the formation of second-order desires".

    profundos e superficiais, nobres e vulgares. Eles silo julgados como partesde modos de vida qualitativamente diferentes: fragmentados ou plenos,aJienados au livres, santos au meramente humanos, corajosos ou covardes,e assim pOT diante. I

    Intuitivamente, a diferen9a pode ser colocadadeslo forma. No primeirocaso, que podemos chamar de avalia9ilo fraca, estamos interessados nosresultados; no segundo, 0 das avalia'toes fortes, 0 interesse ena qualidadede nossa motivac;ao. Mas dizer isso apenas nestes termos e urn pOllcaprecipitado. Pois 0 importante e que a avalia9ilo forte e vinculada ao valorqualitativo dos diferentes desejos. Eisto que esui ausente em casos tipicos,em que, por exernplo, eu opto por urn feriado no suI e nao no norte, ouescolho alm09ar na praia ao inves de comer agora na cidade. Nestes casos aaltemativa favorita nilo e selecionada em fun9ilo do valor subjacente damotiva9ilo. Aqui, nilo M "nada a escolher" (nothing to choose) entremotivac;oes.

    Mas isso nilo significa (a) que em uma avalia9ilo fraca as motiva90essejam homogeneas. Nilo podemos julgar dois objetos do mesmo desejo, ou,dito de outro modo, dois resultados com a mesma "caracterizac;ao dedesejabilidade" (desirability characterization). Veja 0 exemplo de alguemque esta hesitante entre passar urn feriado no sui ou no norte. 0 que 0feriado do norte tern a seu favor ea tremenda beleza da selva, as regioes naoexploradas, etc.; 0 que 0 do suI tern a seu favor sao as exuberantes terrastropicais, a sensa9ilo de bem-estar, 0 prazer de nadar no mar, etc. Ou euposso considerar que urn feriado e mais divertido e 0 outro mais relaxante.

    As altemativas possuem diferentes caracterizal'oes de desejabiJidade.Neste sentido, elas silo qualitativamente distintas. Mas 0 que esUi ausenteneste caso e uma distinC;ao, enquanto urn valor, entre os desejos, e e por issoque esta nilo e uma avalia9ilo forte. Eu optei pelo sui ao inves do norte niloporque exista algo mais valoroso com respeito a relaxar ou se divertir, masbasicamente porque "eu prefiro isso" (ffee/like it).

    Disto se segue, a fortiori, (b) que avalial'oes fracas nilo silos~mplesmente quantitativas. Ou seja: as altemativas nao podem necessa-riamente se expressar em algumas unidades comuns de calculo e, nestesentido, se tomar comensuraveis. Isto tern side freqiientemente obscurecidopela recorrente arnbic;ao de nossa civilizac;ao racionalista em transfonnarreflexilo pratica, tanto quanto possivel, em calculabilidade, ambil'ilo estacuja maior expressao e a doutrina do utilitarismo.

    A inclina9ilo do utilitarismo e a de ignorar as distin90es qualitativas devalor sob a alegac;ao de que elas representam percepc;oes confusas de nossaspreferencias, que seriam quantitativas. A esperanc;a eque, urna vez ignoradasas avaliac;oes fortes, seriamos capazes de calcular. Eu creio que 0 utilitarismoesta equivocado em ambas as considera90es. Isto por que decisoes entre

  • 12 Teoria crftica no seculo XXI Jesse Souza I Patricia Mattos - ORGANIZAOORES 13

    alternativas que DaD sao distintas em termos valorativos naD saonecessariamente suscetlveis ao calculo; por exemplo, a escolha entre osdais feriados acima naD eclararnente tao suscetivel, ou somente em parte (oualgumas de minhas considera~5esrelevantes para minha escolha do feriadopodem ser, por exemplo, quantificaveis no sentido do custo). Nao hii tambernnenhurn calculo quando eu olho fixamente a tigela de massas e tento decidirentre urn eclair e urn millefeuilles.

    Todas essas avalia.yoes fracas sao "quantitativas" apenas no fracosentido de que elas nao envolvem distin~5es qualitativas de valor. Algumasvezes explicamos escolhas dessa natureza dizendo que determinadaaltemativa foi "mais prazerosa" (morefun) ou "de maior valor" (better value);mas niio existe quantifica~ao genuina por tras destas express5es: elas Saomeramente expressoes substitutivas para "preferidas". Os utilitaristas esUlode fato corretos em seu pr6prio ponto de partida de rejeitar avalia~5es fortes,porque ignora-Ias e urna condi~ao necessaria de reduzir razilo pratica acalculabilidade. Mas isto esta longe de ser urna condi~ilo suficiente.

    Nilo podemos tambem dizer (c) que uma avalia~ao fraca esthomentevinculada a resultados e Dunea com desejos; que todos os casas de desejosde segunda ordem sao avalia~5es fortes. Isto porque eu posso ler 0 queFrankfurt chama de "voli~5es de segunda ordem" baseadas em avalia~oesfracas. Eu tenho urna voli~iio de segunda ordem quando quero que desejosde primeira ordem orientem minha a~ao. Entao eu posso querer que 0 desejode almo~ar-e-nadar-depois seja preponderante, porque sei que, considerandoas duas coisas, terei uma situa~aomais agradavel, pois temo me prejudicarse voce me oferecer 0 almo~o agora. E eu posso ter desejos de segundaordem sabre esta mesma base: eu posso querer rejeitar sobremesas suculentaspara controlar men peso. Mas em todos esses casas as alternativas naoseriam, por hip6tese, distintas entre si pelo fate de urn desejo ser vulgar, semvalor, alienante, trivial, hurnilhante, ou algo do tipo. Em resumo, nao existiria

    distin~ao qualitativa de valor em rela~ao as motiva~5es.Do mesmo modo que alguem pode querernao terurn desejo concebido

    a partir de urna avalia~ao fraca, alguem tambem pode desejar algo que aindanao realizou. Os glutoes romanos orientavam-se por este tipo de desejo desegunda ordem quando vomitavam para recuperar 0 apetite e realizar 0 prazerde comer novamente. Isto contrasta forternente com a situayao em que euconcebo um desejo baseado em uma avalia~ao forte, vendo-o como algoadmirilvel, como, por exemplo, quando quero ser capaz de urn grandiose esincero arnor ou de uma lealdade.5

    5. N6s podemos acrescentar uma quarta ressalva, de que a avaliacao forte geralmentenilo e de urn desejo ou de uma motivaCao, mas sim das qualidades de uma acao. Euevito alguma ayao porque ela e uma forma covarde de se comportar. uma acao

    . A distin,ao entre os dois tipos de avalia~ao nao pode entao sersnnplesmente compreendida como se fosse uma diferen~aentre urna avali~aoquantItativa e outra qualitativa, e nem estar pautada na presen~aou ausenciados desejos de segunda ordem. Essa distin~aodiz [espeito antes de tudo aofato de os desejos serem ou nao diferenciados em tennos de valor. Epor issoque talvez possamos estabelecer dOis criterios interligados.

    (I) Nas avalia~5es fracas, para que algo seja considerado born, bastaque seja desejavel, enquanto que nas avalia~5es fortes existe 0 uso do

    "bo~" ou de algurn outro termo avaliativo para 0 qual 0 mera desejo nao esuficlente. Na verdade, alguns desejos ou realiza~oesdesejaveis podem serconsiderados ruins, humilhantes, despreziveis, vulgares, superficiais, semvalor, e assim por diante.

    Segue-se disso que (2) quando em urna avalia~ao fraea uma altemativadesejada e delxada de lado, isto se d!l unicamente em razao de sua contingentemcompatlbllrdade com uma alternativa ainda mais desejada Eu prefiroalmo~malS tarde, embora tenha fome agora, simplesmente porque assim pOdereialmo~ar e nadar. Mas eu poderia me contentar com 0 melhor de ambos: se apiscina estivesse disponivel agora, eu poderia aliviar minha fome imediataassim como nadar na hora do alm~o. '

    Mas isto nao ocorre necessariamente no caso das avalia~oes fortes.Alguns objetos de desejo podem ser evltados nao porque sejam incompativeiscom ~utros, ou por essa incompatibilidade nao ser contingente. Dessa fonna,eu eVlto cometer algurn ato de covardia, meSmo tentado a faze-Io, nao porqueeste ato impossibilitaria, neste momento, outro ate desejado, COmo almo~aragora me impossibilitaria de nadar, mas sim porque 0 pr6prio ato evitado econsiderado desprezivel.

    Mas e claro que tambem podemos caracterizar uma altemativa em queteriamos uma incompatibilidade. Se examinarmos minha visao avaliativa roaisde perto, veremos que valorizo uma a~ao corajosa como parte de urn modode vid~; eu aspiro ser. urn deterrninado tipo de pessoa. 50r tornado pelacovardla comprometena essa aspira~ao. Nesse caso h!l incompatibilidade,mas ela nao e de modo algum contingente. Nao se !rata de uma situa~aoClrcunstanclal 0 fato de ser impossivel render-se ao impulso da covardia eaind~ assim manter-se fie! a urn modo de vida corajoso e integro. Esse modode VIda consiste, entre outras coisas, em opor-se aos impulsos de covardia.

    humilhante. A questllo pode ser bem-apreendida se considerarmos que nao estamosfalando apenas de des~jos, que estariamos profundamente enganados pensando queo que esta sendo avahado sao as acOes isoladas de suas motivayOes. Covardia ou

    q~alquer outro tipo de comportamento humilhante sao 0 que sao parcialmente emVlrtUde de suas motivayoes. Assim, avaliayoes fortes necessariamente envolvem umadistincao qualitativa de desejos.

  • 14 Teoria crftica no seculo XXI Jesse Souza I Patricia Mattos - ORGANIZADORES ... 15

    N~o e casual aqui que haja wna incompatibilidade para aIem de situal'oescontingentes. Isto porque avalial'oes fortes disponibilizam wna linguagemde distinl'oes avaliativas, na qual diferentes desejos s~o descritos comonobres ou vulgares, aglutinadores ou desagregadores, corajosos oucovardes, esclarecedores ou obscurecedores, e assim por diante. 15tosignifica que eles s~o caracterizados por contraste. Cada wn dos conceitosacima s6 pode ser entendido em relal'~oao seu oposto. Ninguem pode sabero que ecoragem sem saber 0 que ecovardia, assim como ninguem pade teTuma n~~.o do vennelho sem teT, digamos assim, uma autra corcomo contraste.

    Eessencial que tanto vermelho como coragem sejam compreendidoscom aquilo que s~o contrastados. Eclaro que em termos avaliativos, assimcomo com as cores, 0 contraste pade nao seT fcita apenas com urn outro, mascom vanos. Na verdade, refinar wn vocabulirrio avaliativo pela introdul'~ode novos termos alteraria 0 sentido dos termos existentes, como tambemocorreriano caso das cores. Isto signitica que nas avaliavoes fortes podemoscaracterizar as alternativas por contraste; e de fato, deve ser assim sequisermos expressar aquilo que e realmente desejavel na alternativa escolhida.Mas nllo e assim com as avaliatyoes fracas. 6 Certamente n6s somos, em cadacaso, livres para expressar as altemativas de varias maneiras, podendoalgumas ser contrastantes e outras nllo. Assim, eu posso descrever minhaprimeira questfto acima como uma escolha entre almotyar agora ou almotyarmais tarde; e essa e uma descrityao por contraste no sentido de que ela eessencial para identificar que wna alternativa simplesmente n~o e a outra.Isto porque 0 tenno "agora" s6 faz sentido em contraste com outros tennoscomo "mais tarde", "mais cedo", "amanha", e assim por diante. Na verdade,dado wn certo contexto (por exemplo, que alguem n~o pode decidir a1mol'arno passado), e 0 pano de fundo contrastante necessario para "agora", seriasuficiente como questao apenas me perguntar: "Devo almotyar agora?"; outalvez: "Seria melhor altnol'ar mais tarde?".

    Mas se eu quero identificar as alternativas em termos de suadesejabilidade, a caracterizal'~o deixa de ser contrastante. 0 que me leva aquerer almol'ar agora e 0 fato de estar faminto, pois e inc6modo esperarquando se tern fome e, alem disso, emuito prazeroso comer. 0 que me leva a

    6. Pode ser argumentado que os utilitaristas tambem utilizam uma oposil;aO qualitativa,a saber, aquela entre prazer e sofrirnento. Mas essa nao eprecisamente uma oposil;aOquaiitativa de desejos acerca de.objetos desejados, que e0 que esta sendo consideradoaqui. De aeordo com a teoria utilitarista, apenas 0 prazer e desejado, pois todos nostemos aversao ao sofrimento. E claro que podernos eontrapor a evitar;iio dosofrimento, que em urn eerto sentido e urn desejo, com 0 prazer. E exatamente narealizal;aO deste contraste que os utilitaristas tern falhado notoriamente.

    querer comer depois e que com isso posso nadar. Mas 0 prazer de comerpode ser totalmente identificado de forma desvinculada do prazer de nadar;de fato, eu posso ter desfrutado longamente 0 prazer de comer sem nunca terconhecido 0 prazer de nadar. As descril'oes desses dois objetos de desejosnao sao contrastantes, elas apenas sao incompativeis de modo circunstanciale contingente.

    Do mesmo modo, eu posso descrever a questao acerca de minhasavalial'oes fortes de modo noo contrastante. Posso dizer que a escolha eentre salvar minha vida, ou talvez evitar sofrimento e dificuldades, de wnlado, e preservar minha homa, de outro. Agora, certamente eu posso entendero que e preservar minha vida, e 0 que e desejavel nisso, sem levar em contaa honra, 0 que tambem vale na evital'~odo sofrimento e das dificuldades. Emesmo a reciproca, n~o sendo totaltnente verdadeira, ninguem pode entender"honra" sem alguma referencia ao nosso desejo de evitar a morte, 0 sofrimentoe as dificuldades; isto porque, quando alguem preserva sua honra, dentreoutras coisas, tomando uma posityao sobre determinadas questOes, ele naocontrasta a defesa da honra simplesmente com a defesa de sua vida, com aevitatyao do sofrimento, e assim por diante; existem muitos casos em quealguem pode defender sua pr6pria vida sem prejudicar sua honra, e ate mesmosem que esta quest~o se coloque.

    E essas descrityoes nao contrastantes podem ate mesmo ser maisapropriadas para determinados objetivos. Na medida em que certamenteexistem condil'oes contingentes que subjazem a pavorosa situa9~0 deescolher entre morte ou desonra - se pelo menos 0 general nao tivesse meenviado para 0 front no momento exato do ataque inimigo -, e na verdade emvirtude de wn conjunto contingente de circunst~ciasque agora devo arriscarminha vida para evitar a desonra. Mas olhando novamente para 0 que tornaa alternativa rejeitada indesejavel, pais neste caso a fuga sena incornpativelcom a honra, a incompatibilidade de modo algwn pode ser contingente: aconduta honrosa consiste justamente em encarar tal amealj:a contra a vidaquando wna decis~ocomo esta estiver emjogo. Dito de outro modo: devemosrejeitar a fuga por que ela e"covardia", urn termo que traz em si 0 sentido deurn conflito nao contingente com a conduta honrosa.

    Oeste modo, enquanto wn par de alternativas pode ser descrito defonna contrastante ou nao-contrastante, como quando determinamos 0 caraterdesejavel (ou n~o-desejavel)pelo qual wna OPI'~Oe rejeitada, nas avalial'oesfortes as alternativas devem necessariamente ser apresentadas de modocontrastante. Isto porque, nas avalial'oes fortes, em que dispomos de wnalinguagem de distinl'oes avaliativas, nenhwn desejo e recusado em virtudede urn mero conflito contingente e circunstancial com outra meta. Agircovardemente n~o esta em disputa com outros bens pelo fato disso ocuparo tempo e a energia que precise para persegui-Ios, e isto na verdade pode

  • 16 Teoria crftica no seculo XXI Jesse Souza I Patricia Mattos - ORGANIZADORES ., '-17

    nem alterar minha condi~ao a ponto de comprometer tal busca. A disputa emais profunda; e naa econtingente.7

    2.A tendencia utilitaria de nossa civiliza~ao nos induziria a abandonar a

    linguagem de oposi90es qualitativas, e isto significaria, sem davida,abandonar nossa linguagem de avalia~aes fortes, pois seus termos s6 podemser defmidos em contraste. E somos induzidos a redefmir questoes sobre asquais reftetimos segundo este modelo nao-qualitativo.

    Digarnos, por exemplo, que eu esteja viciado em comer excessivarnente.Eu tenho dificuldade em resistir a sobremesas suculentas. Como luto contraeste vicio, na reflexao em que defmo amodera9ao como algo melhor, possover as altemativas de acordo com uma linguagem de oposi~oes qualitativas.Posso considerar que alguem com pouco controle sobre seus apetites, aponto de arruinar sua saude com urn bolo de creme, nao e uma pessoaadmiravel. Quero ser livre desse vicio, ser urn tipo de pessoa cujos apetitesmeramente corporais obede9am a aspira90es mais elevadas, e nao mepermitam seguir, sem nenhum remorso ou resistencia, 0 caminho daincapacidade e da degrada~ao.

    Mas eu tambem posso estar inclinado aver este problema de urn ilngulototalmente diferente. Posso ser induzido a ve-Io como uma mera questao dequantidade e satisfa~ao. Comer bolo em excesso aurnenta meu nivel decolesterol, engorda, prejudica minha saUde e me impede de aproveitar todosos outros objetos de desejo; assim, isto econsiderado ruim. A essa altura eume desprendi de uma linguagem contrastante de avalia~aes fortes. Evitaraltos niveis de colesterol, obesidade, problemas de saude, ser capaz de subirescadas e assim por diante, tudo isso pode ser definido sem nenhuma

    vincula~aocom meus babitos alimentares. Alguem pode inclusive inventarurn medicarnento que me permitiria comer suculentas sobremesas e ao mesmotempo desfrutar todos as outros prazeres, ao passo que nenhum medicamentopermitiria que eu comesse meu bolo e tambem lograsse a dignidade de urnsujeito autodisciplinado e autonomo, pois euja 0 terei destruido desde minhaprimeira abordagem da questao.

    Epossivel que ser persuadido a ver as coisas nesta perspectiva nao-qualitativa ajude a resolver meu problema, pois de algum modo, colocar estaquestao em termos de dignidade versus degrada~ao trouxe tantos incomodosque agora, ao abandonar a perspectiva qualitativa, eu ja posso enfrenta-la.Mas isso nao e 0 mesmo que decidir qual modo de colocar a questao e malS

    7. Devo esta formulayao as contundentes objeyOes de Anne Wilbur Mackenzie contratoda a tentativa de distinyao entre avaliayoes fortes e fracas.

    esclarecedor e verdadeiro. Essa decisao gira em torna do que realmente saoas nossas motivavoes e de como devemos verdadeiramente caracterizar 0significado que as caisas tern para 06s.

    Trata-se de urn contlito entre auto-interpreta\:aes. Qualquer interpre-ta~ao que adotarmos formatara parcialmente os

  • 18 Teoria critica no seculo XXI Jesse Souza I Patricia Manos - ORGANlZAOORES 19

    Nao podemos resolver esta questiio aqui. 0 objetivo de introduzir adistin,iio entre avali~5es fortes e fracas e contrastar os diferentes tipos deselfque cada uma delas envolve'. Eu creio que iS50 tamara irresistivelmenteplausivel que nao somas seres cujas ooicas avalia~oes autenticas sao asnao-qualitativas, como sugere a tradic;ao utilitarista.

    Urn sujeito que faz apenas avalia,5es fracas - isto e, toma decisoescomo comer agora au mais tarde, passar urn feriado no norte au no suI -pode ser chamado de urn "medidor" (weigher) de alternativas. E aquele quedisp5e de urna linguagem de oposi,oes avaliativas hierarquizando desejospode ser chamado de urn avaliador forte (strong evaluator).

    Agora, podemos concordar que urn simples medidor ja seria reflexivonum sentido minima, uma vez que ele avalia 0 curso das ac;oes, e algumasvezes ele e capaz de agir por meio de avalia,oes contrarias ao impulso dosdesejos imediatos. E esta euma caracteristica necessaria do que podemoschamar de urn selfou de uma pessoa. Ele possui reflexiio, avalia,ao e vontade.Mas, em contraste com 0 avaliador forte, ele carece de algo mais, algo a quemuitas vezes nos referimos com a metAfora "profundidade".

    o avaliador forte enxerga suas alternativas com uma linguagem maisrica. Ele nao define a desejabilidade apenas pelo que ele deseja, ou pelo queele desejajunto com 0 calculo de conseqiiencias; ela tambem e definida poruma caracterizac;ao dos desejos como mais elevados e menos elevados,nobres e vulgares, e assim par diante. Quando a reflexao nao se resume aocalculo de conseqilencias, ela nao e uma questao de concluir que a alternativaA me atrai mais, ou que me seduz mais do que a B. Ao inves disso, se estourefletindo como urn avaliador forte, posso articular por que A e mais desejaveldo que B. Eu possuo urn vocabulario de valores.

    Em outras palavras, a reflexao de urn simples medidor tennina naexperiencia inarticulada de queAe mais atrativo do que B. Eu me deparo comurna bandeja de massas, analiso com atentrao, hesito entre urn eclair e urnmille feuilles. Fica claro para mim que agora prefiro urn eclair, e entao 0apanho. E evidente que alguem pode dizer muito mais coisas sobre aatratividade das alternativas em outros casos de simples medi,ao. Quandoeu, por exemplo, estou escolhendo entre urn feriado no norte ou no suI, eufalo sobre as enormes belezas do norte, da floresta, das regioes virgens, etc.,ou sobre as exuberantes terras tropicais, a sensatrao de bem-estar e 0 prazerde nadar no mar, etc., eu posso expressar tudo isso. 0 que nao pode serexpresso e 0 que torna superior minha escolha fmal pelo suI.

    A nossa dificil condi,ao de se deparar com escolhas incomensuraveistorna a experiencia do simples medidor quanto it superioridade de A sobre Balgo inarticulavel. Ai, 0 papel da reflexao nao seria 0 de articular essasuperioridade, mas sim de resolver uma situatrao imediata, de calcularconseqilencias, de buscar compensa,ao para urn desejo que pode trazer

    desvantagens (como no caso de adiar urn alrno,o para nadar e ahno,ar maistarde), superar uma duvida concentrando-me no "sentir" inarticulado dasalternativas em jogo (sera que eu realmente prefrro urn eclair, ou urn millefeuilles?) I

    Mas as experiencias de urn avaliador forte nao sao inarticuladas dessafonna. Ha urn ponto de partida constituido por~ma linguagem marcada pordistintroes entre 0 que emais ou menos elevado, nobre ou vulgar, corajosoou covarde, pleno ou fragmentado, e assim por diante. 0 avaliador fortepode articular esta superioridade justamente por que ele possui umalinguagem de caracterizal'5es contrastantes'

    Dessa fonna, no contexto de uma experiencia de escolha reflexiva entrealternativas incomensuraveis, a avaliatrao forte e uma condic;ao para aarticula,ao, e adquirir uma linguagem de avalia,5es fortes e se tornar alguem(mals) articulado a respeito de suas pr6prias preferencias. Digamos que talvezeu nao possa te afinnar contundentemente por que Bach e maior do queUszt, mas isso nao me toma totalmente inarticulado: eu posso falar da"profundidade" de Bach, por exemplo, que e urn tenno que s6 pode sercompreendido em oposic;ao ao uso correspondente do termo "superfi-cialidade" que infelizmente se aplica a Liszt. Nesse aspecto me coloco afrente de onde estava ao articular minha preferencia pelo eclair em rela,aoao mille feuilles. Eu nao posso dizer nada sobre isso (nem mesmo que 0sabor e melhor, 0 que eu poderia dizer, por exemplo, para explicar minhapreferencia pelo eclair em relac;ao acouve-de-bruxelas; pois isto ainda teriauma margem de inarticula,iio - basta comparar, por exemplo, com 0 julgamentode que Bach "soa melhor"). E eu tambem estou it frente de onde es!aria se eununca tivesse aprendido uma linguagem para falar sobre musica, se issofosse uma experiencia totahnente inarticulavel para mim (entao, e claro, queseria uma experiencia muito diferente).

    8. E pelo fato de as altemativas Serem caracterizadas numa linguagem de contrastesqualitativos que as escolhas avaliativas fortes apresentam a caracteristica quemencionamos acima: que nao recusamos uma alternativa em funyao de urn conflitomeramente contingente e circunstancial com a outra que foi escolhida. Ter umalinguagem de contrastes qualitativos e essencialmente caracterizar 0 nobre emoposiyao ao vulgar, 0 corajoso em oposiyao ao covarde, e assim por diante. Comisso em mente, poderiamos en tao entender como a opyao do feriado poderia serarticulada. N6s podemos decidir pelo sui ao inves do norte porque teriamos umaexperiencia humanamente mais significativa e enaltecedora visitando algumasciviliza(j:oes antigas do que estando distante dos trajetos do homem. Com esseexemplo n6s podemos tambem ver que a linguagem das avalia9iks fortes nao precisaser exclusivamente etica, como se poderia supor a partir dos exemplos antedores;ela tambem pode ser estetica, bern como de outra natureza.

  • 20 Teoria crftica no seculo XXI Jesse Souza I Patricia Mattos - ORGANIZADORES 21

    SeT urn avaliador forte e, desse modo, seT capaz de uma reflexao maisarticulada. Mas isso e ainda mais profundo em urn outro importante sentido.

    Urn avaliador forte efetivamente examina seus desejos e metas de modomais profunda porque ele caracteriza suas motivac;oes com maiorprofundidade. Caracterizar desejos ou inclina90es como mais valorosos, maisnobres, ou mais plenos do que outros e considera-los nos termos do tipo dequalidade de vida que eles expressam e sustentam. Eu evito atitudes covardesporque quero seT uma pessoa corajosa e honrosa. Enquanto 0 que esta emjogo para 0 simples medidor e a desejabilidade de diferentes prefer~ncias,defmidas pelos desejos de facto, para 0 avaliador forte a reflexiio tambemleva em eonta os diferentes modos possiveis de ser urn agente. Motivac;oese desejos niio apenas importam em virtude de nos atrair para prefer~ncias,mas tambem em fun9iio do tipo de vida e do tipo de sujeito que,especificamente, esses desejos integram.9

    Mas se essa dimensiio adicional nos traz urn ganho de profundidade,e porque ;gora refletimos sobre nossOS desejos em termos do tipo de pessoaque somas com a posse e a realizac;ao desses desejos. Enquanto a reflexaosabre 0 que mais preferimos - 0 maximo que urn medidor pade fazer aoacessar suas motiv~5es - nos mantem, poT assim dizer, na periferia, areflexaosabre 0 tipo de pessoas que somas nos leva para 0 centro de nossa existenciaenquanto agentes. A avalia~ilo forte niio e apenas uma condi9iio paraarticularmos prefer~ncias,mas tambem para articularmos a qualidade de vida

    9. Ser urn avaliador forte, desse modo, ever os desejos numa dimensao adicional. E istode fato e essencial para nossas importantes distin

  • 22 Teoria crftica no seculo XXI Jesse Souza I Patricia Matlos - ORGANIZADORES 23

    de sacrificio para estabelecer as bases para outros tempos mais criativos, eassim por diante.

    Vemos que, diferentemente da escolha entre urn eclair e urn millefeuilles, ou entre ferias no norte ou no sui, quando dois objetosincomensuraveis nos atraem, estamos diante de "objetos" - cursos de ac;ao- que s6 podem ser caracterizados atraves das qualidades de vida que elesrepresentarn, e de modo necessariamente contrastante. Eparte da defmil'aoda desejabilidade de um objeto que ela apresente uma narrativa sobre a nao-desejabilidade de um outro objeto. Mas aqui a disputa se da entre duascaracterizac;:oes contrastantes, e ela introduz uma nova incomensurabilidade.Quando sinto que a ida para 0 Nepal e a saida, 0 desejo de ficar e uma especiede covardia, uma fatigada imersao na rotina, uma crescente esclerose quesomente posso curar atraves de uma ruptura. Dedicar-se longamente a umaexperiencia de sacrificios para 56 depois se permitir urn desenvolvimentopessoal mais profunda esta longe de ser urn compromisso de coragem comuma trajet6ria de vida original. E quando estou inclinado a nao mudar, minhaida para 0 Nepal se assemelha a uma tolice adolescente, uma tentativa de serjovem novamente pela recusa de agir de acordo com minha idade, de buscaruma dificil emancipal'ao, de renoval'ao, etc.

    Temos aqui uma reflexao sobre 0 que esta em jogo numa disputa deauto~interpreta~oes, como no exemplo acima do homem que luta contra seuvicio em doces. A questiio em jogo tern a ver com qual interpretal'ao e maisverdadeira, mais aut6ntica e mais livre de ilusoes, e que, por outro lado,envolve uma distorr;fuJ dos significados que as coisas tern para mim. Resolveresta questao e restaurar a comensurabilidade.

    n1.Com base na intuil'ao de que a capacidade para ter desejos de segunda

    ordem, ou para avaliar desejos, e essencial aagencia humana, tentei distinguirdois tipos de avalial'oes. Espero que a discussao tenha servido para tornara intuil'ao basica mais plausivel, caso Ihe tenha faltado plausibilidade noinicio. Deve estar claro que urn agente que absolutamente nao avalia seusdesejos seria desprovido de urn minimo grau de reflexividade que n6sassociamos a urn agente humano, e tambeID nao teria uma parte essencial dopano de fundo para 0 que descrevemos como 0 exercicio da vontade.

    Eu devo acrescentar, talvez, sem a seguranl'a de que todos vaoconcordar, que a capacidade para avaliac;oes fortes, em particular, efundamental para a nossa nOl'ao de sujeito humano; sem essa capacidadeurn agente nao teria a profundidade que consideramos essencial para a

    condi~ao humana, sem a qual a comunica~ao humana seria impossivel (outracaracteristica essencial da agencia humana). Mas nao falarei sobre isso aqui.

    A questao seria saber se e possivel ter uma ideia convincente de um sujeitohumano para 0 qual as avalial'oes fortes fossem completamente estranhas (0personagem Meursault, de Camus, seria urn caso desse tipo?), na medida emque de fato os seres humanos que somos e com os quais vivemos sao todosavaliadores fortes. .

    Mas no restante deste artigo desejo analisar, com a ajuda da nOl'aochave de desejos de segunda ordem, outro aspecto do self. a questao daresponsabilidade. Nossa concep~ao dos seres humanos como responsaveis,de urn modo que nao se aplica aos animais, parece estar ligada acapacidadede avaliar desejos.

    Num certo sentido, a nOl'ao de responsabilidade ja esta embutida nanOl'ao de vontade. Urn ser capaz de avaliar desejos pode chegar aconclusaode que tal avalial'ao esta em conflito com desejos mais urgentes. Na verdade,podemos reconhecer que e uma caracteristica necessaria da capacidade deavaliar desejos a faculdade de distinguir 0 melhor desejo daqueles que exercemmaior pressao sobre n6s.

    Mas, pelo menos em nossa moderna nOl'ao de self, responsabilidadetern urn sentido mais forte. Concebemos 0 agente nao s6 como alguem que eparciahnente responsavel pelo que faz em conformidade com suas avalial'oes,mas tarnbem como alguem responsavel, num certo sentido, pelas pr6prias

    avalia~oes. .o pr6prio termo "avalial'ao" ja sugere esse sentido de responsabilidade,

    de acordo com 0 vocabulario moderno, ou quase p6s-nietzschiano, da vidamoral. Esta vinculada ao verbo "avaliar" a nOl'ao de algo que fazemos, deuma avalial'ao que emerge de nossa atividade avaliativa, e e exatarnente aique esta a nossa responsabilidade.

    Esta formulal'ao e trazida por Frankfurt quando ele concebe a nOl'ao depessoa como possuindo urna "auto-avalia~ao reflexiva que se manifesta naformal'ao dos desejos de segunda ordem".

    Podemos sugerir isto de outra forma. E indiscutivel que temos certosdesejos de primeira ordem. Eles ja estao dados, por assim dizer. Mas n6stambem fazemos avalial'oes e formamos desejos de segunda ordem. E essesnao sao dados, mas sim fomentados, e e nisso que eles envolvem nossaresponsabilidade.

    Como podemos entender nossa responsabiJidade? Uma influentecorrente de pensamento no mundo modemo quis entende-Ia como escolha.a termo nietzscheano "valor", sugerido por nossa nOc;ao de "avalia~ao",traz a ideia de que criamos os nossos "valores", que eles, em ultima instancia,dependem de nossa pr6pria adol'ao. Mas dizer que eles repousam em ultimainstancia nessa adoc;ao e dizer que surgem, ao fim e ao cabo, de uma escolharadical, isto e, de uma escolha que nao se baseia em nenhuma razao. Namedida em que uma escolha e baseada em razoes, estas razoes sao

  • 24 Teoria crftica no seculo XXI Jesse Souza I Patricia Mattos - ORGANIZADORES 25

    simplesmente reconhecidas como validas e nao sao em si mesmas escolhidas.Se concebennos nossos "valores" como escolhas, enta~ eles deverao, emultima instfulcia, repolisar numa escolha radical no sentido acima.

    Este, eclaro, e0 caminho tornado por Sartre em L 'eire et Ie neant, ondeele argumenta que nosso projeto fundamental repousa sobre urna escolharadical. Esta escolba, afmna Sarlre com seu tipico talento para notaveisformula90es, e "absurde, en ce sens, qu'il est ce por quoi (...) toutes lesraisons viennentit l'etre"IO Estan09ao de escolharadical tambem e defendidapor uma influente escola anglo-saxonica de fil6sofos da moral.

    Mas nossa responsabilidade por nossas avalia90es nao pode serentendida atraves de uma escolba radical - caso nossa autocompreensaofor a de agentes com profundidade, de avaiiadores fortes. Isto porque etotahuente conceblvel urna escolba radical entre avalia90es fortes, mas naourna escolha radical das avaiia90es fortes enquanto tais.

    Como ilustra

  • 26 Teoria crftica no seculo XXI Jesse Souza I Patricia Mattos - ORGANIZADORES..... 27

    ,

    especie de visao a respeito de nossa condic;ao moral. As escolhas estariamsituadas nessa COndi9ilO. Entilo, 0 que significa uma escolha radical surgirnumjulgamento? Seria ela capaz de me levar a aceitar uma posic;ao, como nocaso em que decidi por urna das a90es? Mas qual e a for9a de "aceitar urnaposi9ao"? Eu certamente posso dizer que "e meu dever ficar com minhamae", mas certamente nao epara issa que se volta 0 consentimento. Suponhoque, de fata, eu possa estar repentinamente tornado pelo sentimento de que"e meu dever ficar com minha mile"; mas onde estA a razilo para que isso sejaconsiderado uma escolha?

    Para falarmos em escolhas nao podemos estar presos a uma dasalternativas. Em urn certo sentido devemos estar submetidos ao que ambast~m de atrativo para dar 0 nosso consentimento a uma delas. Mas, nessecaso, que tipo de atrativo elas possuem? 0 que me atrai na viajem para Coted'Azurtalvez seja evidente, mas 0 que me motiva a ficar com minha mae naopode ser a sensll\'ilo de que "e meu dever", pois essa ex hypothesi surgiu dapr6pria escolha. Esta sensa9ao pode ser apenas urn desejo de Jacto, comomeu desejo pelo sol e pelo mar de Cote d'Azur. Mas ai a escolha em questiloseria semelhante aquela entre os dois feriados de que falamos na se9iloanterior. Estoll sujeito ao atrativo das duas opc;5es incomensuraveis, asavalio e comeC;o a perceber que uma me atrai mais do que a outra, que seuatrativo 15 preponderante. au, entao, a questao teimosamente nao se resolveate que, em algum momento, eu diga: "Que inferno! Vou ficar!".

    o agente de urna escolha radical precisa escolher - se e que ele de fatoescolhe algo - como urn simples medidor (weigher). E isto signifiea, a rigor,que ele nao pode ser urn avaliador forte, pois suas supostas avalia~oesfortes resultam de simples medi90es. A aplicar;ilo de uma linguagem decontrastes capaz de articularuma preferencia repousa em uma resoluvao, emuma escolha entre coisas incomensufllveis. Mas, entao, 0 usc dessalinguagem seria falsa em um sentido crucial. Isto porque, supostamente, amelhor defmi9ilo para a experiencia sobre a qual repousa a aplica9ilo dessalinguagem seria a de uma preferencia incomensuravel; a experienciafundamental que supomos no uso dessa linguagem de contrastes seria, defato, aquela tipica de urn simples medidor, nilo a de urn avaliador forte. 0 queleva esse medidor aconsiderar urna altemativa mais elevada ou mais valorosanao 15, suponho mais uma vez, 0 fate de ele vivencia-Ia nesses tennos; porisso suas avalia90es seriamjulgamentos, e nilo escolhas. Ao inves disso, elee levado a preferir urna delas, ap6s considerar 0 que ambas tem como atrativo.

    Mas claro que ate mesmo esta concep9ilo de escolha poderia nilo seraceitAvel para 0 te6rico da escolha radical. Ele recusaria reduzir essas escolhasa decisoes, como a de passar urn feriado no norte ou no suI. Isto porque elesupoe que essas escolhas nao se restringem a simples registros depreferencias, e 15 por isso que elas sao concebidas como escolhas radicais.

    Mas 0 que e uma escolha radical para alem do simples registro depreferencias? Bem, e possivel que eu decida exatamente seguir urna dessaspreferencias. E entao diga: "Que infemo!Vou ficar!". Mas isso, sem duvida

    . ,.'eo que conslgo fazer no caso da escolha envolvendo 0 feriado, onde eu, porexemplo, nilo formulo uma concep9ilo sobre a preferencia que e inerente epr6pria da alternativa escolhida. Minba decisilo nilo cria urna distin9ilo entreas duas alternativas.

    Epossivel que nas escolhas radicais eu desconsidere poi- completo aspreferencias. Nilo se trata de que eu tenba falhado em minba tentativa dedecidir sobre urna preferencia, me reSlando seguir cegamente uma delas esim que, neste tipo de escolha, as preferencias nao Sao levadas em con~a.Mas, enlilo, 0 que e levado em conta? Aqui chegamos no limite de urnaincoerencia. Vma escolha que nao leva em conta alguma coisa, na qual 0agente nao se sente motivado por nenhuma das altemativas, ou desconsiderecornpletamente essa motiva~ao, ainda seria uma escolha? a que isso poderiaser? Bem, 0 fato e que ele de repente segue uma 0p9ilo. E isso ainda poderiaser feito em urn nivel de abstra9ilo. 0 que torna essa opr;ilo uma escolha?Talvez isso esteja relacionado a algo que 0 agente pense ser a causa de suaa9ilo. Mas 0 que isso pode ser? Quem sabe repetir obstinadamente para simesmo "devo escolher uma delas", "devo escolher urna delas"? Certamentenilo e isso. Ele deve, antes, ponderar as alternativas, avali"; a desejabiJidadede cada urna, de modo que a escolha tenba alguma rela9ilo com isso. Talvezele considere que A e mais desejavel em todos os aspectos, e ainda assimescolha B; ou talvez ele tenha percebido repentinamente sua preferencia porB. Em ambos os casos, sua escolha esta claramente ligada a sua preferencia,por mais que esta tenha surgido, repentinamente, de uma inversao de criterios.Mas uma escolha inteiramente desvinculada da desejabilidade dasaltemativas nao poderia ser compreendida como uma escolha.

    A teoria da escolha radical e, de fato, profundamente incoerente, poisela almeja conciliar avalia9ilo forte e escolharadical. Ela deseja ter avalia90esfortes e ao mesmo temo negar a elas 0 status de resolu90es. 0 resultado eque ela sucumbe diante de urna investigar;ilo mais detida: para manter suacoereneia, a teoria da escolha radical torna-se, de fato, algo totalmentediferente. Ou bem levamos a serio aquelas considera90es que importam emnossa decisoes morais, 0 que nos obriga a reconhecer que elas, em suamaioria, nao surgem de escolhas radicais, ou enta~ tentamos a todo custosustentar nossas escolhas radicais independentemente de qualqueravalia9ilo, de modo que elas deixem de ser escolhas entre avalia90es fortespara ser uma mera expressao de preferencias; e, se seguinnosadiante ete~tarmos desvincular nossas escolhas de nossas preferencias de [acto,catremos, ao fInal, em urn comportamento sem criterio que nunca poderiamoschamar de escolha.

  • 28 Teoria erillea no seeulo XXI Jesse Souza I Patricia Mattos - ORGANIZADORES 29

    E verdade que a teoria mantem sua aparencia de plausibilidade aoadmitir discretamente que avalia,aes fortes podem estar, de dois modos,alem do alcance de urna escolha radical. Em primeiro lugar, a grande obje,aoit nossa tentativa de mostrar que escolhas morais radicais nao passam demeras preferencias de urn simples medidor e que as escolhas consideradaspela teoria dizem respeito a questaes basicas e fundamentais, como a denossojovem rapaz acima que tinha que decidir entre sua mae e aResistencia.Mas essas questaes nao sao basicas e fundamentais em virtude de escolhasradicais; sua importancia e dada au revelada em uma avaIia9ao que econstat",l., e nao escolhida. A verdadeira for,a da teoria da escolha radicalvern do sentimento de que existem diferentes perspectivas morais, de queexiste, como dissemos na se~ao anterior, uma pluralidade de visoes morais,entre as quais e muito dificil fazer urn julgamento. Podemos concluir que awica fonna de decidir entre elas e atraves da escolha radical que 0 jovemrapaz precisou adotar.

    E esse raciocinio, pOT sua vez, nos leva a uma segunda avalia9ao forte,que esta alem da escolha. Se esta e a condi,ao humana, entao e claramentefinito mais honesto, mais esclarecedor, menos confuso emenDS ilus6rio estarciente desta condi,ao e assurnir a inteira responsabilidade pornossas escolhasradicais. Apostura de "boafe" e melhornao em virtude da escolha radical, massim porque nossa caracteriza,ao da condi,ao hurnana reserva it escolha radicalesta importante fun,ao. E se assurninnos que esta e nossa condi,ao moral, emais honesto, corajoso, auto-esc1arecedor e, conseqiientemente, mais elevadocomo modo de vida, escolher com lucidez do que esconder nossas escolhasna suposta estrutura das coisas, fugindo da pr6pria responsabilidade e mentindopara si mesmo com urna profunda autoduplicidade.

    Quando percebemos aquilo que confere plausibilidade it teoria daescolha radical veffiOS como as avaliac;Oes fortes sfto inescapaveis em nossaconcep,ao do agente e de sua experiencia; assim 0 e porque tais avalia,aestambem estao vinculadas it nossa no,ao de self, de modo que elas reaparecemate mesmo quando pareciam excluidas.

    2.Isso pode ser observado de urn outro angulo, considerando urn outro

    modo de demonstrar 0 equivoco da teoria da escolha radical. Mencionei naultima se,ao que as avalia,aes fortes podem ser consideradas profundasporque, a partir delas, avaliamos nao apenas as preferencias desejadas,mas tambem 0 tipo de vida e a qualidade do agente que estas preferenciasdefinem para n6s. Isto esta profundamente vinculado com noSsa no,ao deidentidade.

    Com 0 tenno "identidade" eu desejo ressaltar as situa,aes em quefalamos de "encontrar apr6pria identidade" au em passar por uma "crise de

    identidade". Aqui nossa identidade e definida por nossas avalia,oesfundamentais. Encontrar a res posta para a questao "qual e minhaidentidade?" nao e possivel com uma lista de propriedades separadas dessasavali"l'aes, como minha descri,ao fisica, procedelicia, origem, habilidades e "assim por diante. Todas essas propriedade~ podem constituir minhaidentidade, mas somente de urn modo: se pertencer a urna certa linhagem foralgo crucial para mim, se eu tiver orgulho disso e conceber esse pertencimentocomo algurna coisa que me inclui em urna classe de pessoas cujas qualidadeseu valorizo em minha condi,ao de agente, qualidades estas que receho dessepanG de fundo como atributos que passam a integrar minha identidade. Eesta sera fortalecida se eu acreditar que nossas qualidades morais sao, emgrande medida, nutridas por nosso panG de fundo, de modo que se voltarcontra ele e uma grave auto-rejei,ao.

    Desse modo, minha linhagem e parte de minha identidade porque elaesta vinculada a certas qualidades que valorizo, ou porque acredito quedevo valoriza-Ias como algo que e parte inlrinseca de mim, pois, do contrlirio,estaria me auto-rejeitando. Em todo caso, 0 conceito de identidade estavinculado a certas avalia,aes fortes das quais nao posso me separar. Istoocorre porque estou convictamente identificado com minhas avalia,aes fortes,porque considero que algumas de minhas propriedades admitem somenteuma detenninada avalia,ao forte em rela,ilo mim,ja que tais propriedadessao de tal modo cruciais em relac;ao ao que sou enquanto agente, ou seja,enquanto urn avaliador forte, que realmente nao posso repudia-Ias. Comesse repudio eu teria minha interioridade violentamente desagregada e seriaincapaz de avaliar com autenticidade.

    Portanto, nossa identidade e definida por certas avalia,aes que saoinseparaveis de nossa condi,ao de agentes. Sem elas deixariamos de ser n6smesmos, e isso nao significa que seriamos apenas diferentes, no sentido deter outras propriedades - 0 que, na verdade, ocorreria ap6s urna mudan,a,ainda que pequena-, e sim que anulariamos apossibilidade de seITI10S agentesque avaliam; significa que nossa existSncia como pessoas e, conseqUen-temente, nossa capacidade de aderir a certas avaliayoes seriam impossiveisfora de urn horizonte fonnado por essa avaliac;Oes essenciais; enfim, quenossa condi,ao de pessoa estaria integralmente corrompida.

    Dessa forma, se alguma tortura ou lavagem cerebral me obrigasse aabandonar as convicyoes que defin em minha identidade, eu seriadesagregado, nao seria mais urn sujeito capaz de saber minha posi,ao nomundo e de conhecer 0 sentido que as coisas possuem paramim; eu sofreriaurna terrivel corrosao daquelas capacidades que definem urn agente hurnano.Se eu, por exemplo, fosse de alguma fonna induzido a repudiar minha linhagem,seria violado como pessoa, pois estaria repudiando urn componentefundamental da base sobre a qual detennino e avalio meu pr6prio sentido

  • 30 Teoria critlca no seculo XXI Jesse Souza I Patricia Mattos ~ ORGANIZADDRES

    I

    das caisas. Esse repudio seria inaut6ntico e, com ele, eu me tomaria incapazde fazer qualquer outra avalia9ao autentica.

    A n09ao de identidade nos traz como referencia certas avaJia90es quesao essenciais, pais sao elas que defmem 0 fundamento ou 0 horizonteindispensavel a partir do qual nos tomamos pessoas que refletem e avaliam.Nao ter ou nao encontrar esse horizonte e, de fata, uma terrivel experienciade perda e desagrega9ao. Epor isso que podemos falar em urna "crise deidentidade" quando perdemos nossa referencia existencial. Urn se((decide eage a partir de certas avalia90es fundamentais.

    Isto e impossivel na teoria da escolha radical. 0 agente da escolharadical, ex hypothesi, nao teria nenhurn horizonte de avalia9ao no momentode sua escolha. Ele seria inteiramente desprovido de urna identidade, urnaespecie de ponto sem dimensoes (extensionless point), urn mero movimentono vazio (a pure leap into the void). Mas ai estamos diante de umaimpossibilidade OU, no maximo, de uma descrivao da mais assustadoraaliena9ao mental. 0 sujeito da escolha radical e urna outra vers1io da recorrentefigura que nossa civiliza9ao deseja realizar: 0 ego descorporificado(disembodied ego), 0 sujeito que pode objetivar tudo, inclusive a si mesmo,e escolher a partir de urna liberdade radical. Mas a promessa desseautodominio total seria, de fato, a mais plena autodestrui9ao.

    3.Que sentidos podemos atribuir entao it responsabilidade do agente

    sem que ela seja entendida nos termos da escolha radical? Concluiremos quenao somos, em nenhum sentido, responsaveis por nossas avalia'Yoes?

    Creio que nao, pois ha urn outro sentido em que somos responsaveis.Nossas avalia90es nao sao escolhidas. Pelo contrario, elas sao articula90esdo que sentimos como valoroso, mais elevado, mais pleno, mais realizador, eassim por diante. E como articula,oes elas nos oferecern urn outro ponto deapoio para 0 conceito de responsabilidade. Vamos entao examina-Io.

    Grande parte de nossas motiva'Yoes ~ nossos desejos, aspira'Yoes,avalia90es - nao sao simplesmente dados. N6s as formulamos em palavras ouem imagens. Na verdade, pelo fato de sermos animais lingiiisticos, a articula91iode nossos desejos e aspira90es nao pode se dar apenas dessa ou daquelaforma, segundo modelos ja concebidos. Assim, nao somos simplesmentemovidos por fOf9as psiquicas comparaveis itgravidade ou ao eletromagnetismo,que, de forma rasa, podem ser entendidas como for9as dadas, mas sim por"forc;:as"ll psiquicas articuladas ou interpretadas de urn certo modo.

    11. Coloquei a expressoo entre aspas par que as motivac.:oes subjacentes que chamamosde "forc.:as" ou "impulsos" somente silo acessiveis atraves da interpretac.:ilo doscomportamentos e dos sentimentos. Nesse caso, e muito dificil trac.:ar a diferenc.:a

    Nesse nivel, articula~ao nao esimplesmente descri~ao, no sentido decaracterizar urn objeto totalmente aut6nomo, ou seja, urn objeto que naopade ser alterado nem no que ele ee nem no gran e no tipo de evidencia queele pade ter com a descric;ao. Assim, caracterizar umotmesa como marrom ouurna cadeia de montanhas como pontiaguda e urna simples descri9ao.

    As articula90es, ao contrario, sao tentativas de formular 0 que estainicialmente incompleto, confuso e malformulado. E esse tipo de formula9aoou de reformula9ao nao isenta seu objeto de altera90es. Fomecer urnadeterminada articula9ao e, de certo modo, moldar 0 sentido do que n6sdesejamos ou do que consideramos importante.

    Vejamos 0 exemplo acima do homem que enfrenta a obesidade e quepercebe isso como urna questao meramente quantitativa de maximizar asatisfa9ao, e nao como urna disputa entre dignidade e degrada9ao. Vmamudan'Ya transfonnaria sua disputa interior em uma experiencia totalmentediferente.

    As motiva~oes em oposi9ao - a suplica por urn bolo de creme e ainsatisfa9ao consigo pr6prio por causa desse deleite -, que aqui sao os"objetos" submetidos a uma nova descri'Yao, nao sao independentes nosentido esb09ado acima. Quando aquele homem consegue aceitar a novainterpreta9ao do desejo de se autocontrolar, 0 pr6prio desejo e alterado. Averdade e que, com relac;:ao a essa mesma aspirac;:ao, se ele deixa de comer 0bolo de creme nao mais como urna busca por dignidade e auto-respeito, amotiva9ao toma-se completamente diferente.

    Eclaro que, ate mesmo nesse caso, n6s tentamos quase sempre manter aidentidade do objeto que e submetido a urna nova avalia91io - tamanha e avincula'Yao aos modelos ordinarios de descric;:fio. Podemos pensar, digamos, emtermos de algum sentlmento imaturo de vergonha ede~ao que nao se fazpresente em nosso desejo de resistir ao prazer em excesso, que assim teria comosua (mica meta racional 0 acrescimo de satisf~ao integral. Assim, podemos tera impressao de que os elementos pennanecem os mesmos, de que sao apenasrearranjados. Mas, analisando mais de perto, vemos que as mudan9as trazidaspela nova descri9ao tambem alteram 0 sentimento de vergonha. Ele pode se

  • 32 leoria critica no seculo XXI Jesse Souza I Patrfcia Mattos - ORGANIZAOORES

    l,

    experiencia. Significa, ista siro, que certos tipos de experiencia slio impossiveissem certas autodescric;oes. A qualidade especifica da experiencia mostradano casa d.a obesidade, em que considero as alternativas apenas por umamedic;iio de utilidade, ficando isento da ameac;a de degradac;iio eautodesprezo, niiO pode existir sem a caracterizaC;iio "redutora" que fac;o dosdois desejos em disputa, como se fossem somente dois tipos diferentes devantagens. Essa descric;iio redutora e parte da forma calculista e objetificantecom a qual eu vivencio esta escolha. Podemos dizer que a descric;iio e"constitutiva" da experiencia, e esse e0 termo que a partir de agora usareinesse tipo de relac;iio.

    Mas 0 fato de as auto-interpretac;oes serem constitutivas da experiencianiio diznada sobre como ambas se modificam. De fato, parece que a mudanc;apoderia surgir de dois modos. Em algurnas circunstilncias somos, por n6smesmos ou numa interlocu~ao, levados arefletir, e as vezes adquirimos umanova forma de veT nossa condi

  • 34 Teoria crftica no seculo XXI Jesse Souza I Patricia Mattos - ORGANIZADORES

    Mas, num outro sentido de '"responsabilidade", que e anterior anossanO\Oilo modema de agir moral, consideramos as pessoas responsaveis com umjulgamentomoral a partir do que elas conseguem ou nao ver. Assim, uma pessoapode se auto-reprovar oferecendo urn ponto de vista sincero a respeito daexperioncia que ela ou outras pessoas atravessam, sobre 0 que e importante paraela ou sobre 0 que ela vo como importante para os seres humanos em geral.

    Eeste 0 sentido em que concebemos a responsabilidade das pessoaspor suas avalia.;.oes, urn sentido que nada tern a veT com a teoria da escolharadical. Mas n6s tambem nos compreendemos como responsaveis por estasavaliatroes em urn sentido mais diretamente "moderno".

    Este sentido tern a ver com aautra dire.;.ao da influencia causal em que,algumas vezes, podemos nos modificar e modificar nossas experienciasatraves de novas concep90es. Nossas avali~oes podem, em qualquer caso,estar sujeitas a contesta9ilo. Nossas avalia90es, em fun9ao da profundidadecaracteristica do self, articulam concep.;.oes que, com freqUencia, sao parciais,ilus6rias e incertas. Mas elas se abrem a revisilo quando admitimos quenossa pr6pria imperfeic;ao pade distorcS-las. Por esses dais motivos asavalia90es sempre concedem urn espa90 para reavalia90es.

    Somas responsaveis no sentido de que sempre podemos, por meio denovas concepc;oes, modificar nossas avaliac;oes para melhor, e, consequen-temente, tambem nos tomarmos melhores. Desse modo, nos limites de minhacapacidade de me transformar com novas conceP90es, nos limites daquelaprimeira dire~ao da influencia causal, eu sou responsavel par minhasavalia90es no sentido "modemo" de responsabilidade.

    Tudo que dissemos sabre a possibilidade de rever nossas avaliac;5esse aplica com maior for9a aquelas mais fundamentais, aquelas avalia90esque fomecem as tennos com os quais outras nao tao fundamentais saoconstituidas. Silo elas que dizem respeito aminha identidade, no sentido quedescrevemos na se9ilo anterior. La eu descrevi 0 selfcomo possuindo umaidentidade que e defmida nos termos de certas avalia90es essenciais, asquais fomecem 0 horizonte e a base para as demais avaliac;5es que fazemos.

    E essas avaliayOes mais profundas sao precisamente as mais obscuras,as menos articuladas e as mais suscetiveis a ilusoes e distorc;oes. Sao asavalia90es que dizem mais de perto 0 que sou como sujeito, e sem as quaisme defonno como pessoa, que mais tenho dificuldade em conceber comclareza.

    Com isso, algumas quesWes sempre se colocam: Devoreavaliarminhasavali~oes mais fundamentais? Compreendo 0 que e essencial em minhaidentidade? Tenho realmente uma fonnula9ao do que percebo como urn modode vida mais elevado?

    Ai esse tipo de reavalia9ao sera radical: nilo no sentido da escolharadical, onde nilo possuimos criterios para escolher, mas sim no sentido de

    que nossa busca se realiza com formulac;oes que, em principia, sempre saosuscetiveis a uma revisao.

    o que nos e de importilncia fundamental ja tera uma articula9ilo: emalguma n09ilo de que um certo modo de vida emais"elevado do que outros,na crenya de que alguma causa de maior valor merece nossa adesao, ou nosentimento de que a perten9a a esta comunidade e essencial em minhaidentidade. Vma escolha radical ira colocar tudo isso em questilo.

    Mas uma reavaliaC;ao desse tipo, uma vez iniciada, possui tun caraterpeculiar. Conduzir uma avaliayao desse tipo nao significa realizar umaavalia9ilo radical. Quando me questiono se e honesto levar vantagem emuma brecha do imposto de renda ou burlar a alf'andega, avalio nos termos deuma linguagem que esta fora de disputa. 0 termo "honesto", que empregopara resolver meu questionamento, esta aMm de qualquer contestac;ao. Mas,por defini9ao, 0 que esta em jogo numa reavalia9ilo radical sao justamenteaqueles termos mais basicos que fundamentam outras avalia90es. E eprecisamente porque em principio todas as formu]a90es podem distorcerseus objetos que devemos compreende-los como revisaveis, que somosobrigados a retornar, por assim dizer, ao limite inarticulado de onde eles seoriginam.

    Como podemos entao conduzirtais reavalia90es? Certamente nao existea nossa disposiC;ao uma metalinguagem com a qual possamos avaliar auto-interpretac;5es em disputa, como as duas caracterizac;5es acima sobre meudesejo de ir para 0 Nepal. Se ela existisse, isto nao seria uma reavaliac;aoradical. Ao inves disso, a reavalia9ilo e conduzida numa f6rmula disponivel,mas, por assim dizer, numa disposi9ilo de atentar para 0 que esta f6rmulabusca articular e com a prontidilo para aceitar alguma mudan9a no modoComo se ve a situac;ao, algwn conjunto totalmente novo de categorias arespeito de nossa condi9ilo e que podem nos trazer uma certa inspira9ilo.

    Qualquer urn que ja se debateu com problemas filos6ficos sabe como eesse tipo de indaga9ilo. Em filosofia, come9amos nonnalmente com umaquestao que sabemos estar malfonnulada no inicio. E esperamos que, aolidar com a questilo, possamos transfonnar os termos em que ela era colocada,de modo a enfrentar, no final, um questionamento que no come90 nilo estavapropriamente instaurado. Buscamos uma inova9ilo conceitual que nos permitaIanc;ar luz sobre algum outro ponto, sobre uma dimensao da experienciahumana que, de Outro modo, ficaria obscura e confusa. A altemativa epersistirobstinadamente com certos tennos e tentar compreender a reaIidadeclassificando-a a partir deles (as proposi90eS silo sinteticas ou analiticas, asquestOes silo psicol6gicas ou filos6ficas, a visilo e monista ou dualista?).

    Esse mesmo contraste pode existir em nossas avaliac;oes. Podemosten tar uma reavaliaC;ao radical, e esperarmos que nossos termos setransformem no decorrer dela, ou podemos insistir em determinados tennos

  • 36 Teoria critica no seculo XXI Jesse Souza I Patricia Mattos - ORGANIZAOORES oJ?

    ~I

    favoritos, insistir que todas as avalia~oes se fa~am a partir deles e recusarqualquer questionamento radical. Em urn caso extremo, alguem pode adotaro criterio utilitario e entao exigir que todas as questoes ulteriores sobre a

    a~ao sejam colocadas em termos de cauculabilidade.Nllo-utilitaristas, existencialistas e Qutros tern ressaltado, recorren-

    temente, que aqueles que seguem essa linha mergulham em uma questi'iomaior: Podemos reahnente decidir a partir do principio utilitArio? Mas issonao siguifica que a alternativa a essa postura seja a escolharadical. Significa,i550 siro, retomar 0 olhar para nossas formula~oes mais fundamentais, para 0que elas tentam articular, numa disposi~aode abertura, COm a prontidi'io paraaceitar a emergencia de algurna mudan~a de categorias, ainda que radical. Eclaro que sempre come~arnos por casas particulares, nos quais, por exemplo,nossas avalia~oes recomendam caisas preocupantes, ate experimentannosuma certa perplexidade. Com isso seremos como 0 fil6sofo e suas questoesiniciahnente malformuladas. Mas podemos chegar a algo mais profundo.

    Everdade que essa disposi~ao de abertura e muito dificil. Ela podeexigir disciplina e tempo. Edificil porque esta forma de avaJia~ao e profundaem urn sentido, totalizante em outro, e radical em ambas. Quando questionose 0 contrabando de um radio e honesto, ou avalio todas as coisas comcriterios utilitArios, tenho um padrao, um criterio definido. Mas se parto paraum questionarnento radical, nao significa que deixo de ter criterios, quequalquer coisa tera validade, mas sim que 0 criterio passa a ser minha

    percep~aomais profunda e nao-estruturada do que e importante, de algoainda rudimentar que eu tento definir. Estou tentando olhar novarnente paraa realidade e formar categorias mais adequadas para descreve-Ia. E assimtento estar aberto, usando a percep~ao mais profunda e nao-estruturada quetenho das coisas para alcan~ar uma nova claridade.

    A essa altura, me envolvo em uma profundidade que e inacessivel como uso de criterios fixos. Ao mesmo tempo, envolvo totahnente meu self, deum modo que tambem nao acontece com 0 uso desses cnterios. E isso quetorna areflexllo sabre nossas avalia~oes alga dificil e incomuID. Emuito maisfacil aceitar as formula~oes que estao mais prontamente ao nosso alcance,ern geral as que esffio disponiveis em nosso ambiente ou em nossa sociedade,e conviver com elas sem muito questionamento. Os obstaculos no caminhode uma busca mais profunda sao enormes. Existe nao apenas a dificuldadede se concentrar em avalia~oes fundamentais, e 0 sofrimento causado pelaincerteza em rela~ao a elas, mas tambem todas as distor~oes e repressoesque nos fazem querer desistir desse questionamento: e que nos tornaresistentes as mudan~as, mesmo quando insistimos em nos reavaliar. Algumasde nossas avalia~oes podem se tornar fixa~oes e/ou compulsoes, de modoque nao conseguirnos deixar de culpar X e nem de desprezar Y, mesmosabendo, no nivel mais elevado de abertura e profundidade de nossa visao,

    que X age com perfeita corre~ao e que Y e um. pessoa muito admiriivel. Issolan~a luz sobre um outro aspecto do termo "profundo", da forma como 0aphcamos aos seres humanos. Consideramos as pessoas profundas namedida em que elas, entre outras coisas, sao capafes desse tipo de auto-reflexao radical. .

    Essa avali~ao radical e uma refiexao e uma auto-reflexao profundas emum sentido especial: e umarefiexao sobre oseife suas questOes fundamentais,uma refiexao que envolve 0 selfda forma mais profunda e totalizante. E eporque 0 seifesta totalmente envolvido, e sem um criteno pre-fixado, quepodemos falar em uma reflexao pessoal (aqui podemos fazer um paralelo coma no~ao de conhecimento pessoal de Polanyi); e 0 que emerge desse processoe, no sentido forte do termo, uma decisao, pois 0 que esta em jogo nessareflexao e 0 pr6prio self, isto e, a defini~ao daquelas avalia~oes rudimentaresque percebemos como essenciais em nossa identidade.

    Como somos nos que chegamos a essa decisao, quando de fatochegamos, somos responsaveis por nos mesmos; e como sempreencontramos limites nesse caminho, mesmo nao chegando a uma decisao _na verdade, a natureza de nossas avaliatrr5es mais profundas levanta semprea questao de se nos as concebemos corretamente -, nos podemos serconsideramos responsaveis por nos mesmos em urn outro sentido: se nosrealizamos ou nao essa avaliatrrao radical.

    4.. Eu investiguei alguns aspectos do selfou do agente humano a partir

    da Idela chave de que a capacidade para ter desejos de segunda ordem ouseja, a capacidade de avaliar desejos, e urn tra90 crucial da agencia hum~a.Espero que no decorrer dessa discussao eu tenha tornado cada vez maisplausivel que a capacidade para 0 que chamo de avalia~ao forte e umacaracteristica essencial da pessoa.

    Creio que isso ajudou a esclarecer 0 sentido que atribuimos areflexaoavontade e tambem aresponsabilidade do agente humano. Mas 0 noss~conceito de agencia humana tambem e de importiincia crucial para toda cienciahumana possivel, especiahnente a psicologia.

    Para concluir, gostaria de esbovar urn pouco das conseqtiencias queest~ n09aO tern para a investigavao psicologica. A primeira conseqtiencia e,eVl~ent~mente, que urn conceito como 0 de "pulsao", que a teoriamolIvaclOnal entende como uma for~a psiquica que opera sem a media~ao dequalquer interpretavao, nao encOntra uma aplica9aO proveitosa. A ideia deconsiderar a puIsao Como uma forva das ciencias naturais e urn enganoteorico. Ao inves disso, nos deveriamos assumir que aqueles ramos dapsicologia que tentam considerar 0 comportamento plenarnente motivadoprecisam reconhecer 0 fate de que 0 animal humano e urn sujeito que se

  • 38 Teoria crrtica no seculo XXI Jesse Souza I Patricia Mattos - ORGANIZADORES ..9

    auto-interpreta (self-interpreting subject). E isto significa que esses ramosda disciplina devem ser ciencias "henneneuticas".

    Discuti alguns aspectos desse problema em Dutra ocasiao. 12 Mas umad.as conseqtiencias que aludimos nessa discussao tern a ver com 0 estudoda personalidade. Se assurninnos que 0 homem eurn animal que se auto-interpreta (self-interpreting animaT) teremos que admitir que 0 estudo dapersonalidade conduzido somente em tennos de tra,os gerais possui urnvalor apenas limitado. Isto porque, em fiUitOS casas, n6s apenas podemosencontrar urn significado apropriado para as articula,oes dos sujeitos parmeio de estudos "ideognificos", que investigam os tennos especificos queconfigurarn as auto-interpreta,oes individuais. Estudos feitos exclusivamenteem termos de tra~os gerais podem ser vazios ou mesma terminar eminconsistencias frustrantes. ereio existir aqui alguma base em comum com aquestao colocada por W. Mischel e H. Mischel em urn estimulante artigo,segundo a qual fun,oes como 0 autocontrole operam de fonna muito maisdiscrirninada do que podemos considerar nos tennos de alguma coisasemelhante a "uma entidade peculiar e unitaria de consciencia ouhonestidade" .13

    No entanto, talvez 0 ganho mais valioso de uma concep,ao de selfmais amplamente formulada, como nos terrnos acima, a qual consegue evitaro reducionismo da teoria da pulsao, vern de urn dhilogo com aquelas correntesda psicanalise que estao particularmente interessadas no desenvolvimentodo self, e 0 artigo de Ernest Wolf nos oferece urn exemplo extremamenteinteressante. 14 Isto porque qualquer teoria da ontogenese do self, assimcomo seus possiveis desdobramentos, deve, implicita ou explicitamente,tanto esbo,ar como se desenvolver a partir da irnagem de urn agente hurnanototalmente responsavel. A tentativa de investigar nossa no,ao fundamentalde responsahilidade poderia, portanto, ajudar e, ao mesmo tempo, se valerde urn estudo sobre 0 desenvolvirnento e as patologias do self.

    Creio, desse modo, que existam relac;oes entre as considerac;oesrudimentares que fizemos nesse artigo sobre a identidade e a no

  • oreconhecimento social esuarefundagao filos6fica em Charles Taylor1

    PATRICIA MATIOS2

    Charles Taylor e urn dos autores centrais da discussllo contemporineasabre 0 reconhecimento social, terna este que aparece, nos ultimos tempos,como a nova fanna de se conceber uma Teoria Critica que possibiliteinterpreta90es, diagnoses e novas formula90es para os problemas dassociedades contemporineas. Eintrigante a crescente influenci~ da categorianeo-hegeliana do reconhecimento social no debate contemporineo devanguarda. Alguns dos mais talentosos e instigantes pensadores modemostem-se dedicado it constru9110 de urna leitura e interpreta9110 altemativa damodemidade contemporinea it luz dessa ideia-guia.3

    Taylor constr6i a fundamenta9110 filos6fica e hist6rico-filos6fica datese do reconhecimento social como vinculo mais basico entre os individuos.a que ele preserva da tradi9110 hegeliana e a certeza no papel fundamental dan09110 de reconhecimento social como fundamento da vida humana emsociedade. Ea partir dessa ideia hegeliana que Taylor formula sua antropologiafilos6fica e sua genealogia do Ocidente.' Pretendo neste artigo discutir a

    1. Este texto reproduz, com algumas alteral;(')es, 0 capitulo II de meu livro A sociologiapolitica do reconhecimento: as contribui;oes de Charles Taylor, Axel Honneth eNancy Fraser, lan~ado em maio de 2006, pela Editora Annablume.

    2. Professora convidada da Universidade Federal de Juiz de Fora.3. Charles Taylor, Axel Honneth e Nancy Fraser sao os principais autares que procuram

    retrabalhar essa honnivel heran9a hegeliana. E possivel notar uma intima rela9ao deinfluencia reciproca entre 0 trabalho desses pensadores eminentes e intluentes dodebate contemporaneo. Ao mesmo tempo, tambem e possive! detectar tanto enfasese pontos de partida distintos, por urn lado, como tambern, uma certa divisao dotrabalho intelectual, por Dutro. Para maiores detalhes sobre a teoria hegeliana, verTaylor (1975; 1979) e Honneth (2003).

    4. Em sua obra maxima, Taylor (1997) complementa sua antropologia filos6fica comuma analise hist6rica que mostra 0 modo especlfico no qual a concep9ao de a9ao

  • Aconcepgao de agao humanao tema deste t6pico e 0 que singulariza 0 agente humane, ou 0 que

    atribuimos a humanos que nao atribuimos a outros animais. 0 ponto inicialda reflexao de Taylor e a distin~ao de Harry Frankfurt' entre desejos deprimeira e segunda ordens, sendo que os ultimos representam a capacidadede ~~ava1iar" a desejabilidade dos primeiros. Is50 nenhum animal, exceto 0homem, possui. Taylor, no entanto, considera importante avanvar mais urnpasse e propor uma diferencia~aoentre duas formas de avalia~ao do desejo:uma avali~ao fraca e outra avalia~ao forte.

    originalidade da tematiza~ao do reconhecimento social na antropologiafilos6fica tayloriana, salientando a rela~ao entre identidade e moralidade.

    Taylor mostra que 0 selfpossui uma duplacomposi~o: 0 selfontol6gico,que diz respeito as caracteristicas invariaveis de uma antropologia queindepende de tempo e espa~o, que sera objeto de analise deste artigo; e 0selfhist6rico, que se desenvolveu ligado a uma visao particular de bern e deboa vida ("da vida que vale a pena ser vivida"), que !he permitiu construirsua genealogia do Ocidente.' A proposta de sua antropologia filos6fica edetectar as caractensticas invariaveis de tada experienciahumana em qualquerambiente social, independentemente de tempo e espa~o. Isso nao significa,obviamente, postular a possibilidade de uma condi~aohumana a-hist6rica enao situada socialmente, mas, apenas, reconstruir as pressupostos que estaopresentes em qua/querforma humana de sociabilldade. Esse selfonto16gico,portanto, nao existe no "limbo", mas se refere ilquelas pre-condi~oes nao-contingentes, ou seja, dependentes de urn momento hist6rico e culturalpeculiar. 0 "onto16gico", aqui, refere-se a existencia de pressupostosimplicitos presentes em qualquer varia~ao concreta da vida humana emsociedade.

    Existem tres pontos centrais que explicam a novidade radical daantropologia filos6fica tayloriana: a concep~ao de a~ao humana, a concep~aodo homem como um animal que se auto-interpreta, e a rela~ao entre linguageme natureza humana. Esses elementos permitern mostrar como a constituic;aodo selfesta intrinsecamente ligada a uma visao de bem e de boa vida, a qualconstitui 0 nucleo central da proposta tayloriana neste particular que e 0esclarecimento da rela~ao entre identidade e moralidade.

    A distin~ao entre avalia~oes fortes e fracas e de grande relevancia parao entendimento da identidade ou do self. Na avali~ao fraca, 0 que se sopesasao os resultados da avao como, por exemplo, a decisao de ir ou nao a certoslugares durante as ferias. Ja nas avalia~oes fortes( 0 que e levado emconsidera~aoprimeirarnente sao as "motiva~oes" das flossas a~oes, ou mellior,o que eavaliado e0 "valor qualitativo" dos nossos diferentes desejos. Issosignifica que, no contexto da avaliayao forte, nos caracterizamos as altemativasque nossos desejos nos impelem, mas nao apenas em termos pragmaticos,defmindo, por exemplo, qual altemativa seria mais "desejavel" coneretamente.Ao contrario, passa a ser fundamental "contrastar" as altemativas entre si demodo que fique claro 0 que h:i de efetivamente mais desejavel na altemativapreferida. 0 conillto, neste caso, e mais profundo e nao meramente pragmatico.Taylor critica as concep~oes utilitaristas, abundantes em suas diferentesversoes, porque esta doutrina nao leva em consideravao as avaliavoes fortes.o que ele defende e que as altemativas de a~ao nao podem ser expressasapenas pOT um tipo de unidade de calculo, conforme propaga 0 utilitarismocom sua arnbi~ao em converter a reflexao pratica tanto quanto possivel emcalculo excessivarnente racionalista(Taylor, 1999: 17).

    A tendencia do utilitarismo e desconsiderar as avalia~oes fortes dosdesejos, desconsiderando por completo qualquer possibilidade de umaqualitativa distin~ao entre os desejos. 0 que esUi em jogo mis quest5es de

    avalia~oes fortes e saber se os desejos sao distinguidos segundo valores.Sendo assim, podemos dizer que nas avalia~oes fracas para que algo sejajulgado bom esuficiente que seja desejado; enquanto que nas avalia~oesfortes e necessario 0 uso de urn criterio que represente 0 "born" e nao s6 0desejo. 0 fio condutor do utilitarismo induz ao abandono do contrastequalitativo da linguagem e isso significa abandonar as avalia~oes fortes dalinguagem definidas por contraste. 0 utilitarismo tenta reduzir nossoscontrastes qualitativos para um medium homogeneo. 0 que se prioriza e a

    des-identifica~ao. A tentativa de rejeitar as distin~oes qualitativas e em simesma, segundo Taylor, uma ilusao. 0 que 0 utilitarismo nem percebe e queele mesmo adere a um modo de vida no qual 0 calculo e 0 controle daspulsoes sao qualidades consideradas superiores.'

    Taylor constr6i urn elo entre a avalia~ao forte" e a articula~o.A avalia~aoforte exige e pressupoe uma linguagem contrastiva do valor das coisas, queopoe 0 nobre ao vulgar, 0 superior ao inferior, etc. Ea "articulavao" dessas

    Jesse Souza I Patricia Mattos - ORGANIZADDRESTeoria crftica no seculo XXI42

    humana, construida por ele na dimensao filos6fica, foi constituida no Ocidente. Aquestao aqui passa a ser a da concepy~o singular de ser humane que foi produzido demodo contingente no peculiar contexto hist6rico do Ocidente.

    5. Essa dupla abordagem do selfe discutida, em detalhe, por dois de seus principaiscomentadores intemacionais: Abbey (2000) e Smith (2002).

    6. Frankfurt apud Taylor (1999: 15-6).

    7. Taylor (t997c) faz uma exposiyao pormenorizada dos efeitos do utilitarismo, dosubjetivismo e do relativismo.

    8. As avalia'toes fortes sao importantes tanto num sentido existencial quanto politico.Gadamer e urn dos autores usados por Taylor tanto para desenvolver sua crftica aonaturalismo quanto seu argumento sobre 0 relativismo cultural e 0 rnulticulturalisrno.

  • (... ) que a capacidade para avalia'tao e essencial para nossa no~aode sujeito humano; que sem essa capacidade faltaria aos agentesurn tipo de profundidade que n6s consideramos essencial para a

    diferen9as fundamentais que pennite expressar altemativas nilo pragm!iticas.A ideia central aqui e que as coisas diferem em qualidade ou valor eo desejodeve ser avaliado sob esse preceito. Essa maior "'profundidade" do avaliadorforte permite que ele articule suas motivac;oes e, ao faze-la, conscientize-sede que essas 0P90es, na realidade, perfazem a qualidade da vida que sebusca, pennitindo tambem refletir sobre diferentes modos e possibilidadesde existencia. Nesse sentido preciso, a avaliac;ao forte nunca eapenas umacondi9ilo de articU!a9ilo acerca de preferencias pragmaticas ou instrumentais,mas tambem do tipo e da qualidade de vida, ou seja, do tipo de ser hurnanoque se quer ser. Como diz Hans Joas (1999), e 0 tema das avalia90es fortesque pennite, no contexto da fenomenologia dos sentimentos morais levada acabo por Taylor, que se construa urn conceito de "objetividade moral". ParaTaylor, a capacidade de se "avaliar fortemente" e essencial para a n09ilo desujeito humano, sem a qual nenhuma comunicavao sena passivel (Dutraqualidade universal). Parece residirnesta ideia 0 nucleo mesmo da concep9ilode antropologia filos6fica tayloriana.

    Gadamer It 0 mais importante interlocutor de Taylor na questilo do significado e dascondi~eies que permitem a compara9ilo entre culturas ou formas de vida, bem comosobre as possibilidades de aprendizado envolvidas nesse processo. A critica de Taylorao naturalismo inicia-se peio questionamento da aplica9ilo do metodo das cienciasnaturais nas ciencias humanas. A especificidade das ciencias humanas eque estas terncomo principal objetivo nilo somente preyer 0 comportamento das pessoas. mas toma-las inteiigiveis. Ejustamente por isso que e impossivel a adesilo ao pressuposto dasciencias naturais. Taylor procura responder aquestiio: como se estabelecem as formase os limites de inteligibilidade entre os homens? Para discutir essa questilo, ele utiliza,dentre outros autores, Gadamer. Deste, Taylor utiliza a discussilo sobre 0 exerciciocomparativo. 0 processo de compreensilo do outro envolve. obrigatoriamente, umacompara9ilo com a minha visilo de mundo. 56 epossivei a partir deJa. A inteligibiJidadedo outro depende de nossa pr6pria compreensilo humana. A comparal;ilo com outrasformas de vida permite-me perceber que ha vilrias possibilidades de vida. Ao articularisso, tambem desenvolvo uma reflexilo nilo s6 sobre 0 que me perturba na perspectivado outro, mas tambem sou chamada a relativizar os bens que me silo caros. A ideia aquie que a autocompreensilo do outro ahera a minha autocompreensilo. E claro que halimites para a nova compreensilo que definirilo 0 pano de fundo comum contra 0 qualaquela questao e compreendida. L6gico que isso nilo garante que inexistam distor90esem rela~o a minha autocompreensilo do outro. Taylor (1995) reconhece as limital;oesdesse processo, contudo, acredita que a forma de vence-Ias ou tentar superalas e aplicarconstantemente a pratica da compara9ilo. Para maiores detalhes, ver tambem Abbey(2000).

    Taylor vincula compreensivelmente nao apenas icapacidade cognitivade perceber distin90es fundamentais aD tema da avalia91io forte, mas tambemit capacidade moral de assumir responsabilidades. Se podemos pensar a n6smesmos como seres responsaveis por nossos at05 e pela escolha de n05savida, de urn modo que os outros animais nao sao, isto tambem se deve a estapossibilidade de articular e avaliar desejos. Essa escolha, que constitui an09ilo de responsabilidade, nilo pode, no entanto, ser definida no sentidonietzschiano de radicalidade. Se ela e amparada em boas a90es, ou seja, seela e articulada, ela e "assurnida" e nilo criada ex-nihilo. Tambem a n09ilO deidentidade e defmida a partir da faculdade de se avaliar fortemente. Existemcertas avalia90es fortes que fazem de tal modo parte de n6s que rejeita-Iasimplica rejeitar a n6s pr6prios como pessoas. A n09ilo de avalia9ilo forte,portanto, e percebida como pressuposto da n09ilo de identidade, no sentidode que certas avalia90es constituem 0 indispensavel horizonte ou funda9ilOa partir das quais avaliamos os outros e n6s mesmos.

    Essa e Dutra explica9ilo it questilo da impossibilidade de existir umaescolha radical,ja que esta pressupoe uma escolha a partir da ausencia destehorizonte previo fundador. A ideia de uma escolha radical seria, para Taylor,apenas uma nova mascara da aspiralYao recorrente de objetivac;ao total,inclusive de si pr6prio, que nosso tipo de civilizac;ao acalenta, e que pennitiriaa escolha radical. Assim, as nossas avaliac;oes nao sao "escolhidas", namedida em que silo articula90es do que ja consideramos como valioso. Noentanto, enquanto "articulac;oes", as nossas escolhas sao tambem, desdesernpre, interpretac;oes dos nossos desejos - uma necessidade para osanimais lingtiisticos que n6s somos - interpretayoes estas sempre sujeitas areexame. Desse modo, sao sempre possiveis novos insights e novas correc;oesde rurno, das quais somos responsaveis e que podem nos diferenciar parapior ou para melhor (Taylor, 1999: 39). A articula9ilo de urn objeto (umaexperiencia, por exemplo) tende a fazer deste objeto alguma coisa distinta doque ele era antes.

    A nOyao de identidade nos remete a certas avaliayoes que saoessenciais porque elas sao 0 horizonte indispensavef ou 0fundamento a partir do qual n6s refletimos e avaliamos comopessoas. Perder esse horizonte ou nao te-lo encontrado e umaexperiencia temvel de desagrega98,0 e perda. Por isso, n6s podemosfalar de uma "crise de identidade" quando n6s perdemos nossosentido sobre quem n6s somos (Taylor, 1999: 35).

    humanidade, sem a qual nao seria possivel a comunicacao humana(Taylor, 1999: 28).

    Jesse Souza I Patricia Mattos - ORGANIZADORESTear!a critlCa no secula XXI44

  • Aideia do homem como animal que se auto-interpreta

    As avalia90es profundas sao geralmente aquelas menos articuladas,menos claras e, por isso mesma, mais sujeitas aHuslia e adiston;ao.9 Issoimplica que 0 caminho para a articula9ao de nossas avalia90es fortes e cheiode annadilhas e incertezas. Mas se engajar nessa empresa au deixa-la significaurn dos melhores exemplos de como podemos seT responsaveis por nosmesmos. As pulsoes jamais existem sozinhas, mas sempre num contextehenneneutico que pennite carrega-Ias com interpreta90es.

    9. A ideia de que as avaliayi')es fortes que nos guiam sao inarticuladas e de ditlcil acessoequivale a dizer que 0 mundo social nao e transparente e imediatamente acessivel.Ao contrario, ele e perpassado por relayi')es de dominayao e ideologias. Dai seremas avaliayOes fortes as de mais dificil acesso. :E: aqui que Taylor desenvolve suacritica ao "naturalismo", a urn tipo de COnCepyaO ingenua do mundo social. Ora,toda a analise de Taylor pressupi')e, precisamente, a dificuldade, num contextodominado pelo naturalismo, de acesso as avaliayi')es fortes. Sem essa dificuldade todasua teoria nao teria 0 menor sentido. Tambem, por conta disso, Taylor e urnpensador "crftico". Sua preOCUpayaO principal e tentar identificar os obstaculos paraa constrUl;ao de avaliayoes fortes tanto no sentido existencial quanta politico.

    10. Ver Taylor (1995; 1997b; 1999; 1988).

    4"Jesse Souza I Patricia Mattos - ORGANIZADORESA ideia central aqui e que todos n6s dispomos de condi90es de

    inteligibilidade de nossa cultura que estao vinculadas a nossa compreensaosobre nossa vida. Utilizamos, mesmo que de fonna inarticulada, as concep90esbasicas de nossa cultura para entendennos e julgarntOs as nossas a90es emotiva90es, assirn como para fazerrnos 0 mesmo com outras pessoas. Mesmode fonna inarticulada essas pre-n090es moldam os nossos juizos. E ejustamente nisso que temos de nos centrar se quisennos estabelecer qualquerpadrao de inteligibilidade para n6s.

    Nesse sentido, seu influente texto "Self-interpreting animals" pode sercompreendido como uma pe9a polemica contra a fonna objetificadora ereducionista com a qual certos pontos de partida cientificos abordam 0comportamento humano. 0 pano de fundo da tese do animal que se auto-interpreta e a dentincia do enfoque que nao leva em conta 0 papel constitutivoda interpreta9ao que temos de n6s mesmos e da nossa experiencia para adefmi9ao daquilo que somos. Nao se pode usar uma linguagem objetificadorapara explicar caracteristicas como a vergonha, por exemplo, que sao "referidasao sujeito" (subject referring), ou seja, pressupoem propriedades que s6podem existir em referncia ao sujeito da experincia, posta que apontampara a fonna de vida do sujeito enquanto tal. A abstra9ao dessas propriedadesequivale a nao perceber 0 nueleo mesmo desta experiencia. Para este tipo deexperiencia, que nao pode ser percebida pela perspectiva objetivada, 0 queeexigido euma expressao na forma de "linguagem emocional".

    Sao esses sentimentos referidos ao sujeito que nos abrem para 0universe do humano. Nao se pode ter uma consciencia desapaixonada dobern humano e a qualidade dessa consciencia tern a ver com a relayao quetemos com nossos sentimentos. E a articulayao dos nossos sentimentosexperenciados que permite montar urna hierarquia entre eles, possibilirnndoo surgimento de uma escala entre superior e inferior, nobre e vulgar, ou ate apercep9ao da falsidade ou ilusao de outros tantos (Taylor, 1999; 63). Enestesentido que se pode pensar 0 homem como animal que se auto-interpreta. Eque essas articula90es sao, em seu nueleo, interpreta90es. Nao no sentidoem que come9amos com uma materia-prima bruta para chegar itsinterpreta90es. Ao contcirio, a vida humana nao existe sem interpreta90es eas interpreta90es sao constitutivas dos sentimentos. Dizer isso e perceberque mudanc;as ulteriores na interpreta9ao implicam a transfonna9ao dessesmesrnos sentimentos.

    Este eurn processo que, em certa medida, desde que uma vez aberto,jamais se fecha. As articula90es de em090es sao sempre autovalida90es, namedida em que nenhuma instancia exterior pode decidir pelo sujeito. Emoc;oese articula90es sao, desse modo, termos reciprocamente referidos. Mais ainda,e numa dimensao ainda mais importante, a interpreta9ao de n6s mesmosinaugura uma parte essencial de nossa existencia. N6s somos sempre 0

    Teoria crftica no seculo XXI46

    Uma das bases centrais da revo]u9ao cientifica do seculo XVll e a ideiade que a objetifica9ao e 0 distanciamento do objeto de estudo e imprescindivelpara a methoT compreensao do mesma, livrando-nos das pre-no90es quecomprometem a avalia9ao do objeto. 0 ideal propagado por essa revolu9aoede que devemos afastar todos os juizos subjetivos e devemos analisar osobjetos segundo suas propriedades. A consequencia disso e a propaga9aode visoes reducionistas da alYao hum ana. Os seres humanos saocaracterizados independentemente de suas experiencias, de suas auto-experiencias. Estas, au sao ignoradas, au sao consideradas epifen6menos. 1O

    o que Taylor questiona e essa perspectiva de analise neutra a respeitodos seres humanos. Somos, como jA vimos acima, constituidos por valores,e eles nao sao neutros, representam escolhas em rela~aoa uma forma de vidaque etomada como superior, mesmo que isso nao esteja articulado. Por isso,nao ha que se falar em neutralidade quando estamos desenvolvendo estudossobre as ciencias humanas. S6 posso falar no significado da humanidade sesouber 0 que e 0 vergonhoso, humilhante, nao-desejavel, etc. E essasem090es nao sao capturadas de maneira objetiva, com distanciamento doobjeto; pelo contrario, cada um desses adjetivos expressa a importancia dedesejos, prop6sitos, aspira90es ou sentimentos do sujeito.

  • 11. Honneth (1992: 306-7).

    AIinguagem eanatureza humanao tema da linguagem e um dos aspectos centrais e nucleares para todo

    o projeto de funda9ao filos6fica tayloriano, com conseqUencias importantespara a compreensao de suas teses mais poh~micas em todas as areas. AxelHonneth, II em seu primoroso comentario afilosofia tayloriana, no posfacioa edi9ao alema de Negative Freiheit, defende, inclusive, que a n09ao delingua serve para substituir 0 conceito hegeliano de espirito, nO contexto

    p6s-metafisico da reflexao tayloriana. Para demonstrar a originalidade de suaconcep9ao nesse campo particular, Taylor refaz 0 contexto hist6rico dasteorias da linguagem mais influentes: a designativa, na qual as palavras e alinguagem desempenham urn papel instrumental; e at'teoria expressiva, naqual a Iinguagem e percebida